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KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo :
Scritta Editorial, 1991. p. XV
2
Ibid, p. XXIV, 158 e Anexo.
Texto integrante dos Anais do XVIII Encontro Regional de História – O historiador e seu tempo. ANPUH/SP
– UNESP/Assis, 24 a 28 de julho de 2006. Cd-rom.
O discurso de Luiz Carlos Maciel em O Pasquim se integra à corrente contracultural
oriunda dos EUA e da Europa. Dentre suas manifestações, destaca-se a crítica ao
racionalismo ocidental.
Para Arthur Herman, essa crítica, característica do movimento contracultural, é o
desdobramento contemporâneo de teorias inventadas no século XIX e desenvolvidas no XX
a respeito da decadência da civilização ocidental. Contrária à idéia de progresso científico,
essa ideologia estaria presente em diversas correntes filosóficas – inclusive a Escola de
Frankfurt, cuja ascendência sobre o movimento contracultural foi enorme, transformando-
se em uma profecia auto-realizadora. 3
Quando se fala em “contracultura”, é preciso ter claro que se trata de um fenômeno
complexo – isto é, fragmentário e contraditório –, não redutível a uma de suas expressões.
Insinuar, por exemplo, que ele foi o desdobramento de uma única ideologia, implica negar
as contradições ideológicas internas ao fenômeno, na tentativa de simplificá-lo. Por outro
lado, explicá-lo como o reflexo de um conjunto de idéias – pessimistas ou não – sem
considerar os aspectos sócio-econômicos e políticos subjacentes, corresponde a uma
interpretação idealista da História.
A fim de não cair nessa armadilha, a análise a ser feita a seguir se define, a priori,
enquanto parcial e meramente ilustrativa de um fenômeno que, por sua amplitude, merece
um estudo em profundidade. 4
Feitas estas ressalvas, serão aventadas algumas hipóteses a respeito da questão, as
quais serão analisadas por intermédio de dois artigos de Luiz Carlos Maciel publicados em
O Pasquim.
Nos dois trechos de artigos selecionados, fica bem evidente a sua crítica às idéias
predominantes de razão e de ciência. Comentando o pensamento de Norman Mailer 5 , em
1969 Maciel afirma que:
Ele não se limita a raciocinar dentro das estruturas estabelecidas da
razão analítica ou da razão dialética. O pensamento, para ele, é uma
exploração nos territórios ocultos da mente, uma viagem ao
3
Cf. HERMAN, Arthur. A idéia de decadência na história ocidental. Rio de Janeiro : Record, 1999.
4
Objetivo proposto no Projeto de Pesquisa “Introdução da Contracultura no Brasil e o jornal O Pasquim
(1969-72)”
5
MACIEL, Luiz Carlos. A nova lógica de Mailer. O Pasquim, n. 10, 28 a 35/08/69, p. 2 e 3.
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desconhecido, uma aventura – se quiserem. Ele trabalha com as sugestões
de sua intuição, com associações das imagens que a realidade lhe
fornece. Um irracionalismo? Sim, ainda se quiserem. Por que não? Na
medida em que a natureza vê seus segredos ameaçados pelas conquistas
da razão humana, ela também mobiliza cada vez mais os seus mistérios.
Os métodos de Mailer são uma resposta a esse desafio. No seu
pensamento, os conceitos e as categorias cedem lugar ao que ele chama
de “equações poéticas”, ou seja, metáforas – no sentido mais agudo do
termo. (grifo meu)
6
MACIEL, Luiz Carlos. O dogma científico. O Pasquim, n. 130, 28/12/71 a 03/01/72, p. 16
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física existe independentemente de nossas mentes, quem nos dá
testemunho dela, além de uma outra mente qualquer? Se acreditamos que,
contudo, existe, isso é uma questão de fé, fé cega e irracional. (grifos
meus)
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a ciência moderna imita a religião institucionalizada ao estabelecer certas “verdades” como
inquestionáveis. O problema, segundo ele, é que “a ciência, com suas pretensões a
conclusões objetivas, universais etc. [na verdade está] continuamente desmentindo essas
conclusões”.
