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Razão e contracultura nos artigos de Luiz Carlos Maciel em O Pasquim: 1969-1972

Marcos Alexandre Capellari


Doutorando em História Social (FFLCH – USP)

O presente artigo pretende discutir a concepção de racionalidade na contracultura


difundida por Luiz Carlos Maciel, entre os anos de 1969 e 1972, no jornal O Pasquim.
A escolha de O Pasquim como documentação para esta análise deveu-se ao fato de
que seus articulistas:
Além de introduzirem no Brasil temáticas da contracultura, alguns
de seus protagonistas experimentaram drogas, em especial o LSD, em
busca de novos modos de percepção. “O Pasquim”, ao lado de suas raízes
no nacional-popular, instituiu o culto da cultura underground norte-
americana, e ainda detonou um movimento próprio de contracultura,
transformando a linguagem do jornalismo e da publicidade, e até a
linguagem coloquial. 1
Outros fatores preponderaram na escolha. Ao contrário de outros jornais alternativos,
O Pasquim destacou-se, em um período de forte repressão à imprensa, pela regularidade de
suas edições e por suas grandes tiragens, alcançando, desde o número trinta, cerca de
duzentos mil exemplares semanais, desencadeando mudanças comportamentais no país,
principalmente entre os jovens. 2
Entre os articulistas do jornal do primeiro período (1969-1972), coube a Luiz Carlos
Maciel o principal papel como difusor da contracultura. Seja por intermédio de artigos
editados em colunas marcadas pela heterogeneidade temática, como As dicas, Dicas de
Mulher e Cartas, no ano de 1969, seja, principalmente, na sua coluna Underground,
introduzida a partir de 1970 e da qual foi o responsável até a sua saída do jornal, em 1972,
Luiz Carlos Maciel divulgou e discutiu autores e concepções estéticas, intelectuais e
religiosas do movimento contracultural internacional.

1
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo :
Scritta Editorial, 1991. p. XV
2
Ibid, p. XXIV, 158 e Anexo.

Texto integrante dos Anais do XVIII Encontro Regional de História – O historiador e seu tempo. ANPUH/SP
– UNESP/Assis, 24 a 28 de julho de 2006. Cd-rom.
O discurso de Luiz Carlos Maciel em O Pasquim se integra à corrente contracultural
oriunda dos EUA e da Europa. Dentre suas manifestações, destaca-se a crítica ao
racionalismo ocidental.
Para Arthur Herman, essa crítica, característica do movimento contracultural, é o
desdobramento contemporâneo de teorias inventadas no século XIX e desenvolvidas no XX
a respeito da decadência da civilização ocidental. Contrária à idéia de progresso científico,
essa ideologia estaria presente em diversas correntes filosóficas – inclusive a Escola de
Frankfurt, cuja ascendência sobre o movimento contracultural foi enorme, transformando-
se em uma profecia auto-realizadora. 3
Quando se fala em “contracultura”, é preciso ter claro que se trata de um fenômeno
complexo – isto é, fragmentário e contraditório –, não redutível a uma de suas expressões.
Insinuar, por exemplo, que ele foi o desdobramento de uma única ideologia, implica negar
as contradições ideológicas internas ao fenômeno, na tentativa de simplificá-lo. Por outro
lado, explicá-lo como o reflexo de um conjunto de idéias – pessimistas ou não – sem
considerar os aspectos sócio-econômicos e políticos subjacentes, corresponde a uma
interpretação idealista da História.
A fim de não cair nessa armadilha, a análise a ser feita a seguir se define, a priori,
enquanto parcial e meramente ilustrativa de um fenômeno que, por sua amplitude, merece
um estudo em profundidade. 4
Feitas estas ressalvas, serão aventadas algumas hipóteses a respeito da questão, as
quais serão analisadas por intermédio de dois artigos de Luiz Carlos Maciel publicados em
O Pasquim.
Nos dois trechos de artigos selecionados, fica bem evidente a sua crítica às idéias
predominantes de razão e de ciência. Comentando o pensamento de Norman Mailer 5 , em
1969 Maciel afirma que:
Ele não se limita a raciocinar dentro das estruturas estabelecidas da
razão analítica ou da razão dialética. O pensamento, para ele, é uma
exploração nos territórios ocultos da mente, uma viagem ao

3
Cf. HERMAN, Arthur. A idéia de decadência na história ocidental. Rio de Janeiro : Record, 1999.
4
Objetivo proposto no Projeto de Pesquisa “Introdução da Contracultura no Brasil e o jornal O Pasquim
(1969-72)”
5
MACIEL, Luiz Carlos. A nova lógica de Mailer. O Pasquim, n. 10, 28 a 35/08/69, p. 2 e 3.

