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A cidadania e a Constituição

Uma necessária relação simbólica

Valéria Ribas do Nascimento


José Luis Bolzan de Morais

Sumário
1. Introdução. 2. Considerações acerca da
cidadania. 2.1. O desvelar da cidadania no Brasil:
sobreintegração e subintegração. 2.2. A Cons-
tituição Cidadã: um “acontecimento” cultural.
3. O fenômeno da globalização e a cidadania
mundial. 3.1. A “nova cidadania”: reinvenção do
território. 3.2. O bem-estar em sociedade: ilusão
ou possibilidade? 4. Conclusão.

Acorda, eis o mistério ao pé de ti!


E assim pensando riu amargamente,
Dentro em mim riu como se chorasse!
(Fernando Pessoa)
Valéria Ribas do Nascimento é Doutoranda
em Direito Público pela Universidade do Vale do
Rio dos Sinos (UNISINOS); Mestre em Direito 1. Introdução
Público pela Universidade de Santa Cruz do Sul
(UNISC); Graduada em Direito pela Universida- O presente trabalho tem por fim apre-
de de Santa Maria (UFSM); Professora de Direito sentar ponderações sobre a cidadania,
Constitucional da Faculdade de Direito de Santa
iniciando a partir da concepção moderna,
Maria (FADISMA) e UNISINOS, advogada.
José Luis Bolzan de Morais é Doutor – UFSC/ do século XVIII, bem como vislumbrar se
Universitè de Montpallier I – em Direito do a mudança de sentido que nela ocorreu
Estado e Pós-Doutor em Direito Constitucional com a globalização corroborou com seu
pela Universidade de Coimbra; Mestre PUC/RJ; significado maior: garantir às pessoas con-
Coordenador e professor do PPGD/UNISINOS; dições de sobrevivência digna, tendo como
Procurador do Estado do Rio Grande do Sul; valor-fonte a plenitude da vida (CORRÊA,
Professor da UNILE – Lecce – Itália; Consultor 2000, p. 217).
da Escola Doutoral Túlio Ascareli – Roma Tre e Nesse sentido, o primeiro capítulo abor-
professor convidado das Universidades de Roma
da o desvelamento da cidadania, citando-se
“La Sapienza”, Roma Tre, Napoli e Salerno;
Pesquisador do CNPq, FAPERGS; Consultor especificamente o caso brasileiro. É resga-
ad hoc do MEC/SESu/INEP, CAPES e CNPq; tado o valor que tiveram as Constituições
Coordenador do Círculo Constitucional Euro- do país, desde o descobrimento até a atual
Americano (CCEUAM). Carta Maior; esta chamada de Constituição
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Cidadã pela proteção dirigida tanto aos Ocorre que a maneira como se formaram
direitos sociais como aos civis e políticos. os Estados-Nação condicionou a construção
Ainda, relata-se a importância da Cons- da cidadania. Em alguns países, o Estado teve
tituição cultural, evidenciada como uma mais importância e o processo de difusão dos
soma de atitudes subjetivas e objetivas dos direitos se deu principalmente com a ação
cidadãos em conjunto com os órgãos esta- estatal. Em outros, ela foi construída com a
tais. O sentimento constitucional é expres- ação dos próprios cidadãos (CARVALHO,
são de uma cultura política assimilada e 2001, p. 12)3.
sentida pelas pessoas acerca dos principais Nesse viés, pode-se afirmar que, igual-
alicerces jurídico-políticos de convivência, mente, o constitucionalismo4 originou-se
o que envolve realização de direitos funda- como o Estado-Nação, como forma de
mentais (VERDÚ, 2004, p. 16-17). submeter o poder político ao Direito, limitar
No segundo capítulo, discorre-se a suas funções, garantir o direito de liberda-
respeito do fenômeno da globalização e da de às pessoas e estabelecer a separação dos
correspondente cidadania mundial. Trata-se poderes5.
da diminuição do papel central do Estado- O aparecimento das Constituições e
­Nação na defesa do bem-estar social e das a importância disso para a instituição e
formas alternativas criadas pela sociedade manutenção da cidadania representou
para vencer essa falta de proteção estatal. verdadeira revolução, a qual estava base-
Durante esta exposição, de forma algu- ada no fato de que a Constituição denota
ma pretende-se esgotar a matéria, tendo em afirmação da coletividade e, em razão dis-
vista a amplitude e a extensa bibliografia so, subordina o Estado (MOREIRA, 2001,
sobre o tema. Procura-se traçar algumas p. 314-318).
noções sobre a cidadania, palavra geral- A mudança de modelo de Estado até
mente ensinada nas faculdades de Direito, então absoluto, centrado na pessoa e na
na matéria de Direito Constitucional, ape- vontade do príncipe, passou a curvar-se à
nas no seu viés político, como um direito Constituição, para, por meio dela, legitimar
de votar e ser votado. Entretanto, dela há o poder constituinte e os poderes consti-
tanto mais a explorar. tuídos do Estado. Com isso, pretendeu-se
proteger os direitos da pessoa humana (Cf.
2. Considerações acerca da cidadania HÄBERLE, 1998, p. 96).
Assim, as Constituições do final do
A cidadania1 assumiu historicamente século XVIII, de todo século XIX e início
várias formas em função dos diferentes do XX serviram para conformar a força ao
contextos culturais em que esteve inserida Direito. Entretanto, as acentuadas altera-
(VIEIRA, 1999, p. 213). Releva anotar que a ções políticas e econômicas ocorridas em
concepção moderna2 iniciou com a idéia de todo mundo sujeitaram as Constituições
Estado-Nação e que data das Revoluções e o Direito Constitucional, mais do que
Americana de 1776 e Francesa de 1789. qualquer outro ramo da ciência jurídica, a
O conceito de cidadania, como direito experimentar profundas transformações.
a ter direitos, foi construído dentro das Primeiramente, buscou-se a força nor-
fronteiras geográficas e políticas do próprio mativa da Constituição, na medida da sua
Estado. Era uma luta política nacional e o ci- aplicação eficaz ao caso em concreto6. Nessa
dadão que dela surgia era também nacional linha, surge a Teoria da Constituição como
(CARVALHO, 2001, p. 12). Dessa forma, a um “acontecer” cultural, que representa a
cidadania moderna se desenvolveu à me- obra de todos os intérpretes em uma socie-
dida que as pessoas passavam a se sentir dade aberta, retratando a expressão viva de
parte de uma Nação e de um Estado. um povo (VERDÚ, 1998, p. 40).

