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(GRANDES NOMES DO PENSAMENTO. BRASILEIRO Sergio Buarque de Holanda Visio do Paraiso Os Motivos Edénicos no Descobrimento e Golonizagao do Brasil Sob licenga de iB Cory © 200 Pte Disko be bone a npr Fab Maoh S.A tors ene Ay pn ae cto Conn © Ane hag arta dling elas, "Sov ma eins bo, Pan ony 93 ane Ne ‘ado os dros esa, Neha pre desta ob peer ep argtath oo tate dence fr por ne mess perm ‘reat corset da Pub” i J Puta de Bes othe de Masha Seda Editor rains SA Ena ara fac pla Etor rns expiants pra coho ‘Gander Nemes do Penne maida Fla de Salo Coorenaso: Puta Projo gc e capt Etre Doin Guin de ftare: Aono Amol Prado radio otra Eators ana Vine Revso: Fabiana i Avr eee Nessnre d Sika Neto PonLFOLI cms: pfehsuol come ~ Internet: ww otha som be ‘a (11) 28-168 mat steel com be Apresentagao A Folha de 8.Paulo apresenta a seus leitores, com exclu- sividade, a colegio Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro. [ela estdo reunidos alguns dos mals importantes autores e obras clissicas da histéria e da eoonomia, da sociologia e da Iteratura, ‘que permitem redescobriro pais e toda a riqueza e complexidade da cultura brasileira. As voltas com a comemoragio dos S00 anos ddo Descobrimento, 0 leitor vai entender como e por que o Brasil 6 tomnou o que & Os livros foram eseritos em diferentes épocas e tratam de Tongos periodos da histéria brasileira, desde antes do Descobri ‘mento até o séeulo 20, Bes analisam a formagio do pats e de sex ‘ovo, os confltos que atravessaram a histria e os que ainda atin- ‘gem a sociedade brasileira. Buscam entender as caracteristicas das relagGes socials e racials e as razGes do atraso econdmico & politico do pats. Cada volume da série conta com um guia de letura escrito especialmente para esta colegto, que inclul um resumo das idéias do autor, sua biografia e uma eronologia basics Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro ¢ uma coleglo preciosa ¢ indispensdvel. E uma contribuigio a0 entendimento feral do Brasil através de trabalhos abrangentes ¢ vigorosos que no querem iudir o leitor a respeito do pafs que a todo momento ele esta ajudando a construir. Sumario Nota primeira edigto vill Preficio a segunda edigio 1x 1 Experiénelae fantasia 1 IL Terras inedgnitas vp IIT ~ Pegas e pedras 8 1V-0 “outro Peru" 83 V = Um mito luso-brastlett0 wns 133 VI- As atenuagdes plausiveis 161 ‘VU ~ Paraiso perdido... 183 VIll— Visio do paraiso 22 1X ~Voltando a Matusalém 301 X= O mundo sem mal as. I~ nom sbi aestus 9 ‘Il ~ América Portuguesa e Indias de Castela 383 Biblogratia 407 Indice remissivo 423 ‘Anexo. 439 Cia de letra a3 1m setembro de 1958 imprimira-se o presente estudo em ti rragem limiaa, fora de coméreio e com 0 cardter de tese ‘untwersitdria. Depois de nova distribuigdo da matéria em cxpt- tulos, de corregdes ¢ de ampliagées do texto, esta segunda im- press, destinadaa um piiblico menos exfguo, constitu, de fato, fa primeira edigto de Visto do Paraiso. ‘Nao posso deivar de exprimir cana minha dfeida de gra ida a José Olympioe a seus colaboraclores pelo interesse amigo ‘com que tomaram a seu cargo as duas impressBes sucessivas. Sto Paulo, julho de 1959, ranciarsaneestarUnas AON mt a oN Ride ao ‘MP Aid es ats ‘RES Ar Cord is de So at, ‘I-Dowuneetn tress pr trae Came de io Pl Uliana sora: TMCRS stra Colnago Forays do Bos GSP Regu Geld Car de oP TITS = Revs do ns tre Gegrioe Bs. ISP Reis drt trie v Gnas be Sh Pal Prefacio A segunda cdigao ‘etomando para nova edigao este livro, que sal agora bastante ‘aumentado, julguel que uma explieaglo preliminar ajudaria ‘a desfazer enganos de interpretagno surgidos desde que fol publicado pela primeira vez. A outra mancira de se evitar tals fenganos estaria em procurar redisteibuir a matéria segundo eritrio aparentemente mais racional, de sorte, por exemplo, que (0 7 capitulo eo §, que tratam sobretudo da formaglo dos mo- tivos edénicos, precedessem