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Lula morreu! Nós o matamos!

No início, a suspeita. Um misterioso rapto. Ele estaria confinado em uma escura


cabine de iate, ancorado num porto baiano ou nos lençóis maranhenses. O barco, dizia-se, pertencia
ao marketeiro-mor. Uns, extravagantes, falavam em abdução. Isto mesmo: abdução, o seqüestro por
alienígenas e sua substituição por uma réplica, um clone. [Estes comentavam, em tom de blague, da
necessidade de acionar os Arquivos X]. Outros, ardorosos fãs de ficção científica, opuseram-se:
“Não, a gigantesca Matrix (o Império?) havia designado o agente Smith para apoderar-se de seu
corpo. Mas, infelizmente, não teríamos um Neo à disposição”. [Ou Lula já seria o próprio Neo? E
se Matrix (o sistema?) astuciosamente criou Lula apenas para alimentar falsas esperanças nos
humanos, possibilitando uma maior absorção de suas energias?]. Já outros, kafkianamente, falavam
em metamorfose: “Quando certa manhã Luís Inácio despertou, depois de uma noite mal dormida,
achou-se em sua cama transformado em um imenso lobo mau”... e decidiu ser predador!
Mas, em meio a tanta perplexidade e assombro, numa manhã ensolarada de maio, um
homem louco acendeu sua lanterna e correu ao Palácio do Planalto, gritando: “Procuro Lula!
Procuro Lula!”. Então, os incrédulos áulicos gargalharam e zombaram: “Lula está perdido como
uma criança? Está se escondendo? Ele tem medo de nós? Embarcou para a África? Foi ao ABC? Ou
a Balsas com seus bons ‘companheiros’?”.
O homem nietzschiano irrompeu entre eles, vaticinando: “Para onde foi Lula? Já lhes
direi! Nós o matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos!” – e prosseguiu, angustiado –
“Mas como fizemos isso? Como conseguimos amedrontar inteiramente a esperança? Quem nos deu
o mouse para deletar o ‘Sem medo de ser feliz’? Que fizemos nós, ao desatar a esquerda da utopia?
Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis? Não vagamos como que através de um
nada infinito? Não anoitece eternamente? Lula está morto! E nós o matamos! Como nos consolar, a
nós, assassinos entre os assassinos?”. Nesse momento silenciou, e seus ouvintes, espantados,
silentes também ficaram.
“Eu venho cedo demais”, disse então, “não é ainda meu tempo. Esse acontecimento
enorme está a caminho, anda veloz: não chegou aos ouvidos dos homens. Este ato ainda lhes é
distante – e, no entanto, eles o cometeram”. Dito isto, o homem louco desapareceu, talvez para
anunciar outras mortes, em outros (e todos os) lugares. E alguns, somente alguns poucos, bem
poucos mesmo, se perguntaram: “Como foi possível a destruição de nosso horizonte de
expectativas? Lula de fato morreu e ninguém nos avisou? Ninguém O avisou?”.
Logo, organizou-se um seminário acadêmico, numa prestigiosa instituição paulista,
para avaliar com os “intelectuais do partido” ou “conselheiros do rei” tão controversa questão.
[Cogitou-se mesmo em convidar europeus, de preferência franceses, afinal sempre se pensou com e
por meio deles. Ninguém cogitou de informar ao principal interessado sobre sua morte...]. Na
impossibilidade de relatar a diversidade e complexidade do debate – “Muito instigante!”, resumiu
uma historiadora –, este narrador toma a liberdade de escolher fragmentos aleatórios e ecos
fugidios, com base no método imagético-combinatório preconizado pelos recentes
desenvolvimentos da teoria dos quanta. Vejamo-los.
Na abertura do seminário, um epistemólogo levantou a dúvida: “Como pensar o
impensável, o inominável? Sinto que este debate está de antemão fadado ao insucesso, na ausência
de categorias de pensamento adequadas, pois nunca conseguimos ultrapassar nossa própria
epistème. Como pensar uma morte em vida, Severina?”. Depois de meia hora de protestos de
marxianos, weberianos, foucaltianos e outros, alguém falou: “Deixem de besteira, masturbação
mental sempre é benéfica, continuemos o debate”. Esta foi a única unanimidade da noite.
“É preciso atentar para as especificidades do processo de formação da classe
trabalhadora no Brasil, no interior da qual surgiu o PT e Lula”, – advertiu um thompsoniano –,
“este processo gestou identidades outras, que não a da revolução. Sendo assim, o partido que
condensou e expressou os anseios e reivindicações desta classe não poderia ir além de um
reformismo dentro da ordem (ou social-democrata, no antigo jargão), mas um reformismo legítimo