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Pablo Lucas Verdú (2004, p. 53) refere do movimento operário e sindical – abarca
que o sentimento constitucional supõe a os direitos ao trabalho, saúde, educação,
implicação com o ordenamento jurídico e aposentadoria, seguro-desemprego, ou
com a idéia de justiça que o inspira. Sentir seja, a garantia de acesso aos meios de
juridicamente é implicar-se com o Direito vi- vida e bem-estar social (MARSHALL apud
gente, com o todo ou com parte dele, dando-lhe ROBERTS, 1997).
apoio. Assim, todas as pessoas inseridas no Vale consignar que não se trata de uma
contexto social devem pleitear pela efetivi- seqüência cronológica, mas sim lógica. Com
dade constitucional. base no exercício dos direitos civis foi que
Todavia, no final do século XX e início os ingleses reivindicaram o direito de votar,
do XXI, a idéia de Constituição passou a ser de participar do governo de seu país. A
vista como fator complicador e comprome- participação permitiu a eleição de operários
tedor da globalização do mercado. Tam- e a criação do partido trabalhista, que foi
bém, como um freio à expansão econômica responsável pela introdução dos direitos
e financeira. Dessa maneira, percebe-se que sociais (MARSHALL apud CARVALHO,
a tutela dos direitos elencados na Constitui- 2001, p. 11).
ção tem sido duramente atingida. Entretanto, existe uma exceção na
A seguir será exposto o caminho percor- se­qüência desses direitos. Trata-se da
rido pelo (des)velamento da cidadania no educação popular, porque ela é definida
Brasil e a importância que a Constituição como direito social, mas tem sido um pré-
de 1988 desempenha na manutenção dessa requisito para expansão dos outros direitos
(des)ocultação. (MARSHALL apud CARVALHO, 2001).
Consoante José Murilo de Carvalho
2.1. O desvelar da cidadania no Brasil: (2001), nos países em que a cidadania se
sobreintegração e subintegração desenvolveu com maior rapidez, inclusive
A palavra cidadania tem se prestado a a Inglaterra, a educação popular permitiu
diversas interpretações. Entre elas, tornou- às pessoas tomarem conhecimento de seus
se clássica a concepção de T. H. Marshall, direitos e se organizarem para lutar por
que, analisando o caso inglês, generalizou eles. A ausência de uma população educada
a noção de cidadania e de seus elementos tem sido sempre um dos principais obstácu-
constitutivos (VIEIRA, 1999, p. 213). Mar- los à construção da cidadania civil e política
shall (apud ROBERTS, 1997, p. 6) desen- (CARVALHO, 2001). O percurso inglês
volveu a distinção entre as dimensões da foi apenas um entre outros. A França, a
cidadania civil, política e social e, ao mesmo Alemanha,­ os Estados Unidos, cada país
tempo, defendeu uma interdependência ex- seguiu seu próprio caminho. E com o Brasil
tremamente necessária entre os três tipos. não foi exceção (CARVALHO, 2001).
A cidadania civil conquistada no século Houve, no Brasil, variações importan-
XVIII é constituída pelos direitos individu- tes referentes à maior ênfase na cidadania
ais necessários ao exercício da liberdade, social e à alteração na seqüência em que
igualdade, propriedade, de ir e vir, direito os direitos foram adquiridos, pois o social
à vida, segurança, etc. Esses direitos emba- antecedeu os outros (CARVALHO, 2001, p.
saram o liberalismo. A cidadania política, 12). Assim, quando se fala de um cidadão
alcançada no século XIX, compreende o inglês, ou norte-americano, e de um cida-
direito de participar do poder político tanto dão brasileiro, não se aborda exatamente em
diretamente, pelo governo, quanto indi- um mesmo sentido (CARVALHO, 2001).
retamente, pelo voto (MARSHALL apud Em três séculos de colonização (1500-
ROBERTS, 1997). Por seu turno, a cidadania 1822), os portugueses tinham construído
social atingida no século XX – com as lutas um enorme país, provido de unidade

