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Feral Faun

Roube de Volta
sua Vida

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Feral Faun

Economia - O domínio da sobrevivência sobre a vida -


é essencial para a manutenção de todas as formas de
dominação. Sem o perigo da escassez, seria difícil coagir as
pessoas a obediência da rotina diária de trabalho e
recompensas. Nascemos em um mundo economizado. A
instituição social da propriedade tem feita da escassez uma
ameaça cotidiana. A propriedade , seja privada ou comunal,
separa o individuo do mundo, criando uma situação na qual,
no lugar de simplesmente alguém pegar o que quer ou o
que precisa, este alguém provavelmente necessitaria de
permissão, uma permissão geralmente concedida apenas na
forma de troca econômica. Desta maneira, diferentes níveis
de pobreza são garantidas para cada um, mesmo para o
rico, porque sob o domínio da propriedade o que a um é não
é permitido obter supera o que para alguém é permitido ter.
A dominação da sobrevivência sobre a vida é mantida.
Aqueles de nós, que desejamos criar nossas vidas
como nossa reconhece que esta dominação, tão essencial
para a manutenção da sociedade, é um inimigo que
devemos atacar e destruir. Com este entendimento, o roubo
e squats (locais abandonados que foram ocupados e
transformados em moradias e ou espaços sociais auto-
geridos) pode tomar uma parte significante de um projeto
de vida insurgente.
Assistência social, se alimentar em sopões de
caridade, Dumpster diving ( coletar alimentos em fins de
feira por exemplo. N do T) ou pedir doações pode permitir
que uma pessoa sobreviva sem um emprego fixo, mas de
nenhuma maneira isso atacaria a economia, ainda está
dentro da economia. O roubo e o squat são muitas vezes
meramente táticas de sobrevivência. Squatters que exigem
e reivindicam o "direito a um lar" ou tentam legalizar seus
squats, ladrões que trabalham em seu "emprego" como
qualquer outro trabalhador, apenas para acumular mais
mercadorias insignificantes - estas pessoas não tem
interesse em destruir a economia... eles meramente querem
uma parte satisfatória de seus bens. Mas aqueles que
ocupam e roubam como parte de uma vida insurgente,
fazem isso , portanto, em desafio a lógica da propriedade
econômica.

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Recusar aceitar a escassez imposta por esta lógica


ou se curvar as demandas de um mundo que não criaram,
tais insurgentes tomam aquilo que eles desejam, sempre
que a possibilidade surge, sem pedir a permissão de
ninguém. Neste desafio a sociedade do poder econômico,
toma-se de volta a abundancia do mundo como sua - e isto
é um ato de insurreição.
Para manter o controle social, as vidas dos indivíduos
devem ser roubadas sempre. E no lugar da vida, recebe-se a
sobrevivência econômica, a tediosa existência do trabalho e
da recompensa. Não podemos comprar a nossa vida de
volta, nem pedi-la que seja doada de volta. As nossas vidas
só serão nossas quando as roubarmos de volta - e isso
significa tomar o que queremos sem pedir permissão.

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Para Acabar
com a
Economia do
Amor

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" Amor de todas as coisas é Integral Beleza; não


tem ódio ou possessividade... Então aceite o
amor onde quer que o encontre: É difícil de
reconhecê-lo por que ele nunca pergunta." -
Austin Osman Spare
Amor sexual, prazer erótico, é a fonte do êxtase sem
limites, a expressão da divindade infinita em nossos corpo. É
a muito criativa energia do cosmos. Quando essa energia
flui através de nós sem repressão, nós vamos estando em
amor, desejando compartilhar prazer erótico com todo o
cosmos. Mas raramente nós experienciamos esta energia
sem fronteiras. Junto com as barreiras da cultura da
mercadoria, o amor também é uma mercadoria. Uma
economia do amor foi desenvolvida, e essa economia
destrói a livre circulação do prazer.
A economia do amor só pode existir por que o amor
está escasso. Quando crianças, somos selvagens, amantes
divinos apaixonados por nós mesmos e com todos os outros
seres. Mas nossos pais roubam isso de nós. Eles negam a
natureza sexual de seu amor pelas crianças e vendem
expressões de amor em troca de um comportamento
aceitável. Eles punem ou reprimem-nos por um
comportamento descaradamente sexual, chamando isso de
mau. Eles julgam-nos e então ensinam a julgar a nós
mesmos. Ao invés de amar a nós mesmos, nós nos sentimos
obrigados a provar a nós mesmos -- e falhamos
suficientemente para nunca ter certeza da gente. O amor
cessa de ser um presente do cosmos e se torna uma
escassa, e altamente valorizada mercadoria pela qual
devemos competir.
A competição pelo amor-mercadoria muda a gente.
Nós perdemos nossa expontaneidade, nossa livre e
brincante expressão natural. Não adianta agir como
realmente nos sentimos. Devemos fazer-nos desejáveis. Se
nós somos bonitos pelos padrões culturais, nós temos uma
grande vantagem, pois a aparência é a maior parte do que
produz uma desejável mercadoria sexual. Mas há outros
traços uteis -- força, destreza sexual, "bom gosto",
inteligencia, perspicácia reluzente. E, é claro, conhecimento

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de como jogar os jogos sócio-sexuais. O melhor ator ganha


nesses jogos. Sabendo como colocar a imagem certa,
sabendo exatamente com qual papel atuar em qual situação
-- isso irá comprar para você amor-mercadoria. Mas ao preço
de perder você mesmo.
Poucas pessoas tem atratividade física e habilidade
em jogar os jogos sócio-sexuais ao mesmo tempo. Então
somos deixados sem amor exceto em raras ocasiões. Não é
nenhuma surpresa que quando essas ocasiões chegam nós
não deixamos elas fluírem naturalmente, mas procuramos
se segurar nelas, estender elas. Quando o amor é
mercadoria, ele não mais se presta ao relacionamento livre,
por que o fluir para longe de um amante em particular
começa a significar o fim do amor em si. Ao invés de se
relacionar livremente, nós buscamos construir
relacionamentos - fazendo relações permanentes,
solidificando isso num sistema de troca no qual amantes
continuam a vender amor entre eles até, em algum ponto,
um deles se sente traído ou encontra um relacionamento
econômico por causa do medo de perder o amor - e tendo
de ir através de todo o processo de ganhar amor, tudo de
novo.
E relacionamentos -- sendo uma expressão do amor-
mercadoria -- são normalmente concebidos para serem
monogâmicos. Nós não queremos perder nosso amor para
outro. Se nós não concordarmos em somente vender nosso
amor entre nós, não poderá nosso amante encontrar um
produto melhor, um amante que ele preferirá a nós, e nos
deixar? E então o medo induzido pela escassez do amor
ajuda a criar instituições que reforçam essa escassez.
Algumas pessoas não escolhem o caminho dos
relacionamentos. Eles quererem provar a eles mesmos que
são verdadeiras e desejáveis mercadorias. Então eles se
tornam conquistadoras sexuais. Eles querem marcar pontos
na arena da conquista sexual. Eles não ligam de partilhar
prazer. Eles só querem criar uma imagem. E aqueles que
fodem com eles, fazem isso pelo status também. Para essas
pessoas, o êxtase da total partilha foi completamente
perdido para a economia do amor. Isso é a contagem e só

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isso vale. Para fazer as mercadoria mais valiosas, a


economia do amor criou especialização sexual. É claro, a
ênfase cultural na masculinidade ou feminilidade no lugar
de nossa natural androgenia é o principal aspecto. Mas os
rótulos de preferência sexual, quando feitos permanentes
autodefinições, são também parte disso. Definindo a nós
como gay ou hétero, ou bissexual, como pedófilo ou
fetichista ou qualquer outra forma limitada, ao invés de
deixar nossos desejos fluir livremente, nós estamos fazendo
um produto especializado de nós mesmos e então
reforçando a escassez do amor.
Quando o amor se tornou uma mercadoria ele cessou
de ser amor de verdade pois Eros não pode ser acorrentado.
O amor deve fluir livremente e facilmente sem preço e sem
expectativas. Quando o amor é mercadoria, ele cessa de
existir pois os amantes cessam de existir. Desde que
devemos nos tornar produtos desejáveis, nós reprimimos
nossos eus-verdadeiros para dar lugar aos papéis que nossa
cultura ensina para fazer-nos desejáveis. Então é máscara
beijando máscara, imagem acariciando imagem -- mas
nenhum amante real a se encontrado em lugar algum.
Se estamos para experienciar a infinita energia do
amor sexual, a divindade selvagem de nossos corpos em
êxtase, então devemos libertar-nos da economia do amor.
Devemos jogar fora todo aspecto desta casca sem vida que
nossa cultura passa como amor. Pois em lugar algum deste
reino as alegrias selvagens do prazer sem limites podem ser
experienciadas.
Mas para se libertar da economia do amor, o amor
deve cessar de ser escasso para nós. Enquanto o selvagem
cosmos está cheio de amantes, a cultura da mercadoria
roubou isso de nós. Então somos deixados com um caminho
para libertar-nos da escassez do amor. Precisamos aprender
a amar a nós mesmos, a descobrir em nós mesmos tão
grande fonte de prazeres que caímos de amor por nós. Além
disso, não é o meu corpo a fonte de prazer que eu sinto em
amor? Não é minha carne, meus nervos, minha pele as
vastas galáxias na qual a energia sem limites flui? Quando
aprendemos a estar em amor com nós mesmos, descobrir

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em nós uma fonte de prazer erótico sem fim, o amor não


poderá ser escasso para nós. Para nós, teremos sempre a
nós mesmos como amante.
E quando amamos a nós mesmos, a alegria sem
limites de Eros irá fluir em nós transbordando adiante
livremente. Nós não agarraremos o amor por necessidade,
mas nós livremente partilharemos nossa vasta energia
erótica com cada ser que se abrir a isso. Nossos amantes
serão homens e mulheres, crianças, arvores e flores,
animais, montanhas, rios, oceanos, estrelas e galáxias.
Nossos amantes estarão em todos os lugares, pois nós
mesmos somos amor.
Como poderosos deuses do amor, nós então
podemos vagar pela terra como heróis fora da lei, por
havermos escapado da economia do amor, nós temos a
força de se opor a todas as economias. E nós não
toleraremos essa cultura onde nossos amantes são
abusados, escravizados e ameaçados, mortos e
aprisionados. Com toda a poderosa energia do amor, nós
quebraremos cada corrente e tomaremos de assalto as
barreiras até elas caírem e todos que amamos forem livres.
E então terminará a longa, tenebrosa dominação da
economia, a dança da morte da civilização.

