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Direito Ambiental Sistematizado: Para Cursos e Concursos
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Direito Ambiental Sistematizado: Para Cursos e Concursos

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O livro é fruto de mais de 30 anos de vivência teórica e prática na área do Direito Ambiental. O autor atua há mais de 30 anos como promotor de Justiça do Meio Ambiente e leciona Direito Ambiental no curso de graduação em Direito. A obra pretende ser um manual introdutório ao Direito Ambiental, abrangendo o essencial da matéria em linguagem simples e acessível para estudantes, profissionais do Direito e até mesmo para pessoas de outras áreas que lidem com o tema, servindo como guia, uma espécie de "mapa do caminho", para ser utilizado no dia a dia, e a partir do qual o estudante e o profissional possam depois se aprofundar no amplo universo do Direito Ambiental. Depois de uma breve introdução geral à questão da ecologia e da importância da preservação ambiental, tema cada vez mais candente na atualidade, o texto vem estruturado, a partir da Constituição Federal, passa pelo exame das competências ambientais dos entes federativos estipuladas na Lei Complementar 140/2011 e pela disciplina geral da Política Nacional do Meio Ambiente dada pela Lei 6.836/81. Em seguida, são examinadas as questões legais relativas aos bens ambientais mais relevantes: flora, água, ar, solo, fauna e biodiversidade. Trata também da questão do clima, tema abrangente e que hoje domina o debate público ambiental em âmbito mundial e norteia políticas públicas e as atividades do setor privado. Por fim, o texto também aborda as formas de defesa administrativa e judicial do meio ambiente, por meio da explanação das responsabilidades administrativa, civil e criminal pelo dano ou pela ameaça ao meio ambiente. Na crença de que o Direito Ambiental, é uma poderosa ferramenta para a defesa do meio ambiente, a obra pretende ser útil para estudantes de graduação, aspirantes à OAB, candidatos a concursos públicos e profissionais, não apenas da área jurídica, mas de todos os campos acadêmicos e profissionais que lidam com a matéria.
LanguagePortuguês
Release dateJan 23, 2024
ISBN9786525052755
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    Direito Ambiental Sistematizado - Jorge Alberto de Oliveira Marum

    INTRODUÇÃO

    Este livro é fruto de mais de 30 anos de vivência teórica e prática na área do Direito Ambiental. Tudo começou em meados dos anos 1980, quando fui atraído pela área, antes mesmo de ingressar no Ministério Público, na ocasião em que, ainda estudante de Direito e jornalista amador, fui entrevistar a então promotora de Justiça de Piedade, interior de São Paulo, Dr.a Parisina Lopes Zeigler, sobre o caso de dois caçadores presos por assassinarem, no sertão de Tapiraí, um casal de bugios, com a fêmea ainda grávida. A Dr.a Parisina percebeu o meu interesse pela área e, como tinha muitos casos ambientais em andamento, convidou-me para estagiar na Promotoria. Convite aceito com muito entusiasmo, visto que o amor pela natureza me acompanhava desde criança e a possibilidade de defendê-la por meio do Direito era muito empolgante. O estágio depois prosseguiu sob a orientação de outro promotor igualmente entusiasta do Direito Ambiental, Dr. Daniel Isídio de Almeida.

    Tendo ingressado como promotor de Justiça no Ministério Público de São Paulo, em 1989, pude ainda por um tempo seguir a liderança e o exemplo de Édis Milaré, um dos pioneiros na defesa do meio ambiente em Juízo, então coordenador da área na instituição e hoje um grande doutrinador do Direito Ambiental, que nos chamava de promotores verdes (no meu caso, duplamente...). Em dezembro de 1989, durante minha primeira designação como promotor substituto, na comarca de Iguape, deparei-me com alguns inquéritos civis, coisa rara na época, e acabei ajuizando três ações civis públicas ambientais. No mês seguinte, designado para a Capital, fui chamado à Corregedoria. Temeroso, entrei no gabinete do assessor do corregedor, que estava com o meu relatório em mãos e questionou: vejo aqui que você entrou com três ações civis públicas em um mês. Suspense. Queria lhe dar os parabéns, completou o Dr. Nelson Gonzaga de Oliveira, para meu alívio! Aprendi que Corregedoria não deve servir só para vigiar e punir, mas também para orientar e incentivar.

    Alguns anos depois, tive também o privilégio de fazer parte de um grupo de promotores ambientalistas liderados pelo então procurador de Justiça coordenador da área no estado de São Paulo e hoje ministro do Superior Tribunal de Justiça e eminente doutrinador do Direito Ambiental, Dr. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin. Integrando esse grupo pude participar de produtivas reuniões e de profícuos congressos e seminários ao lado de colegas que se transformaram em luminares do Direito Ambiental, como Laerte Fernando Levai, que me honra com o prefácio deste livro, Daniel Roberto Fink, Fernando Reverendo Vidal Akaoui e tantos outros.

    Na faina diária da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente em diversas comarcas do interior de São Paulo, primeiro como substituto, depois como titular em Iguape, Tatuí e Sorocaba, mesmo acumulando diversas outras atribuições, foram centenas, quiçá milhares de representações, atendimentos, reuniões, procedimentos preparatórios, inquéritos civis, termos de ajustamento de conduta, audiências públicas e ações civis públicas na defesa judicial e extrajudicial do meio ambiente. Há 30 anos exercendo, por opção, o cargo de 4º Promotor de Justiça de Sorocaba, pude somar, à atuação ambiental, as áreas de Habitação e Urbanismo e Patrimônio Histórico, com evidentes interfaces com o Direito Ambiental.

    A prática profissional e o necessário estudo me levaram naturalmente à docência da disciplina de Direito Ambiental na septuagenária Faculdade de Direito de Sorocaba, minha alma mater, para a qual tive a honra de ser escalado pelo então diretor, Dr. Hugo Leandro Maranzano. E foi nessa prazerosa e estimulante atividade que comecei a elaborar o material que resultou neste livro. São apostilas que, sem pretender substituir a doutrina especializada, costumo disponibilizar semanalmente aos alunos, procurando sistematizar e resumir o vasto e intrincado universo do Direito Ambiental. Ano a ano, o material foi atualizado, complementado e enriquecido, principalmente buscando atender às necessidades e às dúvidas dos alunos, com os quais também aprendi.