porque baseado em interesses concretos de grupos e setores que representa”. “Não podemos
substituir a análise pela simples condenação e lamentação do papel que supostamente o PT estaria
exercendo (ou teria que exercer) na presente conjuntura”, concluiu um brazilianista.
“A nau à deriva da esquerda só encontrou seu porto seguro, na experiência atual, no
oligárquico cais dos ‘donos do poder’, bem protegido por recifes, baías, sãopaulos e sanluíses. E
assim, pode-se dizer, invertendo o ditado dos tempos do Império: ‘a direita propõe as reformas
(anti-sociais), mas quem as aprofunda e aprova é a esquerda’, porque a única dotada, em meio ao
vendaval, de um mínimo de legitimidade social e eleitoral para tanto”, lembrou um analista político.
“Assim, para pensar o impensável, é preciso abandonar o paradigma que sempre identificou a
democratização no Brasil com a ascensão de partidos de base pluralista e a conseqüente erradicação
do ‘atraso’ político, incorporado nas oligarquias. E se olhássemos a política brasileira a partir do
Maranhão e da Bahia, e não do eixo Rio-São Paulo? Não veríamos uma continuidade constitutiva
do próprio pólo dominante, do qual a esquerda se aproximou e não o contrário? A vitória de Lula
não teria sido um ‘passo adiante’ na consolidação da frágil democracia (como quer o paradigma
evolucionista), mas, ao contrário, a reafirmação das oligarquias – cujo exemplo extremo, mas não
único, foi o apoio ao mandarinato de 37 anos no Maranhão?”. Para pensar a “morte de Lula”,
portanto, é preciso “uma leitura a contrapelo, com os olhos arregalados do anjo da história, na
evocação de Walter Benjamin”, assinalou um estudioso.
Um gramsciano ressaltou que o final do governo FHC foi marcado por uma “crise de
hegemonia” que abriu a possibilidade de superar a “via passiva” de desenvolvimento capitalista no
Brasil, marcada pela “via autoritária de uma fortíssima coerção estatal”. Em meio à crise, “O que
sobrou foi uma enorme indeterminação na política, que é o nome próprio do caleidoscópio. A
vitória de Lula é o produto direto dessa indeterminação... Na soma negativa disparatada do
resultado eleitoral, nenhum setor se sobrepõe nitidamente a outro qualquer; o único insólito é o
próprio PT... Veremos se esse equilíbrio precário consegue manter-se e se a iniciativa ético-
republicana é capaz de desbloqueá-lo. In dubio pro reo, pois Lula ainda respira (mesmo que com
aparelhos)” (Francisco de Oliveira, FSP, 18/05).
E, vejam vocês, até o narrador se imiscuiu no debate, defendendo a estranha tese de
uma “modernização conservadora pela esquerda”. “O processo de modernização no Brasil adquiriu
as características de um ‘compromisso’ entre os setores ‘modernos’ e ‘atrasados’ das elites, o qual,
em alguma medida, simultaneamente incorporou e controlou os setores dominados. Dessa
perspectiva, a política de ‘união capital-trabalho’, ‘desenvolvimentismo’ e ‘inclusão social’
preconizada pelo PT apenas requenta uma fórmula gasta de 50-70 anos, propondo o crescimento
econômico (se é que virá) como válvula de escape para não ter de enfrentar uma real disputa pela
redistribuição de poder na sociedade brasileira”. “A profunda crise do Estado, desde os anos 1980 e
o fim da ditadura”, – lembrou –, “levou a inúmeras tentativas de solução política e econômica,
passando pela direita (a aliança Tancredo-Sarney, em 1985), pelo neopopulismo midiático (Collor,
em 1989), pelo neoliberalismo tucano de centro (o reinado FHC) e agora o projeto capitaneado (?!)
pelo PT (a aliança Lula-Sarney), que indica uma modernização conservadora pela esquerda”.
“Saber se Lula está morto ou não seria secundário, por conseguinte” – arrematou o historiador.
Contrariado, um ideólogo da “Nova Esquerda” asseverou confiante: “Luís Inácio está
vivíssimo da Silva!”. “O debate que travamos não é entre ‘esquerda’ e ‘direita’. É sobre duas visões
de esquerda, uma em mudança e outra tradicional. Trata-se de dar sentido no presente a uma utopia
democrática de caráter reformista, que quer produzir conquistas civilizatórias que não tenham
possibilidade de retrocesso – o que ocorreu em todas revoluções ou ‘golpes’ esquerdistas até hoje
realizados” (Tarso Genro, FSP, 18/05). “Não!” – redargüiu a filha radical, recordando – “Não
exigimos que o governo encampe as teses da esquerda do partido. Só queremos coerência com o
dito até ontem. Lembremos do contrato histórico do PT com o povo brasileiro, das mudanças a
