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21082017 IHU Onine - 0 deseja mimética, o bode expatério eo espirto compatder: ragos da antropologia humana IHU; EDIGAO 479 | 21 DEZEMBRO 2015 O desejo mimético, o bode expiatdrio e o espirito competidor: tragos da antropologia humana Marca Junges« Patricia Fachin | Tradugso Vane Draseh “A clagdo crist bem entendida oferece, em realidade, a tinica resposta verdadeiramente adequada ao problema da violéncia’”, frisa 0 tedlogo Dominique Janthial “Se a humanidade toma consciéncia de sua radical fragilidade no ser e se essa tomada de consciéncia desencadeia o desejo mimético (“querer ser como...”), entao a tinica maneira de desativar a bomba mimética e de preservar a humanidade de todas as suas consequéncias mortife1 outra tomada de consciénci , aquela do oficial romano na cruz: ‘Realmente este homem era o Filho de Deus’ (Mc 15,39). Se, realmente, esse resto da humanidade que é Jesus na cruz é... (Filho de Deus), entao mais ninguém precisa tentar ‘ser como... Deus’ (Gn 3,5 ", destaca Dominique Janthial na entrevista concedida 4 IHU On-Line por e-mail, ao analisar os dois conceitos entrais da obra de René Girard: 0 desejo mimético e 0 bode expiatério. Ao comentar a atualidade desses conceitos na contemporaneidade, Janthial chama a atengio para a expresso “choque das civilizagdes”, utilizada para tentar explicar ou justificar os conflitos entre o Ocidente e o Oriente, a qual compreende como “uma iluso”, Ele explica: “Pois, de um lado, a sociedade ocidental pena para se construir como civilizagao sobre os escombros do cristianismo, dado que se recusa a deixar operar, em seu seio, um modelo social que se imporia de forma restritiva para todos. E, do outro lado, os islamita , apesar de todos os seus esforgos ridiculos -se dos Ocidentais, mostram apenas uma coisa, ou seja, que isando ingui fazem definitivamente parte desta sociedade ocidental que afirmam rejeitar. ‘O édio pelo Ocidente e por tudo aquilo que representa nao vem do fato de que o (seu) espirito seja realmente estrangeir: .. mas de que o espfrito competidor Ihes é tanto familiar como o é para nés””. o A A < htp:lwwiihuontine unisinasbrlatigo!6297-dominiquejanthial2 ano 02/08/2017 IHU Onine - 0 deseja mimética, o bode expatério eo espirto compatder: ragos da antropologia humana Dominique Janthial nasceu em Paris, foi ordenado sacerdote e fez mestrado em Estudos Judeus no Instituto Catélico de Paris. & PhD em Escrituras no Instituto de Estudos Teol6gicos (IET) em Bruxelas, desde 2001. De suas publicagées, citamos sua tese L’oracle de Nathan et 'unité du livre d’Isaie (Berlin-New-York: De Gruyter, lyps Edition de T'Emmanuel, 2012) . Desde 2004 é professor associado no IET. 2004) ¢ Apo ce qui doit étre engendré bientét (Pari Confira a entrevista. THU On-Line - Qual é 0 maior legado teérico de René Girard? Dominique Janthial - 0 legado intelectual de René Girard se resume em duas teorias que sio interdependentes uma da outra: a teoria do desejo mimético e a do bode expiatério. Enquanto tal, o empreendimento girardiano “permanece uma das raras hipéteses antropoldgicas que tenta explicar os fendmenos culturais e sociais voltando a suas origens” , 0 “desejo mimético”, primeiramente: Girard constata que o humano aparece com a imitagiio. Empreg: melhor dizer “bancar 0 se a expres \quear”, mas humano”, pois os humanos so extraordinariamente mais imitadores do que seus primos distantes. Ora, essa propensao A imitaco, destaca Girard, nao se limita a imitar gestos, mais fundamentalmente, imita desejos . Trata-se da experiéncia classica de dois beb@s em um mesmo quarto com apenas dois brinquedos rigorosamente idénticos: se uma das criangas toma a iniciativa de se dirigir para um brinquedo em especial, a outra vai sistematicamente bus ro mesmo. £ facil compreender que essa propensao inerente ao ser humano pode se tornar fonte de uma violéncia que a sociedade tera de administrar posteriormente. Se toda a populagio de uma cidade se interessar por um bairro especifico, ela nao chegara necessariamente As vias de fato, mas os precos aumentam e ha excluidos. Outra consequéncia, se