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LITERATURA PORTUGUESA

ORGANIZAÇÃO: Mariane O. C. de Santana

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1. EMENTA
Estudo da literatura portuguesa das origens ao maneirismo, articulado
com a formação docente do aluno de Letras no ensino fundamental e médio.

2. OBJETIVOS
• Estudar e reconhecer a literatura portuguesa como forma de expressão
da realidade nacional portuguesa, desde as origens ao maneirismo.
• Desenvolver a habilidade de ler, analisar e produzir textos analítico-
interpretativos sobre textos literários portugueses, de diferentes gêneros, de
acordo com os padrões mínimos do discurso científico.
• Propiciar a articulação dos estudos de Literatura Portuguesa com a
formação do profissional de Letras.

3. PROGRAMA
- Origens da Literatura Portuguesa
- Cantigas trovadorescas: líricas e satíricas
- Humanismo: Gil Vicente
- Classicismo: Camões épico e lírico
- Outros autores importantes

4. REFERÊNCIAS

4.1- Básicas
AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. TEORIA DA LITERATURA. Coimbra:
Almedina, 1998.
BUESCU, Maria Leonor Carvalhão. LITERATURA PORTUGUESA MEDIEVAL.
Lisboa: Universidade Aberta, 1990.
FIGUEIREDO, Fidelino de. HISTÓRIA LITERÁRIA DE PORTUGAL (séculos
XII-XX). Rio de Janeiro: Ed. Fundo de Cultura, 1960.
LAPA, M. Rodrigues. LIÇÕES DE LITERATURA PORTUGUESA. Coimbra:
Coimbra Ed., 1973.
LOPES, Óscar e SARAIVA, António José. HISTÓRIA DA LITERATURA
PORTUGUESA. Porto: Porto Editora

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MOISÉS, Massaud. A LITERATURA PORTUGUESA. São Paulo: Cultrix.

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APRESENTAÇÃO

Os inícios da literatura portuguesa encontram-se na poesia galego-


portuguesa medieval, desenvolvida originalmente na Galiza e no Norte de
Portugal. A Idade de ouro situa-se no Renascimento, momento em que
aparecem escritores como Gil Vicente, Bernardim Ribeiro, Sá de Miranda e
sobretudo o grande poeta épico Luís de Camões, autor de Os Lusíadas. O
século XVII ficou marcado pela introdução do Barroco em Portugal e é
geralmente considerado como um século de decadência literária, não obstante
a existência de escritores como o Padre António Vieira, o Padre Manuel
Bernardes e Francisco Rodrigues Lobo.

Os escritores do século XVIII, para contrariarem uma certa decadência


da fase barroca, fizeram um esforço no sentido de recuperar o nível da idade
dourada – o neoclassicismo, através da criação de Academias e Arcádias
literárias. Com o século XIX, foram abandonados os ideais neoclássicos,
Almeida Garrett introduziu o Romantismo, seguido por Alexandre Herculano e
Rebelo da Silva. No campo da novela, na segunda metade do século XIX,
desenvolveu-se o Realismo, de feição naturalista, cujos máximos
representantes foram Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão e Camilo Castelo
Branco.

As tendências literárias do século XX estão representadas,


principalmente, por Fernando Pessoa, considerado como o grande poeta
nacional a par de Camões, e já nos seus últimos anos pelo desenvolvimento da
prosa de ficção, graças a autores como António Lobo Antunes e José
Saramago, Prémio Nobel de Literatura.

A disciplina de Literatura Portuguesa, visa ampliar os conhecimentos de


seus estudantes através da leitura, por conseguinte, fazê-los apreciar a
Literatura, reconhecendo-lhe a sua função de valorização social, cultural,
pessoal e ética, desenvolver o sentido crítico e aprender a escrever com
fluência e correção; ampliar o conhecimento dos contextos culturais de
produção e de recepção das obras e respectivas contingências, reconhecendo

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o texto literário como objeto que transcende as suas circunstâncias; conhecer o


passado no presente, observar o quotidiano das diferentes épocas, conhecer
as diferentes correntes literárias existentes e, no fundo, compreender melhor o
que é aquela coisa a que chamamos mundo .

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SUMÁRIO

ASPECTOS GERAIS DAS LINHAS TEÓRICAS DA LITERATURA. ................06


 Abordagem histórica
 Modelos e Métodos
 Teorias
 Objetos de estudo da teoria literária

ORIGENS DA LITERATURA PORTUGUESA...................................................11

 O século XV
 O século XVI: o Renascimento
 Séculos XX e XXI

SOCIOLOGIA DA LITERATURA.......................................................................26
LITERATURA E SOCIEDADE...........................................................................36
A RECEPÇÃO LITERÁRIA................................................................................39
HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA.........................................................................42
LITERATURA E HISTÓRIA...............................................................................46
LITERATURA E CÂNONE.................................................................................49
INTERTEXTUALIDADE.....................................................................................52
 Intertexto
 Intratexto
ESTUDOS CULTURAIS....................................................................................55
NOVAS TENDENCIAS DE TEORIA LITERARIA..............................................57

QUESTÕES.......................................................................................................59
ANEXOS............................................................................................................70
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................78

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INTRODUÇÃO

Numa época de especialização, a literatura define os ideais de um


período de crise e transição. Daí toda grande obra literária ser de um período
de transição (veja-se a importância da mensagem de Dante, Dostoievski ou
Kafka), pois é nesses períodos que se põe dramaticamente ao homem essa
interrogação: qual o sentido de sua vida, qual a significação do mundo que o
cerca?
Somos filhos de uma sociedade individualista e liberal e caminhamos
para um outro tipo de sociedade planificada. Como se dará tal mudança? Quais
os agentes desse processo? Não o sabemos. O que sabemos é que assistimos
a um espetáculo de crise, de transição, onde os velhos quadros sociais
desaparecem e os novos ainda não se estruturaram.
A literatura é uma forma de resposta a essa interrogação. Ela, pelos
escritos de Homero transmitia-nos uma mensagem corporificando um tipo de
homem: o cavaleiro e o nobre; pela pena de Hesíodo, transmitia-nos uma ética
do trabalho e sua dignificação como sentido da vida. Os escritos de Joyce,
Kafka e Faulkner, constituem uma mensagem adequada aos tempos novos: as
formas clássicas do romance estão fenecendo; cabe ao homem descobrir uma
nova linguagem para exprimir novas experiências de uma nova vida.
De todas as formas de arte a literatura é a mais próxima da vida e a
mais sintética, pois reúne a arquitetura, quando no processo de composição do
romance, a música, na estrutura melódica da frase, a pintura, no traçar o
caráter dos personagens, a filosofia, ao definir seus ideais de vida. Daí sua
importância para a cultura. Sendo ela acessível aos diferentes especialistas,
poderá formular novas formas de ação ética e padrões morais.
A transição do século XIX e XX foi assinalada, em primeiro lugar, pelos
impressionistas, pelo naturalismo literário e posteriormente pelos teóricos de
política, economia e filosofia. A literatura pertencendo a um dos campos
assistemáticos do conhecimento tem esse poder, pode auscultar as mudanças
que se operam no mundo e pela imaginação de seus grandes nomes, definirem
ao homem comum, novos caminhos.

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ASPECTOS GERAIS DAS LINHAS TEÓRICAS DA LITERATURA

Teoria da literatura é a argumentação científica ou filosófica da


interpretação literária, da crítica literária, da História da Literatura e do conceito
de Literatura no geral (literariedade, poeticidade, o literário, a sua definição
enquanto poesia, etc.) Outras áreas comuns na Teoria da Literatura são a
Estética,a Poética, a Estilística Literária, a Retórica literária; também lhe
pertencem a investigação da sua função social (Literatura e Sociologia), da sua
função psicológica (Literatura e Psicologia) e da sua dependência em relação à
antropologia (Literatura e Antropologia). .

Outros círculos temáticos são teorias do texto, do intertexto, do autor, do


leitor (teoria da recepção), da época literária, do cânon, da influência, da
narratologia, do mito, do meio literário, da função da crítica literária, do género,
dos personagens, da relação da literatura com outras artes (comparação
artística) e com as outras ciências, a ficcionalidade e a realidade, a didáctica da
literatura.

A teoria da literatura é muitas vezes usada como sinónimo de Poética.


Uma vez que as questões poetológicas podem elas próprias ser colocadas em
questão, ser comparadas, sistematizadas e que estas práticas podem
constituir, por outro lado, um fundamento teórico, faz mais sentido separar as
duas áreas uma da outra. No mundo de língua inglesa a literary theory é muitas
vezes colocada no mesmo patamar que literary criticism. O mesmo é válido
para aqui: as tentativas de interpretação da Literatura podem elas próprias
tornarem-se o objecto da teoria.

A teoria da literatura reflete ainda criticamente sobre os Estudos de


Literatura Comparada, funcionando como plataforma de problematização e
discussão acerca dos processos, progressos e efeitos dos estudos literários
nos meios académicos.

Porque a Literatura reflete, antes de mais, sobre si própria, a Teoria da


Literatura garante a existência de um espaço de questionamento do fenómeno

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literário. Essa é a razão pela qual, desde a Poética de Aristóteles, a Teoria (do
mesmo verbo grego que designa o acto de ver; contemplar) é considerada uma
inerência da Literatura. No limite, é possível afirmar, com alguns teóricos do
século XX, que a Teoria da Literatura é, ela mesma, um género literário, graças
à indissociabilidade entre esta e a prática que a funda.

Abordagem histórica

É, no geral, difícil distinguir a História da Teoria da Literatura da da Estética


Filosófica, da da Poética, Hermenêutica e da da Retórica Filosófica. As
questões teórico-literárias surgem muitas vezes no trilho das grandes unidades
históricas de pensamento, mas pode ser-lhes abstraída. No geral, a teoria da
literatura apoia-se na poética e na retórica clássica grega; especialmente em
Gorgias, Platão e Aristóteles. Com certeza que as normas de interpretação
religiosa de texto, no exemplo representante de Mischnah (Repetição) e
Midrasch (Disposição) da Tora judaica, constituem raízes históricas importantes
da Teoria da Literatura moderna.

 Desde os gregos que se vem estudando literatura e os aspectos


inerentes a ela. Platão, na República, e especialmente Aristóteles, na
Poética, dedicaram-se a tais investigações e são hoje fonte primária
para a teoria literária. A Poética de Aristóteles foi de influência até ao
século XVIII. Até este ponto as poéticas são livros de regras. Só com a
criação do pensamento de génio do século XVIII e os bens do
pensamento idealista do Romantismo é que a arte poética deixou de ser
vista como um conjunto de regras claras (poética normativa) e passou a
ser vista como uma produção individual. Isso teve como consequência
que a arte poética passasse a ser analisada não mais através da
observação de aplicação das regras dadas.
 Elementos de filosofia da literatura encontram-se em Cícero e
Quintiliano.

 A Poética de Horácio debruça-se sobre a teoria dos géneros literários.

 Na Idade Média domina a teoria ortodoxa da escrita dos sentidos


quádruplos, a qual regulamenta uma afirmação da Bíblia : pode ser

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analisada do ponto de vista lexical, alegórico, moral e anagógico


(interpretação mística dos livros sagrados).

 Mas para muitos teóricos, a teoria da literatura só aparece no começo do


século XX, com a Neo Crítica de um lado e o Formalismo Russo de
outro.

A teoria da Literatura no sentido moderno é praticada apenas a partir de


1915 pelo Formalismo Russo, a primeira escola literária que questionou
fortemente o que seria o literário num texto literário (literariedade), ao contrário
de um texto comum. A partir de 1930 o Formalismo Russo desenvolveu-se, ao
mesmo tempo que as correntes linguísticas de Ferdinand de Saussure colidiam
com a filologia académica tradicional e o projecto estruturalista de investigação
literária começava, o qual teve início com o Estruturalismo em Praga e obteve o
seu ponto alto em França nos anos 50 e 60. Desde os anos 70 que autores
como Michel Foucault, Jacques Derrida, Giles Deleuze, Paul de Man vêem
uma crescente influência na teoria da literatura.

 Vale sumariamente comentar as correntes anteriores à teoria literária.


No classicismo houve uma veneração aos clássicos gregos e romanos,
e as poéticas foram não apenas ressuscitadas como revalidadas e
rescritas em diversos países e idiomas. Não se tratava de uma revisão
da Poética clássica, e sim de uma adaptação para o mundo
renascentista em formação. Pouco adiante, quando o humanismo torna-
se a ideologia dominante, o indivíduo ganha força. Ou seja, passa a se
valorizar o escritor enquanto artista, suas inovações e invenções são
vistas como obras de gênio e a análise literária recorre às biografias
desses gênios como forma de explicar seu texto. Era um ponto de vista
humanístico que os oitocentos substituirão gradativamente por uma
perspectiva científica. E o resgate histórico que o mundo oitocentista se
permite fazer traz à tona a história literária como primeira investigação
científica da literatura.
 Aliado ao biografismo, a história literária procura no contexto social e
político da época as explicações ou relações com a obra literária. Mais
tarde este mesmo século XIX consolida o racionalismo Iluminista e a

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literatura aos poucos é vista como ciência. Já se fala em ciência da


literatura. Os modelos metodológicos desta ciência seriam –
alternadamente ou em combinação – (1) biográfico-psicológico, (2)
sociológico, e (3) filológico.

 O movimento que surgiria, com a Neo Crítica estadunidesne e o


Formalismo Russo, é de rompimento com esta noção de que a literatura
só pode ser analisada sob o prisma de outra ciência. Os novos
estudiosos querem uma análise imanentista da literatura, uma análise
dos sons e ritmos dos versos, das estruturas narrativas da prosa, enfim,
de aspectos estritamente literários.

Modelos e Métodos

Não existe um único método teórico de investigar literatura. No entanto,


existem várias linhas de tradição de análise nos estudos humanistas, que têm
uma relação forte com a teoria da literatura. As componentes indispensáveis
das teorias literárias são as seguintes: Teorias interpretativas: toda a teoria da
literatura exige ser um modelo básico para a interpretação de cada um dos
textos literários; Construção de modelo: cada teoria deve oferecer um processo
mais ou menos estandardizado, a partir dos quais, cada interpretação possa
ser aplicada a textos ainda desconhecidos.

Uma teoria da literatura só é válida até que apareça um texto literário


que já não se enquadre no esquema. Nesse caso, a teoria tem de ser adaptada
às novas evidências. Além disso, a teoria da literatura procura apresentar
afirmações que sejam válidas para todos os textos, mostrar constantes a-
históricas. Por exemplo, o estruturalismo procurou analisar narrativas de
maneira que se encontrassem critérios que valessem para todos os textos (o
narrador conta a trama, onde o narrador e o narrado constituem a base de todo
o texto.) Outras teorias consideram outros elementos mais importantes
(perspectiva, a situação narrativa, etc.)

A tarefa principal da teoria da literatura é dar à interpretação literária e à


história da literatura uma estrutura geral e compreensível. Estas terminologias

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podem ser estruturadas segundo o objecto da literatura com que se


relacionam: segundo o modelo de Jakobson pode ser o autor / emissor,
mensagem/ texto, receptor /leitor, código ou contexto de uma acto de
comunicação literária.

Teorias centradas no Autor

A este grupo pertencem, entre outros, princípios de inspiração biográfica,


psicológica ou pisocoanalítica e as teorias da produção dos estudos literários
empíricos. Em primeiro plano encontra-se a tentativa de resumir as intenções
de um texto ('o que é que o autor nos quer dizer com isto'), fazer a ponte entre
a personalidade do autor para a obra (ou vice-versa), julgar a relação da obra
singular e da obra geral e a representação de motivos recorrentes no contexto
das obras. Há muito que já se distingue entre teoria do autor histórico, autor
implícito (W.C. Booth) e função do autor (Foucault). Aqui encontra-se a
transição para as teorias de contexto: aquilo, que se diz ser um autor é
historicamente variável.

Teorias baseadas no texto

Todas as teorias que tratam do conteúdo literário distinguem tipicamente


diferentes géneros de texto ou funções; a transição para leitor, código e
contexto literário são aqui fluentes. A base é normalmente o resumo de um
texto ou de um género textual, em que num segundo passo sejam definidos os
critérios comuns. Questões do tipo 'Quando é que um texto se torna um
poema?' ajudam aqui à compreensão.

Contam-se neste tipo de teoria a teoria narrativa, modelo de trama,


teoria do drama (por ex: constelação de personagens), teoria da lírica, princípio
teórico dos géneros ou princípio feminista e a teoria da intertextualidade.

Teorias centradas no leitor

Todas as teorias que tratam de consequências ou das intenções da


literatura são modelos retórico-analíticos, estética da recepção e da
investigação sobre a recepção da ciência da literatura empírica.

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Teorias centradas no código

Princípios que tratam dos mecanismos de codificação ou das estruturas


profundas dos textos, especialmente a Deconstrucção, Close Reading,
Semiótica literária, Teorias da identidade e alteridade cultural e a Hermenêutica
de Gadamer.

