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Uma questdo de lingua, antes de algumas palavras de agradecimento. Eu me perguntava esta manha em que lingua se desenha; isto é, j4 que estamos aqui para falar do desenho, se fosse concebivel ou paradoxal imaginar que um desenho, longe de ser, como se acredita em geral, tao imediatamente universal quanto a miisica, como se pensa que o desenho ¢ a miisica sio imediatamente universais e inteligiveis para além da barreira das linguas, eu me pergunto, vou ainda me perguntar, e voltarei 2 isso ao longo do caminho, se 0 desenho, se o trago do desenho é totalmente independente de uma lingua; se, por exemplo, Valerio Adami! desenha em italiano ou em outra lingua. Como sabemos muito bem, na obra de Adami hé muitas palavras em inglés, em francés, em alemio. Mas sera que a questo de saber se ele desenha em italiano tem um sentido? Deixo em suspenso a questao do que liga 0 trago do desenho 4 lingua. Qual é a autoridade, em tltima instancia, sera a do trago ou a da lingua? Mas depois da riquissima e serifssima apresentagao de Maurizio Ferraris,? isso serd um divertimento, um impromptu. Antes de me entregar a ele, eu gostaria de dizer algumas palavras de gratidao aqueles que estdo nos recebendo aqui, a Valerio Adami, cuja iniciativa eu gostaria de saudar, nao apenas por hoje, mas pelo futuro da instituigdo de desenho que Cf. apresentacio de Valerio Adami em “Sobre os artistas”, a0 final deste volume. (N. T.) Cf, Maurizio Ferraris. “Locchio ragiona a modo suo". ypea del Disegno. Op. cit., p. 23-48. 66 Pensar em nio ver ele esta fundando’ e da qual isto é uma especie de prefiguragdo, de designio preliminar. Portanto, todos os nossos votos para a instituico que ele esta inaugurando ¢ pela qual estamos ¢ permaneceremos de todo 0 coragao com ele. No final de sua apresentagao, Maurizio Ferraris falava em raios X, que sio da ordem da visibilidade, de um certo tipo de visibilidade: do invisivel que se da a ver sob certa superficie, sob uma outra superficie invisivel, ¢ vou colocar a questo, principalmente ao olhar para Valeria’ da ecografia, Vou me entregar aqui unicamente a ecos, vou fazer eco a tudo o que disse Maurizio Ferraris na manha de hoje, ¢ perguntar-me que estatuto poderiamos dar 3 ecografia. Antes de me engajar No gravissimno tema do “pensar-ver”, colocarei mais uma questo, Em geral, quando se diz “ver”, peusa-se naturalmente, em imeiro lugar, nos olhos, nos olhos que sio feitos, pensa-se, para ver. Mas os senhores sabem que os olhos nao sao feitos apenas para ver, sao feitos também para chorar. Podemos nos perguntar por que se chora, por que tal emogio de tristeza, ou de riso, aliés, ou de abalo traumitico, provoca Ligrimas. Isso € bastante enigmatic. Por que esse sintoma que consiste em derramar agua através dos olhos? E a titulo de epigrafe, para dar certo alcance 4 questio “por que os olhos, em vista do que os olhos?”, “cles sio feitos para ver ou acima de tudo para chorar?” (Ha, como vocés sabem, uma grande iconografia das choradeiras. Em geral, so as mulheres que choram ¢ que fazem a experiencia — voltaremos & questo sobre o que € a experiéncia ~ dos préprios olhos, quando choram de tristeza JP ou de alegria, alias.), citarei um texto que me aconteceu citar : num ensaio que escrevi sobre os cegos, um texto de Marvell que diz: But only human eyes can weep. How wisely Nature did decree, With the same eyes to weep and see! That having viewed the object vain, . + “Trata-se da Fondazione Europea del Disegno, (N.E.) yues Derrida alude aqui a Valeria Cantoniy i seminiio Ekpbrasis queocorre: Jacques Derrida ve might be ready to complain fol Open then, mine eyes, your double sluice, And practice so your noblest uses For others too can see, or sleep, ut only buman eyes can weep. bol Thus let your streams o'erflow your springs, Till eyes and tears be the same things: ‘And each the other's difference bears; ‘These weeping eyes, those seeing tears. Para ele, é claro que tanto 0s animais quanto os homens, aquilo que chamamos de animais, tém othos para ver. Mas feyundo Marvell, de cuja tranguila certeza nfo compartilho Aqui, apenas vlhos humanos sio feitos para chorar. Ele diz ‘vio apenas que os olhos choram, mas também que as légrimas ‘em, Primeira epigrafe. © Quanto a segunda epigrafe, eu gostaria de orienté-l Wireyio de alguém que assombra este lugar, isto é, de Nietzsche. Nietzsche foi frequentemente nomeado esta manhé, mas se pride acompanhar o italiano, 0 que nao fiz sem dificuldade, fio se falou do fato de que Nietzsche morou nesta regido, nesta itha ‘Seu espectro assombra este lugar. Ora, um espectro € algo % na {Quio sabiamente a natureza decretou/ Com os mesmos olhos chorar PP ever Que tendo visto 0 objeto vioy Estejamos prontos para nos B ueixar[.| Abram-s entio, olhos meus, seu duplo dique,/E pratiquem SY aasim seu uso mais nobres!Pois outros também podem ver, ou dormity! 4 olhos humanos podem chorar.[..] Pois deixem seus riachos transbordar suas fontes,/ Até que olhos e lagrimas sejam as mesmas coisas! E cada um carregue a diferenca do outros/ Estes olhos que ‘choram, aquelas lagrimas que veem. [Tradugdo livre de Jodo Camillo Penna, feita para esta edigao. (N. T,)] Cf. Jacques Derrida. Mémoires faveugle. Lautoportrait et autres ruines. Paris: Réunion des Musées INationaux, col. “Parti pris”, 1990, p. 129-130. (Memdrias de cog [auto-retrato outras ruinas. Teadugao de Fernanda Bernardo. Lisboa: lagio Calouste Gulbenkian, 2010.) [Jacques Derrida indica como fem Mémoires d'aveugle: Andrew Marvell. Eyes and Te #8 Pensar em nao ver que se vé sem ver © que nao se vé ao ver, a figura espectral nem tod € uma forma que hesita de maneira inteiramente indecidivel vivos, ¢ entre © visivel ¢ o invisivel. O espectro € aquilo que se pensa que pre ver, “pensar” desta vez no sentido de “acredirar”, pensamos genetica ver. Ha ai um “pensar-ver”, um “ver-pensado”. Mas nunca se contudc viu pensar. Em todo caso, 0 espectro, como na alucinacio, € a0 que alguém que atravessa a experiéncia da assombracao, do luto etc., normal alguém que pensamos ver. Entio, Nietzsche, aqui, pensamos sentido vé-lo. Evocarei, pois, um texto de Nietzsche precisamente a de outt respeito da visio e da cegueira. Trata-se de Ecce Homo: a luz c = nio Minha doenga dos olhos que de vez em quando ‘elesré me leva perigosamente a beira da cegueita [dem rig Blindwerden zeitweilig sich gefabrlich annibernd) é vitais 86 um efeito, ndo uma causa: quando minha poténcia de ver i vital [Lebenskraft] aumenta, a poténcia de minha visio vem. P [Sebkraft\ também aumenta [..J. Sou um duplo (ein tomar Doppelginger}, tenho também a “segunda” visio slém antecig da primeira. F talver até mesmo a terceira...