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CORTÉS, José Miguel G. Políticas do Espaço: Arquitetura, Gênero e Controle Social, São Paulo: Editora Senac,
2008, 215 p. ISBN: 9788573597639
As alterações dos quadros conceptuais e das análise complementar de posturas teóricas críticas,
formas de pensamento que se têm vindo a constituir intercaladas por exemplos empíricos concretos e
como sinais distintivos da pósmodernidade nos muito pertinentes, em que medida pode a arquitectura
estudos urbanos, não só produziram importantes da cidade contemporânea assumir conteúdos
implicações sociais e epistemológicas, em geral, como hegemónicos que representam o discurso do poder
também reforçaram o questionamento do papel e da social e económico. O autor propõese a desvendar a
função do espaço público, não raras vezes reprodutor linguagem metafórica da cidade, cujo entendimento, a
de uma visão etnocêntrica, sexista e limitada da seu ver, favorecerá a realização de propostas
realidade social. Contrapondose a este espectro libertadoras ou, pelo menos, a construção de um
monocultural e reducionista de concepção de espaço discurso e de acções produtoras de um espaço urbano
urbano, a perspectiva pósmoderna dos estudos de mais plural e democrático.
cultura urbana (no âmbito do 'cultural turn') vem dar A primeira parte do livro – os espaços docéis –
corpo a uma leitura de compromisso ético e analisa a capacidade da arquitectura de contribuir para
sociocrítico das várias ciências que se debruçam sobre a configuração de uma ordem social (e para a
a análise da cidade e do urbano. Seguindo esta forma configuração de uma representação da autoridade) ao
de pensamento, o mais recente livro de José Cortés mesmo tempo que é capaz de camuflar as suas
“Políticas do Espaço: Arquitetura, Género e Controle ligações com essa mesma ordem e surgir sob um
Social”1 pretende inscreverse nos debates suscitados discurso de neutralidade técnica, desprovida de
pelos estudos de cultura urbana que questionam o qualquer carga ideológica. Não são só os contributos
sentido hegemónico do espaço (público) urbano e a de Foucault que são centrais, também os
configuração e desenho das cidades, entendidas como posicionamentos de Georges Bataille se revelam
uma acumulação de usos, fluxos, percepções, sistemas fulcrais na construção teórica da obra 'Políticas do
simbólicos e elementos de representação, cuja Espaço'. Ambos compartilham o princípio crítico de
relevância se modifica e se transforma em função do que a arquitectura actua como instrumento repressivo
tempo e das formações socioeconómicas que e autoritário que imprime sobre os corpos um controle
produzem o espaço social, ao abrigo de discursos social. O livro de Cortés desenvolve mais a proposta
dominantes com interesses económicos e sociais de Foucault, através do estudo de experiências
subjacentes. arquitectónicas e artísticas (públicas e privadas)
A obra conduz o leitor – especialista ou não em muitos diferentes, nas quais ordens distintas, como a
estudos urbanos – pela descoberta de diferentes família, a moral estabelecida, o poder político e
experiências arquitectónicas e artísticas, em que os económico, procuram dominar e controlar o espaço.
factores como a família, a moral estabelecida e o Centrase numa arquitectura em termos de
poder político ou económico dominam o ambiente planeamento espacial e de institucionalização do
urbano. Num tom bastante crítico e quase pós território, que olha, espia, controla, vigia e pune, uma
estruturalista o livro trata da relação do espaço da arquitectura voltada para o interior, não para o
cidade com o poder económico, político e social, e de exterior, que é apetrechada de objectivos disciplinares
como a nossa postura enquanto moradores, e de tecnologias de poder subtis que pretendem
trabalhadores, consumidores e cidadãos é, com transformações mais profundas nos grupos sociais e
frequência, de submissão a esse espaço e a esse poder. nos indivíduos. Uma microfísica de poder tão fina
Por meio de uma revisão muito completa da literatura, quanto eficiente, desenvolve uma máquina disciplinar
Cortés procura explicar o processo de subordinação, que produz sujeitos que se vigiam e reprimem
simbolizado nas formas urbanas, descortinando numa mutuamente.
Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 2, n. 1, p. 153-157, jan. / jul. 2011.
RESENHA: Políticas do Espaço: Arquitetura,
Gênero e Controle Social.