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A Libertação
do Movimento
Através do
Espaço

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O tempo é um sistema de medida, ao qual se pode


nomear, dirigente e autoritário. Existe uma razão pela qual
durante muitas insurreições, os relógios foram esmagados e
os calendários queimados. Houve aí um reconhecimento
semiconsciente por parte destes insurgentes de que tais
artefatos representassem a autoridade à qual eles se
rebelaram assim como os os reis ou presidentes, a lei ou os
soldados. Mas no entanto não demorou muito para que
novos relógios e calendários fossem criados, já que dentro
das cabeças de ditos insurgentes o conceito do tempo ainda
governava.
O tempo é uma construção social que é usada para
medir o movimento através do espaço, de modo a controlá-
lo e anexá-lo a um contexto social. Assim sejam os
movimentos do sol, da lua, estrelas e planetas no
firmamento, os movimentos dos indivíduos sobre os
terrenos em que andam, ou os movimentos de eventos
sobre os artifícios conhecidos como dias, semanas, meses e
anos, o tempo é a forma com a qual estes movimentos são
atadas a uma utilidade social. A destruição do tempo é
essencial para a libertação do indivíduo do contexto social, à
libertação de indivíduos como uma entidade consciente,
autônoma e criadora de sua própria vida.
A revolta na contramão do tempo não é nada se não
for uma revolta na contramão da dominação do tempo na
vida diária. Esta, chama para uma transformação da
maneira na qual alguém se move através dos espaços que
vai encontrando. O tempo domina nosso movimento através
do espaço como um recurso “necessário” para chegar a um
destino, um itinerário, uma pontuação. Enquanto o contexto
social o qual produziu o tempo como um recurso de controle
social continua existindo, é duvidoso que algum de nós
possa ser capaz de completamente erradicar os destinos,
itinerários e pontuações de nossas vidas. No entanto
examinar cuidadosamente como esta maneira de interagir
afeta a forma em que alguém se move através do espaço,
poderia ajudar alguém a criar por si mesmo um movimento
mais consciente. O mais notável efeito de ter que chegar à
algum lugar (um destino), especialmente quando alguém
tem que estar neste destino em certo tempo (itinerário/

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pontuação), é a falta de conhecer o terreno sobre onde se


move. Tal movimento tende a ser um tipo “de caminhar-
dormindo” do qual o indivíduo não cria nada, já que o
destino e o itinerário pré-criam a travessia e a definem. este
Alguém só é consciente de seus arredores e como eles
afetam no mínimo de extensão necessário para chegar onde
vai. Eu não nego que a maioria dos ambientes através do
qual alguém se move, especialmente num ambiente urbano,
podem ser perturbantes e desagradáveis, fazendo nossa
inconsciência estética implorar, mas esta falta de
consciência causa o perder de muitas oportunidades de
subversão e jogar com aquilo que de outra maneira é
criado.
Subverter o próprio movimento através do espaço,
fazendo isto da sua própria maneira, livre das ataduras do
tempo, é só questão de converter tal movimento a um
movimento preferencialmente nômade que é antes
transportar-se a si mesmo. O movimento nômade faz uma
divertida (ainda que séria) exploração do terreno sobre o
qual alguém vai passando, o aspecto essencial da travessia.
O caminhante interage com os lugares pelos quais vai
passando, conscientemente mudando e sendo mudado por
eles mesmos. O destino, ainda que este existe, é de mínima
importância, já que este também será um lugar pelo qual
vai passar. Assim então, conforme esta forma de movimento
através do espaço se converte num habito pessoal, pode
também realçar a sabedoria do mesmo, permitindo-lhe se
converter menos dependente dos destinos pré-traçados, de
itinerários, pontuações e outros grilhões que impõe a regra
do tempo sobre nossos movimentos. Parte do refinamento
da sabedoria nômade dentro do atual contexto dominado é
a habilidade de aprender a criar formas de atuar sobre
tempo, subvertê-lo e usá-lo contra ele mesmo para ampliar
o livre andar próprio.
Um modo radicalmente diferente de experimentar a
vida ocorre quando conscientemente criamos tempo para
nós mesmos. Por causa dos limites de uma linguagem
desenvolvida dentro deste contexto social de tempo-
domado, esta maneira de experimentar a vida é comumente
referido em termos temporários também, mas como um

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“tempo” subjetivo, como em: “A vez quando estava


escalando o Monte Hood…” Mas talvez não preferiria referir-
se a este como um “tempo” subjetivo já que não tem
nenhum propósito compartilhado com o tempo social. É
talvez preferível chamar de uma experiência nômade.
Dentro da experiência nômade, os cumes, os vales e
planícies não são criados em ciclos constantes e
mensuráveis. São interações passionais do tipo que podem
converter um momento a uma eternidade e nas semanas
subsequentes uma mera piscada. Nesta apaixonante
travessia, o sol nasce e repousa no entardecer, a lua
resplandece e míngua, as plantas florescem carregam frutos
e se murcham mas não em ciclos que se possam medir.
Em vez disso, alguém poderia experimentar estes
eventos em termos passionais e de interação criativa com
eles. Sem nenhum destino real que defina o movimento
próprio através do espaço, e ao mesmo tempo, o tempo
linear se volta sem sentido. Uma experiência nômade
sempre esta fora do tempo, não num sentido místico, mas
em reconhecer que o tempo é a mistificação do movimento
através do espaço e que como toda mistificação, usurpa
nossa habilidade de criar a nós mesmos.
Uma muito consciente e divertida investigação
exploradora de nossos próprios movimentos no espaço, de
nossas próprias interações com os lugares que
atravessamos, é a prática necessária para a revolta contra o
tempo - nada mais que criar eventos e sua própria
linguagem. Até nós começarmos a transformar a nós
mesmos em criadores nômades. De outra maneira se
seguimos vivendo nossas vidas da mesma maneira que hoje
as vivemos, cada relógio achatado e cada calendário
queimado será simplesmente substituído já que o tempo
continua dominando nossa maneira de viver.

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A Subcultura
Anarquista 1

1Esse texto apareceu originalmente no Anarchy: A Journal of Desire Armed

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“…a ausência de imaginação necessita de


modelos; ela jura por eles e vive somente por
eles.”

É fácil declarar que não existe um movimento


anarquista na América do Norte.
Essa declaração libera alguém de ter que examinar a
natureza desse movimento e de qual a função desse alguém
nele. Mas uma rede de publicações, livrarias, arranjos
domésticos anarquistas, squats e correspondências
conectando aqueles com perspectivas anti-estadistas
certamente existe. Isso se cristalizou em uma subcultura
com seus costumes, rituais e símbolos de “rebelião”. Mas
pode uma subcultura criar indivíduos livres capazes de criar
as vidas que eles desejam? A subcultura anarquista
certamente não pode. Eu espero explorar o porquê nesse
artigo.
A subcultura Anarquista certamente abrange
atividade aparentemente rebelde, exploração histórica,
análise social (teoria), jogo criativo e explorações em auto-
libertação. Mas essas não existem como uma prática
integrada com o objetivo de entender a sociedade e abrir
possibilidades para que criemos nossas vidas para nós
mesmos, mas sim como funções sociais, que
ocasionalmente se sobrepõem, mas na maioria das vezes se
separam, que funcionam principalmente para se manterem
e para manter a subcultura que as criam, que em
contrapartida elas criam.
Militantes politicamente corretos dominam a ação
radical nessa subcultura. Eles negam a necessidade da
análise social. Afinal, os assuntos já foram traçados pelos
liberais de esquerda - o feminismo, liberalismo gay, anti-
racismo, libertação animal, ecologia, socialismo, oposição à
guerra - adicione uma pitada de anti-estadismo e, por deus,
é o anarquismo! Bem, não é mesmo? Para garantir que
ninguém possa duvidas de suas credenciais anarquistas, os
militantes anarquistas irão certamente gritar o mais alto em
manifestações, queimar algumas bandeiras e ficarão

