0 valutazioniIl 0% ha trovato utile questo documento (0 voti)
65 visualizzazioni5 pagine
Este documento resume um livro sobre o grupo musical brasileiro É o Tchan, que se tornou um fenômeno de vendas na década de 1990. O livro explora as origens culturais do estilo musical do grupo nas tradições do lundu e da modinha, e como a indústria musical transformou o grupo em um produto de sucesso comercial. Ele também analisa como o É o Tchan se encaixa na "vertente maliciosa" da música popular brasileira, que remonta aos séculos 18 e 19.
Este documento resume um livro sobre o grupo musical brasileiro É o Tchan, que se tornou um fenômeno de vendas na década de 1990. O livro explora as origens culturais do estilo musical do grupo nas tradições do lundu e da modinha, e como a indústria musical transformou o grupo em um produto de sucesso comercial. Ele também analisa como o É o Tchan se encaixa na "vertente maliciosa" da música popular brasileira, que remonta aos séculos 18 e 19.
Este documento resume um livro sobre o grupo musical brasileiro É o Tchan, que se tornou um fenômeno de vendas na década de 1990. O livro explora as origens culturais do estilo musical do grupo nas tradições do lundu e da modinha, e como a indústria musical transformou o grupo em um produto de sucesso comercial. Ele também analisa como o É o Tchan se encaixa na "vertente maliciosa" da música popular brasileira, que remonta aos séculos 18 e 19.
LEME, Mnica Neves. Que Tchan Esse? Indstria e produo musical no Brasil dos anos 90. So Paulo: Annablume, 2003.
Lus Fernando Hering Coelho1
Escrito originalmente como dissertao de Mestrado (Unirio, 2002), trata-se de um
estudo sobre msica popular brasileira com foco num de seus mais populares e controvertidos produtos de massa dos ltimos tempos: o grupo Gera Samba, posteriormente denominado o Tchan, surgido na cidade de Salvador e que se tornou um fenmeno comercial nacional e internacional na segunda metade da dcada de 90, com 10 milhes de cpias vendidas em cinco anos e 1,3 milhes no mercado internacional s em 1997 (pp.104-105). O trabalho revela toda a sua importncia ao abordar com seriedade uma espcie de produo cultural que tende a ser banida, por uma suposta falta de contedo, do universo acadmico. Indo na contracorrente de avaliaes preconceituosas e, por assim dizer, mercadofbicas, Mnica Leme logra indicar, com fundamento, alguns importantes nexos histricos e simblicos da msica do o Tchan, inserindo-a simultaneamente numa vertente maliciosa da msica popular brasileira cujas origens remontam, pelo menos, ao lundu do sculo XVIII e numa lgica contempornea do mercado fonogrfico globalizado, revelando algumas amarras, atualizadas aqui na msica do o Tchan, do local e do global. O livro est dividido em trs captulos, alm de Introduo e Consideraes Finais. No primeiro captulo, Em busca das matrizes culturais (pp.31-76), a autora delineia uma base terica partindo das elaboraes de Martin Barbero sobre a constituio da cultura de massa nas sociedades modernas como o resultado de processos histricos marcados por relaes circulares entre segmentos scio-culturais hegemnicos, de um 1 Licenciado em Educao Artstica/Msica (UDESC, 1999). Mestre (2003) e doutorando (turma 2005) em Antropologia Social (PPGAS-UFSC). Membro do ncleo de pesquisa MUSA Arte, Cultura e Sociedade na Amrica Latina e Caribe, do PPGAS-UFSC. Msica e Cultura n1 www.musicaecultura.ufsc.br 2
lado, e populares, de outro. A cultura de massa vista, ento, no como o produto de
uma mera imposio dos interesses de um segmento sobre os de outro, mas como o resultado de processos dialgicos de negociao e mediao scio-cultural. A noo de realismo grotesco desenvolvida por Bakhtin para marcar a forma pela qual a cultura popular da Idade Mdia e do Renascimento diferenciava-se de uma cultura oficial de maneira contestatria, valorizando elementos como a excessividade, o nonsense e as expresses obscenas auxilia a autora na compreenso do carter espontneo e irreverente que marca a produo do o Tchan. A noo de hibridizao de culturas, desenvolvida por Canclini, utilizada para demarcar as especificidades dos processos de modernizao dos meios produtivos e da constituio das culturas de massa na Amrica Latina, que se diferencia dos pases do chamado Primeiro Mundo, no havendo aqui uma diviso de campos (no sentido de Bourdieu) to ntida. Partindo dos desenvolvimentos de Ortiz sobre o processo de modernizao e da instituio de uma indstria cultural no Brasil, a autora chega questo da constituio da indstria fonogrfica no pas, que se estabelece em 1900 redimensionando a produo e o consumo da msica popular urbana e atinge o final do sc. XX integrada ao mercado global de bens culturais, articulando produes locais a um mercado mundializado. Para Leme, a modinha e o lundu, que se consolidam no sc. XIX como os primeiros gneros de msica popular urbana