Sei sulla pagina 1di 10
NaS MOL NTE Ano: 05 - Vol. 13 - jan/abr - 2011 TOS a HT Lng 2 8 3 3 > $ 3 2 8 gditora 2 7 5 3 8 o | ISSN - 1982.3460 DROGA E CRIME: ALGUMAS DAS DIVERSAS INTERFACES Janaina Conceigao Paschoal! O tema drogas implica muitas controvérsias e o assunto violéncia acarreta outras tantas. Assim, tratar a relacao existente entre as drogas ea violéncia constitui tarefa ardua, sendo evidente que toda e qualquer ponderagao fica sujeita a severas criticas e profundas dividas. Com efeito, a questao das drogas acaba contrapondo simpati- zantes de acdes preventivas e partidarios de agdes repressivas, sem contar todo o movimento que circunda a reducao de danos. A andlise de cada uma dessas frentes proporcionaria muito mais do que esta breve intervencao permite. No entanto, é possivel, desde logo, afirmar que prevengao, repressao e reducdo de danos nao ne- cessariamente sao conflitantes, sendo prova disso a politica dos qua- tro pilares adotada na Suica, a qual concilia prevengao, tratamento, repressio e redugao de riscos*, A violencia, por outro lado, traz em seu bojo acaloradas discus- s6es entre os adeptos da criminologia critica e aqueles mais dogma- ticos, que lidam com o crime como um mero movimento de acao e Advogada. Professora livre docente da Faculdade de Direito da USP. Presidiu por trés anos 0 Conselho Estadual de Entorpecentes, 2 AEBI, Marcelo F; LILLIAS, Martin; RIBEAU, Denis. La prescripcién de heroina en Suiza: efectos sobre la delincuencia de los toxicémanos tratados. Revista de Derecho Penal y Criminologia, n. 4, Julio 1999. p. 713. vol. 13 - jan/abr - 2017 8 Revista Criminal - Ensaios sobre a atividade policial reacao, sem contar os embates entre tedricos do direito penal mini- mo, abolicionismo e tolerancia zero. Nesse ponto, faz-se necessdrio ressaltar que violéncia e crime nao necessariamente coincidem, pois pode haver violéncia sem que se caracterize um crime e pode haver crime sem violéncia. O suicidio, por exemplo, revela-se violento, embora nao se ca- racterize como crime. Uma crianga descal¢a, pedindo esmola, em um dia frio, constitui uma cena violenta, mas nao necessariamente estar-se-d diante de um crime. Em regra, as situagées tristes da vida encerram um certo grau de violéncia, mas s6 passam a ser crime se houver uma lei penal as prevendo como tal e cominando uma pu- nicdo. Em contrapartida, no caso de um furto, onde algo alheio é subtraido, sem qualquer afronta a pessoa, ha crime sem violéncia. Para este trabalho, a utilizagao do termo violéncia estara sempre vinculada a crimes, com destaque para homicidios, estupros, leses corporais praticadas no ambito doméstico e crimes patrimoniais, so- bretudo os que implicam agressGes 4 pessoa, como no caso do roubo e latrocinio. Em virtude da complexidade dos dois temas (drogas e violén- cia), e, por dbvio, da dificuldade de sua andlise conjunta, é impres- cindivel deixar claro que todas as vertentes ora avaliadas constituem hipéteses, uma vez que, em todos os paises, de forma mais ou menos tigida, 0 uso, abuso e comércio de drogas sao cerceados, inclusive pelo direito penal. De fato, mesmo em paises paradigmaticos, como é 0 caso da Holanda, o uso de drogas fica limitado a determinados lugares e a certas quantidades, Por conseguinte, nem sequer em tal localidade podemos analisar qual a real interferéncia das drogas na questao da violéncia. Em outras palavras, em que medida um tratamento, mais ou menos, repressivo ao trafico e ao porte de drogas implica aumen- to, ou diminuigao, nos indices criminais. Para poder fazer uma avaliacao relativamente neutra, seria pre- ciso comparar duas localidades, com caracteristicas culturais, histé- 94 vol. 13 - jan/abr - 2011 Revista Criminal - Ensaios sobre a atividade policial ricas, econémicas e populacionais parecidas, sendo as drogas consi- deradas licitas em uma e ilicitas em outra. Porém, como esse cenario ideal simplesmente nao existe, tal qual antes ponderado, trabalha- mos aqui apenas com hipéteses. Pois bem, nao é incomum encontrar manifestacdes no sentido de que a eventual descriminalizagao do uso e do comércio