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preparados para lutar com alguns policiais, fascistas e


outros de partidos de esquerda sempre que possível. O que
eles não irão fazer é analisar suas atividades ou suas
funções como militantes para verem se eles estão
realmente minando de alguma forma a sociedade ou se eles
estão apenas representando suas leais oposições,
reforçando-as ao reforçar o papel de dentro de seus papéis
de dentro de seu espetáculo. Suas recusas de análise têm
permitido que muitos deles se iludam em acreditarem que
fazem parte de um movimento em massa de rebelião que
deve ser convertido para o anarquismo. Mas não existe tal
movimento em massa neste continente, e as atividades dos
militantes são apenas uma válvula de escape em rituais de
oposição que apenas reforça os seus lugares na subcultura
anarquista.
Historiadores anarquistas são em sua maioria
professores, editores e operadores de livrarias, interessados
em manter informação disponível sobre a história
anarquista. A maioria dessas pessoas é bem-intencionada,
mas elas falham em aplicar análise crítica nessas histórias.
A vasta maioria do material histórico anarquista parece
servir ao propósito de criar mitos, criar heróis, mártires e
modelos para imitar. Mas todos esses modelos falharam em
criar mais do que situações anárquicas temporárias. Isso
deveria, pelo menos, levar a um questionamento de como e
porque eles falharam que vai além da afirmação simplista
de que eles foram esmagados pelas autoridades. A falta de
tal análise deixou a história anarquista amplamente
inutilizável para apresentar lutas contra autoridade, e em
vez disso tornando-se a mesma coisa para a subcultura
anarquista do que a história da corrente predominante é
para a sociedade, um mito que mantém a ordem atual das
coisas.
Alguns teoristas anti-autoritários têm atacado
intelectualmente as estruturas mais básicas da sociedade
de uma forma que revela seus papéis em nossa
domesticação. O exame dos teoristas dessas coisas até
levou a alguns deles abandonarem o rótulo “anarquista”,
apesar de que suas rejeições de autoridade e conexão com
a subcultura pelos seus textos e suas amizades continuam

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com seus papéis dentro dela. E por toda a profundidade de


suas explorações intelectuais, um certo nível de recusa de
trabalho, roubos e um pequeno vandalismo parecem ser a
soma de suas práticas. Pelo fato de que eles não exploram
formas práticas de expressarem rebelião contra a totalidade
da dominação reveladas por suas críticas, essas críticas
perdem sua característica de vanguarda como teoria radical
e se parecem mais com filosofia. Não mais sendo uma
ferramenta de rebelião ativa, seu pensamento ao contrário
se torna em um modo de definir a vanguarda intelectual do
pensamento anarquista, um modo pelo qual se determina se
uma idéia é radical o suficiente. Deste modo, a função do
intelectual é perpetuada na subcultura anarquista.
Jogos criativos também foram especializados dentro
da subcultura. Esquecendo a crítica que pede pela
substituição da arte por jogos espontâneos, criativos e livres
por todos, artistas postais, artistas de performance e “anti-
artistas” reivindicam essa categoria como sendo deles,
destruindo a espontaneidade e a liberdade, e valorizando a
atividade como arte. Muitas das atividades dessas pessoas -
festivais, leituras de poesias selvagens, sessões ruidosas de
improvisação e teatro interativo - podem ser bem divertidas
e valem a pena participar delas nesse nível, mas,
enquadrando-as como arte, seu apelo subversivo se
embota. Ao valorizar a criatividade, esses artistas fizeram
ser mais importante “ser criativo” do que se divertir, e
reduziram suas críticas ao nível de se algo pode ser utilizado
para criar arte. O processo criativo é recuperado na forma
de trabalho produtivo fazendo trabalhos de arte. Jogar é
transformado em performance. Atos de fazer rodeios
tornam-se espetáculos em shows de arte postal. A
subversão é recuperada pela sociedade como arte.
Ignorando o fato que a arte é uma categoria social e
cultural, artistas anárquicos afirmam que arte opõe-se à
cultura, mas suas atividades criam para eles a função de
trabalhadores culturais dentro da subcultura anarquista.
Quando os situacionistas disseram que a prática
revolucionária precisava se tornar terapêutica, eles não
faziam idéia de que certos anarquistas norte-americanos
encontrariam formas de unir essa e outras idéias

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situacionistas semi-digeridas em psicoterapias de new age -


mas, nossa, aqueles Ianques (e Canadenses) certamente
são inventivos, não são? Terapias "new age" vieram à
subcultura anarquista amplamente pelos movimentos
feministas, de libertação gay e movimentos relacionados. A
razão dada em praticar essas terapias é o auto-
descobrimento e a auto-libertação. Mas todas as
psicoterapias - incluindo aquelas dos psicologistas
humanistas e da “terceira força” - foram desenvolvidas para
integrar as pessoas na sociedade. Quando os feministas, os
liberacionistas gays e grupos similares começaram a utilizar
técnicas terapêuticas, isso ajudou a integrar indivíduos em
uma estrutura comum pela qual eles iriam ver e agir no
mundo. Anarco-terapistas têm adaptado tais práticas como
meditação, terapia de jogos, apoio e espaços separados. A
meditação realmente é apenas uma forma de escape, sem o
dano físico de beber ou de drogas. Ela ameniza os estresses
da vida diária, mantendo-os toleráveis.
Ela pode, então, ser útil, mas não é auto-libertadora.
Jogar como forma de terapia, e jogar como arte, perde sua
vanguarda subversiva. Com seus parâmetros definidos, isso
se torna uma liberação segura, uma válvula de escape, em
vez de um rompimento real com todos os riscos envolvidos.
Isso não representa um desafio à autoridade ou à ética
trabalhista, porque é jogar com segurança na estrutura de
utilidade produtiva e retira a energia caótica que poderia de
outra forma desafiar a autoridade dentro de uma estrutura
seguramente ordenada.
A terapia de grupo de apoio é uma forma
especialmente traiçoeira de auto-decepção. Um grupo de
pessoas reúne-se para conversar sobre um problema
comum, um fardo ou opressão que eles supostamente têm
em comum. Essa prática imediatamente remove o problema
da realidade da vida cotidiana, de relacionamentos
individuais e circunstâncias em particular, e o coloca na
realidade de “nossa opressão comum” onde poderá ser
então colocada em um enquadramento ideológico. Grupos
de apoio são formados com um propósito particular (se não,
para que formá-los?) que irá moldar como o grupo
funcionará, influenciar as conclusões traçadas e moldar os

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participantes na moldura da ideologia do grupo. A criação


de espaços separados (somente mulheres, somente gays,
etc.) reforça as piores tendências da terapia de grupo de
apoio, ao garantir que nenhum elemento externo possa
penetrar. Os anarquistas alegremente ignoram as
implicações autoritárias e de propriedade dessa prática e
sua inerente intolerância, com a desculpa de que é a prática
de um grupo oprimido. Todas dessas formas terapêuticas
separam as pessoas de suas experiências cotidianas e as
colocam em uma realidade “terapêutica” separada onde
eles podem ser prontamente integrados em uma estrutura
social e ideológica específica. No caso dos anarco-
terapistas, é a estrutura da subcultura anarquista e a função
que eles desempenham nela.
A maioria das pessoas que eu conheci na subcultura
anarquista são pessoas sinceras. Eles realmente querem se
rebelar contra a autoridade e destruí-la. Mas eles são
produtos da sociedade, treinados a desconfiar deles
mesmos e de seus desejos e a terem medo do
desconhecido. Encontrar uma subcultura com papéis que
eles possam se adaptar, é muito mais fácil cair em um ou
mais papéis em que eles se sintam confortáveis, seguros
com o conhecimento que eles são parte de um meio
rebelde, do que realmente dar um passo no escuro e viver
eles mesmos contra a sociedade. E esses papéis
“anarquistas” ligam-se em uma estrutura social e em um
modo de se relacionar amplamente com o mundo que são
igualmente essenciais para a subcultura anarquista e que
também necessitam ser examinados.

“Não seria um anacronismo cultivar o gosto por


refúgios, certezas, sistemas?”

A estrutura da subcultura anarquista está


amplamente centrada em torno de publicar projetos,
livrarias, situações de vivência coletiva e ativismo radical.
Esses projetos e os métodos de executá-los que reproduzem
a subcultura criam os métodos de “envolvimento externo”
anarquista. O que eles criam assemelha-se em muitas

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formas com uma seita evangélica religiosa.


