O artigo 183 do CPC trata da preclusão. E a doutrina, de
modo geral, a conceitua como sendo a perda da faculdade de praticar o ato processual. Seria a perda, a consumação ou extinção de uma possibilidade legal. De acordo com essa conceituação, a preclusão pode ser classificada em [10]:
2.4.1 Preclusão lógica
É a que extingue a possibilidade de praticar-se o ato
processual, pela prática de outro ato com ele incompatível. Por exemplo, quem cumpriu a sentença depositando o valor da quantia a que fora condenado, não pode interpor recurso para impugná-la, ainda que não se tenha esgotado o prazo recursal (CPC, art. 503).
2.4.2 Preclusão temporal
Ocorre quando a perda da faculdade de praticar o ato
processual se dá em virtude de haver decorrido o prazo sem que a parte tivesse praticado o ato ou tenha praticado a destempo ou de forma incompleta ou irregular. O código, no entanto, admite que a parte possa provar a existência de justa causa (conceituada no § 1º do art. 183) impeditiva da prática do ato no momento ou prazo devido.
2.4.3 Preclusão consumativa
Diz-se consumativa a preclusão quando a perda da
faculdade de praticar o ato processual decorre do fato de o ato já ter sido praticado. Exemplos: se a parte apelou no 3º dia do prazo, já exerceu a faculdade, de sorte que não poderá mais recorrer ou completar seu recurso, mesmo que ainda não tenha se esgotado o prazo de quinze dias; se o réu contestou no 10º dia do prazo, não poderá reconvir, ainda que dentro do prazo para a resposta, porque a reconvenção deve ser ajuizada simultaneamente com a contestação (CPC, art. 299); se a parte recorreu no 1º dia do prazo, já exerceu a faculdade, de modo que não poderá efetuar posteriormente o preparo, pois a lei exige que este seja feito simultaneamente à interposição do recurso (CPC, art. 511). [11]
2.4.4 Preclusão para o juiz
É espécie de preclusão consumativa. Refere-se à
impossibilidade de o juiz decidir de novo questões já decididas no processo, a cujo respeito tenha se operado a preclusão (art. 473). Nesse particular, deve aqui ser destacado o grande dissenso que grassa na doutrina quanto às questões que estariam abrangidas por essa espécie de preclusão. E, para tanto, há que se buscar estabelecer o exato alcance da norma prevista no artigo 267, § 3º, que autoriza o juiz “conhecer de oficio em qualquer tempo e qualquer grau de jurisdição, [12] enquanto não proferida sentença de mérito, da matéria constante dos nºs. IV, V, VI”. Trata-se dos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, da perempção, da litispendência, da coisa julgada e das condições da ação.
Evidentemente que, não obstante a previsão contida no
artigo 267, § 3º, do CPC, o código prevê um momento ideal para que a matéria em questão seja decidida. E esse momento é a fase do julgamento conforme o estado do processo (artigo 329 do CPC), quando o juiz deverá averiguar a existência, ou não, das condições da ação e dos pressupostos processuais, matérias arroladas no artigo 267, IV, V, e VI, do diploma processual. [13] Afirmando a existência desses requisitos, e prevendo o Código o recurso de agravo contra a decisão que declara saneado o processo, haverá possibilidade de, em juízo de retratação, o magistrado modificar a decisão agravada, extinguindo o processo. Até aí não há divergência entre autores.
A polêmica surge, todavia, quando o magistrado declarar
que estão presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, de ofício ou mediante provocação das partes, e não houver sido interposto recurso de agravo, seja por meio de instrumento ou na forma retida. Debate-se a doutrina, nessa seara, com os seguintes questionamentos. Poderá o magistrado, em momento posterior, extinguir o processo sob a alegação de ausência de qualquer desses requisitos (condições da ação e pressupostos processuais) ou a matéria estaria preclusa? Caso verificada a preclusão, esta também se verificaria em relação ao tribunal?
