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APPLE, Michael W. Educagéo e poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989 (capitulol. Reproducao, contestagao e curriculo, p. 19-54) 1 |. REPRODUCAO, CONTESTAGAO E CURRICULO 1 — A SOMBRA DA CRISE Na medida em que comego a escrever, insistem em me vir a mente as palavras do notdvel sociélogo Manuel Castells: “A sombra da crise esten- de-se pelo mundo”, As imagens que ele me traz A mente fornecem algumas das Yinhas condutoras deste livro. Pois, por detras dos altos ¢ baixos do “ciclo econémico” e por detrés dos problemas na educacdo, a respeito dos quais a imprensa tanto fala, nossas vidas cotidianas ¢ as vidas de milhdes de pessoas ao redor do mundo sio envolvidas numa crise econémica, uma crise que provavelmente teré duradouros efeitos culturais, politicos e econémicos. Ela esté afetando nossas proprias idéias a respeito da escola, do trabalho € do lazer, dos papéis sexuais, da repressio “legitima”, de participagao e direitos politicos, ¢ assim por diante, Ela esta abalando as prdprias bases econémicas e culturais das vidas cotidianas de muitos de nds. Vale a pena citar as prOprias imagens de Castells: Fabricas fechadas, escritérios vazios, milhdes de desempregados, dias de fome, cidades decadentes, hospitais superlotados, administragdes en- fermas, explosées de violéncia, ideologia de austeridade, discursos fituos, revoltas populares, novas estratégias politicas, esperancas, medos, pro- ‘messas, ameagas, manipulagdo, mobilizacéo, repressao, bolsas de valores temerosas, sindicatos militantes, computadores perturbados, policiais ner- vosos, economistas estupefatos, politicos astutos, povo sofredor — tantas imagens que pensdvamos terem se ido para sempre, levadas pelo vento do capitalismo pés-industrial, E agora clas esto outra vez de volta, trazi- das pelo vento da crise capitalista!, Educagio e Poder | 19 Os meios de comunicagdo de massa ndo nos deixam fugir dessas imagens. Sua repetigao ¢ 0 fato de que ndo podemos deixar de vé-las e experiencié-las apontam para sua realidade, A crise nfo é uma ficgdo. Ela pode ser vista todos os dias no trabalho, nas escolas, nas familias, nas agéncias de satide ede previdéncia do governo, em tudo a nossa volta. Em sintonia com isso, nossas instituigdes politicas ¢ educacionais vém perdendo grande parte de sua legitimidade 4 medida que 0 préprio aparato do sé, incapaz de responder adequadamente A presente situagio ‘econémica © ideoldgica. Aquilo que se tem chamado de a crise fiscal do tado tem surgido 4 medida que o estado vé-se impossibilitado de manter ‘os empregos, OS programas € Os servicos que foram conquistados pelo povo apés anos de luta. Ao mesmo tempo, os recursos culturais de nossa sociedade esto se tormando mais completamente comercializados 4 medida que a cultura popular é invadida pelo processo de mercantilizacdo. Eles so processados ecompradose vendidos. Também eles tornaram-se mais um aspecto da acumu- lagio. A crise, embora claramente relacionada a processos de acumulacio de capital, ndo é somente econdmica, Ela é também politica ¢ cultural/ideoldgica. Na verdade, € na interseccio dessas trés esferas da vida social, na forma como elas interagem, na forma como cada uma delas sustenta ¢ contradiz as outras, que podemos vé-la em sua plena forma. A crise estrutural que estamos atualmente presenciando, ou melhor, vivendo, nao pode, pois, real- ‘mente ser “explicada” pela economia (isso seria demasiado mecanicista), mas por um todo social, por cada uma dessas esferas. Como diz Castells, essa a abordagem correta, porque: a economia ni é um “mecanismo”, mas um processo social continua- mente conformado ¢ remodelado pelas cambiantes relagdes da humani- dade com as forcas produtivas e pelas lutas de classe que definem a humanidade de uma forma historicamente