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desconhecido, uma aventura – se quiserem. Ele trabalha com as sugestões
de sua intuição, com associações das imagens que a realidade lhe
fornece. Um irracionalismo? Sim, ainda se quiserem. Por que não? Na
medida em que a natureza vê seus segredos ameaçados pelas conquistas
da razão humana, ela também mobiliza cada vez mais os seus mistérios.
Os métodos de Mailer são uma resposta a esse desafio. No seu
pensamento, os conceitos e as categorias cedem lugar ao que ele chama
de “equações poéticas”, ou seja, metáforas – no sentido mais agudo do
termo. (grifo meu)

Em outro artigo, 6 de 1972, é a ciência o objeto de sua crítica:

A crítica radical do conhecimento científico feita por Ernesto Bono


em “É a ciência uma nova religião?” depende de uma libertação efetiva
do prisma dualista, pois se fundamenta nessa experiência. Não é um livro
que apresente um sistema, uma teoria ou, sequer, uma idéia. É um livro
que visa à compreensão íntima do leitor, usando como caminho para isso
a destruição do mito mais poderoso e enganador de nossa civilização: a
ciência com suas pretensões a conclusões objetivas, universais etc,
embora ela própria esteja continuamente desmentindo essas conclusões.
Para as pessoas familiarizadas com a visão monista, essa libertação, essa
experiência, pode ser indicada por vários nomes: “... aquilo que é”, ou
seja, “Eu sou” de certa passagem da bíblia, ou o TAO de Lao-Tse, ou
então o Saha-Nirvikalpa-Samadhi de Krishna e dos yogues, ou ainda o
Nirvana de Buda, ou o nosso conhecido e nunca compreendido “Reino de
Deus” de Cristo (...) A compreensão se dá de dentro para fora e o
monismo, aqui, consiste fundamentalmente no reconhecimento de que
tudo, o que está dentro de nós e o que está fora de nós, é uma coisa só. O
que julgamos ver na realidade externa, como separado de nós, é apenas
uma projeção mental deformada pelo prisma do ego.(...) Se a realidade

6
MACIEL, Luiz Carlos. O dogma científico. O Pasquim, n. 130, 28/12/71 a 03/01/72, p. 16

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física existe independentemente de nossas mentes, quem nos dá
testemunho dela, além de uma outra mente qualquer? Se acreditamos que,
contudo, existe, isso é uma questão de fé, fé cega e irracional. (grifos
meus)

As críticas de Maciel, tanto ao racionalismo quanto à ciência, se integra à corrente


intelectual, sobretudo frankfurtiana, de crítica ao modelo de progresso ocidental. Progresso,
aqui, é entendido enquanto domínio da natureza pela razão. Em outras palavras, implica o
desenvolvimento científico e tecnológico e, na esfera das relações humanas, o
aperfeiçoamento das instituições – educativas, políticas, jurídicas etc. – com o conseqüente
desenvolvimento da civilização. Ou seja, existe apenas um tipo de progresso: o controle
cada vez maior da humanidade sobre as forças da natureza.
Nota-se, no primeiro artigo, quando Maciel afirma que “na medida em que a natureza
vê seus segredos ameaçados pelas conquistas da razão humana, ela também mobiliza cada
vez mais os seus mistérios”, uma preocupação que inverte as posições assumidas pela
Ideologia do Progresso em relação à natureza. O importante, dentro da concepção
contracultural, não é o seu domínio. Muito pelo contrário, é preciso que o homem se integre
a ela, invertendo, no parecer de Arthur Herman, o processo civilizatório. Para ele, esse tipo
de posicionamento é a manifestação de um legado cultural, desenvolvido principalmente a
partir do século XIX por diversos autores, que se baseia na “idéia de decadência na história
ocidental”. Correspondendo a uma visão pessimista da civilização, ao contrário dos
Ideólogos do Progresso, que vêem o domínio da natureza como um bem, os Ideólogos da
Decadência o vêem enquanto um mal. Se, para os primeiros, o progresso da civilização
corresponde a um incremento da felicidade humana, para os outros ocorre o inverso: a
infelicidade é desencadeada justamente devido ao progresso civilizatório. 7
Segundo o autor, portanto, a crítica ao racionalismo e ao progresso da Sociedade
Ocidental, sob esse enfoque, corresponde a uma visão decadentista.
No segundo artigo, partindo da obra de Ernesto Bono “É a ciência uma nova
religião?”, Maciel conclui que ela se constitui enquanto o “mito mais poderoso e enganador
de nossa civilização”. O título do artigo é esclarecedor: “O dogma científico”. Para Maciel,
7
O histórico do desenvolvimento da idéia de decadência, seus desdobramentos e vertentes, encontra-se em
HERMAN, Arthur. op. cit.