* das ma | a Junto 3 Bem, © contrato aqui entre Valerio Adami, Maurizio Coal Ferraris e mim € que responderei_ a Maurizio Ferraris Care 4 improvisando. Foi por isso que falei de impromptu. Falarei sem Paes preparacdo. Mas 0 que é uma improvisacao? Quer se trate de fothos fala’ ou de miisica ~ 0 desenho € ainda outra coisa -, 0 que é cfiea nao pré-ver? A improvisacio consiste em avangar sem ver 0 aioe, avango, sem ver previamente, sem pré-ver. Eis, por exemplo, a uma questo que permaneceré em suspenso, pairando acima pa ovic de tudo que direi agora: sera que se pode pintar sem pré-ver, nai sem designio, sem design? Sera que se pode desenhar sem © coin a: designio? Ou seja, sem ver vir? Jé estamos préximos do que nos ‘thos disse Maurizio Ferraris esta manha a respeito da percepcao, ; as do conceito, da pré-visdo, da pré-vidéncia, da pré-vidéncia, ¢ a pere também da Providéncia divina. Evoquemos aqui uma evidéncia: apr & Friedrich Nietasche, Ecce Homo, Tradugio francesa de Alexandre Vialatte ligeiramente modificada). Paris: Gallimard, 1942, p, 18-19, 22. em Mémoires daveugle. Op. cit. p. 125. (N. etral oktive! bse peas peasants pawaniea se pinagho, ¢ Shato ete, peasantos gamyente a mos Maurizio » Ferraris alarei sem. se trate de =o que é sem Ver 0 -exemplo, xdo acima m prévery ahar sem do que nos percepcio, gidéncia, € Jacques Derrida 2 69 a jem todos 08 sere vivos tém o que chamamos de olhos; hé seres vivos, ¢ € 0 caxo da maior parte dees, que sio sensiveis a luz, que precisam da luz ou do sol e que reagem biologicamente, geneticamente, a liz, que precisam dos efeitos da luz sem, contudlo, ver, sem ter olhos que fagam face a alguma coisa, a que est precisamente em face deles, ao que chamamos normalmente de objetos. Hé animais que nao tém objeto nesse sentido, mas nds, os homens, os mamiferos e um certo ntimero de outros animais, temos olhos, Nao apenas somos sensiveis luz como também vemos, ¢ devo dizer que uma das fungées injo direi uma das finalidades para ndo parecer demasiado telegrifico desde o inicio =, mas em todo caso uma das fungdes vitais do olho, do olhar equipado de olhos, € precisamente a de ver vir, isto & de nos proteger, de nos proteger contra o que vem. Para nos proteger, antecipamos, “Antecipar” quer dizer tomar previamente (anfecapere), apoderar-se previamente. A antecipagio ja € algo que, na maioria das vezes, com a ajuda das mios, vai ao encontro do obsticulo para prevenir perigo. Junto ao léxico da antecipagiio, temos o da a-preensao, o léxico manual, se podemos dizer assim. Tudo 0 que digo se desloca entre a mio ¢ 0 olho, como o desenho. O desenho é 0 olho e a mio, Antes mesmo de, de alguma maneira, servir-se dos nossos olhos, a antecipagao se serve das nossas maos, para manter a distancia 0 perigo, o obstaculo, a ameaga. Varios desenhos de cegos, quero dizer aqueles desenhos que representam cegos—em meu texto sobre os cegos, tentei demoastrar isso -, descrevem 0 movimento do cego avangando as maos aos tateios para prever sem ver 0 que esti diante dele ¢ que ele deve levar em conta coin as mios, sem os olhos. Mas com os olhos videntes que si0 6s nossos, também antecipamos; e no léxico da antecipagio temos todo o espectro semantico da percepgao ou do conceito, a percepgio é também uma pegada manual, uma maneira de aprender, o Begriff, o conceito. Begreifen € apreender, tomar para dominar, ¢, portanto, 0 conceito tem isso em comum com a percepgio. Vou aqui ao encontro do que foi dito por Maurizio Ferraris hoje de manha. O conceito tem em comum gom 0 percepto, com a percepcao, ao menos 0 fato de ilo que pega, a apreensio. O cego avanga com. uma espécie de inquietude que previamente a coisa de que ele precisa ou de que ele precisa vem”. Nao proteger-se. Logo, a visio é também apreensio. Nio digo que a ‘tem horizor visio seja apenas isso, Mas a visdo, os olhos videntes € nao os O acontecir olhos que choram, esta la para prevenir, por antecipacao, por nao vem pré-conceitualizagio, por percepsao: para ver vir o que vem, cima, do k Porém, primeira dificuldade, primeira aporia, se os alcance, ju senhores quiserem: se isso que vem, em nossa diregao, se preensivo ¢ isso deve constituir um acontecimento, nado devemos vé-lo desse nom vir. Um acontecimento € 0 que vem; a vinda do outro como cespagos da acontecimento s6 € um acontecimento digno dese nome, isto alto), mas €, um acontecimento diruptivo, inaugural, singular, na medida ou simples em que precisamente nao 0 vemos vir. Um acontecimento por tras, que antecipamos, que vemos vir, que pré-vemos, nao é um surpresa € acontecimento: em todo caso, é um acontecimento cuja fM™ —olhando-n acontecimentalidade é neutralizada, precisamente, amortecida, baixo, do detida pela antecipagio. A experiéncia, e voltarei a equivocidade Aqu cdesse conceito de experiéncia de que tanto se falou esta manha, a ver, ver-t experiéncia do acontecimento é uma experiéncia passiva, rumo acontecin a qual, e eu diria contra a qual, acontece* o que nao se vé vir, ¢ o desenh que é de saida totalmente imprevisivel, nao pode ser predito; & relagao proprio do conceit de acontecimento que ele venha sobre nds quem che de maneira absolutamente surpreendente, inesperadamente. Se