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Apesar de a teoria do valor e a teoria da avaliação serem coisas distintas, uma vez que procuram
resolver problemas distintos, uma teoria da avaliação depende geralmente de uma teoria do valor. Uma
teoria do valor é uma teoria da justificação do valor da arte em geral, enquanto a teoria da avaliação é
uma teoria que explica por que razão uma dada obra de arte é boa ou é melhor do que outra. Beardsley
apresenta não apenas uma teoria do valor mas também uma teoria da avaliação e mostra
detalhadamente como elas se articulam. Mas aqui só interessa discutir a sua teoria do valor.
A perspectiva instrumentalista apresentada por Beardsley em Aesthetics: Problems in the Philosophy of
Criticism veio a ser posteriormente afinada em certos aspectos, mas o essencial encontra-se nessa obra,
pelo que é nela que me baseio aqui.
Anti-cognitivismo
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Duas notas acerca do que Beardsley entende por «características gerais». Em primeiro lugar diz-se que
são gerais porque nelas se subsumem outras características de menor alcance. Em segundo lugar
porque, segundo Beardsley, é preciso distingui-las das características regionais. As características
regionais da experiência estética, ao contrário das gerais, variam consoante as formas de arte, sendo
diferentes na música, na pintura, na literatura, etc., pois a experiência de escutar uma peça musical tem
características próprias diferentes das experiências de observar uma pintura, de ler um poema, etc.
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Eis o que Beardsley entende por campo fenoménico: «Vamos usar o termo geral “campo fenoménico”
para referir tudo aquilo de que nos damos conta, ou temos consciência, num dado momento. Assim, neste
momento o meu campo fenoménico é constituído por várias cores e formas (o campo visual), pelos sons
da máquina de escrever, bem como dos pássaros e carros ao lado (o campo audível), pelos meus
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de relembrar um nome esquecido, as quais são diferentes das características que nos
parecem pertencer a algo exterior a nós, como a cor de uma laranja ou a forma de um
edifício4. A estas últimas Beardsley chama «características fenomenicamente
objectivas» (phenomenally objective features). Só que na experiência estética, as
características fenomenicamente subjectivas da intensidade, unidade e complexidade
são causalmente determinadas pelas intensidade, unidade e complexidade percebidas
nas obras de arte, ou seja, são determinadas pelas características fenomenicamente
objectivas da intensidade, unidade e complexidade. Os sentimentos subjectivos da
intensidade, da unidade e da complexidade perante uma dada obra de arte são
causalmente determinados pelas características percebidas na própria obra. A
experiência estética é, pois, constituída pelas características fenomenicamente
subjectivas e pelas características fenomenicamente objectivas, sendo as primeiras
como que um reflexo das segundas. A apreensão cognitiva dá-se precisamente com a
tomada de consciência das características fenomenicamente objectivas da
intensidade, da unidade e da complexidade, apreensão essa que é, como vimos,
condição necessária da experiência estética.
Quando Beardsley fala de intensidade, enquanto característica
fenomenicamente objectiva, está em termos concretos a pensar na sensação que
resulta, por exemplo, do uso de sons contrastantes – quer em termos de altura, timbre,
ataque, etc. – numa dada peça musical. São esses elementos fortemente
contrastantes que absorvem fixa e intensamente a nossa atenção e nos concentram
na peça. Por sua vez, a unidade fenomenicamente objectiva de uma dada peça
musical pode ser o resultado, por exemplo, da ocorrência repetida das mesmas formas
sonoras, ou de formas sonoras semelhantes que se “encaixam” e completam
harmoniosamente. E a complexidade de uma dada obra musical pode ser o efeito
resultante da utilização de uma gama alargada de recursos sonoros passíveis de ser
discriminados pelo ouvinte, quer no que diz respeito à orquestração, ao ritmo, aos
motivos melódicos, etc.