aqueles onde se consideram os seus, reflexos no deseobrimento, conquista e exploragio dos mundos (ra, além de importar em refazerse praticamente toda a obra, o que estaria hoje acima de minha eapacidade, se- ‘melhante solugio teria o inconveniente de deixar relegado a ‘um segundo plano aquilo que pretende ser o alvo dominante no presente estudo. Nao se quis, com efeito, mostrar 0 processo de elaboragao, a0 longo dos séculos, de um mito venerando, sentlo na medida em que, com o descobrimento da Amérie Pareceu ele ganhar mais Corpo até ir projetar-se no ritmo da Historia, Nem se teve em mira explorar todas as virtwalldades. dessa espécie de secularizagao de um tema sobrenatural, © que levaram certo autor a perguntar ultimamente se os motivos edénicos nfo poderiam dar margem a uma ampla teoria, onde toda a Histéria encontraria sua explicagio. A visio do Parafso,, esereve ainda o mesmo autor, foi principalmente responsdvel pela grande énfase atribufda na époea do Renascimento 2 ‘atureza como norma dos padrées est6ticos, dos padres éticos, € morais, do comportamento dos homens, de sua organizagao social ¢ politica’. ‘Sem querer pOr em tela de jufzo 0s argumentos em que se funda a hipétese, devo salientar que este livro tem ambigoes ‘menos especulativas e pretensbes mais comedidas. O que nele se tencioniou mostrar é até onde, em torno da imagem do Bden, tal como se achou difundida na era dos deseobrimentos ‘maritimos, se podem onganizar num esquema atamente fecundo muitos dos fatores que presidiram a ocupagio pelo europeu do Novo Mundo, mas em particular da América Hispfiniea,¢ ainda assim enquanto abrangessem e de certa forma explicassem © nosso passado brasileiro. Em tais condigdes bem poderia servit estudo semelhante como introdugio 2 abordagem de alguns fundamentos remotos da prépria Historia do Brasil, ¢ de outro — lem que ni se tocou nestas paginas ~, como contribuigio para a boa inteligencta de aspectos de nossa formagao nacional ainda atuantes nos dias de hoe. Sabe-se que para os tedlogos da Idade Média nao repre- sentaya o Paraiso Terreal apenas um mundo intangivel, incor: 1p6reo, perdido no comego dos tempos, nem simplesmente algu- ‘ma fantasia vagamente piedosa, ¢ sim uma realidade ainda presente em sitio recOndito, mas porventura acessivel. Debuxado por numerosos cartégrafos, alineadamente buscado pelos vigjantes e peregrinos, pareceu descortinar-se, enfim, 208 primeiros contatos dos brancos com o novo continente. Mesmo ‘quando no se mostrou ao aleance de olhos mortais, como parece mostrar-se a Crist6vio Colombo, o fato & que esteve continuamente na imaginagio de navegadores, exploradores e ppovoadores do hemisfério ooidental, Dennciam-no as primeiras narrativas de Viagem, os primeiros tratados desoritivos, onde a todo instante se reitera aquela mesma t6pica das visdes do Paraiso que, iaugurada desde o IV séeulo num poema latino atribuido, erradamente segundo muitos, a Lactdncio, e mais tarde desenvolvida por Santo Isidoro de Sevilha,aleangara, sem sofrer mudanga, notavel longevidade. ‘Nao admira se, em contraste com o antigo cendrio fami liar de paisagens decrépitas e homens afanosos, sempre a de- bater-se contra uma éspera pobreza, a primavera incessante das terras recém-descobertas devesse surgit a0s seus primeiros visitantes como uma e6pia do den. Enquanto no Velho Mundo anatureza avaramente regateava suas divas, repartindo-as por lestagbes e 56 beneficiando os previdentes, os diligentes, os pacientes, no parafso americano ela se entregava de imediato ‘em sua plenitude, sem a dura necessidade ~ sinal de imperfeigao eee de ter de apelar para o trabalho dos homens. Como nos pri- ‘meiros dias da Criaglo, twdo aqui era dom de Deus, nfo era ‘obra do arador, do ceifador ou do molto. ‘Desa espécie de iusto original, que pode canonizar a cobiga e banir o labor continuado ¢ monétono, haveriam de partilhar indiferentemente os povoadores de toda a nossa ‘América