das drogas favoreceria a diminuigao da violéncia. Norteia tal entendimento a ideia de que os interesses econdmi- cos que circundam 0 trafico sao a causa de grande parte dos crimes mais graves, como as chacinas relacionadas a disputa por pontos de venda de drogas’. Nessa linha, consigna-se ainda que os dependentes de drogas, haja vista a proibicdo, acabam sendo jogados na clandes- tinidade, com todas as consequéncias a ela inerentes, incluindo-se a pratica de crimes para sustentar a dependéncia. Por via de regra, essa avaliagao vem acompanhada do entendi- mento de que a politica de guerra 4s drogas revela uma subservién- cia aos Estados Unidos, bem como de que a demonstragao de que tal guerra em nada melhorou a situacao americana, uma vez que é no territério daquele pais que esta concentrada grande parcela do mercado consumidor de drogas. A maior parte dos estudiosos que aborda a matéria se manifesta nesse sentido, sendo recorrente 0 ar- gumento de que a guerra as drogas, o proibicionismo, s6 atende aos interesses dos préprios traficantes, uma vez que, entre outras conse- quéncias, a ilicitude implica aumento de pregos*. ‘Talio Kahn aponta que a principal causa de chacinas, entendidas como homicidios miiltiplos, com trés, ou mais vitimas, que tém alguma rela¢io com o autor do crime, so os entorpecentes. © mesmo autor chega a afirmar que o niimero de chacinas esta inversamente relacionado & organizagio dos traficantes, ou seja, quanto mais organizado for o tréfico, menos mortes haverd.e quanto mais reprimido e fragmentado, mais chacinas ocorrerao, em razao da disputa pelo poder no setor. (In: KAHN, Talio. Cidades blindadas: ensaios de criminologia. Sao Paulo: Conjuntura, 2001. p. 83-85). ‘4 TAGLE, Fernando Tenorio. El prohibicionismo de las drogas, su incorporacién a la crisis y propuestas de legalizacion. Iter Criminis: Revista de Derecho y Ciencias Penales, Mexico, p. 195, 1998; PERICAS, Antonio Gimenez Enfoque victimologico para una sociologia del narcotréfico. Eguzkilore, n. 7, San Sebastian, p. 243, dic. 1993; vol. 13 - jan/abr - 2011 oS Revista Criminal - Ensaios sobre a atividade policial Em 2005, foi editado um livro® como resultado do Primeiro En- contro de Mestres e Doutores do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP. A referida obra é constituida por arti- gos de cada um dos palestrantes no evento, sendo intrigante notar que a grande maioria dos artigos é justamente no sentido de que a politica proibicionista atende a interesses diversos dos alardeados e nao leva aos objetivos buscados®. Alguns estudiosos chegam a afirmar que a manutencio do mo- delo repressivo implica “enxugar gelo””. Ao analisar a questio apenas em termos objetivos, devemos mesmo concordar com tais autores, uma vez que, mesmo com essa politica repressiva, “a oferta nao foi reduzida; 0 consumo aumen- tou; agravou-se a situacao da satide publica, deteriorou-se 0 sistema prisional; perseguem-se mais os consumidores e nao os auténticos traficantes”*. Nao obstante, em sentido totalmente contrario, ha quem defen- da, mesmo com menos entusiasmo, é verdade, que uma hipotética descriminalizagao das drogas acarretaria um aumento na criminali- dade, pois as pessoas que se dedicam ao tréfico precisariam migrar para outra atividade e, fatalmente, voltariam suas energias para os RODRIGUEZ, Roy Murillo. La politica antidrogas y sus efectos en América Latina. Ciencias Penales: Revista de la Asociacién de Ciencias Penales de Costa Rica, aito 8, n 11, p. 58, Julio de 1996, REALE JUNIOR, Miguel (Coord.). Drogas: aspectos penais e criminol6gicos. Rio de Janeiro: Forense, 2005. Participamos da organizacao de referido encontroe podemos atestar que o coordenador, Miguel Reale Jinior, conferi absoluta liberdade aos mestres e doutores, que proferiram palestras e publicaram textos resultantes de suas conferéncias. Nao obstante, como dito, ‘quase todos os estudiosos que analisaram a polémica da descriminalizacao criticaram a Tepressio as drogas, seja no que tange ao porte para uso proprio, seja no que concerne a0 trafico. MINGARDI, Guaracy; GOULART, Sandra. As drogas ilicitas em Sao Paulo: 0 caso da cracolandia. Sao Paulo: lanud, 2001. p. 48. COSTA, Eduardo Maia. Direito penal da droga: breve historia de um fracasso. Revista do Ministério Publico, ano 19, n. 74, p. 118, abril-junho 1998. 