imprevisi 0s olhos sio 0 que sio para nés, tal como se dispdem em nossos alguém, rostos, digo nossos rostos, os rostos humanos (pois nem todos os que vé vi olhos estao e veem a frente, ha animais cujos olhos|hes permite etc., mas ver de lado e atrés, mas nossos olhos veem a frente ¢ tém 0 que desenho chamamos de horizonte), 0 acontecimento sempre corre 0 risco o desen de ser em certa medida neutralizado: vemos vir 2s coisas desde © fundo do horizonte. Assim que hd ou na medida em que ha um horizonte sobre cujo fundo vemos vic alguma coisa, nada vé vir, el trilha de um visio vem, nada vem que mereca o nome de acontecimento; 0 que vem Me™” acontec: na horizontal, isto é, 0 que nos faz face e vem em nossa direcio MMe @ Eu avangando ali onde o vemos vir, isso nao acontece. Isso nao = a0 mesn acontece no sentido forte e estrito do advento do que vem, seja Me manhi. alguma coisa ou alguém, o que ou quem, o que ou quem em “isto 2 para est * No original, “arriver”, que pode ser traduzido por “chegar” ou por Jacques Derrida 8 devemos vé-lo vir, ¢, portanto, o acontecimento no tem horizonte; s6 ha acontecimento ali onde nao ha horizonte. 0 acontecimento, se houver um e for puro e digno desse nome, rio vem diante de nés, ele vem verticalmente: pode vir de cima, do lado, por trés, por baixo, ali onde os olhos néo tém alcance, justamente, onde eles nao tém alcance antecipatério ou preensivo ou apreensivo, O fato de que um acontecimento digno desse nome venha do outro, de trés ou de cima, pode abrir os espagos da teologia (0 Allissimo, a Revelagio que nos vem do alto), mas também do inconscienre (isso vem de tris, de baixo cu simplesmente do outro). O outro é alguém que me surpreende por tras, por baixo ou pelo lado, mas assim que 0 vejo vir, a surpresa €amortecida. A menos que, no que vem a minha frente, ‘olhando-me, haja todos os recursos do muito alto, do muito baixo, do debaixo ete, A questio de que tratamos até aqui, “ver e pensar, pensar- ver, verspensar”, é, portanto, primeiramente, a questio do acontecimento, da experiéncia do acontecimento, ¢ do que € © desenho, a relagio entre 0 desenho ¢ o acontecimento. Que telagio pode ter 0 desenho com 0 que acontece? Ow com quem chega? O que no desenho pode dar conta dessa irrupgio imprevisivel do que (de quem) acontece/chega? O desenhista & alguém, ¢ temos aqui uma grande testemunha disso,” alguém que vé vir, que pré-desenha, que trabalha o trago, que calcula ec. mas 0 momento em que iss0 traca, o movimento em que o desenho inventa, em que ele se inventa, é um momento em que © desenhista é de algum modo cego, em que ele nao vé, ele nao. ‘évir, cle € surpreendido pelo préprio trago que ee trilha, pela tha do trago, ele estécepo, f um grande vidente, ou mesmo tum visionario que, enquanto desenha, se seu desenho constitel acontecimento, esta cego. = _ Eu gostaria de permanecer muito préximo do desenho e 30 mesmo tempo daquilo que Maurizio Ferraris nos disse esta ‘manha. Como jé falei bastante do animal, eu gostariademevoltar Para este estranho animal 0 animal de um olho; nao podemos decidir se ‘que Maurizio Ferraris nos mostrou_ ou aquilo, tal animal ou tal outro, este ou aquele, cada um de uma vez, nunca os dois a0 mesmo tempo. O que notei no desenho instavel e indecidivel dessa figura animal foi que ela estava, nos dois casos, de perfil. Era um perfil, dois perfis. O animal nao olhava para nés. Questao: o que se passa quando um animal, e falo aqui tanto dos animais quanto dos homens, destes animais Que sio também os homens, 0 que se passa nao azenas quando um animal é visto por mim, mas quando vejo um animal me olhar, eventualmente cruzar meu othar, me olhar, como se diz, nos olhos?"” Ha uma outra alternativa, uma outra alterndncia, tuma outra vez cada um, se os senhores quiserem: é que quando olho alguém nos olhos ~ apelo aqui para a experiéncia de cada um ~, preciso escolher entre olhar os olhos vistos do outro e olhar os olhos videntes do outro. Nao posso olhar os olhos do Outro ao mesmo tempo como vistos € videntes, como visiveis, como visiveis ¢ olhadores. Se os vejo como visiveis, torno-me de algum modo cego & sua vidéncia. Nao posso ao mesmo tempo ver olhos visiveis e videntes. Naturalmente ~ tento mais uma vez estar proximo do que Maurizio Ferraris nos dizia esta manha -, € por meio de uma interpretagdo nao natural que construimos essa nossa troca de Grgios, sabemos muito bem que os olhos que olhamos ¢ que sio visiveis so também olhos videntes. Sabemos muito bem disso, mas ndo os vemos simultaneamente como videntes ¢ visiveis. E a mesma perturbagao diante do espelho. Na experigncia do espelho, essa indecisao aflora. Quando nos colhamos em um espelho, devemos escolher entre olhar a cor de nossos olhos ¢ olhar o fluxo, o influxo do olhar que se olha com todos os paradoxos do autorretrato a que retornarei, talvez, mais adiante ¢ que tentei tratar em outros textos. Em todo caso, hé ai uma alternativa tao perturbadora quanto aquela de que falava Maurizio Ferraris pela manha. Pergunto-me no que isso se transforma num desenho, com os mesmos efeitos que o que "© Cf. Jacques Derrida. “animal que donc je suis (a suivre)*. Em: Marie-Louise Mallet (Org.). LAnimal autobiographique. Autour de Jacques Derrida, Paris: Gaile, col. “La philosophic en effet”, 1999, p. 251-301. (Retomado ‘em Jacques Derrida. Linimal que donc je suis. Marie-Louise Mallet (Ed. Pati: Galile, col. “La philosophic en effet”, 2006, p. 15-77. (O animal que Tradusio de Fabio Landa. Sio Paulec UNESP, vimos de ima frente es fo desenho s« fio tambénn nfo ha anim viva, ou de a Maurizio Fe Mas 108 i do que pod © equivoco ponto de vi ver tal pess perspectiva seleciona, I coisas, que vista, segut organizado consequent visio. A pe da perspec 6 preciso f todo. Um 4 maneira s moldura, se cercar « de encegue » Desse “por da organiz isto, de | da vista. F ~ of do olh 273 Jacques Derrida de manha, un desenho em que © nimal nos olhasse de Fil. O que se vé, € estou com Jo, 0 que se vé, entdo, olhos visiveis, mas ims Spi obliquamente ou de per “scat sab on ols, € 0 caso de diné-to ecm ols videntes. Ht animas de ; ‘uma questao de alternancia sie va aas de olhos videntes.