    Foi também na docência do Direito Ambiental que pude perceber a falta, no mercado editorial brasileiro, de um manual introdutório da disciplina que abrangesse o essencial da matéria em linguagem simples e acessível, tanto para estudantes, como para profissionais do Direito. Com efeito, a literatura jurídica ambiental já conta com obras de fôlego, verdadeiros tratados, como são o Direito Ambiental brasileiro, do pioneiro Paulo Affonso Leme Machado, o Direito do ambiente, de Édis Milaré, o Direito Ambiental esquematizado, de Frederico Amado, e o Direito Ambiental esquematizado, de Marcelo Abelha Rodrigues e vários outros. Conta também com obras de caráter mais monográfico, como o Direito Ambiental constitucional, de José Afonso da Silva, Direito Constitucional ecológico, de Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer, e Ética ambiental, de José Renato Nalini, dentre outros. Sem qualquer demérito para essas e outras obras de grande qualidade e importância, o fato é que, salvo melhor juízo, faltava um manual nos moldes ora apresentado.

    A obra, portanto, não pretende esgotar o tema, nem se aprofundar em pormenores, mas apenas servir como manual de consulta e guia, uma espécie de mapa do caminho, para ser utilizado no dia a dia, e a partir do qual o estudante e o profissional possam depois se aprofundar no amplo universo do Direito Ambiental, sobretudo utilizando a doutrina abalizada citada ao longo do texto.

    Assim é que, depois de uma breve introdução geral à questão da ecologia e da importância da preservação ambiental, tema cada vez mais candente na atualidade, o texto vem estruturado a partir da Constituição Federal, com seu capítulo específico sobre o meio ambiente e disposições esparsas relativas ao tema. No âmbito infraconstitucional, passa pelo exame das competências ambientais dos entes federativos estipuladas na Lei Complementar 140/2011 e pela disciplina geral da Política Nacional do Meio Ambiente dada pela Lei 6.836/81. Em seguida, os temas são divididos, para fins didáticos, em setores correspondentes aos recursos ou bens ambientais mais relevantes: flora, água, solo, ar, fauna e biodiversidade. Trata também da questão do clima, tema abrangente e que hoje domina o debate público ambiental em âmbito mundial e norteia políticas públicas e as atividades do setor privado. Por fim, o texto também aborda as formas de defesa administrativa e judicial do meio ambiente, por meio da explanação das responsabilidades administrativa, civil e criminal pelo dano ou pela ameaça ao meio ambiente.

    Também por opção didática, não há capítulos exclusivos para tratar do Direito Internacional do Meio Ambiente e dos princípios do Direito Ambiental. Isso, no entanto, não significa que esses temas foram ignorados, sendo abordados ao longo dos diversos capítulos, conforme a necessidade.

    Na crença de que o Direito Ambiental é uma poderosa ferramenta para a defesa do meio ambiente, a obra pretende ser útil para estudantes de graduação, aspirantes à OAB, candidatos a concursos públicos e profissionais, não apenas da área jurídica, mas de todos os campos acadêmicos e profissionais que lidam com a matéria.

    O autor.

    Capítulo 1

    Meio Ambiente e Ecologia

    A civilização tem isto de terrível: o poder indiscriminado do homem abafando os valores da natureza. Se antes recorríamos a esta para dar uma base estável ao Direito (e, no fundo, essa é a razão do Direito Natural), assistimos, hoje, a uma trágica inversão, sendo o homem obrigado a recorrer ao Direito para salvar a natureza que morre.

    (Miguel Reale)

    1.1 Introdução

    A Terra é o habitat do ser humano, o único possível, talvez mesmo a longo prazo. É a nossa casa comum (oikos). Pode também ser comparada a uma imensa nave espacial, que transporta toda a humanidade para um destino comum, numa viagem que não tem volta e não se sabe quando nem como irá terminar. O que se sabe é que os estoques de água e de oxigênio dessa nave são limitados e não podem ser repostos, nem fabricados, podendo apenas ser reciclados. Também não há como jogar o esgoto, nem o lixo para fora, podendo-se apenas tratá-los ou reciclá-los. Há um limite para a produção de alimentos, enquanto o número de passageiros só aumenta. Pensando dessa forma, podemos enxergar mais claramente a necessidade de cuidar do nosso planeta e a responsabilidade de todos por esse cuidado.

    Também podemos pensar na Terra como algo que não é nosso, mas que nos foi emprestado pelo Criador e pelo qual, portanto, devemos zelar da melhor forma possível, e que, ao devolvermos, deve estar, no mínimo, no mesmo estado em que recebemos. Claro que, sendo um bem tão precioso e que vai ser herdado por nossos filhos, netos e bisnetos, o ideal é que o devolvamos numa condição melhor do que aquela em que o recebemos.

    O planeta Terra existe há bilhões de anos e sempre passou por alterações, tanto em sua superfície, como no seu interior e em sua atmosfera. Essas alterações decorreram de fenômenos naturais e correspondem, grosso modo, às eras geológicas (pleistoceno, holoceno etc.). Nos últimos três séculos, no entanto, conforme observam Sarlet e Fensterseifer, a magnitude da intervenção do ser humano no planeta é tão grande que já se fala numa nova era geológica, "com o término do Período Geológico do Holoceno (ou Holocênico) e o início do novo Período Geológico do Antropoceno (Era dos Seres Humanos)".¹ Esse epíteto não é exatamente uma homenagem, ressaltam os autores.

    No entanto, como bem adverte José Renato Nalini, não é propriamente o planeta que corre risco, mas a humanidade e outras formas: o planeta poderá prosseguir em sua existência física por não se sabe quanto tempo mais. Porém, prescindirá da espécie humana para isso.² Será, na verdade, um imenso e desolado deserto.

