Juntei os dois seminários devido às particularidades ocorridas nos dois debates.
De fato, uma distinção precisa entre Clínica e Política é difícil de encontrar, embora sejam duas coisas totalmente diferentes, mas a forma como esse debate se entrelaça justifica a união dos dois temas em um só relatório. Se de um lado possuímos toda uma história de um movimento político que norteia as práticas públicas de saúde, em específico da Saúde Mental, as implicações clínicas que essas mudanças propiciam sugere um novo panorama que também encontra suas dificuldades e contradições. A descentralização dos serviços públicos promoveu uma abertura da rede de saúde, assim como a criação de diversos dispositivos. Esses dispositivos, em especial os CAPS, entendem que a internação não é a forma ideal de tratamento, mas sim que este passa pela reintegração social dos usuários desses serviços. No entanto, encontramos diversas dificuldades na clínica que é proposta. De um lado mais político, a Reforma Psiquiátrica se defronta com dificuldades inerentes ao serviço público brasileiro, ou seja, parcos recursos, baixa qualificação dos funcionários, demanda muito maior que a oferta de serviço e a precariedade do entorno desses usuários, tanto pelo lado sócio-econômico, quanto por questões próprias à clínica. No Brasil contemporâneo, os serviços de Saúde e Saúde Mental enfrentam uma miséria social que atrapalha o tratamento, ou melhor, faz parte dele, uma vez que, na maioria dos casos, as doenças são decorrentes desta precária situação social. Basta pensar na tuberculose. Assim, a adesão ao tratamento torna-se mais difícil, mas, pelas mesmas razões, mais necessária. Miséria social, famílias desestruturadas, evasão escolar, desemprego, risco social, violência, são todos fatores que explicam e justificam muitos casos de toxicomania, mas que não podem evidenciar a impossibilidade do tratamento em questão, ou resumir as marcas (estigma) que se inscrevem nesses sujeitos. Também não podem inserir uma ótica plenamente individual, ao pensarmos que o problema se encontra nesses sujeitos em específico, enquanto o fenômeno social da toxicomania atinge toda a sociedade. No entanto, aqueles que faltam ao quesito produtividade são mais facilmente identificáveis. E será que isso não funciona no sentido de um isolamento da questão, para que os casos mais graves carreguem todo o peso de algo muito maior? Constata-se, entre diversos serviços “especializados”, um alto nível de reincidência e um baixo número de experiências exitosas, mas podemos perguntar que demanda de cura é essa? Será a de extirpar um mal para que a pessoa volte para sua família (que família?), para sua casa (onde?), para seu trabalho (que trabalho?) ? Nesse contexto, o acesso, tolerância e pragmatismo da redução-de-danos pode ser mais interessante que a intransigente abstinência. Além disso, as diferentes toxicomanias, que variam de sujeito a sujeito, de sua relação com a droga e com o tipo de droga, fazem entender que há inúmeras toxicomanias: o alcoolismo, a cocaína, os meninos do crack que também, por sua vez, requerem diferentes especializações e diferentes serviços. Isso no tocante àqueles que buscam tratamento, apesar das dificuldades e recaídas. Mas e aqueles que sequer buscam auxílio? Ou que não tem onde buscar auxílio? Além de todos os desafios, a promoção de saúde deve atentar para esses casos também. Essas indagações não servem ao propósito de trazer à tona um ceticismo ou um apelo à sensibilidade social. Ao contrário, o propósito é compreender que a urgência da necessidade, tão comum aos toxicômacos, não pode se repetir na busca por soluções imediatas, como a criação de clínicas especializadas fechadas em um procedimento de isolamento-internação-contenção que não implique em uma reconsideração da situação atual da rede de saúde pública e suas conexões com todo o aparato estadual e a sociedade civil. Entendendo que a cidadania, assim como a intersetorialidade, é algo ainda a ser conquistado, a intervenção se faz no sentido de uma costura, trazendo para mais perto, onde possível, partes distantes ou “desconectadas” (família, emprego, escola, posto de saúde, juizado, amigos etc), apostando na palavra como acesso principal e irredutível. Palavra esta que se exerce na cidadania (além do voto) e nos diferentes setores, já mencionados acima.