£ ' iia Temos duas aternativas, de va Feteain pela mana ea minha agora. Nao éa mesma, N aaa akernativas sio alternativas ate de tum ponto de vista, com todo ‘ou seja, segundo O jou dealternativa instan Mas nos dois casos, do que podteriamos (05 ponto de v aivoco dessa express . . Ws ° ; | . ote vista, posso ver ou nao ver tal animal, posso ou N26 | ee Pan pessoa, seus olhos visiveise videntes. © ponto de vista & 2 | ve tin, ito 6 «Vso do olhar que, 20 pOr em perspectives Painfona. Falar de perspectivismo é dizer que sempre vemos as versus, que sempre interpretamos as coisas de certo Ponto de co enundo um interesse, recortando um esquema de viso Venanieado, hierarquizado, um esquema sempre seletivo que, saNauentemente, deve tanto ao enceguecimento! quanto siuio. A perspetiva deve ficar cega a tudo 0 que esta excluido {a perspectiva; para ver em perspectiva, € preciso negligenciar, {cc fear cego a todo 0 resto; 0 que acontece o tempo videntes, Sabemos soe Ui ser finito s6 pode ver em perspectiva e, portanto, de ey wraneira seletiva, excludente, enquadrada, no interior de uma fnokdura, de uma borda que exclui, Consequentemente, deve~ we cercar 0 visivel posto em perspectiva com toda uma zona eenceguecimento, A perspectiva é cega tanto quanto vidente. Desse *ponto de vista” também, uma certa cegueira é a condigao da organizagao do campo do visivel. Ha mil maneiras, voltarei ‘uisto, de pensar um enceguecimento intrinseco ao proprio ver da vista, Ha o que diziamos ha pouco do Narciso, do espelho ‘it do olhar cruzado, ¢ depois da perspectiva; ha também ros que © que ‘que chamamos de blind spot, © ponto cego, esse foco de no ncia em torno do qual (neurologicamente, fisiologicamente) livia esta manhas, que constrains an que os alls que diane do espetho, flora, Quando nos are olhar a cor de air que se olla com erornarei, (aly os, Em todo caso, fit aqucla dle que ame no. que iss0 Marie-Louise vduzo neste como em outros textos do volume por: Scegueita pte por tradusit “avenglement” por “enceguecimento” para dist soestado de privagto do sentido da visio do processo dinimico, pera da visio a que se refere o flésofo, (N. Ty) se organiza o campo de visio. Isso vale para todos os animais que tém olhos, um sistema cerebral capaz nio apenas de organizar © campo da visibilidade, mas também de produzir uma visio monocular ali onde se rem ao menos deis olhos. O blind spot, dissertou-se muito a respeito, 0 ponto cego, € indispensavel a qualquer visio, a qualquer visibilidade. A partir disso, quanto ao que diz respeito ao ver, podemos Passar a0 outro termo de nosso programa, isto é, ao pensar, Estou muito mais embaragado com este iiltimo, e por isso comecei pela questio das linguas. Pois a palavra pensar € uma das mais obscuras, das mais enigméticas. O que se entende Por pensar? O pensamento nao se reduz nem razao, nem ao saber, nem consciéncia; ha pensamento inconsciente, ha um pensamento irracional, ha um pensamento sem conhecimento: Kant distingue muito rigorosamente entre a ordem do pensavel €a ordem do cognoscivel. Posso pensar, derken, muitas coisas que nao posso conhecer. Kant identificava essa ordem do pensavel com a orden: das ideias da raza pura, mas ndo somos obrigados a acompanké-lo nesse terreno. Em todo caso, 6 que € certo é que “pensar”, essa zona, esse ponto ceo de nosso vocabulario, “pensar” a priori nao se reduz nem ao saber, nem ao conhecimento, nem a consciéncia, nem a razdo. E de uma lingua a outra, o que traduzimos por pensar tem um alcance semAntico diferente. Em italiano e em francés, naturalmente, como em latim, etimologicamente, 0 pensamento remete a pesagem, tanto ao exame quanto a agulha de uma balanga que da a medida de uma pesagem. Cogitatio é uma outta coisa. Quando Heidegger se pergunta O que chamamos de pensar? (Was beigt Denken?), “O que quer dizer pensar?”,? sabemos previamente que para ele 0 pensamento nao se reduz a ciéncia, nem a razao, nem a filosofia. Volto rapidamente ao fato de que, em todos os seus discursos sobre a razio, Der Satz "© volume compreende dois cursos ministrados por Heidegger entre 1951 1952, Derrida utiliza a seguinte edigio: Ou’appelle-t-ow penser? Traduca sa de loys Becker ¢ Gérard Granel Pars: Presses Unis 1 remete “Vernunft” (razdo} a unde outros, Heidegt operacao wir go tomat, a tomada da percepsio, a 7 ¢ justamente um animal dotado ido da tomada, da captura, da raga em fanimais que vom Gi $e organizar yernebme de dominio: 0 animal racional 0, Vernunft, no sen Se acompanharmos 0 caminho 4 domo da temivel questio Was heigt Denken? (nio somos i aduzida em ‘ados a acompanha-lo, mas é preciso lé-lo}, tradi ser? [O que chamamos de 0 blind spot, adispensavel a dominaga yer, podemos obri é, a0 pensar. ranceés por Owappelle-t-on pen: ove por ino joneart, Heidegger desiocae infle jonaaa sintaxe da expressio vm fazé-la dizer “O que 0 pensamento chama?”, “Was heigt Denken?”, “O que 0 pensamento convida?”