    Os problemas ambientais que afligem o planeta são bem conhecidos: poluição do ar, das águas e do solo, destruição das florestas, mudanças climáticas, escassez de água potável, acúmulo de lixo, rompimento de barragens etc. A grande questão é que as demandas humanas são infinitas, em contraste com os recursos finitos da Terra. Décadas atrás se falava num cálculo segundo o qual se todos os seres humanos que vivem na Terra tivessem um nível de vida de classe média, o planeta não suportaria. Esse cálculo parece estar ultrapassado: segundo o Relatório Planeta Vivo 2002, do Fundo Mundial para a Natureza, a humanidade já está consumindo 20% além da capacidade de reposição e suporte do meio ambiente terrestre.³

    As consequências já sentidas são mortes, doenças, epidemias (e pandemias), fome, sede, guerras, baixa qualidade de vida, migrações, extinção de espécies etc. Conforme Frederico Amado, já há uma nova categoria de refugiados, os refugiados ambientais, que podem chegar a 50 milhões neste século.

    No livro Colapso, o renomado cientista Jared Diamond observa que a maior parte dos colapsos das antigas civilizações foi provocada por problemas ecológicos,

    [...] pelo fato de as pessoas terem destruído inadvertidamente os recursos ambientais dos quais as suas sociedades dependiam. A suspeita de suicídio ecológico não intencional – ecocídio – vem sendo confirmada por descobertas em décadas recentes.

    No entanto, conforme o mesmo autor, pela primeira vez na história enfrentamos o risco de um colapso global.⁶ A diferença é que, dessa vez, estamos conscientes do problema e o ecocídio pode ser considerado doloso.

    1.2 O Que Fazer?

    É praticamente consenso mundial que a chave para resolver — ou, pelo menos, amenizar — os problemas ambientais é a busca do desenvolvimento sustentável, conceito formulado, em 1987, no Relatório Bruntland, que consiste em satisfazer as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras (atuais?) de suprir suas próprias necessidades. Todavia, os problemas são tantos e tão complexos que podemos ficar perplexos e paralisados, sem saber o que fazer ou por onde começar.

    Um bom começo é seguir o lema ambientalista cunhado pelo filósofo Ulrich Beck, em 1972: "pense globalmente, aja localmente". Com esse lema em mente, devemos, em primeiro lugar, ter presente que a proteção do meio ambiente é dever de todos (da coletividade, nos termos do Art. 225, caput, da Constituição Federal). É o que se chama de cidadania ambiental. Ou seja: com a consciência e o conhecimento dos problemas ambientais globais, procurar fazer o possível para melhorar o nosso entorno (casa, bairro, cidade, município, região metropolitana...). Estamos fazendo a nossa parte?

    Nesse sentido, o Direito Ambiental pode ser uma útil e poderosa ferramenta para a defesa e a melhoria do meio ambiente.

    1.3 Ecologia

    Quando se fala em meio ambiente e Direito Ambiental, logo vem à mente o termo Ecologia. Ao que consta, o termo foi cunhado pelo cientista Ernst Haeckel, em 1866, e vem da junção dos vocábulos gregos: oikos (casa) + logos (conhecimento, ciência). Nas palavras do filósofo Ávila Coimbra, é a Ciência do Hábitat, pois é o conhecimento do mundo como nossa casa.⁷ Conforme Roger Dajoz, citado por Ávila Coimbra, a ecologia é a ciência que estuda as condições de existência dos seres vivos e as interações, de qualquer natureza, existentes entre esses seres vivos e seu meio.⁸

    A preocupação com o meio ambiente é fruto do chamado movimento ecológico, que surgiu após a II Guerra Mundial e ganhou força nos anos 60 e 70 do século XX. Esse movimento teve precursores visionários, como São Francisco de Assis, com seu Cântico das Criaturas (1224). Mais adiante, vem o Iluminismo dos séculos XVIII e XIX, especialmente a vertente inglesa, com seu culto à beleza das paisagens, destacando-se o poeta romântico W. Wordsworth (1770-1850). No século XIX, o poeta romântico J. W. Goethe (1749-1832) e o naturalista Alexander von Humboldt (1769-1859), ambos alemães, deram grandes contribuições, cada um em sua seara. Nos EUA, o escritor Henry David Thoreau, com a obra Walden (1854), expressou o amor à natureza e influenciou gerações, e o ativista John Muir (1838-1914) contribuiu para a criação dos primeiros parques ecológicos.

    No século XX, o filósofo Aldo Leopold, na obra A sand county almanac (1948), lançou o conceito de ecocentrismo, fundamentando a proteção do meio ambiente não apenas nos interesses humanos ou na preservação da vida, mas sim na necessidade de proteger o planeta como um todo. O movimento ecológico ganhou força com a impactante obra de Rachel Carson, Primavera silenciosa (1962), na qual ela denuncia os males dos agrotóxicos utilizados sem critério na época, envenenando plantações e levando à extinção de pássaros e insetos. Em 1972, James Lovelock, com A hipótese Gaia, apresentou a Terra como um organismo vivo e integrado. Em 1973, Arne Naess, em sua Ecologia profunda, sustentou que a natureza possui um valor intrínseco, independentemente de seu valor de uso pelo ser humano. Em 1975, o filósofo neoutilitarista australiano Peter Singer lançou a obra Libertação animal, defendendo a proteção integral dos animais por seu valor intrínseco, e não por sua utilidade ao ser humano. Essas e outras obras formaram o substrato teórico do movimento ecológico e da ética ambiental.

    Neste século, o movimento ecológico ganhou impulso com a questão climática, decorrente do aquecimento global, que gera mudanças climáticas, já se falando em emergência climática planetária, a justificar medidas cada vez mais drásticas. Essa questão vem permeando as discussões internacionais e influi fortemente na política, no direito, na economia e na sociedade, impondo mudanças de paradigmas, como a economia verde, fontes alternativas de energia, governança ambiental etc.⁹ É simbolizada pelo conceito ESG (Environmental, Social and Governance, na sigla em inglês), que vem permeando ações governamentais e da iniciativa privada.

