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REPRESENTAÇÃO E COMPLEXIDADE
Pensamento Complexo
Edgar Morin
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EDGAR MORIN
A Falsa Racionalidade
A falsa racionalidade, isto é, a racionalização abstrata e
unidimensional, triunfa sobre a Terra. As obras-primas mais monu-
mentais dessa racionalidade tecnoburocrática foram realizadas na
URSS, onde, por exemplo, desviou-se o curso dos rios para irrigar,
mesmo durante as horas mais quentes, hectares sem árvores utili-
zados para a cultura do algodão, causando a salinização do solo
devido à elevação do sal na terra, a volatilização das águas subter-
râneas e a evaporação do Mar de Aral. Infelizmente, após o desmo-
ronamento do império, os novos dirigentes convidaram especialis-
tas liberais do Ocidente que, ignorando deliberadamente que uma
economia de mercado concorrencial tem necessidade de instituições,
de leis e de regras, não elaboraram a indispensável estratégia com-
plexa que, como assinalou Maurice Allaib — todavia, um economista
liberal —, implicava planificar a desplanificação e programar a des-
programação.
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Os Sete Princípios
Podemos adiantar sete princípios-guia para pensar a complexi-
dade, estes são complementares e interdependentes:
1. O princípio sistêmico, ou organizacional, que une o co-
nhecimento das partes com o conhecimento do todo, conforme a
fórmula indicada por Pascal: “eu acredito ser impossível conhecer
o todo sem conhecer suas partes e de conhecer as partes sem co-
nhecer o todo”. A idéia sistêmica, que se opõe à idéia reducionista,
é a de que “o todo é mais do que a soma das partes”. Do átomo à
estrela, da bactéria ao homem e à sociedade, a organização do todo
produz qualidades ou propriedades novas em relação às partes iso-
ladamente: as emergências. Assim, a organização do ser vivo pro-
duz qualidades desconhecidas no nível dos seus componentes
psicoquímicos. Acrescentamos que o todo é igualmente menos que
a soma das partes, cujas qualidades são inibidas pela organização do
conjunto.
2. O princípio “hologramático”* põe em evidência esse aparen-
te paradoxo dos sistemas complexos nos quais a parte não somente
está no todo, como o todo está inscrito na parte. Assim, cada célula
é uma parte de um todo — o organismo global — mas o próprio
todo está na parte: a totalidade do patrimônio genético está presente
em cada célula individual; a sociedade está presente em cada in-
divíduo no que diz respeito ao todo através da sua linguagem, da
sua cultura e de suas normas.
3. O princípio do ciclo retroativo, introduzido por Norbert Wiener,
permite o conhecimento dos processos auto-reguladores. Ele rom-
pe com o princípio da causalidade linear: a causa age sobre o efeito,
e o efeito sobre a causa, como em um sistema de aquecimento no
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O Âmago Filosófico
Encontram-se, de fato, na história da filosofia ocidental e ori-
ental, numerosos elementos e premissas de um pensamento da
complexidade. Desde a Antiguidade, o pensamento chinês fun-
damenta-se na relação dialógica (complementar e antagônica) en-
tre o yin e o yang e, conforme Lao Tsé, a união dos contrários
caracteriza a realidade. No século XVII, Fang Yizhi formula um
verdadeiro princípio da complexidade. No Ocidente, Heráclito afir-
mou a necessidade de se associar termos contraditórios uns com
os outros. Na era clássica, Pascal é o pensador-chave da comple-
xidade. Kant colocou em evidência os limites e “aporias” da razão.
Leibniz formula o princípio da unidade complexa e da unidade do
múltiplo. Spinoza fornece a idéia de autoprodução do mundo por
ele mesmo. Em Hegel, essa autoconstituição torna-se o romance
épico no qual o espírito emerge da natureza para alcançar a sua
realização e sua dialética, continuada por Marx, anuncia a dialógica.
Nietzsche anunciou a crise dos fundamentos e da certeza. No
metamarxismo, encontramos, com Adorno, Horkheimer e o
Luckacs tardio, não apenas numerosos elementos de uma crítica
da razão clássica, mas também elementos de uma concepção da
complexidade.
No século XIX, quando a ciência ignorava o individual, o singu-
lar, o concreto, o histórico, a literatura e especialmente o romance
revelaram a complexidade humana, de Balzac a Dostoievski e Proust.
Na época contemporânea, o pensamento complexo elabora-se
nos interstícios das disciplinas, a partir de pensadores matemáticos
(Wiener, von Neumann, von Foerster), termodinâmicos (Prigogine),
biofísicos (Atlan), filósofos (Castoriadis). As duas revoluções cien-
tíficas do século só podem estimulá-lo. A primeira revolução intro-
duziu a incerteza por meio da termodinâmica, da física quântica e
da cosmofísica, e originou as reflexões epistemológicas de Popper,
Kuhn, Holton, Lakatos, Feyerabend, que demonstraram que a ciên-
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cia não era a certeza, mas a hipótese, que uma teoria comprovada
não era definitiva e permanecia “falsificável”, que havia algo
não-científico (postulados, paradigmas, themata) no seio do pró-
prio cientificismo.
A segunda revolução científica, mais recente, ainda inacabada, é
a revolução sistêmica, que introduz a organização nas ciências da
terra e a ciência ecológica; ela, sem dúvida, se prolongará como
revolução da auto-ecoorganização na biologia e na sociologia.
O pensamento complexo é, portanto, essencialmente, o pensa-
mento que lida com a incerteza e que é capaz de conceber a organi-
zação. Trata-se de um pensamento capaz de reunir, contextualizar,
globalizar, mas ao mesmo tempo de reconhecer o singular, o in-
dividual, o concreto.
O pensamento complexo não se reduz nem à ciência, nem à
filosofia, mas permite a comunicação mútua, fazendo o intercâm-
bio entre uma e outra.
O modo complexo de pensar não é útil apenas para os problemas
organizacionais, sociais e políticos. O pensamento que enfrenta a
incerteza pode ensinar as estratégias para o nosso mundo incerto.
O pensamento que reúne, ensina uma ética da aliança ou da solida-
riedade. O pensamento da complexidade possui, igualmente, seus
prolongamentos existenciais, postulando a compreensão entre os
humanos.
Tradução:
Marcos Demoro
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Referências Bibliográficas
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