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Protopia

Ensaios de Outros Topos

Apresentação

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Protopia
Ensaios de Outros Topos

"Será que vivemos nós os proletários, será que


vivemos?
Será que os fracos remédios que tomamos não seria
a doença que nos corrói?"
Guy Debord - A Sociedade do Espetáculo

“Convido a todos para uma aventura coletiva


de diversão generalizada e de livre
interdependente exuberância"
Bob Black

Blocos de guerreiros vestidos de negro enfrentam o


aparato repressivo do estado, rizomas de rádios livres e
comunitárias se contrapõem a mídia corporativa, levantes
camponeses e povos indígenas se insurgem contra
multinacionais, redes de okupas questionam a especulação
imobiliária. Ao contrário do que a mídia de massas nos
mostra, hoje o mundo explode em mudanças rápidas e
promissoras e cada um delas é somente mais uma peça no
mosaico deste tempo em movimento.
O futuro não é
mais de fato como
era antigamente, e
esta frase nos lembra
o quão negro o futuro
nos pareceria se não
fosse nossa própria
capacidade de
intervir ativamente
no mundo atual
implicando assim no
que está por vir. A Protopia é a nossa proposta de
intervenção neste estado de coisas, num mundo que
depende de nossas ações congregadas para que possa
existir. O fim da História é um fato cotidiano, aconteceu e
ainda acontece todas as vezes que ao invés de assumirmos
um papel ativo em seu rumo, cruzamos os braços e
deixamos a maré conservadorismo político institucional
jogar tudo o que somos no abismo de uma passividade de

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Protopia
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eleitor-consumidor.

Protopia é a virada da maré, uma estratégia de


reterritorialização que busca antes de tudo a tomada de um
papel ativo na construção de espaços libertários. Nada mais
excitante que ser o propagador do incômodo daqueles que
um dia se pensaram como senhores da história. A utopia
enquanto impossibilidade de superação desse sistema e de
todos os males sociais que nos cercam é uma mentira que
durante muito tempo foi repetida por muitas bocas e
ganhou ares de 'verdade'. O topo só é inalcançável quando
desistimos de alcançá-lo. Protopia é a topia possível; uma
proposta de escalada coletiva, simples, e ao mesmo tempo
subversivamente complexa, destinada para aqueles já não
se contentam mais em alardear que o rei está nu.

Para quem interessar possa, protopia em onze


passos:
1 - Desista de esperar pela revolução popular, pelo
messianismo comunista e por todos os milagres que
prometem as propostas reformistas dos sociais-democratas.
(isso nunca vai dar certo e as experiências históricas bem
mostram).
2 – Fuja de todas as formas de ação espetaculares, sempre
que elas forem pró-sistêmicas, ou se constituírem em
alguma forma de escapismo. Abandone igualmente todas as
ações que não levam a lugar algum como o tédio e a revolta
gratuita, a loucura isoladora, a depressão e a hipocôndria.
Saber-pelo-saber e arte-pela-arte só incorrem em
mesmice...
3 – Parta secretamente em busca do Y, da conjunção de
vontades, iniciativas e projeções, busque o encontro oculto
e se desloque para longe dos centros de poder e dos
mecanismos da sociedade de controle. Busque outras
pessoas de ímpeto livre, constitua formas de ação coletiva
até o surgimento de uma comunidade intencional.
4 – Não pague mais impostos, busque investir seus recursos

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e seu tempo na busca coletiva por autonomia energética,


habitacional e alimentícia. Estabeleça relações de troca de
bens e serviços com grupos camponeses, ecovilas
libertárias, organizações populares, aldeias indígenas e
comunidades quilombolas.
5 – Dê preferência por tecnologias limpas e renováveis,
técnicas em equilíbrio com o meio como a permacultura e o
earthship. Quando se é vizinho da sociedade do desperdício,
a macro-reciclagem pode ser algo muito interessante.
(pneus não são só pneus, mas um monte de coisas em
potencial.)
6 – Promova a comunicalidade ao isolamento, se desloque
sazonalmente, se inicialmente não for possível viver fora da
Máquina em tempo integral, divida seu tempo entre seu
velho cotidiano e a criação dessa nova forma de
sociabilidade.

7 – Aja pelo crescimento


deste rizoma de zonas
autônomas, estimule e
auxilie outros grupos no
surgimento de novas
comunidades. Escolha os
pontos cegos do sistema,
as zonas proibidas e
outros setores do mapa
onde o capital seja fraco e
o estado omisso. Mutualidade, união e troca não têm preço
em um mundo onde o sistema vence pela hostilidade, pela
competitividade e pela divisão, prepare-se para assistir ao
surgimento dos enclaves libertários.
8 – Constitua um imaginário local compartilhado, pontos de
encontro, grupos de estudos, espaços de vivência, e
principalmente, circuitos de festas e dias de celebração.
Cada pessoa livre do mundo-cão, e cada pedaço de solo
libertado, são por si só motivos a se festejar.

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Protopia
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9 – Prepare-se secretamente para a reação do estado e do


capital. Assim que a tática for descoberta, pode ter certeza
que manejarão seus aparatos de difamação e repressão
contra você. Esteja sempre articulado com a rede. Não
motive conflitos (antes do tempo), a cada operação de
opressão bem sucedida quem marca ponto são eles e não
nós.
10 – Lance sorrateiramente através da Web ataques ocultos
aos pilares do sistema, propagandas de libertação e
popularização do pensamento libertário; manuais de como
abandonar o caos capitalista e construir (ou fazer parte de)
comunidades autônomas fora do mapa. Em um destes
espaços autônomos, cercado de pessoas libertas a vida
certamente valerá a pena.
11 – Busque o empoderamento do coletivo no
desempoderamento do estado e do capital, mas não caia de
amores pelo poder.
Enquanto iniciativa o Protopia está em permanente
reconstituição. É aberto a todos que queiram efetivamente
participar, e todos que possam se identificar com a proposta
e que queiram tomar parte nela são bem vindos. Estamos
no início de tudo e qualquer um pode contribuir com as suas
próprias idéias ou ações, ou como bem entender.

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Perguntas Frequentes

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Protopia
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O que você gostaria de saber sobre o Protopia mas


nunca teve para quem perguntar!

1.Qual é o objetivo da
Protopia?

A palavra protopia foi


cunhada a partir da junção do
radical latino pro que significa em
"favor de" com o radical grego τόπος, "lugar". Seu sentido é,
ao mesmo tempo, 'lugar favorável' e 'em favor de um lugar'.
Em contraposição a idéia de utopia ("não lugar" ou "lugar
impossível"), protopia trata da projeção de espaços onde
possam se reunir aqueles que almejam a possibilidade de
viver uma vida libertária construindo um futuro em comum.
Se organizando em redes que vão buscando entre as
pessoas de fora outros que queiram se libertar para
constituir mais desses espaços.
Dentro destes 'lugares favoráveis' que chamaremos
de 'zonas libertárias' as pessoas vivem e garantem sua
sustentabilidade. São organizadas cooperativas através das
quais são produzidos bens e serviços a serem utilizados ou
trocados com outras zonas libertárias. Também acontecem
mutirões de trabalho coletivo para tarefas de construção e
manutenção. Entre diferentes zonas vão se formando
relações de apoio mútuo e redes econômicas, circuitos de
festas e de viagem. E o mais importante: vidas plenas e
prazerosas, festas, uma grande aventura de
interdependência.
Os objetivos de Protopia são:
1. consolidar uma rede de zonas libertárias.
2. servir de inspiração prática para as pessoas que não
estão nesta rede através da propaganda pela ação.
3. servir de refúgio para os que compreenderem e se
engajarem em sua proposta.
4. consolidar uma rede zonas libertárias de defesa
mútua.

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5. derrubar pouco a pouco a influência e a necessidade


do capitalismo e do estado agindo com ações
práticas mas principalmente agindo no imaginário de
quem quer que seja.

2. Como fazer para torná-la realidade?


Na verdade isso já começou a se tornar realidade. Já
existem grupos engajados em adquirir espaços rurais em
alguns lugares para transformá-los em zonas libertárias.
Alguns dos gestores dessa página fazem parte de um deles.
Mas uma coisa é a gestão da página, outra é a criação de
uma zona libertária. Para tornar realidade você só precisa
fazer parte de um desses coletivos.

3. Posso fazer parte do coletivo?


Se você quiser sim. Estamos sempre abertos a novas
componentes e novas idéias! Mas também lhe sugerimos
que busque no seu próprio meio criar um grupo.
Anarquistas, libertários, autonomistas e filósofos
inconformados; Punks, Rash´s, guerrilheiros e andarilhos
sem rumo; Ecologistas, ativistas, zapatistas e agricultores
rebeldes; Xamãs, rastafáris, discordianistas e ocultistas
oprimidos; Quilombolas, indígenas, aborígenes e povos da
terra; sejam bem-vindos, pois só com muitos grupos
podemos criar uma rede. Porém é muito importante que
você e quem mais esteja interessado em participar do seu
'projeto' possua conhecimentos práticos em coisas como
marcenaria, construção, agricultura, elétrica e outras áreas
que o capitalismo lançou na marginalidade. Conhecimentos
como estes são úteis em muitas situações e permitirão que
seu grupo consiga ampliar seu grau de autonomia mais
rapidamente.

4. Como posso ajudar?


Você pode contribuir propagando idéias através
dessa página, por meio de textos e filmes, alterando-os ou
mesmo criando novos. Ainda, se souber inglês ou espanhol,

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pode traduzi-los ou auxiliar nas traduções já iniciada. Pode


também colocar novas imagens nas páginas e propor novos
conteúdos. E principalmente pode dialogar conosco, manter
contato, trocar idéias e divulgá-las. Se você quiser fazer
parte do nosso coletivo de ação a coisa fica um pouco mais
difícil. Você precisa mandar um e-mail com seu contato para
o endereço protopia@onenetbeyond.org se apresentando,
bem como quais são suas espectativas com relação ao
projeto dizendo-nos também onde você mora para que
possamos lhes indicar alguns contatos para um encontro
cara a cara.

5.Percebi que estão fazendo livros, como poderei


comprá-los?
Se você faz questão de comprá-los eles estarão
disponíveis tanto pela editora Deriva quanto pela editora
Desvio.

6. Tenho textos libertários ótimos aqui. Vocês se


interessam?
Claro! poste eles em páginas novas no wiki para que
possamos ler, difundir e, quem sabe, até publicar.

7. Tenho textos libertários ótimos numa língua


estrangeira. Vocês se interessam?
Claro, nossa idéia é traduzir tudo de bom quanto
possível.

8. Vocês realmente pretendem criar uma zona


autônoma?
Pretendemos criar uma zona autônoma nos próximos
anos. Já existe um grupo de mais de 20 pessoas engajado
nesse projeto que é só uma questão de tempo para se
concretizar. Além de criar diretamente uma nossa intenção é
apoiar das maneiras que nos forem possíveis o surgimento

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de outras zonas autonomas libertárias onde quer que elas


estejam.

9. Essa zona autônoma fica no Brasil?


Sim. Num local esquecido. O espaço não é
importante, a ação o é!

10. Onde ela fica?


Essa é a pergunta crucial que merece outra pergunta
como resposta. Seria mesmo prudente escrevermos isso
aqui?
Esta zona autônoma entrará no mapa no dia em que
a última barricada for recolhida, e a última ruína em chamas
apagar na tempestade mais restauradora de todos os
tempos...
Existem outras igual a ela, e outras tantas com
finalidades parecidas, encontre uma ou a construa. Se
quiser saber de verdade onde ela fica terá que sair da frente
do computador e encontrá-la por si mesmo, ou seguir os
passos descritos na resposta da questão 4.

11. Posso participar dessa zona autônoma?


Sim, desde que a encontre e tenha uma
compreensão aprofundada da proposta, concordando com
alguns preceitos coletivos básicos.

12. Mas todas essas zonas libertárias são iguais?


Não mesmo. Cada zona é resultado das inclinações e
referências de seus habitantes e articuladores. Existem
projetos hoje que estão assumindo uma proposta mais
primitivistas, enquanto outros se alinham com a proposta
zapatista dos caracóis. Existe outro que pretende ser
também um espaço de divulgação de tecnologia alternativa.
E com o tempo certamente outros surgirão. Então

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provavelmente as pessoas interessadas vão se alinhar mais


com um espaço do que com outros a partir da sua forma de
ser e das suas aptidões.

13. Quanto a crenças, posso ter qualquer uma nesta


zona?
Claro que sim. Mas você deverá lembrar que
ninguém é obrigado a sustentar as mesmas crenças que
você. Você pode ser judeu, islâmico, cristão, espírita, hare
krishna, budista, vegetariano ou acreditar que o monstro da
macarronada é que nos rege. O importante é que aceitar
que os outros podem ter (ou não ter) quaisquer crenças.

14. Há restrições quanto a


orientação sexual?
De forma alguma! Desde que
você não seja pedófilo ou ache estupro
uma forma natural de praticar sexo,
você pode fazer o que bem quiser com o seu corpo.

15. Posso andar pelado por lá?


Sim pode. Pelado pelado, nu com a mão no bolso.
Mas se isso é o mais importante para você, sugerimos que
procure um clube de nudismo. Estamos mesmo é por uma
vida autônoma e livre da hierarquia e da exploração.

16. Vocês irão consumir produtos animais?


Da mesma forma que respeitamos vegetarianos e
vegans, respeitamos também carnívoros e onívoros.
Respeitamos até canibais, desde que eles mantenham seus
ímpetos homicidas e se alimentem de Hufu. Brincadeiras a
parte, sabemos que a civilização atual perdeu a conexão
sagrada com o alimento e a criação de animais é cruel e
beira a insanidade, portanto apoiamos a luta pelos direitos
animais e propomos uma revisão de valores seguindo uma

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lógica equilibrada, para alcançarmos nossa autonomia.

17. Mas e se eu faço parte de uma gangue de


motoqueiros acéfalos violentos (1)? Mas se
sou um militante orgânico do PC do B (2)?
Gangues e partidos são algo que está fora do nosso
projeto por entendermos que são divisões desnecessárias
geralmente irracionais que fomentam comportamentos
agressivos/dominações, ódio e competitividade entre
pessoas que de outra forma poderiam conviver muito bem
juntas. E não estamos dispostos a sofrer qualquer tipo de
violência eleitoreira ou ganguista e ficarmos de braços
cruzados. No entanto, se você parar de sujar nosso espaço
com seus panfletos (2) /se parar girar a sua corrente
ameaçadoramente no ar (1), se deixar sua jaquetinha junto
da moto (1)/ se deixar sua camisa e sua bandeira vermelhas
com uma foice e um martelo em casa (2), talvez seja
possível que aceitemos você em nosso meio. Mas não tente
testar nossa paciência...

18. O projeto protopia se restringe a criação de uma


zona autônoma? Como um clubinho
anarquista escondido do mundo e voltado pra
si mesmo?
Não. O protopia é um projeto que pretende criar,
traduzir e difundir conhecimento libertário para a criação de
ZonaS AutonomaS (no plural, ahn?), e ao mesmo tempo
fomentar através de ações o surgimento de ZonaS
AutônomaS. Estas não são um fim em si mesmo, mas fazem
parte de um projeto de libertação mais amplo de embate
contra o sistema capitalista e a sociedade de classes e o
"modo de ser" que deles decorre.

19. Mas como isso pode ajudar as pessoas que não


estão vivendo na Zona Autônoma?
É simples, vamos fazer algo que se faz a milênios,
nos baseamos nos exemplos de uns e nos tornamos

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exemplo para outros. Estamos empenhados em uma forma


de propaganda pela ação. Se nos tornarmos exemplos de
uma forma de vida mais digna e menos difícil fora da
Máquina de moer vidas, todos os que estão sofrendo as
agruras do capitalismo irão de bom grado virar as costas
para o sistema assim que perceberem essa forma como
viável. Se uma parte da população começar a vislumbrar
como possibilidade para suas vidas trocarem a vida do
campo ou da cidade pela vida nas Zonas Autônomas
estaremos no caminho certo. Obviamente essa mudança
nas relações exige uma mudança de perspectiva e de auto-
entendimento. Mas se essas lugares começarem a surgir em
profusão e conseguirem se relacionar e ao mesmo tempo
garantirem sua autonomia, circulação de coisas e pessoas,
calendários de festas e redes de solidariedade e
mutualidade, capitalistas e estadistas vão ter um
problemão.

20. Como vocês pretendem se sustentar nesta zona


autônoma?
Existe uma infinidade de possibilidades nesse
sentido. Podemos criar cursos de difusão de certos
conhecimentos para os pequeno burgueses que puderem
pagar por eles, e oferecê-los de graça para grupos e
comunidades sem recursos. O trabalho no interior da área
está sendo pensado nos termos de cooperativas que
agreguem as pessoas por interesse, assim cada um faz
aquilo que achar mais interessante. Podemos plantar
alimentos (inclusive cogumelos, os comestíveis, certo?) e
outras coisas, fabricar cerveja e livros, zines e camisetas,
inclusive alguns de nós já possuem experiência em cada
uma dessas iniciativas. Podemos trocar com grupos de
camponeses, sem terra e indígenas. Alguns de nós podem
ainda manter uma vida transumante entre a cidade e a
"área" com um emprego de (por exemplo) médico ou
professor, uma fonte de recursos indispensável para atingir
graus de autonomia primários de infraestrutura.

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21. Haverá restrições tecnológicas nesta zona?


Ao contrário dos mais primitivistas não demonizamos
a tecnologia por si só por compreendermos que tecnologia é
tudo aquilo que os humanos criam intencionalmente através
da reflexão e do desenvolvimento de técnicas. Muita coisa
interessante pode ser construída com materiais recicláveis,
lixo da sociedade do consumo, tudo aquilo que é jogado fora
e que se torna um problema ambiental. Se temos uma
tecnologia em mãos é importante saber o tempo todo que
ela é que deve trabalhar para nós e nos poupar dos esforços
de trabalhar para ela. No entanto, nenhuma tecnologia é
imprescindível e aquelas que queremos adotar seguem
alguns princípios básicos: não devem resultar, nem serem
elas próprias resultados de relações de dominação de
qualquer tipo, nem podem ser nocivas ao meio e devem
preferencialmente fomentar a convivialidade e o bem estar
coletivo. Claro que vemos a adoção de tais tecnologias de
forma processual, a nível de exemplo ninguém vai entrar em
crise por que alguém ter ligado um motor a diesel para fazer
funcionar uma bomba de água até termos a possibilidade de
construir nós mesmos bombas de água a energia eólica.
Autonomia é a nossa principal meta.

22. Mas afinal de contas o que é autonomia?


Autonomia merece uma definição a altura. Implica na
possibilidade se estabelecer graus elevados de
independência no seu sentido intelectual, gestionário (no
caso viver em uma estrutura libertária autogestionária) e
substancial (alimentar, energética e habitacional), de um
grupo humano com relação a outros grupos humanos
(cidades, países e empresas). No entanto, não se deve
confundir autonomia com isolamento. Autonomia é a
possibilidade de se relacionar com outrem pelos preceitos
da não-dependência e da não-dominação, assegurando o
fomento de relações de simetria com àqueles com os quais
nos relacionamos. Para nós autonomia e anarquia andam
juntas.

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23. Então vocês são anarquistas?!?


Estou ficando com medo!
Calma, anarquistas geralmente são
pessoas adoráveis que simplesmente não
querem dominar nem ser dominadas, e que
acreditam que o autoritarismo e suas
decorrências são maléficos para as relações
humanas. É verdade que alguns anarquistas
têm uma aparência diferente com dreads e
moicanos, e também é fato que alguns deles ficaram meio
ressentidos com o passar do tempo com os poderes do
mundo, mas se você não é um explorador nem faz parte do
aparato repressivo não há o que temer. A maioria dos
anarquistas só deseja viver sem ter que agüentar coisas
desagradáveis como impostos e imposições, políticos
parasitas e capitalistas exploradores. Talvez meio que
inconscientemente você já seja um pouco anarquista
sempre que se dá conta o quanto essas coisas são injustas e
como o mundo seria melhor sem elas.

24. Não tenho certeza se essa proposta dará certo.


Por que vocês se dispõem a correr o risco?
Não é uma questão de escolha. Toda geração tem
sua chance de fazer alguma coisa. Alguns de nós
simplesmente preferem se arrepender daquilo que fizeram a
viver o resto de suas vidas na dúvida do "e se eu tivesse
feito...". Também não é uma questão de escolha não existe
outra alternativa mais interessante de se fazer política na
prática e buscar uma transformação maior que não passe
pela transformação de nossas vidas cotidianas. Risco para
nós seria permanecer num sistema degradante e excludente
cada vez mais desumano sem buscar por alternativas
viáveis. E afinal de contas este é um projeto que nos traz
empolgação, vontade de viver e animação, nele podemos
vislumbrar possibilidades que não são alcançáveis para a
maioria das pessoas em seus projetos individuais de uma
vida segura que, na melhor das hipóteses acaba com uma
terceira idade da aposentadoria compulsória, na qual filhos

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e netos na sua presença, lhes tratam como se já não


estivessem mais lá. A verdade é que não há tempo a
perder! E estamos atrás no placar!

Seja a revolução!