Para Calmon de Passos [14] o despacho saneador, [15]
se não recorrido, tem força preclusiva sobre tudo que expressa ou implicitamente tenha decidido. Constrói seu entendimento no fato de que o art. 522 prevê serem recorríveis todas as decisões interlocutórias. Logo, de todas elas, na sua visão, decorre a preclusão, obstativa de novo exame da questão, no mesmo processo, pelo juiz prolator da decisão recorrível. No entanto, entende que a matéria estaria preclusa apenas para o juiz, podendo ser apreciada pelo tribunal por ocasião da apelação. Aí residiria a principal diferença entre o seu pensamento e o de Barbosa Moreira, [16] já que para este a omissão do agravo de instrumento acarreta a preclusão inclusive para o tribunal. Em posição oposta, sustentando que diante do disposto no artigo 267, § 3º, não há que se falar em preclusão da decisão que declara saneado o processo, encontra-se Moniz de Aragão.[17] Esse renomado processualista defende não ser possível sujeitar à preclusão as matérias tratadas no artigo 267, razão pela qual o juiz poderia, convencendo-se de haver se equivocado quando entendeu estarem presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, mudar sua decisão por ocasião da sentença, extinguindo o processo.
No entanto, não nos parece que a norma do artigo 267, §
3º, tenha o alcance que lhe empresta Moniz de Aragão.
A matéria prevista nesse dispositivo (condições de ação e
pressupostos processuais), por ser de ordem pública, permite sua apreciação de ofício pelo juiz. Isso é consenso. Mas, tal não significa ausência de limite temporal para que o magistrado decida sobre a matéria, consoante uma interpretação sistemática do Código, pois o artigo 471, diversamente, reza que o juiz “não decidirá novamente as questões já decididas”.
Então, se poderia dizer que, no contexto do código, o juiz
está liberado para apreciar de ofício a existência das condições da ação e dos pressupostos processuais, desde que sobre elas não tenha proferido decisão. A preclusão que atinge o juiz, na ausência de agravo de instrumento, não se opera com relação ao tribunal, por ocasião da apelação, quando poderá extinguir o processo sem exame do mérito, na ausência de pressuposto processual ou de condição da ação. Mas tal possibilidade advém justamente do fato de estar conhecendo da matéria pela primeira vez.
Então, se o tribunal tiver apreciado a matéria, seja em
sede de agravo de instrumento, seja por meio de apelação, decidindo pela existência dos pressupostos processuais e das condições da ação, a decisão ficará preclusa também para ele, impedindo, posteriormente, quando do julgamento de mérito, em outra apelação, decida de modo contrário. Em outros termos, significa que a ausência de limite temporal é para aquele exame “enquanto o juiz conservar a jurisdição”, na expressão de Galeno Lacerda. [18]
Adotando as conclusões de Manoel Caetano Ferreira Filho,
[19] que se filia ao pensamento de Calmon de Passos, podemos afirmar que:
a) se o juiz houver decidido, no despacho que declarar
saneado o processo (art. 331), que estão presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, e não tendo sido interposto agravo de instrumento (ocasião em que poderá se retratar), a decisão ficará preclusa para ele, impedindo-o de reapreciá-la posteriormente;
b) a ausência de agravo de instrumento contra a decisão
que declara saneado o processo, afirmando estarem presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, não gera preclusão da matéria em relação ao tribunal, que poderá apreciá-la, por ocasião do julgamento da apelação;
c) se o juiz não decidir sobre os pressupostos processuais
e as condições da ação ao declarar saneado o processo, poderá fazê- lo posteriormente, inclusive de ofício, ainda que não se tenha agravado;
d) após ter afirmado, em agravo de instrumento ou em
apelação contra sentença terminativa a concorrência dos pressupostos processuais e das condições da ação, o tribunal não poderá reapreciar a matéria posteriormente, quando do julgamento da apelação contra a sentença de mérito.
Em síntese apertada poder-se-ia dizer, então, que estão
abrangidas pela preclusão as questões expressamente decididas, por provocação das partes ou de ofício, ressalvadas aquelas que digam com matéria de prova (art. 130 do CPC), bem como as não decididas, mas implicitamente solucionadas pela declaração que julgar saneado o processo, desde que não digam com a incompetência absoluta, nulidade insanável, coisa julgada, pressupostos processuais e condições da ação.