A economia do medo e o controle de aglomeração entender, analisar e criticar o conteúdo ideológico, por
da população pode ser alcançado com o auxílio vezes dissimulado, constante na produção do espaço
indispensável da arquitectura, estando presente nas urbano. Nesta tese reside uma das pontes, construída
políticas urbanísticas subjacentes aos três exemplos de nas ideias de Henri Lefebvre, para a produção de um
praças ilustrados pelo autor no seu livro, em Lyon, espaço urbano mais libertador e crítico. O urbano tem
Paris e Barcelona. O primeiro, o projecto da Place des de ser considerado na sua dimensão social,
Terreaux, no centro de Lyon, de 1994, que incorporou associandose história e projecto político, forma e
nove pequenas fontes no solo que, ao serem abertas, práxis, uma vez que, como estrutura e realidade, é
evitam as concentrações usuais de árabes que sempre rico em diferenças e conflitos sociais, não
ocorriam nela. O segundo projecto é o de reabilitação possuindo nada do ideal harmonioso com o qual o
da Place Vendôme, em Paris, em 1992, cujo espaço poder o apresenta, mas sim a conjugação de forças
limpo, aberto e transparente, destaca a sumptuosidade diferentes no seu espaço, reforçando relações de
dos edifícios aristocráticos do século XVIII, dominação.
actualmente ocupados por hotéis e comércio de luxo. Pretendese, assim, obter uma homogeneização
Finalmente, em Barcelona, a Plaça dels Països racional da cidade, uma nítida divisão entre a vida
Catalans, projecto de 1980, com mais de 10 mil pública e privada, bem como a criação de espaços
metros quadrados de espaço aberto cinzento, pretensamente assépticos e limpos, onde os corpos
desprovido de qualquer tipo de vegetação, permite possam ser submetidos à disciplina da banalização e
apenas a circulação dos transeuntes, impedindo a sua ao controle de seus desejos. E tudo isso através da
estadia pela ausência de mobiliário urbano acolhedor. construção de alguns lugares que não são inocentes a
Deste modo, Cortés reforça a sua inserção na esta ideologia comprometida com a dominação, mas
perspectiva pósestruturalista que questiona o sonho que se configuram como meios para legitimizar e
moderno da racionalidade e da ordem técnica e reproduzir um certo ponto de vista, ideologia e poder e
científica das formas de produção, apropriação e que abarca várias escalas de intervenção: desde a
vivência da cidade. Fundamentando a sua postura estruturação da habitação até ao planeamento da
investigativa e metodológica, Cortés explica como, cidade. O controle do espaço público a favor de
desde finais do século XVIII, segundo Foucault, se lógicas de mercantilização e de governos urbanos
desenvolveu um lento mas importante processo de neoliberais e neoconservadores que fazem vingar os
domesticação da vida social, de normalização dos interesses de apenas alguns e não de todos (cidade
espaços e dos comportamentos e de moralização da revanchista) tem criado profundas transformações na
população, processo totalmente baseado em técnicas vida urbana, na qual, por exemplo, as ruas começam a
de controle de impulsos e de canalização dos desejos perder a sua função e convertemse em simples
para o ciclo de produçãoconsumoreprodução. Trata lugares de passagem ao serviço do mundo de
se da arquitectura ao serviço de um projecto de consumo. Cortés explora nesta primeira parte do livro
carácter político, económico e social, para obter as obras do arquitecto Melvin Charney e do artista
algumas medidas de controle, de domínio e de Isidoro Medina que insistem numa arquitectura que,
implicação da população no espaço urbano. O entorno ao invés de procurar fomentar a adaptação social e a
construído não expressa em si opressão ou libertação, universalidade das normas, preocupase em expor as
mas condiciona as diferentes formas de prática social e necessidades dos diferentes sectores que habitam a
emoldura a vida quotidiana. Todo o elemento cidade, tanto favorecidos, quanto desfavorecidos, na
construído ajuda a estabilizar uma ordem e uma perspectiva de descobrir as contradições e conflitos
identidade espacial e, inevitavelmente, envolve entre interesses divergentes.
autoridade e capital simbólico. As formas urbanas são No ver do autor, contudo, estas últimas
um espelho social e por meio dele ajudam a constituir, intervenções críticas são enclaves, ilhas muito
reproduzir ou a transformar a realidade sócioespacial. pontuais, constratando num “oceano” onde a
Cortés desmonta de que forma as cumplicidades da apropriação do espaço público colectivo se faz por
arquitectura com as formas de poder são, na verdade, disseminação da cultura de consumo, celebrada hoje
inevitáveis, mesmo quando se vangloriam de uma por toda a sociedade, e cujo protótipo reside nos
pretensa autonomia face ao poder. Na realidade, a centros comerciais como produtos imobiliários que
aparente e suposta neutralidade acaba por revelarse recriam o consumo muito para além da função de
útil para as formas e práticas de poder, no silêncio que comércio, mas como experiência e ambiente de vida e
promove e no poder que possui em convencer sem bemestar que funciona, por intermédio da sedução,
gerar reclamações ou questionamentos. Por isso, o como grande regulador, quer da totalidade, quer do
autor insiste no quão importante é reconhecer, miscroscópico da vida social. Apesar de sugerir ao
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Luís Filipe Mendes
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