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Pierre Lévy O QUEE O VIRTUAL? Traducao de Paulo Neves editoralll34 EDITORA 34 Editora 34 Ltda. Rua Hungria, 592 Jardim Europa CEP 01455-000 Sao Paulo - SP Brasil Tel/Fax (11) 3816-6777 www.editora34.com.br Copyright © Editora 34 Ltda. (edicao brasileira), 1996 Qu’est-ce que le virtuel? © Editions La Découverte, Paris, 1995 A FOTOCOPIA DE QUALQUER FOLHA DESTE LIVRO £ ILEGAL, E CONFIGURA UMA APROPRIAGAO INDEVIDA DOS DIREITOS INTELECTUAIS E PATRIMONIAIS DO AUTOR. Titulo original: Qu’est-ce que le virtuel? Capa, projeto grafico ¢ editoragdo eletronica: Bracher & Malta Produgao Grafica Revisao tecnica: Carlos Irineu da Costa 1° Edicao - 1996 (8* Reimpressao - 2007) Catalogacao na Fonte do Departamento Nacional do Livro (Fundagao Biblioteca Nacional, RJ, Brasil) Levy, P 5 15684 © que é 0 virtual? / Pierre Lévy; tradugio de Paulo Neves. — So Paulo: Ed. 34, 1996. 160 p. (Colegio TRANS) 9: Tradugio de: Qu'est-ce que le virt Inclui bibliogratia ISBN 85-7326-036-X 1, Realidade virtual. 1. Titulo. II. Série. CDD - 003.3 O QUE £ O VIRTUAL? Introdugéo a 1. O QUE £ A VIRTUALIZAGAO? QO atual e o virtua a 15 A atualizagao .. 16 A virtualizacao 17 Nao estar presen cao como éxodo. 19 22 Novos espagos, novas velocidades ..... efei jus. 24 2.A VIRTUALIZACAO DO CORPO Reconstrugdes 27 Percepgées 28 Projegoes... 28 O hipercorpo .... 30. Intensificagées 31 _ Resplandecénci 33 3, A VIRTUALIZACAO DO TEXTO A leitura, ou a atualizacao do texto .. 35 Aescrita, ow a virtualizacdo da memoria . 37 A digitalizagao, ou a potencializacdo do texto 39 O hipertexto: virtualizagao do texto e virtualizagao da leitur: 41 O ciberespaco, ou a virtualizagao do computador 46 A desterritorializagdo do texto... A7 Rumo a um novo impulso da cultura do texto...... 49 4. A VIRTUALIZACAO DA ECONOMIA Uma economia da desterritorializagio . 51 O caso das finangas .... ‘$2: Material com direitos autorais Informacio e conhecimento: consumo nao destrutivo e apropriagdo nao exclusiva .... 54 Desmaterializagao ou virtualizacao: © que é uma informagao?.. 56 Dialética do real e do possivel... 59 O trabalho ... 60 62 A virtualizagdo do mercado ... Economia do virtual e inteligéncia coletiva ... 67 5. AS TRES VIRTUALIZACOES QUE FIZERAM O HUMANO: A LINGUA O nascimento das ling: uagens, ou a virtualizacdo do presente .. 71 A técnica, ou a virtualizagao da agado 73. O contrato, ou a virtualizagao da violéncia A arte, ou a virtualizagao da virtualizagao .. 77 78 6. AS OPERAGOES DA VIRTUALIZAGAO OU O TRIVIO ANTROPOLOGICO O trivio dos signos O trivio das coisas O trivio dos Seres ...scsuesssescseeseeneeesen A gramatica, fundamento da virtualizagao.. A dialética e a retérica, acabamento da virtualizagao 81 83 86 87 92 7. A VIRTUALIZAGAO DA INTELIGENCIA EA CONSTITUIGAO DO SUJEITO A inteligéncia coletiva na inteligéncia pessoal: linguagens, técnicas, instituigées ... 97 Economias cognitivas....... 99 Maquinas darwinianas........sseseeeseees 101 As quatro dimensées da afetividade Sociedades pensantes ..... 103 108 Coletivos humanos e sociedades de insetos cause 110 A objetivacdo do contexto partilhado ...tseeeeeee 112 O cértex de Antropia.... 11s 8. A VIRTUALIZAGAO DA INTE E_A CONSTITUICAO DO OBJETO O problema da inteligéncia coletiva 119 No estadio 124, Presas, territérios, chefes e sujeitos 123 Ferramentas, narrativas, cadaveres . 125 O dinheiro, 0 capita 126 A comunidade cientifica e seus objetos . 127 O ciberespago como objeto. 128 O que é um objeto?. 130 O objeto / o humano...... poesveaeeraisetas 132 9. O QUADRIVIO ONTOLOGICO: A VIRTUALIZACAQ, UMA TRANSFORMACAO ENTRE OUTRAS Os quatro modos de ser ... 136 As quatro passagens 138 Misturas ... 141 Epilogo: Benvindos aos caminhos do virtual Selegao bibliografica comentada ssrssceusssssnssessseiiess _— 151 INTRODUCAO “O virtual possui uma plena realidade, enquanto virtual.” Gilles Deleuze, Différence e répétition. “A realidade virtual corrompe, a realidade absoluta corrompe absolutamente.” Roy Ascott, Prémio Ars electronica 1995, Um movimento geral de virtualizagao afeta hoje nao apenas a informagao e a comunicagdo mas também os corpos, o funcio- namento econdmico, os quadros coletivos da sensibilidade ou o exercicio da inteligéncia. A virtualizagao atinge mesmo as moda- lidades do estar junto, a constituigao do “nés”: comunidades vir- tuais, empresas virtuais, democracia virtual... Embora a digitali- zagdo das mensagens e a extensdo do ciberespago desempenhem um papel capital na mutagao em curso, trata-se de uma onda de fundo que ultrapassa amplamente a informatizagao. Deve-se temer uma desrealizacao geral? Uma espécie de de- saparecimento universal, como sugere Jean Baudrillard? Estamos ameagados por um apocalipse cultural? Por uma aterrorizante implosao do espacgo-tempo, como Paul Virilio anuncia ha varios anos? Este livro defende uma hipétese diferente, nao catastrofista: entre as evolugées culturais em andamento nesta virada do ter- ceiro milénio — e apesar de seus inegaveis aspectos sombrios e terriveis —, exprime-se uma busca da hominizagao. Certamente nunca antes as mudangas das técnicas, da eco- nomia e dos costumes foram tao rapidas e desestabilizantes. Ora, a virtualizac4o constitui justamente a esséncia, ou a ponta fina, da mutagdo em curso. Enquanto tal, a virtualizagao nao é nem O que é 0 Virtual? 