. Trata-se, portanto, de convidar, de prometer. © pensamento ¢ também wel em um movimento pelo qual ele chama a vir, ele saihamos de onde vem pensar é uma ue se entende ciente, ha um pens . Thama, ele nos chama, mesmo que nao s : § chamado, 0 que significa o chamado; ele chama. Dai (no {quero aqui engajar-me nesse caminho| toda uma meditagio Sobre a nomeacao, a denominasio, 0 chamado, sobre o fato de dar um nome, de chamar, de saudar, de convidar um héspede. Questio de hospitalidade: 0 pensamento chama, ele é ego de nosso hospitaleiro em relagao a quem ver, justamente, Encontramos ao saber, nem reencontramos essa experiéncia do acontecimento, do que fo. E de uma {de quem) vem etc. Como pensar a experiéncia do que (de mum alcance quem) vem, do acontecimento, de um acontecimento que cai naturalmente, ‘em cima, que cai em cima de nés sem prevenit € sem que 0 to remete i yejamos vir? Em outro texto, Heidegger, a sua mancira, dé conhecim m do pensivel muitas coisas sa ordem do Jo cas0, 0 uma balanga direito a outras associagies: entre denken [pensar] e danken, a uma outra JMB |Peratido, o agradecimento em relagio 20 outro, aquilo (aquele) chamamos de “aque vem; ele diz também que, para os gregos, noein, que em er pensar?”, ee Béral se traduz por pensamento, noesis, tem uma relagio com a pio se reduz ® xisio, com o ver. Nao com 0 ver dos alhos, o ver com a ajuda ppidamente a0 Paes olhos, mas com um ver mais origindrio na livre abertura . Der Satz ae espagamento em que 0 ver do pensamento, no instante, © Principio de razio. Curso ministrado por Heid rado por Heidegger em 1955/1956 Une de Fry Sobre 0 pininda vc suet iz Ha uma tradugio em portugués, em edigio bilingues A) fundamento. Tradugdo de Artur Morio. Lisboa: Edigbes E76 i das Augenblick," no piscar de olho em que ele vé, nao esta necessariamente interpretando a partir do sistema da visio dos olhos, da neurologia. Em outra parte, ele diz ~ ja que devemos também falar de miisica aqui ~ que ndo ouvimos porque temos ouvidos, mas que temos ouvidos porque ouvimos. Ele diria sem ddivida de maneira ansloga: “Nao vemos porque temos olhos, mas temos olhos porque vemos”.!5 Quanto a esse ponto, e sempre para cruzar os passos de Maurizio Ferraris, eu gostaria de voltar de um pensamento que excede a razdo, a consciéneia e, portanto, 0 eu, a pessoa etc., a um pensamento que é ou nao é logos. Eu gostaria, pois, de retomar um pouco o que Maurizio Ferraris evocou esta manha para nds em relagdo ao “logocentrismo”, sempre na diregao daquilo que nos transporta aqui, isto é, 0 trago, 0 desenho, o espagamento, a visibilidade. Aquilo que, em dado momento, achei que devia chamar, para desconstrui-lo, de“logocentrismo” (pego desculpas por essas precisdes Aqueles para os quais essas coisas talvez sejam familiares) era algo a0 mesmo tempo muito préximo e muito diferente do fonocentrismo. O fonocentrismo seria, para mim, uma estrutura universal que nao depende desta ou daquela cultura — grega ou europeia ~, uma estrutura universal que afirma ou legitima a hegemonia da voz, do sonoro, portanto, sobre o visivel, celativamente a qualquer outra significagao nao sonora. Encontra-se o privilégio da vor em toda parte, no apenas na Biblia ou na cultura grega, mas também na cultura chinesa, japonesa ete. Esse privilégio, 20 menos da maneira como é acreditado, estatia ligado ao fato de que a voz é mais proxima da vida daquele que fala; ela é mais presente, mais presente para quem fala e para quem escuta; ha ai um duplo privilégio da proximidade ou da presenga imediata, mas também da interioridade, da proximidade da vida. Em nome desses valores (presenga, proximidade, vida etc.), prefere- "0 termo “Augenblick” significa “momento”, “i ante”, sendo com posto por “Auge”, “ ‘lho”, ¢ “Blick”, “olhada, “vislambre™. (N.T.) “Crest nous qui entendons, et non Foreille.”{*Somos nds quem ouvimos, | €nio 0 ouvido.”| (Cf. Martin Heidegger. Le Principe de raison. Tradugao de André Préau, Preficio de Jean Beare, Paris: Gallima degge! se a vor seria vit especific avorm discursc logos é o discu em lati Jacques Derrida a77 le ve, nao esti istema da visio dos escrita, Essa estrutura fonocéntrica sea vor, a palavea viva a escr feria virtualmente universal. O fonoce iz ja que devemos specificagao eu diria greco-romana que pr mos porque temos soz mas o logos em geral: no sentido de razio, no sentido de imos. Ele diria sem iscurso, no sentido de proporgio, no sentido de célculo.” O temos olhos, wos ¢ tudo isso, € conta que se presta, logon didonai, éa razao, orque temo : logos 6 . o discurso, a fala, 0 célculo, a proporgio, a conta, como ratio em latim, a conta, 0 cielo, e depos ou talver antes € isso ue Heidegger insiste em geral com maior frequéncia, 0 legein Rilo que, precisamente, reine, versamotlt, mantém junto rzar os pasos de m pensamento que | gostaria, pois, de Heidegger insiste massivamente no privilégio da Versammlung, evocou esta manhi do legein ou do logos. Ora, a autoridade ou a hegemonia do sempre na diregao Jogos na cultura grega é uma autoridade que caminha junto com rago, 0 desenho, o a autoridade de phoné. forme especifica que isso assume m dado momento, no Ocidente de filiagao grega, digamos, ou evangélica, uma fe “logocentrismo” ver que, no Evangelho de Joao, no inicio havia 0 Logos.” Esse para os quais essas privilégio se liga na cultura grega a uma escrita alfabética, isto esmo tempo muito é,a uma escrita tonética, a um sistema de escrita que tem uma . O fonocentrismo histéria e foi inventado pelos fenicios. Um sistema como esse se que nao depende impés em razao de sua economia técnica. Ele permitia escrever =, uma estrutura ‘ordenando sua escrita a simples transcricao do significante oral. ponia da voz, do ‘Uma escrita fonética confirmava consequentemente o privilégi mente a qualquer ida palavra falada, ela estava e continua mais do que qualquer ) privilégio da voz otra a servigo da fala, 0 que nao é 0 caso, estruturalmente, ura grega, mas tas: escrituras hieroglificas ou ideograméticas, ainda que, Esse privilégio, a0 ‘pono se sabe (mas nao quero ir muito longe nos detalhes sligado ao fato de ‘Bessa andlise), no haja escrita puramente ideogramética ou ie fala; ela é mais ‘hieroglifica. Mesmo nas escritas chinesa, japonesa, ou outras, @ quem escutas hi +hévelementos fonéticos; mas fundamentalmente, 0 elemento senca imediata, Homhinante de uma escrita ideogramatica ou hieroglifica é le da vida. Em Prdesenho, precisamente no espaco, € nao a transcricao de etc.), prefere- ih ior gi Jacques Derrida. De la grammatologie. Pris: Minuit, co 267, p. 1-41. (Gramatologia. Traducio de Miriam Sehia ato Janine Ribeiro. Sao Paulo: Perspectiva; Editora da io Paulo, 1973 (eed, 1999). (N. E,) 0 primeiro verso do