Alceu A. Sperança *Dedicado ao professor Ivo Oss Emer
A exploração que os grandes
interesses econômicos fazem com as pessoas é algo extremamente injusto, mas vem durando há tantos milênios que parece algo natural. A história sempre mostra que o comum e aceito hoje, no futuro poderá ser considerado um horror, uma desumanidade.
D. João VI passeava com um vaso sanitário e descia da
carruagem para fazer suas necessidades à vista de todos. Hoje, nossos governantes, gente finíssima, não fazem mais isso em público, a não ser por certos discursos que produzem a mesma descarga excrementícia. Vemos antigas imagens de religiosos e monarcas se instruindo em textos escritos em pergaminhos. Sentimos horror ao saber que aquele conhecimento só era permitido aos donos do poder. Se a arraia-miúda soubesse das coisas, esse conhecimento poderia representar um perigo para eles. Pergaminhos eram feitos com pele de carneiros e ovelhas de tenra idade, o que hoje causa indignação às crianças. No futuro, nossos netos nos acharão desalmados por essa mania de ler jornais e livros em “pedaços do corpo de nossas amigas, as árvores”. Hoje, o absurdo caos no trânsito é aceito como normal. As pessoas vão para os hospitais ou para o cemitério e fica tudo por isso mesmo. Nada de medidas corretivas para privilegiar o transporte coletivo.
Zerar a tarifa iria economizar milhares de vidas,
impedindo o sofrimento dos brasileiros que se acidentam e morrem na loucura do tráfego. Se com o dinheiro do lotação eu posso pagar a prestação de um carro, por que vou viajar num “latão”? Os donos do pedaço pensam só em dinheiro, a vida humana que se dane. No futuro, obviamente, nossos netos dirão: “Vovô era um maluco. Aceitava de braços cruzados haver tarifa no lotação e mortandade nas ruas!” A Biblioteca Pública do Paraná foi criada em 7 de março de 1857, passando a funcionar somente a partir de fevereiro de 1859, em uma sala com apenas 251 livros. Consideramos até normal que uma biblioteca abra com alguns poucos volumes e depois tenha o acervo aumentado significativamente, como ocorreu com a BPP, hoje com cerca de 400 mil obras. No entanto, era também considerada normalíssima a proibição às mulheres de entrar no recinto e ousar abrir um daqueles volumes. Da mesma forma que os antigos monarcas e religiosos não permitiam o acesso da ralé aos pergaminhos, ainda no século XIX, em nossa avançadíssima Curitiba, às mulheres não era permitido ler.
Já imaginou essa mulherada lendo e se instruindo? Vão
querer mandar no marido e passar em primeiro lugar nos concursos públicos! Claro, nossos pais e avós araucarianos não eram assim tão retrógrados, diria algum netinho mais carinhoso: afinal, havia naquela época a Escola Normal, que formava professoras para lecionar no ensino primário. Pois é, netinho, mas até as alunas da Escola Normal eram proibidas de entrar na Biblioteca Pública do Paraná e ler os primeiros 251 livros do acervo inicial. Só em 1914 essa barreira sexista foi rompida. Hoje, a corrupção é tão lamentada quanto os acidentes de trânsito, mas o que se faz para eliminar sua causa – um sistema baseado no dinheiro? A corrupção, com seus mensalões e mensalinhos, é a prática mais corriqueira entre os “principais” da cena política, mas eles continuam no comando. Liga, não, netinho. Como dizia Mário Quintana, “eles passarão... eu passarinho”. alceusperanca@ig.com.br