Teorias centradas no contexto

Todas as teorias que entendem o texto, não como estrutura primária, mas
como ramificação secundária ou sintomas históricos e sociais. Exemplos são a
interpretação literária marxista, o New Historicism, Ciências da Cultura e o Pós-
Colonialismo.

Objetos de estudo da teoria literária

 Literariedade
 Evolução literária

 Períodos literários

 Gêneros literários

 Narratividade

 Versos, sons e ritmos

 Influências externas (política, cultural, filosófica etc)

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ORIGENS DA LITERATURA PORTUGUESA

A literatura portuguesa nasceu formalmente no momento em que surgiu


o português língua escrita, nos séculos XII e XIII. Ainda que seja provável a
existência de formas poéticas anteriores, os primeiros documentos literários
conservados pertencem precisamente à lírica galego-portuguesa, desenvolvida
entre os séculos XII e XIV com uma importante influência na poesia
trovadoresca provençal. Esta lírica era formada por canções ou cantigas
breves, difundidas por trovadores (poetas) e segréis (instrumentistas) e
desenvolveu-se primeiro na Galiza e no Norte de Portugal. Mais tarde
trasladou-se para a corte de Afonso X o Sábio, rei de Castela e de Leão, onde
as cantigas continuaram a ser escritas em galego-português.[1]

Os primeiros poetas conhecidos são João Soares de Paiva e Paio


Soares de Taveirós, sendo de autoria deste último a "Cantiga da Ribeirinha",
também conhecida como "Cantiga da Garvaia" [2]. Outros poetas desenvolveram
sua arte na corte do rei D. Afonso III de Portugal e mais tarde na de D. Dinis,
ambos monarcas protectores e impulsionadores da cultura livresca. O corpus
total da lírica galaico-portuguesa, composto por 1685 textos, excluindo as
Cantigas de Santa Maria, está reunido em Cancioneiros ou Livros das
Canções: o Cancioneiro da Ajuda, Cancioneiro da Vaticana e Cancioneiro da
Biblioteca Nacional de Lisboa (Colocci Brancuti), além dos pergaminhos Vindel
e Sharrer.

A prosa em português teve um desenvolvimento mais tardio que a


poesia e não apareceu até o século XIII, época em que adoptou a forma de
breves crónicas, hagiografias e tratados de genealogia denominados Livros de
Linhagens. Não se conservou nenhum cantar de gesta portuguesa, mas sim,
em mudança, livros de cavalaria, como a "Demanda do Santo Graal". Nesta
época escreveu-se ademais, possivelmente, a primeira versão, hoje perdida,
do Amadis de Gaula, cujos três primeiros livros foram escritos segundo

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algumas fontes por um tal João Lobeira, trovador de finais do século XIII. Estas
narrações cavalheirescas, ainda que desprezadas pelos homens cultos de
finais da Idade Média e do Renascimento, gozaram do favor popular, dando
lugar às intermináveis sagas dos "Amadises" e os "Palmerins", tanto em
Portugal como em Espanha.

O século XV

No final do século XIV, com a Crise de 1383-1385, inicia-se uma nova


etapa na literatura portuguesa. Nesta época, os reis continuaram ligados à
criação poética: o Rei D. João I de Portugal escreveu um Livro da Caça, e seus
filhos D. Duate I e Pedro, Duque de Coimbra compuseram tratados morais.
Também nesta época, um escriba anónimo contou a história heróica de Nuno
Álvares Pereira na Crónica do Condestável.

A tradição cronística portuguesa começou com Fernão Lopes, quem


compilou as crónicas dos reinados de D. Pedro I, D. Fernando I e D. João I,
combinando a paixão pela exactidão com uma especial destreza para a
descrição e o retrato. Gomes Eanes de Zurara, que lhe sucedeu no posto como
cronista oficial e escreveu a Crónica da Guiné e das guerras africanas, é
igualmente um historiador bastante fiável, cujo estilo, no entanto, está afectado
pelo pedantismo e a tendência moralizante. Seu sucessor, Rui de Pina, evitou
estes defeitos e ofereceu um relato se não artístico, pelo menos útil, dos
reinados de D. Duarte, D. Afonso V e D. João II. A sua história do reinado deste
último monarca foi, também, reutilizada pelo poeta Garcia de Resende, que a
enfeitou com episódios vividos por si em primeira pessoa e a publicou com o
seu nome.

No campo da poesia, esta época está marcada pela influência da poesia


renascentista italiana, em especial de Petrarca, que se introduziu na literatura
portuguesa através da espanhola. Isto levou a que muitos autores, como Pedro
Condestável de Portugal, amigo de Íñigo López de Mendoza, escrevessem em
castelhano. Evidências da influência da literatura italiana sobre a portuguesa
nesta época são o gosto pela alegoria ou pelas referências à Antiguidade
Clássica. Nesta época coleccionaram-se cancioneiros como o Cancioneiro

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Geral compilado por Resende, que contém o labor de uns 300 cavaleiros e
poetas de tempos de D. Afonso V e D. João II e que foi inspirado por Juan de
Mena, Jorge Manrique e outros poetas espanhóis. A maioria destas
composições eram poesias artificiosas e conceptuais de temática amorosa ou
satírica. Entre os escassos poetas que demonstraram um especial talento e
verdadeiro sentimento poético se encontram o próprio Resende, autor de uns
versos à morte de Inês de Castro, Diogo Brandão, autor de um Fingimento de
Amores, ou o próprio Condestável D. Pedro. No entanto, entre estes
cancioneiros aparecem também três nomes que estavam destinados a mudar o
curso da literatura portuguesa: Bernardim Ribeiro, Gil Vicente e Sá de Miranda.

O século XVI: o Renascimento

O Renascimento, como movimento artístico, científico e literário, o que


aqui interessa, floresceu na Europa nos séculos XIV ao XVI, valorizando os
temas em torno do homem (o Humanismo) e a busca de conhecimento e
inspiração nas obras da Antiguidade Clássica (o Classicismo).

O movimento teve início na Itália, sendo Petrarca, Dante e Boccaccio os


seus maiores vultos literários precursores. Francesco Petrarca, em O
Cancioneiro, glorificou o amor na sua poesia lírica e fixa a forma do soneto,
Dante Alighieri fez a síntese da alma medieval com o espírito novo em A Divina
Comédia e Giovanni Boccaccio, no Decameron fez a crítica da sociedade do
seu tempo.

O Cancioneiro Geral, publicado por Garcia de Resende em 1516, e


referido no tópico precedente, é o elo de ligação entre o século XV – o século
da introdução do Humanismo em Portugal – e o século XVI – século ainda do
Humanismo, mas por excelência do Classicismo. No Cancioneiro estão
representados mais de duzentos poetas, sendo o Cancioneiro o repositório da
maior parte da produção poética portuguesa que está entre o fim do período
literário medieval e o início do período clássico, entre eles o próprio Garcia de
Resende com as famosas Trovas à Morte de Inês de Castro, Gil Vicente e Sá
de Miranda.

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A Lírica e a épica

O século XVI inicia-se com a introdução de novos géneros literários


provenientes do estrangeiro, sobretudo de Itália. Entre eles temos a poesia
pastoril, introduzida em Portugal por Bernardim Ribeiro; ao mesmo género
pertencem as éclogas de Cristóvão Falcão. Estas composições, assim como as
Cartas de Sá de Miranda, foram compostas em versos de arte maior,
desprezando-se a chamada medida velha (denominada também como "metro
nacional" para distingui-lo do hendecassílabo de gosto italiano), a qual acabou
por ser usada, por exemplo, por Camões nas suas "obras menores", por
Gonçalo Anes Bandarra nas suas profecias ou por Gil Vicente.

No campo da poesia lírica, além do já citado Sá de Miranda, que


introduziu as formas da escola italiana na literatura portuguesa (o soneto, a
canção, a sextina, as composições em tercetos e em oitavas e os versos de
dez sílabas), cabe citar António Ferreira, Diogo Bernardes, Pero Andrade de
Caminha e Frei Agostinho da Cruz, todos eles seguidores da escola italiana,
ainda que nas suas obras se possa apreciar certo artificialismo nos modelos, o
que acontece menos nas obras de Frei Agostinho da Cruz.

A poesia épica desenvolveu-se sobretudo graças a Luís de Camões, que


foi capaz de fundir os elementos clássicos com os elementos nacionais para
criar uma poesia nova, e sobretudo uma verdadeira épica culta nacional, em
especial em Os Lusíadas. Os seus seguidores, entre eles Jerónimo Corte-Real,
Luís Pereira Brandão, Francisco de Andrade, Gabriel Pereira de Castro,
Francisco de Sá de Meneses ou Brás Garcia de Mascarenhas, nunca
alcançaram o seu nível, não passando as obras destes autores de crónicas em
verso.

O teatro

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Gil Vicente é considerado o "pai do teatro português", graças aos seus


quarenta e um peças (catorze em português, onze em castelhano e as demais
bilingues). Entre elas existem autos e mistérios (de carácter sagrado e
devocional) e farsas, comédias e tragicomédias (de carácter profano). Iniciou a
sua carreira em 1502 com uma série de obras religiosas, entre as quais se
destaca o Auto da Alma e a trilogia dos Autos das Barcas. Mais tarde Gil
Vicente experimentou o género satírico e finalmente desenvolveu a comédia,
em obras como Farsa de Inês Pereira ou Floresta de Enganos. A acção dos
seus autos é simples, os diálogos inspirados e vivos e os versos, as mais das
vezes, alcançaram uma grande beleza. Os dramaturgos que vieram depois não
lhe foram superiores em talento. Os autores cultos que seguiram a Gil Vicente
apenas conseguiram êxitos razoáveis: Jorge Ferreira de Vasconcelos foi o
autor da primeira comédia em prosa, a Comédia Eufrosina, e António Ferreira
construiu com A Castro uma tragédia débil, ainda que com alguns ecos de
Sófocles. O teatro ajudou a adesenvolver a literatura portuguesa.

A prosa

A prosa, por seu lado, desenvolveu-se magistralmente durante o século


XVI, sobretudo a prosa histórica e científica, as crónicas de viagens e a prosa
religioso-moralista e filosófica.

As Décadas de João de Barros, continuadas por Diogo do Couto,


descreveram com mestria as façanhas dos portugueses no descobrimento e
conquista do Oriente; Damião de Góis, humanista e amigo de Erasmo,
descreveu com uma destacável independência o reinado do rei D. Manuel I de
Portugal. Jerónimo Osório tratou o mesmo tema em latim, mas as suas
interessantes Cartas apresentam um tom mais vulgar. Entre outros autores que
trataram das viagens ao Oriente estão Fernão Lopes de Castanheda, António
Galvão, Gaspar Correia, Brás de Albuquerque, Frei Gaspar da Cruz e Frei João
dos Santos. As crónicas reais ficaram nas mãos de Francisco de Andrade e
Frei Bernardo da Cruz; Miguel Leitão de Andrada compilou um interessante
volume intitulado Miscelânea.

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A literatura de viagens desta época é demasiado extensa para ser


resumida: os exploradores portugueses visitaram e descreveram a costa de
África, a Etiópia, a Síria, a Pérsia, a Índia, o Extremo Oriente e o Brasil.
Sobressai como mostra deste tipo de obras a Peregrinação de Fernão Mendes
Pinto, que narrou as suas aventuras num estilo vigoroso e colorido, assim
como a História Trágico-Marítima reúne breves historias anónimas sobre
naufrágios entre 1552 e 1604.

Os diálogos de Samuel Usque, um judeu de Lisboa, também merecem ser


mencionados. Os temas religiosos eram objecto geralmente de tratados em
latim, mas entre os autores moralistas que empregaram a língua vulgar estão
Frei Heitor Pinto, Frei Amador Arrais e Frei Tomé de Jesus, cujos Trabalhos de
Jesus foram traduzidos em várias línguas.

Barroco

Em geral, a literatura portuguesa do século XVII tem sido considerada


inferior à do século anterior, que por isso atinge a qualificação de Século de
Ouro. Esta inferioridade atribuiu-se ao absolutismo da monarquia, e à influência
da Inquisição, que impôs a censura e o Index Librorum Prohibitorum. No
entanto, pode apreciar-se um declínio geral, tanto político como cultural, da
nação portuguesa neste século. O gongorismo e o marinismo manifestam-se
nos poetas "seiscentistas", impondo o gosto pelo retórico e o obscuro.

A revolução que levaria à Independência de Portugal em 1640 não


conseguiu no entanto investir a tendência descendente, nem atenuar a
influência cultural de Espanha, de maneira que o castelhano seguiu sendo o
idioma mais empregado entre as classes dominantes e entre os autores que
procuravam uma audiência mais ampla, tendo os autores portugueses de
séculos anteriores sido esquecidos como modelos. Esta influência estrangeira
foi especialmente forte no teatro: os dramaturgos portugueses escreveram em
castelhano, de maneira que o português só foi empregue em peças religiosas
de escasso valor ou em comédias engenhosas como as de Francisco Manuel
de Melo, autor de um Auto do Fidalgo Aprendiz. Nesta época surgiram diversas
Academias de nomes exóticos que tentaram elevar o nível geral das letras

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portuguesas, mas que se perderam em discussões estéreis e ajudaram ao


triunfo do pedantismo.

Poesia lírica

No século XVII continuaram a produzir-se obras do género pastoril, como as de


Francisco Rodrigues Lobo, melodiosas ainda que artificiosas. D. Francisco
Manuel de Melo, autor de sonetos morais, escreveu também imitações de
romances populares, como o Memorial a Juan IV, bem como os engenhosos
Apólogos Diálogos, e a filosofia doméstica da Carta de Guia de Casados, em
prosa. Outros poetas deste período são Soror Violante do Ceo e Frei Jerónimo
Bahia, gongoristas, Frei Bernardo de Brito, autor da Sylvia de Lizardo e os
escritores satíricos Tomás de Noronha e António Serrão de Castro.

Prosa

No século XVII foi em general mais produtivo no campo da prosa que no


do verso: floresceram a historiografia, a biografia, a eloquência religiosa e o
género epistolar. Os principais historiadores desta época foram monges que
trabalhavam nas suas instituições e não, como no século anterior, viajantes ou
conquistadores, testemunhas dos factos narrados; isto fez que em general
fossem melhores estilistas que historiadores. Por exemplo, dentre os cinco
autores que contribuíram para a extensa obra Monarquia Lusitana, só Frei
António Brandão estava consciente da importância da evidência documental.

Frei Bernardo de Brito, por exemplo, começou a obra com a Criação e


terminou-a onde deveria tê-la começado, confundindo constantemente lenda e
verdade histórica. Frei Luís de Sousa, famoso estilista, trabalhou com materiais
anteriores para criar a famosa hagiografia Vida de D. Frei Bartolomeu dos
Mártires e seus Anais do Rei D. João III. Manuel de Faria e Sousa, historiador e
comentarista da obra de Camões, elegeu o castelhano como meio de
expressão, como Melo quando se propôs relatar as Guerras Catalãs, enquanto

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Jacinto Freire de Andrade relatou numa linguagem grandiloquente a vida do


vice-rei justiceiro D. João de Castro.

A eloquência religiosa atingiu sua máxima altura neste século, no qual a


originalidade e o poder imaginativo dos seus sermões fizeram com que o
português Padre António Vieira fosse considerado em Roma como o "Príncipe
dos Oradores Católicos". Os discursos do horaciano Manuel Bernardes podem
ser considerados um modelo clássico de prosa portuguesa. A escritura epistolar
está representada por sua vez por autores como Francisco Manuel de Melo,
Frei António das Chagas e pelas cinco cartas que compõem as Cartas de
Soror Mariana Alcoforado.

Neoclassicismo

A afectação marcou a literatura portuguesa da primeira metade do


século XVIII, época a partir da qual são notórias algumas mudanças graduais
que desembocariam na grande reforma literária conhecida como Romantismo.
Distintos homens que fugiram para o estrangeiro para escaparem do
despotismo reinante contribuíram para o progresso intelectual da nação
durante os últimos anos do século. Verney criticou, por exemplo, os obsoletos
métodos educativos e expôs a decadência literária e científica da nação no
Verdadeiro Methodo de Estudar, enquanto as diversas Academias e Arcádias
trabalharam por conseguir a pureza do estilo e a dicção e traduziram melhor os
clássicos estrangeiros.

As Academias

A Academia da História, estabelecida por João V em 1720, à imitação da


francesa, publicou quinze volumes de Memórias e fundou as bases do estudo
crítico dos Anais portugueses; entre seus membros estavam Caetano de
Sousa, autor de uma volumosa História da Casa Real, ou o bibliógrafo Barbosa
Machado. A Real Academia das Ciências, fundada em 1780, fez algo similar
com respeito à crítica literária, ainda que este labor tenha sido levado a cabo
fundamentalmente por outras instituições similares, as Arcádias.