especifica’, Isso implica no seguinte: Nao é apenas numa abstragio como a economia que podemos encontrar as rafzes dos tempos dificeis que enfrentamos, Ao invés disso, as palavras-chaves séo luta ¢ conformacio. Blas apontam para questées estraturais. Nossos problemas sdo sistémicos, cada um deles sendo produzido pelos outros. Cada aspecto do processo social no estado e na politica, na vida cultural, em nossos modos de produzir, distribuir ¢ consumir serve para afetar as relagdes dentro dos outros (e entre eles), A medida que um modo de produgio esforca-se por reproduzir as condicées de sua propria existéncia, “ele” cria antagonismos e contradigdes em outras esferas. A medida } que grupos de pessoas futam em tomo de questées de género, raga e classe j_ em cada uma dessas esferas, o processo social inteiro, incluindo a “economia” \é também afetado. As lutas e o terreno sobre o qual elas sio conduzidas sio remodelados. Portanto, as imagens das lutas que Castells evoca nio séo estiticas, pois elas so vividas por pessoas como nés mesmos em nossas vidas 20 | Michael W. Apple - de aga e de genera, Cada ums dessasforas afeta as butrast.~—~—- disrias (talvez, com freqiiéncia, “inconscientemente”). E grupos dessas pes- sas constantemente modelam e s4o remodelados por esses processos i medida que surgem os conflitos. , Embora a crise que Castells descreve nao seja totalmente econémnica, aprofundidade com que ela é sentida no nfvel econémico precisa ser enfatizada, pelo menos para indicar quéo ampla ela é. Algumas das cifras sio de fato chocantes, Embora as,taxas oficiais, de desemprego de 7-8 por cento jd sejam suficientemente ruins, a taxa real de desemprego nos Estados Unidos pode estar préxima dos 14 por cento. Embora os mimeros atuais apenas agora estejam ficando disponiveis, a taxa de desemprego urbano chegava a 60-70 por cento, entre jovens negros hispanicos, j4 em 1975°, Considerando a deterioragio da economia americana (e daquelas economias que esto fortemente ligadas a ela), temos poucas Tazio para crer que isso tenha sofrido uma alteragio significativa para melhor. Outros fatos a respeito da raga ¢ do sexo mostram uma outra parte do quadro. Embora as mulheres tenhiam lutado ao longo dos anos para obter uma condigéo mais igualitéria, dados recentes mostram quanto isso continua a ser dificil, Como Featherman e Hauser demonstraram, por exemplo, “em- bora os resultados ocupacionais e educacionais das mulheres tenham sido equivalentes aos dos homens... a taxa de salfrio das mulheres em relacéo a0 dos homens diminuiu de 0,39 para 0,38, para maridos ¢ mulheres”. Na verdade, apenas uma pequena parte da mudanga nessa diferenga salarial pode ser explicada pela velha discriminagdo pura e simples. A discriminacdo expli- cava 85 por cento da diferenca em 1962 c 84 por cento em 1973, uma mudanga nao muito significativa no cémputo global’. Embora a evidéncia recente sugira que essa diferenca possa estar gradualmente mudando no setor profissional’ —e esta é certamente uma mudanga positiva — o fato € que apenas uma percentagem relativamente pequena das mulheresestio realmente empregadas nesse setor. E 0 que ocorre com outros grupos? As populagdes negeas e hispanicas dos Estados Unidos tém taxas muito mais altas de desemprego que as outras, taxas que aumentardo significativamente no futuro préximo. Uma grande proporcdo desses trabalhadores esta empregada no que se poderia chamar de “economia irregular”, uma economia em que seu trabalho (¢ seu salério) é freqiientemente sazonal, sujeito a demissGes repetidas, sakirios ¢ benefi mais baixos e pouca autonomia. Tal como as mulheres, cles sofrem uma dupla opressio. Pois a formagdo social nfo é iniqua apenas com relacdo iquidade demonstrada,, por exemplo; peas diferencas signif: ‘Jasses Hos Fetornos salariais devidos ao n{vel educacional — mas acrescentam-se a isso também as poderosas forgas da reprodugio wtamente segmentos especificos desses grupos obtiveram certos ganhos. Entretanto, a pura estatistica desses ganhos encobre algo bastante importante. A prépria economia tem-se transformado menos marcadamente, seja em Educagio e Poder | 21 termos de seus beneficios ou em termos de poder relacionados 4 composigao de raga, sexo ow classe, do que poderfamos supor. A maior parte do avango tem ocorrido através do emprego no estado. Um fato demonstra isso bastante claramente. O governo — nos niveis local, estadual e nacional — emprega mais de 50 por cento de todos os negros ¢ mutheres profissionais nos Estados Unidos’. Apenas através de protestos € lutas dentro do estado € que isso foi obtido. Esses empregos nao foram ‘dados”, mas so 0 resultado de grupos de pessoas pressionando ano apés ano. Sem esse emprego estatal, os ganhos desses grupos teriam sido drastica- mente menores, De fato, como veremos mais adiante, 0 papel que 0 estado exerce em nossa economia ¢ nossa cultura merece uma boa dose de atencao se quisermos entender como uma sociedade iniqua reproduz a si mesma ¢ como as crises sdo tratadas. Isso seré especialmente importante em minhas discusses do papel contradit6rio das éscolas nessa reprodugio. ~~ ‘As condigdes parecem estar piorindo por causa -do-que se tem chamado de dindmica do desenvolvimento desigual. Isto é, hé uma crescente dicotomi- zagio entre os que tém ¢ os que nao tem. Podemos ver uma evidéncia parcial disso no fato de que 0s saldrios que os trabalhadores das industrias de baixa remuneragio vém recebendo caiu, ao longo de um periodo de vinte anos, de 75 por centa do salitio das indistrias de alta remuneragéo para 60 por cento. Criou-se uma economia dual, com um fosso que cresce cada vex mais eave, de seordo com uma série de economistas politicos, serd quase impossivel ___Mas 0 que ocorre com as condigées de préprio trabalho em si? Na citarei mais do que algumas estatisticas pertnentes, embora tutes pes sem encher as paginas de uma infinidade de livros. Em satide ¢ seguranca, os Estados Unidos ficam consistentemente atrds de outras nagées industria- lizadas, com muitas ocupag6es tendo uma taxa de mortalidade e de invalidez trés a quatro vezes maior do que as da Inglaterra e da Europa". Parece que © lucro € mais importante que as pessoas. Entretanto, muitas pessoas nem mesmo se dio conta disso, Tanto o trabalho fabril quanto o trabalho de escrit6rio sio extremamente enfadonhos e repetitivos. Os trabathadores * ‘tém pouco'controle formal sobre seu trabalho e essa centralizacdo do controle estd créseéndo'nos escrit6rios, nas lojas, nas escolas ¢ universidades, nas ‘fabricas ¢ Gm iltros locais"". Beneticios de aposentadoria esto sendo eli nados ¢ outros beneficios duramente conquistados esto sendo ciminuides Embora os empregos no setor de servigos estejam crescendo (para serem preenchidos, eit geral, por iiulhéres mal pagas), outros empregos esto desa- parecendo 4 medida que empresas em fuga transferem suas fabricas para dreas com uma forga de trabalho menos organizada, mais barata ¢ mais décil. E mesmo esses empregos adicionais na rea de servigos caracterizam-se cada vez mais por jornadas de trabalho mais pesadas, inseguranca crescente ¢ pela caréncia de servigos sociais s¢rios. Além disso, estima-se que as condigdes podem piorar, uma vez que a economia esta presentemente produzindo apenas ‘22 | Michael W. Apple cerca da metade do total dos novos empregos que seriam necessities no futuro”, Para muitas mulheres a situagio é ainda pior. Uma vez que muitas delas esto empregadas no setor de servigos e no competitivo setor de baixos salrios (isto 6, ojas, restaurantes, pequenos escritdrios ¢ em indstrias intensamente paseadas no emprego de mio-de-obra tais como as de confeccio ¢ manufatura de acessérios), elas esto freqientemente condenadas a uma relativa pobreza material®. O mesmo pode-se dizer dos trabalhadores das minorigs, uma grande parte dos quais trabatha no setor competitivo. As condigdes de trabalho neste Piso s40 muito piores e, outra vez, emprego ¢ subemprego, benelicios de satide de pensiio inadequados ¢ sindicatos fracos ou inexistentes parecem ser a regra" ‘Quando se junta. isso com a deterioracio do poder aquistivo do salério da maioria dos trabalhadores, com a diferenciagdo em termos de classe ¢ sexo existente naqueles salirios, a perda de controle no local de trabalho, (© declinio das cidades e dos suportes ¢ lagos humanos € com OS astronémicos ‘custos em termos de sattde fisica e mental que isso acarreta, temos mais motivos para parar para refletir. Pois as imagens que Castells evoca descrevem aseondigées que uma parte crescente da populagio dentro ¢ fora das fronteiras dos Estados Unidos enfrentard. O que essas condigdes significam, as suas ragdes estruturais, nio se tornam imediatamente evidentes, por causa do controle hegeménico da midia e das ind strias de informacao'’. Incriminamos tins poucos industriais e empresas, um pequene nimero de figuras no governo, tima vaga abstragdo chamada tecnologia, ao invés de ver o aparato pradutive ¢ politico da sociedade como uma interconexio. Em parte, entretanto, nio podemos nos culpar por ndo enxergarmos a situagdo. A versdo desconectada 6a que nos é apresentada pelo aparato cultural sob suas formas dominantes. E preciso uma atengio constante & minuciosa por parte até mesmo dos homens e mulheres trabalhadores mais conscientes pata comegar a reunir tudo isso, 4 ver essas imagens como realidades que sio geradas pelas emergentes contra- digGes e pressGes de nossa formagdo social e seu modo de produgio. Atraves- samos uma crise nos processos de legitimacio e"acumulagfo, na qual os apara- tos produtivo e reprodutive da sociedade (incluindo as escolas) estdo cindidos por tensées, na qual a prépria esséncia da reprodugfiocontinuada das condigoes necessdrias para a manutengao do controle hegeménico é ameacada; entre- tanto, torna-se dificil de ver o impacto relacional que isso tudo tem sobre nosis vidas cotidianas. Isto é especialmente dificil na educagdo, onde uma ideologia reformista e os imensos problemas que os educadores ja enfrentam deixam pouco tempo para pensar seriamente a respeito das relagdes entre o discurso e priticas educacionais e a reprodugéo da desigualdade. ‘Como veremos, entretanto, os homens ¢ as mulheres que tr ‘em nossos escritdtios, lojas, fabricas e escole 5 teri ficado tot passivos frente 2 tudo isso, um fato que se tornard bastante mais minhas posteriores discussdes das formas culturais da resisténcia. Entretanto, Educagioe Poder | 23 08 fatos de que as condigdes objetivas que eles enfrentam nao sao ffceis ede quie as perspectivas existentes para entendé-las nio sio muito potentes “devém Ser reconhecidas désde-0 comeco. . ‘Isso Propicia uma visio do lado em que estéo muitos dos trabalhadores ¢ empregados. Mas 0 que ocorre no outro lado, o lado que tem muito mais controle sobre nossa cultura, nossa politica ¢ nossa economia? O quadro neste caso é um quadro de crescente centralizagao ¢ concentracao dos recursos ~£ poder econdmicose cultiirais. Alguns poucos exemplos serdo suficientes para mostrar a amplitude do controle capitalista. As cem maiores empresas aumentaram seu controle dos capitais industriais de 40 por cento em 1950 @ quase 50 por cento em 1969, uma cifra que & hoje ainda mais alta. Dos mais de dois milhGes de empresas nos Estados Unidos hoje, as duzentas maiores abocanham acima de dois tergos do lucro total no pafs inteiro. Os lucros empresariais apés a dedugio dos impostos em 1970 eram trés vezes mais do que tinham sido apenas dez anos antes. Esse