Evangelho am fonema, Dai a legitimagio = de que temos muitos sinais ao longo da cultura do Ocidente, a comegar pelo Fedro de Placio ~ de uma escrita que ¢ o significante de um significante, que representa um representante, que representa os sons que representam o “pensamento” interior. No texto de que falava Maurizio Ferraris esta manha, em Aristoteles, a escrita fonética € um significante de significante: ela significa ou expressa um significante oral que expressa estados da alma (pathemata), paixdes da alma. A escrita nao passa de um significante de significance, ela € naturalmente deposta, secundaria, auxiliar, tem o estatuto de um escravo em relagio a um senhor; cla tem, também um valor de morte. Ao passo que a fala é viva, a escrita esté do lado da morte, do lado do espaco, da visibilidade, uma maneira de tornar visivel o que nao é visivel. Quanto & fala, ela € cega, desse ponto de vista, estamos cegos quando falamos. A primeira experiéncia que fazemos da cegueira € a tala; voce nio vé o que eu digo. A experigneia da fala implica estruturalmente a cegueira, a nao vidéncia. Um certo nimero de valores forma aqui um sistema indissociavel: do lado da palavra viva, temos a phoné, o logos. a presenga, 0 presenie vivo, 0 que finalmente vai culminar na fenomenologia husserliana sob a expressio “lebendige Gegenwart”, © presente vivo, a experiéncia no sentido corrente do termo; para o senso comum, a experiéncia se vive sempre no presente, no presente vivo, nio deixamos © presente, jamais deixamos presente; tudo 0 que nos acontece nos acontece por definigdo no presente. A meméria, a antecipacio, 0 futuro sio modificagdes de um presente vivo que, quanto a ele, é originario. Esse pensamento do presente vivo distribuiu-se de maneira muito complexa na historia da metafisica, da ontologia, da fenomenologia, cujas raizes comuns veremos daqui a pouco, Quando Maurizio Ferraris falava de ontologia para nomear de algum modo 0 campo da “Présent vivant”, Cf, Jacques Derrida. La Voix et le phénomen PUP, col, “Quadrige”, 1967, p. 95 (A vor ¢ o fendmeno, Trad ey Magalies, Rio de Janeiro: Jorge Zanar Editor, 199 “Introduction”. Em: Edmund Jacques Derrida experiéncia, ele se referia, naturalmente, ao que na ontologia diz 0 logos do on, 0 logos do ente presente, do ser determinado tomo estando presente. F af que Heidegger comegou a afinar, agucar sua propria desconstrucao, a por em questao no fnovimento da temporalizagao 0 privilégio absoluto concedido a0 agora € a0 presente vivo. Diante dessa situagao histérica, historial, desse extraor- dindrio mas incontestavel privilégio do presente vivo, da palavra falada, da proximidade da vida etc., cu havia tentado, de minha nos textos aos quais Maurizio Ferraris fazia alusao Bsta manha, colocat esse privilégio em questdo e propor um Conceito de rastro! ou de texto que nao fosse delimitavel como Sccrita alfabética, como escrita sobre a pagina, como escrita em tim livro. O rastro é a propria experiéncia, em toda parte onde nada nela se resume ao presente vivo e onde cada presente vivo é estruturado como presente por meio da remissao ao outro su a outra coisa, como rastro de alguma coisa outra, como temissao-a. Desse ponto de vista, nao ha limite, tudo é rastro- S40 propostas que alguns consideraram in pouco provocantes, Eu disse que tudo é rastro, que 0 mundo era rastro, que este gesto é rastro, que a vor é uma escrita, que a voz um sistema He rastros, que nao hé fora-do-texto, ¢ que nao ha nada que bordeje de algum modo, do exterior, essa experiéncia do rastro. ‘Assim como “pensamento”, essa palavra_enigméatica “pensamento”, a palavra “experiencia” € de uma rica ¢ temfvel equivocidade. Grosso modo, ha a0 menos di sentidos para “experiéncia”, para aquilo que precisamente nos coloca em presenga do presente. A experiéncia 0 que nos relaciona 4 apresentagao do presente: algo se apresenta, temos a experiéncia disso. Portanto, desse ponto de vista, a acepgao da palavra “experiéncia” ¢ totalmente dominada por uma oe i pfsica do presente ou da presenga, no sentido que acabo de evocar, ou seja, por um logocentrismo, ou até mesmo ‘um fonocentrismo. Mas ha outro conceito de experi parte, Exquenos dois casos, na Erfabrung: Pensar em nao ver em francés, a experigncia é justamente nao a relagao presente ‘n6s como tm com © que esta presente, mas a viagem ou a travessia, 0 que reporta a0 of quer dizer experimentar rumo a, através da ou desde a vinda também uma do outro na sua heterogeneidade mais imprevisivel; trata-se algum modo da viagem nao programavel, da viagem cuja cartografia nao quem ou qué, € desenhavel, de uma viagem sem design, de uma viagem sem ver que 0 su) designio, sem meta e sem horizonte. A experiéncia, a meu ver, de sujeito € seria exatamente isso. Se a experiéncia fosse apenas a rela suporte de se com, ou 0 encontro do que é previsivel e antecipével sobre rio hé difere fundo de um horizonte presente, nao haveria experiéncia nesse em um outr segundo sentido; haveria experiéncia no primeiro sentido, mas infinitament esta tiltima nao € uma experiéncia do acontecimento, uma Trata-se de | experiéncia histérica, se os senhores quiserem. A viagem da tipo, isto é, qual sabemos de onde ela parte ¢ para onde nos leva nao é que esta dia uma viagem, esta previamente encerrada. fé chegamos, ¢ nada mais acontece. Nao ha experiéncia, no sentido mais petigoso (ea palavra perigo nao esta longe da palavea “Erfabrung”) do termo viagem, Uma viagem que nao fosse ameacadora, uma a invisibilid: fem que acre viagem que nao fosse uma viagem em vista do impossivel, em anos, que 0 vista do que nao esté em vista, seria ainda uma viagem? Ou discursos 0% apenas turismo? forma filos6: Essa experiéncia nio se deixa facilmente assimilar pre- metaférica viamente em uma ontologia ou em um logos qualquer: a medida, pod experiéncia do pensamento é uma experiéncia sem carta ou por uma 1 mapa geografico, uma experiéncia exposta ao acontecimento justamente