Poesia: as Arcádias
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Dentre as Arcádias, equivalente literário das Academias, a mais


importante era a Arcádia Lusitana (também conhecida como Arcádia
Olissiponense) estabelecida em 1756 pelo poeta António Diniz da Cruz e Silva,
com a intenção de "formar uma escola que sirva de bom exemplo em
eloquência e poesia". Esta Academia incluía alguns dos escritores mais
influentes de sua época: Pedro António Joaquim Correia da Serra Garção
compôs uma Cantata de Dido, bem como sonetos, odes e epístolas; os versos
bucólicos de Domingos dois Reis Tira tinham a singeleza e a doçura dos de
Bernardim Ribeiro, enquanto o poema épico-satírico Hyssope, do próprio Cruz
e Silva, satirizava os tipos sociais locais e a galo-mania da época com humor.
As disputas internas levaram à dissolução da Arcádia em 1774, que tinha já, no
entanto, contribuído para elevar a qualidade dos textos e introduzir novas
formas poéticas na literatura portuguesa. Infortunadamente, alguns dos seus
elementos não só imitaram os clássicos greco-latinos e os poetas
renascentistas portugueses mas desenvolveram um estilo frio e cerebral, com
expressão excessivamente académica. Muitos dos poetas da Arcádia seguiram
o exemplo do Mecenas da época, o Conde de Ericeira e dedicaram-se a
nacionalizar o pseudo-classicismo que tinham aprendido em França.

Em 1790 nasceu uma Nova Arcádia, a que pertencia Manuel Maria


Barbosa du Bocage, que poderia talvez ter chegado a ser um grande poeta em
outras circunstâncias. O seu talento levou-o, no entanto, a reagir contra a
mediocridade geral e não se conseguiu elevar a grande altura de maneira
sustentada, apesar de os seus sonetos competirem com os de Camões.
Também foi um mestre da poesia breve e improvisada, que empregou com
sucesso em sua Pena de Talião contra José Agostinho de Macedo. Este
sacerdote era um autêntico ditador literário, e em sua obra Vós Burros
ultrapassou a todos os demais poetas na agressividade de suas invectivas,
chegando a ter tentado substituir os Lusíadas de Camões com uma obra épica
inferior, Oriente. No aspecto positivo, escreveu notáveis obras didácticas e
odes aceitáveis e as suas cartas e panfletos políticos mostram conhecimentos
e versatilidade. Contudo, a sua influência no ambiente literário de Portugal foi
mais negativa que positiva.

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Dos restantes membros das Arcádias, o único autor que merece ser
mencionado é Curvo Semedo. Dentre os "dissidentes" — autores que se
mantiveram fora destas Arcádias —, há três que mostraram independência
criativa: José Anastácio da Cunha, Nicolau Tolentino e Francisco Manuel do
Nascimento, mais conhecido como Filinto Elísio. O primeiro compôs versos
filosóficos e ternos, o segundo retratou os costumes e manias de sua época em
quintilhas cheias de talento e realismo e o terceiro viveu no exílio em Paris
mantendo o culto pelos poetas do século XVI, apurando a língua de galicismos
e enriquecendo-a com numerosas obras, originais e traduzidas: ainda lhe
faltasse imaginação, os seus contos ou cenas da vida portuguesa apresentam
um interessante cariz realista e as suas traduções em verso livre de os
Mártires de Chateaubriand são de destacar. Pouco antes da sua morte
converteu-se ao Romantismo e contribuiu para preparar o caminho de seu
sucessor, na pessoa de Almeida Garrett.

Prosa

A prosa do século XVIII está fundamentalmente dedicada a temas


científicos, ainda que as cartas de António da Costa, António Ribeiro Sanches
e Alexandre de Gusmão tenham valor literário verdadeiro e as de Carvalheiro
de Oliveira, menos correctas do ponto de vista do estilo, sejam também úteis
como fonte de informação.

Teatro

Apesar de a Corte portuguesa ter sido restabelecida em Lisboa em


1640, manteve-se o gosto da elite pelas óperas italianas e as obras teatrais
francesas, em lugar das representações vernáculas. Em começos do século
XVIII surgiram numerosos autores que tentaram em vão fundar um teatro
nacional. Suas obras pertencem em geral ao género cómico. Por outra, as
"Óperas Portuguesas" de António José dá Silva, produzidas entre 1733 e 1741,
têm verdadeira força cómica e certa originalidade e, como as de Nicolau Luiz,
denunciam com talento os vícios e debilidades de sua época. O último autor,
por outra parte, dividia sua atenção entre as comédias heróicas e as "comédias
de capa e espada" que obtiveram uma longa popularidade. Ao mesmo tempo,

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os autores das Arcádias propuseram-se elevar o regular da cena portuguesa,


tomando a sua inspiração dos dramaturgos franceses contemporâneos. Mas,
em geral, faltava-lhes talento e conseguiram poucos avanços reais. Garção
escreveu duas comédias brilhantes; Domingos dos Reis Tira, várias tragédias,
e Manuel de Figueiredo recompilou obras em prosa e verso sobre temas
nacionais, com as quais encheu treze volumes; foi, no entanto, incapaz de criar
personagens duradouros.

Romantismo e realismo

Poesia

Em inícios do século XIX, a literatura portuguesa experimentou uma


revolução literária iniciada pelo poeta Almeida Garrett, que tinha entrado em
contacto com o Romantismo inglês e francês durante o seu exílio e que decidiu
basear suas obras na tradição nacional portuguesa. No seu poema narrativo
Camões (1825) rompeu com as regras estabelecidas de composição;
seguiram-lhe Flores sem Fruto e a coleção de poemas amorosos Folhas
Caídas. A sua elegante prosa está recolhida na obra miscelânea Viagens na
minha terra.

Entre os primeiros seguidores de Almeida Garrett encontra-se Alexandre


Herculano, cuja poesia está cheia de motivos patrióticos e religiosos e de
reminiscências de Lamennais. O movimento tornou-se ultra-romântico em
mãos de autores como Castilho, um mestre do verso escasso de ideias, ou nos
versos de João de Lemos ou do melancólico Soares de Passos. Tomás Ribeiro,
autor do poema patriótico D. Jaime, é sincero em seus conteúdos, mas segue
os excessos desta escola no seu gosto pela forma e a melodia.

Em 1865, um grupo de jovens autores liderados por Antero de Quental e


pelo futuro presidente Teófilo Braga rebelou-se contra a dominação das letras
portuguesas ostentada por Castilho, e, influenciadospor tendências
estrangeiras, proclamou a aliança da Filosofia e da Poesia. Uma feroz guerra
de panfletos contribuiu para a queda de Castilho e a poesia ganhou com isso
profundeza e realismo, tornando-se também anticristã e revolucionária. Como

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poeta, Quental deixou sonetos elegantes mas pessimistas, inspirados no neo-


budismo e nas ideias agnósticas provenientes da Alemanha, enquanto Brada,
positivista, criou uma épica da humanidade, Visão dos Tempos.

Guerra Junqueiro é recordado principalmente como o poeta irónico de


Morte de D. João, mas em Pátria também conseguiu invocar à Dinastia de
Bragança em algumas cenas poderosas, e em Vós Simples interpretou a
natureza e a vida rural à luz de sua imaginação panteísta. António Gomes Leal,
por sua vez, foi um poeta anticristão com toques de Baudelaire, enquanto João
de Deus, um dos poetas mais importantes de sua geração, não pertencia a
nenhuma escola e tomava sua inspiração das mulheres e a religião. Os seus
primeiros poemas, reunidos em Campo de Flores, estão marcado por uma
ternura e um misticismo sensual muito portugueses.

Outros poetas interessantes desta época são o sonetista João Penha, o


parnasiano Gonçalves Crespo ou o simbolista Eugénio de Castro.

Teatro

Depois de produzir algumas tragédias clássicas, das quais se destaca


Provo, Almeida Garrett propôs-se reformar a cena portuguesa a partir de uma
perspectiva autónoma, ainda que tenha tomado algumas das suas ideias da
escola anglo-alemã. Com o objectivo de criar um teatro realmente nacional,
elegeu temas da história portuguesa e, começando por Um auto-de Gil Vicente,
criou uma série de obras em prosa que culminaram com Frei Luís de Sousa,
obra prima do teatro português. Os seus imitadores, Mendes Leal e Pinheiro
Chagas, caíram no ultra-romantismo, mas Fernando Caldeira e Gervásio
Lobato escreveram pequenas comédias vivas e engenhosas, e João da
Câmara produziu obras de carácter regional que tiveram sucesso
inclusivamente fora de Portugal. Mais tardias foram as obras de Lopes de
Mendonça, Júlio Dantas, Marcelino Mesquita ou Eduardo Schwalbach, que
continuaram a nova linha iniciada por Almeida Garrett.

Novela

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A novela decimonónica portuguesa iniciou-se com obras históricas ao


estilo de Walter Scott, escritas por Alexandre Herculano, ao que seguiram
Rebelo da Silva com A Mocidade de D. João V, Andrade Corvo, e outros. A
novela de costumes deve-se em Portugal a Camilo Castelo Branco, um rico
impressionista que descreve a vida da primeira metade do século em Amor de
Perdição, Novelas do Minho e outros. Gomes Coelho (mais conhecido como
Júlio Dinis), foi um escritor idealista, romântico e subjectivo, conhecido
sobretudo por sua obra As Pupilas do Senhor Reitor. Mas sem dúvida o maior
artista do realismo português é José Maria de Eça de Queiroz, ao que pode se
considerar fundador do naturalismo português, e autor de obras como Primo
Basílio, Correspondência de Fradique Mendes ou A Cidade e as Serras. Suas
personagens sempre são criaturas vivas, e muitos de seus bilhetes descritivos
e satíricos se converteram em clássicos. Entre os novelistas menores desta
época cabe assinalar, por último, a Pinheiro Chagas, Arnaldo Gama Luís de
Magalhães, Teixeira de Queiroz e Malheiro Dias.

Outros géneros em prosa

A história converteu-se em uma ciência em mãos de Herculano, cuja


História de Portugal é tão valiosa por seu conteúdo como por seu estilo;
Joaquim Pedro de Oliveira Martins, por sua vez, criou interessantes
personagens e cenas em suas obras Vos Filhos de D. João e Vida de Nuno
Álvares. As Farpas, de Ramalho Ortigão, distingue-se por seu sentido do
humor, ao igual que as obras de Fialho de Almeida e Júlio César Machado. A
crítica literária, por outro lado, está representada sobretudo por Luciano
Cordeiro e Moniz Barreto. Revista-a Panorama, dirigida por Herculano,
ostentava uma importante influência sobre as letras portuguesas nesta época,
influência que foi desaparecendo com o passo dos anos.

Séculos XX e XXI

A princípios do século XX surgiu o grupo da "Renascença Portuguesa",


em torno da revista A Águia, e ao redor do qual se integrava o movimento
conhecido como Saudosismo, nostálgico e subjectivo, e cujo máximo
representante era o poeta Teixeira de Pascoaes. No entanto, o grande poeta de

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começos do século é Fernando Pessoa, quem não atingiu um grande sucesso


em vida, mas que depois de sua morte tem passado a ser considerado a par de
Camões como o melhor poeta português de todos os tempos. Sua obra poética
baseia-se na invenção de diferentes vozes poéticas ou heterónimos (Álvaro de
Campos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis ou Bernardo Soares, entre outros), a
cada um deles com uma personalidade e um estilo poético próprios. Outro
poeta desta época, que compartilhou páginas com Pessoa na revista
modernista Orpheu foi Mário de Sá-Carneiro, poeta que se suicidou em Paris
em 1916. Também José Régio sobressaiu como poeta e dramaturgo.

Em meados do século, surgem duas tendências opostas na literatura


portuguesa: um deles em torno da revista Presença, mais próxima ao
vanguardismo, e o outro, próximo do neorrealismo, em torno da colecção Novo
Cancioneiro, com figuras como Álvaro Feijó, João José Cochofel, Carlos de
Oliveira ou Manuel da Fonseca. Também nesta época existia o grupo
surrealista de Lisboa, cujas figuras principais eram António Pedro, Mário
Cesariny de Vasconcelos e Alexandre O'Neill.

No caso do teatro, e também em meados do século XX cabe destacar as


figuras de Júlio Dantas, Raul Brandão e José Régio. O contexto político da
ditadura fomentou posteriormente uma nova literatura "de intervenção", que se
popularizou graças a nomes como Bernardo Santareno, Luís Francisco Rebelo,
José Cardoso Pires ou Luís de Sttau Monteiro.

A princípios dos anos 1970, em plena ditadura, publicaram-se uma série


de obras em prosa e em verso de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e
Maria Velho da Costa que publicaram uma grande polémica, devido ao seu
conteúdo erótico e feminista; sua publicação foi proibida, e só puderam
reimprimir-se depois da queda da ditadura. Outra poetisa destacada desta
mesma época foi Sophia de Mello Breyner Andresen, autora de uma ampla
obra poética.

Nos últimos anos do século XX, e a começos do XXI, a literatura


portuguesa em prosa tem demonstrado uma grande vitalidade, graças a
escritores como António Lobo Antunes e sobretudo o Prémio Nobel de

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Literatura José Saramago, autor de novelas como Ensaio sobre a cegueira, O


Evangelho segundo Jesus Cristo ou A caverna.

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SOCIOLOGIA DA LITERATURA

A obra literária é uma forma de manifestação artística condutora de


diversos aspectos sociais da realidade que visa retratar. Para que ela exista e
seja dotada de certa função, é necessário que haja uma troca de valores entre
o autor e o seu público. Nesse sentido, os ritos, heróis, conflitos e enredos
advindos das peças literárias cumprem uma função social: cria um espaço de
interação de valores sócio-históricos entre os sujeitos aí envolvidos (autor e
leitor); a literatura só existe nesse intercâmbio social.

Diante dessa cotidiana vivência artística exercida pelo homem, que é


uma experiência específica de expressar suas concepções acerca de seu meio
e instituições sociais, essa atividade, que não se assemelha a nenhuma outra,
pode ser analisada através de um prisma sociológico? A literatura é um espelho
da realidade social ou possui autonomia em relação a esse meio? Como
relacionar as obras literárias e seus respectivos autores com o contexto
histórico-social de sua época? Metodologicamente é possível fundamentar uma
sociologia da literatura? Indagações estimuladas quando a atividade literária
torna-se objeto de pesquisa em ciências sociais. Para aprofundarmos tais
questões, analisam-se três posicionamentos adotados no âmbito sociológico
acerca da literatura: a estética, a materialista e a mediadora (FACINA, 2004).

Perspectiva estética

A primeira concepção, chamada de tendência estética ou idealista,


baseia-se em fontes estéticas ou psicológicas provenientes do autor e sua obra
para estudar o conteúdo literário, marginalizando as condições sociais como
centro de foco de atenção em suas análises. Essa tendência considera o
campo social como interferências que atuam nas obras em segundo plano, as
quais estão primeiramente sujeitas aos processos estéticos ou psicológicos
advindos das capacidades criativas do autor.

Esse procedimento teórico tende a caracterizar a tendência estética


plena de abstrações metodológicas e conceitos a priorísticos, tais como o de
“instinto estético” Como dito anteriormente, os elementos sociais e os valores

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gestados em seu seio criam um espaço de interação entre o autor e o seu


público.

O vácuo social na literatura, defendido por essa tendência teórica, acaba


efetivando um dualismo entre posições estéticas e conjuntura social. O que
empobrece essa concepção quando percebe-se que a linguagem (estética) e a
significação (valores sociais) estão permanentemente envolvidos na produção
literária. Dessa forma, detecta-se que a manifestação artística é constituída
pela prática social, e não de idéias autônomas e isoladas da esfera social, que
são desenvolvidas pelos sujeitos.

Essa concepção idealista define a estética e a cultura como esferas à


parte na manifestação literária, completamente autônomas uma da outra.
Romances, contos e poesias seriam aí expressões da individualidade e da
singularidade do autor-gênio. Porém, essa postura fundada no indivíduo genial
se contradiz quando situamos esse sujeito no campo artístico de sua época,
investigando o vínculo entre os conflitos sociais de seu tempo e as questões
históricas presentes em sua obra. Não que o escritor não possua a liberdade
de ação criadora, mas que esse talento possua limites objetivos: o campo
social e os hábitos aí firmados são centrais para entenderem-se as
manifestações desses sujeitos.

O conjunto de disposições sociais é o que pauta e dá sentido às ações


dos agentes (autores e leitores), o que organiza as práticas e percepções
desses sujeitos. Essa noção acerca do âmbito social é o que “(...) permite
superar a oposição entre leitura interna e a análise externa sem perder nada
das aquisições e das exigências dessa abordagem, tradicionalmente
percebidas como inconciliáveis” (BOURDIEU, 1996, p. 234).