Hispinica, usitanos, no menos do que castelhanos, ‘embora a sedugio do maravilhoso parecesse atenuar-se entre faqueles por uma aceitagdo mais sossegada, quase fatalista, da realidade plaus(vel. Marcando tio vivamente os comegos da expansio das nagoes ibéricas no continente, era inevitével, nao bstante, que o mesmo tema paradisfaco chegasse a imprimir tragos comuns ¢ duradouros 2 colonizagio das varias regides ‘correspondentes & atual América Latina. E no val exagero no dlizerse que cla também se teré projetado a sua maneira sobre a historia daquelas partes do Novo Mundo povoadas inicialmente por anglo-saxdes: sugere-o qualquer retrospecto da literatura Teeente, mas Jf numerosa, dedicada ao assunto. ‘Nao eabe aqui, sendo sucintamente, um tal retrospecto, Para comegar lembrarel duas tentativas esbogadas com o fim dese investigarem alguns do mitos nacionais dos EUA, onde se podem discernir varlantes modernas do tema paradisiaco. Em ‘uma, a de Henry Nash Smith, professor em Berkeley, descreve- se entre as representagbes coletivas que mais claramente dominaram a Histérla norte-americana no século passado a {imagem popular de uma sociedade agearia a dilatar-se sobre as terras virgens do Oeste para as converter finalmente em um eendrio quase edénico. Nesse tema, 0 mito do “jardim do ‘mundo”, como 0 denomina Smith, efeixam-se virias metitoras ‘expressivas das nogdes de feoundidade, maturaglo, erescimento ‘edo ditoso mister rural, simbolizado numa figura de lavrador smunido de sua arma suprema, que 6 0 sacrossanto arado. ‘Na segunda tentativa, a de R.W.B, Lewis, de Princeton’, borda-se outro mito que, embora sem aleangar a popularidade do anterior, fol deiberadamente forjado, no periodo de 1820 a 1860 mais ou menos, entre alguns pensadores eeseritores, para definir a imagem ideal do homem americano, que é aqui apresentado como um individuo desatado da Histéria, despojado de ancestralidade, estreme das manchas nefastas que Ihe poderiam legar familia e raga, e onde uma geragio afeita A leitura da Biblia via facilmente a encarnagio do primeiro homem, de ‘Ado, antes do Pecado. Ou melhor, dado quea verdadeira historia {intelectual ha de ser de preferéneta dialogica ou dramética, isto 6, trataré menos das idéias dominantes do que dos confltos e ccontrastes de idéias que prevaleceram em certa época e certo ‘pas, recorre a um sistema bipartidario imaginado por Emerson ‘ aponta entio para o partido do futuro contra o partido do passado, ou ainda para o partido da esperanga contra o da me- ‘dria. Lewis distingue ainda um tereeiro partido, o da ironia, que se caracterizaria tanto pelo senso, negado aos “esperango- s0s”, das trgieas decepgbes a que se pode expor a inoetneta, quanto pela capacidade, inacesstvel esta aos “nostilgioos", de um agudo discernimento, que s6 0 malogro © a dor podem propiciar. ‘Assim como 0 tema do Jardim do Mundo, expressio do ruralismo pioneiro, teve seu grande campo de agao através dos Alleghanies e do vale do Mississippi, nos prados e serranias do este até as belradas do Pacifico, o motivo adamico ficou confinado & costa atlantica em geral, ¢ em particular a Nova Inglaterra. Tiveram vida breve ambos os mitos. Se o Jardim do Mundo se havia dissipado quando os apitos das primeiras Tocomotivas jé se ouviam em seus velhos dominios, 0 Adio americano tinha morrido quando comegavam a troar os canhées da guerra civil, de sorte que a gloria edéniea sucedia a luta fratricida, num duro apelo a realidade, ‘866 certo, porém, que o mundo de hoje se mostea menos. Ihospitaleiro do que o de hi cem anos e mais ao motivo adamico, tanto que, segundo o exegeta dessa mitologia, o que agora temos no lugar do Adao americano 6 0 Laocoonte americano, no falta ‘quem ainda se esforce por protongar-the a vida. Um bom exemplo dosso esforgo esta em um livro de Leslie A. Fiedler’, onde se procura associar, por exemplo, o momentineo bom sucesso do miacarthismo, com todo o seu séquito