11 boa, nem ma, nem neutra. Fla se apresenta como 0 movimento mesmo do “devir outro” — ou heterogénese — do humano. An- tes de temé-la, condend-la ou langar-se as cegas a ela, proponho que se faga o esforgo de apreender, de pensar, de compreender em toda a sua amplitude a virtualizacao. Como se vera ao longo deste livro, o virtual, rigorosamente definido, tem somente uma pequena afinidade com o falso, o ilu- s6rio ou o imaginario. Trata-se, ao contrario, de um modo de ser fecundo e poderoso, que pée em jogo processos de criagao, abre futuros, perfura pocos de sentido sob a platitude da presenca fi- sica imediata. Muitos filésofos — ¢ nao dos menores — ja trabalharam sobre a nogao de virtual, inclusive alguns pensadores franceses contemporaneos como Gilles Deleuze ou Michel Serres. Qual é, portanto, a ambicao da presente obra? E muito simples: nao me contentei em definir o virtual como um modo de ser particular, quis também analisar e ilustrar 4m processo de transformagao de um modo de ser num outro. De fato, este livro estuda a virtuali- zacao que retorna do real ou do atual em direcao ao virtual. A tradigao filoséfica, até os trabalhos mais recentes, analisa a pas- sagem do possivel ao real ou do virtual ao atual. Nenhum estudo ainda, ao que eu saiba, analisou a transformagdo inversa, em di- recao ao virtual. Ora, é precisamente esse retorno a montante que me parece caracteristico tanto do movimento de autocriagdo que fez surgir a espécie humana quanto da transig4o cultural acelera- da que vivemos hoje. O desafio deste livro é portanto triplo: filo- s6fico (0 conceito de virtualizagao), antropoldégico (a relagdo en- tre o processo de hominizagao e a virtualizacao) e s6cio-politico (compreender a mutagao contempordanea para poder atuar nela). Sobre este tiltimo ponto, é preciso dizer que a alternativa maior nao coloca em cena uma hesitagao grossciramente alinhavada en- tre o real eo virtual, mas antes uma escolha entre diversas moda- lidades de virtualizagao. Mais que isso, devemos distinguir entre uma virtualizacao em curso de invengao, de um lado, e suas cari- caturas alienantes, reificantes e desqualificantes, de outro. Don- 12 Pierre Levy de, a meu ver, a urgente nece: a qual responde este “compéndio de virtualizagio”. idade de uma cartografia do virtual No primeiro capitulo, “O que éa virtualizagao?”, defino os principais conceitos de realidade, de possibilidade, de atualidade e de virtualidade que serdo uti zados a seguir, bem como as dife- rentes transformagdes de um modo de ser em outro. Esse capitu- lo € também a oportunidade de um comego de analise da vir- tualizagdo propriamente dita, e em particular da “desterritoria- lizagdo” e outros fendmenos espaco-temporais estranhos que lhe sdo geralmente associados. Os trés capitulos seguintes dizem respeito a virtualizagao do corpo, do texto e da economia. Os conceitos obtidos anteriormente sao aqui explorados em relacdo a fendmenos contemporaneos e permitem analisar de maneira coerente a dindmica da mutacdo econémica e cultural em curso. O quinto capitulo analisa a hominizagao nos termos da teoria da virtualizagao: virtualizagdo do presente imediato pela lingua- gem, dos atos fisicos pela técnica e da violéncia pelo contrato. Assim, apesar de sua brutalidade e de sua estranheza, a crise de civilizago que vivemos pode ser repensada na continuidade da aventura humana. O capitulo seis, “As operagées da virtualizagéo”, utiliza os materiais empiricos acumulados nos capitulos precedentes para por em evidéncia 0 micleo invariante de operagées elementares presentes em todos os processos de virtualizagao: os de uma gra- matica, de uma dialética e de uma ret6rica ampliadas para abran- ger os fendmenos técnicos e sociais. Os sétimo e oitavo capitulos examinam “A virtualizacao da inteligéncia”. Apresentam o funcionamento tecno-social da cog- nigdo seguindo uma dialética da objetivagao da interioridade ¢ da subjetivagdo da exterioridade, dialética que veremos ser tipica da virtualizacdo. Esses capitulos desembocam em dois resultados principais. Em primeiro lugar, uma visao renovada da inteligén- cia coletiva em via de emergéncia nas redes de comunicagao digi- © que é 0 Virtual? 