favor dos mais pobres, da recuperação dos serviços públicos, do combate à política tradicional do
toma-lá-dá-cá. Estamos atuando em defesa do PT, para que ele não sucumba à lógica comum a
todos os partidos que já governaram, que opõe os compromissos de campanha às ações de governo”
(Luciana Genro, FSP, 20/05). Ou seja, “Lula está doente, mas seu mal ainda tem cura!”, no que
concordaram os “inquietos propositivos” (?!) do partido.
Uma historiadora lembrou que é preciso levar em consideração o “processo de
desradicalização de partidos de base trabalhista”, bastante comum em outras experiências históricas,
a exemplo de Inglaterra e Espanha, ou seja, “na medida em que crescem as possibilidades de
ascensão ao poder pela via eleitoral, haveria uma forte tendência a abandonar posições mais
classistas e radicais em nome de projetos de ‘união nacional’, ou de linhas de menor tensão, caso do
Fome Zero, programa que é defendido por todos, mas não ameaça a ninguém, pois mantém
inalteradas as estruturas sociais”. Um cientista político complementou, enfatizando os aspectos
positivos dessa trajetória: “E cabe festejar o aprendizado que desemboca na moderação e no
realismo da última campanha eleitoral e do começo do governo atual, capazes de neutralizar as
ameaças mais imediatas e dramáticas que cercavam o acesso de Lula à Presidência” (Fábio
Wanderley, FSP, 25/05). Mas um participante não identificado vociferou: “Em outros termos,
portanto, me parece que esse é o processo que transforma ex-guerrilheiros em alegres e cínicos
novos membros das elites políticas brasileiras! Em seres ainda mais realistas que o rei (o FMI?).
Onde estão agora, Luís Inácio, os 300 picaretas com anel de doutor?”.
Seguiu-se uma confusão de vaias e aplausos, antecipando o diálogo de surdos com
que se encerrou (ou começou?) o seminário. Cake-terroristas (do “Confeiteiros sem fronteiras”)
surgiram velozmente com seus macios projéteis. Blá-blá-blás, bá-bá-bás, bu-bu-bus, cocoricós,
pocotós-pocotós, lacraias e outras onomatopéias foram ouvidos, enquanto inesperadamente
tambores africanos começaram a ritmar, pois alguns “marxistas espíritas” tinham esperança de que
reunião de tão bons fluidos possibilitaria que o espírito de Marx “baixasse”, ou, pelo menos, o de
Lula, cujo espectro ainda rondava por perto! Alguém viu mesmo – alucinação? – o “jovem Marx”
passeando nas redondezas! Um deleuziano, que permanecera calado todo o tempo, agora sim no
caos se sentiu em casa e sorriu com seu “corpo sem órgãos”: “Isto sim é que é rizoma!”.
Nesse intervalo, após ler o cartaz no saguão – “Lula está morto: uma aporia
filosófica?” –, um homem comum entrou chorando no terreiro de Babel intelectual e exclamou:
“Mas como? Hoje mesmo eu o vi na telinha da Globo, alegre e sorridente distribuindo novos tipos
de bolsas e cestas básicas! Ele falou que seu ministro ia ajudar!”. Foi gentilmente convidado a se
matricular num cursinho e estudar tropos de linguagem e meta-história. Retirou-se balbuciando:
“Lula não morreu? Me expliquem, por favor: o que é aporia?”.
O homem louco, inexplicavelmente teletransportado ao debate, ponderou: “Depois
que Buda morreu, sua sombra ainda foi mostrada numa caverna durante séculos – uma sombra
imensa e terrível. Lula está morto; mas, tal como são os homens, durante séculos ainda haverá
cavernas em que sua sombra será mostrada. – Quanto a nós – nós teremos que vencer também a sua
sombra! Mas hoje, apenas hoje, é preciso prantear sua memória, lembrar seus feitos heróicos e a
morte trágica, tal como choram as Heloísas, Joões, Babás e Lucianas – estes pobres oráculos e
carpideiras, a quem a visão do futuro não poupa nem alivia, antes amplifica, a dor e a impotência”.
Pois, lamentou-se o poeta popular, num réquiem a Luís Inácio: "Não chora, Helena! Segura o leme
da nação. Ainda vale a pena bater no peito e dizer não!".
E a estupefata “intelligentzia” tupiniquim ainda pôde ouvir os últimos sussurros de
uma perturbadora fala, para além da direita e da esquerda... “Lula morreu! Nós o matamos!
Deixaremos seu cadáver apodrecer no Planalto Central? Não! Chamem os coveiros e necrófagos –
Sarneys, Zédirceus, ACMs, Jáders, Genoínos e Inocêncios... – que eles já estão ansiosos!”.

Prof. Ms. Wagner Cabral da Costa (História/UFMA)


E-mail: w_cabral@hotmail.com

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