Manifesto descalculista

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• incitar a todos a evitarem a colonização calculista


sobre suas vidas.
• convidar as pessoas a abandonarem a taboada o
calculo e a mensuração das genialidades!
• a inteligencia eh uma rede distribuída ou ela não é
nada!
• joguem fora suas calculadoras de bolso e regras de
três
• corpos repetentes das séries do ensino fundamental,
uni-vos!
• a matemática só trouxe desgraça para nossas vidas
• seremos anti-pitagóricos até alcançarmos o triunfo
da forma sobre o número!
• sempre fomos descalculistas sem o saber quantos
será que não estão nesta condição?
• sendo reprovados, corpos rejeitados
• o descalculismo como estilo de vida, como condicao
ontológica, eu acrescentaria

HOUAISS
Calculista

n adjetivo e substantivo de dois gêneros


1 diz-se de ou aquele que faz cálculos; calculador
2 diz-se de ou indivíduo que, de maneira fria, é interesseiro,
cobiçoso, egoísta; calculador

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Manual de Ação Direta

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No mundo todo as ações anti-capitalistas


surpreendem pela criatividade, participação, diversidade e
organização. Os treinamentos realizados antes das ações
foram, em boa parte, responsáveis por tais inovações. Aqui
um coletivo treinado por ativistas que ajudaram na
organização dos protestos de Seattle, Washington e Praga
passa um pouco do que aprendeu e de sua própria
experiência. O manual consiste em 3 partes básicas:
1. desobediência civil
2. Primeiros socorros
3. leis, direitos e segurança

DESOBEDIÊNCIA CIVIL
DESOBEDECER para demonstrar uma posição de não
aceitação a uma regra, lei ou decisão imposta que não faça
sentido e para não se curvar a quem a impõe. É este o
princípio da DESOBEDIÊNCIA CIVIL, violenta ou não.
A NÃO VIOLENTA tende a demonstrar mais a
violência inerente a tal imposição uma vez que obriga os
agentes defensores dessas regras usarem a força contra o
praticante da desobediência que está apenas agindo da
maneira que acha correto, se negando a seguir as decisões
tomadas por outras pessoa sobre sua vida sem agredir ou
revidar quem está tentando o impedir.
A VIOLENTA é uma ação onde a desobediência não é
passiva, ou seja, se ocorrer atos violentos por parte da
polícia, por exemplo, ocorrerá uma reação dos
manifestantes da mesma altura. Mas o que é violento é
muito pessoal: se para alguém atirar pedras em um prédio é
um ato violento, para outros pode não ser. Por isso é
necessário que todos tenham clareza sobre o caráter da
manifestação e que sejam discutidas as noções de violência
previamente. Lembre-se que o que eles fazem conosco
todos os dias é uma violência, a desobediência violenta é
uma reação a isso e, portanto, não é gratuita, como eles
tentam fazer parecer.
A opção por um tipo de ação deve ser feita ANTES

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DA AÇÃO, e RESPEITADA DURANTE ELA. Se, por consenso,


for decidido por uma ação não-violenta, ninguém deve
tomar uma atitude violenta, pois pode pôr em risco seus
companheiros e sobretudo estará os desrespeitando. Se a
decisão foi por uma ação violenta, quem está participando
deve estar ciente disso e dos riscos que podem ser
acarretados.
Neste manual iremos tratar da desobediência civil
não violenta.
POSTURAS BÁSICAS PARA QUALQUER ATO

MANTER A CALMA: tranqüilos mantemos a nossa


capacidade de concentração mais alta e podemos ter
reações mais conscientes. Não há motivos para nenhuma
espécie de pânico, a polícia quer que você sinta medo: não
faça o jogo deles!
OBSERVAÇÃO é muito importante que se mantenha
atento a tudo que está à sua volta. Dessa forma você
poderá ter uma idéia mais clara do que está acontecendo.
CóDIGOS DE VOZ: Procure saber quais são os códigos
que estão sendo usados. Esses comandos de voz são
espécies de sons ou palavras que são previamente
combinadas e que quando emitidas têm um significado
comum para os manifestantes.
MANTER 0 CORPO RELAXADO, mesmo na situação
mais tensa, facilitando sua concentração. Sua reação a
qualquer imprevisto ou ataque/choque físico e,
principalmente, que se machuque menos com possíveis
pancadas.
BLOQUEIO

Uma tática difundida de desobediência civil é o


BLOQUEIO de uma área pelos manifestantes.
Durante a manifestação, quando a polícia intencionar
dispersar as pessoas, os manifestantes se aproximam e se

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Protopia
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postam à frente da polícia, fechando uma rua ou passagem


e se posicionando da melhor forma possível para cumprir o
objetivo da manifestação.
A idéia é que a polícia, usando de uma pressão
psicológica, não disperse os manifestantes com a sua
simples aparição.
Existem muitas formas de bloqueios (fazer
barricadas, usar aparelhos ou correntes para se prender em
passagens e queimar pneus são alguns exemplos), que
podem ser aprimoradas e serem criados de acordo com as
práticas e necessidades. Aqui trataremos apenas de um tipo
muito difundido, o BLOQUEIO SENTADO:
Todos devem SENTAR BEM COLADOS uns nos outros,
não deixando espaço para os policiais andarem entre os
manifestantes. Não se deve cruzar as pernas pois isto
dificulta um recuo rápido. Cruzar os braços com os
manifestantes sentados ao lado dá mais firmeza e
segurança ao bloqueio.
Não se intimide com a proximidade da polícia:
lembre-se que está ali por um objetivo. Você luta por uma
causa, e essa luta não é em vão. Todos estão sendo
protegidos pelos observadores legais. 0 que você está
fazendo não fere ninguém e não passa de seu direito.
As pessoas que estão na frente do bloqueio são
muito vulneráveis. Por isso devem estar preparadas já que
os policiais têm a tendência de escolher e marcar uma
vítima para bater ou prender, e quem está nas margens tem
muito mais chance de ser o escolhido.
Uma forma de evitar que as pessoas se machuquem
muito é o RODíZIO DE POSIÇõES, dividindo as pancadas
entre todos os manifestantes:
1 - Quem estiver mais atrás deve ficar atento ao que
acontece na frente do bloqueio e estar pronto para ajudar
pessoas que tenham sido escolhidas como vítima pelos
policiais.
2 - Os RESGATANTES devem ter CUIDADO E CALMA para

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Protopia
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puxar a pessoa atacada para trás.


3 - 0 RESGATADO deve confiar em seus companheiros, se
manter RELAXADO e ter cuidado para NÃO ESTICAR AS
PERNAS, porque elas podem virar alvo fácil para a polícia.
4 - Quem estiver dos lados e atrás do resgatado deve se
posicionar de forma a ocupar o lugar dele.
Esse resgate deve ser feito pelas pessoas que estão
próximas ao resgatado. Quem está mais atrás deve apenas
gritar para registrar alguma violência ou outros códigos de
voz, essas pessoas NUNCA DEVEM SE LEVANTAR, pois tiram
a visão de quem estiver registrando os abusos da polícia e
podem dispersar outros manifestantes.
Os participantes do bloqueio não devem negociar
com os policiais. Deve existir alguém de fora do bloqueio
responsável por negociar com o comandante da tropa.
USANDO ESCUDOS

Várias ações podem ser feitas com escudos. 0


bloqueio sentado é uma delas: é muito mais seguro para as
pessoas que estão nas margens, embora ainda seja
necessário o rodízio. A diferença está no fato de que as
pessoas da primeira fileira usam UM ESCUDO NA POSIÇÃO
VERTICAL e as pessoas que estão imediatamente atrás
deles colocam por cima das cabeças dos primeiros, para que
seja UM ESCUDO DE POSIÇÃO HORIZONTAL.
Escudos também podem ser usados para tomar
posições frente à polícia: pessoas enfileiradas usando
escudos de câmara de caminhão, frente à frente com a
polícia, são empurrados sucessivamente pelos seus
companheiros (enfileirados logo atrás) contra a polícia,
forçando o recuo da tropa.

APANHANDO DA POLÍCIA

Caso seja inevitável apanhar da polícia existem

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alguns procedimentos que podem diminuir as


conseqüências. Veja a figura, essa é a melhor posição para
se proteger os órgãos internos, as mãos e o pescoço,
deixando as pernas e braços mais expostos.
LIDANDO COM ANIMAIS

Durante uma ação é possível que surja uma situação


onde haja confrontos envolvendo animais. Se você defende
a proteção ou libertação animal, vai precisar fazer uma
escolha: agora é ele ou você.

CAVALOS:
A assustadora, porém eficiente, técnica de impedir a
passagem da cavalaria funciona com os manifestantes
deitando lado-a-lado (sem espaço entre eles) inclinando
levemente o tronco para formar uma superfície ondulada,
pela qual os cavalos não passam. Só se pode usar essa
técnica quando os cavalos não estiverem com muita
velocidade. E lembre-se inocentes bolinhas de gude são
ótimas contra a cavalaria.

CACHORROS:
Essa é uma situação difícil. Lembre-se de NÃO
OLHAR 0 CACHORRO NOS OLHOS. Procure acalmar o
policial, converse com ele e não se mostre nervoso.

POLICIAIS:
Funcionam apenas seguindo ordens de seus
comandantes, portanto não adianta negociar com eles. A
negociação vai ser feita por alguém encarregado de falar
com seus superiores. Olhe sempre nos olhos deles, não
ofenda e sempre peça calma. Mostre que você está
confiante: a principal arma deles é o medo.
Eles usualmente marcam algumas pessoas para
perseguirem, por isso lembre-se de ter peças de roupa

23
Protopia
Ensaios de Outros Topos

diferentes da que você está usando na mochila (por


exemplo usar uma camiseta amarela e ter uma vermelha na
mochila), assim você pode despistá-los.

PRIMEIROS SOCORROS

Essa parte do curso tem o objetivo de fazer com que


os manifestantes tenham condições de se tratar ou tratar
outros ativistas durante uma ação direta. Para isso, é
preciso que todo mundo tenha alguns conhecimentos
básicos de primeiros socorros, direcionados para uma ação
direta do tipo da que estamos passando neste treinamento.
Se você está mentalmente preparado e tem
suprimentos necessários e conhecimento, provavelmente
saberá se cuidar durante uma ação direta. Medo e
desordem são as maiores armas do Estado. Confiança,
determinação, preparação da sua força são suas melhores
armas.
Os métodos utilizados pela polícia não causam
grande dor ou injúria, e sim desespero e medo. O spray de
pimenta e o gás lacrimogêneo são usados para gerar
incerteza nos manifestantes. Lembre-se de que aquela
situação também é desesperadora para os policiais, que
geralmente estão em número bem menor do que o de
manifestantes.

NTRODUÇÃO
Esperamos que com esta cartilha você tenha
condições de se tratar ou tratar outros ativistas durante
uma ação direta. Queremos ajudá-lo a se manter na ação o
mais saudável e forte possível. Para isso, você precisa ter
um conhecimento básico sobre primeiros socorros e
conhecer os acessórios utilizados; saber sobre a roupa que
deverá usar; aprender como manter a calma; etc. Nesta
cartilha, procuramos colocar situações que podem ocorrer

24
Protopia
Ensaios de Outros Topos

durante uma ação direta e como proceder perante elas.


É válido lembrar que a melhor ajuda é aquela vinda
de um profissional. Por isso, é sempre bom recorrer a um
hospital ou à equipe de ajuda médica (caso exista alguma)
durante a ação. O mais importante ao prestar primeiros
socorros é saber o que não deve ser feito. Caso você fique
em dúvida sobre qualquer procedimento, mantenha a calma
e procure ajuda.

VOCÊ PRECISA SABER


- PRECAUÇÃO: esteja preparado para as necessidades
essenciais, cuidados e suprimentos. Saiba o que esperar.
Saiba como conseguir assistência. Planeje como reencontrar
os seus amigos caso se separem.
- ATITUDE: você é poderoso. Você pode facilmente resistir à
maioria das coisas que a policia joga em você. VOCÊ É UM
ATIVISTA POR JUSTIÇA. A DOR É APENAS TEMPORÁRIA E NÓS
SOMOS EXTREMAMENTE FORTES.
- A PRIMEIRA ARMA DA POLICIA É 0 MEDO: uma vez que
você controla isto, o spray de pimenta e as outras táticas
são facilmente manejáveis.
- BOM SENSO: mantenha a sua perspicácia, avalie o que
está sendo destruído e o que precisa ser feito.
- FIQUE CALMO E CONCENTRADO: quando as coisas ficarem
mais intensas, reaja ao perigo ou aos sinais de perigo antes,
não depois. Fique atento aos sinais de problemas físicos e
mentais em você mesmo e nos outros. Acalme os que
estiverem demonstrando comportamento de pânico.
- FIQUE ATENTO A RUMORES: eles normalmente são falsos e
alimentam o medo. Lide com a verdade que você esta
vendo.
- DOCUMENTE: a atuação da polícia, as brutalidade e as
injustiças.
- RAIVA: muita raiva é bastante comum ao contato com
spray de pimenta, mas pode ser valiosa se você estiver

25
Protopia
Ensaios de Outros Topos

preparado para focalizá-la. Talvez você possa utilizar a sua


raiva para motivar a sua recuperação e voltar para a ação.
Talvez ela te dê energia para ir a algum lugar mais seguro.

INFORMAÇÃO PARA AQUELES COM CONDIÇÕES


ESPECIAIS DE SAÚDE
Se você tem alguma condição médica que pode
gerar sérios problemas se seus medicamentos forem
interrompidos (como distúrbios psicológicos, diabetes,
hipertensão, etc.), você deve estar preparado pois poderá
ficar sem medicação adequada se for preso, enquanto
estiver na cadeia. Uma receita de um médico pode ajudar.
Três cópias da receita serão necessárias: uma para a equipe
de ajuda legal; outra para a equipe médica (essas serão
mantidas confidencialmente); e uma para você.
A receita deve conter as seguintes informações: seu
nome; diagnóstico; a ordem de que você deverá ter acesso
à sua medicação o tempo todo e que deve mantê-la
consigo, pois desta maneira ela será apropriadamente
administrada; e uma lista de toda a medicação necessária
dizendo que nenhuma substituição será aceita.
Já que o seu nome deve estar na receita, talvez você
queira escondê-la para não revelá-lo. Pode ser que você não
necessite dela e então você poderá comê-la durante a ação
e praticar as táticas de solidariedade. Nós acreditamos que
revelar o seu nome e cooperar com o carcereiro para
garantir a sua saúde é mais benéfico para todos do que lidar
com alguma situação grave de saúde. Melhor entregar a
identidade do que a vida.
Tenha certeza de que o seu grupo de afinidade e a
equipe de ajuda legal saibam de suas necessidades, daí eles
vão poder ajudá-lo e orientá-lo.
Carregue medicamentos essenciais junto com as
receitas. Isto poderá ajudá-lo a ter acesso a eles na cadeia.

26
Protopia
Ensaios de Outros Topos

GÁS LACRIMOGÊNEO
Vista roupas impermeáveis. O algodão absorve o gás,
deixando os químicos em contato com sua pele por mais
tempo. Use bandana ou máscara de pintor (R$ 1) com
vinagre diluído em água. Se puder, leve um Cebion (ou
similar) e coloque na boca. Use óculos de natação (R$ 2 em
lojas de artigos esportivos). Não use lentes de contato pois
elas retêm o gás nos olhos. Passe leite de magnésia ou
bicarbonato de sódio em volta dos olhos para aliviar o ardor.
Antes de ir à manifestação, tome banho com sabão neutro.
A oleosidade da pele ajuda a fixar o gás. Nunca esfregue os
olhos! Para desinfetá-los, vire a cabeça lateralmente e deixe
a água escorrer do olho para fora, em um olho de cada vez.
A amônia corta o efeito do gás.
Ao voltar, tire as roupas antes de entrar em casa. O
gás e principalmente o spray de pimenta permanecem na
roupa por muito tempo. Coloque-as num saco plástico, e
então lave ou jogue fora. Tome um banho Frio (pois fecha os
poros e o químico não entra na pele) com sabão neutro. Se
puder use roupas impermeáveis, que cubram a maior parte
do seu corpo.

O QUE VOCÊ DEVE SABER SOBRE 0 SPRAY DE


PIMENTA

QUEM DEVERIA EVITAR O SPRAY: aqueles com asma,


problemas respiratórios ou infecciosos; mulheres grávidas;
mulheres que pretendem engravidar; qualquer pessoa
doente ou com um sistema imunológico baixo; infecção nos
olhos; quem usa lentes de contato; crianças.
PREOCUPAÇÕES QUE DEVEM SER RELACIONADAS AO
SPRAY: já que o spray de pimenta deve ser jogado de uma
distância curta, a policia poderá tentar remover seus óculos
de proteção ou sua máscara.
A reação aos químicos será beneficiada se houver
alguma irritação na pele, como ACNE ou ECZEMA severa.

27
Protopia
Ensaios de Outros Topos

As LENTES DE CONTATO prendem os gazes irritantes


e os componentes químicos, podendo aumentar os danos e
as irritações causados por eles. Consiga óculos de grau e
avise aos outros para não usar lentes de contatos.
ASMÁTICOS deverão trazer a suas bombinhas.
A primeira e mais importante coisa que deve ser
lembrada é: RELAXE! Se você estiver mentalmente
preparado, tiver suplementos necessários e conhecimento,
não irá precisar de assistência médica. Medo e confusão são
as armas mais potentes do Estado. Confidência,
determinação, preparação e conhecimento de nossa força
são suas melhores armas.

PRIMEIROS SOCORROS ANTES DA AÇÃO


PRATIQUE os treinamentos de primeiros socorros uns
com os outros antes da ação. Você ganhará experiência.
NÃO USE brincos, piercings, colares, gravatas, etc.
VISTA-SE DE ACORDO COM A TEMPERATURA: quanto
mais você cobrir o seu corpo, mais estará protegido.
Casacos de chuva ou tecidos à prova d'água, lavados com
sabão neutro, não irão absorver os químicos (ao contrário do
cotton ou algodão). Cubra pulsos, tornozelos e pescoço.
POR FAVOR, TENHA CERTEZA DE QUE O SEU GRUPO
DE AFINIDADE E A EQUIPE DE AJUDA LEGAL SAIBAM DE
SUAS NECESSIDADES, PARA QUE POSSAM AJUDÁ-LO E
ORIENTÁ-LO.
CUBRA TAMBÉM OS CABELOS com algo que seja à
prova d'água: sacola plástica, touca de banho, capacete,
etc. Use tênis ou botas confortáveis, que sirvam para correr.
Leve calça e blusa extras, guardados na mochila, para você
trocar as roupas contaminadas.
BANDANAS encharcadas em vinagre substituem a
máscara de gás aliviando a garganta e o nariz. Mantenha-na
guardada numa sacola plástica com zíper.
LANCHES ENERGÉTICOS: Leve, tanto faz se em

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Protopia
Ensaios de Outros Topos

líquido ou barras (lembre-se que você vai ficar o dia todo na


rua).
ÓCULOS DE MERGULHO: para proteger contra o spray
de pimenta e o gás lacrimogêneo.
LUVAS: nunca entre em contato direto com sangue
ou qualquer outro tipo de secreção (lembre-se da AIDS). Elas
também irão ajudar a protegê-lo contra os químicos do
spray e gás.
NÃO USE LENTES DE CONTATO!!! Elas irão prender os
químicos nos seus olhos causando danos sérios.
0 QUE VOCÊ NÃO DEVE PASSAR NA PELE: Vaselina,
detergente, hidratantes, maquilagem, protetor solar que
contém óleo, ou qualquer coisa ácida irá causar reações
fortes. Não use vaselina ou óleo de mamona como
proteção!!!

PRIMEIROS SOCORROS DURANTE A AÇÃO

Fique calmo e concentrado.


Quando o seu corpo aquece (por correr ou devido ao
pânico), a irritação por spray de pimenta poderá aumentar.
A principal razão disto acontecer é porque os seus poros irão
abrir, permitindo a maior absorção dos químicos.
Fuja para um local seguro com ar puro, onde pessoas
que não foram expostas poderão ajudá-lo ou garantir a sua
segurança enquanto você se cuida.
Rosto em direção ao vento, olhos abertos, levante os
braços e caminhe, permitindo que o ar puro te
descontamine. Respire profundo e devagar.
Não toque seus olhos ou rosto, porque você poderá
se recontaminar.
Assopre o nariz e cuspa, isto ajudará a eliminar os
químicos.

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Protopia
Ensaios de Outros Topos

Se sua pele estiver molhada de spray de pimenta,


limpe-a com roupa que não foi contaminada. Se você
espalhar o óleo químico pela pele, aumentará a dor.
Antes de tratar alguém, peça-lhe permissão! Então
explique para el@ o que você fará, antes de fazê-lo.
Use luvas limpas (evita contaminação das duas
partes) e proteção para os olhos, para não acabar
impossibilitado de ajudar os outros e precisar, também, de
tratamento.
Logo depois da contaminação, você pode passar
algum óleo mineral e em seguida um algodão com álcool na
pele contaminada. Isto irá aliviar a dor (esse procedimento
só funciona se for feito logo após a contaminação).
Molhe a região dos olhos que foi contaminada
espirrando a água em direção ao chão. Desta forma, ela não
irá contaminar a pele limpa, roupas ou cabelos.
GUARDE AS ROUPAS CONTAMINADAS EM UMA
SACOLA.

PRIMEIROS SOCORROS DEPOIS DA AÇÃO


Se descontamine com um banho frio. Isto mantém os
poros fechados prevenindo que os químicos entrem pela
pele.
Coloque a roupa contaminada para arejar.
Fique sabendo que, se você entrar em uma sala com
roupas, cabelo e pele contaminados por químicos, você irá
contaminar toda a sala.
Um lugar contaminado pode ficar com um mal cheiro
forte por semanas.
Se possível, troque de roupa antes de entrar em
locais fechados.
Coloque as roupas contaminadas numa sacola e tire

30
Protopia
Ensaios de Outros Topos

todo o ar. Lacre, para que os gazes se difundam lentamente.


Se você quiser a suas roupas de volte, marque a sacola com
um nome.

PEQUENAS HEMORRAGIAS
NASAL - inclinar (abaixar) a cabeça para frente; pedir
para a vítima cuspir todo o sangue da boca e respirar pela
boca; fazer pinçamento do nariz, logo abaixo do osso, na
cartilagem, por 10 min; soltar devagar. Se continuar
sangrando, enfie um pedaço de algodão ou pano no nariz e
continue o pinçamento por mais 10 min.
CORTES - expor o ferimento; fazer compressão direta
sobre a hemorragia; com um pano limpo comprimir em cima
do ferimento elevá-lo ao nível do coração; quando o pano
estiver cheio de sangue, colocar outro por cima.
VASO EXPOSTO - fazer o pinçamento dos vasos.
OBJETO TRANSFIXADO - mantê-lo fixo colocando
algum pano em volta; colocar um objeto leve tampando o
que está transfixado; prender com uma fita; pôr um pano
em cima e prender com uma faixa.
FERIMENTOS GRAVES - providenciar socorro médico e
hospitalar.
OBS: USE SEMPRE LUVAS. NÃO RETIRE CURATIVOS
ENSANGÜENTADOS E NÃO DÊ LÍQUIDO OU COMIDA, NO
MÁXIMO, MOLHE A BOCA DO FERIDO. PALPE O PULSO
DISTAL PERIODICAMENTE (APERTE UM POUCO E DEPOIS
SOLTE).

LESÕES CRANIANAS
PANCADAS LEVES - Levar para um hospital.
LACERAÇÕES DO COURO CABELUDO - controlar a
hemorragia (pressão direta com pano seco, limpo, sem
fiapos); tratar o choque (se tiver); levar para o hospital
verificando os sinais vitais.

31
Protopia
Ensaios de Outros Topos

PANCADA VIOLENTA - Vítima consciente: tentar


conversar o tempo todo com a vítima. Vítima inconsciente:
afrouxar as roupas e verificar os sinais vitais.

QUEIMADURAS
PROCEDIMENTO BÁSICO: deite a vítima para apagar
o fogo; se não conseguir, enrole-a em um cobertor do
pescoço para baixo. NUNCA MANDE A VÍTIMA CORRER.
O QUE FAZER: resfriar a queimadura com água fria,
nunca gelada; retirar os pertences dela; cobrir toda a lesão
com lençol ou pano limpo e úmido; procurar ajuda médica
imediatamente e NÃO FURAR AS BOLHAS.
QUEIMADURA NOS OLHOS: vire a cabeça das pessoas
para o lado; mantenha o olho lesado aberto e lave-o com
água fria por 30 min; não jogue água em jatos; faça curativo
adequado para tampar os olhos e busque socorro médico.
OBS: NUNCA ESTOURE BOLHAS; NÃO DÊ ÁGUA; NÃO
PASSE POMADA NEM MERCÚRIO; NÃO COLOQUE NADA A
NÃO SER PANO LIMPO E ÚMIDO.