96 vol. 13 - jan/abr - 2011 Revista Criminal - Ensaios sobre a atividade policial crimes patrimoniais, frequentemente, ligados a graves ofensas a pes- soa, como ocorre no caso de roubo e latrocinio”. E interessante notar como pensamentos conflitantes podem se revelar, ao mesmo tempo, convincentes. Ademais, intriga perceber que ha logica na tese de que a descriminaliza¢ao ensejaria a diminui- ao da criminalidade, por aniquilarem-se os interesses dos agentes do trafico e mesmo a corrup¢io correlata. No entanto, também ha légica na ideia de que o fim da atividade dos traficantes os obrigaria a abracar outros crimes, talvez ainda mais deletérios para a sociedade. De tal paradoxo resulta que manifestagdes favoraveis 4 descri- minalizagao, ou nao, na verdade, guardam maior relacéo com ques- tées de natureza ideolgica do que com as consequéncias que a re- pressao penal as drogas acarreta a violéncia. Trata-se de ideologia, a uma, em virtude de nao haver certeza acerca dessas possiveis consequéncias; e, em segundo lugar, em razao de ser bem possivel que as duas hipéteses sejam verdadeiras, além de tantas outras variaveis nem sequer consideradas. De fato, é provavel que uma hipotética descriminalizagao total das drogas leve parte dos agentes do trafico a migrar para outros cri- mes e, a0 mesmo tempo, fa¢a com que muitos desses agentes desis- tam da ilicitude, nao sendo impossivel um cenario em que o resulta- do, em termos de violéncia, seja imperceptivel. Independentemente dessas ponderagées, é importante consig- nar que, mundialmente, parece bastante longinqua qualquer possi- bilidade de descriminalizacao total das drogas, pois 0 pais que assim proceder, além das naturais sangGes internacionais, correrd 0 risco de se transformar em um territério livre, em um paraiso, ou inferno, das drogas. Nesse diapasao, lembra-se que a pouca abertura que houve em alguns paises da Europa, em certa medida, foi revista. A titulo de ® Vide: MOURA, José Souto de. Droga livre, sociedade suis.I.D.A.? Revista do Ministério PAblico, ano 11, n. 43, p. 75. vol. 13 jan/abr 2011 7 Revista Criminal - Ensaios sobre a atividade policial exemplo, cita-se 0 recuo ocorrido relativamente aos “needle parks’, ou parques das agulhas, suicos, locais abertos ao puiblico, em que se- ringas eram distribuidas, com o fim de acompanhar os dependentes de drogas injetaveis e minorar os danos a sua satide. Essa iniciativa, paulatinamente, recuou, nao obstante a politica de distribuicdo de seringas ter permanecido, sendo importante destacar que um dos problemas advindos da implementagao de tais parques foi justamente o aumento dos crimes patrimoniais na regido, crimes prati- cados com o fim de sustentar a drogadicéo™. Apenas a distribuigao das proprias drogas, ou de seus substitutivos, com todas as questdes éticas inerentes, diminuiu a incidéncia de crimes naquele pais". E bem verdade que parece inadequado comparar a situagéo do Brasil com a da Suica. Porém, analises referentes a0 aumento, ou di- minuicdo, da criminalidade devem ser feitas, levando-se em consi- deracao a realidade do local avaliado, de forma que as gritantes dife- rencas nao infirmam as constata¢des concernentes aos reflexos que as politicas atinentes as drogas tém sobre a violéncia local. Francisco Mufioz Conde e Bella Aunién Acosta, ao apresenta- rem a politica criminal espanhola para as drogas, afirmam que a re- forma liberalizante de 1983 transformou a Espanha, na visao do go- verno, em um paraiso terreno do usuario de drogas, para onde todo o mundo passou a ir para fazer 0 que nao podia fazer em seus paises. Em razao desse entendimento, em 1988, houve um endurecimento na lei penal espanhola, com significativo aumento nas penas”, Nesse ponto, é preciso asseverar que as anilises referentes as drogas, estejam ou nao ligadas a violéncia, encerram muitos mitos. A titulo de exemplo, aduz-se