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territorial, lingüística, cultural e religiosa, dias atuais, em que pese o manto simbólico
mas com uma população analfabeta, uma e as conquistas sociais da Constituição de
sociedade escravocrata, uma economia 1988.
monocultora e latifundiária, um estado Por sua vez, a Constituição republicana,
absolutista (SILVA, 1999, p. 71-76). À época de 1891, não eliminou as barreiras existen-
da independência, não havia cidadãos brasi- tes para uma maior participação na política
leiros, nem pátria brasileira (CARVALHO, do país. Pode-se afirmar que até 1930 não
2001, p. 18). havia povo organizado politicamente, nem
Escravidão, grandes propriedades e sentimento nacional consolidado (SOUZA,
a falta de educação superior no país não 2003, p. 83). A população não tinha lugar
constituíam ambiente favorável à formação no sistema político, seja no Império, seja
de futuros cidadãos. Em contraste com a na República, e a cidadania nas suas três
Espanha, Portugal não permitia a criação de dimensões, civil, política e social, ainda
universidades em sua colônia. Os brasilei- permanecia velada.
ros somente puderam ter o direito a curso A partir de 1930, o país entrou em fase
superior após a chegada da corte, em 1808 de instabilidade, alterando-se ditaduras e
(CARVALHO, 2001, p. 23). regimes democráticos. A fase propriamente
A independência do Brasil, em 1822, revolucionária, na qual um movimento
não se realizou com a participação efetiva armado dirigido por civis e militares de
da população. Ademais, manteve a escra- três estados da federação – Minas Gerais,
vidão, o que evidencia grandes limitações Rio Grande do Sul e Paraíba – tomou o Po-
aos direitos civis. der, durou até 1934, quando a assembléia
A Constituição outorgada de 1824, que constituinte votou nova Constituição e
regeu o país até o fim da monarquia, regu- elegeu Getúlio Vargas presidente (SOUZA,
lou os direitos políticos, definindo quem 2003).
teria direito de votar e ser votado. Todavia, Em 1937, o golpe de Vargas, apoiado
naquela época, o voto era mercadoria a ser pelos militares, inaugurou um período
vendida pelo melhor preço (CARVALHO, ditatorial, com uma nova Constituição, que
2001, p. 36). durou até 1945. Nesse ano, nova interven-
Do ponto de vista da representação ção militar derrubou Vargas e deu início à
política, a proclamação da República, em primeira experiência que se poderá chamar
1889, não significou grandes mudanças. E como democrática do país (SOUZA, 2003,
a Primeira República (1889-1930) ficou co- p. 87).
nhecida como república dos coronéis7. Nesse Com a Constituição de 1946, foi es-
paraíso de oligarquias, as práticas eleitorais tabelecida a liberdade de imprensa e de
fraudulentas não podiam desaparecer. organização política. O voto popular, pela
Leonardo Boff (1996, p. 96) lembra que primeira vez, começou a ter importância
as elites do país construíram um tipo de não só pela extensão, mas também pela
sociedade organizada na espoliação do lisura do processo eleitoral. Foi o período
trabalho e na exclusão de grande parte da marcado pelo que se chamou de política
população. Dessas diferenças nasceram populista. A experiência terminou em 1964,
duas espécies de pessoas: o sobreintegrado ou quando os militares intervieram mais uma
sobrecidadão, que dispõe do sistema, mas a ele vez e implantaram a ditadura (SOUZA,
não se subordina, e o subintegrado ou subcida- 2003, p. 88).
dão, que depende do sistema, mas a ele não tem Releva anotar que o período de 1930 a
acesso (NEVES apud MORAIS; STRECK, 1945 foi o momento da legislação social,
2006, p. 86). Surge no Brasil um padrão incluindo a promulgação da Consolidação
de subcidadania8, gerada e mantida até os das Leis do Trabalho (CLT) em 1943. As-