no sentido que precisei ha pouco, isto é, a vinda do outro, do do ser, em I radicalmente outro, do outro nao apropridvel. Quando se esta dizer precis em relagéo com outro, quer se trate de um quem ou de um wisibilidade qué, quando se esta em relagao com outro cuja prdpria prova “tum nés intel consiste em fazer a experiéncia do fato de que 0 outro nao é £ uma aver apropriavel, ha ai experiéncia: nao posso assimilar 0 outro “do eidos [ic a mim, nao posso fazer do outro parte de mim mesmo, nao Posso capturar, tomar, apreender, nao hd anteciparo. O outro € 0 inantecipavel. Estamos lidando com outro conceito de experiéncia, diferente daquele que permanece dominado pelo te enquanto ente (ente quer dizer presente). Ha uma visio, jé que temos que falar de visio, uma visio com 0 presente, com o que esta diante de nés: po p y nds como um objeto. Diz-se com frequéncia que a visio nos reporta ao objeto que esta colocado ali diante de n6s, mas ha também uma experiéncia sem objeto, uma experiéncia que de algum modo ¢ transbordada por alguém ou por alguma coisa, quem ou qué, que nao se torna objeto — nem, alids, sujeito; uma vez que © Sujeito é também um ente presente (o que chamamos de sujeito € uma substancia presente que permanece como 0 suporte de seus predicados ou de seus acidentes; a esse respeito, nio ha diferenca essencial entre sujeito ¢ objeto). A experiénci em um outro sentido € uma experiéncia que excede ampla ¢ infinitamente as categorias de subjetividade e de objetividade. Trata-se de saber se a visio é uma experiéncia do primeiro ipo, isto é, que lida, como se acredita com frequéncia, com 0 que esta diante de nés, ou se a visio lida, precisamente, com 2 invisibilidade, ou com uma visibilidade que no se poe na objetividade ou na subjetividade. £ em meio a essa situago que eu me debatia no momento fem que acreditci, € isso durou muito tempo, até estes tiltimos anos, que 9 que dominava o logos ocidental, a filosofia, os discursos ocidentais, a cultura ocidencal, especialmente sua forma filosofica, era precisamente a visio, a referéncia a0 menos metaforica a0 visual. Ainda acredito muito nisso em certa medida, poderiamos dar mil exemplos: filosofia é estruturada por uma metaférica sem metéfora da visio, em razio justamente desse valor de presenga. O eidos, a determinacao do ser, em Platao, como eidos, os senhores sabem disso, quer dizer precisamente 0 contorno de uma forma visivel. Nao é da wwisibilidade sensivel que se trata, mas de uma visibilidade de ‘um nds inteligivel, de uma visibilidade inteligivel. O platonismo uma aventura sem fim no Ocidente, Quando Platéo fala ido eidos [ideia] como aquilo que é “verdadeiramente ente”, -zealmente ente, ontos on, é porque considera que 0 eidos é mais ‘Ente, que ele tem mais ser do que sua c6pia sensivel. E também, ppara Platio, o ponto de partida de todo um discurso pejorative ‘dor em relacao 4 mimésis, a imitacdo, aos poetas, 208 stas, Aqueles que se contentam em fazer sem relagio a escrita. A zoogratia é Jacques Derrida 82e Pensar em nio ver nao visivel - no sentido sensivel -, mas uma visibilidade que precisa de uma luz. Essa luz Ihe vem do que Platao chama de bem, agathon, que ele compara a0 Sol. O Sol torna visivel mas também faz crescer, faz set. Essa luz que torna possvel o ser, quadro, no so seja um Sainte-Victoi isso n08 ol isto & 0 eidos enquanto ente verdadciro, esse Sol nao é cle Eu acr proprio visivel. Trata-se de um traco formal que eu gostaria privilégio di de ressaltar: 0 que torna visiveis as coisas visiveis nao € visivel, fundador. 17 dizendo de outro modo, a visibilidade, a possibilidade essencial outros. O « do visivel nao € visivel. Axioma que nao pode absolutamente fo intuicion set deslocado: o que torna visivel nao é visivel; encontra-se essa fendmeno | estrutura também em Arist6teles quando se diz que a propria ainda de un transparéncia, 0 “didfano” que torna as coisas visiveis, nao é de clareza, visivel velamento, A fim de transpor isso para o lado do desenho, ficariamos escondido, tentados a dizer que 0 que o desenho mostra como visibilidade visibilidade € uma mostracio do invisivel. Os desenhistas, os pintores no A grande ¢ dao a ver “alguma coisa”, sobretudo os grandes; eles dao a certo nim ver a visibilidade, o que € uma coisa completamente diferente, eidos € wir absolutamente irredutivel a0 visivel, que permanece invisivel. K historia Quando se fica sem ar diante de um desenho ou de uma pintura, ‘metonimis € porque nio se vé nada; 0 que se vé essencialmente nao é 0 que se et que se vé, mas, imediatamente, a visibilidade. E, portant, 0 metaféric: invisivel metéfora Esse paradoxo nao deixa de ter relago com o que eu uma vez dizia ha pouco sobre os olhos videntes. Ver othos videntes & or essa | tio perigoso quanto ver o Sol. E ver o invisivel. Em geral, é 0 palavra “t que se evita. Sabe-se que 0 que conta é ser olhado, mas isso da oprivileg medo, até mesmo ser olhado por si mesmo. Queremos ver 0 que Brivilégio € visivel, mas nao queremos ver 0 que nos olha. E que é visivel a6 pensa: como vidente invisivel. defato to Tornou-se um lugar comum: diz-se que, na pintura ou no fespeito. desenho, uma dissimetria irredutivel faz com que, diante de um andlogo. sblida tr 2 CE. Aristételes. De Pime, 418 b, Tradugio francesa de J. Tricot (Paris: ‘Vein, col. “Bibliotheque des textes philosophiques - Poche”, 1995, p. 107- 106}: “ainda que visivel, fo disfano] ndo évisivel por si mas com auxilio. Jacques Derrida quadro, nio olhemos, sejamos olhados, mesmo que 0 quadro io Seja UM retraro OV UM Fosto, MesMO que seja a Montanha Sainte-Victoire: somos olhados pela montanha Sainte-Victoires sso nos olha e nos concerne,"* Eu acreditava, pois, até estes iiltimos anos, que esse privilégio da dptica na filosofia era invaridvel ¢ fundamental, fundador. Tomei o exemplo do eidos, poderia ter tomado outros. O que chamamos de intuigio, intweri, significa ver, 6 intuicionismo & uma teoria do ver