todos imitarem todos, as pessoas acabam por se parecer cada vez mais, as diferengas estruturais se diluem e as relagdes de autoridade pervertem-se, até o ponto em que a sociedade inteira tende a se desestruturar. E o que Girard chama de crise de indiferenciagao marcada pelo citime, pela proliferagéio dos duplos e, com certeza, a violéncia que, de acordo com a maneira pela qual Hobbes caracteriza o estado de natureza, se torna progressivamente guerra “de todos contra htp:lwwiihuontine unisinasbrlatigo!6297-dominiquejanthial2 20 02/08/2017 IHU Onine - 0 deseja mimética, o bode expatério eo espirto compatder: ragos da antropologia humana Aqui entra a segunda intuigao maior de Girard. Intuigao que ele se empenhou em demonstrar de forma cientifica em algumas obras, dentre as quais a primeira foi La violence et le saeré [A violéncia e o sagrado]. Examinando os mitos e as culturas primitivas, ele demonstra que a resoluc&o desta “guerra de todos contra todos” d 6 designada como responsavel pela crise que afeta o grupo humano, pois ela se passa pe (0 de uma vitima contra a qual o consenso se forma. Essa vitima igna tornou culpada de transgressdes tio graves que destruiram os proprios fundamentos da ordem social e mesmo eésmica. Assim, por exemplo, “a peste”, por detras da qual se encontra uma designagio metaférica da crise de indiferenciacdo, atinge a cidade de Tebas porque Bdipo se tornou culpado de parricidio e de ineesto. A acusagdo da vitima e seu linchamento fazem com que a “guerra de todos contra todos” se transforme em guerra de “todos contra um”, permitindo assim reconstituir a unidade do grupo humano, Evidentemente, as acusagdes contra 0 bode expiatério so parcial ou totalmente falsas. De qualquer forma, é certo que nfo pode ser responsavel pela “peste” em si: uma contraverdade est, portanto, na origem da ordem social. Contudo, como 0 linchamento produz efetivamente a cura do corpo social e o retorno da paz, a responsabilidade da vitima parecer ser confirmada, eo desconhecimento se instala. ‘A vitima na origem do milagre Apés seu linchamento, a vitima que est na origem do milagre do retorno A ordem se torna um {dolo tanto maléfico (ela causou a “peste”!) quanto benéfico, pois 6 gracas a ela que o grupo humano foi resgatado de seu furor autodestrutivo. Sobre seu cadaver se constréi toda a ordem social e religiosa. Os mitos contam o milagre, mas do ponto de vista do desconhecimento: a execucao da vitima possibilitou o fim do flagelo, pois ela era responsavel por isso. Os ritos visam, por sua vez, reproduzir da forma mais préxima posstvel o evento para perpetuar seus efeitos benéficos: assim foram instituidos os sacrificios. A ordem social est4, portanto, fundada no horror provocado pelo linchamento e que os ritos religiosos imitam. Quem transgredir as regras estabelecidas pode vir a sofrer a mesma sorte da vitima expiatéria. O esquema de base da coesio social se torna, assim, a exclusio com base sacral, seu corolario sendo o medo e a vergonha no coragao humano. THU On-Line - Quem sao as grandes influéncias teolégicas ¢ filos6ficas htp:lwwiihuontine unisinasbrlatigo!6297-dominiquejanthial2 ano 02/08/2017 IHU Onine - 0 deseja mimética, o bode expatério eo espirto compatder: ragos da antropologia humana Dominique Janthial - Parece-me que os primeiros mestres de Girard nao foram nem te6logos nem filésofos, mas os grandes escritores da literatura mundial cujas obras ele esquadrinhou. Isso levou ao magnifico estudo de literatura comparada publicado com o titulo Mensonge romantique et vérité romanesque [Mentira romantica e verdade romanesca]. Trata-se destes finos conhecedores da alma humana que sao Dante , Cervantes , Shakespeare , Stendhal , Dostoiévski , Proust Camus ... Sobretudo Shakespeare, o qual lhe permitiu relacionar os dois aspectos de sua teoria antropolégica quando da descoberta, na primeira tragédia do grande autor inglés, Julio César, da ilustracdo da morte fundadora de toda uma sociedade, 0 Império Romano no caso, como monarquia sagrada. Essa descoberta sera tema de uma obra inteira: Shakespeare, les feux de Penvie [Shakespeare, os fogos da inveja] e Girard revelara: “Toda a teoria mimética est presente em Shakespeare sob uma forma tio explicita que, cada vez que penso nisso, o entusiasmo me invade” . No infcio, e como ele mesmo reconhece, “nao convive muito com os filsofos”. 