inquisitorial, que punha na linha de fogo as universidades © o pensamento livre e progressista, a um tardio reeonhecimento, exacerbado até os extremos da estupidez, dos perigos a que se pode expor a Ingenuidade da inocéncia adamica diante da malfcia comunista 0 remédio que propugna o autor, quando advoga, em vez do mito tradicional, 0 de outro Adto mals maduro, Adio de apés a ‘queda, parece tim eco daquele partido da ironia descoberto pelo professor Lewis ede seu mais veemente porta-voz, que fo Henry James Senior, quando registrou como o mais assinatado servigo {que prestou Eva ao nosso primeiro pal, o de o arrastar para fora do Bden, Spee EEE EEE ‘Bainda seria possivel nserever nesta resenha certa versio, sobretudo europtia, do motivo do Adio americano, versio no Taro negativa e que pode assumir, neste caso, © papel de ‘ontrapartida irdnica do mito. Onde mais nitidamente pode ela ‘exprimir-se fi no dito atribuido a Walter Rathenau' de que “a ‘América nao tem alma” ¢ nem a mereceu ter, por isto que no Cconsentira até enti, isto, até 1920, em “mergulhar nos abismos do sofrimento e do pecado”, ‘Mas esses modernos mitos, ou antes, essas variantes ‘modernas de um mito arcaieo, no podem interessar aqui sendo ‘de modo subsidiério. Em sua forma tradicional, que alimentou ‘a nogto do Paraiso entre os tedlogos da Idade Média © que na tra dos grandes descobrimentos maritimos pareceu materializar- fe muitas vezes neste ou naquele lugar do Novo Mundo, ela 0 tem ocupado menos a atengdo de varios estudiosos norte famericanos, sobretudo nos ultimos tempos. Resulta de seus trabalhos que aquela nogio esteve to presente na imaginagio ddos fundadores da América Inglesa como o estivera na de muitos, ‘conquistadores ibérioos neste continente. Havia contudo uma diferenga sensivel entre os dois casos, se so boas as razdes ofe- reoidas em obra altamente sugestiva e apoiada em notavel terudigio que devotou recentemente ao assunto 0 Doutor George H. Williams, professor de Historia Eclesiéstiea na Universidade de Harvard” Reportando-se expressamente ao presente livro que ‘presenta, a seu ver, a demanda do Paraiso entre descobridores, ‘ur conquistadores latinos, e acentuando o papel, nesse sentido, dos sacerdotes catélicos que acompanhavam aqueles homens, nota o autor como vinham eles animados pela crenga em um Ben que generosamente se oferecia, e estava “sé 2 espera de ser ganho” (merely eaiting co be gained), tanto que jf Colombo anuneiara 20 seu soberano que o tinha achado quase com certeza. Bm contraste com eles, os peresrinos puritanos, e depois 05 ploneiros do Oeste, vio busear nas novas terras um abrigo para a Igreja verdadeira e persegulda, e uma “selva e deserto”, nna acepgao dada a estas palavras pelas santas eserituras, que através de uma subjugagio espiritual e moral, mais ainda do ‘que pela conquista fsiea, se ha de converter no Eden ou Jardim do Senhor. Assim, diversamente do que acontecera com o papista Gristévao Colombo, o ealvinista Cotton Mather, de Boston, 1a nova plantagao de templos, que se vai fazendo na “selva e x deserto” (wilderness: a palavra tem em inglés esse duplo significado), o equivalente de um hortofechado (Canticos, 4,12), de “um Paraiso, como se fora o jardim do Eden’. Segundo 0 Professor Williams, o fato de os seerarios calvinistas, quando no primitivo deserto ou selva plantaram seu jardim, e odos eatslicos ‘espanhdise portugueses, quando se viram atraidos pelo Eldorado fem seu paraiso terreno, serem homens que deixaram o Velho Mundo movidos por sentimentos profindamente diversos, hhaveria de os levar&formulagao de padres de vida tio apartados uns dos outros que os efeitos destes marcam até hoje os ‘comportamentos contrastantes de seus netos neste continent Guida que, mesmo em suas versoes secularizadas, essas duas senhas, que sio, respectivamente,a do motivo edénico na explo- ragio da América do Sule a do “deserto e selva" na colontzagao dda América Inglesa pelos