Exemplificando essa afirmação, pode-se detectá-la através de um


simples exemplo: os contos de fadas da Europa Medieval. Histórias que,
aparentemente eram estranhas à realidade social daquela época, por
possuírem personagens e enredos que eram alheios a ao sistema social
vigente. Porém, possuíam um universo imaginário bastante homólogo aquela
estrutura de sociabilidade; a experiência social daquele grupo estava
interligada de maneira significativa naqueles textos literários.

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Atesta-se empiricamente tal análise quando se percebe que o fundo


temático constante nessas histórias (Chapeuzinho Vermelho, Joãozinho &
Maria, Branca de Neve, etc) eram as mensagens de cunho moral, que
procuravam moldar socialmente os indivíduos a partir de determinados valores
históricos constituídos pela cultura cristã. O que demonstra que esses
pequenos contos, a priori, desligados de sua esfera social em detrimento de
sua instância mágica (animais falantes, etc), tornam-se homólogas à esfera
social, instante em que a religião e sua moral eram temas preponderantes
nesse sistema de sociabilidade.

Portanto, não há qualquer antinomia entre a possibilidade de uma


relação estrita entre criação subjetiva do autor e a emergência da realidade
social em sua obra. Contrariando a tendência que valoriza a estética como foco
de análise, pode-se afirmar que:

Os postos mais altos da criação literária podem não só ser estudados, em tal
perspectiva sociológica, tão bem como as obras médias, como se revelam
mesmo particularmente acessíveis a uma tal investigação. Por outro lado, as
estruturas categoriais sobre as quais incide este gênero de sociologia literária
constituem precisamente o que confere à obra a sua unidade, o seu caráter
especificamente estético e, no caso que nos interessa, a sua qualidade
propriamente literária (GOLDMANN, 1989, p. 13).

Perspectiva materialista

A segunda perspectiva para se analisar as obras literárias é a tendência


materialista. Essa concepção de estudos sociológicos no campo da literatura
foi o método mais utilizado em análises da relação entre a obra e seu meio
social, desde a segunda metade do século XIX (CANDIDO, 1967).

Do século passado aos nossos dias, essa sociologia literária tradicional


esforça-se por estabelecer relações entre o conteúdo expresso da obra com o
conteúdo da consciência coletiva de sua época. Os estudiosos consideram aí o
material literário como um reflexo da realidade social, limitando-se então a
analisar o que é transplantado da esfera da sociabilidade para a ação e falas
das personagens, enredos, etc.

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Essa postura metodológica, baseada de forma polêmica e reducionista


no materialismo histórico, desenvolvido inicialmente por Marx, ao afirmar “(...)
que os indivíduos são dependentes, portanto, das condições materiais de sua
produção” (MARX & ENGELS, 1976, p. 19), torna-se emblemática, quando, de
forma mecânica, reduz toda a atividade cultural (literatura, música, teatro, etc) a
uma mera dimensão superestrutural dependente e determinada pelas
condições materiais. Ela define as manifestações culturais como um campo
secundário; que simplesmente tende a espelhar a infra-estrutura ou a base
econômica. Esse reducionismo, apesar de inverter a ótica idealista advinda da
posição estética, continua a disseminar a falsa separação entre cultura e
sociedade (WILLIAMS, 1979).

Além do mais, como foi observado anteriormente, o literato em seu


processo de criação não utiliza apenas o seu âmbito social como referência a
sua manifestação artística. O seu imaginário, o qual não tem necessariamente
um vínculo com o campo empírico, também sempre está ativo na confecção de
enredos e personagens. Um bom exemplo disso é a obra A Metamorfose do
tcheco Franz Kafka.

Nesse romance, a personagem principal transforma-se num inseto, a


partir de então, ela passa a observar as relações sociais que o rodeiam numa
perspectiva diferenciada. Desse modo, como a postura materialista, que
considera a literatura como mero reflexo social, consegue captar o sentido
sociológico representado num fantástico inseto da obra kafkiana, que a priori,
não possui nenhum vínculo com o campo empírico social?

Esta visão reducionista, ao postular uma teoria da arte em que busca-se


explicar os fenômenos culturais enquanto reflexos da base econômica, sem a
capacidade de intervenção na dinâmica desta por parte do processo imaginário
do autor, reduz potencialmente toda uma gama de possibilidades de análises
de obras onde a constância de referências fantásticas são iminentes.

Diante desse contexto, há a possibilidade para analisar uma obra


naturalista de um Émile Zola, escola literária cerceada pela preocupação de
produzir obra da forma mais verossímil possível da realidade. Mas, ao mesmo
tempo, como tentar efetuar o mesmo num texto recheado de símbolos
imaginários como são os poemas do simbolista Cruz e Souza?
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A arte como reflexo imediato do mundo objetivo, em que prevalece uma


ótica mecanicista, torna-se inconsistente ao perceber suas antinomias:

Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas
visões dissociadas; e que só a podemos entender fundindo texto e contexto
numa interpretação dialeticamente íntegra. (...) Os estudiosos habituados a
pensar, neste tópico, segundo posições estabelecidas no século XIX, quando
ela estava na fase das grandes generalizações sistemáticas, que levavam a
conceber um condicionamento global da obra, da personalidade literária ou dos
conjuntos de obras pelos sistemas sociais, principalmente do ângulo literário.
Todavia, a marcha da pesquisa e da teoria levou a um senso mais agudo das
relações entre o traço e o contexto, permitindo desviar a atenção para o aspecto
estrutural e funcional de cada unidade considerada (CANDIDO, 1967, p. 4-8).

Ambas as tendências teóricas (a obra literária como realidade


desprendida de seu contexto histórico ou como espelho/reflexo da sociedade)
trouxeram dicotomias para a história literária, as quais limitaram as tentativas
de teorizações sociológicas acerca da natureza romanesca ou poética. Diante
das querelas e antinomias discutidas anteriormente, cabe à atual disciplina
sociológica questionar, problematizar e organizar as suas práticas
metodológicas, a fim de superar essas polarizações teóricas.

Fundamentando uma nova Metodologia para a Sociologia da Literatura

Mediante as inconsistências teóricas advindas das perspectivas idealista


e materialista, surge uma outra tendência no ramo sociológico da literatura: a
posição mediadora. A idéia de mediação surge com a intenção de
problematizar a teoria do reflexo social, pois demonstra que não só a esfera
social é ativa na criação literária, mas também há um processo ativo por parte
do imaginário do autor nesse contexto. Quer dizer, analisando uma obra
artística a partir dessa postura é considerar que a questão social não está
refletida diretamente na arte, pois ela é captada por um processo (imaginário
do ficcionista) que altera seu conteúdo original (FACINA, 2004).

Desse modo, numa análise efetivada nessa filiação teórica, exige-se que
se entenda a obra inserida enquanto tal, num processo histórico no qual ela é
parte ativa, não sendo nem uma esfera absolutamente autônoma e muito
menos uma projeção secundária de modo determinístico pelas relações
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sociais. Ela estaria inclusa de um modo indireto na relação entre experiência


empírica (esfera social) e sua composição (imaginário do autor).

Com base nessa perspectiva, a literatura expressa as visões de mundo


que são coletivas de determinados grupos sociais. Essas visões de mundo são
constituídas pela vivência histórica desses grupos, formada pela ação dos
indivíduos, que são construtores dessa experiência. São elas que compõem a
prática social dos sujeitos e seus grupos sociais. Nesse caso, analisar as
visões de mundo transformadas em textos literários, investigando aí as
condições de produção e a situação sócio-histórica de seu autor, deve ser o
foco de estudos para a investigação sociológica:

O principal elemento desta teoria de um vasto alcance é a Weltanschuung –


visão de mundo que é comum a um escritor e no grupo social de que faz parte e
que pode encontrar expressões manifestamente apresentadas tanto no domínio
da literatura como noutros domínios. Sem ser inteiramente determinada pelas
condições sociais e econômicas, a Weltanschuung depende delas em ampla
medida (WARWICK, 1989, p. 222).

Essa postura mediadora possui a influência metodológica acerca de seu


objeto da sociologia compreensiva. Para essa tendência, o objetivo essencial
da sociologia é a captação da relação de sentido da ação humana, ou seja,
chegar a conhecer um fenômeno social quando o compreende como fato
carregado de sentido que aponta para outros fatos significativos. Esse sentido,
quando manifesta-se, é o que dá à ação o seu caráter concreto, quer ele seja
do âmbito político, religioso ou econômico (WEBER, 1992).

Desse modo, as relações sociais são conteúdos significativos atribuídos


por aqueles que agem tomando outro ou outros como referência: fidelidade,
conflito, piedade, etc. Essas visões de mundo seriam decorrentes das condutas
de um sujeito (escritor) e de outros (públicos) orientados por algum tipo de
sentido comum entre eles. O que equivale a afirmar que os verdadeiros
motivadores da criação literária são os grupos sociais, e não os indivíduos
isolados. O criador individual (o escritor) faz parte desse grupo, dada a sua
origem ou posição social, sempre norteado pela significação objetiva de sua
obra perante o contexto sócio-histórico que pertence. É nessa relação que se
constitui o conteúdo da obra de arte, ela situa-se não somente na criatividade

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do artista individual, mas também dentro das experiências do grupo social,


numa influência recíproca entre esses dois atores sociais.

Um exemplo que ilustra essa questão é a ação exercida por três


indivíduos que carregam um piano. Em qual desses sujeitos está o sentido da
ação? Certamente em nenhum deles considerados separadamente, mas ao
contrário, o valor desse acontecimento encontra-se na realidade nova criada
pela ação em que cada um dos participantes é parte integrante do fato.

Desse modo, perante relações intersubjetivas que envolvem os


participantes é que se encontra o sentido da ação na conduta desenvolvida por
estes: os três carregavam o piano com a finalidade de levá-lo para um bar, e
que assim pudessem usá-lo na apresentação de sua banda musical; eis aí um
tipo de sentido. Quer dizer, o comportamento social é uma tentativa de dar
respostas significativas a uma determinada situação, o que cria um equilíbrio
entre o sujeito da ação e o objeto sobre o qual esta ação se verifica.

Considerações teóricas que equivale a afirmar que o estudo da literatura


não deve se restringir às relações entre o escritor e sua obra, mas visa
conseguir “(...) destrinchar os elos necessários, vinculando-os a unidades
coletivas cuja estruturação é muito mais fácil de apurar e elucidar”
(GOLDMANN, 1967, p. 206). Até mesmo porque:

A experiência de um único individuo é muito mais breve e demasiado limitada


para poder criar tal estrutura mental; esta não pode deixar de ser o resultado da
atividade conjunta de um número importante de indivíduos que se encontrem
numa situação análoga, isto é, que constituam um grupo social privilegiado,
indivíduos que tenham vivido muito tempo e de maneira intensa um conjunto de
problemas e se tenham esforçado por lhe encontrar uma solução significativa.
Isto equivale dizer que as estruturas mentais, ou, para empregar um termo mais
abstrato, as estruturas categoriais significativas não são fenômenos individuais
mas fenômenos sociais (GOLDMANN, 1989, p. 12-13).

Assim, os indivíduos desenvolvem visões de mundo que estão


vinculadas em uma criação literária, que não são fruto nem de um sujeito
isolado, muito menos de um mero reflexo de seu meio social. Essas visões de
mundo são compartilhadas por membros de uma dada comunidade e também
são referências a esses grupos sociais, nesse sentido, são formulações
coletivas frente ao mundo. O verdadeiro autor da criação literária é esse sujeito

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coletivo, havendo então a necessidade do sociólogo captar as estruturas


significantes desse processo sócio-histórico impresso nos romances e noutros
tipos de peças literárias. Essa coletividade é entendida como uma complexa
rede de relações interindividuais, nos quais há o processo em que “(...) o
artista, sob o impulso de uma necessidade interior, usa certas formas e a
síntese resultante age sobre o meio” (CANDIDO, 1967, p. 25).

Isso se dá porque os sujeitos, perante os desafios presentes nas


relações sociais, procuram agir no intuito de intervir nos acontecimentos sociais
através de respostas às questões com que se deparam. Esse esforço para
adaptar-se à realidade segundo as conveniências sociais faz com que os
indivíduos tendam a efetivar seus comportamentos enquanto “estruturas
significativas e coerentes”. Tal estrutura, na qual há a interação do grupo social
e a procura de respostas às suas expectativas, provoca a criação artística, que
é uma forma significativa e articulada de expressão das possibilidades
objetivas presentes nesse grupo social. O autor funda em seus escritos a
mediação constitutiva através da qual a consciência possível da coletividade
social se encarna de maneira coerente na obra literária, há então a “(...)
criação de um mundo cuja estrutura é análoga à estrutura essencial da
realidade social” (GOLDMANN, 1967, p. 195).

A partir dessa abordagem, complementar aos procedimentos


metodológicos insuficientes na análise literária, discutidas anteriormente, surge
a concepção em que os sujeitos elaboram suas visões de mundo como parte
de sua experiência, que necessariamente é compartilhada com um ou mais
grupos sociais, o que resulta na literatura enquanto algo que foi construído
coletivamente. Nesse sentido, os literatos são formuladores de idéias,
vinculadores de visões de mundo que são construídas coletivamente,
exercendo os escritores a função de intelectuais perante a sociedade.

Mediante essas reformulações teóricas, obtém-se uma nova postura


teórica, na qual a relação entre o texto literário e a realidade social se dá
através de uma visão de mundo. Quer dizer, o sociólogo ao estudar uma obra
artística, deve perceber a homologia entre a estrutura da visão de mundo do
grupo social a que pertence o autor literário e a estrutura histórica do texto em
questão, cabendo ao cientista social trazer à luz o sentido profundo do texto

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literário através da análise de seu conteúdo. Nesse sentido, a complexidade


desse método mediador (FACINA, 2004) confere importância às estruturas que
fundamentam as visões de mundo da obra – a relação entre o processo de
concepção da obra de arte e o espaço social em que é produzida.

Essa orientação relacional compreende a obra dentro de suas condições


de produção, dadas pela estrutura de campo histórico e literário num
determinado momento. Ambas as estruturas são constituídas por diversos
atores sociais, os quais de uma forma individual ou organizadas coletivamente,
emitem diferentes posições sociais e políticas distintas e oponentes entre si.
Nessa estrutura social, a posição ocupada pelo literato está associada à
trajetória histórica que ele percorreu para ocupar a posição de intelectual: os
grupos sociais aos quais está articulado, o tipo de público de suas obras, o
modo como seus textos são ou não aceitos, etc (BOURDIEU, 1996).

Assim, a análise do texto literário e de suas condições sociais de


produção seria efetuada de acordo com uma lógica relacional – a observação
das relações entre os diferentes atores sociais envolvidos na atividade
intelectual (autor, público, meios de comunicação, etc) e as posições sócio-
políticas presentes no período histórico em que a narrativa literária foi escrita.

Portanto, cabe ao cientista social indagar a si mesmo como essas visões


de mundo tornam-se coesas e a partir de quais pressupostos valorativos
presentes nas relações sociais elas se utilizam para essa coesão. O objetivo da
análise sociológica é o de desvendar a lógica do “jogo de poder social” e
demonstrar como esse fenômeno é retratado na obra artística. Assim, a partir
dessa discussão, pode-se propor três aspectos da atividade literária a serem
observadas em pesquisas de âmbito do sociológico:

1) A estrutura social – constitui a mediação entre a obra de arte e as


dimensões da realidade social em que ela está inserida. Isso significa
observar como as pressões que os valores culturais, os grupos sociais,
as posições políticas vigentes e o público do literato vão exercer na
elaboração e aceitação do texto literário em seu respectivo período
histórico.

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2) O gênero literário – as tendências artísticas possuem suas normas,


suas “leis internas”, suas tradições e predileções. Tais aspectos
privilegiam certos temas e marginalizam outros. É a partir desse “código
estético” que o autor se pautará para se dirigir ao público e críticos, além
de eleger determinadas normas de seus gênero literário ao abordar os
temas em seu texto.

3) O autor – a posição constituída pelo artista implica no valor dado ao


seu imaginário, os seus intuitos individuais; as formas e os conteúdos
que ele pretende atribuir a sua obra e expectativa de como ele será
aceito pelo público.

Lembrando que não há prioridade de um fator sobre o outro, pelo


contrário, a postura mediadora de análise consiste em considerar que esses
três atributos estão profundamente imbricados uns aos outros dentro da obra
de arte. Esse tipo de procedimento metodológico possibilitará encontrar as
atividades intelectuais, políticas, sociais e econômicas de forma agrupada nas
estruturas de conteúdo das obras literárias estudadas e, assim, ser possível
estabelecer entre elas o conjunto de relações inteligíveis que a mensagem do
texto tende a mostrar – homologias (GOLDMANN, 1967).