    1.4 Ética Ambiental

    Como decorrência do movimento ecológico, surgiu um novo ramo da ética: a Ética Ambiental. Segundo Nalini, a ética é a ciência do comportamento moral do homem na sociedade e, atualmente, abrange quatro esferas de relacionamento de que o ser humano tem necessidade: o conhecimento de si próprio, o relacionamento com o outro, o culto ao divino ou a transcendência e a interação com a natureza, de onde deriva a ética ambiental.¹⁰ Conforme o mesmo autor, a ameaça ao ambiente é questão eminentemente ética. Sua proteção eficiente depende de uma conversão, de uma alteração de conduta.¹¹

    Nesse sentido, Aldo Leopold, pioneiro dessa nova ética, formulou o seguinte postulado: uma coisa está bem enquanto tende a preservar a integridade, estabilidade e a beleza da comunidade biótica. Está mal, se tende a fazer o contrário. O também filósofo Hans Jonas afirma que a ética ambiental é uma ética da responsabilidade, responsabilidade com os outros; o futuro da humanidade e o futuro da natureza são inseparáveis.¹²

    Segundo Milaré, trata-se de uma ética de terceira geração (a primeira é individual, a segunda é social, a terceira é planetária): preocupa-se com a sobrevivência do Planeta Terra, com todos os seus ecossistemas e a família humana.¹³

    Basicamente, há três visões distintas sobre o fundamento ético da proteção ao meio ambiente: o antropocentrismo, o biocentrismo e o ecocentrismo.

    No antropocentrismo, protege-se o meio ambiente, porque este é importante para a vida, a saúde e o bem-estar do ser humano. Segundo António Almeida, citado por Frederico Amado,¹⁴ o antropocentrismo defende a centralidade indiscutível do ser humano e valoriza a natureza de um ponto de vista instrumental. Tal centralidade não implica a negação da necessidade de preservação da natureza [...].

    Pelo biocentrismo, a proteção do meio ambiente visa beneficiar todas as formas de vida, sem uma consideração especial com o ser humano ou visando à utilidade para este.

    Por fim, segundo o ecocentrismo, deve-se proteger a Biosfera (Terra, Gaia) como um todo, um organismo integrado e com valor intrínseco, independentemente do seu interesse para o ser humano.

    Como veremos em momento oportuno, essas diferentes visões servirão para fundamentar posições jurídicas em matéria de Direito Ambiental. Atualmente, entre os estudiosos e aplicadores do Direito Ambiental, inclusive no Supremo Tribunal Federal, parece prevalecer o paradigma ecocêntrico.

    1.5 Visão Conservadora

    Atualmente, a militância ambientalista é praticamente monopolizada pela visão de esquerda do espectro político. A chamada Nova Esquerda adotou o meio ambiente como uma de suas principais bandeiras. Nesse contexto, é interessante observar que o filósofo conservador britânico Roger Scruton (1944-2020) vê uma convergência entre o conservadorismo, que se posiciona à direita no espectro político, e o ambientalismo, afastando-se, aqui, do liberalismo contemporâneo, que em certas vertentes vê as preocupações ambientais como um entrave ao livre mercado.

    Em suas obras, especialmente em Filosofia verde, Scruton lembra que o conservador luta para conservar aquilo que merece ser preservado, inclusive, obviamente, a natureza. Segundo o filósofo, essa atitude, no conservadorismo, decorre do amor compartilhado por nosso lar comum (oikophilia) e deve se expressar por meio da intendência zelosa, da gestão fiduciária e de iniciativas locais (pequenos pelotões, na expressão de Burke), contra o radicalismo salvacionista, que mais atrapalha do que ajuda na conservação da natureza. Em suas palavras,

    Conservadorismo e conservação são dois aspectos de uma única política de longo prazo: gerenciar recursos e assegurar a sua renovação. Esses recursos incluem o capital social das leis, dos costumes e das instituições; incluem também o capital material contido no meio ambiente e o capital econômico de uma economia livre sob o regime das leis.¹⁵

    1.6 Meio Ambiente

    O que é, então, meio ambiente, objeto de proteção do Direito Ambiental? Conforme Ávila Coimbra, a expressão é formada por meio, com conotação espacial, estar num meio significa, na prática, estar dentro dele, por ele envolvido; e por ambiente, do latim, amb (ao redor, à volta), ire (ir), tudo o que vai à volta, o que rodeia determinado ponto ou ser.¹⁶

    Ao que consta, a expressão foi usada pela primeira vez pelo cientista francês Saint-Hilaire, em 1835 (milieu ambiant): meio como contexto, espaço ou lugar; ambiente, do latim, o que rodeia por todos os lados. Daí vieram as expressões environment (inglês), ambiente (italiano), medio ambiente (espanhol), environnement (francês), Umwelt (alemão) etc.

    Meio ambiente é, então, definido por Ávila Coimbra como o

    [...] conjunto dos elementos físicos, químicos, e biológicos e de suas múltiplas relações, ordenados para a perpetuação da vida e organizados em ecossistemas naturais e sociais, constituindo uma realidade complexa e marcada pela ação da espécie humana.¹⁷

    A lei da Política Nacional do Meio Ambiente, por sua vez, define meio ambiente como conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas (Art. 3º, inciso I, da Lei 6.938/81).

    Numa definição mais abrangente, que leva em conta não apenas o meio ambiente natural como o artificial, produto da ação humana, a Resolução Conama 306 assim define meio ambiente: conjunto de condições, leis, influência e interações de ordem física, química, biológica, social, cultural e urbanística, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas (Resolução Conama n.º 306, de 5 de julho de 2002).


    ¹ Direito Constitucional ecológico, p. 15.

    ² Ética ambiental, p. 16.

    ³ Frederico Amado, Direito Ambiental esquematizado, 7. ed., p. 2.

    Ibidem, p. 3.

    Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, 9. ed., p. 18, grifos no original.

    Ibidem, p. 41.

    O outro lado do meio ambiente, 2002, p. 20.

    Ibidem, p. 21.

