Sei sulla pagina 1di 5
jovem. Lolita est ansiosa por nos contar sua verdadeira historia. De fato, ela alega que a sua versio € a original, e que a confissio de Humbert na prisio € uma espécie de parasita, a “adaptagio", or assim dizer. De acordo com o John Ray de Pera, Lolita escreveu seu difitio ‘em varios banheiros piblicos durante a sua viagem pelo pais afo- ra na companhia de Humbert. Se o leitor espera que a reescrita ofereca no s6 uma versio feminina, mas ainda feminista dos acontecimentos de Zolita, uma versio que denuncie as fantasias machistas de Nabokov/Humber, ele ficard muito desapontado. Em Jo diary, Lolita € manipuladora, abertamente sedutora. Ela € narcisista, tem comiseracio por si mesma, € cinica, cruel (ela tortura seu hamster), quase uma sociopata. Para ela, Humbert € ‘uma “cobaia” para sua “nova técnica de sedugo", uma vez que ela teme que as estratégias pré-guerra de sua mae “poderiam facilmente deixi-lo escapar’.* Lo queixa-se de sua mae por ela nao enxergar © fato evidente que “a ti ;neira de uma mulher mais velha se casar € conseguir um homem distraido que se apaixone por sua filha primeiro” (p. 85). Mas Lo nao é uma ctimplice relutante. Na famosa cena “do orgasmo no colo”, Lo admite estar a “morrer de vontade” € “com um desejo ardente de me espremer contra ele” (P. 91), Este romance reescrito por uma autora européia inverte o cliché europeu sofisticaco/americano ingénuo, fazendo com que Lolita veja Humbert como um homem eroticamente tosco. Apés ‘seu primeiro encontro, Lo escreve: “I: isso, Hummie é um tédio na ‘cama. Ele no sabe nada interessante. Apesar de sua vasta ‘experi- éncia’ (..)¢ fica Id deitado como um imprestavel. Um verdadeiro parasita sexual. Fora balbuciar um pouco de poesia francesa, ele no € nada original.” (p. 129) Lo se queixa gozar, deixando-a “nua, termos feministas, poder-se- io se di ao trabalho de fazé-la thadla ¢ irritada” (p. 153). Em izer que a Lolita de Nabokov jsta ~ sugere mais a vitimizagio ppatriarcal do que o's diary, ja que Nabokov pelo menos nos oferece varios indicios da falta de confiabilidade que a narragio de Humbert nos inspira. Até 0 proprio Humbert lucidamente descreve a situa¢o como “uma crianca sozinha, uma verdadeira desamparada’, com quem um “adulto pesado e fedorento” fez 318 ‘sexo vigoroso varias vezes na mesma manha. A Lo na versio de Pera € estranha 2 solidasiedade feminii te € 6dio pela pessoa que ela chama de plistico). Antes de sua morte, ela considera 2 possibilidade de ‘maté-la: “Tirar-he 0 soro intravenoso, darthe o remédio errado, seja ld 0 que for, desde que uma merda como ela, com certeza, ino merece continuar a viver” (p. 134-135). Para Lo, a morte de sua mae, que ela chama de ressantes” (p. 137). Nao € preciso dizer que Lo’s diary nao € uma contribuigio importante para a literatura. Nessa obra, ausentes esto as tensdes hermenéuticas da narragio nao confidvel © a observacao vivida do éthos americano, NARRACAO ENGENDRADA: A HORA DA ESTRELA Com excecao de Jo's diary, a maioria dos narradores nao confidveis e neuréticos discutidos até aqui - Homem do Subter- rAneo, Sergio € Humbert Humbert ~ foi do sexo masculino (e, embora Lo seja uma narradora, ela € confiavel e mais cinica do que neurética), e existe uma espécie de profunda nocao cultural € antropoldgica nesses narradores neus6ticos no fato de serem homens. Poderfamos imaginar uma mulher fazendo de um prosti- tuto um bode expiat6rio, como faz 0 protagonista de Dostoievsky em Notas do subterréneo, ou se casando com um homem para ter acesso sexual ao seu filho, como ovorre em Lolita? A questio é: zo € que as mulheres nao sejam capazes de tais acdes, mas sim se tis atitudles poderiam ser apresentadas, como sio em Dostoievsky, or exemplo, como tipicas. © que acontece, entao, quando 0 autor € 0 cineasta escolhido sao mulheres? Neste sentido, vale a pena analisar as estratégias narrativas de outro romance que apresenta um narrador no confivel, a saber, 4 bora da estrela (197), da romancista brasileira Clarice Lispector, e as estratégias utilizadas nna adaptagao filmica feita por Suzana Amaral, em sua A bora da estrela de 1984. A bora da estrela conta a hist6ria de Macabéia, uma garota pobre e ignorante do nordeste que migea para o subtirbio do Rio de Janeiro. Sua autodefinicao € sexual (Sou virgem”); profissional 319 9} culinario/consumista (“Eu bebo Coca-Cola”), romance de Clarice apresenta © mesmo tipo de narrador neurético, que se autoflagela, de uma loquacidade pouco convincente, que encontramos em Notas do sublerréineo e Memérias do subdesenvolvimento, O romance € narrado por um certo Rodrigo S. M. ~ para alguns criticos, o “s.m.” evoca “sado- ‘masoquista”. © narrador do romance tem a hiperconsciéncia que falta & propria Macabéia. Mas a narragio do romance também € genética e, de alguma maneira, bifurca-se em linhas genéricas. A dedicat6ria deixa entrever que 0 “verdadeiro” autor/narrador do livro € Clarice Lispector; no entanto, o narrador S. M. € supostamente masculino, mesmo que nunca estejamos totalmente convencidos deste caso de travestismo narrative, O narrador, idos dle uma forte tradicao de travestismo literario encarnada por escritores como George Sand ¢ George Eliot, que escreviam como se fossem homens). Uma clara cia social separa narrador personagem, a impressio de distincia aliada & simpatia, ligada a nocio de injustica, 2 nogao de que esta pobre personagem pode, em outras ‘ircunstincias, ter sido o autor ou narrador. Esta distancia também € pressuposta pelo fato de que o narador ~ como o cineasta Sullivan, em Sullivan's travels (1941), que finge ser pobre para fazer um filme sobre os pobres ~ sente-se obrigado a vivenciar a pobreza para escrever sobre ela: “Para falar da moca tenho que iio fazer a barba di olheiras escuras por manual. Além de vestirme com roupa velha rasgada, Tudo isso para me por no (. 199" rocar 0 nosso campo de refe~ ator met6dico, como Robert de Niro, que ensaia e prepara-se para o papel, e que pode até ‘comer em excesso para fazer 0 papel de um obeso, Para escrever ‘© romance, o narrador de Lispector decide nao se barbear, comer De cent for 320 somente frutas, ficar em casa e evitar ler os jornais, como se esses “sacrficios’ realmente constituissem 0 equivalente de uma pobreza ‘massacrante e continua. Assim, a questio da diferenca de classe ‘entre o narrador ¢ o personagem em A hora da estrela é transposta para uma outra ordem de discrepancia que é, por um lado, a das diferengas do poder entre autor e personagem, ¢, por outro, entre narrador e personage. Em seu estudo de Dostoievsky, Bakhtin ‘compara os autores que delegam poder € autonomia aos seus personagens e aqueles autores “titeriteiros’, que simplesmente ‘exploram seus personagens como porta-vozes de suas proprias ‘opiniées. Ao mesmo tempo, claros pontos de identificagto — raizes nordestinas em comum, uma grande vida interior € 0 seu status * compartilhado, de certa forma, como escritoras ~ ligam a autora, ” Lispector, & personagem Macabéia. Como o escrivaio Bartleby, de Melville, Macabéia é secretdria (ainda que incompetente), ¢ assim, mesmo que minimamente, ela também & uma escritora, como a autora. A dedicat6ria de A hora da estrela precede o titulo ¢ claramente cconota que autora (“vulgo Clarice") € uma muller chamacla Clarice, «um dispositivo que contradiz a alegagio de que o narrador é um {que os leitores tendem a confundir autores e narradores. ca francesa Héléne Cixous aponta, 0 romance d-nos Itemativos, como se Lispector no conseguisse ‘O primeiro desses possiveis titulos é interrom- pido pela assinatura de Lispector, imediatamente apés as palavras “o direito de protestas", que nos chama a atenglo para 0 fato de que o romance foi escrito durante a ditadura brasileira que durow de 1964 até aproximadamente 1984, Cada titulo altemativo sugere uma outra dimensio de sentido. Da mesma forma que Lispector tem dificuldade em achar 0 subtitulo correto para a sua hist6ria, ela também tem dificuldade em comecé-la, Ela adia o inicio durante fe paginas, Semelhantemente ao cine-roman Hiroshima, meu amor(1959) € Ano passado em Marienbad (1961), a serem discu- elo menos de sea romancista ices erradas, I, 0 narrador temesse que o nome pudesse desencadear asso% Ao enfatizar somente 0 género e a geografia sox simplesmente a chama de “garota do nordeste*. Estranhamente, 321 © livro oferece Macabéia (por algodio cheia de “manchas suspeitas") antes que venhamos a conhecé-la de fato ols até mesmo em saber o seu nome. E como se um filme de ficcao devesse mostrar-nos a roupa intima de um protagonista antes de seu rosto. A propria hesitacio transmite a idéia de medo, repulsa ou dvida a respeito do direito ou