que, diversamente da ideia que impera no imagindrio popular, as drogas, na Holanda, no sao liberadas"’. © AEBI; LILLIAS; RIBEAU, 1999, p. 714. "Tid, p. 727. = CONDE, Francisco Mufioz; ACOSTA, Bella Aunion. Drogas y derecho penal. Eguzkilore: Cuaderno del Instituto Vasco de Criminologia, n. 5, San Sebastién, p. 150-151, 1991. » A situagéo de Portugal no é muito diferente, pois muito se alardeia sobre a descriminalizagao, mas ela nao foi total e aqueles que portam entorpecentes para uso ar vol. 13 - jan/abr - 2011 Revista Criminal - Ensaios sobre a atividade policial Nesse pais, vigora 0 sistema de divisao entre drogas leves e drogas pesadas, ou duras, havendo uma certa condescendéncia com 0 uso das primeiras, e mesmo com a venda, em determinados pontos e em certas quantidades. No que tange as chamadas drogas pesadas, 0 tra- tamento dispensado é quase tao severo quanto 0 brasileiro’. Segundo Jules Wortel, esse tratamento diferenciado objetiva poupar os consumidores de drogas leves de se exporem aos perigos da clandestinidade, inclusive o crime'’. No documentario Quebran- do o tabu, de Fernando Grostein Andrade, registra-se que 0 cuidado de diferenciar as drogas leves das pesadas tem também o fim de evi- tar que os consumidores migrem daquelas para estas. E bastante intrigante perceber que a Holanda, apesar de ter al- gumas medidas bastante parecidas com as americanas, é apontada como exemplo pelos mesmos doutrinadores que recusam qualquer acerto nas iniciativas dos Estados Unidos. De fato, os Estados Unidos sao hostilizados por conta de suas fa- mosas Cortes de Drogas'*. Enquanto isso, a Holanda é sempre apon- tada como um bom paradigma, apesar de punir o trafico, mesmo no que concerne as drogas leves, sendo os chamados “coffee shops” apenas tolerados e nao regularizados, como bem evidenciado no do- cumentario acima referido. Pois bem, até aqui, tecemos ponderacées genéricas acerca do tratamento politico e juridico dispensado as drogas e das possiveis consequéncias de tal tratamento para a violéncia, cabendo apontar proprio sio encaminhados para tratamento, estando sujeitos a sangdes, nao privativas de liberdade, ‘“ WORTEL, Jules. Droga: a experiéncia holandesa. Revista do Ministério Publico, ano 18, n. 72, p. 126, dez. 1997. No que concerne as drogas pesadas, existe, em Amsterdi, um projeto que visa convencer toxicodependentes a se submeterem a tratamento, sob pena de prisio caso nao se submetam a ele. (In: WORTEL, Jules. Droga: a experiéncia holandesa. Revista do Ministério Publico, ano 18, n. 72, p. 125-131, dez. 1997). “© PASCHOAL, Janaina Conceicao. A justica terapéutica aqui e as cortes de drogas Id. Boletim do IBCCrim, n. 166, p. 13-14, set. 2006. Vol. 13 - jan/abr - 2011 =a Revista Criminal - Ensaios sobre a atividade policial que a maior parte dos trabalhos que aborda a relacao entre esses dois problemas sociais gira mesmo em torno da discussio relativa ao po- derio americano e A economia do trafico, bem como das benesses de eventual descriminalizagao, pois alguns chegam a propugnar a total legalizacao nao s6 do porte, mas também do tréfico”. Um viés menos estudado na relacao entre droga e violéncia diz respeito as consequéncias que 0 uso das drogas efetivamente traz para o individuo e em que medida tal uso poderia leva-lo a praticar um crime. E bem verdade que ha um sentimento popular de que a droga leva ao crime, mas existem poucos trabalhos, ao menos no Brasil, abordando essa relacao. De certa forma, essa falta pode ser atribuida ao temor de es- tigmatizar ainda mais 0 usuario de drogas, historicamente tratado como criminoso e, em abordagens mais radicais, como financiador do trafico e de todos os crimes que circundam essa atividade. Esse temor € procedente, mas nao pode justificar o nao enfren- tamento do problema. Primeiramente, é importante consignar que nem todo usuario de droga pratica crimes'*. ” E necessério esclarecer que descriminalizar implica retirar a questio das drogas do Ambito do direito penal. Em outras palavras, significa revogar os crimes de porte ara uso proprio ¢ também 0 de trafico, além de todas as