    ⁹ No Brasil, por exemplo, em 2023, o Ministério do Meio Ambiente foi rebatizado como Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e está prevista a criação de uma autoridade climática para zelar para que a questão climática seja levada em conta em todos as decisões governamentais. Na reforma tributária em andamento, são previstos vários mecanismos de extrafiscalidade voltados à proteção ambiental.

    ¹⁰ Nalini, Op. cit., p. 13.

    ¹¹ Ibidem, p. 17.

    ¹² Cf. Roger Scruton, Filosofia verde, p. 83.

    ¹³ Direito do ambiente, 8. ed., p. 142.

    ¹⁴ Op. cit., p.5.

    ¹⁵ Op. cit., p. 15.

    ¹⁶ Op. cit., p. 24.

    ¹⁷ Op. cit., p. 32.

    Capítulo 2

    Direito Ambiental: noções preliminares e panorama geral

    O Direito, em seu conjunto, é indispensável ao ordenamento feliz da vida da família humana em sua permanência na Casa Comum. Por sua vez, o Direito do Ambiente estabelece as bases indispensáveis ao bom relacionamento da sociedade com o seu entorno (local, nacional e planetário), para estabelecer – de maneira racional, científica e social – os fundamentos e objetivos dessas relações.

    (Édis Milaré)

    2.1 Direito Ambiental

    Conforme José Afonso da Silva, sob o ponto de vista objetivo, Direito Ambiental pode ser definido como o conjunto de normas jurídicas disciplinadoras da proteção da qualidade do meio ambiente. Como ciência, assinala o mesmo autor, o Direito Ambiental busca o conhecimento sistematizado das normas e princípios ordenadores da qualidade do meio ambiente.¹⁸ Frederico Amado, por sua vez, define Direito Ambiental como o ramo do direito público composto por princípios e regras que regulam as condutas humanas que afetem, potencial ou efetivamente, direta ou indiretamente, o meio ambiente, quer o natural, o cultural ou o artificial.¹⁹

    Como relata Talden Farias, teria sido Paulo Affonso Leme Machado pioneiro da área no Brasil,

    [...] o primeiro a usar e a defender a terminologia Direito Ambiental como a mais adequada, já que na década de 1970 a expressão Direito Ecológico estava mais em voga. Ou seja, é um dos raros juristas que batizou um ramo da Ciência Jurídica.²⁰

    Interessante observar que, segundo Sarlet e Fensterseifer, diante do fortalecimento do paradigma ecocêntrico, "cada vez mais autores começam a questionar a própria raiz antropocêntrica da expressão Direito Ambiental, propondo a sua substituição por Direito Ecológico".²¹

    Édis Milaré, por sua vez, prefere a denominação Direito do Ambiente, embora registre que não importam as denominações.²²

    Sem entrar na discussão sobre a melhor denominação, fato é que Direito Ambiental é a denominação oficial, porquanto utilizada pelo Ministério da Educação em suas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito, publicadas em 2021.²³

    Trata-se, enfim, de disciplina jurídica autônoma, dotada de um conjunto de princípios e normas específicos.

    2.2 Panorama Histórico

    Os mais antigos diplomas jurídicos já continham normas de proteção ao que hoje se chama de meio ambiente. Até as primeiras décadas do século XX, no entanto, essa proteção jurídica era feita sob uma perspectiva utilitarista, isto é, protegiam-se os elementos da natureza em função de sua utilidade para o ser humano.

    Renato Guimarães Junior, em interessante estudo sobre a história do Direito Ambiental, lembra que documentos como o Código de Hamurabi, o Livro dos Mortos do antigo Egito e o hino persa de Zaratustra já demonstram a preocupação dessas antigas civilizações com o respeito à natureza.²⁴ A preservação do meio ambiente também foi uma preocupação da lei mosaica, quando determinava que, em caso de guerra, fosse poupado o arvoredo.²⁵ A Magna Carta, assinada por João Sem Terra, em 1215, também continha minuciosos dispositivos sobre a utilização das florestas. O mesmo autor assinala que esse documento divide-se em verdade, depois, só depois, em dois diplomas: a Carta da Floresta, na época muito mais importante e polêmica, e a Carta das Liberdades, hoje tão reverenciada em todos os sistemas jurídicos.²⁶ É que as florestas pertenciam ao rei, sendo proibidas aos súditos a caça e a exploração da madeira.

    Outros países europeus, como Portugal e Espanha, também tradicionalmente tiveram normas de proteção à natureza em seus ordenamentos jurídicos, por exemplo, a proibição do corte do carvalho e do sovereiro em Portugal e o crime de poluição das águas previsto nas Ordenações Filipinas (1603).²⁷ Além das Filipinas, as Ordenações Afonsinas (1446) e as Manuelinas (1521) também proibiam o corte de árvores frutíferas e a caça e a pesca por meios cruéis. Curiosamente, a pena era o degredo para o Brasil...

    No Brasil colônia, o Regimento do Pau-Brasil, de 1605, pretendeu proteger essas árvores nobres da exploração descontrolada. Na época do Império, o Código Criminal (1830) proibia o corte ilegal de madeiras. Em 1911, foi criada a primeira Reserva Florestal, no então Território do Acre, nunca implantada de fato. O Código Civil de 1916 estabelecia o direito de vizinhança contra interferências nocivas e proibia a poluição das águas, propiciando a ação cominatória, inclusive contra indústrias. O Código Penal, já em 1940, tipificou o crime de corrupção ou poluição de água potável (Art. 271).

    Uma nova fase se inaugura com o nosso primeiro Código Florestal, destinado especificamente à proteção das florestas (Decreto 23.793/34).²⁸ A primeira lei específica de proteção aos animais data do mesmo ano (Decreto 24.645/34). O segundo Código Florestal foi a Lei 4.771/65. Da mesma época, são os Códigos de Caça (hoje Lei de Proteção à Fauna), de Pesca e de Mineração (1967).

    Marco pioneiro e importantíssimo foi a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), seguida da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), instrumento essencial para a defesa do meio ambiente em juízo.