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sim, ocorreu uma inversão na ordem dos eram violados impunemente. Prisões
direitos, colocando os sociais à frente dos eram feitas sem mandado judicial,
políticos e civis. os presos eram mantidos isolados e
Com a ditadura implantada pelos mili- incomunicáveis, sem direito a defesa
tares em 1964, houve necessidade de uma (...). A liberdade de pensamento era
nova Constituição, aprovada em 1967, sob o cercada pela censura prévia à mídia
pretexto de devolver a democracia ao Estado e às manifestações artísticas, e nas
brasileiro. Afirmavam os militares que iriam universidades, pela aposentadoria
introduzir algumas reformas e mudanças e cassação de professores e pela
para garantir a longevidade da democracia proibição de atividades políticas es-
e a articulação do Brasil com a economia tudantis (...) Além disso, a legislação
mundial (ANDRADE; BONAVIDES, 1991, de exceção, como o AI-5, suspendeu a
p. 429). revisão judicial dos atos do governo,
O período de 1964 até 1985 se caracte- impedindo o recurso aos tribunais.”
rizou por repetir a tática do Estado Novo, (CARVALHO, 2001, p. 193-194).
ampliar os direitos sociais e restringir os Como conseqüência da abertura, esses
direitos políticos. Pode-se dizer que o auto- direitos foram restituídos, mas continua-
ritarismo brasileiro pós-30 sempre procurou ram beneficiando apenas parcela reduzida
compensar a falta de liberdade política com da população. Foi somente com a Constitui-
paternalismo social (CARVALHO, 2001, ção de 1988 que os direitos civis, políticos e
p. 190). sociais foram protegidos. Por isso, ela ficou
Vale salientar que foi a tática, dos mi- conhecida como símbolo da cidadania.
litares, de proteção social que os fez per- Entretanto, na prática, permaneceram in-
manecer no governo por tantos anos. Não tensos problemas sociais a serem tutelados
se pode olvidar que o chamado “milagre” pelo Estado.
econômico brasileiro ocorreu durante o A atual Carta Maior, já em seu preâmbu-
período de maior repressão do país (1968- lo, revela a preocupação com o exercício dos
1974), no qual os direitos civis e políticos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
praticamente não existiam. Todavia, uma segurança, o desenvolvimento, a igualdade
vez desaparecido o “milagre”, quando a taxa e a justiça, como valores supremos de uma
de crescimento começou a decrescer, por sociedade fraterna. Ou seja, busca a defesa
volta de 1975, o crédito do regime esgotou-se da cidadania9!
rapidamente (CARVALHO, 2001, p. 192).
A classe média inquietou-se e os operá- 2.2. A Constituição Cidadã: um
rios urbanos retomaram sua luta por me- “acontecimento” cultural
lhores salários. O movimento pelas eleições Existe uma relação intrínseca entre
diretas em 1984 foi o ponto culminante de a Constituição, a cultura e os valores da
um movimento de mobilização política sociedade, de maneira que o Texto Maior
de dimensões inéditas na história do país não pode ser visto apenas como uma pau-
(CARVALHO, 2001, p. 193). ta de regras desvinculada das influências
Ao final da ditadura militar, perce- do meio social. Impende salientar que a
beu-se o resultado de vinte e um anos de Constituição brasileira de 1988 está sendo
governo: desvelada, pois possui dispositivos consti-
“O habeas corpus foi suspenso tucionais que, ainda, não têm aplicação efe-
para crimes políticos, deixando os tiva. A título de exemplificação, elencam-se
cidadãos indefesos nas mãos dos o mandado de injunção (art. 5o, inc. LXXI) e
agentes de segurança. A privacidade a argüição de descumprimento de preceito
do lar e o segredo da correspondência fundamental (art. 102, § 1o).

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Nas palavras de Lenio Streck, a única que o modelo de Constituição cultural é
forma de otimizar as regras estabelecidas uma soma de atitudes, idéias, experiências,
na Constituição é por meio da hermenêu- escalas de valores e expectativas subjetivas
tica jurídica, que trabalha com o “dar sen- e correspondentes ações objetivas, dos ci-
tido” com o Dasein10 (ser aí). Essa forma de dadãos, das suas associações e dos órgãos
exegese busca retirar o véu que encobre os estatais (HÄRBELE, 2000, p. 36).
operadores jurídicos na aplicação do Direito Juntamente com a idéia de Constituição
ao caso em concreto (STRECK, 2000). como cultura surge a Constituição aberta,
A hermenêutica jurídica surge como a qual recebe em seu texto preceitos e/
uma possibilidade para que a cidadania ou institutos de ordenamentos jurídicos
brasileira, que é garantida apenas teori- internacionais (VERDÚ, 1998, p. 265).
camente como um símbolo, denominada Consoante Verdú (1998), as Constituições
por Gilberto Dimenstein como cidadania não escritas têm maior facilidade para se-
de papel (DIMENSTEIN, 2001, p. 17), passe rem trabalhadas nessa concepção, diante
para uma cidadania efetiva. Assim, o Texto da receptividade própria de tal modelo às
Supremo surge não somente como uma exigências e mutações sociais. Todavia, não
ordem jurídica para juristas, que devem afasta a possibilidade de as Constituições
interpretar de acordo com as velhas e escritas igualmente admitirem essa abertura
novas regras de seu ofício, mas sim como (­VERDÚ, 1998, p. 266).
guia para toda sociedade, englobando os A Constituição pode ser considerada
cidadãos. aberta desde que não haja nenhum preceito
A Carta Maior não é somente um texto que a impeça tecnicamente de admitir con-
jurídico, é expressão de uma situação cultu- teúdos de outros ordenamentos ou valores
ral dinâmica, espelho da sociedade e funda- sociais que a fundamentam e inspiram, mas
mento de suas esperanças (HÄRBELE, 1998, que por variadas razões não os acolheu.
p. 46). Nascem aí as Constituições vivas11, que No Brasil, a Constituição vigente pode ser
representam a obra de todos os intérpretes considerada como uma Constituição aberta,
em uma sociedade aberta, retratando não pois o § 2o do inc. LXXVII do art. 5o estabele-
só o texto, mas também o contexto no qual ce que os direitos e garantias nela expressos
estão inseridas. não excluem outros decorrentes do regime
Como afirma Verdú (1998, p. 122), a e dos princípios por ela adotados, ou dos
expressão de valores transcende ao Texto tratados internacionais em que a República
Constitucional, por que eles tendem a re- Federativa do Brasil seja parte.
alizar-se por meio e para além dele, pela A importância dessa concepção repousa
comunidade na qual estão inseridos. Pode- no fato de que as Constituições não con-
se afirmar que a Constituição reconhece seguem acompanhar as mudanças econô-
tais valores superiores do ordenamento micas, políticas, tecnológicas, sociais por
jurídico e os protege, especialmente no que que tem passado a sociedade. Assim, essa
diz respeito aos direitos humanos12. abertura possibilita – sem as dificuldades
Häberle (2000, p. 33-34) refere que o e a insegurança que gerariam alterações
arquétipo de Constituição Democrática constantes em seu texto, mediante processo
compõe-se de elementos reais e ideais, esta- legislativo complexo – a sua própria ade-
tais e sociais, localizados no seio do Estado quação à realidade social de forma natural
Constitucional e que seriam a dignidade e sem traumas.
humana; a soberania popular; a Consti- Observa-se que, para se manter o
tuição como pacto; o princípio da divisão equilíbrio social, é necessário um processo
dos poderes; o Estado de Direito e o Estado integrador, entre Estado, opinião pública
Social de Direito. Nesse viés, percebe-se e Constituição (VERDÚ, 1998, p. 272). So-