FRATURAS, ENTORSES E LUXAÇÕES


COTOVELO DOBRADO: use uma blusa de frio para
fazer uma tipóia; coloque um papelão para imobilizar,
amarrando com as duas mangas em volta do pescoço da
vítima (a mão dela deve ficar junto ao peito). Amarre a outra
parte da blusa para segurar o cotovelo. Não mexa no local.
COTOVELO ESTICADO: amarrar um travesseiro ou
algo parecido, de preferência com a vítima deitada.
ANTEBRAÇO, PUNHO E MÃO: blusa de frio, papelão e
uma blusa para imobilizar, como no outro procedimento.
QUADRIL, COXA: cobertor entre as pernas, amarre-as
com uma corda, dando um nó antes do joelho e outro
depois. NUNCA TENTE COLOCAR A LUXAÇÃO NO LUGAR.
JOELHO DOBRADO: uma camisa entre a coxa e outra

32
Protopia
Ensaios de Outros Topos

na canela com um nó na direção de cada camisa.


JOELHO ESTICADO: com uma lata, dois nós abaixo do
joelho e dois acima.
PERNA - fratura exposta: apenas cubra com um pano
limpo e imobilize com um cobertor no meio das pernas,
prendendo com nós.
TORNOZELO - pé: coloque um travesseiro, dê dois
nós acima e um no pé, formando uma bota. Eleve o pé.
Coloque gelo no local das luxações, mas nunca diretamente,
use pano ou algo parecido. VERIFIQUE PERIODICAMENTE SE
OS DEDOS ESTÃO ADORMECIDOS.
LEIS, DIREITOS E SEGURANÇA

Se você decidiu participar de uma manifestação e


optou pela realização de ação direta, deve considerar a
possibilidade de que alguém possa ser preso, inclusive você.
É muito importante preparar-se individualmente e
coletivamente para essa situação. Veja algumas sugestões
que poderão auxiliá-lo a evitar ou resolver problemas desse
tipo.

O QUE FAZER ANTES DA AÇÃO


A primeira coisa que você deve saber é se existe
uma comissão de segurança ou uma comissão legal dando
suporte à ação da qual você irá participar. Se você já faz
parte da organização da ação, certifique-se de que seja
formada uma comissão para cumprir essas funções.
Essa comissão pode organizar e distribuir panfletos
contendo orientações gerais acerca da segurança dos
manifestantes; uma compilação das principais leis que
garantem a legalidade da manifestação e estabelecem os
limites da ação policial; como contatar a comissão legal e
telefones úteis em casos de emergência (Corregedoria de
Polícia e outros órgãos públicos). Pode também formar uma
equipe de advogados e acioná-los no momento em que for
necessário.

33
Protopia
Ensaios de Outros Topos

Outra boa forma de prevenir e denunciar abusos da


polícia é criar uma equipe de observadores legais,
responsável por identificar a ocorrência de abusos e
comunicar à comissão imediatamente. Diferente da
comissão, que se articula por fora da manifestação, os
observadores legais participam efetivamente da ação direta,
devendo portar algum tipo de identificação (crachás) e
presenciar tudo ao vivo, podendo prontamente inferir no
momento de uma prisão, explicitando os direitos dos
manifestantes para o policial.
O registro do ato através de fotos e filmagens pode
ser muito importante para fornecer provas contra ações
abusivas por parte de policiais. Essas imagens também têm
valor documental e podem integrar a divulgação posterior
da ação. A comissão deve garantir que haja um número
razoável de pessoas fazendo tais registros, além de pensar
em estratégias para que a polícia não apreenda o material.
Os grupos de afinidade podem participar das
decisões e práticas da Comissão de Segurança ou podem
apenas tomar conhecimento de tais decisões. Porém, há
muitas coisas que você pode fazer independentemente da
Comissão.
A primeira delas é conhecer todos os membros do
seu grupo e saber seus nomes completos. A lógica é que
cada um cuide de todos e que todos cuidem de cada um.
Todos os membros devem estar aptos a dar as informações
necessárias dos demais para a Comissão. A solidariedade, a
coesão e a confiança existentes em um grupo de afinidade
podem ser sua força e sua segurança.
É muito útil também que cada grupo tenha pelo
menos um colaborador que não esteja participando da ação
direta (um@ amig@, namorad@, parente ou vizinh@).
Existem pessoas que apóiam a causa mas não se dispõem a
sair às ruas por diversos motivos. Essa pode ser uma forma
de envolver mais gente e garantir o sucesso da ação.
Providencie que esse membro oculto tenha todas as
informações sobre os membros do grupo e possa ser uma
ponte entre a Comissão e os grupos. Essa pessoa também

34
Protopia
Ensaios de Outros Topos

pode ajudar gravando a cobertura televisiva da


manifestação, ajudando a sustentar desculpas para os
chefes no trabalho ou alimentando seu animal de estimação
caso você seja preso.
Uma sugestão importante é identificar pessoas que
possuam algum tipo de vulnerabilidade em seu grupo.
Pessoas com passagens pela polícia, por exemplo, correm
maior risco de sofrer conseqüências mais drásticas em caso
de prisão. Pessoas com doenças crônicas ou psicológicas
(bronquite, asma, problemas cardíacos, fobias, etc) devem
receber uma atenção especial durante a manifestação e
após sua prisão.
Outras condutas podem ser adotadas no decorrer da
ação por todos aqueles que estão participando dela.
Preparar cartazes, faixas, ou outros materiais nos quais
estejam escritas as leis que garantem seu direito de
manifestação pode ser um eficiente meio de informar a
polícia de que você conhece os seus direitos e de inibir
quaisquer abusos. Lembre-se de se informar sobre a
existência de uma Comissão Legal, de descobrir como
contatá-la, de possuir um panfleto com os telefones úteis e
de possuir as informações sobre seus amig@s. Tod@s que
tiverem possibilidade de levar câmeras fotográficas e
filmadoras devem tentar documentar a ação, pelos mesmos
motivos acima expostos.
É muito importante não levar em hipótese alguma
nenhum tipo de droga (maconha e álcool inclusos) e
nenhum tipo de arma (soco inglês e canivetes inclusos
também). A questão é simples: se você for preso, portanto
armas e/ou drogas, você, certamente, será fichado por porte
ilegal de armas e entorpecentes e não por causa da ação
em si, o que pioraria muito sua situação. Além disso, tal
atitude pode prejudicar a credibilidade da manifestação,
colocar em risco e dificultar a liberação dos demais detidos.
Logo que chegar no local da ação tente memorizar o
rosto e o nome de alguns policiais (se for preciso anote).
Lembre-se que durante uma ação mais violenta da polícia os
oficiais costumam ocultar seus nomes.

35
Protopia
Ensaios de Outros Topos

Há muitas outras coisas que podem ser feitas


durante as ações. Antes de passarmos a elas, seguem as
tão faladas leis que garantem seu direito de manifestar-se:

LEIS E DIREITOS
Direito de manifestação, locomoção e expressão do
pensamento:
Constituição Federal - Artigo 5: Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes-
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato;
VI - é inviolável a liberdade de expressão e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e
suas liturgias;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença
religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as
invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e
recursar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença;
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em
locais abertos ao público, independentemente de
autorização, desde que não frustrem outra reunião
anteriormente convocada para o mesmo local, sendo
apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
Limites da ação policial
Constituição Federal - Artigo 50:
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma

36
Protopia
Ensaios de Outros Topos

coisa senão em virtude de lei; III - ninguém será submetido


a tortura nem aa tratamento desumano ou degradante;
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem
pena sem prévia cominação legal; XLIX - é assegurado aos
presos o respeito à integridade física e moral; LIV - ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal; LXI - ninguém será preso senão em flagrante
delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judicial competente, salvo nos casos de transgressão militar
ou crime propriamente militar, definidos em lei; LXII - a
prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão
comunicados imediatamente ao juiz competente e à família
do preso ou à pessoa por ele indicada; LXIV - o preso tem
direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou
por seu interrogatório policial; LXV - a prisão ilegal será
imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI -
ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei
admitir liberdade provisória, com ou sem fiança; LXVIII -
conceder-se-á habeas-corpus sempre que alguém sofrer ou
se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;
art 317 do Código Penal lei 9.455/1997 crimes de tortura Lei
4.898/65 - Abuso de autoridade: é crime de abuso de
autoridade o atentado à liberdade de locomoção (artigo 30,
"a"); ao direito de reunião (artigo 30, "h")-, à incolumidade
física do indivíduo (artigo 30, "i").
Código Penal - Artigo 322 - Praticar violência, no exercício de
função ou a pretexto de exercê-la.- Pena - detenção, de 6
(seis) meses a 3 (três) anos, além da pena correspondente à
violência.
Decreto Estadual No. 13.657/43 - Transgressões disciplinares
dos policiais militares: usar de violência desnecessária ao
efetuar uma prisão (artigo 13, inciso LIV), maltratar preso
sob sua guarda (artigo 13, inciso LV).
art 240 a 249 do código de processo penal
O que podem e não podem fazer os(as) policiais

37
Protopia
Ensaios de Outros Topos

Busca dentro da casa (para a lei, casa é o lugar onde


a pessoa mora, incluindo o quintal, a garagem, etc.)
Qualquer policial civil ou militar, seja ele(a)
delegado(a) de polícia ou oficial da PM, só pode entrar na
casa de uma pessoa nas seguintes situações:
Sem ordem do(a) Juiz(a) (Sem mandado)
1) Quando os(as) policiais estiverem perseguindo
alguém que acabou de cometer um crime e esta
pessoa entrar na casa, os policiais podem entrar,
mesmo sem o consentimento do morador(a)

2) Quando\os(as) policiais tiverem certeza(Tem que


ter certeza, não podem "achar". Se for engano estarão
cometendo crime de abuso de autoridade) que dentro
da casa estão guardadas drogas, armas de fogo ou
produtos roubados ou furtados

3) Em caso de desabamento, incêndio, desastres ou


mesmo para socorrer alguém que está passando mal.

4) Quando o morador(a) autorizar(Autorização não é


coação! Os policiais não podem intimidar ou ameaçar
o morador(a) para poder entrar na casa) a entrada
dos(as) policiais.

Em todas estas situações os(as) policiais poderão


entrar a qualquer hora do dia ou da noite. O(A) morador(a)
deve sempre acompanhar a revista feita pelos(as) policiais.
Os(as) policiais não podem rasgar documentos, fotografias,
quebrar objetos. Todo documentos, dinheiro, documento ou
fotografia que ele(as) pegaren em sua casa devem ser
apresentados para o(a) delegado(a).
Com ordem do(a) Juiz(a) (Com mandado de Busca &
Apreensão)(Para cada casa deve haver um mandado. A lei
ão permite o mandado coletivo. Este documento deve ser
mostrado pelos/as policiais e lido para o morador(a) antes

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Protopia
Ensaios de Outros Topos

de entrar na casa)
O mandado de busca e apreensão é um documento
que o(a) juiz(a) entrega aos(às) policiais para que eles/elas
possam entrar na casa de qualquer pessoa, mesmo contra a
vontade do(a) morador(a). Neste mandado deve constar:
endereço exato da residência em que será realizada a
busca; nome do morador(a); motivo da busca; assinatura
do(a) juiz(a).
A busca pelos(as) policiais deverá ser realizada
durante o dia. À noite somente com autorização do(a)
morador(a).
Se não tiver ninguém na casa(No caso do(a)
morador(a) não estar em casa, a busca deve ser durante o
dia), os(as) policiais deverão chamar dois vizinhos(as) para
acompanharem a busca. No final. os vizinhos(as) devem
assinar o relatório de como foi a revista e o que foi
apreendido na casa
Busca pessoal

Busca pessoal é o que conhecemos por "geral".


Os(as) Policiais civis oumilitares podem fazer buscas
pessoais sem ordem do(a) Juiz(a) quando tiverem
fundadas suspeitas que a pessoa está escondendo armas
de fogo, objetos destinados para prática de crime ou drogas.
Nestes casos os(as) policiais podem parar a pessoa e
mandar colocar as mãos para o alto enquanto fazem a
revista.
Os(as) policiais não podem para as pessoas porque
'acham que são suspeitas, ou seja, por preconceito. Se não
houver fundada suspeita, não podem parar a pessoa porque
ela mora na favela, ou num bairro pobre, ou porque é negra,
amarela ou branca, ou está de chinelo ou boné.
Os(as) policiais durante a revista devem tratar as
pessoas com repeitos. Inclusive familiares que se aproximan
no momento da abordagem para pedir informações sobre o

39
Protopia
Ensaios de Outros Topos

que está acontecendo.


Os(as) policiais não podem gritar com a pessoa,
xingá-la, chamando-a de ladrão, vagabundo, nóiaentre
outros. Isto é crime de injúria ou até mesmo de abuso de
autoridade; Se xingar de preto safado é crime de
discriminação. Ninguém pode ofender a origem racial das
pessoas. Ser negro, amarelo ou branco não significa que a
pessoa seja suspeita. Se ameaçar ou bater para que
confesse alguma coisa é crime de tortura. Mandar a
pessoa sair correndo sem olhar para trás é crime de abuso
de autoridade'.
Mulher deve ser revistada por policial feminino. Em
casos de fundada suspeita, em que não tenha uma policial
pr perto, a lei permite que o policial reviste a mulher(o (a)
policial não pode passar as mãos nas partes íntimas da
mulher. Se fizer isto estará cometendo 'crime de ato
libidinoso e abuso de autoridade).
A revista deve ocorre de forma que não constranja a
pessoa que está sendo revistada. Assim, é proibido o(a)
policial mandar uma pessoa tirar a roupa no meio da rua, ou
mesmo exigir que fique com a mão para trás ou para o alto
depois de revistada, identificada e que não esteja sendo
procurada pela justiça.
Não há lei no Brasil que obrigue a pessoa a andar
com documentos. No entanto os(as) policiais podem pedir
os documentos de qualquer pessoa e, se esta não estiver
com os documentos, os(as) policiais devem perguntar o
nome do pai, da mãe, data de nascimento, para verificar se
esta pessoa é foragida da justiça ou não. Recomenda-se
andar com documentos
• A pessoa só pode ser levada para a delegacia se
estiver presa em flagrante delito ou se houver ordem
judicial.
• O(A) policial não pode prender ninguém po estar sem
documento e se isto acontecer estará cometendo
abuso de autoridade.
• Os(as) policiais só podem algemar alguém se este

40
Protopia
Ensaios de Outros Topos

estiversendo preso em flagrante ou se for foragido da


justiça. Agemar po outro motivo é crime de abuso de
autoridade.
• Após verificar os documentos e nada constando,
os(as) policiais devem devolvê-los.
Busca no carro
A revista em automóveis é permitida nas mesmas
situações da revista pessoal. O carro só pode ser revistado
em caso de fundada suspeita. A pessoa que estiver
conduzindo o carro deve acompanhar a revista.
Na delegacia de polícia
Quando uma pessoa é conduzida à uma Delegacia
por policial civil ou militar, ala deve ser imediatamente
apresentada ao Delegado(a) de Polícia. Tudo que acontecer
com a pessoa dentro ou no pátio da delegacia de polícia é
responsabilidade do(a) Delegado(a) de polícia. Se o(a)
escrivão(ã), investigador(a), ou policial militar ou civil, até
mesmo o Delegado(a) exigir dinheiro da pessoa responderá
por crime de corrupção passiva.
Denúncias
Se o (a) policial estiver atuando fora da legalidade,
temos o direito e dever de denunciar aos órgãos
competentes. Denunciar os(as) maus/más policiais é
valorizar os(as) bons/boas policiais e zelar pela cidadania.
Para denunciar pegue estes dados: Local, hora, dia, Nome(s)
de Policial(s), Características Físicas (cicatriz, branco, negro,
alto, baixo, cor de cabelo, etc), Identificação da
viatura(números e letras que ficam nas laterais e em cima
da viatura)

SITUAÇÕES DE RISCO DE PRISÃO


Algumas ações envolvem maior risco de prisão do
que outras. Por exemplo: o caráter violento / não-violento da
ação orienta em muito a ação da polícia. Você deve saber
que bloqueios de ruas, invasão e depredação à propriedade

41
Protopia
Ensaios de Outros Topos

serão reprimidos com muito mais violência do que uma


panfletagem ou uma demonstração de caráter cultural e
informativa. Escolher previamente um tipo de ação é
importante para orientar o comportamento dos
manifestantes e tomar as devidas providências para
enfrentar a reação da polícia (tratadas no item Antes da
Ação). Se, por exemplo, o coletivo optar por uma
manifestação não violenta, estará esperando uma
determinada reação policial. Neste caso, se alguns
indivíduos se portarem de forma violenta, poderiam acabar
provocando uma reação contrária às expectativas e
preparações do coletivo, colocando em risco a segurança da
manifestação. Por isso, procure participar das decisões
prévias a respeito da dinâmica que vai assumir a
manifestação da qual você irá participar, ou, se isso não for
possível, procure se informar sobre seu caráter (violenta ,
não violenta) . Mas, de qualquer maneira, você deve ter
sempre em mente que existe a possibilidade de você ser
preso, assim como muitos de seus companheiros.
0 mais importante é manter-se calmo diante desta
situação. Dificilmente algo de muito grave acontecerá com
você ou com aqueles de quem você gosta. Existem muitas
pessoas que já foram presas e que hoje estão bem e mais
ativas do que nunca. Uma das mais poderosas armas da
polícia é o medo que a prisão e a violência contra os detidos
causa na maioria das pessoas. Não há motivos para temer.
Tranqüilize-se e tente tranqüilizar os outros.
Saiba que você não está sozinho. Lembre-se que
existem milhares de pessoas ao seu redor lutando pelos
mesmos motivos que você. Existem milhões de outras
pessoas no mundo todo que saem às ruas com os mesmos
objetivos que você. Você vai se sentir forte e convicto, e isso
não será à toa.
Se for preso pode ter certeza que muitas pessoas
irão se mobilizar para te ajudar: seus amigos, parentes e
companheiros vão à delegacia prestar solidariedade e
aguardar até que você saia são e salvo de lá; os outros
presos estarão do seu lado, conversando, ajudando e, se

42
Protopia
Ensaios de Outros Topos

possível, descontraindo o ambiente e amenizando a tensão


da situação; a Comissão Legal estará se articulando para
soltá-lo o mais rápido possível e providenciando toda e
qualquer ação que for necessária; a equipe de advogados
estará pronta para defender e soltar qualquer manifestante
que tenha sido detido. Não há motivo para se desesperar.
Você será solto e continuará ao nosso lado nas próximas
ações.
SENDO PRESO
Mesmo com todas os cuidados e precações
devidamente tomados você pode se deparar com a situação
de estar sendo preso ou de presenciar a prisão de alguém.
Em muitos casos a polícia aborda o manifestante no
interior da ação e tenta arrastá-lo para a viatura, às vezes
valendo-se de violência. Os manifestantes que estão ao seu
redor podem tentar segurá-lo ou protegê-lo. Se mesmo
assim a polícia conseguir deter o manifestante, o melhor a
fazer é circundar o policial com um grande número de
pessoas e gritar, por exemplo, "Solta! Solta!. Isso pode
também servir de aviso para os Observadores Legais e
advogados, denunciando que alguém está sendo preso,
além de intimidar os policiais. Tentar resgatar uma pessoa
que já está imobilizada pela polícia pode significar a prisão
de quem estiver tentando fazer isso. É muito importante
comunicar à Comissão Legal e ao maior número de pessoas
possíveis (principalmente as do grupo de afinidade dos
presos) o nome completo dos manifestantes presos, se
possível, o nome do policial que o prendeu e para qual DP
eles foram levados.
Agora, levando em conta que o detido seja você e
que as técnicas de seus companheiros tenham falhado,
existem várias maneiras de lidar com a situação. A primeira
tática é, sem dúvida, manter os olhos e os ouvidos bem
abertos. No momento em que um policial lhe segurar, muito
provavelmente sua reação será a de tentar se libertar,
debatendo-se ou mesmo tentando correr. Supondo que você
não obtenha sucesso e o policial tenha conseguido lhe
imobilizar, o que resta a fazer é dificultar que ele leve-o

43
Protopia
Ensaios de Outros Topos

para a viatura. Para isso, deve-se relaxar todo o corpo e se


soltar ao máximo, fazendo com que seu peso seja bem
maior do que se estivesse rígido e tenso. Isso pode ganhar
algum tempo e fazer com que alguém vá te ajudar. Se o
policial lhe algemar, não force ou se debata, pois as
algemas são apertadas e podem machucar seus pulsos.
Procure manter a calma e, mesmo numa situação tensa,
mantenha-se tranqüilo e lúcido e colabore com os outros
detidos.
No momento da prisão existem várias formas de se
comportar diante da autoridade policial. Uma técnica
comum nos EUA é não se identificar, manter-se calado e só
responder (laconicamente) se questionado diretamente.
Outra opção é dialogar com o policial, mostrando que você
não é um "marginal", que não cometeu nenhum crime. Dizer
que você é um trabalhador / estudante pode ser uma boa
forma de intimidar o policial, assim como demonstrar
conhecimento das leis e direitos que lhe protegem. É
aconselhável tratar o policial cordialmente, tentando evitar
levantar a voz. Se você tem educação, essa é a melhor hora
de praticá-la.

