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Público • Sexta-feira 27 Agosto 2010 • 31

O aumento das desigualdades nas últimas décadas deveria levar a questionar, e não a idolatrar, o Estado-Providência

Um paradoxo do nosso Estado social: mais desigualdade

S
DANIEL ROCHA
eja qual for o critério que apliquemos, cou em posição de os vir a receber em condições
ou o índice que preferirmos, “o período de privilégio relativo.
de maior crescimento e consolidação do Depois, e este aspecto é muito importante, por-
Estado-Providência foi também o de mais que o activismo do Estado-Providência, alimentado
forte crescimento da desigualdade de ren- quer pelo calculismo associado aos ciclos eleito-
dimento”, como escreve Luciano Amaral em Eco- rais, quer pelas melhores intenções do mundo, gera
nomia Portuguesa, As Últimas Décadas, o pequeno sempre “efeitos indesejados”. Ou seja, as distorções
José mas fundamental livro recentemente editado pela introduzidos nos comportamentos sociais por sub-
Manuel Fundação Francisco Manuel dos Santos. Se as po- sídios, abonos, tensas, rendas, bolsas e tudo o que
Fernandes líticas se medem pelos seus resultados e não pelas se imagine induzem com frequência dependências
suas intenções, num país onde se gritasse menos e inesperadas, dependências essas que implicam no-
Extremo se pensasse mais aquela simples constatação im- vos e ainda maiores custos financeiros.
ocidental pediria que se transformasse o nosso Estado social Como se tudo isto ainda não fosse suficiente,
numa arma de arremesso político. Pela razão sim- uma sociedade largamente intervencionada pelo
ples de que um Estado-Providência que falha num Estado e pelos seus “serviços” não só se habituou
dos seus principais desígnios – o de fazer diminuir à esmola como, ao mesmo tempo, foi destruindo os
as desigualdades sociais – é, no mínimo, um Esta- seus ascensores sociais. Ou seja, além de ser uma
do-Providência que merece ser questionado. E não sociedade mais desigual, é também uma sociedade
apenas por “razões economicistas” derivadas da onde é menor a mobilidade social.
sua sustentabilidade financeira: afinal de contas Há, por vezes, a ideia de que estes problemas do
somos o país mais desigual da União Europeia, com nosso Estado-Providência se resolvem melhorando
excepção do Luxemburgo (um caso muito especial) a sua gestão. É o que defenderam esta semana os
e da Bulgária (outro caso-limite). Afinal de contas, subscritores do abaixo-assinado dito em defesa do
segundo o último relatório disponível da OCDE, o SNS. Ora sendo indiscutível que a Saúde até é o sec-
coeficiente de Gini (um dos indicadores mais utili- tor com mais sucesso do nosso Estado-Providência,
zados para medir as desigualdades) passou de 0,33 isso não nos permite iludir a sua ineficiência rela-
por volta de 1990 para 0,38 (o mesmo dos Estados tiva. Como notou José Mendes Ribeiro em Saúde,
Unidos) em meados desta década. A Liberdade de Escolher, com base num índice cal-
Luciano Amaral encontra várias razões para este culado a partir do ano-base de 1995, até 2006 “a
fracasso relativo do Estado-Providência português produção do SNS cresceu apenas 30 por cento em
na redistribuição da riqueza e na diminuição das de- termos de consultas, internamentos, urgências e
sigualdades, algumas delas comuns a outras nações cirurgias, mas o respectivo financiamento cresceu
onde os actuais modelos sociais também não têm 150 por cento.” O que é insustentável. Até porque,
evitado o aumento das desigualdades. Para aquele apesar de gastarmos no sector uma percentagem do
historiador dos processos económicos, “uma parte PIB superior à média europeia, o relatório relativo
da explicação da desigualdade em Portugal reside, pos de “uma luta constante pelos a 2009 do Euro Health Consumer Index colocava
de forma aparentemente paradoxal, no próprio
Em Portugal é muito fácil recursos do Estado”, o que gera Portugal em 21.º lugar entre 33 países europeus,
funcionamento do Estado-Providência”. Porquê? agitar fantasmas, um frenesim que beneficia “espe- só tendo atrás de si os antigos países do Leste. Ou
Porque, apesar de proclamar a universalidade, esse cialistas da reivindicação” que não seja, melhorámos muito, mas o modelo de SNS não
Estado-Providência tem “características pouco uni- mas muito difícil aceitar coincidem, necessariamente, com é ideal nem devia ser intocável.
versais, continuando a fundar-se sobretudo numa a dureza da realidade. Ora, os que mais necessitam. Por tudo isto, é surpreendente que não se quei-
estrutura profissional (ou “corporativa”). E porque, Criam-se assim várias dicotomias ram discutir mudanças. Que nem se olhe, por exem-
ao mesmo tempo, o nosso sistema fiscal, sendo pro- se o Estado-Providência – entre os mais velhos, que benefi- plo, para o que está a acontecer a uma velocidade
gressivo na teoria, não o é na prática. ciam de regimes mais generosos, e estonteante no Reino Unido, onde a coligação con-
Vale a pena olhar para este último aspecto, que
falhou num dos seus os mais novos, que nem sabem se servadores-liberais desencadeou um processo de
tanta ventania originou esta semana. Na verdade, objectivos centrais, haverá dinheiro para as suas pen- reformas que a revista The Economist – antes céptica
a colecta do IRS, o “imposto progressivo e redis- sões; entre os que estão emprega- em relação a este Governo – designou, num edito-
tributivo”, só representou, na última década, 10 devíamos estar dos e os que não têm emprego ou rial intitulado “Radical Britain”, o “grande jogo”.
por cento do rendimento das famílias. Isto significa a discuti-lo, não a têm empregos precários; entre os Prevendo que, “tarde ou cedo, muitas outras na-
que mesmo que a sua função redistributiva funcio- que estão nas carreiras protegidas ções do mundo desenvolvido terão de seguir pelo
nasse bem, ela teria sempre um peso marginal no transformá-lo no ícone de do Estado e de alguns oligopólios e mesmo caminho”.
reequilíbrio dos rendimentos reais dos cidadãos. os demais; e por aí adiante. Ao mes- É muito fácil agitar fantasmas. É muito mais difícil
E apesar de nenhum partido questionar a progres-
uma realidade inexistente mo tempo, o sistema de “direitos aceitar a dureza da realidade. E, num país como
sividade deste imposto, a questão que se deveria adquiridos” gera obrigações que Portugal, é quase impossível discutir ideias e pro-
colocar era a de saber se vale a pena, para um efeito comprometem de tal forma o sistema que este deixa postas diferentes. É um dos mais duradouros sinais
tão pequeno e tão marginal, manter um imposto de ter recursos para redistribuir, antes assegurando, do nosso atraso e da nossa menoridade. Jornalista,
tão complicado e que gera, noutras frentes, tantas por assim dizer, “seguros sociais” a quem se colo- www.twiter.com/jmf1957
injustiças relativas. Infelizmente não só ninguém
quer ter essa discussão como ela foi já proscrita
pelos defensores acéfalos do nosso questionável
Estado social.
Leituras optimistas