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LITERATURA E SOCIEDADE

A literatura reflete as relações do homem com o mundo e com os seus


semelhantes. Na medida em que elas se transformam historicamente, a
literatura também se transforma, pois é sensível às peculiaridades de cada
época, aos modos de encarar a vida, de problematizar a existência, de
questionar a realidade, de organizar a convivência social, etc.
Desde as pinturas rupestres em cavernas, o homem tem manifestado o
desejo de comunicar-se e exprimir o mundo em que se insere. Assim, “ler” tais
pinturas significa, em parte, compreender o meio social em que aqueles
primitivos seres existiram. Da mesma forma, a partir da invenção da escrita, o
homem tem se valido de distintas maneiras para fixar o seu pensamento, as
suas emoções, as suas conquistas.

Buscar, no texto literário, a sociedade, suas características, os fatos


mais relevantes não se justifica por si só. O texto literário não é a sociedade e
não se presta a fixá-la. Voltar-se para ele, a partir de uma posição que privilegie
o contexto social, significa valorizar a sua qualidade estética e rastrear indícios
da sociedade que foram filtrados pelo narrador. A sociedade adquire relevância
quando se torna parte integrante, interna, da própria narrativa, sendo possível
revisitar as forças colocadas em choque na conformação social.

O fenômeno literário, no Ocidente, encontra seus registros iniciais na


Grécia antiga. Para Berthold: “O teatro é uma obra de arte social e comunal;
nunca isso foi mais verdadeiro do que na Grécia antiga (...). O público
participava ativamente do ritual teatral, religioso, inseria-se na esfera dos
deuses e compartilhava o conhecimento das grandes conexões mitológicas”
(2006: 104). Assinala-se, logo, o elo entre o mundo das artes e a sociedade em
que são produzidas. No caso específico, o povo tomava parte das
manifestações teatrais, suas experiências cotidianas eram purgadas através do
sofrimento dos heróis trágicos, dos eventos grotescos da comédia e pelo
próprio envolvimento no fazer artístico.

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Séculos se passaram, as pequenas aldeias gregas foram,


paulatinamente, substituídas e, neste contexto, registrou-se uma nova
concepção de literatura, em que a visão totalizante da sociedade cedeu espaço
ao individualismo burguês e o romance consolidou-se. Ao mesmo tempo, a
perspectiva que une literatura e sociedade passou a ser discutida, analisada,
posto que existia um novo modelo econômico vigente, o capitalismo.
Desenvolveu-se uma nova forma de abordagem crítica da obra literária e de
suas relações com a sociedade, a Sociologia da Literatura. Tadié esclarece:

A sociedade existe antes da obra, porque o escritor está condicionado por


ela, reflete-a, exprime-a, procura transformá-la; existe na obra, na qual
nos deparamos com seu rastro e sua descrição; existe depois da obra,
porque há uma sociologia da leitura, do público, que, ele também,
promove a literatura, dos estudos estatísticos à teoria da recepção. (1992:
163)

Tadié situa nos primórdios do século XIX, através dos trabalhos de


Madame de Staël, Taine e, marcadamente, a partir dos estudos resultantes das
considerações teóricas de Marx e Нegel, o surgimento desta nova tendência.
No século XX, a primazia caberia a Georg Lukács; Lucien Goldman; Нans
Robert Jauss, entre outros.

No Brasil, Antonio Candido segue esta abordagem. Em Literatura e


Sociedade, o crítico anota: “Hoje sabemos que a integridade da obra (...) só a
podemos entender fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente
íntegra (...). Sabemos, ainda, que o externo (...) importa (...) como elemento
que desempenha um certo papel na constituição da estrutura, tornando-se,
portanto, interno” (2000: 4). Assim compreendida, a sociedade adquire
importância quando “o elemento social [configura-se] como fator da própria
construção artística” (Candido 2000: 7). Eainda, “[n]a medida em que a arte é
(...) um sistema simbólico de comunicação inter-humana, ela pressupõe o jogo
permanente de relações entre os três” (Candido 2000: 38). Bueno acresce que
“é no mais profundo da forma estética que se encontra cifrada a matéria social,
depurada e mediada” (2006: 20). Assim, o texto literário, embora apresente
relativa autonomia em relação ao contexto sócio-histórico, dele se nutre, para,

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nos infindos recursos estéticos, estilizar a vida social e histórica da


humanidade.

No caso brasileiro, a literatura consolidou-se com o propósito de fixação


da nacionalidade, constituindo-se em um amplo espectro de abordagens da
sociedade formada na incipiente nação. Exemplo desta tendência encontra-se
na proposta de José de Alencar, que pretendia abarcar diferentes ambientes e,
através deles, configurar o retrato final do país independente. Em oposição à
idealização romântica, cujos autores, entretanto, não deixaram de enunciar as
contradições políticas e econômicas de um país situado entre a escravidão, o
compadrio e os desígnios do capitalismo vigente na Europa, as produções
realistas e naturalistas também têm o painel social como temática preferencial.
Nestas obras, ressalta-se o meio degradado, em que o adultério, a prostituição,
o homossexualismo dão a nota, como em O cortiço, de Aluísio Azevedo.
Candido afirma: “Em nenhum outro romance do Brasil tinha aparecido
semelhante coexistência de todos os nossos tipos raciais, justificada na medida
em que assim eram os cortiços e assim era o nosso povo” (2004: 117).

Na tessitura narrativa, o meio social se sobressai nos romances


produzidos a partir de 1930 por Erico Veríssimo, Graciliano Ramos, Jorge
Amado, entre outros. Mais uma vez, o drama narrativo encontra-se assentado
no meio social, como em Vidas secas, de Graciliano Ramos, em que a
geografia, seca, desprovida de esperança, atinge o grupo familiar – Fabiano,
sinhá Vitória e os meninos, que “são apagados na bonança, erigindo-se
inesperadamente em heróis ante a ameaça de situações decisivas” (Candido
1992: 47).

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RECEPÇAO LITERARIA

A recepção do texto litarario

Após anos de discussão a respeito de leitura e leitura do texto literário,


sabemos que o professor ainda sente insegurança quanto à forma de trabalhar
com a literatura em sala de aula. Como realizar o trabalho com um objeto de
natureza extremamente livre, no caso, a literatura, em uma instituição marcada
por normas e exigências que, por mais democrática e liberadora que se
proponha ser, não consegue se desvencilhar de questões de caráter
burocrático e de suas ligações com a ordem estabelecida? A situação parece
se complicar quando o texto se apresenta em forma de poesia, especialmente
em razão dos elementos estruturadores do gênero. Posto em situação de risco,
frente a um objeto que o instiga, o professor indaga o que fazer em texto
marcado por dificuldades que se materializam em rimas, ritmo, versos
isométricos, heterométricos e outros elementos complicadores? Existem muitas
formas de entrada em uma obra literária; entretanto, o professor deve estar
sempre atento àquelas que permitam a participação ativa do leitor no processo
de leitura, pois o texto literário compõe-se de hiatos, ou espaços vazios, que
devem ser preenchidos no ato de ler.
A partir desse pressuposto, pretendemos, em um primeiro momento,
sistematizar os níveis de leitura da recepção do texto literário no ensino, pro
postos pelo educador alemão Hans Kügler: Leitura primária; Constituição
coletiva do significado e Modos secundários de ler.
Na primeira fase de leitura, denominda Leitura primária, a proposta do
educador alemão potencializa o momento do prazer no ato de ler,
possibilitando a compreensão do texto, que é, para ele, o autoconhecimento,
ou seja, o sujeito que compreende, percebe, junto com o objeto da percepção,
a si mesmo. Nessa fase, Kügler destaca três momentos. O primeiro é a leitura
não duplicada, quando o leitor vê o texto como se este tivesse sido elaborado
apenas para ele, recusando-se a duplicá-lo; concretiza-o de acordo com suas
necessidades e vivências e, iniciando o processo de formação da ilusão, vive e
experiencia as situações representadas, tornando-se co-produtor do mundo
ficcional. A partir daí, ocorre o que Kügler denomina Projeção e auto-inserção

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simulativa, etapa em que o leitor simula e desempenha papéis, vivenciando as


ações no espaço da ilusão. Observa-se, então, a ocorrência de duas formas de
personalização do texto: o deslocamento e a condensação. Na primeira, o leitor
ocupa totalmente o cenário ficcional, descartando todas as outras implicações
não pessoais, o que pode ofuscar sua capacidade de reflexão.
Nesse momento, o leitor acredita que todos os acontecimentos textuais
têm ligação estreita e exclusiva com suas necessidades e emoções e, segundo
o educador alemão, embora seja um instante importante do contato entre leitor
e texto, é necessário que o leitor passe rapidamente para a etapa seguinte, sob
pena de perder-se em considerações extremamente pessoais, inviabilizando as
múltiplas possibilidades de leitura oferecidas pelo texto literário; na
condensação, entretanto, o mundo ficcional é exposto à reflexão do leitor, que
o reconhece e o condensa em significado articulado, ou seja, ele reconhece
que aquele texto não trata, exclusivamente, de suas emoções, mas das
vivências do ser humano. Inicia-se, assim, o processo de Ruptura da formação
da ilusão, intermediário entre a Leitura primária e a Constituição coletiva do
significado.
Nesse momento, o leitor deixa a esfera do individual e começa a refletir
sobre as múltiplas possibilidades de leitura do texto, juntamente com seus
colegas, iniciando-se a 2ª fase, denominada Constituição coletiva do
significado. O trabalho passa a ser coletivo, o que parece ser ideal para a
situação de sala de aula; é o momento em que o leitor pode confrontar suas
experiências subjetivas de leitura com as experiências de outros leitores e,com
isso, o processo acaba adquirindo uma opinião pública, ainda que limitada pelo
espaço escolar. Mas, é nesse momento que o leitor aprende a confrontar e a
discutir as possibilidades de decifração de um texto. Didaticamente, a
Constituição coletiva do significado ocorre em três estágios e, embora seus
limites sejam imperceptíveis aos olhos de um observador menos atento ao
processo de leitura, o objetivo é chegar a uma proposta de significado:
articulação da experiência de leitura; confronto com outras propostas e
elaboração de perspectivas para a leitura subseqüente. Ao final desses
estágios, que devem ser marcados pela discussão entre sujeitos, o leitor
deverá chegar à formação de hipóteses, ponte indispensável para atingir o
terceiro nível. Para Kügler, este é o momento em que há perda da ilusão do

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texto para mim e ocorrem tentativas de racionalização da experiência de


leitura.
Já na terceira e última fase do processo, denominada Modos
Secundários de Ler, o leitor poderá chegar à leitura crítica tão almejada na sala
de aula. Nesse estágio, podem ser estabelecidas, finalmente, as relações entre
autor/texto/leitor, entre texto e contexto como preliminares indispensáveis para
atingir o patamar do processo, a leitura crítica e crítico-ideológica. Na prática, a
etapa final da leitura do texto literário acaba sendo, justamente, aquela pela
qual, normalmente, os manuais didáticos têm proposto iniciar o estudo de
textos com exercícios supostamente de compreensão e interpretação. E, em
níveis mais adiantados, esses manuais elaboram todo um aparato histórico,
situando autor e obra em dado momento cultural, de modo que o leitor absorva,
equivocadamente, a concepção de que o texto existe e se mantém em
determinado período histórico-literário, comprometendo o processo de
atualização das obras literárias, tarefa dos receptores.

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HISTORIOGRAFIA LITERARIA

Entre diversos embates e entraves da Historiografia Literária, no


decorrer do seu desenvolvimento disciplinar, uma das maiores dificuldades que
se encontra, desde o período do romantismo e seu projeto nacionalista, no
século XIX, no qual se começou a formular a identidade literária dos povos e
nações, no caso o Brasil, é especificamente delimitar o seu objeto específico
de estudo. Tal corpus deve ser compreendido como todos os escritos que
representem determinada cultura? Ou, mais focalizado, os escritos ficcionais
tomados como literatura strictu senso, conceito contemporâneo e
constantemente revisto e debatido por correntes contemporâneas.
Além disso, após a delimitação do seu corpus, como abordar
metodologicamente tais produções? Apenas como reflexo literário dos
movimentos político-sócio-culturais do tempo vulgar ou, ainda, como reflexão
dos movimentos ideológicos?, Ou como respeitar as individualidades literárias
dos focos representativos inseridos no processo cultural da Literatura
Nacional? Alguns conceitos estão sendo tão debatidos, que devem também ser
inseridos no campo da historiografia literária, por exemplo: Nação/Nacional,
identidade, representação e sociedade. Conceitos sempre conflituosos
tornaram-se alicerces de correntes críticas atuais.
As incessantes perguntas sobre o método crítico da historiografia
literária, nunca findadas, transformaram-na num “guaiamum coxo” (caranguejo
brasileiro), metáfora tão cara aos românticos: sempre andando de lado, com
suas diversas pernas (teóricas), não consegue olhar seu caminho. Retire-se o
exagero da metáfora, resta-se uma observação preciosa e algoz, pois a
avaliação deve ser refeita em relação ao trabalho e repercussão da
historiografia literária para que o guaiamum se movimente para frente,
vislumbrando seu caminho. Ainda, como e em qual direção?
Mesmo estando coxo, o guaiamum movimentou-se no decorrer do
século XX, pois os embates sobre o método crítico não impediram que outras
Histórias da Literaturas fossem compostas. Tomam-se exemplos: A Literatura
no Brasil (1955 - 1959) de Afrânio Coutinho, Formação da Literatura Brasileira:
Momentos Decisivos (1959), História Concisa da Literatura Brasileira (1970) de

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Alfredo Bosi, A Literatura Brasileira: Origens e Unidade (1999) de José


Aderaldo Castello et coetera.
A fim de responder tais questionamentos críticos, torna-se necessária a
revisão de alguns paradigmas e de alguns conceitos que poderão modificar o
escopo da disciplina. É consenso nos estudos literários que tais
publicações/marcos assinaladas são imprescindíveis para o entendimento da
disciplina e do seu desenvolvimento. Para Benedito Nunes, crítico renomado,
por exemplo, durante a década de 50, a historiografia literária brasileira iniciava
uma nova fase no seu desenvolvimento crítico, rompendo os paradigmas do
século XIX, impostos pelos modelos: sociológico positivista representado pela
História da literatura brasileira de Sílvio Romero e o histórico-estético
representado pela História da literatura brasileira de José Veríssimo.

Diferentes movimentos e acontecimentos históricos e literários


contribuíram para que tais revoluções críticas fossem efetuadas. Sem dúvida,
houve um impulso motriz com o Movimento Modernista de 22 e de sua
repercutida efervescência intelectual. Surgem nas décadas de 40 e 50, no
círculo chamado Uspiano, pois a Universidade de São Paulo recém-inaugurada
promove uma reflexão que se torna seu pilar; obras que são todas tentativas de
repensar o Brasil e seus meandros.

A década de 50 é aberta por Lucia Miguel Pereira, Mestra de Candido,


com sua História da literatura brasileira (prosa e ficção: 1870 - 1920), logo após
Otto Maria Carpeaux publica, em 1947, publica a História a Literatura
Ocidental, e sua Pequena bibliografia crítica da literatura brasileira, em 1951.
Um ano após, Wilson Martins aparece com sua obra: A crítica literária no Brasil.
Em, 1954, Antônio Soares Amora publica sua História da literatura brasileira
(os séculos XVI-XX). Mas também, em 1956, Alceu Amoroso Lima lança sua
Introdução à literatura brasileira. A década se encerra com as duas maiores
publicações deste meio século para a historiografia e crítica literárias: a
primeira, em 1955 - 1959, do impositor metodológico Afrânio Coutinho,
fundador da Universidade do Rio de Janeiro, com sua A literatura no Brasil,
com seus 6 volumes, e, finalmente, em 1959, Antonio Candido com os dois
tomos da Formação da literatura brasileira: momentos decisivos.

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Há ainda alguns perspectivas para uma renovação da historiografia que


poderão ser estudadas. Para que isto ocorra, seria imprescindível a reflexão
sobre:

— A Relação entre Literatura e Sociedade na Historiografia


Literária Brasileira;

— A individuação de cada obra literária e sua relação com a


Historiografia;

— A conceituação de Literatura para a Historiografia, perante a


pluralidade sócio-cultural do Brasil e da América Latina;

— A existência de possíveis sistemas literários e suas inter-


relações que formam um macro-sistema literário da Literatura
Brasileira;

— A relação do Macro-sistema literário brasileiro com outros


sistemas literários: (latino-americanos, europeus, africanos,
asiáticos e norte-americanos);

— Literatura empenhada / Expressão de uma literatura pluri-étnica


brasileira;

— A vinculação da literatura à formação histórica do Estado e


seus mecanismos de Poder na Literatura Brasileira;

— A manifestações das minorias na Literatura Brasileira;

— A Historiografia da Recepção e Produção de textos, eventos do


passado e experiências do presente.

Estes são alguns aspectos que poderiam enriquecer os estudos literários


da Literatura Brasileira e seu desenvolvimento disciplinar, no século XXI. Desta
forma, poder-se-ia partir das conquistas obtidas pela Historiografia Literária,
respeitando seu alcance e proporcionando novas reflexões acerca da Literatura
e de suas fronteiras.