1B tais. A seguir, a construgdo de um conceito de objeto (mediador social, suporte técnico ¢ n6 das operagées intelectuais) que vem rematar a teoria da virtualizagio. O nono capitulo resume, sistematiza e relativiza os conhe- cimentos adquiridos através da obra, e depois esboca o projeto de uma filosofia capaz de acolher a dualidade do acontecimento e da substancia que scré cxaminada, cm filigrana, ao longo de todo o trabalho. O epilogo, enfim, conclama a uma arte da virtualizagdo, a uma nova sensibilidade estética que, nestes tempos de grande des- territorializagao, faria de uma hospitalidade ampliada sua virtu- de cardinal. “4 Pierre Lévy 1. O QUE FE A VIRTUALIZAGAQ? O ATUAL E O VIRTUAL Consideremos, para comegar, a oposigao facil e enganosa entre real e virtual. No uso corrente, a palavra virtual é emprega- da com freqiiéncia para significar a pura e simples auséncia de existéncia, a “realidade” supondo uma efetuagdo material, uma presenga tangivel. O real seria da ordem do “tenho”, enquanto 0 virtual seria da ordem do “teras”, ou da iluséo, 0 que permite geralmente 0 uso de uma ironia facil para evocar as diversas for- mas de virtualizagao. Como veremos mais adiante, essa aborda- gem possui uma parte de verdade interessante, mas é evidentemen- te demasiado grosseira para fundar uma teoria geral. A palavra virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de virtus, forga, poténcia. Na filosofia escolastica, é virtual 0 que existe em poténcia e nio em ato. O virtual tende a atualizar-se, sem ter passado no entanto a concretizacao efetiva ou formal. A Arvore esta virtualmente presente na semente. Em termos rigorosamente filos6ficos, o virtual nao se opde ao real mas ao atual: virtualidade e atualidade sao apenas duas maneiras de ser diferentes. Aqui, cabe introduzir uma distincao capital entre possivel e virtual que Gilles Deleuze trouxe a luz em Différence et répétition' O possivel ja esta todo constitufdo, mas permanece no limbo. O | As referéncias completas das obras citadas se encontram na biblio- grafia comentada no final deste volume (p. 151). O que é 0 Virtual? 1s possivel se realizara sem que nada mude em sua determinagao nem em sua natureza. E um real fantasmatico, latente. O possivel é exatamente como 0 real: s6 lhe falta a existéncia. A realizagao de um possivel nao é uma criagdo, no sentido pleno do termo, pois a criagao implica também a produgao inovadora de uma idéia ou de uma forma. A diferenga entre possivel e real é, portanto, pu- ramente légica. Ja o virtual nao se opoe ao real, mas sim ao atual. Contraria- mente ao possivel, estatico e ja constituido, o virtual é como o complexo problematico, o né de tendéncias ou de forgas que acom- panha uma situag4o, um acontecimento, um objeto ou uma enti- dade qualquer, ¢ que chama um processo de resolugao: a atuali- zagao. Esse complexo problematico pertence a entidade conside- rada e constitui inclusive uma de suas dimensGes maiores. O pro- blema da semente, por exemplo, é fazer brotar uma drvore. A se- mente “6” esse problema, mesmo que nao seja somente isso. Isto significa que ela “conhece” exatamente a forma da arvore que expandira finalmente sua folhagem acima dela. A partir das coer- ges que lhe sao proprias, devera inventa-la, coproduzi-la com as circunstancias que encontrar. Por um lado, a entidade carrega e produz suas virtualidades: um acontecimento, por exemplo, reorganiza uma problematica anterior e é suscetivel de receber interpretagdes variadas. Por outro lado, 0 virtual constitui a entidade: as virtualidades inerentes a um ser, sua problematica, o né de tensdes, de coergées e de pro- jetos que 0 animam, as questées que © movem, sao uma parte essencial de sua determinagao. A ATUALIZAGCAO A atualizacao aparece entao como a solugao de um proble- ma, uma solugao que nao estava contida previamente no enuncia- do. A atualizacao é criacao, invencdo de uma forma a partir de uma configuragao dinamica de forgas e de finalidades. Acontece 16 Pierre Lévy entao algo mais que a dotagao de realidade a um possivel ou que uma escolha entre um conjunto predeterminado: uma producgdo de qualidades novas, uma transformagao das idéias, um verdadeiro devir que alimenta de volta o virtual. Por exemplo, se a execugdo de um programa informatico, puramente légica, tem a ver com o par possivel/real, a interacao entre humanos ¢ sistemas informaticos tem a ver com a dialética do virtual e do atual. A montante, a redacdo de um programa, por exemplo, tra- ta um problema de modo original. Cada equipe de programado- res redefine e resolve diferentemente o problema ao qual é con- frontada. A jusante, a atualizagao do programa em situagao de zagao, por exemplo, num grupo de trabalho, desqualifica cer- tas competéncias, faz emergir outros funcionamentos, desencadeia conflitos, desbloqueia situagGes, instaura uma nova dinamica de util colaboragao... O programa contém uma virtualidade de mudan- ga que 0 grupo — movido ele também por uma configuragao di- namica de tropismos e coergGes — atualiza de maneira mais ou menos inventiva. . O real assemelha-se a0 possivel; em troca, o atual em nada se assemelha ao virtual: responde-the. A VIRTUALIZACAO Compreende-se agora a diferenga entre a realizagao (ocor- réncia de um estado pré-definido) e a atualizagao (invengao de uma solucao exigida por um complexo problematico). Mas 0 que é a virtualizagao? Nao mais o virtual como maneira de ser, mas a virtualizagao como dinamica. A virtualizagao pode ser definida comto o movimento inverso da atualizagao. Consiste em uma pas- sagem do atual ao virtual, em uma “elevagao a poténcia” da en- tidade considerada. A virtualizagdo nado é uma desrealizagao (a transformacao de uma realidade num conjunto de possiveis), mas uma mutagao de identidade, um deslocamento do centro de gra- O que é 0 Virtual? 