capaci- dade do autor de representas tal figura, “Uma outra caracte incometa” ¢o estilo de Lispector é que o narrador nio se incoiGda em sabér certos detalhes sobre © personagem que cle/ela esti criando. “Teria ela a sensa¢io de que vivia para nada? 6 narrador pergunta e responde: “Nem posso saber, acho que niio.” O narrador ditige-se ao leitor diretamente: “Assim € que os senhores sabem mais do que imaginam e estio fingindo de sonsos.” (p. 12) Valendo-se da tradigio reflexiva de Steme € Machado de Assis, o narrador nvolvidas na escrita, imaginando se “ele” ‘dificeis termos técnicos" (p. 36). Como ido que “a histétia me desespera por ser simples demais" (p. 19) ¢ que 0 romance “nao tem nenhuma téc- nica, nem de estilo” (p. 36). O narrador também faz um inventério de tudo © que ele gostaria que o seu personagem dissesse, mas que ele no consegue. Cor Jamenta os aborreciment wuscrito € que agora contetido delas. Embora alguns filmes ~ 84 Memsrias—e muitos romances ~ Os falsos moedeiros, de Gide e, como acabamos de ver, Memérias do subdesenvolvimento, de Desnoes — tematizem a dificuldade de concluir obras literatias, este tipo de romance, da mesma forma que filmagens imperfeitas normalmente So jogadas na lata de lixo da sala de edicao, Ao contririo do romance, a adaptagio filmica (1984) de Suzana Amaral nao tem um narrador anunciado nem é reflexiva, de modo acral. Ao eliminar o narrador, que é o lugar da reflexividade no romance, Amaral transfere a énfase da mediagiio autoconsciente 322 stctioridade, A escolha basica de Amaral mt dimensao de género. E como se a diretora 0 narrador do romance, lteralmente masculino iado aos tracos estereotipicamente masculinos, tais como 4 objetividade © a distancia (ainda que ele tenha sido inventado ppela romancista), ¢ que ela agora tivesse tomado seu lugar para tomar-se.o narracior. “Para mim’, Amaral reiterou em entrevistss, “ew era o narrador", Esta substituigto, usando uma linguagem um tanto hiperbolica, constitui uma espécie de coup d état feminino/ feminista autotial contra a escolha da propria Clarice Lispector de falar através de um narrador masculino construido. No fllme, Amaral (¢ 0 cinema) tomam-se 0s novos narradores A reflexividade, na obra de Lispector, muitas vezes toma forma Psicologizada; seus romances funcionam através do desclobra- mento da vida interior do personagem. Na adaptagio de Amaral, 20 contrario, a interioridade s6 € percebida por sinais externos. A estética do filme, embora modema, jf nao é mais modemista Na verdade, a reflexividade no é realmente compativel com a estética basicamente realista de Amaral. Fla tampouco se conforma 20 modus operandi da realizacao dos filmes, que € ler € reler 0 tomance-fonte, mas esquecé-lo por completo no momento da filmagem, pensando somente em termos de uma l6gica cinema- togrifica, € nfo romanesca, Amaral tinha muita consciéncia € era muito explicita em sua rejeigio da reflexividade, ou daquilo que ela chama de “metalinguagem". Numa entrevista a Susana Rossberg, ela afirmou: © para o nosso pablico. ‘As pessoas nto entenderiam. Portanto, decidi contar a histéria diretamente, “direto a0 ponto’, como se diz em inglés. Em outras palavras, eu eliminei 0 narrador porque, no meu entender, eu cera 6 narrador.® Esse trecho € especialmente int invoca diferentes niveis de discus ssanle porque ele, na verdade, n aspecto da discussiio refere-se A questao da recepsio, a idéia de que 0 “nosso” piiblico 323 hit ie i brasileito no estd pronto para entender um filme reflexivo, dificil GEsse argumento esquece que o pibico brasileiro castuma ser bas- tante receptivo a filmes audaciosos, provocantes e até vanguardistas como O bandido da luz vermelbal1968] e que a hi brasileiro esté repleta de filmes que u ica pressupde uma recusa da refle- ido” supérfluos que nos storia. Neste sentido, fez 0 que muitos adaptadores de romances refle- xivos fizeram. Ela suprimiu o modernismo do o {nal em favor m rocleios, imaginada como ificio autoeonsciente, A bora da estrela, neste sentido, implementa um projeto estéti- co muito diferente do romance. A cimera geralmente nao chama engo para si, € o filme tampouco Imente a entrada do protagonista. Ao invés disso, 0 primeiro plano nos situa dentro in medias res, mostrando Macabéia 4 mesa do escrit6rio. mbém Na novela, descobrimos © nome da heroina somente