A maioria dos projetos que fazem parte da estrutura
da subcultura anarquista são executados coletivamente
usando um processo de tomar decisões por consenso. São
poucos os projetos de apenas um indivíduo que
ocasionalmente tem a ajuda de amigos. (Na borda da
subcultura existem inúmeros projetos de panfletos em que
quase todos são projetos individuais.) Eu vou deixar para
fazer uma crítica mais detalhada do consenso em um outro
artigo. Por agora, é suficiente apontar que o processo de
consenso requer a subjugação da vontade individual para a
vontade do grupo como um todo e a subjugação do
imediato para a mediação de encontros e processos de
tomadas de decisão. O consenso tem uma inclinação
inerentemente conservadora, porque ele cria políticas que
só podem ser mudadas se todos concordarem com elas. É
uma autoridade invisível na qual os indivíduos são sujeitos,
o que limita a extensão em que questionam o projeto no
qual estão envolvidos ou a subcultura anarquista.
Um grande número de anarquistas vive por conta
própria ou com seus amantes. Mas muitos veem a
organização de uma vivência coletiva como uma melhor
forma, pela simples razão de amenizar as finanças de todos
(a razão da qual envolve as poucas ilusões), mas mais
frequentemente para criar uma situação viva de apoio em
grupo, para participar mais facilmente em um projeto
comum ou para “colocar a teoria na prática”. Já tendo lidado
com grupos de apoio, eu vou apenas acrescentar que viver
junto em um grupo de apoio tenderá a exagerar todos os
aspectos ideológicos e isoladores da terapia de grupo de
apoio. Uma situação de vivência coletiva pode certamente
facilitar alguns dos aspectos de compartilhar de um projeto
em comum, desde o financeiro até o truque de reunir as
pessoas para discutir o projeto. Isso também aumenta as
chances do projeto se tornar isolador, alimentando-se dele
mesmo, perdendo a entrada de informações críticas
necessárias.
Mas são esses que dizem estar “colocando teoria na
prática” nessas situações de vivência que estão praticando

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o nível mais alto de auto-decepção.


Situações de vivência em grupo podem ser
possivelmente uma base para explorar novas formas de
relacionar, mas a semi-permanência em tais situações tende
em direção a criação de papéis sociais e estruturas, e novas
explorações não são o que os grupos domésticos que
conheço estão perseguindo. A separação entre teoria e
prática implicada pela frase “colocar teoria em prática” é
evidente na relativa semelhança dessas situações de
vivência. A maioria dos anarquistas acredita que existem
certos princípios que devem governar o modo que as
pessoas se relacionam. Em seus coletivos de vivência,
trustes de terras e squats, eles tentam viver por seus
princípios. Suas situações de vivência não são explorações
de teoria e prática, mas em vez disso, a submissão de
indivíduos para uma estrutura social pré-concebida. Esses
princípios não são postos à prova nestas situações, por
causa que o grupo doméstico anarquista é uma situação
isoladora, um tipo de realidade alternativa no meio do
mundo. Com a exceção de squats anarquistas - o que, pelo
menos, mostram-se um desafio à autoridade dos
proprietários e de propriedade - estes grupos domésticos
relacionam-se com o mundo de autoridades externas da
mesma forma de que todos os outros fazem: pagando seu
aluguel (ou imposto de propriedade) e contas, e trabalhando
ou coletando auxílio-desemprego. Estes grupos domésticos
não fazem nada, se chegam a fazer, em relação a minar a
sociedade, mas eles oferecem uma estrutura para as
pessoas viverem que mantêm suas sensações de rebeldia e
a subcultura os dá um lugar seguro para expressar essa
sensação.
Os vários projetos de publicações (incluindo
periódicos) e livrarias são as fontes principais de história,
teoria e informação para a subcultura anarquista. Até certo
ponto, esses projetos têm que se ligarem no sistema
capitalista e então raramente pretendem ser de natureza
revolucionária. Quando eles são projetos de grupo, eles são
geralmente executados por consenso na suposição absurda
de que existe algo anarquístico em passar por reuniões
longas e entediantes para trabalhar nos detalhes de

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Feral Faun

administrar um negócio pequeno ou produzir uma revista ou


um livro. Mas o aspecto desses projetos que realmente me
incomoda é que eles tendem a se tornar meios de definir a
estrutura de pensamento na subcultura anarquista ao invés
de uma provocação para discutir e explorar a natureza da
alienação e da dominação e em como destruí-las.
Em sua maior parte essa carência de provocação é
inerente no que é publicado. A maioria das publicações
anarquistas, sejam elas livros ou periódicos, são
reimpressões de textos anarquistas antigos, histórias não
críticas, recultivo de opiniões esquerdistas ou com uma
pequena quantia de anti-estadismo no meio ou
modernizações não críticas de idéias anarquistas
ultrapassadas. Tais textos reforçam certos padrões e
modelos do que significa ser anarquista sem questionar
esses modelos. Até mesmos os textos que se mostram
desafiadores raramente parecem evocar o tipo de discussão
crítica e inteligente que poderia ser parte de uma prática
radical estimulante. Em vez disso, eles também são
tomados como uma fonte de padrões, modelos, modos de
definir os parâmetros de revolta. Isso vem, em parte, da
natureza da palavra impressa, que parece ter uma
permanência que não é compatível com a natureza fluida e
viva do pensamento ou da discussão. A maioria dos leitores
têm dificuldade em ver além da palavra escrita a fluidez do
pensamento por trás dela. Então eles reagem como se
estivessem se ligando com algo sagrado - tanto o adorando
ou o profanando. Nenhuma das reações me agrada, porque
ambas significam que as idéias abstratas foram tornadas
concretas, tornaram-se mercadorias no mercado de idéias -
uma imagem reforçada pelo fato de que essas idéias são em
sua maior parte encontradas à venda em livrarias.
Outro aspecto da publicação anarquista é a
propaganda. Esse é o lado das propagandas anarquistas - a
prova de que é amplamente apenas uma mercadoria no
mercado de idéias. A maioria da propaganda anarquista é
uma tentativa de criar uma imagem do anarquismo que é
atraente para quem é que seja que a propaganda está
almejando. Assim sendo, muita dessa literatura parece ser
voltada em amenizar as mentes das pessoas, provando que

21
Feral Faun

a anarquia não é tão extrema, que ela não desafia pessoas;


isso as reassegura, demonstrando às pessoas que elas
podem continuar a terem vidas estruturadas e seguras
mesmo após a revolução anarquista. Já que a maior parte da
literatura anarquista, incluindo a desse tipo, é comprada ou
roubada por anarquistas, eu me pergunto se isso não é
apenas uma tentativa de se auto-reassegurarem, e de
reforçar os modelos que definem a subcultura. As estruturas
que fazem a literatura anti-autoritária disponível poderiam
fornecer uma rede para uma discussão desafiante com o
objetivo de criar e manter um costume realmente rebelde,
mas em vez disso elas criam um esquema de modelos e
estruturas para as pessoas seguirem os “princípios
anarquistas” pelos quais tantas pessoas se apegam
cegamente, o que reforça a subcultura anarquista.
O ativismo radical é outro aspecto da imagem
pública da subcultura anarquista, especialmente a facção
militante. Ela envolve amplamente a participação em
manifestações esquerdistas, apesar de que ocasionalmente
os anarquistas irão organizar suas próprias manifestações
em um assunto específico. Um motivo por trás de muito
desse ativismo é o de levar as pessoas para o anarquismo.
Para conseguir isso, os anarquistas precisam se separar de
uma entidade definível e se tornarem atraentes para
aqueles que estão tentando converter. No momento, a
maior parte do ativismo parece estar tentando atrair jovens,
e particularmente, os jovens punks.
Então os anarquistas tendem a ser particularmente
barulhentos e brigões em manifestações, retratando uma
imagem de desafio e mostrando que os anarquistas
significam “assunto sério”. Já que outros grupos, como o
R.C.P. (Partido Revolucionário Comunista), também ficam
brigões e desafiantes, os militantes anarquistas têm que
fazer com que a distinção seja clara, denunciando
estridentemente esses grupos e até entrando brigando com
eles - você meio que tem de se perguntar sobre esses
militantes anarquistas, se suas ações são tão similares aos
golpes Maoístas de que eles têm que conscientemente se
esforçar para se distinguirem. Mas o evangelicalismo não é
a única razão pela qual os anarquistas participam nesses

22
Feral Faun

rituais de oposição. Muitos participam porque é a coisa


anarquista apropriada a se fazer. Em suas mentes,
“anarquista” é um papel que envolve uma atividade social
específica. É uma subespécie do esquerdista que é
briguenta e um pouco mais violenta que a maioria. Isso os
permite separar a anarquia e a rebelião de suas vidas
cotidianas. Questões como, “Essa atividade ajuda a destruir
a dominação, minar o espetáculo e criar vida livre?” são
irrelevantes já que o anarquismo é definido pela
participação em atividades militantes, e não pela rebelião
contra tudo o que fica no caminho de nossa liberdade de
criar para nós mesmos as vidas que desejamos. Contanto
que alguém seja ativo em manifestações do jeito certo, o
alguém é anarquista, sustentando a imagem e mantendo a
subcultura anarquista.
Apesar de que algumas dessas estruturas -
especialmente aquelas que lidam com publicação - têm o
potencial de serem parte de um desafio realmente
anárquico para a sociedade, a subcultura anarquista desvia
sua energia para se manter e reproduzir. A subcultura nos
oferecer “refúgios, certezas, sistemas”, tendendo a nos
fazer cautelosos, nos levando a abraçar o conhecido em vez
de desafiar o desconhecido. Então os anarquistas e os anti-
autoritários, pensando serem rebeldes, são na verdade os
que definem os limites da revolta e assim os recuperam. A
subcultura anarquista tem minado a anarquia, tornando-a
em mais uma mercadoria no mercado ideológico e assim
tornando-se em mais uma categoria da sociedade.

“A questão é precisamente se afastar, desviar,


absolutamente, da regra; dar um passo da arena
com entusiasmo histérico; para iludir para
sempre as armadilhas preparadas pelo
caminho...Longa vida ao Impossível!”