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mente quando se conseguir a primazia da habitado por uma população (GIDDENS,
sociedade sobre o Estado, convertendo-o 1999, p. 25). Atualmente, devido a novas
num agente da sociedade, é que será possí- realidades, houve uma interdependência
vel o império pleno da Constituição, como entre os Estados-Nação, o que acarretou
alternativa para equilibrar a atuação dos um entrelaçamento na idéia de soberania
vários atores sociais e dos vários centros (GIDDENS, 1999, p. 27).
de poder (VERDÚ, 1998). Outrossim, ocorreu uma nova concep-
Dessa maneira, a compreensão de ção de cidadania, baseada não mais no laço
Constituição não deve se dar num espaço que liga o indivíduo ao Estado, mas, sim,
vazio, atemporal, justamente porque é o em um conjunto de valores e práticas só-
resultado das experiências históricas que cio-econômicos, regulados por instituições
se renovam. Todavia, deve-se atentar para supranacionais (VIEIRA, 2001a, p. 241). A
o fato de o atual fenômeno econômico, sociedade, na condição de comunidade históri-
chamado de globalização, não esvaziar ca e política, seria substituída por uma noção
completamente o sentido da Constituição econômica de uma organização de produção e
e da própria cidadania, pois esta tem sua redistribuição de riquezas (VIEIRA, 2001a).
proteção naquela. Contudo, não se pode esquecer que a
cidadania enfatiza a idéia de igualdade
3. O fenômeno da globalização e contra a desigualdade econômica e social.
a cidadania mundial Portanto, o padrão da cidadania é, ainda,
o Estado-Nação. Dessa forma, surge a
Nas últimas décadas, falar de crise tor- pergunta: se o Estado-Nação se enfraque-
nou-se referência diante da mudança de ce com a globalização, qual o destino da
paradigmas que orientam a construção dos cidadania?
saberes e as instituições da modernidade
(MORAIS, 2002, p. 23). Com a denominada 3.1. A “nova cidadania”:
globalização econômica13, foco de atenção de reinvenção do território
juristas, sociólogos, economistas, historia- O debate acerca do futuro da cidadania
dores, etc., ocorreram transformações de depara-se com três perspectivas diferentes.
valores do Estado-Nação; conseqüente- Em primeiro lugar, a visão liberal – John
mente, verificou-se uma modificação na Rawls, Ronald Dworkin, Bruce Ackeman
significação da cidadania. –, enfatizando o indivíduo que, por cima
Releva anotar que a maioria dos aspec- do grupo e da identidade coletiva, é sem-
tos da globalização é controversa, sendo pre capaz de redefinir seus próprios fins.
que duas idéias absolutamente contrárias Nessa visão é exposta a idéia de cidadania
emergiram, ligadas em certa medida a passiva, baseada na concepção de Locke e
posições políticas divergentes. Alguns nos cidadãos como anteriores ao estado, ou
autores sustentam que a globalização é um pré-políticos (VIEIRA, 2001a, p. 231).
mito ou é, no máximo, uma continuação de A visão comunitarista – Charles Taylor,
tendências estabelecidas há muito tempo14. Michael Walzer –, ao contrário, enfatiza a
No outro pólo estão autores e formuladores cultura e o grupo social que confere iden-
de políticas que dizem que a globalização tidade aos indivíduos atomizados pelas
não só é real, mas já está muito avançada tendências desenraizadoras da sociedade
(GIDDENS, 1999, p. 40). liberal (VIEIRA, 2001a). O indivíduo não é
A globalização leva a mudança de anterior à sociedade, é construído em fun-
perfil da soberania. Esta antes era con- ção de sua vida em contextos culturais com-
cebida como monopólio da força e da partilhados na sociedade. Assim é a noção
política sobre um determinado território, de cidadania ativa, calcada no pensamento