NA DELEGACIA/PRISÃO SOLIDARIEDADE CARCERÁRIA

0 destino certo de todos detidos será a Delegacia de


Polícia mais próxima da ação. Chegando lá, de início,
provavelmente vocês estarão sozinhos e é nesse momento
que a calma é mais necessária. Procure não discutir com os
policiais usando um tom agressivo nem os xingando, pois,
lembre-se, ele está armado e com você sob custódia.
Dialogue com os guardas de maneira sensata e reafirme
que você conhece os seus direitos e que ele não pode bater
em você gratuitamente. Muito provavelmente eles tentarão
intimidá-lo através de ameaças. Especularão sobre a ação,
fazendo perguntas, aparentemente, desinteressadas e
amigáveis como: "Por que do protesto? De onde vocês são e
o que fazem?". 0 melhor nessa situação é dar respostas
evasivas e não se denunciar, nem acusar os outros. Não

44
Protopia
Ensaios de Outros Topos

tente "conscientizar" o policial, pois, muito provavelmente,


será em vão. Declarar-se anarquista, comunista, etc, nessa
hora pode ser contra-produtivo para sua situação e dos
demais presos, assim como para o movimento do qual faz
parte. Mas não forneça, de maneira alguma, informações
sigilosas sobre a ação ou a organização que possa
comprometer ou incriminar algum companheiro.
Talvez você seja o primeiro a ser preso, mas
certamente não será o único. Tente se lembrar que em
breve você estará com outros companheiros e que a
Comissão Legal já estará agindo em prol de sua libertação.
Se os advogados e a Comissão já estiverem na delegacia
tudo será mais fácil e talvez você não passe por nada disso.
Ceda todas as informações que os advogados solicitarem e
siga suas orientações. Se você tiver alguma necessidade
especial não hesite em comunicar aos advogados. Eles
poderão providenciar o que for necessário, como remédios,
por exemplo.
É importante saber que dificilmente pessoas detidas
por participarem de uma manifestação serão processadas
ou passarão a noite na cadeia. Sua permanência na
delegacia deve ser de algumas horas.
Uma boa maneira de suportar os momentos na
prisão é conversar com os demais companheiros
enclausurados. Tente conhecê-los e tente fazer com que
todos saibam sobre a Comissão e algumas condutas diante
da polícia. Apesar da tensão da situação é aconselhável que
os presos tentem, na medida do possível, tomar decisões
conjuntas, afim de que todos recebam o mesmo tratamento,
e traçar métodos de comportamentos uniformes e regras de
convivência no espaço da cela ou sala em que estiverem. 0
apoio do companheiro que se encontra na mesma situação
que você é de grande valia nesses momentos.
COMO DEVE SER A SUA MOCHILA
DEVE TER
• 2 mudas de roupa (para despistar a polícia e para
trocar de roupa em caso de contaminação).

45
Protopia
Ensaios de Outros Topos

• Remédios, se você usar algum.


• 1 bandana.
• 1 garrafa com vinagre.
• 1 garrafa de água, de preferência com esguicho.
• óculos de proteção com vedação total.
• Telefone do advogado e telefone para ligar e avisar
que está bem, no caso do grupo se separar.
• Máscara de gás (opcional, mais eficiente que a
bandana com vinagre).
• Macacão impermeável (opcional).
• Documentos devem ser portados, porém guardados
no bolso da calça
NÃO DEVE TER
• Drogas (inclui álcool).
• Armas (inclui canivetes, soco inglês,
correntes).

46
Protopia
Ensaios de Outros Topos

Considerações Críticas

47
Protopia
Ensaios de Outros Topos

O futuro não é mais como era


antigamente!
Um verme liberal espalha aos quatro ventos sua "boa
nova": - é o fim de todas as ideologias! (como se fosse
possível acabar com ideologias sem acabar com o próprio
homem e sua capacidade de ter idéias). Outro vai mais além
dizendo que estamos chegando no fim da própria história.
Enquanto isso, os baluartes das internacionais sisudas -
velhos comunistas e anarco-sindicalistas - vivem de
saudosismos, restos, fotos desbotadas, saudades de um
proletariado revolucionário que se perdeu nas voltas do
mundo. E o conservadorismo libidinoso vira moda
alimentado por medos gerados pela miséria do terceiro
mundo, bem como pelos traumas resultantes da distopia
socialista soviete. Será que não há nem haverá nada de
novo sob o sol? Será o fim de toda possibilidade de
transformação social? Devemos nos conformar com esta
sobrevida pasteurizada despida de toda excitação, de toda
agitação imaginativa que nos reserva o status-quo?
Estaremos fadados ao terrível papel de peças
sobressalentes da Máquina-Sistema, submersos
eternamente nestas catacumbas escuras?

Algo entre meus olhos e meu cerebelo insiste em me


dizer que tudo isso é balela pró-sistêmica que vem sendo
repetida pelas maiorias angustiadas, doentes e deprimidas,
tornando-se lavagem cerebral de baixa qualidade. É um fato
inevitável: alguns já perceberam uma ruga de preocupação
crescer no rosto maquiado da
âncora do jornal: "Como desinformar
informando tanta gente por tanto
tempo? Como esconder fatos e
ocorridos que poderiam servir de
inspiração para a revolta de tanta
gente descontente há muito?"
A preocupação da âncora
encontra-se bem fundamentada em

48
Protopia
Ensaios de Outros Topos

tudo aquilo que ela evita em colocar no ar: todas as notícias


que foram para a gaveta, que jamais chegaram ao (portanto
não aconteceram no) meio midiático. Estes são indícios
importantes, não podemos ignorar que uma grande
mudança está a caminho, e este é o momento exato em que
o status-quo tal qual conhecemos começa a fraquejar. Por
mais que a jornalista se esforce para maquiar a notícia,
agora existem meios que sua corporação simplesmente não
é capaz de controlar, meios de informação dinâmicos e
pulsantes que, se bem utilizados, são capazes de oferecer
informações que não foram para a TV e para os jornais, ou
que foram distorcidos para que fossem veiculados.
Fica cada vez mais evidente, a uma parcela cada vez
maior de pessoas submetidas à Máquina-Sistema que há
alguma coisa muito errada acontecendo - atrito entre peças
(mentiras, guerras, violência), sobrecarga e desgaste (sub-
emprego, exploração, impostos e irresponsabilidades), e
perda de energia (escapismo, miséria, morte e inanição). É
claro que nem todos são capazes de perceber
conscientemente este mal-funcionamento; muitos se
agarram à normalidade, ou se desesperam e enlouquecem
lentamente em seus trabalhos, em casa com as suas
famílias, em ônibus e trens superlotados, em carros em
congestionamentos, por vias que não os levam a lugar
algum. Tomados por crises de depressão e ódio e canalizam
estes sentimentos para os que se encontram na mesma
situação que eles sem saber que assim se tornam cúmplices
dos verdadeiros responsáveis por este estado generalizado
de misérias, os governos, as religiões institucionalizadas, as
empresas exploradoras e as mentes que fabricam.
Aos ditos
"politizados"
identificados com as
balelas (esquerdistas
ou direitosas) da
decadente "realpolitik"
só sobra uma
megaversão do jogo da
batata quente. Todos

49
Protopia
Ensaios de Outros Topos

rebaixados à qualidade de peças diferentes desta mesma


máquina.
As elites (peças tipo A - geralmente a direita de quem
entra, no alto da escadaria) colocam a culpa dos problemas
do mundo no crescimento demográfico, nas ondas de
imigração dos pobres, no jeitinho dos empregados, na
herança indígena, na mistura racial, nas chuvas das
monções, na presença de curdos, no calor dos trópicos, na
qualidade da água, na quantidade de polém no verão e,
mais frequentemente, no "paternalismo institucional". No
contexto do chamado terceiro mundo a direita vomita
ideologias desenvolvimentistas ultrapassadas lamentando o
fato de não termos o mesmo nível de produtividade e
excelência da Suíça ou do Canadá "onde tudo é lindo e cor-
de-rosa, e teletubbies andam consumindo tranqüilamente
em meio à bonecos de neve e verdes campos até a hora de
dizer tchau". A estratégia das elites é jogar a batata quente
para cima de todos aqueles que se acredita atrapalhar seu
grande projeto de mercado global ao qual os estados
(mínimos) e as diferentes nações devem se alinhar e se
submeter.
Como no reflexo de um espelho, as outras vias (que
de fato são uma só, e geralmente se colocam a esquerda):
os ditos socialistas, entusiastas do sindicalismo estatal,
social-democratas e outros tipos de reformistas (peças tipo
B) jogam a batata quente em cima dos ricos gananciosos
que só pensam em si, transformando-os nos grandes vilões
da história. Mas isso certamente é uma supervalorização
das elites, que são por demais incapazes de qualquer
reflexão sobre qualquer coisa que não seja o lucro cego (é
isso ou será só um grande lodo de hipocrisia?). Se agem
nesse sentido, agem por dois motivos: 1) pelo medo da
mudança instigado pela ideologia de guerra de classes, e 2)
pela segurança da tradição, traduza-se automatizada
reprodução. Por outra via, o esquerdista clássico não se
permite eximir os pobres e os alienados, considera-os
desorganizados, ignorantes e "desinformados", que não são
minimamente capazes de reconhecer (e de votar) nos
esquerdistas como "vanguarda", "autênticos líderes"

50
Protopia
Ensaios de Outros Topos

defensores de sua classe e do seu sagrado bem estar


estatal.
Fora desta balela o mundo está explodindo em
mudanças rápidas e promissoras: blocos de guerreiros
vestidos de negro, rizomas de rádios comunitárias, levantes
indígenas, redes de okupas e outras insurreições nos centros
e periferias. Cada um destes elementos é também uma
peça no mosaico deste tempo em movimento. O futuro
realmente não é mais como era antigamente e esta frase,
pichada em um muro argentino, lembra-nos o quão negro o
futuro nos pareceria se não fosse nossa própria capacidade
de intervirmos positivamente no que está por vir. Então
pichamos aqui algumas idéias para o futuro, uma proposta
de intervenção neste estado de coisas, por um mundo que
ainda está para surgir.

Ações em Direção ao Nada


Atitudes a não serem tomadas quando se quer fazer
alguma coisa.

Você acorda e prepara um café da manhã dos


campeões com uma imitação de grãos tostados que fariam
uma galinha se sentir desgostosa; com leite e soda cáustica
da Parmalixo (quem se importa com alguns tumores
malignos diante da possibilidade de dentes tão brancos!?).
As marteladas em cima e em baixo do seu 'lar' te
lembram que seus vizinhos tentam salvar suas vidas de
classe média miseráveis com mais alguma reforma da qual
realmente eles não precisam. Ah... A vida é dura para quem
se senta molengão na frente
de uma televisão e como
uma esponja absorve todo o
tipo de lixo midiático que os
empresários do setor podem
produzir.

Seria uma piada de

51
Protopia
Ensaios de Outros Topos

mal gosto se não fossem nossas realidades, a minha e a


sua, o motivo da gargalhada: cercados de zumbis das
classes A, B, C e D se arrastando daqui para lá por todos os
lados. Você pára e pensa - deve haver alguma mensagem
subliminar em tudo isso: dos impostos aos outdoors, das
tarifas bancárias aos sinais de transito, só pode existir um
sussurro hipnótico que molda todas essas vidas, uma
mesma sugestão que te faz beber deste leite e comer
destes grãos; você, indiferente a qualquer razão. Não sei se
ouço bem no meio de tanta ruído sistêmico... mas parece
haver uma mensagem subliminar dizendo... SE SUBMETA.
Da letra romântica do cantor popular, no sorriso da
garota da propaganda e na integridade do ancora do
noticiário a intenção de
submissão é constante, mas
nunca evidente. Ela exige que
você pague os impostos,
respeite as leis de trânsito, seja
um bom menino e sobretudo
vote.
Ela lhe oferece um mundo de
opções A, B, C e D, todas elas
nos conformes de um estado de coisas e do mercado de
pessoas, a "diferença" enlatada na mais sacra normalidade
(ou não seria normatividade?). Estilos de vida?! Escolha um
em nosso cardápio! - yuppie, hippie, alternativo, emo, punk,
surfista, mulher moderna, clássica, macrobiótico etc... etc...
- Todos estes que aqui constam estão nos conformes, de
mãos dadas com a mão invisível do deus mercado. Dentes
brancos e hálito ácido, qualquer coisa para além disso deve
parecer impossível, a mídia deles irá se esforçar para
difamá-la, torná-la sinônimo explícito de fracasso.
A submissão pode assumir muitas formas: a
depressão, o escapismo, a arte pela arte, e até aquele tipo
específico de loucura isoladora são algumas delas. A
questão é, você realmente vai bancar o submisso ou
pretende ainda se insurgir contra este estado de coisas?
Estas são algumas reflexões de como evitar (ou não)
algumas posturas (e ações) que geralmente resultam em...

52
Protopia
Ensaios de Outros Topos

Nada. Tão excitantes ou substrutivas como um pato de três


olhos. Mas não fique transtornado. As estatísticas
demonstram que diferente da probabilidade de se encontrar
um pato de de três olhos são grandes as chances de existir
ao menos uma saída neste labirinto.

Desdobramentos...
Deprima-se
A Industria farmacêutica agradece!
"Pela manhã pensamos na tarde, durante a
semana, sonhamos com o fim de semana,
suportamos a vida de cada dia pensando nas
férias que vamos tirar dela. Nesse sentido
estamos imunizados, contra a realidade,
entorpecidos quanto à perda de nossas energias"
- P.M., Bolo`Bolo
Você poderia ser
qualquer um, mastigando
esses grãos industriais com
leite ácido sentado em sua
casa ou em pé algum sub-
emprego, com a boca
aberta (semi-desdentada
ou) cheia de dentes
esperando a morte chegar.
Você poderia ser eu sentado
no meu lugar, no meu
quarto, na minha sala de aula, no meu ônibus, no meu
trabalho, no meu psicólogo (ou psiquiatra) destilando as
mesmas depressões, sintomatizando as mesmas doenças
que irão encher os bolsos de algum empresário do setor
farmacêutico.
Depressão, infelicidade, déficit de atenção,
envelhecimento precoce, stresse - tudo o que pode ser
patologizado brilha como ouro aos olhos desses mercadores
da saúde mental e seus remédios de última geração para
todo tipo de mal. Nos nossos dias, não há criaturas mais

53
Protopia
Ensaios de Outros Topos

felizes que os acionistas majoritários de grandes empresas


farmacêuticas: enquanto o resto do mundo tenta lidar com a
depressão diária, comprando seus produtos, os donos
destas empresas chafurdam no mais sujo lucro que o
mercado acionário pode propiciar.
Neste mundo de tanta eficiência ainda há espaço
para gurus debilóides que afirmam poder calcular o custo de
suas ações com base no tempo em que estas lhe tomam.
"Time is money, Life for exchange", apesar desse tipo de
diarréia mercantil ter sido naturalizado e internalizado,
ninguém considera a possibilidade desta ser a verdadeira
doença da qual só estamos medicando os sintomas.
Pequenas alegrias medicalizadas estão disponíveis a preços
nem sempre módicos, nas estantes das farmácias e das
drogarias.
São poucos os que conseguem perceber os vínculos
entre a cultura da 'eficiência', da 'máxima qualidade' e da
'optimização do tempo' com os chamados males do espírito.
Os cremes faciais alardeados na televisão não são
realmente fruto de um desejo de eterna juventude, mas
conseqüência da sensação de que nunca tivemos uma
juventude verdadeira pois passamos toda essa fase nos
preparando, estudando, trabalhando, envelhecendo
precocemente para nos tornarmos eficientes. Tratamentos
de rejuvenescimento são a nova chance de ter a segunda
chance, mesmo que saibamos secretamente que, caso a
tivéssemos, a desperdiçaríamos novamente.
A Cura estraçalha o
Tempo

Quando nossos
antepassados não
passavam de bandos
vivendo em florestas,
savanas ou desertos, a
avareza era
provavelmente
considerada um 'mal

54
Protopia
Ensaios de Outros Topos

do espírito', o próprio tempo era um 'tempo livre'


estivessem as pessoas vivas ou para morrer¹. Milênios
depois, espera-se que eu e você, humanos pós-revolução
industrial nada mais sejamos que peças desejosas da
máquina, pseudo-livres, obcecadas pela posse, pelos restos
de espetáculo, em nossa miséria de relacionamentos
interesseiros e superficiais. Curiosamente essa mesma
máquina da qual fazemos parte é a mesma que controla
nossa 'natureza', toma boa parte do nosso tempo e, de
quebra, nos deixa doentes!

Há apenas 80 anos, remédio era sinônimo de chá ou


aspirina e a idéia de tomar uma aspirina era tratada pelas
classes baixas mesmo de países ricos como algo ridículo ou
degradante². Mas, hoje, medicação é parte integrante da
vida de muitos de nós. O Remédio enquanto forma de cura
deu lugar ao remédio enquanto estilo de vida - diante de
uma vida estúpida e cheia de lacunas, como peça (ativa ou
sobressalente) do mercado de trabalho. Viver anestesiado é
um pré-requisito para se viver pacificamente, afinal de
contas finalmente tornou-se possível se chapar a um ponto
de não mais ter que vivenciar esta sórdida realidade
circundante, sem sentir dores.

E nada mais passível de controle que uma nação de


depressivos em busca da cura, um exército de pessoas
cheias de culpa e frustração internalizada, suscetíveis a
todo tipo de trapaça inventada por doutos, ordenadas sob a
égide das mais modernas terapias. Será uma coincidência a
indústria farmaceutica, assim como a indústria bélica, ser
em sua maior parte composta de empresas de origem
estadunidense?

Pela manhã os estadunidenses tomam "breakfast"


algo que atualmente possui muito pouca semelhança com
nosso café da manhã. Nos dias de hoje todo "breakfast" dos
campeões que se preze - tanto nos Estados Unidos quanto
em suas províncias ao sul e no oriente médio - deve incluir
uma quantidade razoável de comprimidos e pílulas, formas

55
Protopia
Ensaios de Outros Topos

de anestesiar corpos e mentes diante de um trabalho


entediante, de realidade cada vez mais deprimente da
sociedade de mercado.
Estaremos nós condenados a escolher entre a
sensação da ordem lastimável deste sistema e o niilismo da
pax medicalizada? Não será a sintomatização desta doença
proporcional ao nível de inconsciência e internalização de
toda merda circundante? Se esse for o caso, a consciência e
a externalização podem ser os primeiro passos para a cura
deste mal que é o sistema. Está mais que na hora de
controlarmos essa pandemia aprendendo separar as
doenças de origem genética ou de formação bioquímica ou
àquelas de origem contagiosa, das outras cuja verdadeira
causa é sistêmica.
Etiologia

Banquemos por um
instante o papel do
etiologista sóbrio. Cirrose ou
câncer possuem origens
bem distintas de parkinson
ou epilepsia, que por sua
vez possuem causas
distintas de doenças como malária, dengue ou AIDS. As três
últimas são do grupo das doenças epidêmicas, resultam de
contágio, por sexo inseguro ou picadas de mosquitos
infectados. As do meio são provavelmente frutos de um
grande azar genético ou de má formação embrionária,
enquanto as primeiras são sistêmicas! (Isso mesmo!) Tão
sistêmicas quanto estresse e depressão. O que leva uma
pessoa a beber até adquirir uma cirrose é desgosto,
desilusão, fuga ou tédio, o que causa câncer em alguém são
décadas de consumo de porcarias industriais cancerígenas
displicentemente comercializadas sob as vistas grossas dos
Ministérios da Saúde de todo o mundo³.

Etiologizemos um pouco mais dividindo o grupo das


doenças sistêmicas em dois subgrupos: ETDPT e PICR. Se

56
Protopia
Ensaios de Outros Topos

você tem câncer, cirrose ou problemas de coração a sua


doenças é do grupo ETDPT. O que isso significa? Uma vez
que o sistema agiu sobre o seu corpo de forma perniciosa e
o dano é provavelmente irreversível demais para que pares
de tomar remédios ou recuse o tratamento, "É Tarde Demais
Pra Ti" ⁴. Ainda assim, sendo portador de uma doença
ETDPT, se você não mergulhou no niilismo, talvez seja uma
atitude dignificante e de extrema importância pensar no
futuro das novas gerações. Tu podes certamente contribuir
para que as crianças de hoje, não sejam por exemplo os
"cancerígenos do amanhã", buscando conscientizá-las das
possibilidades traiçoeiras do consumo.
Caso o seu mal seja algo como depressão, estresse,
histeria ou tédio a sua doença faz parte do grupo PICR. "Pare
Imediatamente Com os Medicamentos", não tome sequer
um comprimido e abandone todo e qualquer especialista
(principalmente psicólogos & psiquiatras) que busque
internalizar problemas que são exógenos e sistêmicos⁵.
Esqueça as leituras médicas que falam de excesso ou
ausência de sais ou hormônios em distúrbios desse tipo - a
verdade é que eles não têm evidências para definir o que é
causa e o que é conseqüência. Os portadores das doenças
PICR têm a sua frente a possibilidade de refletir sobre os
verdadeiros motivos de seus males. Se encher de
medicamentos com a intenção de "curar" doenças PICR
nada mais é que uma verdadeira traição ao próprio corpo
quando este tenta passar uma mensagem sobre quais são
as conseqüências do sistema sobre si. É necessário que
saibamos escutar estas mensagens ao invés de nos
fazermos de surdos. A despeito das besteiras ditas por
grande parte dos psicólogos, ninguém sente o que sente por
acaso, temos motivos sufientes para sentir o que sentimos.
Você já perguntou qual é a verdadeira origem da sua
tristeza, angústia ou nervosismo? Que mundo é esse que te
cerca e te consome?
Talvez seja uma boa enlouquecer e se deixar
enlouquecer. Mas tente não descontar nas outras pessoas a
maior parte delas está tão ou mais doente que você.
Sobretudo tenha em mente que a única forma de cura viável

57
Protopia
Ensaios de Outros Topos

para os seus (e tantos outros) males é combater a epidemia


da "realidade" porque ela é o verdadeiro motivo da sua
doença.

Diga Não! Ao Escapismo.