Fazer uma crítica da subcultura anarquista


examinando alguns de seus papéis e de suas funções mais
importantes é deixar passar sua falha mais importante - de
que é uma subcultura. Subculturas constituem uma espécie

23
Feral Faun

específica de fenômeno social com traços particulares. Se


esses traços conduzissem à rebelião, se eles fizessem as
pessoas agirem por si próprias, então poderia ser possível
reformar a subcultura anarquista, mas esses traços na
verdade tendem à direção oposta. Têm existido tantas
subculturas rebeldes, tantos boêmios, todos recuperados.
Isso indica claramente que existe algo inerente em
subculturas que as impede de representar um desafio real à
sociedade da qual elas são parte. Deixe-me tentar examinar
porque.
Para que uma subcultura possa existir, seus
parâmetros devem ser definidos de uma maneira que a
distingue de outros grupos na sociedade. Pelo fato de uma
subcultura não ser uma entidade oficial ou legal, esses
parâmetros não necessitam estar em qualquer forma
prontamente definível ou oficial. Mais frequentemente, eles
são a base, inerentes na natureza da subcultura, consistindo
de valores compartilhados, ideais compartilhados, costumes
compartilhados e de sistemas de relacionamento
compartilhados. Isso significa que a participação em uma
subcultura requer um certo nível de conformidade.
Isso não exclui os desentendimentos sobre a
interpretação desses parâmetros - tais desentendimentos
podem ser bem intensos, já que os envolvidos irão ver eles
mesmos como os sustentadores dos reais valores do grupo.
Mas a ameaça real para qualquer subcultura é qualquer
indivíduo que recusa parâmetros.
Tal indivíduo é perigoso, sem moral, uma ameaça a
todos. O que os parâmetros de uma subcultura realmente
alcançam é o seu sistema de moralidade. Eles fornecem um
modo da subcultura se ver como superior à sociedade em
geral. Isso então cria um método para relacionar com outros
pela culpa e por sentimentos de superioridade moral, duas
das armas favoritas da autoridade. A existência e a
manutenção de uma subcultura requerem então de uma
autoridade internalizada para se manter.
A criação de parâmetros irá levar a uma intolerância
daqueles que são percebidos como irrecuperavelmente fora
dos parâmetros - especialmente se eles são competidores

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Feral Faun

em algum nível (por exemplo, um partido comunista, um


partido socialista, e similares, para os anarquistas), mas
também leva a uma tolerância de todos que são percebidos
como uma parte daquela subcultura. Devido as diferentes
interpretações dos parâmetros da subcultura, discussões e
brigas, algumas vezes até odiosas, são possíveis mas ainda
existe uma certa unidade que é reconhecida e tende a
manter os desentendimentos dentro de uma certa estrutura.
Tal tolerância é necessária para manter a subcultura. Ela
também tem o efeito de reduzir tudo a um nível de
mediocridade mundana. Os extremos são permitidos
somente até onde eles possam ir sem que com isso passem
a ser um desafio real para a subcultura. Tato, cautela e
cortesia são a ordem do dia para manter a “unidade dentro
da diversidade” da subcultura. Conflitos tendem a ser
ritualizados e previsíveis. Na cultura anarquista em
particular, raramente existem quaisquer conflitos honestos
e entusiasmados cara a cara. Em vez disso, as interações
cara a cara são de cortesia e do ritual subcultural de
tolerância, e com isso são, tanto quanto elas, entediantes.
Aprender a relacionar por ritual, por tato, por máscaras
sociais, nos deixou ignorantes de como relacionar
livremente. Mas dentro desses rituais de tolerância uma
subcultura não pode se manter, porque como a sociedade
de forma geral, uma subcultura requer conformidade,
harmonia social e a supressão de paixões individuais por
sua continuada existência.
Ao se relacionar com pessoas de fora, as subculturas
tendem a optar por ou um tipo de separatismo -
minimizando o contado com o mundo de fora - ou um
evangelismo - tentando conquistar as pessoas para a
perspectiva da subcultura. Já que a subcultura anarquista é
decididamente evangélica, é com isso que eu irei lidar.
Todos os grupos evangélicos, desde os Batistas até os
partidos comunistas, desde os Moonies até a subcultura
anarquista, o são porque eles estão convencidos de que eles
têm as respostas para os problemas essenciais do mundo.
Convencer os outros disso torna-se um grande
motivador por trás das ações daqueles dentro de tais
subculturas. Eles agem e falam de uma forma a apresentar

25
Feral Faun

uma imagem de auto-confiança como também um tipo de


solidariedade com aqueles que eles desejam conquistar. Os
indivíduos de dentro dessas subculturas não vivem por eles
mesmos mas pelo ideal, pela resposta de que eles têm tanta
certeza que irá curar todos. Eles vivem, ou tentam viver, de
acordo com uma certa imagem, e portanto são
conformistas.
Por causa da natureza das subculturas, a subcultura
anarquista só pode existir ao remover a anarquia e a
rebelião do terreno de nossas atuais vidas diárias e
tornando-as em idéias com papéis sociais correspondentes.
Ela irá louvar a “espontaneidade” enquanto define seu
conteúdo e, portanto, suprimindo-a. A expressão livre de
paixão e de desejos não é encorajada, e na verdade,
frequentemente é o oposto. De dentro de sua estrutura, a
subcultura anarquista é bem conservadora, sendo sua
manutenção a sua prioridade mais alta. Cada nova
exploração e experimentação é uma ameaça para sua
existência e deve ser rapidamente definida, limitada e
recuperada por ela. Isso explica ambas as reações absurdas
e defensivas de certos anarquistas a explorações teóricas
mais ousadas, como também a tendência por essas
explorações de se manterem em uma realidade de teoria
separada sem prática. Uma subcultura é um lugar seguro,
para segurança, para encontrar papéis sociais e sistemas de
relacionamentos pelo qual uma pessoa possa definir ela
mesma, e não um lugar para explorações livres e encontrar
o desconhecido.
A subcultura anarquista, então, não pode ser uma
expressão de anarquia e rebelião vivida, mas pode somente
ser o modo da sociedade de definir, limitar e as recuperar.
Como crianças de uma sociedade, nós todos somos peritos
em desconfiar de nós mesmos, em ter medo do
desconhecido, em preferir a segurança do que a liberdade.
Não é de se surpreender que nós caímos em atividades que
criam e mantém uma subcultura. Mas já passou da hora de
nós admitirmos que esse é apenas o nosso modo de nos
adaptar na sociedade que nós dizemos odiar, de criar um
nicho para nós mesmos em sua estrutura. Por que essa
subcultura não é um desafio real à sociedade; ela é

26
Feral Faun

meramente uma leal oposição na qual suas regras - como


todas as regras - são apenas um sub-sistema das regras da
sociedade.
Então chegou o momento de jogar ao vento a
cautela, de divergir absolutamente, como os surrealistas
dizem, de todas as regras, para dar um passo da arena da
subcultura anarquista - ou de derrubar a arena. Sempre
existirão aqueles exigindo saber o que nós iremos por em
seu lugar, mas a questão é exatamente colocar nada em
seu lugar. O problema, a fraqueza destes de nós que dizem
opor-se à autoridade, têm sido nossa necessidade de ter
uma autoridade dentro de nossas cabeças, uma resposta,
um modo de nos manter na linha. Nós não temos confiado
em nós mesmos, e então nesses momentos quando a
anarquia tem realmente irrompido adiante, quando a
autoridade tem sido temporariamente quebrada abrindo
todas as possibilidades, nós não ousamos explorar o
desconhecido, para viver nossos desejos e paixões. Em vez
disso nós canalizamos nossa rebelião na mera imagem da
rebelião, que nos mantém seguros de jamais termos que
confrontar nossos reais desejos e paixões.
A recusa de autoridade, a recusa de todas as
amarras, deve incluir a recusa da subcultura anarquista,
porque é uma forma de autoridade. Com esse suporte
terminado, nós ficamos com nada - além de nós mesmos.
Como indivíduos transitórios, em constante mudança, e
apaixonados, nós nos tornamos a única base para criar
nossas vidas e nos opormos à sociedade enquanto ela tenta
forçar nossas vidas em seu molde. A rebelião deixa de ser
um papel e em vez disso torna-se nossa recusa momento a
momento em deixar que nossas vidas sejam roubadas de
nós. A anarquia deixa de ser um ideal e se torna o caos que
destrói a autoridade, que mina a autoridade e abre
possibilidades, novas realidades de exploração para nós
mesmos. Para realizarmos isso, nós devemos deixar de
pensar como vítimas e começar a pensar como criadores. A
paranóia negativa que permeia o modo que nós nos
relacionamos com o mundo precisa de ser rejeitada para
que nós possamos avaliar precisamente as forças e as
fraquezas da sociedade enquanto a confrontamos em

27
Feral Faun

nossas vidas cotidianas e possamos miná-la


inteligentemente.
Uma paranoia positiva - um reconhecimento de que a
sociedade e o inferno que ela nos faz passar são aberrações
e que o mundo está cheio de maravilha e beleza, que dentro
dele todos os nossos desejos mais profundos e mais ainda
podem ser facilmente realizados - necessita ser cultivada.
Então nós iremos ousar a encarar o desconhecido, a nos
relacionar livre e apaixonadamente, evitando a mera
tolerância e aceitando um conflito honesto. Nós ousaremos
nos opor à sociedade pela força de nossos próprios desejos,
sonhos e de nossa cobiça pela vida. Nós iremos recusar
respostas fáceis, sistemas e seguranças pelas prisões que
elas são, preferindo a liberdade encontrada em explorar
com entusiasmo o desconhecido, a aventura de descobrir o
mundo de maravilhas que a autoridade tenta nos negar. O
que foi negado de nós, nós devemos tomar, e nós devemos
tomá-los não nos conformando em uma subcultura, mas sim
mergulhando de cabeça no desconhecido, correndo o risco
de deixar para trás tudo o que foi suprimido de nós não
importando quão confortável seja e rebelando totalmente
contra a sociedade.
“Tudo é para ser sempre e automaticamente
arriscado. Sabemos, pelo menos, que o fio que
encontramos no labirinto deva levar a outro
lugar.”