imediato. O valor de fendmeno (phainesthai) & o que brilha, 0 que se va, trata-se ainda de um privilégio do visivel, O valor de evidéncia, 0 valor de clareza, até mesmo o valor de verdade, a aletheia ou 0 des- velamento, é a nao dissimulagdo, o que se mostra e que estava escondido, é 0 desocultado, o desmascarado: ¢ esse valor de visibilidade continuava a dosninar a historia do pensamento. Aggrande questio que se colocava, que tentei colocar em um certo mimero de textos, era ada metaforicidade. Ser que 0 eidos € uma metéfora? Ou seri que € mais grave do que isso? A historia da ret6rica que nos permite falar de metifora, de metonimia, de tropos, de modos de expressio, € uma historia que se encontra ela propria totalmente marcada por essa metaférica. E, consequentemente, dizer que se trata de uma metéfora é de certa maneira, nao dizer absolutamente nada, tuma ver que a teoria da metafora é ela propria dominada por essa “metaforicidade”, entre aspas, pro‘unda, E mesmo a palavra “teoria", theorein, ¢ “olhat”, A teoria da contemplacio, O privilégio do teorético é um privilégio da visio; portanto, esse Brivilgio da 6ptica foi dominante, ese eu estava sendo ingenuo ab pensar que era tao simples, ainda acredito que'ele dominou defato toda a historia da metafisica, Nao inventei® nada a esce ‘espcito. Heidegger diz algo de anélogo, Blanchot diz algo de anélogo. Consequentemente, eu me sentia confortado por essa SGlda tradigéo. No entanto, recentemente, hé alguns ¢nos, ao 84: Pensar em nao ver escrever um livro sobre o tocar’? a propésito da obra de Jean. Luc Nancy ¢ ao reler todos esses textos, percebi que nao era assim tao simples.** O privilégio do visivel era constantemente sustentado, fundado, ele préprio transbordado pelo priviléio do tocar. Em todos 0s textos, de Platao a Husserl, os valores, digamos, oculares ou dpticos, os valores que chamo em outro texto de heliocéntricos, isto é valores transidos de luz, estavam a servigo do que chamo de um haptocentrismo, isto é, uma figuralidade que privilegia o tocar, 0 contato~ou o taro (espécie de tocar sem tocar). A cada vez, o dpice da experiéncia da verdade se dizia na figura do contato e nao na figura da visio. Trata-se af de uma espécie de invariante, em Plato, em Kant, em Husserl, em Maine de Biran, em Bergson. Evoco todos esses textos em meu livro sobre o tocar. 0 te6rico, a instancia do olhar, diferentemente do tocar, deixa a coisa ser o que ela é& deixa-a intacta. O te6rico foi privilegiado em particular como 0 mediurt da verdade, pois a diferenga entre olhar e tocar é que se olha a distancia ¢ que, consequentemente, se deixa a coisa ser 0 que ela € nao a comemos. Hegel ressalta isso, a preeminéncia do tedrico é que Wo se come a coisa; 0 animal a come, ele quer assimil-la, ele a destréi e toma-a em si, ele a assimila, ao passo que 0 tedrico, © homem da verdade, 0 filésofo olha e, consequentemente, respeita: respeitar é relacionar-se com algo ou com alguém a distancia, sem tocé-lo. Isso resulta regularmente, no dominio da estética, em classificagbes entre as artes; a escultura, evidentemente, fica bem embaixo; em um patamar superior esto a arquitetura e a pintura, que, precisamente como o saber, a consciéncia e a ciéncia, deixam a coisa ser o que ela €€ nao se apropriam dela, ndo a comem, no a deformam, respeitam-na. E depois, acima, ha a miisica que é mais interior, » No original, “le foucher”, que remete ao mesmo tempo ao substantivo “rato” € a substantivacio do verbo “tocar”. Derrda joa, naturalimente, com os dois sentidos, ¢ usa mais adiante osubstantivo “tact”, que traduay por “taro”. (N.T,) ues Derrida. Le Towcher, Jean-Luc Nancy, i Paris mais res Tudo de filosofic hieargu estética Or discurs¢ wm int a intuig para da do “ver declara Jacques Derrida mais respeitosa também na medida em que ¢ proxima da alma, Fado de que falo aqui nao resulta apenas em uma arquitetOnica filosdfica mas também em uma classificagio das artes, em uma hierarquia de que temos sinais em toda parte, em particular na estética de Hegel. ‘Ora, um haptocentrismo profundo, frequentemente inapercebido ou inconfesso, domina, a despeito de tudo, esses discursos heliocéntricos, e até mesmo frequentemente no caso de tum intuicionista absoluto como Bergson: quando quer descrever 4 intui¢ao, que significa olhar, quando faz 0 elogio da intuigio pura da duragao criadora, ele diz. que ela coincide com 0 objeto Fo “ver” intuitivo, e, no limite, na ordem das metaforas, ele declara que, na intuico pura, o olho toca e tem-se aquela espécie de transplante dos sentidos em que o olho, através da luz, fica fem contato com 0 que vé, cle toca no que vé. Eu distinguiria a experiéncia do tocar do haptocentrismo. © haptocentrismo nao € simplesmente uma homenagem prestada ao tocar, tomado como fundamental: € uma maneira de interpretar 0 tocar como contato absoluto sem distancia, sem tato. Reencontramos aqui a ambiguidade do conceito de experiéncia. Ousarei dizer que, assim como a experiéncia da visio nao necessariamente pré~ xé, a experiéncia do tocar nao toca necessariamente no sentido do continuismo, do intuicionismo continuista para o qual nao ha distancia entre o tocante ¢ 0 tocado. Pois ha uma distancia entre 0 tocante € 0 tocado que é a condicio do tocar e que € o-que se pode chamar de tato: tocar sem tocar: toca-se sem tocar. Na fenomenologia, junto qual seria preciso que nos detivéssemos durante certo tempo, assiste-se a todo um debate 4 gntre Husserl e seus sucessores. O proprio Husserl nao debateu “ com seus sucessores, mas estes debateram com ele, para saber © sea experiéncia do tocante-tocado, que fago quando toco theus proprios dedos, por exemplo, era mais primordial que a ixperiéncia do vidente-visto. Em Merleau-Ponty, por exe tramos extensas andlises, que ndo posso reconstituit ‘Jongo das quais ele hesita entre o vidente-visto € 0 na experiéncia do corpo préprio, isto 6, de

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