brasileira, constituem-se nas duas principais matrizes culturais termo, cunhado por Barbero, que aponta para horizontes relativamente estveis de prticas e significados que implicam numa identidade coletiva e modelam a construo de novas expresses culturais presentes nos formatos musicais da indstria cultural brasileira contempornea. A parte final do primeiro captulo consiste numa caracterizao histrica da modinha e do lundu, onde so delimitadas caractersticas destes gneros em termos textuais, musicolgicos e sociais, oferecendo ao leitor letras e trechos de transcries musicais de lundus. Se a modinha melhor caracterizada como uma cano de carter lrico e sentimental, o lundu originalmente um tipo de dana tem um carter marcadamente satrico e malicioso, sendo musicalmente marcado por uma rtmica tendencialmente contramtrica que o inclui, assim como o samba-de-roda do Recncavo, no paradigma do tresillo, estudado por Sandroni. Para a autora, esta contrametricidade provoca uma espcie de conflito estsico auditivo, que se apazgua atravs do corpo (p.71). A necessidade de restaurao deste desequilbrio seria o que gera o forte carter de corporalidade (manifestado na dana) que marca a msica de grupos como o Tchan, constituindo-se numa das foras de sustentao de seu sucesso na dcada de 90 (idem). O captulo fechado com consideraes sobre o estdio WR, de Salvador, que lanou, alm do o Tchan, nomes como Luiz Caldas, Olodum, Timbalada e Daniela Mercury. A autora evidencia ali, apoiada em depoimentos do fundador do estdio, um processo de localizao da produo musical de massa (neste caso, a msica baiana, num deslocamento do eixo Rio - So Paulo) que chega praticamente pronta para a comercializao pelas gravadoras majors. Interessante tambm notar, nos trechos transcritos das entrevistas, a associao explcita da msica do Gera Samba - o Tchan tradio dos lundus do recncavo (p.73), o que aponta para o binmio tradio/modernidade sobre o qual, para a autora, apoiam-se os produtos de sucesso da cultura popular de massa no Brasil. Msica e Cultura n1 www.musicaecultura.ufsc.br 3
No segundo captulo, Breve inventrio da vertente maliciosa na histria da msica
popular no Brasil (pp.77-109), a autora aprofunda a localizao histrica da msica do o Tchan, situando-a dentro daquilo que ela denomina a vertente maliciosa da msica popular brasileira. A constituio desta vertente mapeada desde o sculo XVII com a obra de Gregrio de Matos Guerra, o Boca do Inferno, poeta baiano cujos versos satricos, repletos de duplos sentidos, valeram-lhe censuras que culminaram com a deportao. No sculo seguinte, atravs do mulato brasileiro Domingos Caldas Barbosa, os lundus e modinhas chegam aos sales da aristocracia e corte portuguesa, abrindo um pouco mais o espao de dilogo entre cultura popular e de elite, como observa Leme. Apresentando trechos de letras de vrias canes das pocas sob estudo, a autora chama a ateno para caractersticas importantes de expresses musicais da cultura popular da poca, bastante reincidentes nos lundus do sc. XIX, e que alcanam o sc. XX com produes como a do o Tchan: a rtmica contramtrica, a linguagem de duplo sentido e a temtica do mestio, do negro em contato com as yays (p.83). A fixao do lundu como gnero de msica popular no sc. XIX poca em que o pas, e especialmente a cidade do Rio de Janeiro, vivia os impactos da transferncia para c da corte portuguesa estudada pela autora com base na historiografia pertinente e em letras e partituras que revelam os traos caractersticos deste gnero, como na obra de Laurindo Rabelo, um dos expoentes da vertente maliciosa do sc. XIX. Na segunda metade daquele sculo, o teatro de revista e o carnaval estabelecem-se como dois dos principais locais de produo e consumo da msica popular, centralizando tambm as discusses e controvrsias em torno de avaliaes favorveis ou no daquele tipo de arte, no seio da mediao entre povo e elites. O advento do sc. XX marcado pela chegada da gravao mecnica ao Brasil e pela gradual consolidao da vertente maliciosa como um campo de produo ampla da nascente indstria fonogrfica, processo que a autora acompanha enumerando obras e compositores de destaque. O o Tchan surge (inicialmente como Gera Samba) nos subrbios de Salvador, num contexto em que o pagode j havia conquistado uma fatia importante do mercado de discos, entre as dcadas de 80 e 90. A parte final do captulo dedicada reconstruo da histria do grupo, com destaque para fatores como a atuao do estdio WR na formatao do produto (com aes como a incluso de danarinas, enfatizando o aspecto cnico e visual), adequando o produto primrio indstria fonogrfica. Leme enfatiza que o sucesso nacional do o Tchan explicado pelo tempero que inclui desde a msica tradicional do Recncavo at a msica carnavalesca e o pop internacional, e tambm pelo seu apelo danante materializado no palco pela atuao das duas danarinas que remete a um