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Feral Faun

A Natureza
como um
espetáculo - A
imagem da
natureza
selvagem
versus o
selvagem 2

2O uso frequente de aspas nesse ensaio é para reforçar a idéia de que a


natureza e o selvagem são conceitos, e não seres reais. Publicado no Do
"Anarchy: A Journal Of Desire Armed" Edição #29 Verão 1991 republicado
pela Elephant Editions (Londres) 2000/2001 na coleção "Revolução Feral"

29
Feral Faun

A Natureza nem sempre existiu. Ela não é encontrada


nas profundezas da floresta, no coração do puma ou nas
canções dos pigmeus; ela é encontrada nas filosofias e nas
imagens construídas de seres humanos civilizados. Linhas
aparentemente contraditórias são tecidas juntas criando
uma natureza como uma construção ideológica com o
propósito de nos domesticar, suprimir e canalizar as nossas
expressões de natureza selvagem.
A civilização é monolítica e o modo civilizado de
conceber tudo o que é observado também é monolítico.
Quando confrontada com a infinidade de seres que existem
por toda a parte, a mente civilizada necessita de categorizá-
los para que possa sentir que os está entendendo (apesar
de, na verdade, tudo o que ela realmente está entendendo é
em como fazer essas coisas úteis para a civilização). A
natureza é uma das categorias civilizadas mais essenciais,
uma das mais úteis em conter a natureza selvagem dos
indivíduos humanos e em assegurar de que se auto-
identifiquem como seres sociais e civilizados.
Provavelmente um dos primeiros conceitos da
natureza era algo similar ao que é encontrado no antigo
testamento da Bíblia: a natureza selvagem maligna, um
lugar de desolação habitado por bestas ferozes e
venenosas, demônios maliciosos e por loucos. Esse conceito
serviu a um propósito especialmente importante para as
primeiras civilizações. Ele induziu o medo do que é
selvagem, mantendo a maioria das pessoas dentro nos
muros da cidade e dando àqueles que saíam para explorar
uma postura defensiva, uma atitude de que estavam em
território inimigo. Esse conceito, nesse modo, ajudou a criar
a dicotomia entre "humano" e "natureza" que impede que
os indivíduos vivam de modo selvagem, isto é, em termos
de seus desejos.
Mas um conceito totalmente negativo da natureza
estava fadado a atingir seus limites de utilidade já que fez
com que a civilização ficasse dentro de uma fortaleza
fechada e sitiada, e para sobreviver a civilização tem que
expandir, para poder explorar mais e mais. A "natureza" se
tornou uma cesta de recursos para a civilização, uma "mãe"

30
Feral Faun

para ensinar a "humanidade" e sua civilização. Era bela,


digna de adoração, de contemplação, de estudo...e de
exploração. Não era má...mas era caótica, caprichosa e não
confiável. Felizmente para a civilização, a "natureza
humana" evoluiu, racional e necessitando colocar as coisas
em ordem, para controlá-las. Lugares selvagens eram
necessários para que as pessoas pudessem estudar e
contemplar a "natureza" em seu estado intocável, mas
precisamente para que seres humanos civilizados possam
vir a entender e controlar os processos "naturais" para que
possam utilizá-los para expandir a civilização. Então a
"natureza selvagem maligna" foi ofuscada por uma
"natureza" ou "natureza selvagem" que tem um valor
positivo para a civilização.
O conceito de natureza cria um sistema de valor
social e moralidade. Por causa das linhas aparentemente
contraditórias que se uniram no desenvolvimento da
"natureza", esses sistemas também podem parecer
contraditórios; mas todos eles atingem o mesmo fim: nossa
domesticação. Aqueles que nos dizem para "agir
civilizadamente" e aqueles que nos dizem para "agir
naturalmente" estão realmente nos dizendo a mesma coisa:
"Viva de acordo com os valores externos, não de acordo
com seus desejos." A moralidade da naturalidade tem sido
não menos odiosa do que qualquer outra moralidade. As
pessoas têm sido aprisionadas, torturadas e até mortas por
cometerem "atos não naturais"- e ainda são. A "natureza",
também, é um deus exigente e feio.
Desde seu princípio, a natureza tem sido uma
imagem criada por uma autoridade para reforçar seu poder.
Não é de se surpreender que na sociedade moderna, onde
uma imagem domina a realidade e frequentemente parece
criá-la, a "natureza" aparece como ela própria como um
meio de manter-nos domesticados. A "natureza" mostrarem
da na TV, calendários do Sierra Club, equipamentos para
usar na "natureza selvagem", fibras e alimentos "naturais",
o presidente "ambiental" e a ecologia "radical" conspiram
para criar a "natureza", e, nosso relacionamento
"apropriado" para com ela. A imagem invocada retêm
aspectos da "natureza selvagem maligna" das primeiras

31
Feral Faun

civilizações de uma forma subconsciente. Programas sobre a


"natureza" sempre incluem cenas de predação e é sabido
que os diretores desses programas utilizam bastões
eletrificados em tentativas de incitar os animais a lutarem.
Os avisos dados aos aspirantes a exploradores da "natureza
selvagem" sobre animais e plantas perigosas e a quantidade
de produtos criados por lojas de equipamentos para a
"natureza selvagem" para lidar com essas coisas é bem
excessivo de acordo com minhas próprias experiências
vagando em lugares selvagens. Eles nos dão a imagem de
que a vida fora da civilização é uma luta pela sobrevivência.
Mas a sociedade do espetáculo necessita que a
"natureza selvagem maligna" seja subconsciente para poder
utilizá-la eficientemente. A imagem dominante da
"natureza" é a de que é um recurso e uma coisa de beleza
para ser contemplada e estudada. A "natureza selvagem" é
um lugar no qual nós podemos nos retirar por um curto
tempo, se apropriadamente equipados, para escapar da
monotonia cotidiana, para relaxar e meditar ou para
encontrar excitação e aventura. E, é claro, a "natureza"
permanece a "mãe" que supre nossas necessidades, o
recurso no qual a civilização se cria.
Na cultura de mercadoria, a "natureza" recupera o
desejo pela aventura selvagem, pela vida livre de
domesticação, ao nos vender sua imagem. O conceito
subconsciente da "natureza selvagem maligna" dá ao ato de
aventurar-se na floresta um forte sabor de risco que é
atraente ao aventureiro e ao rebelde. Ela também reforça a
idéia de que nós não realmente pertencemos nela, e então
nos vendem produtos numerosos considerados necessários
para incursões em lugares selvagens. O conceito positivo da
natureza nos faz sentir que precisamos experimentar
lugares selvagens (não se dando conta de que os conceitos
que nos foram dados irão criar o que nós experimentamos
pelo menos na mesma medida que nossos arredores atuais).
Dessa forma, a civilização recupera com êxito até mesmo
aquelas áreas que ela aparenta não ter tocado diretamente,
transformando-as em "natureza", em "natureza selvagem",
e em aspectos do espetáculo que nos mantém
domesticados.