E
como é que o Estado-Providência se tor- a Vou procurar, semanalmente, ir Até porque The Rational Optimist, que há duas ou três décadas só
nou, ele mesmo, um perpetuador das dando conta das minhas leituras. E How Prosperity Evolves desafia o estavam ao alcance dos super-ricos
desigualdades que, na retórica, preten- do que me vai passando pela mesa- nosso pessimismo contemporâneo. dos países mais evoluídos, como…
de combater? de-cabeceira. E entre muita coisa Para Ridley, o que realmente um telemóvel. Mudança, inovação,
Primeiro que tudo, porque o nosso Es- mais ou menos de Verão, outra distingue as sociedades humanas comércio, mercado, concorrência:
tado-Providência assegura antes do mais a “pro- mais ou menos de todas as estações, e lhes permitiu evoluírem de tudo isso contribuiu para uma
vidência” das diferentes corporações, à cabeça para além de leituras várias sobre forma nem sempre harmónica mas espécie de “cérebro colectivo”, bem
das quais vem a da administração pública, cujos a III Invasão Francesa, a Guerra nunca previsível é o facto de todos característico da nossa espécie,
regimes foram, e continuam a ser, muito mais favo- Peninsular e a figura de Wellington, trabalharmos para todos graças às que sempre permitiu que alguém
ráveis do que os regimes do resto da população – e começava por destacar a última obra trocas comerciais e à especialização encontrasse a solução para os
isso é verdade tanto no que respeita à segurança do autor de Genoma, Matt Ridley. do trabalho. É isso que torna problemas insolúveis e, depois dos
social ou à segurança no emprego, como no acesso Desta vez este biólogo não se dedica possível, por exemplo, que num piores desastres, se alcançassem
à saúde, para referir apenas três áreas cruciais. Co- à evolução das espécies, antes à bairro de lata africano se utilizem novos estágios de prosperidade.
mo notou Luciano Amaral, vivemos também tem- evolução das sociedades humanas. correntemente bens de consumo Apaixonante.

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