17 vidade ontolégico do objeto considerado: em vez de se definir principalmente por sua atualidade (uma “solugdo”), a entidade passa a encontrar sua consisténcia essencial num campo proble- matico, Virtualizar uma entidade qualquer consiste em descobrir uma questo geral a qual ela se relaciona, em fazer mutar a enti- dade em direcao a essa interrogagao e em redefinir a atualidade de partida como resposta a uma questao particular. Tomemos 0 caso, muito contemporaneo, da “virtualizagao” de uma empresa. A organizacao classica retine seus empregados no mesmo prédio ou num conjunto de departamentos. Cada em- pregado ocupa um posto de trabalho precisamente situado e seu livro de ponto especifica os horarios de trabalho. Uma empresa virtual, em troca, serve-se principalmente do teletrabalho; tende a substituir a presenga fisica de seus empregados nos mesmos lo- cais pela participagao numa rede de comunicagio eletranica e pelo uso de recursos e programas que favoregam a cooperacao. Assim, a virtualizagdo da empresa consiste sobretudo em fazer das coor- denadas espacgo-temporais do trabalho um problema sempre re- pensado e nao uma solugao estavel. O centro de gravidade da or- ganizagao nao é mais um conjunto de departamentos, de postos de trabalho ¢ de livros de ponto, mas um processo de coordena- ¢ao que redistribui sempre diferentemente as coordenadas espa- ¢o-temporais da coletividade de trabalho e de cada um de seus membros em fungao de diversas exigéncias. A atualizagao ia de um problema a uma solugao. A virtuali- zagio passa de uma solugao dada a um (outro) problema. Ela transforma a atualidade inicial em caso particular de uma proble- matica mais geral, sobre a qual passa a ser colocada a énfase onto- légica. Com isso, a virtualizagao fluidifica as distingdes instituidas, aumenta os graus de liberdade, cria um vazio motor. Se a virtua- lizagdo fosse apenas a passagem de uma realidade a um conjunto de possiveis, seria desrealizante. Mas ela implica a mesma quanti- dade de irreversibilidade em seus efeitos, de indeterminagao em seu processo e de invengao em seu esforgo quanto a atualizacao. A virtualizagao é um dos principais vetores da criagao de realidade. 18 Pierre Lévy NAo ESTAR PRESENTE?: A VIRTUALIZAGAO COMO Exopo Ap6s ter definido a virtualizagao no que ela tem de mais geral, vamos abordar agora uma de suas principais modalidades: o desprendimento do aqui e agora. Como assinalamos no come- ¢0, © senso comum faz do virtual, inapreensivel, o complementar do real, tangivel. Essa abordagem contém uma indicagao que nao se deve negligenciar: o virtual, com muita freqiiéncia, “nao esta presente”. A empresa virtual nao pode mais ser situada precisamente. Seus elementos sio némades, dispersos, e a pertinéncia de sua posigao geografica decresceu muito. Estara 0 texto aqui, no papel, ocupando uma porgao defi- nida do espaco fisico, ou em alguma organizagao abstrata que se atualiza numa pluralidade de linguas, de versdes, de ediges, de tipografias? Ora, um texto em particular passa a apresentar-se como a atualizagao de um hipertexto de suporte informatico. Este Ultimo ocupa “virtualmente” todos os pontos da rede ao qual esta conectada a memoria digital onde se inscreve seu cédigo? Ele se estende até cada instalagio de onde poderia ser copiado em al- guns segundos? Claro que é possivel atribuir um enderego a um arquivo digital. Mas, nessa era de informagGes on line, esse en- derego seria de qualquer modo transitorio e de pouca importan- cia. Desterritorializado, presente por inteiro em cada uma de suas versdes, de suas copias ¢ de suas projegdes, desprovido de inér- 2 Nesta secio, Pierre Lévy faz uma série de jogos de palavra com o ter- mo francés “1a”. Se, por um lado, ha uma remissdo explicita ao Dasein de Heidegger, traduzido em portugués por “ser-ai” ¢ traduzido literalmente em francés por um “étre-la”, por outro a construgao geral do texto em francés € bastante coloquial. Para nao dificultar a leitura desta segdo, optamos por traduzir “14” como “presenga”, termo mais adequado no contexto. Mantivemos, contu- do, a expresso “ser-ai” na passagem em que o autor cita expli Dasein de Heidegger. tamente o O que € 0 Virtual? 