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de Aristóteles, tendo o indivíduo como pela visão liberal, nem pela comunitarista
fruto da comunidade (VIEIRA, 2001a). (VIEIRA, 2001a, p. 321).
Daí advém, ainda, a discussão, conforme Na teoria da ação comunicativa ou do
Bryan Turner (apud VIEIRA, 2001a, p. 228), agir comunicativo15, o sistema social adqui-
sobre a cidadania passiva, a partir de cima, re a sua identidade a partir do consenso
via Estado, e a cidadania ativa, a partir de (ROCHA, 2001, p. 239). Nessa perspectiva,
baixo, via ativa. é proposta a informalização do Direito
A globalização evidenciaria a cidadania mediante o critério “procedural”, que se
passiva, de cima para baixo, impositiva, fa- diferencia do formalismo normativista e
zendo com que os Estados incentivem uma do modelo hermenêutico material pelo
cidadania não reinvidicativa. Rompe-se a fato de fundar a sua validade no respeito
identidade nacional, seja pela formação dos a procedimentos de elaboração discursiva
blocos supranacionais, pelos fluxos migra- das normas (ROCHA, 2001).
tórios ou pelos conflitos de nacionalidade. Rocha refere que a possibilidade prática
Em torno das modificações que estão de testar a hipótese de Habermas (1997)
ocorrendo no plano internacional, Canoti- pode ser feita por meio da análise de novos
lho (2006) coloca a questão da problemática fenômenos de informalização e acesso à
que gira em tono da reinvenção do territó- justiça, como é o caso da resolução de con-
rio. Acontece que a Constituição dirigente flitos por meio da arbitragem, negociação
sempre foi considerada a Constituição do e mediação (ROCHA, 2001).
Estado e, agora, com a supranacionalização e O agir comunicativo está relacionado
internacionalização do direito, as liberdades com integração de indivíduos socializados,
se tornaram globalitárias. Traz como exem- atuando como participantes no processo.
plo a liberdade de pessoas, mercadorias, Esse exercício provoca a tensão entre facti-
serviços, capitais e afirma que elas esvaziam cidade e validade, embutida na linguagem
a concepção de Estado e de Constituição e no uso da linguagem.
(NATO, EU, MERCOSUL, NAFTA, ONU, Habermas (1997, p. 22), ao considerar
Uruguai-Round, Schengen, Informação o conceito de razão comunicativa, situa-
– CNN) (CANOTILHO, 2006, p. 219). o no âmbito de uma teoria reconstrutiva
Não há como deixar de salientar que da sociedade. Nesse contexto, as formas
Canotilho (2006) está inserido no contexto de comunicação da formação política da
europeu. Portugal faz parte da União Euro- vontade do Estado, da legislação e da ju-
péia e o país realmente passou pelo Estado risprudência aparecem como partes de um
de Bem-Estar Social. Entretanto, com rela- processo mais amplo de racionalização dos
ção ao Brasil e os países em desenvolvimen- mundos da vida16.
to, a história é diferente. Muitas promessas Percebe-se que a nova cidadania, cida-
do Estado Social não foram cumpridas e, na dania cosmopolita ou cidadania mundial
prática, nem mesmo estamos inseridos em emerge lentamente na sociedade civil or-
um Mercado Comum. Por isso, deve-se ob- ganizada em torno de interesses públicos.
servar com cautela as doutrinas estrangeiras A partir daí surge a idéia de terceiro setor,
antes de aplicá-las internamente. movimentos sociais ou organizações não-
Vale consignar uma terceira perspectiva, governamentais (VIEIRA, 1999, p. 236).
abordada por Habermas (1997), chamada Atualmente, os conceitos de público e
de discursiva ou deliberativa, na qual a ci- privado não se aplicam mais automatica-
dadania é baseada na identidade cívica, ou mente ao Estado e à sociedade, respectiva-
seja, cidadania ativa baseada na participa- mente. É possível dizer que existem também
ção nos negócios políticos. Salienta-se que a as esferas do estatal-privado e do incipiente
teoria do agir comunicativo não se caracteriza social-público (VIEIRA, 1999, p. 237).