Desista da TV e não banque o avestruz!
"Os que tentam sair da Máquina preenchem
funções de recreativos marginais - hippies,
yogues, etc."
P.M., Bolo`Bolo
Em tempos difíceis, não
há nada tão cômodo (e nada
tão comum) quanto a
síndrome do avestruz. Ela
consiste que esconder a
cabeça no buraco e acreditar
(ou pelo menos torcer) que
todo o resto do corpo está
em segurança. O avestruz
sabe que o predador se aproxima, tem uma mínima
consciência de que vai virar comida (e depois merda), mas
tudo o que consegue fazer é se enganar.
São tantas e tão variadas as formas que assume a
síndrome de avestruz que seria necessário o mesmo número
de caracteres existentes na Wikipédia somente para listá-
las. Em termos políticos essa síndrome é
contemporaneamente chamada de escapismo.
É impossível definir o momento de origem do
escapismo. Diante dos exemplos trazidos pela etologia,
podemos concluir que talvez ele seja mais antigo que a
própria humanidade. Os registros mais antigos sobre o
escapismo estão entre os antigos gregos. A Grécia foi o
palco de um dos maiores escapistas de todos os tempos,
Diógenes de Sínope (413 a.C. – 323 a.C.), o cínico. Portador
de idéias bem interessantes e um sarcasmo fora do comum,
Diógenes nada (ou muito pouco) fazia para que suas

58
Protopia
Ensaios de Outros Topos

reflexões se materializassem ou impactassem no mundo do


lado de fora de sua mente. Sua postura indolente contra o
poder poderia agradar muitos de nós, mas triste é o fato de
sua fama resultar de seu costume peculiar de se masturbar
em público e viver boa parte de sua existência dentro de um
barril. Apesar de mostrar seu descontentamento através do
escárnio, Diógenes assumiu um papel tão submisso diante
do Sistema-Máquina da cidade-estado de seu tempo, quanto
os escapistas contemporâneos em nossa própria conjuntura.
Os homens de seu tempo o transformaram numa espécie de
figura folclórica divertida, para todos os fins, outro divertido
marginal recreativo.
"Oh! Mas que pena que não se possa viver
apenas esfregando a barriga!"
Diógenes de Sínope, ao ser
repreendido por punhetear em praça
pública.
Recreação é uma das facetas escapista: os Yogue
indianos do mesmo modo que os Faquírs árabes - com suas
camas de pregos, espadas enroladas nos pênis, braços
levantados por décadas, cabeças enfiadas em buracos (e
coisas do gênero) - entretêm às populações da baixa Ásia já
há milênios. Tudo bem fundamentado num conjunto de
crenças que pretende demonstrar o prevalecimento da
espiritualidade sobre o mundo corpóreo, legitimando a
imolação e a busca da santidade pela contemplação,
desprezando a vida. Se retirar da sociedade, viver de
esmolas e dos restos dos passantes, ser o centro das
atenções em praça pública, e dessa forma capitalizar
simbolicamente mostrando a potência de seu espírito, de
sua força de vontade quando comparada a espiritualidade e
a força de vontade alheia. O oriente está cheio destes
escapistas e eles entretiveram gente simples por séculos,
um papel bem atuante distraindo o povo enquanto impérios
suntuosos e nações poderosas foram erguidas sobre as suas
costas. É de senso comum na Índia o fato de todo Yogue ser
um guru em potencial e como todo guru quer mais é
expandir sua esfera de influência e com o advento dos

59
Protopia
Ensaios de Outros Topos

meios de telecomunicação não demorou muito para a


ladainha misticalóide atrair multidões nos quatro cantos do
mundo. Logo os místicos Yogues indianos estavam
inspirando os hippies (também escapistas bem conhecidos)
e doutrinando velhinhas endinheiradas e adeptos da
macrobiótica. A chegada do espetáculo Yogue ao ocidente
também deu origem a um dos exercício de relaxamento
preferido das camadas pretensamente saudáveis (ou semi-
esclerosadas) da classe média, a Yoga. Se religião é de fato
o ópio do povo, os Yogues e os faquírs os mais espetaculares
traficantes.
Outros escapistas históricos foram os poetas e
escritores do romantismo piegas do século XIX. Em meio a
suas crises de tuberculose e punheterismos - haja mão para
tanto amor platônico - os românticos daquele período viam
o mundo real como uma eterna frustração comparado com
seus idealismos, seus tantos sonhos sobre os quais também
pouco faziam para que se concretizassem. Escapar era a
grande solução - se embriagar em tavernas, sozinho ou com
outros fujões, chorar em público, desmaiar e desejar a
morte - os românticos foram grandes mestres da arte de
pagar mico e este, de fato, foi o motivo para que muitos
deles morressem virgens e imaculados.
Em nossa sociedade o escapismo assumiu
atributos de uma série de estilos de vida.
O workaholic
também enfia sua cabeça
em um buraco, neste caso
o buraco é o próprio mundo
do trabalho. Geralmente
sua vida privada está entre
o tédio e a nulação, suas
relações e afinidades são
praticamente inexistentes,
e enquanto o mundo
desaba ao seu redor, o Workaholic só quer saber de
trabalhar um pouco mais. Esquecer do resto do mundo e
suas crises, para o Workaholic o trabalho é um refúgio, tirar

60
Protopia
Ensaios de Outros Topos

seu trabalho é implodi-lo já que sem ele, o workaholic se


torna um nada.
Para as torcidas - de futebol, classicamente, na
América Latina, mas também em outros lugares - o que
importa é que seu time seja campeão. Normalmente os
torcedores fanáticos possuem trabalhos miseráveis,
problemas familiares e vivem empoleirados em subúrbios
cubiculares onde todo dia é dia de tentar se alienar. As
condições em que vivem pouca importa para eles, já que
possuem em sua frente o buraco para enfiar a cabeça
chamado estádio de futebol. Quando estão nos estádios,
gritam, bradam por justiça, por guerra, por força, por garra,
por determinação. Pelo estádio se sentem livres para gritar
aquilo que deveriam fazer fora dele, livres de uma vida de
frustrações deixada de lado pelo grito de gol que renderá
muitas conversinhas de corredor onde quer que seja.
É algo como o avestruz que, se sentindo num mundo
insuportável, põe a cabeça no buraco e berra nele,
indiferente aos berros sufocados que naquele momento
outros avestruzes estejam dando em uma situação bem
parecida.
O estádio de futebol é realmente um fenômeno
fantástico. Nele podemos notar de forma notória que os
torcedores berram por aquilo que crêem no mundo de fora.
Nacionalismo em dias de jogos da seleção, racismo contra
jogadores negros (como já se viu em torcidas do São Paulo
ou do Juventude de Caxias do Sul), racismo as avessas em
prol de times historicamente negros (como do Inter de Porto
Alegre), bairrismo (de novo no São Paulo e mais fortemente
no Grêmio de Porto Alegre, que inclusive canta em espanhol
como uma forma escapista de protestar contra sua condição
de brasileiro). Os torcedores inclusive exigem valores
supostamente morais de seus clubes, como a técnica em
alguns times (e aqui vemos incutido um elogio à tecnocracia
e a cultura da eficiência, inclusive sendo o valor moral mais
pregado pelas grandes mídias, que consideram o bom
futebol aquele não violento e cheio de técnica, como se o
espetáculo fosse uma transfiguração da própria máquina em

61
Protopia
Ensaios de Outros Topos

catarse sistêmica), a violência e a dita raça de outros (que a


mídia condena, por temer visivelmente que tais valores
fujam do campo e se joguem contra a máquina), a beleza e
a plasticidade (que a mídia elogia, embora tema que o
lúdico tome conta da vida cotidiana), etc.
O Rato de Balada
Entre os típicos niilista alternativo, o junkie é aquele
que recorre à "remédios" pouco ortodoxos - de calmantes
não reconhecidos pela OMS à estimulantes que transformam
qualquer um em uma sorridente líder de torcida - tudo
conseguido em alguma boca ou quebrada do bairro: que
miríade de formas fantásticas é capaz de se travestir o
consumo. Depois de 'feita a mão' liga-se o botão 'foda-se' e
viaja por paraísos artificiais (que normalmente são
advogados pelo junkie sob o belo argumento da droga ser
natural). Afinal de contas o junkie paga suas próprias contas
(impostos e consumos) e ninguém tem nada a ver com isso,
(certo?). No trem das conseqüências, ninguém é uma ilha
por mais que se cerque de ilusões por todos os lados. Todo o
potencial transformador e criativo de um junkie se resume e
se consome no ato de cambalear num mundo cambaleante
na calçada do centro da cidade ou na cobertura de algum
amigo riquinho. Neste admirável tempo de novos
escapismos, seja qual for, para muitos a droga é o SOMA. Só
resta a pergunta: é possível que um escapista atravesse as
portas da percepção. A resposta realmente não importa, o
que importa é que entre a realidade e o dopping, se você é
um junkie, optou pelo dopping, logo sua realidade cotidiana
provavelmente é um imensa sucessão de momentos sacais
que desafiam a cada instante sua vontade de existir. Será a
fuga o melhor remédio?

"...meio grama para uma folga de meio dia, um


grama para um fim de semana, dois gramas
para uma viagem ao suntuoso Oriente, três
para uma eternidade sombria na Lua."
Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo

62
Protopia
Ensaios de Outros Topos

O telespectador é possivelmente o avestruz que já


aceitou sua impotência perantente o mundo. Ele não berra
mais no buraco e nem quer achar minhocas cor-de-rosa
voadoras dentro dele. Ele simplesmente quer achar um
buraco confortável, que sua cabeça não doa, que dê pra
respirar gostoso e que tenha um buraquinho onde no fundo
se enxerga a bunda daquela avestruz gostosa. Ele, inclusive,
já aceitou que sequer comer aquela avestruz gostosa
conseguirá, pois isso só é possível para os avestruzes que
possuem mais penas e buracos mais luxuosos. Assim, o
telespectador aceita que outros possuam buracos mil vezes
maiores que o dele, aceita que ele jamais terá o prazer
sexual que deseja, aceita que sua comida será eternamente
o bagaço e se contenta em contemplar, passivo em seu
buraco, os desejos satisfeitos de outros avestruzes.

Bancar o louco
não é a melhor Estratégia
Certas pessoas que ao chegarem à conclusão de que
o mundo as incomoda, resolvem retrucar o incômodo com
um incômodo maior ainda. A idéia não seria ruim se
soubessem canalizar seus esforços para o lado certo.
Em certos contextos a
liberação do incomodo, em
forma de revolta e raiva é o
melhor a ser feito. Mas para a
maior parte destas pessoas,
bancar o louco e rodar a
baiana não chega a ser uma
tática, é sim um estilo de
vida - algo a ser anexado à
própria identidade, que
quando acionado é descarregado, o resultado é leveza e
soltura em seu 'eu' intrinceco, quem está ao seu redor é
quem geralmente aguenta o repuxo. Mas... diante de
tamanho beneficio o que importa as vítimas da rodada?!
Como metralhadoras giratórias com problemas no

63
Protopia
Ensaios de Outros Topos

tripé, este tipo faz vítimas de uma forma indiscriminada.


Mas sempre existe algum lugar onde se esconder - atrás de
um bem medido espontaneísmo, as vezes até mesmo
considerado por quem o aciona, como algo subversivo. Esta
forma de "auto-descontrole" se tornou muito comum em
uma série de movimentos contra-culturais do século XX, e
provavelmente foi o motivo de sua assimilação e ruína. É
aqui que começamos uma breve arqueologia do descontrole
esvaziado no mundo do espetáculo.
Não é novidade que o espetáculo distorce a vida:
quem não lembra de Juventude Transviada, o filme de 1955
onde um certo James Dean interpretava um estetizado
"rebelde (aparentemente) sem causa", um protótipo ideal
de beatnick esvaziado de todo seu conteúdo político e
poética, reduzido a uma espécie de galã juvenil em um
mundo que nada mais era que uma versão mais que
perfeita do sonho americano. Descontrolado e sedutor, Jim
Stark (o personagem interpretado por Jean) era a armadilha
perfeita para o público jovem da década de 50, jaquetas de
couro, máquinas possantes, gel no cabelo e vestidos
rodados venderiam como água dali para frente. E a vida
reflete o espetáculo: beatnicks descontrolados e esvaziados
como Stark passaram a se arrastar pelo pelo mundo, desde
então, isso impressionava as garotas, e decretava o fim de
um movimento.
E não parou por aí, dos hippies
aos punks, todos tiveram, ambas as
modalidades da contracultura
recente tornaram-se estereótipos
variantes deste mesmo descontrole.
A conveniência é a mãe da fast fode,
com um moicano na cabeça e uma
jaca de rebites imbecis, adoradores
do caos...
O descontrole aparentemente
espontâneo vem vendendo um
bocado desde então. Além de ser uma forma excelente
maneira de combater o tédio e exercitar o niilismo. O

64
Protopia
Ensaios de Outros Topos

mercado do rock pesado está cheio disso (vide o imbecil na


foto acima, ele é só mais um pseudo-enlouquecido
telespectador que pagou 50 dólares para rolar na merda no
festival do Ozzy). Não é para menos, desde que os
espetaculares descobriram que comer morcegos e explodir
porcos, bater em fotógrafos e quebrar guitarras e hotéis
aumenta a venda das camisetas e discos, seus fãs tinham
que se sentir consumindo esta nova atitude.
Mais recentemente foi exibido no Brasil uma novela
de fazer qualquer ser humano com o mínimo senso vomitar:
Rebelde. Um bando de filhos de milionários que estudam
numa escola para igualmente milionários se demonstravam
constantemente descontentes com as atitudes dos pais,
mandavam seus professores se foder, etc. Tudo que queria
era poder consumir sem que ninguém os enchesse o saco: o
resumo da ópera "geração X" estava ali, libertários que
entendiam liberdade como "quero consumir o que eu quiser
sem que ninguém me aborreça", rebeldes que resumiam
seus motivos de indignação a terem de ter noção com o
trato do outro.
Nossa "civilização" é certamente campeã em
subculturas que julgam resolver os problemas do mundo
com alguma artimanha ridícula que levam a sério. Os
vegetarianos, os vegans, os naturebas, os hare krischna, os
maconheiros, os moradores de rua por opção, os
primitivistas nômades, os quakers, os monolitas, os rebeldes
sem causa, os hippies, os beatnicks, enfim, uma cambada
de gente que acha que pode resolver o mundo baseando-se
em algum princípio simples que os torne diferente de todos,
como não comer carne, rezar com a benga, usar drogas
naturais, fugir de casa, caçar comida no mato ou mesmo
plantar utilizando técnicas pré-históricas. A verdade é que o
que estas pessoas estão fazendo é nada mais nada menos
do que se fingir de louco, criando uma vida imaginária que
soluciona todos os problemas e acreditando (e forçando
outros a acreditar também) que dessa forma sua vida está
solucionada. O fato é que não solucionam nada e eles
sabem disso, mas se esforçam pra se enganar que suas
idéias solucionam.

65
Protopia
Ensaios de Outros Topos

Revolta saudável
ela não faz a menor diferença
Por todos cantos vemos manifestações "pacíficas".
Estudantes revoltados empunham flores, como se hippies
tivessem resolvido algo caminhando em avenidas. Os
motoristas, pessoas normais tentando manter suas vidas
numa relativa estabilidade débil, se revoltam contra o
"caos", que nada mais é que chegar em casa 10 minutos
atrasado. E agora, pasmem, até a classe média semi-alta se
acha movimento social protestando contra a demora de
algumas horas para embarcar em seus vôos para Miami ou
para o Nordeste. As peruas e mauricinhos estão cansados.
Pobres diabos.
Se nem tudo começou com os reformistas pós-
petistas¹, por aqui, no Brasil, parece que eles seguem a
risca com suas tédio-passeatas, tudo o que manda o manual
do esquerdista revoltadinho. A conseqüência da revolta
estudantil, por vezes sindical, é nada mais que um pequeno
congestionamento para os motoristas e passageiros de
ônibus e uma pequena catarse para os pós-petistas. Nada
mais. Nada muda, ninguém toma partido (para além da
instrumentalização da luta em nome do próprio partido) e
tudo segue seu rumo cotidiano logo após a manifestação
acabar.
Não se sabe se essa
demência começou com os
hippies, mas certamente ela se
consolidou no medo de
qualquer revoltado de tomar
um pau da polícia. De lá para
cá os pós-petistas evoluíram
muito no quesito "protestos",
agora entre eles apanhar da
polícia e aparecer no jornal oferece inclusive alguma chance
de ganhar um carguinho de confiança com algum deputado
ou mesmo concorrer a deputado em alguma eleição.
Maravilhas do mundo encantado dos vermelhos menos

66
Protopia
Ensaios de Outros Topos

votados!
Seja o que for, apanhar e se revoltar passivamente
por ter apanhado ainda é a regra. Então, que brademos em
altos tons: os pós-petistas (assim como os hippies a seu
tempo) não vão resolver NADA e os policiais NÃO SÃO
INVENCÍVEIS. Se a revolta é contra bancos, que se queimem
os bancos e se afrontem os policiais. O levante - festivo ou
vociferante é necessário para acabar com a bunda-molice.
Aliás, os policiais são controlados por políticos (da
esquerda e da direita) que por sua vez só se sentirão
intimidados por maiorias ocupadas em quebra-quebras. Se a
revolta parecer consensual entre a população - e talvez você
possa fazer alguma coisa nesse sentido - os políticos
ordenarão que os policiais recuem (como já ocorreu algumas
vezes) e pode ter certeza que eles vão querer recuar. Caso
contrário, esteja certo de que você participará de uma
pequena batalha que poderá ser mil vezes mais divertida do
que ir à montanha-russa na Disney. Admita os riscos: ser
preso, apanhar e talvez ser hospitalizado. Mas afinal, existe
melhor forma de combater a violência institucional que
aniquilando o monópolio da repressão estatal de dentro de
si e assumindo que a luta pode ser simétrica?
Entenda que após isso você não mudará o mundo,
mas certamente deixará o objeto de revolta com um pé
atrás antes de fazer a próxima patifaria. Lembre-se do lema
dos anarquistas gregos - "Não vamos fazer igual! Vamos
fazer pior!" Alguém uma vez disse "é melhor morrer em pé
do que viver de joelhos!" - prepare sua máscara, suas
canções anarquistas, suas pedras e molotovs e boas festas!

Arte-Rebeldia
Quero minha parte em pólvora

"Não vou à Bienal, se for passo mal".


Transeunte

67
Protopia
Ensaios de Outros Topos

"As pessoas precisam mais do que arte. Precisam de fogo e


esperança.".
V de Vingança
Ao entrar numa bienal, verás um curta-metragem
sob masturbação. Caminhe pelo corredor e verás um mar de
papel a tua direita. Siga pelo corredor da esquerda e verás
lâmpadas iluminando o último conceito em ambiente. Isso
resume tudo. A Bienal é masturbação, é um mar de papel e
é uma exposição de decoração para a alta classe social
disposta a contratar o que há de mais "conceitual" para
deixar a "sociedade" babando pelos seus palacetes. A Bienal
é o símbolo máximo do fracasso da arte. A arte, por sua vez,
como representação do real, fracassada, deixa claro que
falhamos enquanto sociedade.
Mas voltemos um
pouco. Para entender como
chegamos a isso, temos de
lembrar o que é ARTE. Arte,
caros amigos, é uma forma
explícita de dizer algo. Por
exemplo: se alguém falar que
"se sente mal", o interlocutor
permanecerá totalmente
indiferente. Mas esse alguém pode dizer isso de uma forma
que ofereça uma amostra de seus sentimentos. Essa
amostra é a arte. A arte é o eufemismo estético do mundo
da vida. Se falar não resolve, nos comuniquemos de uma
forma mais FORTE.
É claro que a arte não serve só para dizer que nos
sentimos mal. As vezes serve também para dizermos como
achamos isso ou aquilo bom ou ruim, como nos sentimos
em relação ao sexo, a sociedade, ao amor, ao ódio, etc. Pois
bem, você está na Bienal. O que o artista está te dizendo?
NADA. A verdade é que por trás do discurso de "toda
interpretação é válida" temos um artista que não tem nada
pra dizer - "Viva o vazio semântico! Significantes sem
significado!" Ele está submetido às regras do jogo, e as
regras do jogo são: por mais que te sintas mal em relação a

68
Protopia
Ensaios de Outros Topos

tudo, mantenha a ordem "natural" das coisas se


expressando, mas ainda assim não dizendo absolutamente
nada de novo. Assim, a bienal é o símbolo do nosso fracasso
enquanto civilização: nos enredamos numa trama tão
maldita que sequer podemos imaginar nossa vida fora dela.
Não temos mais o que expressar porque não vivemos mais e
sim somos marionetes das regras implícitas do jogo.
Vou ser retórico: qual a forma mais contundente que
temos para dizer "Eu odeio essa ordem das coisas!"?
Simples: explodindo tudo. A destruição é, acima de tudo,
uma arte. É, acima de tudo, comunicação clara, objetiva,
explícita, forte e, creia-me, BELA. Pense num banco em
chamas, com toneladas de papel voando pelas janelas. É
um crime? Só se você enxerga pelos olhos do banqueiro ou
do estado. Se você é só mais um explorado, então isso é
arte! A arte deixou de existir com as bienais porque foi
criminalizada! Pense na beleza do marco histórico humano
onde as pessoas dizem "NÓS NOS SENTIMOS MAL COM O
SISTEMA FINANCEIRO". Essa frase parece idiota, mas ela
vira uma frase perene, se materializa, impacta, e será
lembrada, quando um banco inteiro queima.
Pense: não podemos construir nossa civilização por
mero acréscimo de novas coisas às antigas. Algo deve
queimar para dar lugar ao novo. Mas é necessário separar o
que é violência (contra seres humanos) da destruição do
que não queremos como sociedade. Por mais que pareça
interessante dar uma boa surra em alguns, devemos ter em
mente que o problema não são eles, mas o que eles
defendem. Os bancos, as bienais, o sistema. Este deve
queimar e não as pessoas: um banco vazio pegando fogo
não pode sofrer violência, ele não está vivo, é só um banco,
um símbolo de muito do que não queremos. Temos de
mudar a estrutura. algumas coisas como bancos e bienais
devem queimar!

69
Protopia
Ensaios de Outros Topos

Aprendendo com viroses


Metáforas para o sistema e para a contraestratégia

Sistema como vírus


Tantas foram as metáforas com que se
buscou definir o sistema capitalista - a
Máquina (que exige recursos a garantir
sua permanente reprodução, usando
pessoas como suas peças, incansável,
fria e perene); a Vitrine (onde coisas e
pessoas são colocadas a exposição - e
a venda - espetacular - com seu brilho plastificado isolado
em meio ao vidro, vendendo um mundo que além de
montagem, não se estende para o interior da edificação; o
monstro faminto (devorando vidas e matéria prima,
acumulando tesouros, deixando para trás restos humanos e
pilhas de lixo). Nenhuma delas parece definir
completamente este inimigo no seu aspecto de
internalidade - e sim estamos enfrentando um inimigo
interior - e assimilação do Sistema.
Sabemos que a máquina pode ser facilmente
sabotada; a vitrine, pode ser quebrada em seu brilho
estético, e o monstro faminto sempre terá seu calcanhar de
aquiles. Mas nenhuma metáfora parece encaixar tão bem
quanto a imagem do vírus. Segundo a definição da
Wikipédia vírus é "uma partícula basicamente protéica que
pode infectar organismos vivos. Uma forma parasita
obrigatória que se aloja no interior celular se reproduzindo
pela invasão e possessão do controle da maquinaria de
auto-reprodução celular." Mas o que estaria no DNA do
Vírus-Sistema? Qual é seu DNA, e de que forma ele se
espalha? Quais são seus sintomas?
Nos termos de referenciais simbólicos o chamado
"Sistema" age exatamente da mesma forma: infecta
diferentes culturas, espalha suas referências as custas de
tantas outras e, com o tempo, assume o controle da
maquinaria em favor de sua auto-reprodução. Dessa forma

70
Protopia
Ensaios de Outros Topos

busca garantir a prevalência de uma única "visão de


mundo", uma única forma de interação que compreende a
realidade através de um conjunto referencial específico.
Devemos então refletir sobre este conjunto
referencial simbólico: cada forma cultural humana possui
um conjunto de referenciais simbólicos da mesma forma
que cada indivíduo biológico possui uma combinação de
DNA, um conjunto de moléculas contendo informação. Esses
referenciais simbólicos assim como o DNA, podem ser
herdados, compartilhados e misturados. Também com o
tempo e em uma relação de mutualidade com o meio este
DNA encontra-se em transformação, se adaptando e
mutando para outras formas segundo a necessidade ou a
conveniência. É exatamente essa maleabilidade de
referenciais simbólicos (assim como no DNA) que permite
que às subjetividades humanas distintas sobrevivam, se
modifiquem e, processualmente, deixem de ser o que são
para se tornarem outra coisa, um exemplo biológico são o
troodontes, pequenos dinossauros corredores e saltadores
que deram origem aos pássaros, dois exemplos culturais
humanos são os Vascones1 que na Península Ibérica deram
origem Bascos, ou Medos2 que no Oriente Médio originaram
os Curdos.
Se examinássemos uma fração
desses referenciais provavelmente
encontraríamos postulados como
estes:
• "O trabalho enobrece, liberta e
dignifica"

1 Os Vascones eram um povo antigo que, antes da chegada dos


Romanos, habitava a atual Espanha, a norte do rio Ebro atual Navarra. É
provável que sejam os antepassados dos Bascos da atualidade.
2 Os medos foram uma das tribos de origem ariana que migraram da Ásia
Central para o planalto Iraniano. Assentaram-se na região noroeste do
atual Irã, posteriormente conhecida como Média, e, no final do século
VII a.C. Diversos indícios apontam para o fato de que os medos foram os
ancestrais dos curdos contemporâneos.