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a ciência moderna imita a religião institucionalizada ao estabelecer certas “verdades” como
inquestionáveis. O problema, segundo ele, é que “a ciência, com suas pretensões a
conclusões objetivas, universais etc. [na verdade está] continuamente desmentindo essas
conclusões”.
Sendo os postulados científicos desencadeados por uma visão dualista – segundo a
qual a observação se estabelece a partir de um ‘sujeito’ separado do objeto observado,
constituindo-se, assim, a objetividade –, para Maciel tais postulados são intrinsecamente
questionáveis, uma vez que “se a realidade física existe independentemente de nossas
mentes, quem nos dá testemunho dela, além de uma outra mente qualquer? Se acreditamos
que, contudo, existe, isso é uma questão de fé, fé cega e irracional.”
É preciso, aqui, sublinhar que a crítica se refere a um modelo específico de
racionalidade: a ocidental. Tanto no primeiro quanto no segundo artigo essa crítica é
operacionalizada no sentido de oferecer um modelo alternativo de racionalidade. Ou seja, é
o “prisma dualista”, base da “razão analítica” e da ”razão dialética”, o objeto de sua crítica.
No seu lugar, Maciel propõe uma outra concepção de conhecimento, denominada
“monista”.
Verifica-se, assim, que sua crítica à racionalidade ocidental é debitária de posições
filosóficas relativistas. Mas não só. Seu discurso sintetiza outro elemento desencadeador da
contracultura, qual seja, a religiosidade, sobretudo a de fundo oriental. 8
Não se trata, aqui, de uma religião específica. Antes, corresponde a uma concepção
religiosa – designada monista – destacada de diversas tradições (judaico-cristã, hindu,
taoista, budista), que dará ensejo à criação de um novo movimento: a Nova Era. 9
Segundo Ricardo M. Gonçalves, essa concepção, reduzida a seus elementos básicos,
consiste no seguinte:
1) Há um Real, um Absoluto inacessível ao pensamento e à
linguagem, que está em todas as coisas e também dentro delas. (...) 2) Ele
é o Uno, a Totalidade da Existência, o Absoluto, mas pode-se revelar a si
mesmo através da multiplicidade dos fenômenos relativos, contingentes e
transitórios. (...) 3) Degradado à esfera do relativo, o Absoluto revela-se

8
Vide CAPELLARI, Marcos Alexandre. As religiões não católicas e as ciências humanas no Brasil (1900-
2000). Dissertação (Mestrado em História) – F.F.L.C.H., Universidade de São Paulo, 2002. p. 133-8.
9
Ibid.

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como um ego, preocupado em se auto-afirmar através da realização de
pequenos desejos insignificantes, esquecido de sua identidade original.
Urge que, através de um processo de evolução, ele recupere a consciência
da mesma, que tome consciência de que ele é o próprio Absoluto. 10
Originária do Hinduísmo e do Budismo, ela se afirma, no discurso de Maciel,
enquanto portadora de uma racionalidade específica, diametralmente oposta à racionalidade
ocidental. Enquanto a racionalidade ocidental, fundada no dualismo, desencadeou um
processo de dominação sobre a natureza, cujo objetivo é a ascendência do Homem sobre o
reino da Necessidade, a racionalidade proposta pela contracultura (monista) inverte o
processo: a Liberdade resulta da própria (re)integração do Homem à sua essência, ou seja, à
Unidade original. Os reinos da Necessidade e da Liberdade são, deste modo, harmonizados
num todo maior: o “Absoluto”. 11
Para Maciel, a experiência religiosa não é concebida como irracional. Pelo contrário,
ela é portadora de uma racionalidade mais profunda que a predominante (ocidental) e
capaz, deste modo, de propiciar ao ser humano a compreensão de sua essência, ou seja, do
próprio Universo, pois ambos, “o que está dentro de nós e o que está fora de nós, é uma
coisa só.”

A contracultura, entendida enquanto movimento de rebeldia em relação aos ícones


sócio-culturais do Ocidente teve, na crítica à racionalidade predominante, uma de suas
principais manifestações. Luiz Carlos Maciel – introdutor e principal difusor da
contracultura no Brasil, participou, sobretudo com seus artigos em O Pasquim, dessa crítica
que, na verdade, fazia parte de um questionamento mais amplo, ao próprio Sistema, ao
denominado “Establishment”.
Ainda que se possa definir, pelos padrões epistemológicos de conhecimento vigentes,
sua postura como contrária à racionalidade, seu discurso se afirma no sentido de propor
uma racionalidade alternativa, baseada em alguns pressupostos, todos eles alinhavados em
torno de um conceito que, posteriormente, seria batizado de holístico: a idéia segundo a
qual, em princípio, a separação entre sujeito e objeto do conhecimento é arbitrária, podendo
ser superada. A “nova” epistemologia, baseada no monismo, coadunava-se com as formas
10
GONÇALVES, Ricardo M. Textos budistas e zen-budistas. 2.ed. São Paulo : Cultrix, 1976. p. 13-4
11
Ibid.

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de comportamento do movimento contracultural como um todo, baseadas na integração do
ser humano com a natureza, do indivíduo com o grupo, da mente com o universo.
Muito embora o movimento contracultural, justamente por seu caráter anárquico,
tenha se esgotado rapidamente enquanto modelo alternativo de sociedade e de civilização, é
inquestionável a sua influência na formação de toda uma geração.

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