0 primeiro que entende sem, porém, aderir, é o Sartre de O Ser e o Nada. Depois, foi o contato com a “desconstrucio”, que ele acolhe inicialmente de forma favoravel porque, nos ambientes literdrios americanos, ela proporcionou um “retorno a filosofia, uma perspectiva ampliada, uma reabilitagdo do pensamento” . Em outubro de 1966, ele organiza na universidade Johns Hopkins um coléquio internacional do qual participaram, entre outros, Roland Barthes , Jacques Derrida e Jacques Lacan. ‘Tratou-se da chegada do estruturalismo na América, mas, a essa altura, nao se pode mais falar propriamente de uma influéncia sobre Girard, mas j4 de uma influéncia de Girard... E i ‘0 apesar de ele ter se afastado rapidamente da desconstrugio. Talvez em razAo de sua conversio, pois, como Pierpaolo de Castro Rocha destaca: “Desconstruimos tudo, a excecdo de nossa certeza de sermos auténomos e de que os perseguidores sempre sero os outros" . Em contrapartida, o encontro com Michel Serres , autor notadamente de Roma, o livro das funda foi importante na elaboragio de sua teoria, mas so ocorreu tardiamente, em 1975. Em matéria de antropologia, a primeira iluminago lhe veio da leitura de Sir James George Frazer , apés a qual comegard uma formagio de autodidata em antropologia, com a leitura de Edward B. Tylor , William Robertson Smith , Alfred R. Radcliffe-Brown , B. Malinowski , ou seja, todos os teéricos ingleses da sociologia das religides. Girard reconhece de bom grado sua divida com Lévi-Strauss . “Lévi- Strauss que, por intermédio de seus livros, foi (seu) professor de antropologia”. No htp:lwwiihuontine unisinasbrlatigo!6297-dominiquejanthial2 ano 02/08/2017 IHU Onine - 0 deseja mimética, o bode expatério eo espirto compatder: ragos da antropologia humana do que aquilo que o aproxima dele”. Além disso, ele julga a atitude “blasée” de Lévi Strauss, anticientifica. Quanto aos tedlogos, Girard os frequentou ainda menos do que os filsofos. Quando Ia Escritura, adota o que ele chama, apés Auerbach, de “interpretacao figural”. Como ele mesmo reconhece, nao tenta se comportar como tedlogo, desejando, no entanto, que sua obra esteja “conforme as grandes teologias tradicionais” . THU On-Line - Pode-se falar numa “escola” surgida a partir das reflexées realizadas por Girard? Dominique Janthial - 0 termo “escola” talvez nfo seja o mais apropriado, devido a, pelo menos, duas razées. A primeira é que uma “escola” se desenvolve dentro de uma dada disciplina. Parece mais que as andlises de Girard possuam, atualmente, uma influéncia crescente nas mais divers: reas, nfo apenas na psicologia, na antropologia e na sociologia, mas também nas ciéncias politicas, na economia ou ainda na historia. A segunda ravo pela qual Girard nao desejaria, sem diivida, estar na origem de uma “escola” de pensamento é a dimensao inevitavelmente mimética, portanto, violenta de tais movimentos. A rej Jo de suas ideias por parte da universidade francesa durante muitos anos representava, alids, um fenémeno de escola: qualquer voz que discordasse do estruturalismo triunfante penava para se fazer ouvir. THU On-Line - Poderia retomar a importancia da aproximagao entre Girard e a Biblia como fundamento de sua descoberta do mecanismo do bode expiatério? Dominique Janthial - Quando lhe pedem para definir-se, o préprio Girard emprega a expresso: “uma espécie de exegeta” . Foi sua leitura da Biblia que Ihe revelou o mecanismo do bode expiatério. Sem ditvida, ele levou a sério a “Que ¢ isto, pois, que est escrito? A pedra, que os edificadores reprovaram, Essa foi feita a pedra mais importante”? (Le interpelagdo de Jesus aos especialistas da Le 20,17). Depois, ele atualizou a pertinéncia antropoldgica universal do mecanismo de produg&o dos mitos e dos ritos a partir do sacrificio de uma vitima humana htp:lwwiihuontine unisinasbrlatigo!6297-dominiquejanthial2 510 208017 THU Online -0 deseo mimic, «bode experi 6 espe compete: ago da anopologi humana no desconhecimento. 