puritanos, sio singularmente aptas a abrir caminho para o entendimento de virios aspectos das ‘ivilizagbes latina eanglo-saxdnica no Novo Mundo. Tals aspectos, ficariam de todo vedados a nossa compreensio se nos valéssemos s6 dessas chaves mais toscas e desgastadas que poderia fornecer eventualmente a distingio entre catélicos e reformados, de um ‘modo geral "A decisiva importincia histGriea de que se reveste a imagem do Paraiso Terrestre para bem se eonhecer a cultura americana e, no eas0, especialmente a dos EUA, 6 assunto de ‘outra obra, a do Professor Charles L. Sanford, j citada nestas paginas, e que se imprimiu quase simultaneamente com a do Doutor Williams. Tamanho 6, no seu entender, 0 valor do mito ‘edénico, que chega a parecer Ihe “a mais poderosa e ampla forg ‘organizadora na cultura americana’, Fazendo um exame das diferentes modalidades asi ‘midas pelo tema desde Santo Agostinho e o pseudo-Lactancio, até o Renascimento ¢ a Reforma, sem esquecer, de passagem, as doutrinas milenaristas ou quilisticas, que deslocam o Paraiso para um futuzo mais ou menos distante, detém-se no papel que ele poderia exercer na ocupagaio da América do Norte pelos. anglo-saxdes. A lembranga do Paraiso perdido, do “ou na terra”, 6 constante entre os colonos puritanos, ¢ para alguns dos seus porta-vozes, como Roger Williams, a plantagio das novas colénias copia o ato da Criagao: aqueles homens, ao fabricarem ‘grejas e a0 algarem eruzes, langam com isso as sementes da posterioridade de um Adio novo no solo rico ¢ virgem do Eden recobrado.O quadro nao difere muito, aqui, doque encontramos _— en Wilderness and Paradise, embora se siba agora también mre ft nos primetros tempos a colonos que Inaginam ver © ved materiaimente presente no melo da selva selvagem, sem erarenaftura transforma: un hi quo, para excindalo Geenouivels de Plymouth, se presenta como despeo proprio {e*auno ¢ Bva antes do pecado. Bem mats parao sul da Nova Inglaterra, em lugares onde o clima e a devogio nfo tém os ineamon rigors, comega a ganhar transit fila ideia do orto Ae delclan que se oerece com tds as gas, em por malor Ssforgo da parte dos iis 1d a partir da Virginia, onde John Smith encontrou Eva na tibo de Powhatan, parecem sueeder Sin pauna as deslumbradoras palsagens: Nao nos devem Shgnnar’ é cart, muttas dessas dscrigbes inflamadas, que frie cosobrir ov apettes demecado proanos de algum expec IMdor de eras ou engajadordebragos.Aos ims pode apliar- for com multo mals propredade'e em sentido Mera, 0 que ‘Soreveu mei fguradamente Capistrano de Abreu sobre o nosso Gandavo, a saber que sous vrs slo uma propegands do tm rage” Contudo o smple favo de servir para enlear despreve- iden fcnto sugeve uma persistente vitalidade dos motivos tdenicos? 0 iden do Professor Sanford que quer ser antes de tudo tum mito inkimico, nose detém entretanto essas deserigbes tals ou menos devotas. Nessa concepelo, o tema do Parfso Terreal representou em diferentes épocas um modo de Inerpretarse-alistria um cfeeo da Wisin eu fator da Hlstra: Soo descobrimento do Novo Mundo foi o sucesso que tas claramente seria para despojio do conte puramente feligoso, a verdade € que, secularizando-se, contmuaria esse Initos marear com forgaa vida americana, Aregeneragio moral bassou a sera miss coetiva que se impos to pove dos BUA, fede quo eous antepasoados identiicaram a nova terra com & den restaurado, Embora otando conscientemente,naprtica, por uma pos de meloerao entre o primitvitio da “fon: {elm move” © os requintes da cvilizago europe ‘formar um concito de nacaeas predominantementeslvtico ¢ rural, nfo delzaram os nortvamerianos de assoclar 0 po- fresso material alevagio moral, Isohes permit fe som malores atts ou rtficios a toda a complexidade da ‘lvlzag industrial, Conclundo, obser o autor que ua ver realzadas, na aparencia, as impleagbes revoluciondrias do sono ‘énioo,almager do Farafso se tornou um simbolo narisista do retraimento