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Estas renovadas dimensões começam a se delinear no horizonte da


Historiografia Literária, pois a literatura é por natureza humanizadora e como tal
não pode ser subserviente ao Poder. Ela deve sim fornecer tanto a fruição (à
Barthes) como promover a inquietude do espírito. Esta “necessidade de
conhecer os sentimentos e a sociedade”, combater as opressões e se
empenhar numa literatura e numa sociedade, estas atitudes políticas
promovem ao conhecimento e ao prazer estético o exercício da reflexão que é
o “nervo da vida”: a contradição na aventura do espírito. Esta Humanização,
que é própria literatura, é entendida como:

O processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos


essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa
disposição para com o próximo, a afinamento das emoções, a capacidade de
penetrar nos problemas da vida, o senso de beleza, a percepção da
complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura
desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais
compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante.

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LITERATURA E HISTÓRIA

A relação entre literatura e história pode ser entendida de duas


maneiras. A primeira enfatiza o requisito de uma aproximação plenamente
histórica dos textos. Para semelhante perspectiva é necessário compreender
que nossa relação contemporânea com as obras e os gêneros não pode ser
considerada nem como invariante nem como universal.
Devemos romper com a atitude espontânea que supõe que todos os
textos, todas as obras, todos os gêneros, foram compostos, publicados, lidos e
recebidos segundo os critérios que caracterizam nossa própria relação com o
escrito. Trata-se, portanto, de identificar histórica e morfologicamente as
diferentes modalidades da inscrição e da transmissão dos discursos e, assim,
de reconhecer a pluralidade das operações e dos atores implicados tanto na
produção e publicação de qualquer texto, como nos efeitos produzidos pelas
formas materiais dos discursos sobre a construção de seu sentido.
Trata-se também de considerar o sentido dos textos como o resultado de
uma negociação ou transações entre a invenção literária e os discursos ou
práticas do mundo social que buscam, ao mesmo tempo, os materiais e
matrizes da criação estética e as condições de sua possível compreensão.
Mas há uma segunda maneira talvez mais inesperada de considerar a
relação entre literatura e história. Procede ao contrário, isto é, descobre em
alguns textos literários uma representação aguda e original dos próprios
mecanismos que regem a produção e transmissão do mistério estético.
Semelhantes textos que fazem da escritura, do livro e da leitura o objeto
mesmo da ficção, obrigam os historiadores a pensar de outra maneira as
categorias mais fundamentais que caracterizam a “instituição literária”.
Tanto na Antigüidade como na ordem moderna do discurso literário, três
noções constituem tal instituição. Em primeiro lugar, a identificação do texto
com um escrito fixado, estabilizado, manipulável graças à sua permanência.
Por conseguinte, a idéia de que a obra é produzida para um leitor, e um leitor
que lê em silêncio, para si mesmo e solitariamente, mesmo quando se
encontrar em um espaço público. Por último, a caracterização da leitura como a
atribuição do texto a um autor e como uma decifração do sentido.

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Mas é preciso ter distanciamento em relação a esses três supostos para


compreender quais foram as razões da produção, as modalidades das
realizações e as formas das apropriações das obras do passado. E também é
preciso compreender em sua própria historicidade e instabilidade.
É ali onde se fixam as categorias fundamentais que organizam a ordem
do discurso literário moderno, tal como Foucault o caracterizou em dois textos
célebres, Qu’est-ce qu’un auteur? e L’ordre du discours:2 o conceito de obra,
com seus critérios de unidade, coerência e persistência; a categoria de autor,
que faz com que a obra seja atribuída a um nome próprio; e, por último, o
comentário, identificado com o trabalho de leitura e interpretação que traz à luz
a significação já presente de um texto.
Em uma conferência famosa, “Que é um autor?”, proferida diante da
Société Française de Philosophie em 1969, Foucault distinguia dois problemas,
freqüentemente confundidos pelos historiadores: por um lado, a análise sócio-
histórica do autor como indivíduo social e as diversas questões que se
vinculam a essa perspectiva (por exemplo a condição econômica dos autores,
suas origens sociais, suas posições e trajetórias no mundo social ou no campo
literário etc.), e, por outro lado, a própria contrução do que chama a “função-
autor”, isto é, “o modo pelo qual um texto designa explicitamente esta figura [a
do autor] que se situa fora dele e que o antecede”
Considerando o autor como “uma função do discurso”, Foucault
relembrou que longe de ser universal, pertinente para todos os textos em todas
as épocas, a atribuição das obras a um nome próprio é discriminadora: “a
função-autor é característica do modo de existência, circulação e
funcionamento de certos discursos no seio de uma sociedade” [sublinho eu].
Assim, situa a função-autor à distância da evidência empírica segundo a qual
todo texto foi escrito por alguém. Por exemplo, uma carta privada, um
documento legal, um anúncio publicitário não têm “autores”.
A função autor é o resultado de operações específicas e complexas que
referem a unidade e a coerência de uma obra, ou de uma série de obras, à
identidade do sujeito construído. Semelhante dispositivo requer duas séries de
seleções e exclusões. A primeira distingue no âmbito dos múltiplos textos
escritos por um indivíduo no curso de sua vida, aqueles que são atribuíveis à
“função-autor” e aqueles que não o são. A segunda retém entre os inumeráveis

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fatos que constituem uma existência individual aqueles que têm pertinência
para caracterizar a posição de autor.
A função-autor implica portanto uma distância radical entre o indivíduo
que escreveu o texto e o sujeito ao qual o discurso está atribuído. É uma ficção
semelhante às ficções construídas pelo direito, que define e manipula sujeitos
jurídicos que não correspondem a indivíduos concretos e singulares, mas que
funcionam como categorias do discurso legal. Do mesmo modo, o autor como
função do discurso está fundamentalmente separado da realidade e
experiência fenomenológica do escritor como indivíduo singular. Por um lado, a
função-autor que garante a unidade e a coerência do discurso pode ser
ocupada por diversos indivíduos, colaboradores ou competidores. Ao contrário,
a pluralidade das posições do autor no mesmo texto pode ser referida a um só
nome próprio.

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LITERATURA E CÂNONE

A emergência dos estudos culturais no cenário acadêmico provocou


mudanças significativas nos enfoques e conceitos até então entendidos como
exclusivamente literários. Na esteira do debate envolvendo os estudos literários
e os culturais, o questionamento do cânone literário tem sido um dos principais
indicadores dessas mudanças. Os estudos culturais têm postulado uma crítica
da representatividade do cânone enquanto fator de exclusão, ou seja, de
Homero a Joyce, o cânone privilegia um padrão eurocentrico composto por
uma maioria de escritores mortos, brancos e homens.
Esse padrão, ao ser endossado e perpetuado, discrimina e alija a
produção literária que opera fora dessas premissas. A onda crítica em relação
ao cânone desdobrou-se em uma defesa de seu status quo — como por
exemplo Harold Bloom em O Cânone Ocidental — e em uma demanda por sua
“abertura”, postulada por grupos considerados marginais, como mulheres,
negros, homossexuais, ex-colonizados, etc. Toda essa problemática está
inserida em uma questão maior, que envolve o status da literatura, ou melhor,
dos estudos literários em relação aos propósitos dos estudos culturais. Esse
embate tem mostrado que a existência de posições antagônicas é inevitável;
em relação ao cânone, porém, elas podem ser reavaliadas à medida que o
processo de valorização da obra literária é melhor apreendido.
A palavra cânone deriva do grego antigo kanon, que significava um
padrão de medida, “uma norma pela qual todas as coisas são julgadas e
avaliadas” (McDonald, 1996:13). O cânone religioso é formado por textos
considerados sagrados, como os da Bíblia, que reivindicam inspiração divina.
O processo de formação do cânone bíblico envolveu debates entre os líderes
das comunidades religiosas e a definição de critérios sob os quais um
determinado texto era selecionado. A uma certa altura desse processo, o
cânone foi autoritariamente fechado e novos textos não puderam ser
adicionados.
Embora seja derivada do cânone religioso, a idéia de uma seleção de
textos considerados mais “apropriados” — o cânone literário seria secularizado
—, há, obviamente, uma importante diferença qualitativa entre ambos: a
flexibilidade. Ao contrario do cânone bíblico, o literário é aberto, uma vez que

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53

está sendo continuamente aumentado, bem como subtraído (Guillory, 1995:


237).
Os critérios para a inclusão podem ser discutíveis, como atesta a onda
crítica a que estão sendo submetidos, mas não há como negar que o cânone
literário é dinâmico: um exemplo disso é a reinclusão dos poetas metafísicos
ingleses ao cânone depois de terem sido, de uma certa forma,
“descanonizados” no século XVIII. Os dois cânones divergem também porque o
cânone literário não é uma seleção de obras feita por uma elite que se reúne
para decidir quais serão canonizadas ou não. Há todo um processo de seleção,
formação e preservação de uma obra literária. Obviamente, há uma valorização
da obra quando se considera que ela contém qualidades que a distinguem e a
tornam melhor do que outras. De acordo com John Guillory (1995: 235), esse
julgamento ocorre dentro de um contexto institucional, que é a escola. Assim,
“o problema do cânone é um problema de syllabus e currículo, as formas
institucionais pelas quais as obras são preservadas como grandes obras”
(1995: 240).
A escola, como detentora de distribuição de conhecimento, tem a
função de ensinar como ler e escrever e também o que ler e escrever. Assim,
ela define certas obras literárias como conhecimento e, através de sua inclusão
nos currículos, perpetua e preserva esse valor conferido a elas.
A habilidade de ler e escrever é fundamental para a existência do
cânone. Ela explica, por exemplo, a exclusão das mulheres do cânone literário
até o século XIX. Não existiam obras literárias femininas simplesmente porque
a maioria esmagadora das mulheres não tinha acesso à escola. A partir do
século XIX, nomes como Jane Austen, Emilly Dickinson, as irmãs Brontë, na
literatura inglesa, começaram a aparecer e foram posteriormente incluídos no
cânone.
O critério de exclusão de mulheres e minorias étnicas não se encontra
numa seleção preconceituosa e imutável de “grandes” obras de arte; ele pode
ser explicado dentro de um contexto histórico como uma “exclusão dos meios
de produção literária, da alfabetização em si” (Guillory, 1995: 238). Isso
significa que ocorreram resistências e preconceitos em relação à canonização
da produção literária das mulheres e outros grupos marginalizados, mas aceitar
que a formação do cânone faz parte de um processo conspirativo contra esses

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grupos é assumir uma posição extrema e improdutiva em termos de


reavaliação do cânone.
Da mesma maneira, segundo Guillory (1995: 235), transformar “a cena
de conspiração em uma cena de representação” — na qual o cânone seria
aberto para garantir o direito de representação dos grupos marginalizados —
também não contribui para a elucidação do processo de canonização das
obras literárias, uma vez que essa visão teria que chegar a um consenso
quanto a um conceito de valor estético para justificar porque as obras não
canonizadas são tão boas quanto as canônicas. Do contrário, a solução seria
erigir diferentes cânones para os diferentes grupos, o que não garantiria que a
reprodução dos critérios usados para o cânone eurocentrico não se repetiria.
A escola se configura, então, como a mediadora entre literatura e
sociedade, e como a instituição que molda o cânone. Assim, os estudos
literários na escola se definem pelo ensino não de qualquer tipo de escrita, mas
de uma escrita valorizada (Milner, 1996: 06).
A partir dessa distinção, o que hoje chamamos estudos culturais emerge,
no contexto sociocultural da Inglaterra nos anos 30 e 40. A obra de F. R. Leavis
é a pedra fundamental desse processo. Leavis foi o mentor de um modelo que
enfatizava as virtudes da língua (inglesa) e “a significância do cânone literário
nacional” para a cultura nacional como um todo (Milner, 1996: 9). Esse modelo
coloca a literatura num lugar privilegiado, como mediadora entre sociedade e
estado. No entanto, essa mediação se restringe a um conceito de cultura que,
tanto no sentido social, quanto no estético, ou seja, cultura como modo de vida
e como arte, se define como uma cultura de elite.

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INTEXTUALIDADE: INTRATEXTO E INTRATEXTO

Como se pode notar na constituição da própria palavra,


intertextualidade significa relação entre textos. Considerando-se texto, num
sentido lato, como um recorte significativo feito no processo ininterrupto de
semiose cultural, isto é, na ampla rede de significações dos bens culturais,
pode-se afirmar que a intertextualidade é inerente à produção humana. O
homem sempre lança mão do que já foi feito em seu processo de produção
simbólica. Falar em autonomia de um texto é, a rigor, improcedente, uma vez
que ele se caracteriza por ser um “momento” que se privilegia entre um início
e um final escolhidos.

Assim sendo, o texto, como objeto cultural, tem uma existência física
que pode ser apontada e delimitada: um filme, um romance, um anúncio, uma
música. Entretanto, esses objetos não estão ainda prontos, pois destinam-se
ao olhar, à consciência e à recriação dos leitores. Cada texto constitui uma
proposta de significação que não está inteiramente construída. A significação
se dá no jogo de olhares entre o texto e seu destinatário. Este último é um
interlocutor ativo no processo de significação, na medida em que participa do
jogo intertextual tanto quanto o autor.

A intertextualidade se dá, pois, tanto na produção como na recepção da


grande rede cultural, de que todos participam. Filmes que retomam filmes,
quadros que dialogam com outros, propagandas que se utilizam do discurso
artístico, poemas escritos com versos alheios, romances que se apropriam de
formas musicais, tudo isso são textos em diálogo com outros textos.

A relação intertextual é estabelecida, por exemplo, no texto de Oswald


de Andrade, escrito no século XX, "Meus oito anos", quando este cita o
poema do século XIX, de Casimiro de Abreu, de mesmo nome.

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"Meus oito anos"


Oh! Que saudade que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Que amor, que sonhos, que flores
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!
(Casimiro de Abreu)
"Meus oito anos"
Oh! Que saudade que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Naquele quintal de terra
Da rua São Antonio
Debaixo da bananeira
Sem nenhum laranjais!
(Oswald de Andrade)

Intertexto e intratexto
Intertexto é um discurso de vários discursos feitos, aberto a
muitos outros por fazer. O intertexto serve para ilustrar a importância do
conhecimento de mundo e como este interfere no nível de compreensão
do texto. Ao relacionar um texto com outro, o leitor entenderá que a
intertextualidade é uma das estratégias utilizadas para a construção dos
mesmos. No caso específico do anúncio publicitário, por exemplo, o
intertexto, quando usado, é uma forma diferente de persuasão, com o
objetivo de levar o leitor a consumir um produto e também difundir a
cultura.
O intratexto corresponde aos aspectos internos do texto e implica
exclusivamente na avaliação do texto como objeto de significação.
Intratexto e intertexto são textos complementares que se articulam em função do
texto “ficcional” ergódico.

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57
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ESTUDOS CULTURAIS

De uma forma geral, chamamos Estudos Culturais à disciplina que se


ocupa do estudo dos diferentes aspectos da cultura, envolvendo, por exemplo,
outras disciplinas como a história, a filosofia, a sociologia, a etnografia, a teoria
da literatura, etc.

Há hoje uma distinção sólida entre Estudos Culturais e Teoria da Cultura.


O conjunto de questões de que os teóricos da cultura se têm ocupado acabou
por fazer o programa da disciplina de Teoria da Cultura. As variações vão
desde os estudos pós-coloniais às opressões culturais, incluindo os estudos
sobre género, diferenças, feminismo, masculinismo, homossexualidade, teorias
marxistas sociais, crítica das práticas tradicionais da política, da antropologia,
da literatura e da estética, implicações de temas como o utilitarismo, o
estruturalismo, o culturalismo, as culturas populares, as metaficções, o pós-
modernismo, etc.

Estes são campos de trabalho para os Estudos Culturais; a Teoria da


Cultura é o domínio de estudos interdisciplinares dentro desses campos de
trabalho que envolve uma forte componente teórica. Da mesma forma que nos
estudos teóricos da literatura se devem estudar temáticas culturais com
implicações literárias, também nos estudos teóricos da cultura se deve
observar o papel da literatura na construção cultural de uma sociedade. O
vocabulário dos Estudos Culturais apreende-se nas várias disciplinas que aqui
intervêm. A aprendizagem da Teoria da Cultura faz-se pela leitura crítica de
textos significativos nesta área.

Os Estudos Culturais caracterizam-se por sua dimensão multidisciplinar,


a quebra das fronteiras tradicionalmente estabelecidas nos departamentos e
nas universidades. Esse é um aspecto altamente positivo no processo de
renovação das ciências sociais. Não há dúvida de que o movimento de
institucionalização do conhecimento durante o século XX caminhou muitas
vezes para uma espécie de fordismo intelectual, no qual as especialidades, as
subdivisões disciplinares e temáticas (sociologia rural, antropologia da família,
partidos políticos etc.), alimentadas sobretudo nos momentos de celebração
ritual, os grandes congressos acadêmicos, implicaram a preponderância de um
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saber fragmentado em relação a uma visão mais "globalizadora", "totalizadora",


dos fenômenos sociais (lembro que para Marcel Mauss a categoria "totalidade"
era fundamental na construção do objeto sociológico).