0 bode expiatério € tachado de ter causado todos os males da cidade, de modo que apenas sua execugdo pode salvar essa cidade. No entanto, como a execugio restabelece a ordem e pée fim a guerra de todos contra todos canalizando a violéncia sobre um s6, atribui-se ao bode expiatério um poder benéfico que o torna uma espécie de “deus”, senhor do bem e do mal! Ora, Girard descobre no quarto canto do Servo que esse desconhecimento se rompe: trata-se da célebre confissao do grupo do nés (Is 53,4): a vitima nao é culpada. THU On-Line - Qual é a atualidade dessa ideia do bode expiatério? Dominique Janthial - A ideia do bode expiatorio 6, na realidade, uma ideia inatual”, Unzeitgemiass, como diria Nietzsche . Esse adjetivo é duplamente apropriado: le um lado, porque a teoria do bode expiatério serve para descrever um mecanismo estrutural que sustenta as sociedades humanas de todas as épocas e sob todas as latitudes; do outro, porque sua eventual divulgacao tenderia a tornd-lo. inoperante: a partir do momento em que a teoria do bode expiatério seria conhecida e realmente entendida por muitos, o mecanismo nio poderia mais funcionar, pois exige o desconhecimento da multidao. Ora, traté ‘e precisamente do que talvez esteja acontecendo nas sociedades pé cristas do século XXI, as quais recusam uma religiio que mantenha sua influéncia sobre os figis através do medo e da vergonha. A forca organizadora das religides nao pode mais operar em nossa sociedade porque temos uns “Charlie” que certamente fardo brincadeira se lhe for dito que Deus os condena ou que serao malditos. A partir do momento em que a ideia do bode expiatério se difunde, se torna atual, a sociedade humana deve enfrentar uma grande instabilidade. IHU On-Line - Em que medida o conceito de bode expiatério ajuda a explicar a légica sacrificial que permeia a contemporaneidade? Dominique Janthial - 0 mundo contemporneo assumiu na integra a implementacao da aboligao das diferencas da qual fala Sao Paulo na epistola aos Gélatas: “Nisto nao h4 judeu nem grego; nao ha servo nem livre; nao hé macho nem fémea; porque todos vés sois um em Cristo Jesus” (Ga 3,28). A ideologia marxista quer acabar com a diferenga servo/livre pela ditadura dos servos contra os homens htp:lwwiihuontine unisinasbrlatigo!6297-dominiquejanthial2 ano c2poscot7 IHU Onin -0 dean mimético,o bade epiatiro « oan computor: ojos da ntopotogia humana os judeus, a ideologia feminista e suas extensdes centram na diferenca homem/mulher. Ao longo dos iiltimos cento e cinquenta anos, a palavra de Cristo, “até agora, se faz violencia ao reino dos céus, e pela forga se apoderam dele” (Mt 11,12), encontra uma ilustragio hist6rica especialmente evidente no surgimento das grandes ideologias. Cada vez, o desejo de fazer vir 0 Reino de Deus pela violéncia provoca carnificinas, até aquela provocada pelas violéncias perpetradas contra a maternidade das mulheres que fazem dezenas de milhées de vitimas por ano. Além disso, a aboligdo progressiva das diferengas cria uma sociedade cada vez mais competitiva e essa competicao se torna planetari : “A concepeio rivalizadora que nosso exemplo impée a todo o planeta nao pode tornar-nos vencedores sem fazer, em outros lugares, inumerdveis vencidos, inumerdveis vitima: IHU On-Line - Por outro lado, em que medida o bode expiatério é um mecanismo fundador das sociedades, ou ainda, civilizador? Dominique Janthial - H4 um epis6dio muito curioso nos evangelhos sinépticos, que é o dos deménios de Gerasa, e Girard realiza uma andlise muito atenta disso em Bouc émissaire [Bode expiatério] . A histéria do (ou dos dois, em Mateus) deménio(s) curados por Jesus, da “Legitio” de deménios que querem entrar nos porcos que, imediatamente, se comportam como carneiros se precipitando no mar, tudo isso é aparentemente rocambolesco no mais alto grau. E.o mais surpreendente em toda essa histéria é a reaco dos habitantes de Gerasa, que pedem gentilmente a Jesus para ‘ir do territério deles porque, como diz Lucas, “estavam dominados pelo medo” (Lc 8,37). Esse medo vem do fato de que a