conservador. Assediados por novas afligbes € an- sledades, passam os americanosa suspeitar que foram despojados do Para 'Nio entra no meu propésito discutir a validez das razbes, do Professor Sanford © nem de especulagdes tals como as de futeo autor’, que eneontra na América Anglo-saxOnica nto um, mais dois mitos edénicos, que se teriam sobreposto com freqdéneia a ponto de se fundirem e de se unificarem —o do um parafso perdido sem remissio e o de um paraiso recuperado -, de sorte que, se importa distinguir aquela dualidade ou am- bighidade, nao 6 menos necessirio reconhecer esta unidade. Tals, ‘estudos serve, em todo easo, para mostrar oerescente interesse {que 0 tena vem suseitando entre estudiosos norte-americanos. Esse interesse € atestado ainda pela publicagio hi pouco, em Inglés, de obras como a do historiador Henri Baudet, professor de Historia Social e Eeondmiea na Universidade de Groningen, que, traduzida do original holandes, primeiramente impresso em 1059, trata das reagies provocadas na mentalidade européia, a0 longo dos séeulos, pelos contacos com populagses das terras novamente achadas ou exploradas, e onde a imagem do Eden, ‘ocupa lugar eminence’. E também de livros como o do Professor ‘A. Bartlett Giamatti, de Princeton, sobre o Paraiso Terrestre na pica do Renascimento", 0 qual, embora estudando o mito num contexto diverso e estritamente relacionado com a histéria Iiterdria, nfo deixa de aludir, embora passagelramente, a enfase que o deseobrimento da América pode dar A procurs de uma condigio de perdida hem-aventuranga e inocéncia". Esse interesse pode ser referido em parte, no caso dos EUA, & nogio ‘de que os valores dominantes na civlizagio americana so como uuma dédioa da Historia, isto 6, de que os primeiros colonos, 0s founding fathers, equiparam 0 pais, desde o naseedouro, com ‘uma teoria politiea completa e adequada a todas as suas nnocessidades futuras” Embora sem se reportar expressamente a essa inter pretaglo, é de razdes & primeira vista semelhantes que um estudioso de historia das religies deduz a preocupagao recente entre amerieanos, e no s6 os do EUA, como os da América Latina, por aquele Paraiso Terreal que seus antepassados, atravessando 0 Oceano, vieram achar neste Novo Mundo”. Tal interesse andaria associado, para Mircea Eliade, ao desejo, entre Iinteleotuais deste hemisfério, de voltar atras, de encontrar a Ihist6ria primordial dos seus paises. Denotaria também uma _ vontade de comegar de novo, uma nostilgica ambigao de reviver {a beatitude e exaltagao criadora das origens, em suma como uma ‘saudade do Eden, Tudo isso trairia oempenho de recobrarem os, fundamentos religiosos dos paises situados nesta banda do ‘oveano, Mas o significado de tl fenémeno ainda Ihe parece mais, ‘complexo. Seria possivel igualmente discernir nele a aspiragio ‘de um renovamento de antigos valores eestruturas, a expectativa, de uma radical renovatio, assim como ¢ licito interpretar a maioria das experiénoias recentes no campo das artes distinguindo nelas nfo s6 0 intento de ver destrutdos todos os ‘meios de expresso gastos pelo tempo ea usura, mas. esperanga também de retornar ab initio a atividade artstica, ‘Seja qual for o real valor da explicagio aqui oferecida para o empenho moderno de autores amerieanos no sentido de ‘uma recuperagio da hist6rla primordial, 6 fora de divida que cela pode prestarse a equivocos quando acena vivamente para ‘aquela ambigio nostalgiea de viver de novo as pr6prias origens, Estou longe de erer que as tentativas de captar, instalando-a no ‘campo da histéria das mentalidades, comada a palavra no sentido ‘mais amplo (endo apenas no sentido de histéria das idéias cons- ‘lentemente adotadas), uma representagao ideal, “espontanca” ou refletida, que tio sedutora pareven 10s primeiros exploradores deste continente, devam equivaler a ambigio de recuperar um ppassado perdido. Nem acho que mostrar a forga de contagio que feve naqueles