na pagina 43, quase na metade do 1¢ ficamos sabendo que o filme seria me me é bom como = estou somente apontando a opeo estética basica pelo |quer romance apresenta uma isponibilizados ao diretor cal dispensar a reflexividade, uma vez que filmes reflexivos, autodesconstrutores so um fra- fe esti acost romance de Lispector. Figura 5.6. Macabséia (Marcia Cartaxo) em A bora da estrela 1989), por Kino Intemational Corp /Raiz Produgdes Cinematog No rom: através de processos bastante rizada a partir do exterior, por meio de julgamentos ¢ avaliagbes as como, por exemplo, € definida como pert, através de suas percepgdes viscerais € rocessos fisiol6gicos gross 1ce, Macal icos; ela quase nunca é caracte através de no ar € tossir, indicios fisicos como a menstruacio, indisposigoes , gestos ind mpar o nariz na blu comer frango enquanto sentada no vaso sanitirio € (pelo menos no filme) vémito, Este tiltimo remete a uma caracteristica’fisica de Macabéia, que é a ‘Macabéia nem consegue mastu Ihe provoea acessos de tosse, simby até mesmo com o seu proprio corpo. E existe pouco sentimento de liberago nessa representacio corporal grotesca, nada parecido com a exuberiincia daquilo que é comumente chamado de valesco". Entret: facabéia consegue alguns poucos momentos de transcendéncia. Ela se emociona com a misica, encanta-se com ‘um arco-ris, com uma flor vermelha (da qual sua “amiga” Gloria se apodera). Sua capacidade de alegrar-se € transmitida no filme Por sua danca com uum lencol que faz as vezes de um vestido de Embora a versio filmica de A hora da estrela elimine o narrador, as opiniGes do narrador, pelo menos, permeiam o filme, dispersas 'n0s dilogos de outros personagens como a senhoria de Macabéia, seu chefe e outros. Mas um corolirio da eliminagao do narrador como um elemento estrutural é que ficamos menos conscientes de sew universo burgués e, conseqilentemente, mais imersos na hist6ria da mulher trabalhadora de classe Por um lado, «ssa escolha pode ser vista como menos “elitista’, uma vez que ¢la nos faz identificar mais com um personagem de classe baixa. ‘Mas, por outro, ela suprime a realidade da classe na medida em ue nos tomamos menos conscientes das diferencas sociais entre onarrador € © personagem. Essas diferencas socials sto agora des- locadas para outro registro ~ entre os personagens— onde o leque social € muito mais fechado. Assim sendo, num outro sentido 0 filme poderia ser visto como mais elitista,jé que as reconhecidas dliferengas sociais entre o personagem e o narrador sto veiculadas de maneira pseudo-objetiva. A narraciio “impesscal” do filme exibe a diferenga social de Macabéia a0 revelar que ela no consegue atender as normas burguesas de comportamento socialmente ser formulacas porque elas 0 de classe média que julga os A bora da estrela termina com uma seqiiéncia em que um belo homem louro dirigindo uma Mercedes — evocando a fantasia Féncias que aludem a mundos vagamente percebidos no cinema, estrelato € na propagand histéria em Technicolor" ¢ Macabéia sonha em ser estrela, como @ sua adorda pele de péssego Marilyn Monroe. Até sua morte homem corre para abragé-la em camera , na verdade, ele a atropela e foge do quinze segundos de fama, ela se tomou dos espectadores do filme nao tenham necessariamente visto a “estrela” do titulo como referéncia a esse tipo de estrela, o ‘momiento faz um desfecho bastante logico, cuidadosamente prepa- rado durante todo o filme. Neste capitulo, examinamos uma série de romances (@ suas adaptagdes) e fendmenos culturais (Como o stand-up) que envolvem narradotes neurdticos, complexos ¢ niio confiéveis. Sua abordagem. pouco confiavel desestabiliza a natraco, colocando nas maos do letor 0 peso da interpretacao, ja que a ele cabe intuir 0 conflito lega ter acontecido e aquilo que €0 que elas realmente podem Cada adaptagao lida com esse desafio de forma diferente. coloca 0 tema em termos cinematogrificos através do cinema underground. Alea, em Memorias do subdesenvolvimento, politiza narragio ao contextualizar a ficc1o através do documentirio, Kubrick ¢ Lyne, em suas versoes de Loltta, diminuem a lacuna ‘entre 0 narrador e as “normas do texto”, tomando o narrador mais. ina o narrador, que cinema como narrador impes- ‘como tentei demonstrat, dos caminhos abertos SEES E ES OE 2BDAD DD 4 44266 6.6.24 oe

Potrebbero piacerti anche