cura dos deménios poe em risco essa civilizagao, a qual, como todas as civilizagées, todas as culturas, esté fundada na excluso pela qual a ordem suplanta a desordem, quando a guerra de todos contra todos se transforma em guerra de todos contra um. A expressio “choque das civilizacdes”, que se tornou célebre — a ponto de ser recentemente utilizada por um ministro francés de esquerda apés os atentados de Paris —, poderia ser apenas uma ilusio . Pois, de um lado, a sociedade ocidental pena para se construir como eivilizagao sobre os escombros do cristianismo, dado que se recusa a deixar operar, em seu seio, um modelo social que se imporia de forma restritiva para todos. E, do outro lado, os islamitas, apesar de todos os seus esforcos ridfculos visando distinguir-se dos Ocidentais, mostram apenas uma coisa, htp:lwwiihuontine unisinasbrlatigo!6297-dominiquejanthial2 m0 c2poscot7 IHU Onin -0 dean mimético,o bade epiatiro « oan computor: ojos da ntopotogia humana rejeitar. “O édio pelo Ocidente e por tudo aquilo que representa nao vem do fato de que o (seu) espirito seja realmente estrangeiro... mas de que o espfrito competidor lhes é tanto familiar como 0 é para nés” . Ao mesmo tempo, voltar para trs parece imposstvel; deveriamos, entao, renunciar, a mais ou menos curto prazo, aos efeitos positivos e civilizadores do bode expiatorio, pois sua eficdcia é to reduzida que é necessaria uma quantidade cada vez mais assustadora de vitimas para que possa eventualmente produzir seus efeitos. IHU On-Line - Em tempos mareados pela exacerbagéio do consumo, qual a importancia de compreendermos o desejo mimético e a légica sacrificial que esto por tras da economia neoliberal? Dominique Janthial - A teoria liberal postula que o mercado se autorregula por si mesmo. A antropologia de Girard mostra que nao é assim, pois o desejo nao cessa de se exacerbar e a concupiscéncia desregulada nao tem limites. Isso leva a um planeta em que, de um lado, é necessario que a publicidade invista na totalidade do contetido mental dos que possuem para convencé-los a se tornarem adquirentes daquilo que o processo de produgio nao cessa de regurgitar sobre o mercado. E, a0 mesmo tempo, uma parte cada vez maior da humanidade ¢ afastada da fruigéo desses bens porque a obsessio pelo lucro comporta, cada vez mais, a expulsao do trabalho humano do processo de produgio . THU On-Line - Quais sao as relagées entre o desejo mimético ea violéncia nesse contexto de neoliberalismo econémico e politico? Dominique Janthial - A exacerbacio do desejo que esse sistema gera f portanto, um ndmero incessantemente crescente de vitimas, sem falar de seu impacto sobre a natureza que é, talvez, sempre a primeira “vitima”, antes de ela mesma se tornar algoz quando a violéncia dos elementos naturais se sucede de forma catastrofica contra as multidées: tempestades, terremotos, tsunami, aquecimento e enchentes... Além disso, a multiplicago, a globalizac&o e a rapidez crescente das trocas htp:lwwiihuontine unisinasbrlatigo!6297-dominiquejanthial2 ano 02/08/2017 IHU Onine - 0 deseja mimética, o bode expatério eo espirto compatder: ragos da antropologia humana 2001, Girard ja escrevia: “Parece que estamos indo em direcdo a um encontro planetério de toda a humanidade com sua propria violéncia. Quando a globalizagao era esperada, todo mundo a desejava. A unidade do planeta representava um grande assunto da modernidade triunfante. Multiplicavam-se, em sua homenagem, as ‘exposigdes internacionais’. Agora que chegou, ela suscita mais angiistia do que orgulho. A anulacao das diferencas nao é, provavelmente, a reconciliagao universal que se dava por certa” . Hoje em dia, “ha a utilizacdo de estruturas de ‘contengao” que, fundadas em formas de transcendéncia leiga (ideologia democratic: tecnologia, espetaculo midiatico, mercantilismo das relag6es individuais), conseguem retardar o evento apocaliptico”, mas por quanto tempo ? THU On-Line - Guardadas as singularidades de cada caso, como podemos compreender 0 sacrificio de Jesus Cristo ¢ o de Isaque, que terminou por nao se concretizar? Dominique Janthial - 0 evento da “ligadura (‘Aqedah) de