ethos alegre, espontneo e irreverente. Na continuidade histrica da vertente maliciosa, o o Tchan aparece no contexto da cultura de massa como um sucesso empresarial meterico que associa um enraizamento na cultura popular a uma agncia artstica dotada de um agudo senso comercial. No terceiro captulo, Os significados da msica do Tchan (pp.111-147), a autora, alinhando-se concepo da msica como um modo especial de comunicao (p.113), faz uma incurso pelo campo da semiologia musical, partindo da ideia de signo conforme conceituada por Saussure e depois por Peirce e apoiando-se no senso antropolgico de Blacking para enfatizar a importncia da relativizao da escuta para o estudo adequado da msica como fenmeno scio-cultural. Msica e Cultura n1 www.musicaecultura.ufsc.br 4
A parte central do captulo constituda pelo estudo de dois sucessos do o Tchan, a
partir de elementos das metodologias propostas por Jean Jacques Nattiez e Philip Tagg. De Nattiez, a autora utiliza a concepo tripartida do fenmeno simblico, dividido nos nveis poitico (de produo), estsico (de recepo) e neutro ou imanente (a obra propriamente dita). A msica Ralando o Tchan (dana do ventre) inicialmente estudada em seu nvel neutro, que comparado com o tema de uma pea de samba-de- roda do Recncavo Baiano dentro do modelo da anlise paradigmtica proposta por Ruwet. A segmentao e anlise das peas permitem autora apontar para semelhanas gramaticais importantes no nvel de expresso das duas peas, as diferenas (como o relativo encurtamento das frases e a diminuio de repeties, por exemplo) na msica do o Tchan sendo interpretadas como imposies de formato pela indstria fonogrfica, como a restrio da durao das faixas do disco a aproximadamente 3 minutos. Procedendo a uma poisis e uma estesis indutivas (conforme o modelo de Nattiez), a autora levanta hipteses interpretativas com a delimitao de alguns agrupamentos sonoros de significao caracterizados em funo de elementos como textura, instrumentao e harmonia e remete a msica do o Tchan a horizontes simblicos que vo do samba tradicional msica rabe e s big-bands norte-americanas. A anlise do nvel poitico, feita a partir dos depoimentos do produtor do grupo, destaca, uma vez mais, o enraizamento da msica do o Tchan na cultura popular e o processo de produo artstica e comercial do produto primrio. A anlise do nvel estsico levada a cabo a partir do depoimento de uma f do grupo, uma carioca de 16 anos fundadora do f clube 100% Tchan, cuja fala enfatiza o aspecto corporal e danante como critrio central para a identificao com a msica do grupo. Isto permite a Leme concluir que A recepo por parte da f atende poisis da msica, em grande parte: fazer danar atravs de ritmos colhidos em matrizes da msica tradicional baiana, que so misturados a elementos mundializados, trazidos do pop internacional (aspectos cnicos). (p.138). Dentro do quadro terico e analtico proposto por Philip Tagg, Leme faz, por fim, um breve estudo da msica o Tchan (pout-pourri) isolando alguns de seus musemas (termo que Tagg usa para definir as unidades mnimas de significao musical), em funo dos quais a pea em questo situada, por meio da comparao interobjetiva, dentro de um universo musical que alcana peas como o Urubatan de Pixinguinha e Baby come Back de Eddie Grant. Vale ressaltar, uma vez mais, o valor deste trabalho, que no poupa esforos diante da complexidade de seu objeto, abordando-o em seus mltiplos aspectos. A importncia flagrante da dana na msica do o Tchan reconhecida pela autora, que enfatiza a necessidade do aprofundamento dos estudos nesse sentido. Saborosamente evocada por um de seus entrevistados (O pblico ou motivado pelo romntico, que vai pelo corao, ou pelo quadril, n?. Rangel apud Leme:136), a relao, no ser humano, entre as esferas psicolgica, fisiolgica e social, um tema para cuja importncia antropolgica Marcel Mauss j chamava a ateno e que John Blacking localiza como pedra de toque para a compreenso do fenmeno musical. Esta questo parece permear o livro, s vezes mais aparente, s vezes menos, na inquirio a respeito do sucesso do o Tchan. Ao lado de uma pesquisa histrica enriquecedora, a anlise de Leme em busca dos significados da msica do Tchan chama a ateno pela diligncia com que se aproxima do complexo problema da semanticidade da msica. Neste aspecto, a Msica e Cultura n1 www.musicaecultura.ufsc.br 5
limitao das anlises ao flego do que originalmente um trabalho de Mestrado deixa
o leitor de Que Tchan Esse? com gostinho de quero mais, o que certamente uma boa semente para novos desenvolvimentos e aprofundamentos, da autora e de outros pesquisadores, no sentido da compreenso de questes to interessantes como, por exemplo, aquela que o trabalho de Leme coloca a respeito das relaes, na msica do o Tchan, entre contrametricidade (enquanto um modo de organizao de um parmetro musical), corpo e sucesso comercial.