71
Protopia
Ensaios de Outros Topos

• "O homem é mal por natureza3".


• "Cada pessoa se faz por si mesma e cada um é o
único responsável pelo seu próprio sucesso ou
fracasso".
• "Só o consumo salva".
• "Só você pode mudar a sua vida".
• "Democracia é o governo do povo e a forma mais
avançada de gestão humana".
• "Não existe política fora do sistema partidário".
• "Riqueza e sucesso profissional são sinônimos de
uma vida plena".
• "O Estado trabalha para o seu bem-estar".
• "O Mercado existe para o seu bem-estar".
• "Civilização é o nome dado ao estágio mais elevado
das sociedades humanas".
• "Independente de todos meios vis e das
conseqüências desastrosas, desenvolvimento
econômico é sempre bem vindo".
• "O mercado global trará um futuro melhor para todos
os habitantes do planeta".
• "É impossível viver sem Estado, as pessoas são
incapazes de se auto-organizarem".
• "O governo é necessário para um mundo melhor".
• "O homem é bom por natureza4".
• "Os códigos legislativos trabalham em favor de um
tempo pleno de Justiça"
• "Tudo é como sempre foi e tudo é como sempre

3 Esta é a visão hobbesiana da essência humana, explicitada em frases


que ficaram famosas, entre estas a mais notória é aquela que diz que "o
homem é o lobo do homem". Tomas Hobbes, é o mesmo canalha que
criou uma teoria contratualista para defender o estado absolutista em
seu Leviatã, dando direitos ao monarca de decidir sobre a vida e a
morte de seus súditos.
4 Nesta afirmação se definem a visão sobre os seres humanos de dois
autores clássicos do contratualismo. Tomas Morus e Jean Jaques
Rousseau. Rousseau defendia a idéia de que a bondade natural do
homem era deturpada pelo contrato social e Morus considerando esta
natureza bondosa, afirmava que todos aqueles que se desviassem dela
deveriam ser severamente punidos, mortos inclusive, em caso de
adultério, considerado malévolo pelo autor.

72
Protopia
Ensaios de Outros Topos

será".
"Infecção" é sinônimo de "colonialismo" e o grande
objetivo do Vírus-Sistema é uma epidemia global
generalizada. Apesar dos hospedeiros correrem risco de vida
e começarem a perceber alguns sintomas como surtos de
violência (aparentemente sem sentido) e caos ambiental
(que por enquanto é assumido como mera inconveniência),
a grande maioria permanece insensível em seu mundo
fictício de constante progresso onde toda desolação deve
ser ignorada.
Como alguém já disse antes nosso vírus-sistema um
monstro assimilador, se alimenta do nosso imaginário, de
estilos de vida, convertendo nossas referências, mesmo (e
talvez principalmente) aquelas que se voltam contra ele,
podem ser assimiladas, esvaziadas de conteúdo,
estetizadas, produtificadas na forma de objetos de consumo
a serem usados contra todo e qualquer desejo de
insurreição. "Propaganda é a arma do negócio" e após o
bombardeio midiático, finalmente os chineses podem se
deliciar com Coca-Cola, também os indígenas devem se
tornar empreendedores e logo o sonho americano estará
disponível nos subúrbios de Bagdad. Os anti-sistêmicos e os
sistematicamente marginalizados são chamados de volta ao
centro, através de suas imagens roubadas e refeitas em pró
da grande epidemia.

Virose(s)
Se o vírus como uma boa
metáfora ele não pode ser pensado
como algo único e coeso. Não existe
apenas um único vírus, mas sim
diversas viroses diferentes que em
diferentes contextos, apesar de
serem viroses pró-sistêmicas, em
certos contextos podem competir
entre si sem muita consciência (ou
consideração) de suas
conseqüências. O Estado dos burocratas, em sua ânsia por

73
Protopia
Ensaios de Outros Topos

carimbar, protocolar, controlar, cobrar, autuar, autorizar,


registrar, enfim, sugar, muitas vezes acaba por infernizar do
capitalista mediano às grandes corporações. Novas
tecnologias acabam por fazer com que capitais voltem-se
uns contra os outros: a luta das gravadoras e estúdios de
cinema contra os compartilhadores de arquivo na internet e
equipamentos de cópia e reprodução de informações - MP3
players, gravadores de CD e DVD - é um bom exemplo disto.
Em certo sentido somos minimamente beneficiados por
estes embates, resultados da força exercida pelos genes da
competitividade em cada um desses vírus.
Porém, para além desse benefício, podemos ter
certeza que como os escorpiões e as cobras, que evoluem
lutando entre si, as viroses do capital e do estado
desenvolveram uma série de estratégias de resistência um
com relação ao outro. Logo, não nos parece aconselhável
esperar que através de seus embates inconstantes, o capital
ou estado se acabem. Lembre-se que não há esperança em
nenhum dos lados, e utilizá-los em nosso benefício pode ser
uma arte marcial perigosa, pois exige uma grande
capacidade de interpretação, e muitas máscaras do
ocultismo.
Se pudessemos analizar o "DNA" destes vírus
certamente descobriríamos que eles são resultado de uma
bifurcação na evolução de alguma forma de virose da
dominação que é muito, muito mais antiga. Talvez seja essa
ancestralidade em comum que permita que, sob qualquer
ameaça, eles sessem quase todas as formas de rivalidade e
trabalhem como se fossem um único organismo. A simbiose
entre o estado e o capital tende a assumir as formas mais
curiosas e nocivas: o fascismo do livre mercado, o estado de
bem-estar capital, e também o capitalismo de Estado (que
alguns ainda insistem em chamar de "socialismo") são
algumas daquelas que nos são mais próximas. Seja como
for, assumindo a forma que assumirem, são nossos inimigos
e sempre estarão trabalhando para sua perpetuação em
detrimento de toda e qualquer possibilidade de liberdade
que possamos desejar - cada uma de suas formas requer
estratégias diferentes, e talvez o maior erro dos

74
Protopia
Ensaios de Outros Topos

revolucionários em quase todas as épocas tenha sido o


apego pelas estratégias ultrapassadas, terapias que já se
provaram ineficientes, geralmente sugeridas por um ou
outro grande pensador.

Vírus versus vírus


Na atual conjuntura o que nos
resta é pensar quais são as melhores
técnicas para combater a simbiose
entre capital e estado na forma do
fascismo do livre mercado -
particularmente eu apostaria minhas
fichas num contra-vírus que fosse ao mesmo tempo
ocultista e para-espetacular, algo capaz de infectar os vírus
pró-sistema, implodindo-os por dentro, assimilando e
subvertendo seu DNA sempre que possível. Não se podemos
negar que alguma coisa nesse sentido está sendo ensaiada
lá fora, o prelúdio da epidemia (na epidemia) é algo que
paira no horizonte e começa a tomar conta do cotidiano de
alguns setores.
Dois movimentos se alternam, de um lado o ataque
ocultista, do outro a visibilidade para-espetacular. Entre as
táticas para-espetaculares temos religiões esquisitas (como
o primitivismo por exemplo) crescendo para desespero dos
engravatados, redes de Okupas se espalhando pelos
continentes e grupos cada vez maiores de manifestantes
reclamando a rua de formas inesperadas e criativas, a
comunicação alternativa e sites anarquistas lançam outras
versões da história; enquanto ocultos nas sombras hackers
libertários, eco-anarquistas, guerrilheiros psíquicos e
adeptos do Yomango se dispõem a atormentar capitalistas e
estadistas, causando danos a sua moral desenvolvimentista
ou grandes estragos às suas contas bancárias. Alardeados
ou quase desapercebidos os vírus da subversão se
espalham.
O espetáculo tenta invisibilizar essas ações com a
mídia de massa - talvez Fátima Bernardes realmente cheire

75
Protopia
Ensaios de Outros Topos

cola5 - a era dos reality shows e das tele-revistas semanais


de perfumaria com apresentadores plásticos afetados, soam
cada vez mais como normalidade deturpada, até mesmo
para os telespectadores mais zumbis. Nas mentes
domesticadas a dúvida vêm a tona arrastada por um
tsunami de verdades inconvenientes - é grande a
possibilidade que um saco de merda e um democrata
midiático tenham realmente o mesmo cheiro6.
O cheiro de merda e sangue se mistura no ventilador,
o espetáculo espirra em todos aqueles a quem ele não
serve, em uns pela deturpação de suas imagens, em outros
pela crença na imagem deturpada. Mas o objetivo esperado
só é conseguido parcialmente e gera uma série de efeitos
colaterais inesperado: enquanto algumas velhinhas e
crianças se amedrontam, outros se sentem seduzidos pela
verdade oculta pelo vírus espetacular. Talvez a expansão do
Islã ortodoxo no ocidente se deva exatamente por causa da
espetacularização da mídia de massas em torno destes
"bárbaros e irracionais". Toda a caricatura proposta pelo
espetáculo em torno dos maometanos contém uma
mensagem intrigante e dissimulada, que só os
desencantados são capazes de decodificar: A opção de
dedicar a sua vida (e até mesmo acabar com ela) em nome
de uma causa que valha a pena acreditar, é um convite que
nenhuma vida esvaziada é capaz de recusar. Esta talvez
seja a característica mais promissora dos vírus contra os
vírus: se alastrando nos imaginários libertos, preenchendo
de conteúdo vivenciável num movimento contrário ao dos
vírus sistêmicos que se expandem através do esvaziamento

5 Aqui faço referência a uma das passagens de Fátima Bernardes


Experiência, uma das músicas de autoria do niilista junkie midiático
Rogério Skylab, escrita como forma de crítica à prostituição e à
decadência dos meios informacionais televisivos no Brasil.
6 Uma verdade inconveniente é o nome do documentário sobre
aquecimento global financiado e estrelado por Al Gore (que significa
Todo Vísceras), ex-candidato a presidência estadunidense (perdedor)
pelo partido democrata, que pretende capitalizar para sua corrente
política se tornando garoto propaganda e bom moço em ação contra o
aquecimento global. Se Gore denuncia uma verdade inconveniente,
esconde tantas outras atrás do seu sorriso de yuppi aproveitador
envelhecido.

76
Protopia
Ensaios de Outros Topos

e da mercantilização da estética, os contra-vírus da


subversão oferecem um outro mundo, pleno de conteúdos
vívidos, e expansível até a onde a vista alcançar.

Ameríndia kilombola
Contra as Verdades Vendidas pelo Status-quo

"Quem controla o passado, controla o futuro;


quem controla o presente, controla o passado".
George Orwell, 1984
"Todo sistema de educação é uma maneira
política de manter ou de modificar a apropriação
dos discursos, com os saberes e os poderes que
eles trazem". -
Michel Foucault, Vigiar e Punir
“um facto é verdadeiro não porque obedece a
critérios objectivos, rigorosos e comprovados na
fonte, mas simplesmente porque outras formas
de media repetem as mesmas informações e
“confirmam”… A repetição substitui à
verificação. Se a televisão (a partir de uma
transmissão ou de uma imagem de agência)
apresenta uma noticia e em seguida a imprensa
escrita e a rádio a retomam, só basta isso para
creditá-la como verdadeira”.
Ignácio Ramonet, A Tirania da Comunicação

De volta aos Kilombos


"...e a mente é um quilombo moderno,
lugares para todos os pensamentos refugiados
da insensatez reinante do planeta Terra"
BNegão, Enxugando o Gelo

77
Protopia
Ensaios de Outros Topos

A palavra 'kilombo' tem origem na


língua mbundu, do tronco lingüístico
bantu, significa um ponto de encontro em
uma área previamente conhecida, um
lugar de descanso, de pouso, para onde
convergem e se encontram populações
nômades, grupos conhecidos e/ou
aparentados. No período colonial os
negros mbundu da atual região de Angola
foram trazidos para a América
Portuguesa aos milhares, decorre daí o
fato da maioria dos escravos das colônias portuguesas
serem falantes de línguas bantu.
Sem muito embargo a versão colonialista colocada
em tantos livros escolares afirma que kilombos nada mais
eram que ajuntados de negros que sobreviviam, isolados e
as escondidas, na simplicidade de aldeias miseráveis,
esquecida pelas elites coloniais em algum rincão no interior
do futuro Brasil.
"Lugar de negro fugido" foi o que te disseram... como
é simples e conveniente reduzir os kilombos a meros
"refúgios de escravos" e, assim, invisibilizar a espacialidade
fluída e as estratégias de luta e auto-libertação dos
africanos contra a empresa colonial. Quem controla o
passado, controla o futuro; quem controla o presente,
controla o passado, a frase de George Orwell é quase um
resumo da situação referencial a que são submetidos os
africanos e sua história no período colonial. Quem defende a
"história estatal" ou "oficial" se reconhece como herdeiro da
empresa colonial e, nessa posição busca garantir a
constância e a hegemonia de suas próprias referências em
detrimento de outras tantas referências, das outras versões
históricas.
Chega a causar espanto a contradição em que a
história oficial coloca a empresa colonial - que teria
empregado tantos esforços para acabar com populações
inexpressivas e insignificantes. Para além de deslizes como
este, as ilusões que conformam a realidade histórica oficial

78
Protopia
Ensaios de Outros Topos

são tão bem arquitetadas quanto possível, como a exibição


da cabeça empalada de Zumbi dos Palmares nas praças
públicas de Recife: um lembrete aos negros escravos sobre
o que acontece com quem ousa se levantar contra a
supremacia histórica dos senhores coloniais brancos.
Na América Portuguesa os kilombos foram espaços
autônomos de negros insurgentes, módulos de rebeldia que
mais de uma vez, articulados em rede, desafiaram todo o
projeto continental de governabilidade e exploração
lusitana. Alguns por mais de um século sustentaram formas
eficientes de produtividade - alimentos, cestarias, tecidos,
cerâmicas e metalurgia - gerando excedentes que
permitiram trocas significativas com grupos indígenas e
camponeses pobres que lhes eram vizinhos. Em seu apogeu
os kilombos mais prósperos como o de Palmares (1670)
abrigaram não menos que 20 mil pessoas, contando com
extensas redes de informação inseridas secretamente em
fazendas e vilas dos portugueses, criaram bases militares e
milícias que ficaram conhecidas entre seus inimigos por sua
eficiência na guerra de guerrilha.
Mas... certamente aos olhos dos empreendedores
coloniais - senhores de engenho e brancos escravocratas - o
maior perigo originado nos kilombos não eram suas milícias.
A principal ameaça era a ampla difusão de uma forma
distinta de viver, um conjunto novo de referências povoando
o imaginário dos milhares de negros cativos maltratados e
maltrapilhos em senzalas sujas: seus escravos sabendo da
existência de um lugar auto-governado por negros que
foram escravos como eles, e que através da insurreição se
faziam livres por sua própria força lutando e vencendo em
diversas ocasiões o aparato de repressão colonial. Para os
escravocratas do final do século XVII a revolta em uma das
ilhas caribenhas apresentava a possibilidade aterradora
daqueles a quem exploravam fossem bem sucedidos em
derrubar seus dominadores. A Revolta do Haiti se tornaria
um fantasma pairando sobre as casas grandes das três
Américas: o Haiti, onde multidões de negros escravos
organizados, em 1797 derrubaram o governo francês,
aboliram por si mesmos a escravidão, e cortaram as

79
Protopia
Ensaios de Outros Topos

gargantas de seus antigos mestres para que nenhuma outra


ordem pudesse ser dada.
No Brasil era inadmissível e ameaçador demais a
existência de uma rede de kilombos onde negros rebeldes
decidiam seu destino em coletividades que se juntavam em
terreiros, que elegiam líderes somente em situações de
combate, e que sempre se mostravam dispostos a defender
com armas a liberdade de seu novo-velho modo de viver. A
grande ameaça de um quilombo como Palmares é que, nele,
a cada dia e por muitos anos, chegaram homens e mulheres
querendo ser pessoas.
Mas... e o Haiti?! Não é aqui!?

A Volta dos Kilombos


Toda periferia tem - um pouco de senzala e um pouco
de kilombo. Após a abolição formal da escravatura muitos
homens e mulheres negras, esperançosos de uma vida
melhor deixaram as fazendas onde continuavam sendo
tratados como mercadoria. Ironia do destino, não só neste
caso, mas também em tantos outros o gueto torna-se a
prisão e o pátio de execução. Negros e negras e outros de
outras cores foram para kilombos-senzalas serem tratados
como mercadoria agora no mercado de trabalho, sem
onerar nenhum senhor com sua fome ou seu frio, agora
eram livres para morrer e viver na escravidão do salário.
Nas mentiras que poder conta, o princípio da "liberdade"
morre estrangulado por distorção. Logo o cortiço, o barraco
e a vila são assombrados pelos novos capitães do mato,
brancos (mas também pardos e negros) que agora recebem
o nome de policiais. Nego que foge da escravidão do salário
para cair no crime deve ser caçado e ter seu corpo
ensanguentado e crivado por balas na tela dos programas
policiais.
"Determinei que pusessem sua cabeça em um poste
no lugar mais público desta praça, para satisfazer os
ofendidos e justamente queixosos e atemorizar os negros
que supersticiosamente julgavam Zumbi um imortal, para

80
Protopia
Ensaios de Outros Topos

que entendessem que esta empresa acabava de todo com


os Palmares." (Caetano de Melo e Castro, governador de
Pernambuco, 14 de março).
Ninguém pode ameaçar a casa grande, o bairro
grande e os arranha-céus, e assim a violência ancestral
colonialista se renova sobre as costas de negros (mas
também pardos e brancos) numa nova configuração. O
racismo descolorado negreia os pobres e branqueia os ricos
- e acima dele flutuam os preceitos que geram ambas, a
riqueza e a pobreza, na sacralidade das leis.
No mercado negreiro não há necessidade de escrever
em códigos - trabalhador vale mais que desempregado,
homem vale mais que mulher, adulto vale mais que criança.
Ninguém é igual perante as leis escritas ou não sempre
distantes da justiça: não é possível permanecer neutro
diante do sofrimento próprio e alheio, nem em meio a uma
guerra. Ignorar voluntariamente todas as crianças pedintes
nos semáforos e seu caráter de páginas de uma história não
contada, e rubricar as páginas do livro da história oficial na
qual a vida destas ou o contexto que surgem pouco importa.
A história oficial pertence aqueles que são
beneficiados pelo progresso nacional e capital. Os mestres
da casa grande, senhores da-nação. Seus interesses estão
contemplados na manutenção dessa forma salarial de
escravidão. O culto ao gueto que fazem os rappers na busca
de auto-estima promovendo um "orgulho suburbano" é de
grande serventia para que os escravos amem sua senzala.
Também a cachaça que era originalmente um
ferramenta colonial administrada pelos senhores para que
seus escravos não sentissem o cansaço do trabalho duro
dos revezes que colocavam sobre as suas vidas, cumpre sua
função no bar onde hoje se acabam os homens depois de
turnos desumanos de trabalho sujo.

Tekoá: um lugar para o Modo de Ser


Guarani, mãe e filho beira da estrada
é possível ver cestos coloridos pendurados

81
Protopia
Ensaios de Outros Topos

em galhos, ao fundo a barraca de lona faz frente a fogueira,


dois homens se sentam despreocupados a sombra
entalhando a imagem de animais na madeira, quase
indiferentes ao transito de carros que passa ali a poucos
metros, crianças correm e brincam na terra, levam sua
marca. Uma mulher trança um balaio e conversa com a
outra, mais velha que sentada em frente a barraca ri singela
com sua boca sem dentes.
O tempo passa vagaroso num acampamento
Guarani, enquanto os carros dos juruá passam rápidos de
um lado para o outro. Tataendy diz à Xunü que quer beber e
a bebida, e que quer festa. Hoje seu interior está apertado e
essa semana ele quase não sorriu. Agora Junta os ferros
perto do fogo e se acocora para começar a entalhar outro
vixúrangá.
Xunü sabe que a cachaça na beira da estrada é festa
pequena, festa que se festeja quase só. Não... esse não é o
lugar do modo de ser. Os olhares dos juruá carregam a
censura, a ignorância, a pena e o poder. Xunü olha para os
carros a passar e lembra de sua avó a contar da época em
que vieram os brancos, os antigos os chamaram de
retavá'e'kuery, aqueles que surgiam como formigas. "Eram
muitos, e atrás desses vieram muitos mais". Poucos são os
que como Xunü lembram desse nome. A maioria os chama
Juruá. Nome muito antigo, do tempo em que vieram com
palavras macias e convenceram os Guarani a lutar contra os
parentes - suas palavras não brotavam de suas almas, eram
lançadas para fora de suas bocas peludas que tanto
impressionava os Mbyá.
Mas isso foi a tempos antes do tempo de Xunü, antes
da terra ser talhada pelas cercas e pelas estradas. Agora os
juruá passam com seus carros - ignorância, poder e censura
- eles dizem que o seu jeito é o certo - enquanto os guarani
nada mais fazem que seguir seu modo de ser, em sua
risonha indolência, bebem, cambaleiam e dormem onde
assim desejarem.
O acampamento é o devir da incerteza, é lugar da
sombra a beira da estrada, da venda do artesanato, da

82
Protopia
Ensaios de Outros Topos

ambígua exigência de um mundo cada vez mais talhado por


muros e cercas que exige que o "índio" seja livre e ao
mesmo tempo respeite regras e costumes nos quais não se
reconhece, que se limite a ser um "cidadão" aparentemente
exuberante mesmo que totalmente livre do símbolo da
festa.
Com o sol já quente do meio da manhã o filhinho de
Tataendy traz com ele a cachaça que encontrou na beira da
estrada, Ele pode até não entender ainda os Olhares dos
juruá, já percebe porém que aquele não é o lugar do modo
de ser, mas os adultos têm sede e é isso que importa e é
uma sede de festa que aquele trago possa talvez saciar.
Mais tarde haverá risada no acampamento para por em
dúvida a essência do lugar. A onça toma forma na madeira
branca pelas mãos de seu pai, as crianças correm e um
bando de pássaros atravessa o céu. Lá do alto talvez eles
possam ver uma mata bela para ser o nosso lugar.
Para os Guarani o Tekoá" é o lugar de seu modo de
ser, essa expressão tão erroneamente traduzida pelos juruá
como "aldeia", "terra" ou "comunidade" condensa em si
uma série de princípios e costumes no qual o "Tekó", o
modo de ser guarani se funda. Estes costumes e princípios
sociais, espaciais, espirituais e relacionais garantem entre
outras coisas, a coesão, o respeito as diferenças internas e.
Mesmo aqueles dentre os Guarani que sobrevivem nos
acampamentos sabem e afirmam que não pode haver Tekó
sem existir Tekoá.