outras figuras correlatas. No entanto, a descriminalizacao nao enseja tratar a droga como se fosse um produto igual a qualquer outro; a distribuigao, 0 uso, o porte haveria de ser regulamentado, controlado de alguma forma. Por outro lado, quando se fala em legalizacao, defende-se tratar a droga como qualquer outro produto, permitindo, inclusive, publicidade, como ocorre com 0 alcool, na atualidade. O termo despenalizar est relacionado ao abrandamento da pena prevista, ou imposta, mas nao a retirada de uma determinada matéria do contexto penal. £ 0 caso da alteragio prevista no art. 28 da Lei n° 11.343/2006 para o usuario de drogas. Ao abordar a politica de drogas holandesa, Roel Kerssemakers, psicdlogo e porta-voz do Instituto Jellinek de Amsterda, responsével, entre outras medidas, pelos programas ‘especiais para dependentes de drogas detidos em flagrante delito ou em cumprimento de pena, aduz que apenas 20% dos toxicomanos praticam reiteradamente ilicitos penais. (In: KERSSEMAKERS, Roel. A politica holandesa para a heroina, a cannabis e 0 ecstasy. Revista do Ministério Publico, ano 18, n. 72, p. 136, out.-dez. 1997), 00 vol. 13 - jan/abr - 2017 Revista Criminal - Ensaios sobre a atividade policial Apesar de ser dificil quantificar, poder-se-ia até admitir que ape- nas uma minoria dos usuarios de drogas comete crimes. Apesar dis- So, nao se pode negar que grande parte dos condenados pela pratica de crimes tem problemas sérios com drogas. Em outras palavras, as drogas nem sempre sao seguidas por cri- mes, mas os crimes, em grande medida, estao ligados as drogas. Negar essa realidade é negar a necesséria busca por solucées do problema. Segundo David Deitch e Igor Koutsenok, as drogas podem en- sejar a pratica de crimes nas seguintes circunstancias: 1) 0 mecanis- mo farmacoldgico estimulante das drogas enseja comportamento violento; 2) algumas drogas geram alucinagées, que fazem com que 0 usuarios reajam acreditando estar em uma situagao de perigo; 3) varios usuarios acabam cometendo crimes para obter dinheiro para comprar a droga e sair da abstinéncia; 4) a violéncia doméstica esta fortemente correlacionada com alcool e outras drogas; 5) traficantes, nao usuarios, matam em virtude das dividas de que sdo credores. No que toca aos crimes violentos, esses autores sao categéricos ao aduzir que a principal droga de risco é 0 alcool”, seja pelos efeitos sedativos, que geram erros de julgamento, seja pelos efeitos desinibi- torios, que levam a pratica de atos ilegais, como estupro de criangas”. Pesquisando-se, nos sitios especializados em drogas, a relagao entre drogas e violéncia, so achados estudos que tratam mais do Alcool do que de qualquer outra droga. A titulo de exemplo, cita-se 0 sitio do CEBRID (Centro Brasileiro de Informagées sobre drogas Psicotrépicas), ligado 4 UNIFESP, que foi responsvel por um inte- ressante estudo, mostrando que o crack leva os homens a praticar crimes contra o patriménio para poder adquirir a droga, enquanto as mulheres sio empurradas a prostituicao para o mesmo fim’, Interfaces between criminal behavior, alcohol and other drug abuse, and psychiatric disorders. In: Work Force Development Series. SA 101-104: Substance Abuse, Criminality and Treatment. University of California San Diego, November, Id., p. 145-146, 2005. Ibid, p. 152. * NAPPO, Solange Aparecida (Coord.). Comportamento de risco de mulheres usudrias de crack em relagao as DST/AIDS, CEBRID, 2004. Solange A. Nappo esteve no Instituto vol. 13 - jan/abr - 2017 aH Revista Criminal - Ensaios sobre a atividade policial Levantamentos do préprio CEBRID, nao relacionados a violén- cia, apontam que 90% (noventa por cento) das internagées dizem respeito ao alcool, destacando-se que 0 mesmo 6rgio atesta que a sensagao do problema das drogas é mais drastica do que a realidade”. O argumento de que o lcool é mais presente em cenas de cri- mes que qualquer outra droga, muita vez, é langado como funda- mento para criticar iniciativas repressivas, sugerindo-se uma total descriminalizagio. Independentemente do acerto, ou nao, de tais ponderagées, tem-se que a maior