    2.3 Constituições Brasileiras

    Até 1988, as Constituições brasileiras praticamente ignoraram o meio ambiente. A Constituição Imperial de 1824, talvez já prevendo as consequências da Revolução Industrial, proibia indústrias nocivas à saúde das pessoas. No entanto, ao que parece, a norma não teve a devida efetividade, embora a indústria no Brasil da época fosse ainda incipiente. A Constituição republicana de 1891 foi ainda mais lacônica, apenas estabelecendo a competência da União para legislar sobre suas minas e terras, o que poderia significar qualquer coisa em termos ambientais. A Constituição de 1934 lembrou-se da proteção das belezas naturais e do patrimônio histórico artístico e cultural. Também previu a competência da União para legislar sobre minas, águas, florestas, caça e pesca. As Constituições de 1937, 1946 e 1967 apenas repetiram esses dispositivos. A Emenda Constitucional n.º 1, de 1969, foi a que, pela primeira vez, usou o termo ecológico (Art. 172).²⁹

    A Constituição democrática de 1988 constituiu um marco histórico no Direito Ambiental brasileiro, sendo a primeira a tratar do meio ambiente e a consagrá-lo como direito fundamental, além de prever instrumentos importantes para a sua garantia, como a ação popular e a ação civil pública. Voltaremos ao tema no Capítulo 3.

    2.4 Direito Comparado

    No Direito Comparado, a Constituição da então Alemanha Ocidental, de 1949, estabeleceu a competência estatal para proteger a fauna e a flora e combater a poluição.

    No campo socialista, as Constituições da Bulgária (1971), de Cuba (1976) e da URSS (1977) previam a defesa do meio ambiente, porém de forma inefetiva, como lembra Herman Benjamin,³⁰ haja vista o histórico de desastres ambientais provocado por tais regimes, como a destruição do Mar de Aral e a tragédia de Chernobyl.

    A Constituição de Portugal (1976) foi primeira a tratar o meio ambiente como um direito, seguida pelas Constituições da Espanha (1978), do Chile (1981) e da Argentina (1994), entre outras. A Constituição do Equador, de 2008, inovou ao consagrar a natureza (Pacha Mama) como sujeito de direitos.

    No âmbito infraconstitucional, a legislação ambiental dos EUA foi pioneira e constituiu exemplo para o mundo, destacando-se os seguintes diplomas legais: Clean Air Act (1963 e 1970), National Environmental Policy Act (NEPA) e Environmental Protection Agency (EPA, 1970), Federal Water Pollution Control Act – Clean Water Act (1972) etc. Além disso, várias Constituições estaduais estabelecem normas ambientais.

    Na União Europeia, o Direito Comunitário é rico em matéria de legislação protetiva do meio ambiente, aplicando-se no âmbito interno dos países membros e muitas vezes se constituindo em barreiras para a entrada de produtos importados de países de fora do bloco, como é o caso do Brasil.

    2.5 Direito Internacional

    Como é cediço, o meio ambiente desconhece limites municipais, estaduais, nem nacionais, havendo questões que transcendem as fronteiras entre os países, como são as mudanças climáticas, a desertificação, a diminuição da camada de ozônio etc. Daí, a importância do estabelecimento de tratados e convenções internacionais nessa área. Historicamente, podem ser citadas a Convenção de Londres para a criação de parques na África (1933), a Convenção sobre a Atividade Baleeira (1946), a Convenção de Paris sobre poluição nuclear (1960) etc.

    Em 1966, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), assinado pelo Brasil, previu o direito ao mínimo existencial, incluindo meio o ambiente:

    Art. 12, 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental. 2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar:

    a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento é das crianças;

    b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;

    c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças;

    d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade.

    O grande marco inaugural do Direito Internacional Ambiental foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972, reunindo representantes de 113 países e de mais de 400 instituições governamentais e não governamentais. Dessa conferência resultou a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, primeiro documento internacional a reconhecer o meio ambiente como um direito humano. Segundo a Declaração, o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras (Princípio 1). Interessante também o Princípio 4, segundo o qual, nos países em desenvolvimento, a maioria dos problemas ambientais estão motivados pelo subdesenvolvimento.

    No âmbito da Convenção de Estocolmo foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

    O Brasil teve um papel polêmico nessa Conferência, ao que consta reclamando que os países desenvolvidos pretendiam solapar o desenvolvimento dos demais, sobrepondo a preservação ambiental ao necessário crescimento econômico.

    Do mesmo ano de 1972 é a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, concluída em Paris, no âmbito da Unesco.

    Em 1973, foi assinada a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), de grande importância para o combate ao tráfico de animais e vegetais, à qual o Brasil aderiu.

    Em 1992, vinte anos após a Convenção de Estocolmo, foi realizada no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio/92 ou Eco/92). No âmbito dessa cúpula, foi proclamada a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, estabelecendo que os Estados devem cooperar num espírito de parceria global para conservar, proteger e restaurar a saúde e a integridade do ecossistema da Terra (Princípio 7). Foi também firmada a Convenção sobre a Diversidade Biológica e editada a Agenda 21, definida como um instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica.³¹

    No mesmo ano, foi firmada em Nova York a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, posteriormente complementada pelo Protocolo de Kyoto (1997) e pelo Acordo de Paris (2015) e determinou a realização de conferências anuais das partes, as chamadas COPs.

    Na Declaração e programa de ação de Viena (1993), editada na Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, foi proclamado que o direito ao desenvolvimento deve ser realizado de modo a satisfazer as necessidades ambientais e de desenvolvimento das gerações presentes e futuras.

    Conforme dispõe a Constituição Federal em vigor, os tratados e convenções internacionais, celebrados pelo presidente da República (Art. 83, VIII) e aprovados pelo Congresso Nacional (Art. 49, I), têm força de lei no território nacional, sendo que aqueles que versem sobre Direitos Humanos e que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais (Art. 5º, § 3º).