Não se pode dizer que o processo de especialização tenha sido


inteiramente negativo; de alguma maneira ele possibilitou a análise mais
detalhada de certos "eventos", mas permanece a impressão de que a
fragmentação existente pouco favorece o aprimoramento do conhecimento,
vinculando-se mais aos interesses dos grupos profissionais que disputam
verbas de pesquisa e posições de autoridade no campo intelectual. Entretanto,
não se deve considerar a importância da multidisciplinaridade como algo
idêntico ao "fim das fronteiras". Ou cairemos na obviedade do senso comum
que tem insistentemente alardeado, já no ocaso do século XX, o "fim" das
ideologias, do espaço, do trabalho, da história.

Seria, nesse caso, substituir uma insuficiência real por um falso


problema. As fronteiras são necessárias para a existência de um saber
autônomo, independentemente das injunções externas (religião, política,
provincianismo local, senso comum). A multidisciplinaridade não é pois um
valor em si, mas um valor relacional (isto é, estabelece-se em relação às
"verdades" disciplinares), e é preciso portanto vinculá-la a uma questão
anterior: em que medida ela favorece ou não uma realização mais adequada
do próprio pensamento.

Se os Estudos Culturais propõem uma solução multidisciplinar, não é


menos certo que outras alternativas podem também ser exploradas, por
exemplo a transdisciplinaridade. Nesse caso, os horizontes disciplinares
surgem não como um entrave a ser abolido, mas como ponto de partida para
uma "viagem" entre saberes compartimentados.

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60

NOVAS TENDENCIAS DE TEORIA LITERARIA

Antecedentes da Teoria da Literatura

Quando a Teoria da Literatura passou pelas transformações a que fora


impulsionada em decorrência da revolução modernista, ela já estava bem
instalada enquanto disciplina na universidade.
Os mesmos alemães que consideraram a Teoria da Literatura uma
ciência dedicada aos estudos literários, transformaram-na em disciplina
acadêmica. Também a História da Literatura e a Literatura Comparada que se
integraram à Teoria da Literatura, e a Filologia, que a auxiliou bastante,
passaram a compor o currículo dos estudos superiores em Letras no decorrer
do século XIX.
Antes, porém, não era assim A trajetória da Teoria da Literatura inicia-se
entre os gregos dos séculos V e IV a. C., que se preocuparam com as
possibilidades oferecidas pela expressão lingüística. Sabedores de que o
domínio da técnica de falar podia render bons frutos profissionais, eles
valorizaram a eloqüência e procuraram estabelecer as regras da melhor
maneira de convencer o público ouvinte. A Oratória nasceu entre os atenienses
do século V a.C., apresentando-se como uma técnica que podia ser ensinada.
Os primeiros professores de Oratória foram os sofistas destacando-se Górgias,
que, para mostrar a eficiência dos discursos, faz a apologia de Helena, a
causadora da guerra de Tróia, que tantas mortes provocou entre os heróis
gregos. Mesmo sabendo da aversão que seus conterrâneos teriam àquela
mulher, Górgias não teve dúvida em elogiá-la, convencendo seu auditório.
A atitude de Górgias, refletindo a posição dos sofistas, provocou
polêmica e, sobretudo, alguma rejeição. Um de seus adversários foi o filósofo
Platão, que procurou demonstrar como a linguagem podia ser enganadora se
mal empregada. Para provar sua teoria, porém, ele teve de se dedicar à análise
de poemas e de discursos, matéria de alguns de seus textos mais famosos,
como A República e Fedro.
Escrevendo sob a forma de diálogos, Platão procurou demonstrar que a
poesia, mesmo a de autores de grande prestígio entre os gregos, como
Homero, era mentirosa, porque atribuía qualidades humanas aos deuses
Fedro.
e
60
61

quando deveria respeitar os seres divinos e imortais.


Para desenvolver sua argumentação, Platão reconhece que a poesia
imita ações humanas, mesmo quando praticada por pessoas divinas, utilizando,
para tanto, a palavra mimese, que, a partir daí, é incorporada à Teoria da
Literatura para dar conta da propriedade das obras literárias, capazes de
reproduzir e representar o mundo circundante e o comportamento das pessoas.
O posicionamento de Platão foi tão polêmico quanto o de Górgias,
provocando a resposta de outro filósofo, Aristóteles, que procurou amenizar a
discussão. Assim, Aristóteles propôs que não se pensassem todos os discursos
da mesma maneira: de um lado, era preciso refletir sobre a poesia, tema da
Poética, que discutiria as características das obras em que predominaria a
mimese, ou seja, a representação das ações humanas de modo coerente e
verossímil; de outro, cabia organizar a Retórica, encarregada de dar conta das
técnicas de Oratória a ser empregada pelo indivíduo em um discurso, quando
quisesse ganhar uma causa em um tribunal, convencer uma audiência a votar
nele por ocasião das assembléias populares ou elogiar uma pessoa notável em
eventos comemorativos.
A divisão proposta por Aristóteles manteve-se no tempo, estabelecendo
uma distinção entre a expressão artística, colocada em poemas e narrativas, e
os discursos, de caráter utilitário na maioria dos casos. A Poética encarregou-se
do primeiro grupo de obras e a Retórica, do segundo; mas, nas duas
circunstâncias, tanto Aristóteles, quanto seus seguidores, na maioria
professores de jovens pertencentes às camadas sociais superiores, propuseram
preceitos a serem seguidos, configurando o caráter técnico e normativo das
duas disciplinas.
Quando, no começo do século XIX, o Romantismo decretou que a
criação artística independia de regras, as técnicas poéticas e retóricas foram
abolidas. Mas, a essas alturas, já se pensava que a literatura precisava ser
objeto de uma ciência que não fosse reguladora, como a Poética, nem
pragmática, como a Retórica. Aparece, assim, a Teoria da Literatura, afinando-
se aos propósitos do Romantismo e encontrando sua morada no Ensino
Superior.

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62

1. “Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector e Caio Fernando


Abreu são exemplos de escritores que se preocuparam em discutir
literariamente problemas da experiência humana e conflitos sociais, propondo
uma perspectiva singular para a formação e humanização do homem. Seus
textos são elaborações literárias que combinam elementos de ordem social
com elementos de ordem estética, num trabalho artístico que rompe com as
convenções tradicionais de linguagem e composição.” Ana Paula Teixeira Porto
Luana Teixeira Porto. Exemplifique a afirmação acima com obras dos citados
autores.
2. É possível fazer uma reflexão sobre a obra literária, mesmo sem
ter um conhecimento dos conceitos e teorias já consagradas pela disciplina
denominada Teoria Literária. Basta que leiamos os textos e questionemos o
que eles dizem e, sobretudo, de que modo eles dizem. O exercício a seguir
pretende iniciar o estudante no estudo da literatura a partir de sua própria
capacidade de ler e refletir. Portanto, no que diz respeito aos textos abaixo:

 Leia atentamente os textos;

 Pense na relação do texto com a realidade, com os seres


humanos ou com a cultura;

 Faça um comentário a respeito dos mesmos levando em


consideração o modo como eles produzem a sua
significação, ou seja, de que modo o autor usa a linguagem
para captar ou criar a realidade, ou mesmo para tratar de
um determinado assunto.

Texto 1:
OUTRA CARTA DA DORINHA por Luis Fernando Veríssimo
Dora Avante está preocupada com a integridade e exibição da polícia que
agora prende os ricos.
Luís Fernando Veríssimo

62
63

Recebo outra carta da ravissante Dora Avante. Dorinha, como se sabe,


lídera um grupo, as Socialaites Socialistas – Tatiana ("Tati") Bitati, Suzana
("Su") Perficial, Jussara ("Ju") Juba, Cristina ("Ki") Bobagem e outras – , que
luta pela implantação no Brasil do socialismo soviético na sua fase mais
avançada, que é a restauração do tzarismo. Inclusive descobriram um garçom
na Penha descendente dos Romanov que concordou em ser tzar desde que
conte tempo para o INPS e estão preparando para o cargo com aulas de
etiqueta, danças de salão e despotismo. Mas hoje, segundo Dorinha, a palavra
que melhor descreve o grupo é "tremebundas". Mesmo as que fizeram lipo.
Mas deixemos que ela mesmo nos conte a razão do nervosismo. Sua carta
veio, como sempre, escrita com tinta violeta em papel turquesa encabeçado
pelo seu nome em relevo com um espaço em branco para o sobrenome do
marido do momento, se houver. Mas desta vez com a letra trêmula.
"Caríssimo! Beijos sombrios. Estamos preocupadíssimas. Como você
sabe, deve-se tomar algumas precauções para viver no Brasil com um mínimo
de tranqüilidade para a nossa prataria. Quase todas moramos em andares
altos, de onde se pode sinalizar diretamente para a Quarta Frota americana, se
for o caso. Mas o que nos ameaça agora não é a massa arrombando a porta,
chutando nossos cachorros com grife e levando nossas roupas com pedigree –
é a polícia! Um dos meus maridos, cujo nome me escapa no momento, dizia
que não há maior ameaça à paz social do que uma polícia íntegra e, pior,
exibida. E a polícia está prendendo gente como a gente, numa escandalosa
inversão de critérios!
Nunca se viu isso no Brasil. Onde ficam os velhos valores? Onde fica o
respeito? Mais importante: que roupa pode ficar bem com algemas na TV?
Uma das nossas companheiras, Constância ("Cocó") Ricó, sugere que se olhe
o lado bom da coisa. (Foi Cocó quem nos convenceu a descer do avião que
nos levaria para Miami depois da eleição do Lula com a notícia de que o
Meireles iria para o Banco Central e não havia nada a temer). Ela diz que, já
que estaremos todas fatalmente em alguma lista do Dantas, poderemos ficar
juntas numa cela e começar a reforma do sistema carcerário brasileiro por
dentro, nem que seja só com alguns retoques na decoração. E mesmo se não
conseguirmos, é certo que haverá uma grande melhora nas prisões do pais,
para receber a nova e exigente clientela. E que ela quer ver falarem mal da

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elite brasileira depois. Sei não. Só quero saber se vão deixar eu levar a bolsa
de água quente (Vuitton) que comprei para substituir meu último marido. Beijo,
talvez o último em liberdade, da sua Dorinha."
Texto 2
Contos inéditos de Dalton Trevisan Contos Escolhidos
O Estripador
No sábado, pelas cinco da tarde, a moça voltava da Igreja Adventista
Filhos de Jesus. Pouco antes da casa da patroa, viu o tipo mal-encarado.
Correndinha atravessou a rua.
A casa tem muros altos e um pequeno corredor na entrada. Com a
chave na mão, diante da porta, foi alcançada pelo cara, que lhe encostou uma
faca na cintura:
- Nem um pio. Que eu te furo!

Um dia frio, ela estava de jaqueta, mesmo assim doeu fininho. O cara
apertou mais a arma:
- É um assalto. Dá a bolsa.
Ela estendeu a pobre bolsa: sete reais em notas e moedas. O tipo achou
pouco.
Graças a Deus, vinha um casal na sua direção.
- Bem quieta, você. Feche a bolsa.
Daí passou o caminhão do lixo. Ela tentou fazer um sinal. O cara
percebeu, e cutucando o punhal:
- Olha pra cá.
Disfarçando, ele acenou para o lixeiro, pendurado ali no estribo:
- Oi, tudo bem?
Em seguida surgiu um ônibus amarelão. Ele ignorou. À espera do
seguinte, no sentido bairro. Voz forte e grossa:
- Você vem comigo. Ou te sangro aqui mesmo!
Suplicante, ela retorcia as mãos:
- Sou a babá do menino. Ele está doentinho. Precisa de mim.
Girava no dedo o anel: confessar que era noiva?
Em pânico, obrigada a subir com ele no ônibus. Perna trêmula, abriu a
boca para gritar… E tinha perdido a voz. Da boca aberta nadinha de som.

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Mas o seu coração dava berros.


Ficaram de pé. Ela sentia a faca ali furando a jaqueta nova de couro. No
terceiro ponto, ele tocou a campainha. Os dois desceram.
Andaram duas quadras. Ele viu o terreno baldio. Lá nos fundos, uma e
outra casa. Ainda era dia claro:
- Não. Aqui, não.
O tempo inteiro rezava muda. Todas as preces numa só palavra – Jesus.
Entregou a alma ao Filho e ao Pai.
Ele caminhava depressa. Agarrava-a com força pelo braço. Outro
terreno vazio. Só uma casa de porta e janelas fechadas. Assim que avançaram,
a luz da varanda foi acesa. Ele bateu em retirada.
Mais um terreno com pessoas nas casas. Ele continuou a busca.
Lá adiante:
- É aqui.
Tudo deserto. Noitinha. Um barraco sem ninguém.
Até então, fé e esperança haviam-na amparado. Caiu em desespero.
- Tire a roupa.
Ela não queria. Fechou bem as pernas. Ele ergueu a lâmina e rasgou a
manga do blusão.
- Pra mim, matar é fácil. Escolha.
A moça tremia toda. Chorava muito. De joelho e mão posta:
- Tenha dó. Em nome de Jesus Cristinho. Leve a bolsa e a jaqueta. Por
favor. Só me deixe ir.
Pensa que teve dó, o bruto? Daí ela foi obrigada. Tanta confusão, a
pobre tinha andado pra cá pra lá, sem parar. Assim cansada, onde as forças de
lutar e se defender?
E fez com ela o que bem quis. Fez isso.
- Os dentes, não. Sem os dentes, sua…
Mais isso.
- Abra. Mais. Senão eu…
Rasgou e rebentou. Uma brasa viva entre as pernas. Mais aquilo.
- Se vire. Não. Assim.
Estripou. A coitada que, virgem, se guardava para o noivo, cuja vida era
de casa para a igreja e da igreja para casa.

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Só a deixou depois de toda ensangüentada. Foi de tal violência.


Aproveitou o mais que pôde. Uma carnificina.
Já era noite. Mas tinha gente passando ao longe. Um casal de conversa
lá na rua. Se ela gritasse, alguém devia escutar e acudir. O bandido adivinhou
na hora:
- Nem pense nisso!
E espetando a maldita faca no peito nu:
- Quer ver sangue?
Sem ela esperar, começou tudo outra vez. O tipo se serviu bem
direitinho. Ainda mais ferida e machucada.
Um carro parou adiante na rua. Faróis apagados. Ele achou perigoso.
Mandou que ela se vestisse.
Já arrumados, o cara bem sério:
- Abra o Livro no Salmo 130.
Tal o espanto, a moça ergueu os olhos. E primeira vez ela viu quem era:
grandão, meio gordo, bigodão negro.
Certo que abriu a Bíblia, mas você tem voz? Nem ela, ainda mais no
escuro. Ele então buscou a sua no bolso, pequena assim. Ao clarão da lua,
movia os lábios, sem palavras – estava lendo ou sabia-o de cor?
Disse que também era evangélico. Abandonado em criança pela mãe. E,
depois de casado, pela Maria – a única de quem gostou. O amor, essa coisa,
sabe como é. Todas as mulheres eram vagabundas. Ele disse outra palavra.
Para se vingar, caçava as moças na rua. Se não fosse ela, tinha sido outra. Às
vezes, atacava duas no mesmo dia.
- Não tenho nada a perder.
Foram andando a par. Já não a tocava. De repente:
- Agora vá.
Devia ficar contente por deixá-la viva. E agradecida ao Menino Jesus,
podia ter sido pior.
- Não olhe pra trás.
A pobrinha chegou em casa pelas onze e meia da noite. Arrastava os
pés, toda torta e gemente. Sangrando pelos nove orifícios do corpo.
Trazia o relógio de pulso e o anel de noiva. Por eles o tipo não se
interessou. Só pelo dinheiro. Achou pouco sete reais. Mas levou assim mesmo.

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Foram umas três semanas até sarar das rupturas, lesões e remendos.
Não sabe ainda a resposta do exame para aids e hepatite.
A patroa não a quis mais de babá. O noivo, esse? Sumiu. Está custoso
achar novo emprego. E nunca pôde reler o Salmo 130. Quando chega a sua
vez, fecha os olhos e salta a página.
Dá uivos, meu coração nu. Esse bigodão negro e a golfada de fel e cinza
na boca.
Do Salmo 130 se livrou.
E como evitar a hora fatídica das cinco da tarde? Que se repete, sem
falta. O dia inteiro são sempre cinco da tarde. Cinco horas paradas no seu
reloginho de pulso.
Os ferimentos cicatrizaram, é verdade. Mas nunca ficou boa. E nunca
mais foi a mesma.
Texto 3
Antífona por Cruz e Souza
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!…
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas…
Incensos dos turíbulos das aras…

Formas do Amor, constelarmente puras,


De Virgens e de Santas vaporosas…
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas…

Indefiníveis músicas supremas,


Harmonias da Cor e do Perfume…
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume…

Visões, salmos e cânticos serenos,


Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes…
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes…

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Infinitos espíritos dispersos,


Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.