19 cia, habitante ubiquo do ciberespaco, o hipertexto contribui para produzir aqui e acola acontecimentos de atualizagao textual, de navegagao e de leitura. Somente estes acontecimentos sao verda- deiramente situados. Embora necessite de suportes fisicos pesa- dos para subsistir e atualizar-se, o imponderdvel hipertexto nao possui um lugar. O livro de Michel Serres, Atlas, ilustra o tema do virtual como “nao-presenga”. A imaginagado, a memoria, o conhecimento, a religido sao vetores de virtualizagao que nos fizeram abando- nar a presenga muito antes da informatizacao e das redes digitais. Ao desenvolver esse tema, o autor de Atlas leva adiante, indire- tamente, uma polémica coma filosofia heideggeriana do “ser-ai”. “Ser-ai” é a tradugao literal do alemao Dasein que significa, em particular, existéncia no alemao filos6fico classico e existéncia pro- priamente humana — ser um ser humano — em Heidegger. Mas, precisamente, 0 fato de no pertencer a nenhum lugar, de freqiien- tar um espaco nao designavel (onde ocorre a conversacao telefo- nica?), de ocorrer apenas entre coisas claramente situadas, ou de nao estar somente “presente” (como todo ser pensante), nada disso impede a existéncia. Embora uma etimologia nao prove nada, assinalemos que a palavra existir vem precisamente do latim sis- tere, estar colocado, e do prefixo ex, fora de. Existir é estar pre- sente ou abandonar uma presenga? Dasein ou existéncia? Tudo se passa como se 0 alemao sublinhasse a atualizacao e o latim a virtualizacao. Uma comunidade virtual pode, por exemplo, organizar-se sobre uma base de afinidade por intermédio de sistemas de comu- nicagao telematicos. Seus membros estio reunidos pelos mesmos ntcleos de interesses, pelos mesmos problemas: a geografia, contin- gente, nado é mais nem um ponto de partida, nem uma coergao. Apesar de “nao-presente”, essa comunidade esta repleta de paixdes e de projetos, de conflitos e de amizades. Ela vive sem lugar de referéncia estavel: em toda parte onde se encontrem seus membros méveis... ou em parte alguma. A virtualizagao reinventa uma cul- tura némade, nao por uma volta ao paleolitico nem as antigas ci- 20 Pierre Lévy vilizagGes de pastores, mas fazendo surgir um meio de interacées sociais onde as relagdes se reconfiguram com um minimo de inércia. Quando uma pessoa, uma coletividade, um ato, uma infor- magao se virtualizam, eles se tornam “ndo-presentes”, se des- territorializam. Uma espécie de desengate os separa do espaco fisico ou geografico ordinarios e da temporalidade do reldgio e do calendario. E verdade que nao sao totalmente independentes do espago-tempo de referéncia, uma vez que devem sempre se inserir em suportes fisicos ¢ se atualizar aqui ou alhures, agora ou mais tarde. No entanto, a virtualizagao lhes fez tomar a tan- gente. Recortam o espaco-tempo classico apenas aqui e ali, esca- pandoa scus lugares comuns “realistas”: ubiqitidade, simultanei- dade, distribuigdo irradiada ou massivamente paralela. A virtua- lizagdo submete a narrativa cla: de tempo sem unidade de lugar (gracgas as interacdes em tempo real por redes eletrénicas, as transmisses ao vivo, aos sistemas ica a uma prova rude: unidade de telepresenga), continuidade de agdo apesar de uma durac3o descontinua (como na comunicagao por secretaria eletr6nica ou por correio eletrénico}). A sincronizagao substitui a unidade de lugar, ea interconex4o, a unidade de tempo. Mas, novamente, nem por isso o virtual é imagindrio. Ele produz efeitos. Embora nao se saiba onde, a conversagdo telef6nica tem “lugar”, veremos de que maneira no capitulo seguinte. Embora nao se saiba quando, comunicamo-nos efetivamente por réplicas interpostas na secre- taria eletrénica. Os operadores mais desterritorializados, mais desatrelados de um enraizamento espago-temporal preciso, os coletivos mais virtualizados e virtualizantes do mundo contem- poraneo sao os da tecnociéncia, das financas e dos meios de co- municagao. Sao também os que estruturam a realidade social com mais forga, e até com mais violéncia. Fazer de uma coergao pesadamente atual (a da hora e da geografia, no caso) uma variavel contingente tem a ver claramente com 0 remontar inventivo de uma “solugao” efetiva em direcdo a uma problematica, e portanto com a virtualizacdo no sentido em que a definimos rigorosamente mais acima. Era portanto pre- O que 60 Virtual? 1 visivel encontrar a desterritorializacao, a saida da “presenca”, do “agora” e do “isto” como uma das vias régias da virtualizagao. Novos Espacos, NOVAS VELOCIDADES Mas 0 mesmo movimento que torna contingente 0 espaco- tempo ordinario abre novos meios de interagao e ritmo das cro- nologias inéditas. Antes de analisar essa propriedade capital da virtualizacao, cabe-nos primeiramente evidenciar a pluralidade dos tempos e dos espagos. Assim que a subjetividade, a significagao e a pertinéncia entram em jogo, nao se pode mais considerar uma Unica extensao ou uma cronologia uniforme, mas uma quantida- de de tipos de espacialidade e de duracdo. Cada forma de vida inventa seu mundo (do micrébio a arvore, da abelha ao elefante, da ostra 4 ave migratoria) e, com esse mundo, um espago e um tempo especificos. O universo cultural, proprio aos humanos, estende ainda mais essa variabilidade dos espacos e das tempo- ralidades. Por exemplo, cada novo sistema de comunicagao e de transporte modifica o sistema das proximidades praticas, isto é, © espago pertinente para as comunidades humanas. Quando se constréi uma rede ferrovidria, € como se