Estas características verificam-se em diferentes graus na experiência estética
e, portanto, na obra percebida. Assim, uma obra pode dar origem a uma experiência
estética de elevada intensidade, mas de baixa complexidade; ou a experiência pode
ter uma grande unidade e uma fraca intensidade, etc. Uma experiência estética que
tem as características da intensidade, unidade e complexidade em elevado grau, é
pensamentos, memórias, sentimentos e expectativas, etc. Algumas das partes, ou ingredientes, no meu
campo fenoménico são fenomenicamente objectivas; outras são fenomenicamente subjectivas.» (p. 37).
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Esta distinção não deve, segundo Beardsley, ser entendida em termos epistemológicos: «Tento
simplesmente descrever o que encontramos, ou o que é colocado perante a nossa consciência, sem
qualquer referência à física ou à epistemologia.» (p.37).
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Neste sentido não poderíamos falar de tendência a propósito de uma sinfonia que quase nunca produziu
experiências estéticas por ter sido acabada de compor e nunca ter sido publicamente executada. Mas já
não é descabido falar da sua capacidade de produzir experiências estéticas, mesmo que nunca tenha
sido publicamente executada.
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para exprimir esta característica, e exemplifica: num romance «as personagens não
são mais do que é mostrado», «a música é movimento sem algo sólido que se mova»,
na dança «o dançarino dá-nos a abstracção da acção humana, mas não as próprias
acções». Conclui: «os objectos estéticos são objectos faz-de-conta (make-believe); e
disso depende a sua capacidade de trazer à tona uma espécie de contemplação
reverencial da nossa parte, sem necessidade de nos comprometermos com qualquer
acção prática» (p. 529). Assim, a natureza dos objectos estéticos explica, pelo menos
em parte, a ausência de finalidade prática da experiência estética. Estas
características, em conjunto, fazem com que a experiência estética seja
desinteressada e isolada de tudo o resto.
Uma das consequências mais óbvias desta caracterização é o anti-
cognitivismo, pois os aspectos cognitivos eventualmente presentes nas obras de arte
não contribuem rigorosamente nada para a experiência estética. Sendo
desinteressada, ela é também alheia a quaisquer factos, preocupações ou
informações exteriores a si, incluindo outras experiências passadas ou presentes, que
não só são irrelevantes como ameaçam a integridade da experiência estética. Só se
um objecto for capaz de produzir experiências estéticas desinteressadas é que ele tem
valor estético. Uma obra de arte pode ter outros tipos de valor – moral, cognitivo, etc. –
mas nesse caso não se trata de valor estético. A ideia de Beardsley é que para ter
valor estético um objecto tem de produzir experiências estéticas e este tipo de
experiências não têm outro conteúdo que não sejam as características estéticas da
intensidade, unidade e complexidade perceptíveis no próprio objecto estético. Nada
mais além das próprias obras de arte conta para a questão do valor estético e ainda
que as obras de arte refiram algo, essa referência é esteticamente irrelevante. A teoria
do valor de Beardsley é uma teoria do valor da arte qua arte e aí o conhecimento não
cabe.
Mas é justamente esta noção de experiência estética como experiência
desinteressada que George Dickie (1988, pp. 77-80) mostra não ser correcta. A sua
estratégia argumentativa consiste em apresentar contra-exemplos ao suposto carácter
desinteressado da experiência estética. São casos de experiências cuja magnitude é
até maior quando as obras de arte que as produzem são acompanhadas de
informação exterior às próprias obras, mostrando assim que a experiência estética não
é isolada de tudo o resto, nem é necessariamente uma experiência auto-contida e
centrada exclusivamente nas características estéticas das obras de arte. Dickie
concede que em alguns casos talvez nada mais haja para apreender, de modo a
obtermos experiências estéticas marcantes, além do conteúdo estético da própria
obra. É o que, segundo ele, acontece quando escutamos um quarteto de cordas. O
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Indica as seguintes (pp. 574-576): apazigua tensões e arrefece impulsos destrutivos; resolve os nossos
próprios pequenos conflitos interiores; refina a percepção e a capacidade de discriminação; desenvolve a
imaginação e a capacidade de ver as coisas de outros pontos de vista; contribui a título preventivo para a
nossa saúde mental; fomenta a simpatia e a compreensão entre pessoas; oferece um ideal para a vida
dos seres humanos.