Isaque” nao apresenta caracteristica alguma de um sacrificio fundador. Ele acontece enquanto o capitulo 21 de Génesis “marca certa conclusio na vida de Abraao, ao final de um longo caminho tanto interno quanto externo. Com o nascimento de Isaque, a promessa divina de uma descendéncia se realizou. Tudo esta pronto para virar a pagina “Abrado” e seguir a partir dali as aventuras de Isaque” se encontram, entio, sintomas que prenunciem o desencadeamento de uma crise mimética com sua fase de indiferenciagdo crescente dentro do grupo humano, de proliferacao consequente da violéncia e de resolugao no sacrificio — ritualizado ou nao da vitima expiatéria. Girard nao erra ao nao mencionar absolutamente a ligadura de Isaque na revisdo que ele faz da “escritura judaico-crista” em Des choses cachées [Coisas Ocultas desde a Fundagio do Mundo]: passa diretamente de Caim ao ciclo de José . Na realidade, o episddio relatado em Gn 21 6 uma prefiguracéio do cumprimento do projeto de Deus na cruz. A semelhanga de Deus, restaurada no pai dos crentes, é espantosa (Gn 22). No monte Morid, Abrado aceita — como Deus no Gélgota — oferecer seu filho para que se realize a salvagao da humanidade. Ora, esse projeto ndo passa pela morte dos filhos, mas por sua ressurrei¢do para a via eterna! 0 que se manifesta no monte Moria como no Gdlgota. Assim, a imagem de Deus é plenamente restaurada perante uma humanidade que sempre imagina um Deus ane exive sacrificing . Parane o deseia de Dens niin 6a morte do homem. mas sna htp:lwwiihuontine unisinasbrlatigo!6297-dominiquejanthial2 ano 02/08/2017 IHU Onine - 0 deseja mimética, o bode expatério eo espirto compatder: ragos da antropologia humana Contrariamente ao relato da ligadura de Isaque, os evangelhos da Paixdo reinem de forma sistemitica todos os ingredientes da fabricagao do bode expiatério. Porém, desta vez, o relato subverte totalmente esse mecanismo: Cristo se oferece. “Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em re gate por muitos” (Me 10,45). O “triunfo da eruz” consiste no Cristo que, como escreve Sao Paulo, “tendo despojado os poderes e as autoridades, fez deles um espetaculo piblico, triunfando sobre eles na cruz” (Col 2, 14-15) . Pela cruz, todo o mecanismo oculto dos poderes que regem esse mundo é desvelado e o designio bondoso do nico verdadeiro Deus é revelado. THU On-Line - 0 que os dois sacrificios, emblematicos nas Escrituras, tém a nos dizer na contemporaneidade? Dominique Janthial - Para responder a essa tiltima pergunta, comegarei citando uma observagio da maior pertinéncia feita pelo professor brasileiro Joao Cezar de Castro Rocha , no prefacio & edigo francesa de Origines de la culture [Origens da cultura]: “A cultura ocidental, enquanto parece querer se livrar definitivamente dos vinculos religiosos e confessionais — por uma ‘expulso’ racionalista do religioso — revela suas raizes mais profundamente cristas” . £ em uma obediéncia — geralmente inconsciente — 4 exigéncia evangélica de verdade que, superando 0 relativismo dos antigos etnélogos que proclamavam como equivalentes todas as ies, um ntimero crescente de nossos contempordneos rejeita todas as es; pois a verdade é que elas sfo todas mas. Todas se fundam de forma oculta no sacrificio de vitimas expiat6rias, inclusive o cristianismo em sua realizagdio histérica. A revelagio cristé bem entendida oferece, em realidade, a ‘nica resposta verdadeiramente adequada ao problema da violéncia. Se a humanidade toma consciéncia de sua radical fragilidade no ser — com o que todos os antropélogos concordat surgimento da sepultura ete. — e se essa tomada de consciéncia desencadeia o desejo mimético (“querer ser como...”), ent&o a tinica maneira de desativar a bomba mimética e de preservar a humanidade de todas as suas consequéncias mortfferas é outra tomada de consciéncia, aquela do oficial romano na cruz: “Realmente este homem era o Filho de Deus” (Mc 15,39). Se, realmente, esse resto da humanidade que é Jesus na cruz é... (Filho de Deus), entao mais htp:lwwiihuontine unisinasbrlatigo!6297-dominiquejanthial2 010

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