rela¢ao do alcool com o crime em nada infirma a necessidade de enfrentar a ligacao existente entre crime e a depen- déncia de drogas, sejam elas licitas ou ilicitas, Estudos recentes, do Centro de Tratamento de Dependéncia de San Diego, ligado a Universidade da California, mostram que politi- cas ptiblicas dirigidas ao tratamento da dependéncia quimica em cri- minosos ajudam na prevengao da violéncia, sobretudo no que tange a reincidéncia. O fim de nao estigmatizar o usuario nao pode justificar negar os beneficios de tratar os criminosos condenados que tém problemas com drogas, seja por questdes de satide publica, seja por forca da seguranga ptiblica. E importante destacar que, nessa oportunidade, nao estamos aqui a advogar as medidas adotadas por alguns juizes no Brasil nem a falar do encaminhamento a grupos de autoajuda como meio de evitar a pena privativa de liberdade, o que é salutar, mas nao é sufi- ciente*. Brasileiro de Ciéncias Criminais para apresentar tal pesquisa. A apresentagio foi filmada é pode ser encontrada na biblioteca do IBCCrim, em Sao Paulo (http://www. ibccrim.org.br), an GALDUROZ, José Carlos E; NOTO, Ana Regina; NAPPO, Solange A.; CARLINI, E. A. A epidemiologia do consumo de substincias psicotrépicas no Brasil: 0 que tem sido feito? In: REALE JUNIOR, Miguel (Coord.). Drogas: aspectos penais ecriminoldgicos. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 259-260. Em diversos Estados, em sede dos Juizados Especiais Criminais, no momento da transagao penal, 0 érgio acusador propée ao sujeito, que é flagrado portando droga, 102 vol. 13 - jan/abr - 2011 Revista Criminal - Ensaios sobre a atividade policial Na verdade, 0 que estamos defendendo ¢ a necessidade de en- frentar justamente 0 envolvimento dos condenados presos com as drogas, tratando-os, até como meio de prevencao a reincidéncia. A novidade desses recentes estudos reside no fato de que os tra- tamentos sugeridos estéo mais pautados no aprendizado de como viver sem usar drogas do que na administra¢ao de medicamentos. Na Califérnia, tem-se trabalhado bastante com as técnicas da psicologia cognitiva, ou comportamental, por meio da qual se da én- fase a um problema determinado e treina-se 0 individuo com o fim de que possa conviver com ele. Nessa técnica, nao importa determinar se aquele individuo pri- meiro entrou no mundo do crime para depois abracar as drogas ou se primeiramente entrou no mundo das drogas para ser levado ao crime. Toma-se como verdade que existe uma relacao entre esses dois mundos e que treinar esse individuo para abandonar a droga, automaticamente, o auxilia a nao voltar a praticar crime. Idealizadores do tratamento da dependéncia de drogas em pre- sos como medida de redugio da criminalidade, David Deitch e Igor Koutsenok ponderam que criminosos usuarios de drogas frequente- mente reincidem logo depois de serem libertados da prisao, nao sé por causa de fatores biolégicos resultantes da dependéncia, mas tam- bém por causa de comportamentos aprendidos, o que normalmente € desconsiderado”. ‘0 encaminhamento a alguma forma de tratamento, com o fim de evitar 0 processo e 60s registros inerentes a uma eventual condenagao, Um trabalho bastante destacivel realizado no forum de Santana, em Sao Paulo. % No Centro de Tratamento de Dependéncia de San Diego, ligado a Universidade da California, os profissionais de saiide, ligados ao tratamento da dependéncia de drogas nos presos, sio treinados juntamente com 0s profissionais ligados a justica, com o fim de uniformizar o vocabulério. % “Criminogenic drug users often recidivate right after their release from prison, not because of biologic changes as a result of their dependence, but primarily because of their learned behavioral patter. This is something that the DSM-IV fails to recognize by focusing predominantly on biological criteria for dependence” (Journal of Psychoactive Drugs. 