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Na esfera estatal-privada estão as em- mais de dez anos em que há no país uma
presas e as corporações estatais que, em- Constituição Cidadã. Percebe-se que as
bora formalmente públicas, encontram sua pessoas conquistaram o direito de eleger
lógica na defesa de interesses particulares, seus representantes, manifestar o pensa-
econômicos e setoriais. Na esfera social-pú- mento livremente, obtiveram também a
blica, ainda emergentes, encontram-se os proteção de direitos civis, políticos e sociais.
movimentos e instituições que, embora for- Contudo, permanecem problemas centrais
malmente privados, perseguem objetivos na sociedade, como a violência urbana,
sociais, articulando-se na prática a constru- desemprego, analfabetismo, desigualdades
ção de um espaço público não-estatal. É o sociais e econômicas, a má qualidade de
caso das organizações não governamentais ensino, a oferta inadequada dos serviços
(VIEIRA, 1999). de saúde, etc.
Há vários níveis para se conceber a Em razão da continuidade desses fatores,
extensão da cidadania para além das fron- como já foi mencionado anteriormente, a
teiras do Estado nacional. Trata-se de uma sociedade civil está recorrendo a formas
aspiração ligada ao sentimento de unidade alternativas de prover o bem-estar. As-
da experiência humana na terra e que abre sim, vislumbra-se a atuação da família,
caminho a valores e políticas em defesa da religião, associações voluntárias, redes de
paz, justiça social, diversidade cultural, de- assistência social, ONGs17 como poderosos
mocrática, sustentabilidade ambiental em instrumentos de desenvolvimento de um
nível planetário, etc (VIEIRA, 2001a, p. 251). modelo de cidadania social menos centrada
Hoje, organizações como Anistia Internacional no Estado (ROBERTS, 1997).
ou Greenpeace, por exemplo, têm mais poder Como afirma Alba Zaluar (1997, p. 35),
no cenário internacional do que a maioria dos não se busca uma filantropia humilhante, mas
países (VIEIRA, 2001a, p. 249). a solidariedade como princípio fundamen-
Assim, não se espera apenas do Estado- tal da sociedade, de forma que cada um seja
Nação respostas para a exclusão e degra- responsável por todos.
dação social. Está ocorrendo a busca de um Insta observar a teoria de Marcel Mauss,
novo padrão de desenvolvimento, por meio na qual é formulada a concepção de quar-
de entidades e movimentos sociais – como to setor, em que há três momentos da
os ecológicos, feministas, de minorias, de reciprocidade – dar, receber e retribuir.
consumidores, etc. A reciprocidade moderna estaria baseada
Eli Diniz (apud VIEIRA, 1999, p. 247) na generosidade com estranhos advinda
traz a noção de governança, que seria a de um ato gratuito e livre do doador; por
capacidade governativa em sentido amplo, exemplo, a doação de órgãos e de sangue
na qual o Estado torna-se mais flexível, ou grupos organizadores como os alcoóla-
capaz de descentralizar funções, transferir tras anônimos e dos narcóticos anônimos
responsabilidades e alargar o universo de (ZALUAR, 1997, p. 35).
atores participantes. Entretanto, mesmo Nessa senda, Edgar Morin (2002, p. 28) re-
diante da atuação da sociedade civil, na fere que a crença no amor é o mais poderoso
busca por melhores condições de vida, mito ao qual as pessoas devem se apegar. E
permanece a incerteza com relação aos não é o amor interindividual, mas o amor,
resultados efetivos dessas ações. num sentido mais amplo, que englobaria
toda a sociedade.
3.2. O bem-estar em sociedade: Dessa maneira, infere-se que as formas
ilusão ou possibilidade? alternativas encontradas pela sociedade
Levando-se em consideração o caso civil para solucionar os problemas sociais
brasileiro, constata-se que já se passaram possuem certa eficácia. Contudo, não há

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como olvidar a importância da concepção A atual Constituição Cidadã apareceu
moderna de cidadania, centrada na idéia como símbolo das conquistas democráticas.
de Estado-Nação, pois não existem, até o Assim, mesmo que falte um longo caminho
momento, soluções sobre quais os setores para a efetiva cidadania em território bra-
capazes de suplantar o Estado no dever de sileiro, não há como negar que o primeiro
prover as condições de bem-estar. passo foi trilhado em 1988. Por isso, a ne-
Por isso, o Estado-Nação, como unidade cessidade de defesa das suas normas.
prática da política e morada institucional da Nesse contexto, em que pese o reco-
cidadania, terá de ocupar o papel principal nhecimento da subcidadania, bem como a
na regulação dos direitos e deveres da pes- carência na concretude de muitas normas
soa humana. constitucionais, é necessário reconhecer as
palavras de Fernando Pessoa que constam
4. Conclusão na epígrafe do texto: Acorda, eis o mistério
ao pé de ti! Dentro o povo chora, enquanto
Nos últimos anos, com a chamada globa- a Constituição pede efetividade!
lização, a concepção de cidadania moderna
foi alterada, pois ela não é mais entendida
como um status legal, isto é, cidadão como Notas
membro pleno de uma comunidade políti- 1
A própria palavra cidadão, em seu sentido
ca particular. Hoje, ressalta-se a cidadania etimológico, deriva da noção de cidade, daquele que
habita a cidade (CRUANHES, 2000, p. 25).
para além das fronteiras tradicionais do 2
Na cidadania antiga, dos séculos V e VI a.C., os
Estado-Nação. direitos eram reservados aos cidadãos, mas nem todos
Assim, surge o terceiro e quarto se- os homens eram cidadãos (VIEIRA, 1999, p. 217).
tor, que seriam movimentos sociais não 3
No decorrer do trabalho, será exposta a diferença
centrados na figura estatal, como formas que ocorreu entre a formação da cidadania brasileira,
americana e de alguns países europeus.
de suprir a ausência do Estado-Nação na 4
Constitucionalismo é a teoria que ergue o prin-
proteção dos direitos e garantias mínimos cípio do governo limitado indispensável à garantia
à população, principalmente a de baixa ou dos direitos em dimensão estruturante da organização
nenhuma renda. político-social de uma comunidade (...) é no fundo
Ocorre que não há como negar a relação uma teoria normativa da política, tal como a teoria da
democracia ou a teoria do liberalismo (CANOTILHO,­
entre cidadania e igualdade. E, com isso, 1999, p. 47). Ainda sobre o constitucionalismo, é im-
evidencia-se a importância de que o Es- portante salientar a obra de ­Nicola Matteucci (1998,
tado-Nação mantenha um papel ativo na p. 318), a qual recupera a evolução histórica das
implementação de políticas voltadas para Constituições.
a proteção social.
5
Sobre a separação dos poderes, Cf. Montesquieu
(2002, p. 165), quando o mesmo refere que, para não
Mesmo que haja meios alternativos se abusar do poder, é preciso que, pela disposição das
de promover o bem-estar social, em nível coisas, o poder contenha o poder.
nacional e internacional, por meio da soli- 6
Consoante Konrad Hesse (1991, p. 19), “a força
dariedade e do amor (atuação da família, normativa da Constituição não reside, tão-somente,
religião, associações de bairro, ONGs, etc.), na adaptação inteligente a uma dada realidade. A
Constituição jurídica logra converter-se, ela mesma,
não há como esquecer o conceito moderno em força ativa, que se assenta na natureza singular
de cidadania que coloca no Estado-Nação a do presente”.
responsabilidade pela proteção do cidadão. 7
O coronel da Guarda era sempre a pessoa mais
Ainda mais quando se está diante de países poderosa do município (CARVALHO, 2001, p. 41).
em desenvolvimento, como é o caso brasi-
8
Para aprofundar o tema, Cf. Souza (2003).
9
Vale observar que, nos manuais de direito consti-
leiro, que passou do Estado Social para o tucional brasileiros, a concepção de cidadania é abor-
Estado Democrático de Direito sem ter efeti- dada apenas na sua concepção política, pois cidadão
vamente vivenciado o Estado Providência. é o indivíduo que seja titular de direitos políticos de