32
Feral Faun

"Natureza" domestica porque ela transforma o selvagem em


uma entidade monolítica, uma enorme realidade separada
da civilização. Expressões de coisas selvagens no meio da
civilização são rotuladas como imaturidade, loucura,
delinqüência, crime ou imoralidade, permitindo que sejam
dispensadas, trancadas, censuradas ou punidas enquanto
ainda mantendo que o que é "natural" é bom. Quando a
"natureza selvagem" se torna uma realidade fora de nós
mesmos ao invés de uma expressão de nossa livre energia
individual, então passam a existir os especialistas em
"natureza selvagem" que nos irão ensinar sobre os modos
"corretos" de nos "conectarmos" com ela. Na costa oeste,
existem todos os tipos de professores espirituais ganhando
uma fortuna vendendo uma "natureza selvagem" para
yuppies que de forma alguma ameaçam seus sonhos
corporativos, seus Porsches ou seus condomínios. A
"natureza selvagem" é uma indústria muito lucrativa
atualmente.
Ecologistas - até mesmo ecologistas "radicais" -
caem direto nisso. Ao invés de tentarem se tornar selvagens
e destruir a civilização com a energia de seus desejos
desencadeados, eles tentam "salvar a natureza selvagem".
Na prática, isso significa implorar ou tentar manipular as
autoridades para pararem com as atividades mais danosas
de certas indústrias e de ganharem dinheiro de florestas,
desertos e montanhas relativamente não danificadas em
“Áreas Selvagens” protegidas. Isso apenas reforça o
conceito de natureza selvagem como uma entidade
monolítica, de uma "natureza selvagem" ou uma "natureza",
e a inerente transformação em mercadoria desse conceito.
A base do conceito de uma "Área Selvagem" é a separação
do "selvagem" e da "humanidade". Então não é de se
surpreender que uma das variedades da ideologia da
ecologia "radical" criou o conflito entre "biocentrismo" e
"antropocentrismo" - apesar de que não somos mais do que
egocêntricos.
Até mesmo aqueles "ecologistas radicais" que dizem
querer reintegrar as pessoas na "natureza" estão se
enganando. Suas visões (de acordo com o que um deles
disse) de um "todo simbiótico e selvagem" é apenas o

33
Feral Faun

conceito monolítico criado pela civilização expressado de


um modo quase que místico. A "natureza selvagem"
continua a ser uma entidade monolítica para esses místicos
ecológicos, um ser maior que nós, um deus a quem nós
devemos nos submeter. Mas submissão é domesticação.
Submissão é o que mantém a civilização existindo. O nome
da ideologia que reforça a submissão pouco importa - que
seja "natureza", que seja um "todo simbiótico e selvagem".
O resultado ainda será a continuação da domesticação.
Quando a natureza selvagem é vista sem ter
qualquer relação com um conceito monolítico, incluindo
"natureza" ou "natureza selvagem", quando é vista como a
livre energia potencial em indivíduos que podem se
manifestar a qualquer momento, só então se torna uma
ameaça à civilização. Qualquer um de nós poderia passar
anos na "natureza selvagem", mas se continuarmos a ver o
que nos cerca pela lente da civilização, se nós continuarmos
a ver a infinidade de seres monoliticamente como
"natureza", como "natureza selvagem", como o "todo
simbiótico e selvagem", nós ainda seríamos civilizados. Nós
não seríamos selvagens. Mas se, no meio da cidade, em
qualquer momento nós ativamente recusamos nossa
domesticação, recusamos ser dominados pelos papéis
sociais que nos são forçados e ao invés disso vivamos nos
termos de nossas paixões, desejos e caprichos, se nós nos
tornamos os seres únicos e imprevisíveis que repousam
escondidos por trás de nossas funções, nós somos, naquele
momento, selvagens. Jogando ferozmente entre as ruínas de
uma civilização decadente (mas não se engane, mesmo na
decadência ainda é um inimigo perigoso e capaz de manter-
se por um longo tempo), nós podemos fazer das tripas
coração para derrubá-la. E os rebeldes livres de espírito irão
rejeitar o sobrevivencialismo da ecologia como mais uma
tentativa da civilização de conter a vida livre, e irão se
esforçar para viverem a dança caótica e sempre em
mudança de indivíduos únicos e de relacionamentos livres
em oposição a tanto à civilização quanto à tentativa da
civilização de conter o modo de vida livre e selvagem: a
"Natureza".

34
Feral Faun

Insurgência
Nômade
(fragmentos)

35
Feral Faun

Agricultores se apossam da terra e trabalham nela.


Posse e trabalho são as definições básicas da atividade dos
agricultores. Nômades atravessam o espaço e o
transformam através de interações - movimento e atividade
são as atividades básicas dos nômades. Agricultores
necessitam de hábitos, rituais, consistência, unidade.
Nômades quebram hábitos, transformam, variam,
diversificam. Agricultores idolatram a ordem. Nômades
criam o caos.
A agricultura é a origem da ética do trabalho. Devido
o agricultor ser aquele cuja a vida é criada para o trabalho
do cultivo, o agricultor não pode criar nenhum momento
para si que entre em conflito com as necessidades do
trabalho agrícola - caso contrário, a lavoura fracassa e o
agricultor perde sua identidade, e possivelmente sua
sobrevivência. O tempo - uma constante e padronizada
medição do movimento - é essencial para o agricultor - sua
mobilidade pelo espaço não é mobilidade através do espaço
- não essencialmente - mas sim o trabalho da terra. Isto é
baseado em ordem, em controle de ciclos medidos.
Nomadismo - pelo menos em atitude - é essencial
para a autonomia. A recusa da permanência, a recusa de
uma pátria. Quando todo o espaço e tempo é formalmente
dominado pelos relacionamentos que constituem o contexto
social, autonomia consiste em aparentemente não estar lá...
O segredo desta invisibilidade é o movimento constante...
Encontrando brechas onde a dominação não é efetiva...
desafiando a sociedade com a sua criatividade autônoma...
desaparecendo antes que as forças presentes da dominação
possa suprimir o desafio... uma dança habilidosa, arriscada.
Movimento físico não é necessário para esta estratégia - e
sim, a habilidade de escapar de classificações, de evitar ser
pego. Porém o movimento físico pode improvisar algumas
possibilidades. Quanto mais amplo é o terreno por onde se
atravessa, mais vasta é a possibilidade para as rupturas
radicais, para a descobertas de fendas, para o jogo
selvagem... Num contexto de tal travessia, zonas
permanentes de auto-escravidão se tornam aspectos do
contexto social a serem subvertidos para os usos e desafios
provocadores dos nômades insurgentes, em qualquer modo

36
Feral Faun

que faça sentido e em qualquer caso. Não existe receitas


para a autonomia.
Os lugares assentados e as vidas estabelecidas se
tornam cada vez mais estranhas para mim. Há algo
demasiado ordenado a cerca da maioria das vidas e lugares.
Isso me deixa louco - Eu quero destruir isso. É por isso que
eu aprecio cada indivíduo que atualmente rompe com isso,
e o porque que fico ansioso quando fico tão assentado. Eu
começo a me sentir como se eu não pertencesse - ai eu
lembro que o conceito de pertencer é um absurdo. Preciso
fazer de cada lugar através do qual eu passo como meu, até
o momento em que esteja bom o suficiente.
Um dos motivos para evitar fazer projetos
insurgentes... com pessoas inaptas.. é que sua faculdade
crítica se torna gasta ao ponto de suas idiotices. Melhor
ignorar os idiotas e criar projetos com aqueles que não são
presos por todas as velhas ideologias. Assim nossas
faculdades críticas podem ser direcionadas em criarmos a
nós memos como insugentes, transformando nossas
interações e nossas vidas diárias e vindo a um
entendimento da sociedade que precisamos destruir. Usar
nossas faculdades críticas contra alvos fáceis pode destruí-
los. Usá-las para criar a vida que desejamos, em guerra com
a autoridade, as afia. Crueldade é necessário.
A ilegalidade insurgente não é para ser confundida
com criminalidade. Sim, os insurgentes fora da lei cometem
crimes e podem fazer bem manter algumas conecções com
o submundo periférico... porém os criminosos profissionais
usam o crime como uma forma de vida, onde o insurgente
fora da lei está conscientemente minando as tradições,
costumes e leis da sociedade. O criminoso inteligente terá
amigos entre os executores da lei, porque esse é um bom
negócio; O insurgente fora da lei irá evitar tais conexões,
porque seu desejo é a criação de uma vida que não
reconheça a lei... Qualquer conexão com os executores da
lei irá colocar em perigo tal vida. Existem foras da lei que
desejam apenas substituir a lei do Estado pela lei moral. O
insurgente fora da lei é amoral - rejeita a lei em todas as
suas formas, porque isto restringe a sua vida e limita suas

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Feral Faun

possibilidades. Um insurgente fora da lei pode destruir um


ítem roubado, pode vender no mercado negro, ficar com ele
ou dividir entre os amigos - da maneira que lhe convém.
Pode roubar um banco e usar o dinheiro para um projeto,
esbanjar com os amigos, fazer uma viagem ou queimar o
dinheiro. Mas os foras da lei morais irão se sentir obrigados
a usar todos os bens roubados para suas causas abraçadas.
Criminosos profissionais não são foras da lei. Eles
dançam com a lei, e a mudam para seus próprios fins; Eles
quebram a lei não pela revolta, mas por razões econômicas.
Com suas subculturas, eles praticamente possuem leis e
métodos de executá-las. Mas seus trabalhos ilegais são
melhores do que muitos trabalhos legais porque envolvem
elementos de risco: a emoção de ser mais esperto. Pode ser
inteligente para o criminoso profissional ficar em algum
lugar, para criar conecções estabelecidas. Mas e para o
insurgente fora da lei? Não, nunca em um lugar por muito
tempo. O insurgente fora da lei não quer mais estar
integrado na subcultura criminal, tão pouco na cultura
dominante ou em qualquer subcultura alternativa...
O insurgente fora da lei está conscientemente
tentando aumentar seu poder de auto-criação em oposição
a sociedade. Sua habilidade para isso exigem destreza,
coragem e a capacidade de se tornar invisível. Desta forma,
insurgentes fora da lei muitas vezes vivem como
vagabundos - passando por, mas nunca se assentando e se
tornando definido. Suas vidas, assim como suas atividades
ilegais, são ataques contra o sistema.