Magonismo & Antiarquia


Foi a partir da convivência os Guarani que o filósofo
anarquista e antropólogo nascido na França, Pierre Clastres
deu forma a análise que melhor explicou as formas políticas
desta sociedade. Com relação à organização política destes
grupos, se pretendemos evitar as análises evolucionistas
que sempre definem outros povos pela ausência de algo
encontrado na suposta sociedade ocidental industrial, então
é hora de considerarmos a possibilidade dos indígenas não
serem somente povos sem estado mas efetivamente

83
Protopia
Ensaios de Outros Topos

"sociedades contra o estado", ou seja, contra a própria


segmentação da sociedade entre governantes e
governados. Clastres não concluiu sua obra, um acidente de
carro tirou sua vida no ano de 1977 deixando uma série de
textos inacabados e outros tantos esboços, alguns dos quais
seriam reunidos mais tarde no livro Arqueologia da
violência: ensaios de antropologia política".
Clastres no entanto, não foi o primeiro anarquista a
perceber como o diálogo entre as referências indígenas e o
pensamento libertário pode dar bons frutos. Esse mérito é
exclusivamente dos teóricos da Revolução Mexicana de Vila
e Zapata, os irmãos Ricardo e Henrique Flores Mágon que,
no final do século XIX e início XX apontavam para a
necessidade de uma regeneração do pensamento
anarquista a partir das referências e dos saberes indígenas -
Democracia direta, dádiva, mutualidade, comunalidade
territorial - os magonistas foram também os primeiros
anarquistas a lutar abertamente ao lado dos "pueblos",
principalmente entre os Yake e os Mayo, por autonomia
política, econômica e territorial.
Ricardo e Henrique Flores Mágon eram indígenas do
México. A despeito de toda a ideologia de branqueamento
que marcaram suas imagens, possuíam muitas referencias
ameríndias desde a infância. O pai, Teodoro Flores (da etnia
Nahua descendente dos antigos Astecas) lutou na Guerra da
Reforma contra a invasão dos Estados Unidos junto às
tropas de Benito Juárez. A mãe, Margarita Mágon
(considerada para os padrões classificatórios puristas da
época uma "mestiça"), marcou a todos que a conheceram
por sua naturalidade libertária, sendo até os dias de hoje
reconhecida como um símbolo da força e da organização
das mulheres indígenas no México.
Clastres provavelmente não conheceu o magonismo
mas, sem saber, seguiu a proposta magonista, e chegou a
conclusões análogas. Em certo sentido, através de sua obra,
Clastres contribuiu para a "regeneração" do magonismo.
Através da antropologia, trouxe a tona outras possibilidades
organizacionais e filosóficas dos habitantes originários da

84
Protopia
Ensaios de Outros Topos

América do Sul, que ainda hoje são desconhecidas de


grande parte dos anarquistas. Estas possibilidades mostram,
não só a viabilidade do social pautado na horizontalidade,
na mutualidade e comunalidade, como também as diversas
formas de integração destes e de outros princípios, que para
além de viáveis, são vivenciados pelos indígenas
cotidianamente.

Anarcologia e anarquitetura
Saberes de combate e convivência necessários para a
transformação

Anarcologia

Ocultismo

"o animal que causa maior número de mortes na


população humana é o mosquito."
Wikipédia
"O Big Brother está olhando você, portanto,
aprenda a tornar-se Invisível".
Pichação em muro inglês

O Ninjitsu - o Hacker - o sabotador, o espião - o


ataque xamânico - invisibilidade e ação - A justiça toma
caminhos obscuros num mundo onde as leis são injustas.
Lance sua ação sem deixar rastros, ela deve chamar a
atenção ao ser efetiva, não você.

Nomadologia
"Saia do caminho da Justiça, ela é cega!"
Stanisław Jerzy Lec

85
Protopia
Ensaios de Outros Topos

A ciência do devir - a caravana - desempoderamento


pela ausência - a negação das fronteiras políticas e
linguísticas da velha ordem: Nações são prisões. A
experiência do andarilho. O deslocamento e a obtençaõ de
recursos. O nomadismo é uma forma de se relacionar com o
ambiente do entorno, tanto físico quanto cultural, quanto
psicicológico, por quê os três são um só e a possibilidade de
interações com este ambiente é virtualmente ilimitada. O
nomadismo pede isso, testar as interações com o ambiente.
Todos os dias você vai de casa para o trabalho e do trabalho
para casa no mesmo horário? Você almoça no mesmo
restaurante e conversa com as mesmas pessoas sobre a
mesma série idiota da televisão paga? Por quê você não se
perde? Não chega no trabalho mais cedo e prepara o café
ou lê a agenda do chefe? Expanda seus horizontes para
além da rotina massacrante. Continue na rotina
massacrante, qualquer que seja, se isso for por algo mais
que dinheiro, férias, drogas ou outras compensações fúteis.
Tenha mais de uma casa, viva entre elas. Pensando rotas
alternativas, mantimentos e eventuais contratempos. Ainda
saiba se orientar pelas manifestações da natureza, mas
também saiba se orientar na web. Você sabe fazer fogueira?
Já sofreu um transe e se transformou em outro ser, com
outras potências? Pense diferente e implemente essa
diferença. Somos governados por leis naturais e leis sociais,
mas usamos da natureza e, enquanto sociedade, criamos e
gerimos essas leis que nos governam. Governam? Ainda
governam? Só porque não investimos, vários, em algo
diferente. O nomadismo é isso. O nomadismo é psíquico, é
interno...mas é também essa ação modificando o externo,
na rede, no coletivo em que estou. É investir em destruir, é
investir em construir a partir de outros nós, feitos com,
praticamente a mesma corda social. Pois não podemos
prescindir da troca, mas podemos mudar, ou até eliminar o
dinheiro. Podemos pensar em outras alianças entre os
homens e o cosmos. Podemos insistir na pedagogia
cotidiana para uma nova ética e uma nova espiritualidade.
Podemos gerenciar uma outra territorialidade, sem
nenhuma propriedade. E assim por diante.

86
Protopia
Ensaios de Outros Topos

Nomadismo é uma estratégia do presente. Não é


uma estratégia nômade, mas a multiplicação de micro-
estratégias.
Nomadismo como conceito é uma máquina de
guerra, criado para resistir ao monolitismo, para
transcender a domesticação e alienação. Portanto, é uma
estrtégia da consciência, abertura e resistência. É uma
estratégia do movimento para o movimento.
Nomadismo é uma estratégia tribal, baseando-se na
comunidade, hospitalidade e troca. Esses valores são
essenciais para a sobrevivência dos nômades. O nomadismo
é uma estratégia para aqueles que não querem renunciar à
sua liberdade.

Comunicalidade
A arte do diálogo e o primado do entendimento
mútuo - manifesto contra a lógica de partido - técnicas de
conversação - diálogo mediado vs. diálogo não mediado - os
saberes indígenas sobre a arte de contar e de ouvir.
Anarquitetura
Arquitetando e constituindo espaços de liberdade

O primado do equilíbrio entre espaço e ação humana


- a ambiência e o reencantamento da vida comunal
cotidiana.

Reencantando
Para que haja uma coesão em qualquer grupo, é
necessário que existam mais do que objetivos racionais
compactuados entre todos. É necessário um imaginário em
comum, algo que vá além da razão e que de um certo
encantamento para a vida cotidiana, já que razão não
podemos encontrar. É por isso que as sociedades em toda a
história desenvolveram religiões, credos, etc. As pessoas,
para viverem em coletivo, precisam acima de tudo acreditar
nas mesmas coisas. Essas coisas dão sentido a vida e

87
Protopia
Ensaios de Outros Topos

tornam todos parte de um sistema imaginário no qual, por


haver algo supremo e intocável, há um encantamento da
vida. No entanto, devemos lembrar, essa necessidade
humana foi quase sempre utilizada como forma de
concentrar poder, seja no clero, seja numa nobreza.
Para a vida coletiva é preciso ter e manter
referências e hábitos em comum. Coisas que dão sentido a
vida e fazem com que todos partilhem de um mesmo
imaginário. É isso que faz nós reconhecermos uns aos outros
e desejarmos permanecer juntos. Mas há de se ficar atento
pois canalhas de todas as épocas buscaram manipular este
princípio comum como meio de concentração de seu poder
de influência.
Mas voltemos há alguns milênios atrás. Certamente a
vida naquele tempo não partia de uma concepção
separatista entre o que é racional, real do que é imaginário
e irreal. Os deuses gregos viviam entre os humanos e,
embora ninguém os visse, isso não fazia muita diferença. O
que importava era que suas estórias, suas lendas, suas
fábulas, serviam de incentivo a vida comunitária, a vida
amorosa, ao trabalho, à vida de toda forma. Era uma
espécie de brincadeira, onde crianças adultas utilizavam
pensamentos de deuses (que na verdade era o senso
comum da comunidade) para dar um sentido não racional
ao sexo, ao amor, ao ódio e a tudo quanto fosse possível. Os
deuses se riem de nós hoje em dia, mas naquela época, os
seres humanos também riam dos deuses.
Talvez isso seja uma boa forma de resgatar o que
devemos entender como cerne do imaginário: o imaginário
não é estático e nunca deverá ser, mas isso não impede que
falemos, escrevamos e façamos o que bem entendermos
sem que isso faça qualquer sentido racional. O importante é
que rir de deuses que nós mesmos criamos.
Assim, podemos, por exemplo, pedir para que cada
integrante do coletivo crie uma religião. Ou que criemos
uma, ou várias. O importante é que possamos ter valores
culturais que, embora secretamente saibamos de sua falta
de sentido, nos deem sentido para o cotidiano. Obviamente

88
Protopia
Ensaios de Outros Topos

nossas festas pagãs não serão como as cristãs, não serão


baseadas na virgindade de uma santa, mas sim na
promiscuidade de uma titã. Sair pelado na rua é uma ótima
sugestão como adoração aos deuses, uma vez por ano, ou
por dia, tanto faz. Bacanais regados a vinho no inverno, e
orgias em rios e lagos no verão. Podemos criar
cumprimentos beijando seios (nas mulheres) e bundas (nos
homens) que serão utilizados diariamente. Ou simplesmente
podemos criar o dia da confissão, onde todos falam seus
podres frente a todos e onde não podemos reprovar a
atitude do semelhante, ou talvez possamos dar um tapa ou
um peido na cara. O peido, por si só, poderia, porque não,
ser uma atitude de elevação divina. Não importa, o
importante é que se crie coisas esdrúxulas as quais darão
sentido a vida que pode, em momentos solitários, parecer
tão sem sentido.

Fabricando o grande êxodo


Zonas Autônomas como estratégia de transformação
global
"Estamos nós, que vivemos no presente,
condenados a nunca experimentar a autonomia,
nunca pisarmos, nem que seja por um momento
sequer, num pedaço de terra governado apenas
pela liberdade? Estamos reduzidos a sentir
nostalgia pelo passado, ou pelo futuro? Devemos
esperar até que o mundo inteiro esteja livre do
controle político para que pelo menos um de nós
possa afirmar que sabe o que é ser livre?"
Hakim Bey - TAZ
Um lugar em um tempo, pode ser mais que só um
lugar em um tempo. Algum lugar distante o suficiente (ou
oculto o suficiente) da Máquina-Sistema, um lugar onde as
pessoas ajam e se relacionem nos termos da
horizontalidade ontológica e solidariedade libertária, este
tipo de lugar já possuiu muitos nomes, por vezes no plural, e
existiu em muitos contextos históricos e culturais. Sua

89
Protopia
Ensaios de Outros Topos

existência talvez seja tão antiga quanto a própria


centralidade do poder o é, mas mesmo assim, sobre ele
paira um manto de novidade, um mundo de potencialidades
que um sábio sufi-anarquista chamado Peter Lamborn
Wilson (também conhecido como Hakim Bey), nomeou de
Zona Autônoma há mais de 20 anos.
A idéia é simples. Se a História nos mostra que toda
revolução possui um ciclo, abandona suas intenções
originais se completando na formação de um novo Estado,
(uma nova face da mesma máquina de dominação), é
necessário abandonar a idéia da revolução. O modelo da
revolução é encarado por H. Bey como uma armadilha do
destino, que sempre que conquista sua permanência se
tornando ela mesma uma outra variante daquilo que
combateu. A única solução seria libertar a transformação
social efetiva da prelado da revolução. São as zonas
autônomas - que como raios de sol no meio de uma escura
tempestade - surgem como alternativa.
A primeira vista poderíamos pensar que uma
estratégia viável seria "Sumir do Mapa", que é formado por
tudo aquilo que foi mapeado pelo Olho vidrado do Poder.
• zona autônoma (enquanto fim): o sonho colonial
• zona autônoma (enquanto meio): redes contra o
sistema
Movendo as peças no tabuleiro: libertando territórios
ZAI - a Zona Autonoma Unitária (este passo já foi
dado)

O Prelúndio da Mudança: como era a ação antes da


era da informação livre
ZAI - Zonas Autonomas Isoladas

"Não basta uma informação de como ganhar a


vida simplesmente com honestidade e honra,
mas que tal ato seja atraente e glorioso, pois se
ganhar a vida não for atraente e glorioso não é a

90
Protopia
Ensaios de Outros Topos

vida que se ganha."


Henry David Thoreau, Vida Sem Princípios
Entre Christiania, Croatã, Okupas e os Zapatistas
Lutando por autonomia relativa (política e energética)
Ocultismo (ou não?!) Meios de sustentabilidade (num mundo
onde ainda somos poucos) Um grande projeto de pilhagem
e reciclagem Permacultura A solidão não é seu aliado: as ZAI
e as cidades o despertar da anarquia cotidiana Ligando os
primeiros pontos: expansão por divisão
ZAV - Zonas Autonomas Vinculadas

"Não o homem mas os homens é que


habitam este planeta. A pluralidade é a lei da
Terra"
Heidegger
As enclaves constituição de novas ZA constituição de
vínculos entre ZA existentes Mutualidade interZA -
Fortalecimento mútuo
ZAR - Zonas Autonomas em Rede

Hospitalidade é a moeda : viajando por ZAR O


sistema ameaçado - imprescidibilidade da força A Grande
Virada - Delimitação das Zonas Despóticas (Olha só quem
está cercado?!) - Espaços de reabilitação Mudar o Mundo e
aniquilar o Poder - Derrubando impérios - infecção
generalizada.

91
Protopia
Ensaios de Outros Topos

Semeando zonas
autônomas

92
Protopia
Ensaios de Outros Topos

A melhor hora é agora


"Fui à floresta viver de livre vontade, para sugar
o tutano da vida. Aniquilar tudo o que não era
vida. Para, quando morrer, não descobrir que não
vivi."
Henry David Thoreau
“Qual é o melhor lugar do que aqui, qual é a
melhor hora do que agora?”
Guerrilla Radio
Uma mentira paira sobre tudo e
sobre todos. Cada postura, cada costume
e cada objeto é uma prova cabal de
nossa fixez ao convencional. Cada
exame, do ponto de vista libertário, além
de evidenciar o absurdo da submissão
inconsciente a esta ordem de coisas nos
traz a certeza de que TUDO poderia ser
muito diferente. Todos os obstáculos à
nossa frente são, de fato, nada mais que
costumes, posturas e objetos. Todavia,
para se ter idéia da dimensão deste
problema, há que se ter em mente que estes costumes
populistas, posturas de vanguarda e objetos de poder, pelos
quais muita gente poderia morrer, são o que nos separa de
todos esses outros mundos possíveis.
Em nome da segurança que supostamente existe nas
convenções e reproduções, nós mesmos acabamos
apegados a elas, vez ou outra, às vezes consciente, às
vezes inconscientemente, numa postura que age contra a
nossa própria libertação. As imagens motoras que
conhecemos nos levam a isso: nossas categorias e
conceitos, assim como nossa tradicional inovação (através
da qual atualizamos o tédio que se tornou nosso modo de
vida. Vazio. Poderia ser diferente?
De repente notamos que o livre mercado não nos
proporciona nada além de uma vida de "livre submissão", as

93
Protopia
Ensaios de Outros Topos

duas formas de organização espacial conseqüentes - o rural,


cada vez mais mono, monocultural, e o urbano, cada vez
mais segregário - são as únicas a prosperar sobre tudo mais
que está em seu caminho, tudo perfeitamente legitimado
pelo discurso da servidão voluntária, a base para o maior
culto da contemporaneidade, o trabalho. A competitividade
fez de todos suas vítimas e a lei de todas as leis, a lei da
urbe, fez da monocultura a lei da selva contra a selva. É, a
sociedade do contrato cobra seu preço e poucos foram os
que conseguiram enxergar nas entrelinhas. As doze
badaladas trazem novamente a pergunta: Poderia ser
diferente? Mas... O que você realmente faz para que seja
diferente? Se a resposta for - separar o lixo, fazer caridade e
não comer carne - a indústria da reciclagem, a igreja
católica e os ruralistas, plantadores de soja daqueles
campos onde antes ficava a Amazônia, ficarão-lhes muito
gratos. A essa altura é possível perceber que sua pequena
ação cotidiana apenas alimenta o monstro que você pensa
combater. Mas então o que fazer para que seja diferente?
Não podemos dizer que temos a resposta. Talvez
tenhamos uma das possíveis respostas. E é bem provável
que ela passe por um grande segredo, por algo como uma
sociedade secreta, e talvez até mesmo por escritos na areia
após a jornada. (Que segredo vale a pena se não for
compartilhado? Mas não seria um segredo se fosse do
conhecimento de todos!) Não vamos dizer o que você deve
fazer. Ao invés disso, diremos o que NÓS estamos fazendo.
O que não significa de maneira alguma que você algum dia
não possa, através da sua vontade, tornar-se um de nós.
O que ambicionamos é transformar a realidade social
através de um grande êxodo dos espaços urbanos e da
cultura do latifúndio. Acima de tudo ambicionamos a
libertação de espaços onde serão erguidas zonas
autônomas, comunidades intencionais formadas por grupos
das mais diversas inspirações libertárias. Algumas ocultas,
outras nômades, mas todas elas agindo com o objetivo de
libertar mais territórios (físicos e imaginais) nesta guerra da
informação. Por um rizoma de zonas autônomas! - e
autonomia deve ser entendida tanto no nível da produção

94
Protopia
Ensaios de Outros Topos

material quanto subjetiva, expandindo-se através do


estabelecimento de relações de mutualidade tanto quanto
elas forem possíveis - este é no nosso entendimento a
expressão mais ameaçadora para o sistema. Fora da cidade,
fora da grade, fora do consumo, e já começou, suas
sementes já foram lançadas ao ar, o crescimento vegetativo
está em andamento.
Gostaríamos de ver as periferias vazias e as elites,
assim como seus péla-sacos das classe medíocres (média),
desesperados, sentados sobre seu próprio lixo à espera de
um gari que nunca chegará. Ver as árvores rachando o
asfalto e falanstérios de liberdade sendo erguidos em
lugares inusitados, para o desespero do velho e roto
latifundiário. Será a vingança de Fourier contra todos
aqueles que o tacharam de utópico, delirante e
inalcançável. Na medida em que os defensores do sistema
forem mostrando suas garras talvez tenhamos que enfrentar
as guerras travadas contra os desejosos por retomar a velha
ordem custe o que custar. Até lá estaremos preparados. É
infinitamente melhor morrer livre e de pé do que viver de
joelhos, miseravelmente escravizado para o resto de nossas
vidas.
Mas qual seria o preço dessa retirada? O sacrifício do
conforto da vida material, da tecnologia, de suas relações
pessoais? Não diremos que será fácil ou difícil, diremos que
depende da forma como nos relacionaremos uns com os
outros e com o mundo ao nosso redor. Poderíamos começar
um grande projeto de reciclagem e assumirmos que nada
começa com nada. Talvez seria necessário estabelecermos
algumas normas com relação àquilo que queremos e aquilo
que não queremos - não queremos uma cultura policial, por
outro lado nos causa uma certa revolta a idéia de pedófilos
se esgueirando sobre crianças (uma igreja católica já é mais
que suficiente nesse sentido). Podemos pensar em criar a
nossa própria tecnologia, mas essa escolha acompanha uma
série de outras escolhas com relação a que tecnologia pode
ser utilizada sem causar destruição social e ambiental e
qual tecnologia efetivamente nós queremos abolir em nossa
trajetória.

95
Protopia
Ensaios de Outros Topos

Por hora (para que não sejamos tachados de utópicos


por algum marxista vulgar) o que podemos fazer é
compartilhar algo desse segredo, agindo para a formação de
uma zona autônoma, na esperança de que outras em outros
lugares possam ser erguidas. Em algum lugar não
determinado no mapa, alguns passos já foram dados nesse
sentido. Já não estamos mais isolados: o que estamos
fazendo é declarar guerra à urbe, à monocultura, ao
consumo, à ciência positivista, ao desenvolvimentismo, à
competitividade, à solidão, enfim, a um estado de coisas
que aí está para transformar em brilho tudo aquilo que há
de nos aniquilar. O que queremos fazer erguendo uma zona
autônoma é propor uma outra imagem motora, outros
lugares e feitos contra o velho sistema. Redes de
hospitalidade e solidariedade. Cada pedaço de
encantamento resgatado das garras do sistema, algo que é
segurança e vida e que, pelo qual, acreditamos vale a pena
lutar.
É nesse sentido que estamos agindo e, se depender
de nós, o grande Êxodo vai triunfar!