Sendo os postulados científicos desencadeados por uma visão dualista – segundo a
qual a observação se estabelece a partir de um ‘sujeito’ separado do objeto observado,
constituindo-se, assim, a objetividade –, para Maciel tais postulados são intrinsecamente
questionáveis, uma vez que “se a realidade física existe independentemente de nossas
mentes, quem nos dá testemunho dela, além de uma outra mente qualquer? Se acreditamos
que, contudo, existe, isso é uma questão de fé, fé cega e irracional.”
É preciso, aqui, sublinhar que a crítica se refere a um modelo específico de
racionalidade: a ocidental. Tanto no primeiro quanto no segundo artigo essa crítica é
operacionalizada no sentido de oferecer um modelo alternativo de racionalidade. Ou seja, é
o “prisma dualista”, base da “razão analítica” e da ”razão dialética”, o objeto de sua crítica.
No seu lugar, Maciel propõe uma outra concepção de conhecimento, denominada
“monista”.
Verifica-se, assim, que sua crítica à racionalidade ocidental é debitária de posições
filosóficas relativistas. Mas não só. Seu discurso sintetiza outro elemento desencadeador da
contracultura, qual seja, a religiosidade, sobretudo a de fundo oriental. 8
Não se trata, aqui, de uma religião específica. Antes, corresponde a uma concepção
religiosa – designada monista – destacada de diversas tradições (judaico-cristã, hindu,
taoista, budista), que dará ensejo à criação de um novo movimento: a Nova Era. 9
Segundo Ricardo M. Gonçalves, essa concepção, reduzida a seus elementos básicos,
consiste no seguinte:
1) Há um Real, um Absoluto inacessível ao pensamento e à
linguagem, que está em todas as coisas e também dentro delas. (...) 2) Ele
é o Uno, a Totalidade da Existência, o Absoluto, mas pode-se revelar a si
mesmo através da multiplicidade dos fenômenos relativos, contingentes e
transitórios. (...) 3) Degradado à esfera do relativo, o Absoluto revela-se
8
Vide CAPELLARI, Marcos Alexandre. As religiões não católicas e as ciências humanas no Brasil (1900-
2000). Dissertação (Mestrado em História) – F.F.L.C.H., Universidade de São Paulo, 2002. p. 133-8.
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Ibid.
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como um ego, preocupado em se auto-afirmar através da realização de
pequenos desejos insignificantes, esquecido de sua identidade original.
Urge que, através de um processo de evolução, ele recupere a consciência
da mesma, que tome consciência de que ele é o próprio Absoluto. 10
Originária do Hinduísmo e do Budismo, ela se afirma, no discurso de Maciel,
enquanto portadora de uma racionalidade específica, diametralmente oposta à racionalidade
ocidental. Enquanto a racionalidade ocidental, fundada no dualismo, desencadeou um
processo de dominação sobre a natureza, cujo objetivo é a ascendência do Homem sobre o
reino da Necessidade, a racionalidade proposta pela contracultura (monista) inverte o
processo: a Liberdade resulta da própria (re)integração do Homem à sua essência, ou seja, à
Unidade original. Os reinos da Necessidade e da Liberdade são, deste modo, harmonizados
num todo maior: o “Absoluto”. 11
Para Maciel, a experiência religiosa não é concebida como irracional. Pelo contrário,
ela é portadora de uma racionalidade mais profunda que a predominante (ocidental) e
capaz, deste modo, de propiciar ao ser humano a compreensão de sua essência, ou seja, do
próprio Universo, pois ambos, “o que está dentro de nós e o que está fora de nós, é uma
coisa só.”
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de comportamento do movimento contracultural como um todo, baseadas na integração do
ser humano com a natureza, do indivíduo com o grupo, da mente com o universo.
Muito embora o movimento contracultural, justamente por seu caráter anárquico,
tenha se esgotado rapidamente enquanto modelo alternativo de sociedade e de civilização, é
inquestionável a sua influência na formação de toda uma geração.
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