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votar e ser votado (Cf. SILVA, 1999, p. 347; BASTOS, BAUMANN, Zygmunt. Globalização: as conseqüên-
1999, p. 272; MORAES, 2002, p. 233 et seq.). cias humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de
10
O Dasein pode ser traduzido como ser aí (Da= aí; Janeiro:­ J. Zahar, 1999.
sein= ser) e como pré-sença (Cf. STRECK, 2000, p. 178).
BEILHARZ, Peter. Globalização, bem-estar e cidada-
11
A expressão é de Peter Häberle (1998, 2000,
nia. Revista Técnica, Rio de Janeiro, 2001.
p. 161), elencada na obra já mencionada.
12
Para Darcísio Corrêa (2000, p. 217), o conceito de BOFF, Leonardo. A violência contra os oprimidos:
cidadania confunde-se com os direitos humanos. seis tipos de análise. In: DISCURSOS sediciosos. Rio
13
Consoante Anthony Giddens (1999, p. 38), atu- de Janeiro: Relume-Dumará, 1996.
almente, nenhum discurso político está completo ou
manual de negócios é aceitável sem referência à globa- CANOTILHO, J. J. Gomes. Brancosos e interconstitucio-
lização. Para Otfried Höffe (2005, p. 5), a globalização nalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade
é uma palavra de ordem da filosofia política revestida constitucional. Coimbra: Almedina, 2006.
de emoções contraditórias, em parte contendo espe- ______ . Direito constitucional. Lisboa: Almedina,
ranças e temores. Além disso, vem sendo empregada [199-?].
de maneira inflacionária e, ao mesmo tempo, em
contornos tão tênues que se prefere evitá-la. Na sua ______ . Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed.
primeira definição, apresenta a globalização como cresci- Coimbra: Almedina, 1999.
mento e consolidação das relações internacionais. Também, CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo
Zygmunt Bauman (1999, p. 7) refere que a globalização caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
para alguns é o que se deve fazer para ser feliz; para
outros, é a causa da infelicidade. Para todos, porém, CORRÊA, Darcísio. A construção da cidadania: reflexões
globalização é o destino irremediável do mundo. histórico-políticas. 2. ed. Ijuí: Unijuí, 2000.
14
Essa é a posição de Philip McMichael e Boaven-
CRUANHES, Maria Cristina dos Santos. Cidadania:
tura de Souza Santos, elencada no artigo de Beilharz
educação e exclusão. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2000.
(2001, p. 177-205). Para eles, a globalização é uma
invenção dos neoliberais. DIMENSTEIN, Gilberto. O cidadão de papel: a infância,
15
Para uma leitura mais aprofundada a respeito a adolescência e os direitos humanos no Brasil. 19. ed.
da teoria do “agir comunicativo”, Cf. Habermas São Paulo: Ática, 2001.
(1997, p. 354).
16
Esse termo, utilizado por Habermas (1997) GARCIA PELAYO, Manuel. Las transformaciones del
na obra referida, significa o ambiente no qual estão estado contemporáneo. Madrid: Alianza, 1996.
inseridos os sistemas, entre eles o Direito. GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o
17
A expressão ONG inclui uma grande diversi- impasse político atual e o futuro da social democracia.
dade de organizações leigas e religiosas, políticas e Rio de Janeiro: Record, 1999.
não-políticas. Diferenciam-se por seu grau de depen-
dência de fundos externos e de pessoal administrativo HÄBERLE, Peter. Libertad, igualdad, fraternidad: 1789
estrangeiro. Além disso, há diferenças entre ONGs como historia, actualitad y futuro del estado consti-
cujos serviços são coordenados a partir do exterior tucional. Madrid: Minima Trotta, 1998.
e aquelas que trabalham de comum acordo com a ______ . Teoría de la constitución como ciencia de la cultura.
população local, procurando fortalecer a capacidade Madrid: Tecnos, 2000.
de iniciativa das comunidades. Uma questão muito
relevante consiste em saber se as organizações que HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facti-
mantêm vínculos externos e não precisam prestar cidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
contas de suas atividades contribuem de fato para 1997.
desenvolver um sentimento nacional de igualdade de
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto
direitos sociais (Cf. ROBERTS, 1997, p. 5-21).
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