Aspectos Organizacionais
Não aceitamos qualquer tipo de estado e de "iniciativa
privada". Mas isso não quer dizer que não sejamos um
espaço coletivo (como o ESTADO se tornou sinônimo no
mundo de hoje) e também não quer dizer que não
exercemos atividades econômicas. Pelo contrário. Uma Z.A.
deve zelar, acima de tudo, por um jogo político limpo, onde
todos tenham voz, mas ninguém será responsável por esse
zelo, ou seja, todos são. Uma Z.A. não deve aceitar a
propriedade privada como estipulador de regras (e sequer
as regras), mas isso não quer dizer que as pessoas não
possam viver confortavelmente que não tenham privacidade
na medida em que desejarem (isso é essencial para o
grande jogo de imagens motoras contra o Sistema!). Por
mais que a casa em que viva um cidadão da Z.A. seja
coletiva, o espaço reservado a ele é pessoal, não no sentido
de ser dele, mas no sentido desta pessoa possuir uma certa

96
Protopia
Ensaios de Outros Topos

autonomia sobre espaço que ocupa. Assim, as "empresas",


embora abolidas, só se tornam comunais, onde todos tiram
proveito do labor de todos e onde não há mais "pessoas
jurídicas", mas só pessoas físicas (redundância?) utilizando o
conjunto produtivo, da forma que lhes couberem e
quererem, afim de buscar seu sustento e a riqueza material
da comunidade. O Estado, por sua vez, se pulveriza em
todos. Não existe mais a profissionalização do estado. Não
existe mais a representação alheia. Todos tem voz,
DIRETAMENTE, e todos tem o direito de negarem que o
coletivo tome decisões que lhe façam mal. A vida coletiva
adquire um novo encantamento, onde o jogo político diário,
a vida comunal e as discussões banais tomam sentido, se
tornam relevantes e demonstram propósito próprio.

Tamanho
(Variáveis de Espaço e População a serem
apresentadas, não se deve deixar de lado a
historicidade)Platão falava que a pólis perfeita, para
preservar a "democracia", deveria ter "fatorial de 7"
cidadãos, o que são, na prática, 5040 cidadãos. É claro que
o conceito de cidadão para Platão era o pai de família, dono
de terras, etc. Para nós, cidadãos são todos que possam ser
minimamente esclarecidos (o que exclui, a princípio,
somente crianças).
No entanto, pensar uma zona autônoma com 5040
habitantes é um pouco extravagante. Em outras palavras: é
gente demais. Christiania, com menos de 1000 habitantes,
já se encontra num processo de descentralização espacial
das decisões, tendo que possuir vários espaços separados,
como se fossem várias zonas autônomas numa só.
A princípio, então, devemos pensar uma zona
autônoma com possibilidades de que caibam todas pessoas
num mesmo espaço, o que significa na prática que mais de
200 habitantes tornaria inviável tal idéia. Com o tempo é
possível que pessoas que tendem a praticar agricultura irão
tomar a frente em decisões a respeito de agricultura, assim
como pessoas que praticam obras, tenderão a tomar a

97
Protopia
Ensaios de Outros Topos

frente em decisões sobre obras. Sendo assim, podemos


imaginar que a longo prazo esse número de 200 habitantes
possa aumentar consideravelmente sem prejuízos à
horizontalidade, baseando-se num respeito mútuo dos
habitantes onde cada um deixará a cargo do outro aquilo
que o outro saiba melhor fazer.
No entanto, tal respeito poderia gerar uma espécie
de tecnocracia incutida, tornando algumas decisões alheias
ao processo político da comunidade. É claro que certas
decisões como "que tipo de adubo utilizar" são muito mais
econômicas e técnicas do que políticas e muitas vezes não
precisam passar pelo crivo comunitário para se resolver,
mas o importante é que mesmo tais decisões POSSAM
passar pelo coletivo. Para tal, ferramentas virtuais são
indispensáveis. Afinal, ninguém terá coragem de colocar em
pauta numa reunião que conta com 200 pessoas e que já
dura 4 horas que tipo de adubo utilizar. Mas talvez isso seja
sim uma decisão política. Então, a saída é que pequenas
decisões possam ser discutidas, sempre abertamente, a
partir de meios virtuais (como um wiki? uma plataforma de
gerenciamento de projetos?), tornando qualquer processo
econômico, técnico, político ou social da comunidade aberto
eternamente para contestação e criação de novos
consensos.
Assim sendo, podemos afirmar que o sonho de platão
tornaria-se plausível. As reuniões pessoais poderiam ser
temáticas, onde quem não quer saber de como se planta
algodão simplesmente não precise ir, e utilizando o suporte
virtual, onde discussões mais bem tecidas poderiam se
compor.
Assim, criando vários espaços reais para discussão e
utilizando a internet como suporte, podemos afirmar que o
limite de tamanho para uma zona autônoma é de 5040
habitantes, como Platão descreveu. Mais que isso gerará o
problema básico de as pessoas começarem a não se
conhecer e uma consequente perda de laços comunitários.
Então, podemos afirmar que uma zona autônoma MADURA e
que já está atuante há anos pode possuir até 5040

98
Protopia
Ensaios de Outros Topos

habitantes. Após isso, poderia-se admitir o crescimento


vegetativo, mas não mais a imigração para dentro dessa
Zona. Neste ponto, cria-se a necessidade de que a zona
"patrocine" outras zonas, para que as idéias continuem, mas
sem perda ao coletivo local.
Mas, para além da população, é bom analisar a
questão do tamanho de terras. Obviamente uma
propriedade com 10 hectares não pode possuir mais do que
100 habitantes, pois é certo que os habitantes quererão
alguma agricultura e certamente alguma mata preservada.
Além disso, há uma necessidade de termos terras para
questões como o destino do lixo. O problema inicia quando
pensamos na idéia de Platão: para termos 5040 habitantes,
seria necessário algo em torno de 500 hectares, caso
contrário formariamos uma cidade e não uma zona
autônoma (hey! lembre-se que devemos evitar o
isomorfismo, sob pena de acabarmos imitando a sociedade
do lado de fora no resto também).
Para que se tenha uma noção mais clara do tamanho
das terras, imagine que um hectare é do tamanho de uma
quadra padrão da maioria das cidades (100m x 100m). Você
pode argumentar que em muitas quadras das grandes
cidades vivem muito mais de 100 habitantes, e é verdade.
Para citar exemplos breves, existem quadras em Porto
Alegre onde habitam cerca de 2500 pessoas. Mas são
pombais, e você não quer formar uma nova comunidade
para viver como num bairro suburbano de Porto Alegre,
quer? Bom, então tentemos imaginar uma quadra de 100m
por 100m somente com casas. Em um terreno médio de
33x20m, podemos dizer que temos 15 casas. Pois bem, 15
casas num quarteirão (hectare) urbano são cerca de 60
pessoas vivendo. Assim, podemos dizer que num hectare
urbano vivem 60 pessoas horizontalmente.
Aumentemos o tamanho da área, pois se pensamos
numa comunidade nova, não podemos pensar nos modelos
de especulação imobiliária que demarcam esse tamanho de
terras privadas em cidades. Assim, podemos afirmar que
teríamos, no caso de uma comunidade sem matas, rios ou

99
Protopia
Ensaios de Outros Topos

plantações, cerca de 30 pessoas por hectare e


precisaríamos de 3,3 hectares para alojarmos dessa forma
100 pessoas. Bom, a partir daí podemos ter uma idéia de
quanto de terra precisamos para formar essa comunidade.
Se para cada hectare urbano queiramos 2 rurais (ou de
matas, ou para o tratamento do lixo ou para rios e lagos),
então necessitaremos de 10 hectares para essas 100
pessoas viverem bem.
Esse números obviamente não contam a agricultura
como meio básico de sobrevivência. Normalmente as
famílias sem-terra no Brasil precisam de pelo menos 15
hectares de cultivos para se sustentarem, o que supondo
que sejam 6 os componentes de uma dessas famílias, nos
faria crer que precisamos de PELO MENOS 2 hectares por
habitante se quisermos viver com uma economia a base de
agricultura. Para 100 pessoas, necessitaríamos de 250
hectares. Inviável. Então, tenha isso em mente: a
agricultura não pode ser a base econômica da zona, sob
pena de restrição de crescimento.

Crescimento versus Especulação


Uma vez operante e forte, uma comunidade
intencional terá um problema à vista: na medida em que
mais pessoas aderem à zona autônoma e que outros
nascem, é inevitável que o tamanho (em terras) tenha de
ser expandido. O problema então consiste no seguinte
aspecto: uma vez que a zona esteja operante, se tornará
certamente o pequeno mercado local e atrairá os
agricultores de regiões próximas para comercializar por ali
alguma coisa. Isso os tornará mais lucrativos e uma vez
mais lucrativos os seus interesses nas suas próprias terras
aumentarão, diminuindo a possibilidade de quererem
vendê-la. Mesmo que queiram, o preço certamente será
bem maior do que quando se iniciou a zona autônoma, as
vezes tornando o crescimento geográfico impraticável.
Assim, existem algumas possibilidades: a primeira (e
que independe da vontade dos que estão na zona a.) é que
os agricultores da região queiram integrar a comunidade.

100
Protopia
Ensaios de Outros Topos

Isso é a solução perfeita, mas pode ser pouco provável.


A segunda possibilidade é que a zona autônoma
imagine seu crescimento de forma adiantada, comprando
terras circundantes antes de necessitá-las. Mas isso requer
muitos recursos justamente no primeiro momento da
comunidade, que é o momento mais frágil.
A terceira possibilidade, que é a menos provável
certamente, é que os viventes da comunidade resolvam
ocupar terras não ocupadas adjacentes, mas isso seria uma
declaração de guerra ao estado incontornável.
A quarta possibilidade, a mais catastrófica, é que nas
adjacências comece a nascer uma pequena vila (não
autônoma) e que com o tempo esta acabe por:
a) competir com a zona autônoma pela centralização do
comercio e,
b) inflacione monstruosamente o preço das terras.
Ainda, como quinta possibilidade, é que a
comunidade simplesmente não queira crescer e, ao invés
disso, resolva investir recursos em novas zonas autônomas
em outros locais, pela ampliação da rede e não da própria
zona.
Obviamente as alternativas possíveis acima podem
ocorrer ao mesmo tempo e é claro que a decisão do que
fazer passará pelo coletivo da zona, dadas as possibilidades
e alternativas.
-- Por favor, as idéias acima são aleatórias e totalmente em
construção. Altere, destrua e contribua. --

Consenso como Meio


Nosso consenso não é exatamente uma posição
política, mas, esperamos, trará um nível comum de
entendimento e comunicação para o projeto. As pessoas
envolvidas até o momento consideram fundamentalmente
necessário a emancipação com relação a posturas
nacionalistas, racistas, sexistas (incluindo homofobia, etc...)

101
Protopia
Ensaios de Outros Topos

anti-semitas, anti-americanistas, capitalistas (significando a


exploração da força de trabalho alheia), religiosas
evangelizadoras (incluindo esoterismo). Considerados estes
pontos buscaremos resolver todos os assuntos referentes ao
espaço através do consenso, a serem discutidos na grande
roda (assembléia geral) onde o princípio do diálogo (falar e
principalmente o ouvir) será cultivado. É importante
perceber que pra que haja consenso, as pessoas precisam
desde já aprenderem a saber que seus interesses são
válidos, mas que os interesses da comunidade podem estar
acima. Na nossa sociedade atual a cultura do voto
majoritário (ditadura da maioria) foi instituida pois a a lógica
reinante é a avareza. A lógica é "agarre tudo que puder e
pegue pra si". Assim, ninguém jamais aceita que em alguns
momentos pode perder migalhas para que outros ganhem
muito. O consenso já parte do pressuposto que os
integrantes não se determinem pela lógica avarenta e que,
portanto, saibam o momento de colocar seus interesses e
necessidades no segundo plano, frente a interesses e
necessidades mais urgentes de outras pessoas.

Diga "Tchau, Pensamento Monolítico"


Não planejamos formar ou defender posições
políticas uniformes. Possuímos um certo entendimento
sobre o que um grupo político é, e porque (e como) nós não
pretendemos ser. A idéia central e que o objetivo desta
forma de organização e mutualidade deve ser o mínimo
denominador comum, mas interessa a todos (cada um a sua
maneira) que coletivamente estão dispostos a defendê-la.
Toda diversidade de pensamento é bem vinda desde que
não constitua nenhuma forma de exploração, postura de
segregação, estrutura hierárquica ou que entenda o coletivo
como um grupo de pessoas que estão prontas pra se tornar
alheias ao mundo. Tu pode defender a auto-sustentabilidade
da comunidade, ou defender que devamos ter uma "balança
comercial" adequada para que possamos comprar nossos
subsídios de fora. Tu pode querer focar a comunidade na
agricultura, ou pode tentar criar serviços, ou mesmo alguma
indústria. Tu pode defender o escambo ou o uso de moeda

102
Protopia
Ensaios de Outros Topos

social, ou ainda de moeda de um país. Tu pode defender o


uso indiscriminado de drogas ou defender uma postura de
cautela perante elas. O importante é que tu saiba que para
tua idéia ter validade ela precisa ser consensual e que por
mais esperto, inteligente ou carismático que tu seja, tu não
vai ter poder algum sobre os outros, exceto o de vencer
uma discussão.

Interesse Coletivo
O princípio é simples: se um quer bolo, e o outro
biscoitos, o objetivo é conseguir bolo E biscoitos. Isso
significa: você pode (e deve) integrar todos os seus
interesses neste projeto desde que eles não sejam
conflitantes com o que está sendo discutido nos outros
tópicos.

Comunicalidade
Comunicalidade significa para nós a busca pela
compreensão do outro e do que o outro nos traz, antes de
censurá-lo ou mesmo criticá-lo. Todas as necessidades e
todas as habilidades passam pela capacidade de poder
expressá-las e entendê-las como tal. O que é necessário
para o grupo é manter sempre vínculos de comunicação, na
resolução de desentendimentos, bem como, de
planejamento e organização com a finalidade de realizar
todos objetivos possíveis. Sinceridade é princípio básico. Se
você quer biscoitos, não tente falar mal do bolo para que as
pessoas tendam a gostar de biscoitos. Você é livre para
fazer o que quiser e a comunidade tem como princípio
defender o que tu goste. "política" aqui tem um novo
significado: o de buscar juntos solucionar problemas de
todos, sejam os que forem.

A Arte de resolver conflitos


“Se as comunidades, em vez de aspirar, como
têm feito até hoje, a ocupar vastos territórios e a
satisfazer sua vaidade com idéias de império,

103
Protopia
Ensaios de Outros Topos

contentassem-se com um distrito pequeno, com


uma cláusula de confederação em caso de
necessidade, todo indivíduo viveria sob o olhar
público; e a desaprovação de seus vizinhos, uma
espécie de coerção não derivada dos caprichos
do homem, mas do sistema do universo,
inevitavelmente o obrigaria a reformar-se ou a
emigrar”.
William Godwin

Nunca um fim em si mesmo


Para os participantes a Z.A. não é um fim em si
mesmo, mas sim um instrumento na busca de uma
transformação socio-cultural em nível local e global. O
Objetivo final não é estabelecer e manter a todo custo uma
zona autônoma alheia ao mundo, mas sim, experimentar,
viver na prática (no cotidiano), e também provar a
viabilidade dos modos de vivência libertária. Poucas coisas
podem ser mais subversivas do que servir de exemplo de
que é não só possível como também muito viável viver fora
desse sistema de exploração e dopping permanente. A
finalidade de uma Z.A. não é construir um mundo
maravilhoso a todo custo dentro dela e esquecer tudo do
lado de fora. Na verdade, pode ser mais interessante que
uma Z.A. dure somente um mês, desde que seja uma
vivência que ressoe naqueles que viveram aquilo. Não
devemos pensar em termos de "fim da história" como os
comunistas e os liberais costumam pensar, mas sim num
processo de transformação. Aquilo que hoje colocamos aqui
como a ZA que queremos pode fazer absolutamente
nenhum sentido daqui a alguns anos, pois o processo de
transformação constitui exatamente a finalidade, tanto
interna quanto externa. Se hoje acreditamos poder ter um
coletivo forte, amanhã podemos entender que o
individualismo deve ser mais presente, ou mesmo que o
ambientalismo deve ser posto acima, tanto faz. O
importante é que se entenda que o primeiro erro de
qualquer sociedade é a crença que se pode estabelecer um

104
Protopia
Ensaios de Outros Topos

status quo. Se queremos uma nova sociedade e temos em


mente utilizar a ZA como passo pra isso, devemos ter em
mente que essa nova sociedade deve se manter alheia a
mentalidades como "mas sempre foi assim".

Ambiente e Socialidade
Uma ZA deve manter um ambiente feito para
sociabilidade. Isso significa que parques e locais cobertos
públicos devem ser priorizados. Afinal, o consenso e as
discussões não nascem tão-somente de espaços ditos para
isso, mas sim do convívio diário, do respeito mútuo, da
alteridade. Tomar um chimarrão, dividir um cigarro, tomar
uma cerveja ou um vinho são essenciais para uma estrutura
coletiva. Caso contrário o raciocínio meramente funcional irá
tomar conta da comunidade e, se está se fazendo uma ZA, é
justamente para não viver sob o jugo do império da razão
funcional. Além disso, devemos primar por um meio-
ambiente em que as pessoas se sintam bem. Pouco importa
que pra isso acontecer tenhamos que restringir o número de
habitantes ou nos esforçar economicamente pra conseguir
mais terras. O importante não é que a ZA se torne uma
cidade, mas sim que se torne um ambiente em que as
pessoas se sintam suficientemente bem para querer manter
aquele local como sua morada.

Ocultismo e Visibilidade
Pensando na historicidade do projeto precisamos
solucionar o problema do tempo de transição. O Estado e
sua sociedade, aqueles que cotidianamente assinam o pacto
dominação e trabalham para sua manutenção,
provavelmente não verão com bons olhos um espaço
libertário surgindo do outro lado da cerca. Alguns diriam
"Ocultismo é a solução, não devemos deixar que saibam o
que estamos fazendo, disfarcemos a coisa toda de
acampamento de férias da Igreja IsNowBall (ou da Igreja
Livrai-vos dos Senhores), assim não chamaremos atenção".
Ok, essa pode realmente ser uma boa estratégia no
contexto de estarmos num grupo pequeno, e sem muita

105
Protopia
Ensaios de Outros Topos

infra. Mas... E no momento em que a coisa toda crescer?


Será que essa máscara duraria tempo o suficiente? E... O
que exatamente estaremos sacrificando nesse processo?
Será que conseguiríamos expandir essa idéia de
transformação social através do êxodo nessa situação de
disfarce? E as pessoas que deixaríamos de conhecer? E as
trocas que deixaríamos de fazer? E as imagens motoras que
deixaríamos de gerar no sentido de fortalecer a luta pela
libertação de outros espaços?
Por outro lado, teríamos a opção pela notoriedade:
criar algo que impressionasse, um espetáculo anti-
espetáculo, um tipo de Stonehenge, o obelisco de Hakim
Bey, a cidade libertária de vidro de Germinal de la Sierra,
um lugar que se tornasse uma referência para outros em
outros lugares, como outros lugares e experiências se
tornaram referências para nós. Certamente teríamos muito
mais solidariedade também, sem falar da circulação de
pessoas que também aumentaria. Com número grande o
suficiente de pessoas provavelmente isso não seria tão
cansativo, em um grupo pequeno, talvez fosse inviável. A
notoriedade no entanto, certamente traz seus próprios
problemas: talvez a mídia tente nos denegrir, destruir nossa
imagem, talvez a vizinhança se torne mais e mais hostil. o
estado certamente não ficará indiferente à idéia de um
"povoado" que não deseja ser governado.
Talvez as estratégias de ocultismo e notoriedade
tenham que ser pensadas conforme a ocasião, mas uma
coisa é certa: uma vez mapeado pelo poder, dificilmente
será possível dar um passo atrás. Por esse motivo a técnica
ocultista talvez seja a melhor opção para o momento inicial.
Talvez metas tenham que ser estabelecidas no trânsito
entre o ocultismo e a visibilidade, como por exemplo -
Quando formos em 200 ou 300 pessoas vivendo
confortavelmente, ou ainda quando tivermos terminado a
infra suficiente para fazer frente a possíveis ataques.
Certamente caberá à assembléia discutir e decidir o
momento certo de se fazer "aparecer" para o resto do
mundo.

106
Protopia
Ensaios de Outros Topos

É importante também que, no momento que se


apareça, o seja de uma forma forte. Pode-se criar um
factóide que, a imprensa ainda desavisada, irá publicar
achando que se trata de um assentamento de colonos ou de
algum vilarejo que seus infelizes repórteres ainda não
conheciam. Claro que tal factóide precisa ressoar bem: uma
bela estátua ou um projeto de construção de uma obra
esquecida de Niemeyer (que por motivos bizarros a
imprensa tanto admira). Talvez o boato de que a
comunidade construirá uma torre eiffel três vezes maior do
que a original chame a atenção de todo mundo e em
especial dos brasileiros, que tem como ponto de referência
todo tipo de lixo vindo da europa. Depois de criado o
factóide, se pode desmentir ele, dizendo que se trata de
alguma obra libertária (talvez estátuas lado a lado com o
rosto de todos os grande filhos da puta vivos). A partir daí, a
luta virá.

Economia solidária
Possivelmente, uma vez notório, se necessite manter
a comunidade numa espécie de legalização, ao ponto de
que não se possa utilizar argumentos na imprensa contra
nós. Por exemplo: plantar maconha poderia ser o argumento
triunfal da imprensa ou do poder pra desmantelar uma
comunidade de "traficantes".
Estamos desenvolvendo um sistema de escambo
baseado na web que poderá ser utilizado em breve de forma
a criar um meio de troca de bens e serviços na ZA sem
depender da moeda corrente "oficial". Ele está sendo
desenvolvido com tecnologia Open Source e poderá ser
continuamente aprimorado conforme as necessidades da
coletividade.

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Protopia
Ensaios de Outros Topos

Desafiando a criatividade

Objetivos Internos
• Estabelecer e manter infra-estrutura para vivência,
sociabilidade e criatividade.
• Constituir um sistema de mutualidade e
solidariedade.
• Fornecer e apoiar iniciativas libertárias com espaço,
tecnologia e conhecimento.
• Superar as relações de poder da família patriarcal.
• Buscar autosustentabilidade energética e econômica
por meios coletivos.
• Acolher visitantes apresentando outros referenciais
através da vivência na ZA.
• Servir de estímulo para o amplo desenvolvimento
social (político, cultural e econômico) e intelectual de
todos os envolvidos.

Objetivos Externos
• Auxiliar com tecnologia, esforços e conhecimento o
surgimento de novas Zonas Autônomas Libertárias.
• Trocar idéias, visitas e bens com grupos indígenas,
quilombolas, camponeses, okupas e outras ZAs.
• Unir-se local e globalmente a outros projetos
fortalecendo relações com redes de resistência
global.
• Estimular através da subversão cotidiana a
ampliação da imaginação e da criatividade.
• Criar uma série de novos referenciais de
sociabilidade libertária influenciando e alimentando
imaginários.
• Não parar de agir até o momento em que não se
possa mais ver o asfalto das grandes cidades
encoberto por plantas, arbustos e raízes.

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