aproximdssemos fisica- mente as cidades ou regiGes conectadas pelos trilhos e afastasse- mos desse grupo as cidades nao conectadas. Mas, para os que nao andam de trem, as antigas distancias ainda sao validas. O mes- mo se poderia dizer do automével, do transporte aéreo, do tele- fone etc. Cria-se, portanto, uma situagdo em que varios sistemas de proximidades e varios espacos praticos coexistem. De maneira andloga, diversos sistemas de registro e de trans- missao (tradic4o oral, escrita, registro audiovisual, redes digitais) constréem ritmos, velocidades ou qualidades de histéria diferen- tes. Cada novo agenciamento, cada “maquina” tecnossocial acres- centa um espago-tempo, uma cartografia especial, uma mtisica singular a uma espécie de trama elastica e complicada em que as extensdes se recobrem, se deformam e se conectam, em que as R 8 Pierre Lévy duragées se opdem, interferem e se respondem. A multiplicacao contemporanea dos espagos faz de nés némades de um novo es- tilo: em vez de seguirmos linhas de errancia e de migragao dentro de uma extensao dada, saltamos de uma rede a outra, de um sis- tema de proximidade ao seguinte. Os espacos se metamorfoseiam ese bifurcam a nossos pés, forgando-nos a heterogénese. A virtualizacao por desconexao em relagao a um meio par- ticular nado comegou com o humano. Ela esta inscrita na propria histéria da vida. Dos primeiros unicelulares até as aves e mami- feros, os melhoramentos da locomogao abriram, segundo Joseph Reichholf, “espagos sempre mais vastos e possibilidades de exis- téncia sempre mais numerosas aos scres vivos” (Reichholf, 1994, p. 222). A invengao de novas velocidades é 0 primeiro grau da virtualizagao. Reichholf observa que “o ntimero de pessoas que se deslo- cam através dos continentes nos periodos de férias, hoje em dia, € superior ao numero total de homens que se puseram a caminho no momento das grandes invasGes” (Reichholf, 199, p. 226). A aceleracdo das comunicagées € contemporanea de um enorme crescimento da mobilidade fisica. Trata-se na verdade da mesma onda de virtualizacao. O turismo é hoje a primeira inddstria mun- dial em volume de negécios. © peso econémico das atividades que sustentam e mantém a fungao de locomogao fisica (veiculos, in- fraestruturas, carburantes) é infinitamente superior ao que era nos séculos passados. A multiplicacao dos meios de comunicagio eo crescimento dos gastos com a comunicagao acabarao por substi- tuira mobilidade fisica? Provavelmente nao, pois até agora os dois crescimentos sempre foram paralelos. As pessoas que mais telefo- nam sao também as que mais encontram outras pessoas em car- ne e osso. Repetimos: aumento da comunicagio e generalizagao do transporte rapido participam do mesmo movimento de virtua- lizagao da sociedade, da mesma tensao em sair de uma “presenga”. A revolucao dos transportes complicou, encurtou e meta- morfoseou 0 espaco, mas isto evidentemente foi pago com impor- tantes degradagdes do ambiente tradicional. Por analogia com os O que é 0 Virtual? 23 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 2. A VIRTUALIZACAO DO CORPO RECONSTRUGOES Estamos ao mesmo tempo aqui e la gragas as técnicas de comunicagao e de telepresenga. Os equipamentos de vizualizagaéo médicos tornam transparente nossa interioridade organica. Os en- xertos e as proteses nos misturam aos outros e aos artefatos. No prolongamento das sabedorias do corpo e das artes antigas da alimentagdo, inventamos hoje cem manciras de nos construir, de nos remodelar: dietética, body building, cirurgia plastica. Altera- mos nossos metabolismos individuais por meio de drogas ou me- dicamentos, espécies de agentes fisiolégicos transcorporais ou de secregées coletivas... ea industria farmacéutica descobre regular- mente novas moléculas ativas. A reprodugao, a imunidade con- tra as doengas, a regulacao das emogoes, todas essas performances classicamente privadas, tornam-se capacidades publicas, inter- cambiaveis, externalizadas. Da socializacao das fungées somaticas ao autocontrole dos afetos ou do humor pela bioquimica indus- trial, nossa vida fisica e psiquica passa cada vez mais por uma “exterioridade” complicada na qual se misturam circuitos econé- micos, institucionais e tecnocientificos. No final das contas, as biotecnologias nos fazem considerar as espécies atuais de plantas ou de animais (e mesmo o género humano) como casos particulares e talvez contingentes no seio de um continuum bioldgico virtual muito mais vasto e ainda inexplorado. Como a das informagGes, dos conhecimentos, da economia e da sociedade, a virtualizagao dos corpos que experimentamos hoje é uma nova etapa na aven- tura de autocriagdo que sustenta nossa espécie. © que € 0 Virtual? 