32(4):391-397, 2000 Oct-Dec. In: Work Force Development Series. SA 101-104: Vol. 13 jan/abr - 2017 103 Revista Criminal - Ensaios sobre a atividade policial E bastante interessante a observacao de que muitas vezes 0 su- jeito se torna mais dependente do estilo de vida criminoso do que da propria droga’, Na verdade, a droga faz parte desse estilo, sendo por isso que grande parte dos estudiosos aponta que a delinquéncia precede a adicao as drogas pesadas”. Esses mesmos autores, apesar de reconhecerem que a delinqu- éncia é um grande fator de risco para 0 uso de drogas, entre outros fatores de risco para o ingresso no mundo do crime, listam a mani- pulagao, a impulsividade, a baixa tolerancia a frustragao, a necessida- de de perigo, a identificagdo com criminosos, 0 tédio com atividades convencionais e a dependéncia de adrenalina. O histérico de uso de drogas é apenas um dos fatores que podem levar ao crime. Ao defender a implementacao de tratamento dos problemas re- lacionados as drogas nos presidios, os autores enfrentam questées éticas como a referente 4 auséncia de tratamento suficiente para as pessoas que estao em liberdade, pois, uma vez que os recursos so escassos, poder-se-ia alegar que tratar os condenados implicaria pri- vilegiar quem praticou um crime em prejuizo de quem observa a lei. A um eventual questionamento de tal ordem, os autores consig- nam que tratar a dependéncia nessas pessoas implica um beneficio para toda a sociedade, pois tem repercussao direta na reincidéncia. Substance Abuse, Criminality and Treatment, University of California San Diego, ‘November, p. 142, 2005). “The research, as well as clinical experience, dictates that if treatment programs are to be successful, they must target not only drug dependence, but a number of other risk factors for criminality, including cognitive distortions, delinquency, and co- morbid conditions. Many people’ view towards treating these individuals restricts ‘drug treatment’ to simple drug rehabilitation. They fail to treat the criminal lifestyle involvement that has become as addicting for some as the drug itself. They fail to treat the person who has been assessed and diagnosed as having a drug use history and who was criminal before the drug use, in terms of factors of criminality [...]”. (Journal of Psychoactive Drugs. 32(4):391-397, 2000 Oct-Dec. In: Work Force Development Series. SA 101-104: Substance Abuse, Criminality and Treatment. University of California San Diego, November, p. 151, 2005). AEBI; LILLIAS; RIBEAU, 1999, p. 716. Tor vol. 13 - jan/abr - 2017 Revista Criminal - Ensaios sobre a atividade policial No sistema penitenciario, o cenario atual, nao s6 no Brasil, é de total abandono, sendo sugestivo lembrar as palavras de Roy Murillo Rodriguez, no sentido de que a prisao esta para o usuario de drogas como a confeitaria esta para o diabético”. Essa constatacao também leva alguns autores a consignarem que a repressao as drogas nao se justifica, sendo forcoso trabalhar com a ideia de uma total descriminalizacao, pois o pequeno traficante que para a prisao é enviado fica em constante contato com as drogas, pio- rando sua situagao. Ora, ainda que tais assertivas se mostrem coerentes, como dis- semos, a hipotese da total descriminalizacdo do trafico é bastante improvavel. Se ha pesquisas a mostrar que tratar a dependéncia das drogas dos presos reduz a reincidéncia, parece-nos razoavel pensar a esse respeito. O Estado tem o dever de zelar pela satide das pessoas que estao sob sua custédia. Afinal, o consumo de drogas é uma doenga, doenga que, por todas as razes expostas, tem consequéncias diretas na pra- tica de crimes, sobretudo na reincidéncia. Assim, todos ganham com tal tratamento. £ importante ponderar que a iniciativa de tratar a drogadigao em presos nao guarda qualquer relagdo com as ultrapassadas teorias que sustentam que o fim da pena nao é punir e, no limite, advogam penas indeterminadas, condicionadas a recuperacao do apenado, a exemplo de Dorado Monteiro e seu correcionalismo”. A pena privativa de liberdade nao é tratamento. Somos firmes na posicao de que a pena é punicao, é castigo, e deve, por isso, estar * RODRIGUEZ, Roy Murillo, La politica antidrogas y sus efectos en América Latina. Ciencias Penales: Revista de la Asociacién de Ciencias Penales de Costa Rica, afio 8, n. 11, p. 58, Julio de 1996. ® MONTEIRO, Pedro Dorado. Bases para un nuevo derecho penal. Buenos Aires: Depalma, 1973. 