    O meio ambiente, destarte, foi consagrado como um verdadeiro direito humano, entre os chamados de terceira geração. Isso porque, conforme o esquema proposto pelo teórico britânico T. H. Marshall, os Direitos Humanos surgiram em gerações consecutivas, sendo os de primeira geração os direitos civis e políticos e os de segunda geração os direitos sociais. Os direitos de terceira geração são os direitos dos povos e da humanidade ou direitos de solidariedade, categoria na qual figura o direito ao meio ambiente. Também se fala em direitos de quarta geração: direitos à democracia, à informação e ao pluralismo. É importante notar, no entanto, que hoje se fala mais propriamente em dimensões de direitos, pois a sua classificação em gerações pode dar a ideia de que uma geração teria substituído a outra, o que não acontece, já que eles são cumulativos.

    Conforme a doutrina, os Direitos Humanos, quando consagrados na Constituição, ganham o status de direitos fundamentais. É o que acontece, no Brasil, com o direito ao meio ambiente, já que a nossa Constituição proclama:

    Art. 225. todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

    O direito ao meio ambiente também é considerado um direito difuso, categoria identificada na década de 1970 por juristas como o italiano Mauro Cappelletti, que, transcendendo os direitos individuais, não coincidem, necessariamente, com o interesse público, enquanto interesse da Administração. É clássica a pergunta de Cappelletti a quem pertence o ar que eu respiro?. Direito ou interesse difuso é definido no Art. 81, parágrafo único, inciso I, da Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) como aquele transindividual (ou metaindividual), de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Desenvolveremos melhor esse tema em outros capítulos.

    2.6 Panorama da Legislação Vigente

    O Brasil possui uma das mais pródigas legislações ambientais do mundo,³² destacando-se as seguintes leis: Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente); Lei 7.347/85 (Ação Civil Pública); Lei 9.433/97 (Política Nacional de Recursos Hídricos); Lei 9.605/98 (Crimes Ambientais); Lei 9.985/2000 (Unidades de Conservação); Lei 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos); Código Florestal (Lei 12.651/2012); Lei 14.026/2020 (Novo Marco do Saneamento Básico); Lei 12.187/2009 (Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC); Lei Complementar 140/2011 (Competências Ambientais) etc.

    O Direito Ambiental também está presente nas Constituições Estaduais e em leis estaduais, Leis Orgânicas Municipais, leis municipais, bem como em decretos, resoluções, portarias etc.

    2.7 Relações com Outras Disciplinas

    Conforme será visto nos capítulos seguintes, o Direito Ambiental relaciona-se com o Direito Internacional, o Direito Constitucional, o Direito Administrativo, o Direito Penal, o Direito Civil, o Direito Processual, o Direito do Trabalho, o Direito Tributário etc.

    Além disso, o Direito Ambiental utiliza conhecimentos e conceitos de outras ciências, como Biologia, Física, Engenharias, Arquitetura e Urbanismo, História, Geografia etc.


    ¹⁸ Op. cit., p. 45.

    ¹⁹ Op. cit., p. 15.

    ²⁰ A trajetória de Paulo Affonso Leme Machado e o Direito Ambiental brasileiro. Revista Consultor Jurídico, 21 maio 2016. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-mai-21/ambiente-juridico-trajetoria-paulo-affonso-leme-machado-direito-ambiental-brasileiro, grifado no original.

    ²¹ Op. cit., p. 22, grifado no original.

    ²² Direito do Ambiente, RT, Prefácio à 8ª edição.

    ²³ Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/abril-2021-pdf/181301-rces002-21/file

    ²⁴ O futuro do Ministério Público como guardião do meio ambiente e a história do direito ecológico. In: Justitia, v. 113, p. 152-153.

    ²⁵ Deuteronômio, 20, 19.

    ²⁶ Art. cit., p. 154-155.

    ²⁷ Ibidem, p. 162-163.

    ²⁸ Por terem sido editados pelo chamado governo provisório, de Getúlio Vargas, que prescindia do Parlamento, os decretos da época tinham força de lei e alguns deles foram recepcionados como tal pelas Constituições posteriores, inclusive a atual.

    ²⁹ "Art. 172. A lei regulará, mediante prévio levantamento ecológico, o aproveitamento agrícola de terras sujeitas a intempéries e calamidades. O mau uso da terra impedirá o proprietário de receber incentivos e auxílios do Govêrno (sic)".

    ³⁰ Antonio Herman de V. Benjamin, Direito Constitucional Ambiental brasileiro, in: Direito Constitucional Ambiental brasileiro, J. J. Gomes Canotilho e José Rubens Morato Leite (org.), Saraiva, 4. ed.

    ³¹ Disponível em: https://antigo.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-global.html

    ³² Sobre o tema, cf. Evaristo de Miranda, O campeão da proteção florestal. Revista Oeste, 7 maio 2021. Disponível em: https://revistaoeste.com/revista/edicao-59/o-campeao-da-protecao-florestal/

    Capítulo 3

    Direito Ambiental Constitucional

    Os mais recentes modelos constitucionais elevam a tutela ambiental ao nível não de um direito qualquer, mas de um direito fundamental.

    (Herman Benjamin)

    3.1 Introdução

    Como vimos no capítulo anterior, a partir do Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PIDESC, 1966) e da Declaração de Estocolmo (1972), consolida-se a ideia de que o meio ambiente é um direito em si, e não um instrumento para a proteção de outros bens ou direitos, configurando-se, ademais, como um direito humano. A Constituição Alemã, de 1949, inaugurou o Direito Ambiental Constitucional, mas primeira Constituição a reconhecer o meio ambiente como um direito fundamental foi a de Portugal (1976). Esta foi o modelo para a Constituição brasileira de 1988.

    Vimos também que, no Brasil, a tutela jurídica do meio ambiente foi inaugurada pela Lei 6.938/81, ao estabelecer a responsabilidade civil objetiva do causador do dano ambiental, além das responsabilidades administrativa e criminal. A primeira lei brasileira a consagrar expressamente o meio ambiente como um direito foi a Lei da Ação Civil Pública, listando o meio ambiente como um dos interesses difusos tuteláveis por essa espécie de ação (Lei 7.347/85, Art. 1º, I). A Constituição de 1988 foi a primeira Constituição brasileira a tratar do meio ambiente, sendo também a primeira consagrar o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental, contendo ainda um vasto aparato de normas protetivas desse direito, no que é chamado de Constituição Ambiental.