27 PERCEPCOES Estudemos agora algumas fungSes somiticas em detalhe para desmontar 0 funcionamento do processo contemporaneo de vir- tualizagao do corpo. Comecemos pela percepgao, cujo papel é trazer o mundo aqui. Essa funcao é claramente externalizada pelos sistemas de telecomunicagao. O telefone para a audigao, a televi- sAo para a visao, os sistemas de telemanipulag6es para 0 tato ea interag4o sens6rio-motora, todos esses dispositivos virtualizam os sentidos. E ao fazé-lo, organizam a colocagao em comum dos 6r- gios virtualizados. As pessoas que véem o mesmo programa de televisdo, por exemplo, compartilham o mesmo grande olho co- letivo. Gragas as maquinas fotogrdficas, as cameras e aos grava- dores, podemos perceber as sensagées de outra pessoa, em outro momento e outro lugar. Os sistemas ditos de realidade virtual nos permitem experimentar, além disso, uma integragao dindmica de diferentes modalidades perceptivas. Podemos quase reviver a ex- periéncia sensorial completa de outra pessoa. PROJEGOES. A fungao simétrica da percepgao € a projegao no mundo, tanto da acdo como da imagem. A projegao da agao esta eviden- temente ligada as maquinas, as redes de transporte, aos circuitos de producio e de transferéncia da energia, as armas. Nesse caso, um grande ntimero de pessoas compartilham os mesmos enormes bragos virtuais e desterritorializados, Inutil desenvolver longa- mente esse aspecto relacionado mais especificamente a andlise do fendmeno técnico. A projeco da imagem do corpo é geralmente associada & nogao de telepresenga. Mas a telepresenga é sempre mais que a simples projecdo da imagem. O telefone, por exemplo, j4 funciona como um dispositivo de telepresenga, uma vez que nao leva apenas uma imagem ou uma 28 Pierre Lévy aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. neficidrio de uma transfusio, ao consumidor de horménios. O corpo coletivo acaba por modificar a carne priméria. As vezes, ressuscita-a ou fecunda-a in vitro. A constituigéo de um corpo coletivo e a participagdo dos individuos nessa comunidade fisica serviu-se por muito tempo de mediag6es puramente simbélicas ou religiosas: “Isto é meu cor- po, isto é meu sangue”. Hoje cla recorre a meios técnicos. Assim como compartilhamos desde o tempo dos afonsinos uma dose de inteligéncia e de visio do mundo com os que falam a mesma lingua, hoje nos associamos virtualmente num sé corpo com os que participam das mesmas redes técnicas e médicas. Cada corpo individual torna-se parte integrante de um imenso hiper- corpo hibrido e mundializado. Fazendo eco ao hipercortex que expande hoje seus ax6nios pelas redes digitais do planeta, o hiper- corpo da humanidade estende seus tecidos quiméricos entre as epidermes, entre as espécies, para além das fronteiras ¢ dos ocea- nos, de uma margem a outra do rio da vida, INTENSIFICAGOES. Como se fosse para reagir a virtualizagao dos corpos, nossa época viu desenvolver-se uma pratica esportiva que certamente jamais atingiu uma proporcdo tao grande da populagao. Nao falo aqui dos corpos “sadios” e atléticos postos em cena pelos regi- mes politicos autoritdrios ou promovidos pelas revistas de moda ea publicidade, nem mesmo dos esportes de equipe, dos quais tratarei no capitulo sobre a virtualizagao da inteligéncia. Refiro- me a esse esforco de ultrapassar limites, de conquistar novos meios, de intensificar as sensagdes, de explorar outras velocidades que se manifesta numa explosao esportiva especifica de nossa época. Através da natagao (esporte muito pouco praticado antes do século XX), domesticamos 0 meio aquatico, aprendemos a per- der pé, experimentamos uma maneira nova de sentirmos 0 mun- do e de sermos levados no espaco. Praticado como um lazer, o mer- O que é 0 Virtual? 31 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. linearidade do discurso, costuramo-los juntos: ler um texto é reen- contrar os gestos téxteis que Ihe deram seu nome. As passagens do texto mantém entre si virtualmente uma correspondéncia, quase que uma atividade epistolar, que atuali- zamos de um jeito ou de outro, seguindo ou nao as instrugées do autor. Carteiros do texto, viajamos de uma margem 4 outra do espago do sentido valendo-nos de um sistema de enderegamento, e de indicagoes que 0 autor, o editor, o tipégrafo balisaram. Mas podemos desobedecer as instrugdes, tomar caminhos transversais, produzir dobras interditas, estabelecer redes secretas, clandesti- nas, fazer emergir outras geografias semAnticas. Tal ¢ 0 trabalho da leitura: a partir de uma linearidade ou de uma platitude inicial, esse ato de rasgar, de amarrotar, de tor- cer, de recosturar 0 texto para abrir um meio vivo no qual possa se desdobrar 0 sentido. O espaco do sentido nao preexiste 3 lei- tura. E ao percorré-lo, ao cartografé-lo que o fabricamos, que o atualizamos. Mas enquanto 0 dobramos sobre si mesmo, produzindo as- sim sua relagdo consigo proprio, sua vida auténoma, sua aura semantica, relacionamos também o texto a outros textos, a outros discursos, a imagens, a afetos, a toda a imensa reserva flutuante de desejos e de signos que nos constitui. Aqui, nado é mais a uni- dade do texto que esta em jogo, mas a construgdo de si, constru- cio sempre a refazer, inacabada. Nao é mais 0 sentido do texto que nos ocupa, mas a dire¢ao e a elaboragao de nosso pensamento, a precisdo de