comegos 2 imagem edénica, ou até procurar ver ‘como tal imagem, embora fazendo-se mais rala ou tomsndo formas novas com 0 correr do tempo, signifique necessariamente ‘enunciar a uma hicida inteligéncia das coisas idas para sogobrar ‘no impreciso ou no irracional. Ou, ainda menos, para eeder & magia ancestral do mito e querer ressusciti-lo, como se dessa {forma nos fosse ainda possivel fazer milagre. Esta espécie de taumaturgia nto pertence, em verdade, 420 oficio do historiador, assim como nio Ihe pertence o querer cerigiraltares para o eulto do Passado, desse passado posto no singular, que € palavra santa, mas oea. Se houvesse necessidade de forgar algum simile, eu oporia aqui a figura do taumaturgo a do exoreista. Nao sem pedantismo, mas com um bom grdo de verdade, diriaefetivamente que uma das missbes do istoriador, desde que se interesse nas colsas do seu tempo - mas em caso ‘contririo ainda se pode chamar historiador? -, eonsiste em procurar afugentar do presente 2s deménios da Hist6ria, Quer {sto dizer, em outras palavras, que a hcida inteligéneia das coisas eee idas ensina que nto podemos voltar atras © nem ha como pretender ir busear no passado o bom remédio para as misérias, {do momento que corre. (0 resultado mais fecundo do exame que se tentou aqui de algumas pesquisas ultimamente realizadas acerca do quadro Ideal que do Novo Mundo forjaram os europeus ~ ou melhor, teastelhanos e portugueses de tim Indo, do outro anglo-saxdes, Shhaera dos grandes descobrimentos esta em que, obedecendo fferalmente a um paradigma comum fornecido pelos motivos tedénicos, esse quado admitia, no entanto, duas variantes con~ Sideraveis que, segundo todas as aparéneias, se projetariam no ulterior desenvolvimento dos povos deste hemisfério. Assim, Se 0s primeiros colonos da América Inglesa vinham movidos, pelo aft de construir, vencendo o rigor do deserto e selva, uma Comunidade abengoada, isenta das opressbes religiosas civis, por eles padecidas em sua terra de origem, ¢ onde enfim se realizaria o puro ideal evangélico, os da América Latina se deixavam atrair pela esperanga de achar em suas conquistas ‘um paraiso feito de riqueza mundanal e beatitude celeste, que ‘cles se ofereceria sem reclamar labor maior, mas sim como tum dom gratuito, Nao hd, neste wltimo caso, contradigio neses- séria entre o gosto da pectinia © a devogto crista. Um e outra, ‘em verdade, se irmanam frequentemente e se confundem: jt Cris- tévao Colombo exprimira isto a0 dizer que com 0 ouro tudo se pode fazer neste mundo, ¢ ainda se mandam almas ao Géu, ‘As duas variantes podiam admitir, por sua vez, gradagdes indo menos signifleativas de intensidade, pelas conseqiéncias ‘que delas resultassem, J4 se viu aqui como ao sul da Nova tn~ ‘loterra tendiam a esbater-se, mesmo na América Anglo-sax6r fs imagens que nesse particular pode sugerir o fervor ealvinista, ‘40s colomos da bata de Massachusetts. Outro tanto parece acorrer ino caso da eolonizagio ibériea, onde a mitologia da conquista, {que tio vivaz se manifestava nas Indias de Castel, passava a descolorirse e definhar, uma ver introduzida na Amériea Por- tuuguesa: o fendmeno que neste livro recabe onome de “atenuagio plausivel”. Dele se trata expressamente no capfeulo VI, embora, fs possiveis razdes histérioas das atenuagées também sejam, ddesenvolvidas om outras partes desta obra, Mostra-se nas suas paginas como os grandes mitos da conquista ibériea foram, com uma tinica excegio, de lavra ‘castelharia, ¢ como entre portugueses costumavam perder cles ‘0 vigo origindrio, despindo-se de muitas das suas frondosidades xv _ frreas ou inverossimelse fazendo-se relatvamente acessve tu plavsivels para imaginagdestimoratas. Compreende-se, clas ‘emus razOeo, como o nico mito que, por excegio, se sabe ter omepado aanharerédito entre portugueses, edestes se passou paras castethanos, ode Sum, o So Tome amerieano,notavel mento se enriqueteue ganhou novas cores ao entrar