    O que mudou? Como observa Marcelo Abelha Rodrigues,

    [...] antes, o que ocorria era a proteção de alguns microbens ambientais específicos (recursos ambientais), contudo sem viés ecológico, mas apenas sanitário e econômico. Atualmente, é o macrobem (equilíbrio ecológico) que é protegido a partir da função ecológica dos microbens (recursos ambientais).³³

    Conforme salientam Sarlet e Fensterseifer, o meio ambiente é, inegavelmente, um direito humano, já esboçado no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966 (Art. 12), e assim proclamado na Declaração de Estocolmo, de 1972. Foi também consagrado como tal no Protocolo de San Salvador à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1988 (Art. 2 e 11), e na Opinião Consultiva 23/2017, da Corte Interamericana de Direitos Humanos.³⁴

    Uma vez abrigado na Constituição Federal, o meio ambiente torna-se também um direito fundamental.³⁵ Sua natureza, segundo José Afonso da Silva, é de direito social, porquanto localizado no capítulo da Ordem Social.³⁶ Conforme Édis Milaré, trata-se também de um direito público subjetivo, vale dizer, exigível e exercitável em face do próprio Estado.³⁷ É também direito difuso, nos termos do Art. 129, III, da Constituição Federal, e do Art. 1º, I, da Lei 7.347/85.

    Sobre o fato de não figurar no rol do Art. 5º, nem no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, comenta Abelha Rodrigues que

    [...] embora a Constituição Federal brasileira não tenha incluído o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado de modo expresso nos direitos e garantias fundamentais, há muito a doutrina já reconhece que esse direito possui tal natureza (direito fundamental), na medida em que não há vida, não há dignidade, não há isonomia, não há segurança, não há saúde sem a existência de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.³⁸

    Da qualificação do meio ambiente como direito fundamental, resulta sua aplicabilidade imediata (Art. 5º, § 1º) e sua natureza de cláusula pétrea (Art. 60, § 4º, IV) e de norma de eficácia plena.³⁹

    3.2 Objeto de Tutela

    O que a Constituição tutela é o direito ao "meio ambiente ecologicamente equilibrado, qualificado como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações" (Art. 225, caput). Segundo José Afonso da Silva, há dois objetos de tutela: "um imediato, que é a qualidade do meio ambiente; e outro mediato, que é a saúde o bem-estar e a segurança da população".⁴⁰

    Tutela-se, pois, o meio ambiente, assim definido pela lei: conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas (Art. 3º, I, da Lei 6.938/81).⁴¹ O direito tutelado, no entanto, não é a qualquer meio ambiente, mas, sim, a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Conforme José Afonso da Silva, ecologicamente equilibrado significa equilibrado segundo a Ecologia, que é a ciência do habitat ou ciência que estuda as condições da existência dos seres vivos e as interações, de qualquer natureza, existentes entre seres vivos e seu meio.⁴²

    Sobre o tema, escreve Abelha Rodrigues que "o equilíbrio ecológico é o bem jurídico (imaterial) que constitui o objeto de direito a que alude o texto constitucional".⁴³ Imaterial porque é abstrato, um conceito, não se referindo a um bem material específico. Assim,

    [...] conjugando o mandamento constitucional com a definição de meio ambiente constante do art. 3º, I, da Lei n. 6.938/81 – no sentido de que é formado pela interação de diversos fatores bióticos e abióticos –, temos que o direito ambiental visa proteger exatamente o equilíbrio nessa interação. E mais: a proteção a cada um desses elementos justifica-se na medida em que serve à manutenção desse equilíbrio.⁴⁴

    O Art. 225, caput, da Constituição Federal também qualifica o meio ambiente como um bem de uso comum do povo. É, portanto, um bem público. Nos termos do Código Civil, são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno (Art. 98). Bens de uso comum do povo, por sua vez, são aqueles tais como rios, mares, estradas, ruas e praças (Art. 99, I).

    A propósito dos bens de uso comum do povo, ensina Hely Lopes Meirelles,

    [...] no uso comum do povo os usuários são anônimos, indeterminados, e os bens utilizados o são por todos os membros da coletividade – uti universi –, razão pela qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou a privilégios na utilização do bem...⁴⁵

    Importante ressaltar, ainda, como ensinam Sarlet e Fensterseifer, que, por força do tratamento constitucional de bem de uso comum do povo dispensado ao ambiente, o Poder Público passa a figurar, não como proprietário de bens ambientais – por exemplo, das águas e da fauna –, mas como gestor, o qual administra bens que não são dele e, por isso, deve explicar convincentemente sua gestão.⁴⁶ Ademais, é um bem indisponível.⁴⁷

    3.3 Estrutura do Direito

    Segundo José Afonso da Silva, o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é composto por três conjuntos de normas: norma princípio ou matriz (caput); instrumentos de garantia da efetividade do direito (§ 1º); determinações particulares, em relação a objetos e setores específicos (§§ 2º a 7º).⁴⁸

    A norma princípio ou matriz está contida no caput:

    Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

    Dessa norma, por sua vez, emanam vários princípios que informam o Direito Ambiental. A doutrina identifica que o caput do Art. 225 veicula os princípios do desenvolvimento sustentável, da solidariedade ou equidade intergeracional e do mínimo existencial ambiental.

    3.3.1 Desenvolvimento Sustentável

    O princípio do desenvolvimento sustentável foi proclamado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMED) da ONU, no relatório Nosso Futuro Comum, coordenado pela então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, publicado em 1987. Nos termos desse relatório, o desenvolvimento sustentável é aquele que "atende às necessidades atuais sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades". Segundo Amado, é a capacidade de utilizar os recursos e os bens da natureza sem comprometer a disponibilidade desses elementos para as gerações futuras.⁴⁹ Sarlet e Fensterseifer destacam os três eixos nucleares do conceito de desenvolvimento sustentável: ecológico, social e econômico. Os mesmos autores asseveram que o conceito de desenvolvimento "transcende, substancialmente, a ideia

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