nossa imagem do mundo, a culminagao de nossos projetos, o despertar de nossos prazeres, o fio de nossos sonhos. Desta vez o texto nao é mais amarrotado, dobrado feito uma bola sobre si mesmo, mas recortado, pulverizado, distribuido, avalia- do segundo critérios de uma subjetividade que produz a si mesma. Do texto, propriamente, em breve nada mais resta. No me- lhor dos casos, teremos, gragas a ele, dado um retoque em nos- sos modelos do mundo. Talvez tenha servido apenas para pér em ressonancia algumas imagens, algumas palavras que j4 possuia- mos. Eventualmente, teremos relacionado um de seus fragmen- 36 Pierre Lévy aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ca € a arte de compor pequenas unidades significantes com ele- mentos nao significantes e grandes unidades significantes (frases, discursos) com pequenas. Notemos que as operagGes “gramati- cais” de separagao e de arranjo de elementos nao dizem respeito apenas a lingua mas também 4 escrita, inclusive as escritas nao alfabéticas. Depois da gramatica, a dialética. Inicialmente arte do di logo, a dialética passou a designar a ciéncia da argumentagao e, na universidade medieval, a logica e a semantica. A gramatica dizia respeito a articulagdo interna da lingua, 4 manipulagao das fer- ramentas linguisticas e escriturais. A dialética, em troca, estabe- lece uma relagio de reciprocidade entre interlocutores, pois nao ha esforgo argumentativo que nao subentenda uma espécie de paridade intelectual. Com isso, a dialética conecta um sistema de signos e um mundo objetivo, colocado pelos interlocutores em posicao de mediador. Serao as proposigdes verdadeiras ou falsas, e por qué? De que maneira elas correspondem a um estado do mundo? A dialética implica ao mesmo tempo o relacionamento com © outro (a argumenta¢ao) e a relagdo com o “exterior” (a semAntica, a referéncia). Nao ha lingua sem essas operacgdes de estabelecimento de correspondéncia, ou de substituigéo conven- cional entre uma ordem dos signos e uma ordem das coisas. Enfim, a retérica designa a arte de agir sobre os outros e 0 mundo com 0 auxilio dos signos. No estagio retérico ou pragma- tico, nao se trata mais apenas de representar 0 estado das coisas, mas igualmente de transforma-lo, e mesmo de criar inteiramente uma realidade saida da linguagem; ou seja, em termos rigorosos, um mundo virtual: o da arte, da ficgao, da cultura, do universo mental humano. Esse mundo gerado pela linguagem servira even- tualmente de referéncia a operagées dialéticas ou sera reempregado por outros projetos de criagao. A linguagem s6 alga véo no esta- gio retorico. Entao ela se alimenta de sua propria atividade, im- poe suas finalidades e reinventa 0 mundo. 82 Pierre Lévy aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ou padrao. Esses 4tomos sao destacaveis, transferiveis, indepen- dentes de contextos vivos. Ja formam o grau minimo do virtual na medida em que cada um pode ser atualizado numa variedade indefinida de ocorréncias, todas qualitativamente diferentes, mas no entanto reconheciveis como exemplares do mesmo elemento virtual. Portanto nao se trata de atomos reais ou substanciais. Esse ponto deve ser sublinhado, pois cle faz toda a diferenga entre a andlise 4 moda cartesiana, que separa partes reais, e a grama- tizagao que cria particulas virtuais. Sua propriedade de nao-sig- nificdncia autoriza o reemprego de um conjunto limitado de tijo- los de base, livres e destacaveis, para construir uma quantidade infinita de seqiéncias, de cadeias ou de compostos significantes. A significagao de um composto nao pode ser deduzida a priori da lista de seus elementos: trata-se de uma atualizagao criadora em contexto. © destino da escrita ilustra particularmente bem a grama- tizagdo; 0 que a etimologia confirma: gramma, em grego antigo, €a letra. A fala é antes de mais nada indissociavel de um sopro, de uma presenga viva aqui e agora. A escrita (a gramatizagao da fala) separa a mensagem de um corpo vivo e de uma situacdo particular. A impressao leva adiante esse processo ao padronizar a grafia, separando o texto lido do trago direto de uma perfor- mance muscular. O aspecto virtualizante da impressdo é 0 ca- ractere mével. Reencontraremos em quase todos os processos de virtualizacao o equivalente de um “caractere mével”, liberado, descolado das situagGes concretas, reprodutivel e circulante. A informatizagao acelera 0 movimento iniciado pela escrita ao reduzir todas as mensagens a combinagoes de dois simbolos elementares, zero e um. Esses caracteres so os menos significantes possiveis, idénticos em todos os suportes de meméria. Seja qual for a natureza da mensagem, eles compdem seqiiéncias tradutiveis em e por qualquer computador. A informaica é a mais virtualizante das técnicas por ser também a mais gramaticalizante. Sabe-se que a lingua se caracteriza por uma dupla articulacdo, a que junta os fonemas e as unidades significantes (as palavras) e a que junta as 88 Pierre Lévy

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