no Parag «depois no Per, conforme se procura mostrar no Capitulo. ‘Quando acima ve mencionaram razOeshistricas que ccasionariam a atenagdexplasives, no se qu sso0i4as flguma supostaelintvel Caracterfticn Gnion 2m Vago “espfrito nacional” dos portugueses, que os definisse, em particular, conta os castlhanos Entende'se,st0shm,qUe esas Extemuagdcs" ede modo mas ampo, toda a mitologia da con quista, se prendom sobretudo a contingencias histricas onde, Sm tltima andlise, vo doitar runes, © que cosas sontingoncas podem varia nfo 8 no tempo, mas também no espago.Mlesmo {sim, nto caberia neste caso dar desenvolvimento exaustivo ao tntudo de tas razOes,o que resularin em longar muito al do folerdvel as dimensoes da obra. "No protende esta ser uma historia “total: ainda que fazendo cairo acento sobre as idas ou mits, no fica excita, entretanto, uma consideragio, ao menios implicta, de seu ‘complemento ou suporte "materia", daguilo em stmt que, na linguagem marsista, se poderiachamar# infra-esttura, Mas até meso entre os tedricos marxistas vem sendo de hd tuto denuncado otratamento primarioe simplifieador das relagaes fentre base e superestrutira, qc consist em apresentlas sob ‘forma de uma infiuéneia lateral, climinadas, assim, qua quer possibilidades de agao reciprocs, Ao lao da interagao da base material eda estrturaweoliten, como decorréncia dla, nao falta quem aponte para a circunstancia de ue, sendo as {elas frato dos modos de proto corridos em daterminada Sociedade, bom podem deslocarse para outras reas onde mio Preexistam condigdes perfeltamente ilentieas,« entao thes Suvederd anteciparem nels, estimuarem, os processos mate- Fialsde mudanga social Ors, asim como ess dias se mover ro espago, hale acontecer que tambem viajem no tempo, Ponta ale docs apr, paando ater Sobre condigtes diferentes que venltam a encontrar 0 lon do caminho, :: e oe © toma dest lio 6 a bngralia de wma dessas imigratéras, tal como se desenvol dei partir das origens religio- sas ou miticas (Capitulos Vite Vil), atévirimplantar-sono expago Iatino-americano, mormente no Brasil. Para iso fot de grande serventiaotecurvo Topica, no sentido que adqurin esse con- eit, tomado a velharetGrea, desde as modemas e fecundas Pesquisas iloligeas de B:R. Gurus", onde, conservando-seeo- mo principio heurstico, phe transcend aos poucos o eunho sistemticoe poramente normative que outroraa dstngula, para fertizar, por sua ver, 08 estudos propriamente hist6ricos {Entre os copot insepardvers das descrgBes medievals do Eden, oriundos em geral da elaboragio que receberam de Lactincio ou de quem fosse 0 autor do poema latino Phoenix, redigido em fins do IIT ou comego do 1V século de nossa era, destaque-se, para citar um exemplo, o da perene primavera ¢ tnvarivel remperanga do ar, que prevaleceria naquele horto sagrado. Sob a forma que dizentos anos depois de Lactanelo the dara Santo Isidoro de Sevlha~ ado non ti figus non aestus aravessa a imagem toda a Tdade Média e chega a aleangar 0: {empos modernos.f de notat como, até mesmo a ordem em que na versio do autor das Btimologias sto dispostas as referéncias temperatura, ou seja,o non jrigus primeito, depois onon aes: tus, mantém-se durante todo esse tempo com potieas excesses, Entre os inumerives textos que me fol dado consular e wtilizar ‘esse proptisito, 6 encontrel a ordem contrria “calor” antes de “rio” ~ em uma das milipas verses das peregrinagdes de 8. Brando, contida num texto anglo-normando, no Dittamondo de Fazio degl Uber, nos Milagres de Berceo, numa trova inacabada de Dom Joio Manic neto deb-rei Dom Duarte de Portugal ¢ eamareiro-mor de Dom Manuel, 0 Venturoso, final- mente numa poesia de Ronsard, fem pleno séeulo XV1. Entre os textos de navegantes ou cronistas que registraram o mesmo esquema em terras americanas, @ mals antigo & a relagdo que deu Cristovio Colombo de sua primeira viagem, em que 0 des-

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