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Feral Faun

"Revolução
Feral" 3

3 Publicado originalmente em Demolition Derby #1, 1988, p. 30

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Feral Faun

Quando eu era uma criança bem jovem, minha vida


estava cheia de um prazer intenso e uma energia vital que
me fazia sentir que eu experimentava tudo ao máximo. Eu
era o centro dessa existência maravilhosa e brincalhona e
não sentia necessidade de depender em nada além de
minha própria experiência de vida para me satisfazer.
Eu sentia intensamente, eu experimentava
intensamente, minha vida era um festival de paixão e
prazer. Meus desapontamentos e minhas tristezas também
eram intensos. Eu nasci um ser livre e selvagem no meio de
uma sociedade baseada na domesticação. Não tinha como
eu escapar de ser domesticado. A civilização não irá tolerar
o que é selvagem em seu meio. Mas eu nunca me esqueci
da intensidade do que a vida podia ser. Eu nunca me
esqueci da energia vital que havia se agitado em mim.
Desde que eu comecei a notar que essa vitalidade estava
sendo drenada, minha existência tem sido uma guerra entre
as necessidades da sobrevivência civilizada e a necessidade
de me soltar e experimentar a intensidade total da vida
desprendida.
Eu quero experimentar essa energia vital novamente.
Eu quero conhecer a natureza selvagem de livre espírito de
meus desejos não oprimidos se realizando em um jogo
festivo. Eu quero derrubar todas as paredes que estão entre
mim e a vida intensa e apaixonada da liberdade indomada
que eu desejo. A soma dessas paredes é tudo o que nós
chamamos de civilização, tudo o que fica entre nós e a
experiência direta e participatória do mundo selvagem. Uma
teia de dominação cresceu em nossa volta, uma teia de
mediação que limita nossa experiência, definindo as
fronteiras aceitáveis de produção e consumo.
A autoridade domesticadora toma muitas formas,
algumas das quais são difíceis de reconhecer. O governo, o
capital e a religião são algumas das faces mais óbvias de
autoridade. Mas a tecnologia, o trabalho, a linguagem com
seus limites conceituais, os hábitos arraigados de etiqueta e
propriedade - essas também são autoridades
domesticadoras que nos transformam de animais selvagens,
divertidos e ingovernáveis em produtores e consumidores

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Feral Faun

domesticados, entediados e infelizes. Essas coisas se


desenvolvem em nós traiçoeiramente, limitando nossas
imaginações, usurpando nossos desejos, suprimindo nossa
experiência vivida. E é esse mundo criado por essas
autoridades, o mundo civilizado, o mundo em que vivemos.
Se o meu sonho de uma vida cheia de prazer intenso e
aventura selvagem for realizado, o mundo precisa ser
transformado radicalmente, a civilização precisa acabar
antes de expandir a natureza selvagem, a autoridade
precisa acabar antes da energia de nossa liberdade
selvagem. É necessário - para querer um mundo melhor -
uma revolução.
Mas uma revolução que possa quebrar a civilização e
restaurar a energia vital de desejo indomado não pode ser
como qualquer outra revolução do passado. Todas as
revoluções até hoje se concentraram em volta do poder, em
seu uso e redistribuição. Elas não procuraram erradicar as
instituições sociais que domesticam; no máximo elas
apenas procuraram erradicar os relacionamentos de poder
dentro dessas instituições. Então os revolucionários do
passado miraram seus ataques nos centros de poder,
tentando derrubá-los. Concentrados no poder, eles foram
cegados pelas forças traiçoeiras da dominação que
abrangem nossa existência diária e assim, quando
conseguiram derrubar os detentores do poder, eles
acabaram recriando-os. Para evitar isso, nós devemos nos
concentrar não no poder, mas no nosso desejo de tornar-
mos selvagens, de experimentar a vida ao máximo, para
conhecer-mos um prazer intenso e uma aventura selvagem.
Enquanto nós tentamos realizar esse desejo, nós nos
confrontamos com as forças reais da dominação, as forças
que nós encaramos a todo o momento, todos os dias. Essas
forças não possuem um único centro que pode ser
derrubado. Elas são uma rede que nos amarra. Então ao
invés de tentarmos derrubar os detentores do poder, nós
queremos é minar a dominação enquanto a confrontamos
todos os dias, contribuindo para quebrar mais rapidamente
a civilização que já está em colapso, e enquanto ela cai, os
centros de poder irão cair com ela. Os revolucionários
anteriores apenas exploraram os territórios bem mapeados

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Feral Faun

do poder. Eu quero explorar e me aventurar nos territórios


não mapeados, e nos territórios não mapeáveis da liberdade
selvagem. A revolução que pode criar o mundo que eu
quero tem de ser uma revolução feral.
Não podem haver programas ou organizações para a
revolução feral, porque a natureza selvagem não pode
brotar de um programa ou uma organização. A natureza
selvagem brota ao libertarmos os nossos instintos e desejos,
da expressão espontânea de nossas paixões. Cada um de
nós já experimentou os processos da domesticação, e essa
experiência pode nos dar o conhecimento que precisamos
para minar a civilização e transformar nossas vidas. Nossa
desconfiança de nossa própria experiência é o que
provavelmente nos mantém de nos rebelar livremente e
ativamente como gostaríamos. Nós temos medo de
estragarmos tudo, nós temos medo de nossa própria
ignorância. Mas essa desconfiança e esse medo foram
introduzidos gradualmente em nós pela autoridade. É o que
nos segura de realmente crescer e aprender. É o que nos
torna em alvos mais fáceis para qualquer autoridade que
está pronta para nos satisfazer. Preparar programas
"revolucionários" é jogar com esse medo e desconfiança, é
reforçar a necessidade de nos dizerem o que fazer.
Nenhuma tentativa de se tornar feral pode ser bem
sucedida quando baseada em tais programas. Nós
precisamos aprender a confiar e agir baseado em nossos
próprios sentimentos e experiências, se for para nos
tornarmos livres.
Então eu não ofereço programas. O que eu irei
compartilhar são alguns pensamentos em maneiras de
explorar. Já que nós todos fomos domesticados, parte do
processo revolucionário é um processo de transformação
pessoal. Nós fomos condicionados a não confiarmos em nós
mesmos, em não sentir completamente, em não
experimentar a vida intensamente. Nós fomos
condicionados a aceitar a humilhação do trabalho e
pagamento como inescapáveis, para relacionas coisas como
recursos a serem utilizados, para sentir a necessidade de
nos provarmos e assim produzindo. Nós fomos
condicionados a esperar decepção, para vê-la como algo

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Feral Faun

normal, e não questioná-la. Nós fomos condicionados a


aceitar o tédio da sobrevivência civilizada ao invés de nos
libertamos e realmente vivermos. Nós precisamos explorar
meios de quebrar esse condicionamento, de nos libertarmos
de nossa domesticação o quanto pudermos agora. Vamos
tentar nos tornar tão livres desse condicionamento que ele
cessará de nos controlar e se tornará nada mais do que uma
função que iremos utilizar quando necessário para a
sobrevivência no meio da civilização enquanto tentamos
miná-la.
De um modo bem generalizado, nós sabemos o que
queremos. Nós queremos viver como seres livres e
selvagens o máximo o possível em um mundo de seres
livres e selvagens. A humilhação de ter que seguir regras,
de ter que vender nossas vidas para comprar nossa
sobrevivência, de ver nossos desejos usurpados serem
transformados em abstrações e imagens para que nos
vendam mercadorias nos enche de ódio. Por quanto tempo
nós iremos continuar com essa miséria?Nós queremos fazer
com que esse mundo seja um lugar onde nossos desejos
possam ser imediatamente realizados, não apenas
esporadicamente, mas normalmente. Nós queremos re-
erotizar nossas vidas. Nós queremos viver não em um
mundo morto de recursos, mas em um mundo vivo de
amantes livres e selvagens. Nós precisamos começar a
explorar a extensão de que somos capazes de viver esses
sonhos no presente sem nos isolarmos, um entendimento
que nos permitirá lutar contra a domesticação mais
intensamente e assim expandir até que possamos viver
mais selvagens.
Tentar viver o mais selvagem o possível agora irá
também ajudar a quebrar o nosso condicionamento social.
Isso irá iniciar uma malandragem selvagem em nós que irá
mirar em tudo o que tentar nos domar, minando a
civilização e criando novas formas de viver e compartilhar
com cada um. Essas explorações irão expor os limites da
dominação da civilização e irá mostrar a sua oposição
inerente à liberdade. Projetos, desde sabotagem a pregar
peças que exponham ou minem a sociedade dominante, até
a expansão da natureza selvagem, até festivais e orgias e

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Feral Faun

um compartilhamento livre generalizado, podem nos indicar


a possibilidades incríveis.
A revolução feral é uma aventura. É atrever-se na
exploração de se tornar selvagem. Ela nos leva em
territórios desconhecidos para os quais não existem mapas.
Nós só poderemos chegar a conhecer esses territórios se
nós nos atrevermos a explorá-los ativamente. Nós devemos
nos atrever a destruir qualquer coisa que destrói nossa
natureza selvagem e a agir em nossos instintos e desejos.
Nós devemos nos atrever a confiar em nós mesmos, em
nossas experiências e em nossas paixões. E então nós não
iremos deixar que sejamos acorrentados ou encurralados.
Nós não iremos permitir que sejamos domados. Nossa
energia feral irá rasgar a civilização em pedaços e criar uma
vida de liberdade selvagem e de prazer intenso.

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