105 Revista Criminal - Ensaios sobre a atividade policial estritamente limitada pela lei e claramente fixada em sede de senten- ga. No entanto, se observarmos a lei e 0 titulo condenatério, enten- demos ser dever do Estado investir no tratamento da dependéncia de drogas, licitas e ilicitas, seja por questdes de satide publica, seja por questées de seguranga publica. Em nenhuma hipotese, esse tratamento acarretaré quaisquer consequéncias penais, ou o alargamento da pena aplicada, nem sera possivel dizer que enquanto o preso nao estiver livre das drogas nao poder deixar a prisdo. Na verdade, trata-se apenas de aproveitar a oportunidade de essas pessoas estarem sob a custédia do Estado e oferecer a elas um atendimento de satide que tem consequéncias também para a seguranga publica. A fim de ilustracao, pode-se citar a situaco de um pai que, sob 0 efeito do alcool, estupra a propria filha. Supondo que esse pai venha a ser condenado a uma pena de oito anos de reclusao, tem-se que, em tal periodo, o Estado poderd enfrentar 0 problema do alcoolista e, com isso, evitar que, ao sair da prisao, ele venha a praticar outros crimes da mesma natureza. Nao podemos ser escravos da ciéncia, mas, por ideologia, nao podemos simplesmente fechar os olhos para o que a ciéncia mostra. ‘A pena privativa de liberdade é sim um castigo, mas os presidios nao precisam ser um depdsito. Olhar para o preso e para o seu problema com as drogas pode ser um caminho para diminuir a reincidéncia e accriminalidade. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS AEBI, Marcelo F; LILLIAS, Martin; RIBEAU, Denis. La prescripcién de heroina en Suiza: efectos sobre la delincuencia de los toxicé- manos tratados, Revista de Derecho Penal y Criminologia, n. 4, p. 713-729, Julio 1999. CONDE, Francisco Muiioz; ACOSTA, Bella A. Drogas y derecho pe- nal. Eguzkilore: Cuaderno del Instituto Vasco de Criminolo- gia, n. 5, San Sebastian, p. 147-157, 1991. 706 vol. 13 - jan/abr - 2017 Revista Criminal - Ensaios sobre a atividade policial COSTA, Eduardo Maia. Direito penal da droga: breve historia de um fracasso. Revista do Ministério Publico, ano 19, n. 74,p. 103- 120, abril-junho 1998. GALDUROZ, José Carlos F; NOTO, Ana Regina; NAPPO, Solange As CARLINI, E. A. A epidemiologia do consumo de substan- cias psicotrépicas no Brasil: 0 que tem sido feito? In: REALE JU- NIOR, Miguel (Coord.). Drogas: aspectos penais e criminolégi- cos. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 257- 273. KAHN, Tulio. Cidades blindadas: ensaios de criminologia. Sao Paulo: Conjuntura, 2001. KERSSEMAKERS, Roel. A politica holandesa para a heroina, a can- nabis ¢ 0 ecstasy. Revista do Ministério Publico, ano 18, n. 72, p. 133-141, out.-dez. 1997. MINGARDI, Guaracy; GOULART, Sandra. As drogas ilicitas em Sao Paulo: 0 caso da cracolandia. Sao Paulo: Ilanud, 2001. MONTEIRO, Pedro Dorado. Bases para un nuevo derecho penal. Buenos Aires: Depalma, 1973. MOURA, José Souto. Droga livre: sociedade suis.I.D.A.? Revista do Ministério Publico, ano 11, n. 43, p. 61-79. NAPPO, Solange A. (Coord.). Comportamento de risco de mulheres usudrias de crack em relagao as DST/AIDS, CEBRID, 2004. PASCHOAL, Janaina Conceicao. A justi¢a terapéutica aqui e as cortes de drogas ld. Boletim do IBCCrim, n. 166, p. 13/14, set. 2006. PERICAS, Antonio Gimenez. Enfoque victimologico para una socio- logia del narcotrafico. Eguzkilore, n. 7, San Sebastién, Dic. 1993. p. 235-243, REALE JUNIOR, Miguel (Coord.). Drogas: aspectos penais e crimi- nologicos. Rio de Janeiro: Forense, 2005. RODRIGUEZ, Roy Murillo. La politica antidrogas y sus efectos en América Latina. Ciencias Penales: Revista de la Asociacién de Revista Criminal - Ensaios sobre a atividade policial Ciencias Penales de Costa Rica, afio 8, n. 11, p. 55-59, Julio de 1996, WORTEL, Jules. Droga: a experiéncia holandesa. Revista do Minis- tério Publico, ano 18, n. 72, p. 123-132, dez. 1997. 108 vol. 13 - jan/abr - 2011

Potrebbero piacerti anche