Do Sonho as mais azuis diafaneidades


Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, sodas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.

Que o pólen de ouro dos mais finos astros


Fecunde e inflame a rime clara e ardente…
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.

Forças originais, essência, graça


De carnes de mulher, delicadezas…
Todo esse eflúvio que por ondas passe
Do Éter nas róseas e áureas correntezas…

Cristais diluídos de clarões alacres,


Desejos, vibrações, ânsias, alentos,
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos…

Flores negras do tédio e flores vagas


De amores vãos, tantálicos, doentios…
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios…..

Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,


Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte…

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Poema publicado em Broquéis

3. Casimiro de Abreu e Oswald de Andrade ambos escreveram um


poema intitulado “Meus oito anos”. (conferir página 53). Este é apenas
um exemplo, entre tantos, de intertextualidade literária. Analise os
pontos os quais esses poemas dialogam e faça uma pesquisa com
outros exemplos de intertextualidade literária.

4. Falar do cânone literário é sempre uma atividade controversa. De um


lado teremos os que possuem uma noção fechada de cânone, usando-o
como fator de legitimação dos autores que são nele incluídos. De outro,
os que acusam o cânone de negligenciar autores de qualidade por
motivos não literários. Escolha um autor que faça parte do cânone da
literatura portuguesa, e outro que não o faça e estabeleça uma
comparação literária entre eles. Depois, escreva um texto ratificando ou
refutando o posicionamento da canonização.

5. Construa um painel da literatura portuguesa, no qual conste os


principais autores e as principais obras dos mesmos, escolha de cada
autor uma obra e faça uma análise crítica litarária, tendo por base os
estudos vistos durante a presente disciplina.

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COMO SE FORMOU A NAÇÃO PORTUGUESA

O século XII é o de luta mais intensa entre cristãos e mouros, que vão
cedendo terreno pouco a pouco ante a vigorosa ofensiva dos leoneses. Afonso
VI é o rei de Leão e chega para reforçar a luta contra os mouros o nobre
francês Henrique de Borgonha. Tal foi sua contribuição que o rei lhe deu a mão
da filha - Dona Teresa - em casamento e o governo de um dos seus melhores
condados: o de Porto-Cale; pouco tempo depois, o Conde Henrique anexa ao
seu domínio o condado de Coimbra e tem um herdeiro: o futuro rei Dom Afonso
Henriques.
Em 1114, Henrique de Borgonha morre e sua viúva assume o governo
como regente, pois Afonso Henriques tem apenas 3 anos. Ao completar 18
anos, D. Afonso Henriques assume o governo e entra em guerra contra os
mouros e contra o então rei de Leão - Afonso VII - sagrando-se sempre
vencedor; aos Condados de Porto Cale e Coimbra é anexado todo o reino de
Leão: todo esse território forma a nação portuguesa, cujo fundador, D. Afonso
Henriques, é reconhecido como seu rei inclusive pelo derrotado e ex-rei de
Leão - Afonso VII.

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Como resultado de suas vitórias sobre os mouros que ocupavam muitas


cidades portuguesas, D. Afonso Henriques recebe a alcunha de "o
Conquistador". A expulsão dos mouros também torna-se preocupação dos reis
portugueses que sucedem D. Afonso Henriques, como: D. Sancho I, D. Afonso
II, D. Sancho II, D. Afonso III , D. Dinis ( o REI-TROVADOR), etc.

A LITERATURA MEDIEVAL PORTUGUESA: AS CANTIGAS

1. Denominações e origem da Literatura Medieval Portuguesa


A Literatura Portuguesa surge no século XII: na Idade Média, portanto.
Tudo que vimos até aqui a respeito da Idade Média vale para Portugal: o que
ocorre na sociedade, na Arte e na Literatura portuguesas é exemplo do que
ocorre em toda a Europa.
As primeiras obras literárias portuguesas são elaboradas em versos: são
poemas. Como ainda não há imprensa nessa época, os poemas medievais são
orais e com acompanhamento musical, recebendo, por isso, o nome de
CANTIGAS ou TROVAS. As cantigas são divulgadas nas ruas, nas praças, nas
festas, nos palácios; para facilitar sua memorização e divulgação, as cantigas
são elaboradas com versos curtos que não seguem necessariamente as
normas da Versificação e que se repetem pelo poema; além disso, a linguagem
das cantiga é extremamente fácil, pois, a língua falada em Portugal é o
GALEGO-PORTUGUÊS, uma língua simples e ingênua.
A primeira obra literária portuguesa de que se tem notícia data de 1189: a
cantiga "A RIBEIRINHA", de autoria de Paio Soares de Taveirós, uma cantiga
de amor em homenagem a Maria Paes Ribeiro; como os poetas não podiam
revelar o nome das suas amadas nas cantigas de amor e como a

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homenageada era casada, o autor dessa cantiga se inspirou no sobrenome da


amada para nomear sua obra.
É das palavras TROVA e TROVADOR ( poeta nobre que faz trovas) que
deriva o nome mais comum que se dá a toda Literatura Portuguesa elaborada
na Idade Média: TROVADORISMO.
As primeiras cantigas ou trovas medievais portuguesas são inspiradas nas
cantigas que há muito tempo já eram feitas em Provença, no sul da França; por
isso, a Literatura Medieval Portuguesa também é chamada de LITERATURA
PROVENÇAL.
Apesar de oito séculos terem se passado, as cantigas continuam existindo:
basta ligarmos o rádio e ouviremos POEMAS ORAIS (cantados)
ACOMPANHADOS DE MÚSICA...
2. Tipos de cantigas
2.1. CANTIGA DE AMOR: O eu-lírico é masculino; o conteúdo dessas
cantigas consiste numa declaração de amor a uma mulher. Nessa declaração:
- o homem revela seu amor platônico, pois tal amor não pode ser
correspondido pela amada, já que ela é casada, ou mais rica que ele, etc, ou
seja, existe pelo menos um obstáculo impossível de ser superado para que o
amor entre ambos se concretize;
- diante da impossibilidade de que seu amor seja correspondido pela amada, o
eu-lírico diz se contentar pelo menos em ver a amada e, caso nem isso seja
possível, ele prefere morrer;
- a amada é sempre idealizada, divinizada e cultuada;
- a amada é tratada pelo pronome SENHORA. Para compensar a mulher das
desvantagens por ela sofridas na sociedade patriarcal, no relacionamento
amoroso o homem finge-se inferior a ela e, numa atitude de VASSALAGEM,
passa a tratá-la com a mesma cortesia, respeito e submissão com que trata
seu senhor feudal nas relações sociais ( no seu dia a dia): em suma, no
relacionamento amoroso, a mulher aparece como SUPERIOR ao homem. Há
alguns estudiosos que levantam a possibilidade de que o homem trata a mulher
por SENHORA, no relacionamento amoroso, visto que ela adquire um caráter
divino e é cultuada por ele como se cultua uma deusa, uma santa ( como se ela
fosse Nossa SENHORA, mãe de Jesus); de qualquer forma, essas duas
possibilidades mostram que o homem transfere para o relacionamento

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amoroso as práticas mais importantes de seu dia a dia: a de vassalagem e a de


religiosidade extrema;
- o nome da amada não é revelado;
As cantigas de amor, portanto, apresentam um conteúdo que expressa
tristeza, solidão, amor platônico, desejos não realizados, etc, ou seja, possui
"tom" triste: pertencem ao GÊNERO LÍRICO e , pelo conteúdo melancólico,
são ELEGIAS.
2.2. CANTIGA DE AMIGO: O eu-lírico é feminino. Consiste num desabafo
da mulher acerca da vida (terrível) que leva numa sociedade patriarcal e/ou na
declaração de amor pelo seu amigo (seu namorado) e da saudade e do ciúme
que sente dele, já que lhes falta liberdade para seus encontros. Tal desabafo
normalmente é dirigido a outra mulher ( sua mãe, irmã, amiga, etc, que a
entende, pois passa pelos mesmos dissabores), a Deus ou a algum elemento
da natureza ( mar, árvores, céu, etc).
Assim como as cantigas de amor, as cantigas de amigo também possuem
conteúdo melancólico: são do Gênero Lírico - elegias.
A informação mais curiosa que se tem a respeito das cantigas de amigo,
porém, é a de que elas são elaboradas por homens . Ao que parece, eles
penetram e entendem a alma feminina tanto quanto ou, às vezes, até mais que
certas mulheres.
2.3. CANTIGA DE ESCÁRNIO: é uma sátira que critica indiretamente o
sistema ou alguém ; a crítica irônica é tão bem elaborada que, por parecer um
elogio, tal tipo de cantiga é a preferida dos senhores feudais.
2.4. CANTIGA DE MALDIZER: é uma sátira que critica direta e
violentamente o sistema ou alguém: as corrupções, os roubos, os adultérios,
as explorações , etc , e seus envolvidos são citados nominalmente.
Os: alguns autores consideram a sátira como uma modalidade do Gênero
Lírico; outros, como um Gênero à parte (Gênero Satírico).

3. OS "CANCIONEIROS"

CANCIONEIROS são "arquivos" onde são encontradas algumas das


cantigas medievais portuguesas (as que foram compiladas e guardadas).
Conhecem-se 3 Cancioneiros de poemas em galego-português:

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3.1."CANCIONEIRO DA AJUDA", encontrado no Convento da Ajuda, é o


mais antigo dos Cancioneiros; provavelmente copiado em fins do séc. XIII,
possui 310 cantigas, sendo que 304 delas são cantigas de amor. É
considerado o mais incompleto dos 3 Cancioneiros, pois não contém os
poemas do rei-trovador D. Dinis, mas é um documento valioso, pela grafia e
partituras originais.
3.2. "CANCIONEIRO DA BIBLIOTECA NACIONAL DE LISBOA" ou
"CANCIONEIRO COLOCCI- BRANCUTI" , é o mais completo dos Cancioneiros
galego-portugueses: possui 1647 cantigas de todos os tipos; encontrado
primeiramente na biblioteca do Conde italiano Brancuti, no século XVI o
Cancioneiro passou a pertencer ao humanista italiano Angelo Colocci ; em
1880, o Cancioneiro foi vendido à Biblioteca Nacional de Lisboa, onde se
encontra até hoje.
3.3. "CANCIONEIRO DA VATICANA". Pesquisando a biblioteca papal,
Fernando Wolf descobriu esse Cancioneiro de 1205 cantigas, dentre elas as de
D. Dinis , que aparecem também no "Cancioneiro da Biblioteca Nacional de
Lisboa".
Graças à existência desses Cancioneiros que temos hoje exemplos de
cantigas medievais portuguesas, mesmo que a maioria delas sejam de autoria
de poetas nobres e que as mais populares (e, por isso, bem interessantes)
perderam-se no tempo.

4. Pessoas envolvidas na elaboração/apresentação das cantigas


portuguesas
Há denominações diferentes para o poeta nobre e para o poeta plebeu:
 . Poeta nobre: é o TROVADOR
 . Poeta plebeu: é o JOGRAL
Caso o poeta não tenha conhecimentos musicais para o
acompanhamento do poema, ele pede a colaboração de alguém que é apenas
COMPOSITOR: o MENESTREL. O poeta também deve ter boa voz para
apresentação da cantiga, já que ela é um poema ORAL; mas caso o poeta não
possui tais dotes fônicos, ele pede a colaboração de um CANTOR: o SEGREL.

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5. Características gerais da Literatura Medieval Portuguesa:

5.1. SUBJETIVIDADE: a poesia medieval portuguesa é lírica,


predominando a função emotiva da linguagem, ou seja, seu conteúdo expressa
as emoções, os sentimentos, a visão de mundo do emissor ( do eu-lírico),
marcadas no texto através de palavras na 1a. pessoa (verbos, pronomes), das
interjeições, das exclamações;

5.2. TEOCENTRISMO: o eu-lírico expressa sua religiosidade extrema


através da palavra Deus - sempre presente nas cantigas- dos nomes de
santos, de elementos do Cristianismo, festas e lugares santos, etc.

5.3. CONVENCIONALISMO: todo o convencionalismo social está marcado


nas cantigas medievais através da presença de pronomes e verbos na 2a.
pessoa do plural e dos pronomes de tratamento : senhora, dom, dona, amigo,
etc.
5.4. SUPERIORIDADE FEMININA NO AMOR: como já foi visto, nas
cantigas de amor (às vezes até em outras), ao declarar-se à amada, o homem
finge-se inferior, submisso a ela (VASSALAGEM): ela é cultuada como um ser
superior, divino, ao contrário do que acontece na realidade;

5.5. PATRIARCALISMO: marcado nas cantigas medievais através do


desabafo que o eu-lírico feminino faz nas cantigas de amigo a outra mulher, à
natureza ou a Deus.
Como se pode notar, as cantigas medievais portuguesas contém marcas
do tipo de cultura, do momento em que elas foram elaboradas: elas são,
portanto, verdadeiros documentos de época (documentos históricos).

IV- A PROSA MEDIEVAL PORTUGUESA

A obra medieval em prosa é composta por NARRATIVAS de 4 tipos:

1. CRONICÕES: narrativas de fatos históricos importantes colocados em


ordem cronológica, entremeados de fatos fictícios;

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2. HAGIOGRAFIAS: narrativas que contam a vida de santos (biografias) ;


3. NOBILIÁRIOS: ou livros de linhagens, são relatórios a respeito da vida de
um nobre: sua árvore genealógica (antepassados), relação das riquezas e dos
títulos de nobreza que possui, etc;
4. NOVELAS DE CAVALARIA: narrativas literárias em capítulos que contam
os grandes feitos de um herói (acompanhado de seus cavaleiros), entremeados
de célebres histórias de amor. Tais histórias de amor não são melancólicas e
platônicas como o que aparece nas cantigas: o herói cultua a amada, mas não
se contenta apenas em vê-la; ele quer e é correspondido pela amada, que por
ser casada (ou religiosa: "casada com Cristo"), torna-se adúltera para
concretizar o seu amor; os obstáculos incentivam o herói na fase de conquista
(o que é proibido é mais gostoso), ao invés de torná-lo impotente como
acontece nas cantigas; a esse amor físico, adúltero, presente nas novelas e
xácaras medievais, dá-se o nome de AMOR CORTÊS, em que o casal central
não tem final feliz e é severamente punido pelo pecado cometido. Nesses
episódios eróticos são revelados até relacionamentos homossexuais ( rei Artur
e Lancelote, rei Ricardo Coração de Leão...)
Os heróis medievais não têm a força física exagerada dos heróis da
Antigüidade, mas são sempre jovens, belos e elegantes. Suas amadas são
sempre "as mais belas do reino". A maioria das novelas de cavalaria
portuguesas são traduções ou adaptações de novelas francesas ou inglesas.
Dependendo de quem é o herói principal da novela, ela faz parte de um dos
seguintes CICLOS:
a) CICLO GRECO-ROMANO OU CLÁSSICO: conjunto de novelas de cavalaria
que narram as façanhas de heróis da Antigüidade;
b) CICLO CAROLÍNGEO OU FRANCÊS: novelas cujo herói é Carlos Magno;
c) CICLO ARTURIANO OU BRETÃO: as novelas deste ciclo são as mais
famosas, adaptadas e traduzidas; o herói dessas novelas é o Rei Artur ,
sempre acompanhado de seus célebres cavaleiros da távola redonda.
Essa "MATÉRIA DA BRETANHA" é uma das fontes que dão origem às novelas
de cavalaria portuguesas: tanto que as novelas portuguesas mais importantes
pertencem ao Ciclo Arturiano ou Bretão, como "José de Arimatéia", "História de
Merlin", etc. As novelas mais marcantes porém são:

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a)"A DEMANDA DO SANTO GRAAL" : narra a busca do cálice sagrado pelo rei
Artur e os cavaleiros da távola redonda;
b)"AMADIS DE GAULA", de autoria de Vasco ou João da Lobeira.
As novelas de cavalaria portuguesas também são inspiradas nas
CANÇÕES DE GESTA francesas (cantigas que homenageavam os heróis e
seus feitos). A prosa medieval portuguesa, como se pode concluir, é
predominantemente do GÊNERO ÉPICO.
A Literatura Medieval Portuguesa expressa a simplicidade, a ingenuidade e
a passividade do homem medieval e contém marcas do contexto em que foi
produzida. Completamente dominado pelo medo do pecado e com o objetivo
de agradar sempre a Deus, o homem medieval ainda consegue fazer uma
literatura que em determinados momentos rompe com esse domínio: é o caso
das novelas de cavalaria, dos romances ou xácaras. O segundo período
medieval vai mostrar que esse "rompimento" vai aumentando com o passar do
tempo, até que o homem consegue sair das TREVAS MEDIEVAIS
definitivamente.

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