mesmo exato fendmeno pode ser observado no setor bancdrio ¢ nas industrias de comunicagio, assim como também no crescente poder nacional ¢ internacional concentrado nos grandes conglomerados financeiros ¢ industriais. Os padrées de investimentos desses interesses industriais ¢ financeiros revelam 0 que se poderia esperar, 4 maximizago da acumulacdo de capital ¢ do lucro — ficando o bem-estar humano, os objetivos piblicos, 0 emprego pleno, e assim por diante, bem para trds, isso quando eles sfo de alguma forma considerados, Considerando tudo isso, deveria estar claro que o controle que os interesses do capital exercem sobre nossa vida econdmica ¢ nosso bem-estar pessoal ndo é nada pequeno'®, Esses dados apresentam uma visio bem pouco atrativa ig eats ogo a ete tem pn aati ds condi desigual existente em nossa sociedade. Entretanto, pode-se ainda alegar que elas nao passam de distorgdes. No cémputo global, estamos nos tomando a eeade mais ignaliacay basta olhar ao seu redor. Infelizmente, isso ituir mais um desejo do i Democracy obseneme ji que um fato. Como os autores de Economic Como inimeros estudos académicos ¢ governamentais demonstraram, a distribuigdo da riqueza e da renda nos Estados Unidos tam mudade pouco na diregiéo de uma maior igualdade desde o virar do século e Praticamente nada desde a Segunda Grande Guerra". Mesmo com essa m4 distribuigio e a concentragdo € a centralizacac = cont ds ne gu alg oie cena ce acumulagao de capital ¢ a legitimagio estio ameacadas. O nivel de divida dessas mesmas empresas tém aumentado consideravelmente, em parte por causa do financiamento das inovag6es tecnol6gicas devidas a crescente compe- {igdo internacional". Novos mercados “precisam” ser desenvolvidos; os traba, lhadotes precisam ser postos sob maiores controle e dsciptina; a produtividade 241 Michaet W. Apple precisa ser aumentada; novas tecnologias precisam ser desenvolvidas a uma taxa ainda mais r4pida; e as técnicas ¢ o conhecimento especializado necessirios para empreender tudo isso precisam ser gerados. O papel do trabathador E erftico neste caso, uma vez que se sabe que a taxa de exploracao dos trabalha- dores € um preditor excepcional dos niveis de lucro de uma empresa®. Isto 6, um dos meios mais importantes pelos quais as empresas podem lidar com 08 “problemas econémicos” que elas enfrentam é voltando-se para sua forga de trabalho, aumentando sua taxa de exploragio. - O estado e a escola néo estardo imunes a essas press6es. A austeridade social “precisa” ser reconquistada, As politicas governamentais precisam cor- responder as exigéncias do capital. As priticas educacionais precisam ser melhor alinhadas com o trabalho e os custos dos pré-requisitos de pesquisa desenvolvimento das-empresas precisam ser socializados através de seu repasse para o estado e as universidades. Entretanto, essas condigdes no local de trabatho e na esfera politica também criam seus proprios problemas. A acitrada competicio torna necesséria a substituico de tecnologias bem antes que elas scjam pagas pelos lucros. Os trabalhadores reagem contra uma boa parte disso. Grupos progressistas, educadores e pais podem contestar esses estreitos vinculos entre o estado, as {ébricas € as escolas. Negros, hisp’- nicos € muitos outros trabalhadores rejeitam a posigéo de que eles deve pagar pelas contradigées econémicas que afligem a sociedade, E a inflagdo € a tensio social crescem outra vez. No meio de tudo isso, pois, germinam as sementes do conflito ¢ da crise continuadas. Isto fornece uma imagem minima das reais circunstancias em que muitos de nossos cidaddos vivem. Se Castells ¢ tantos outros estdo corretos, nado podemos esperar que melhorem muito cedo sob qualquer aspecto importante. O que podemos fazer, entretanto, é enfrentar a crise estrutural honestamente e ver como ela se desenvolve em uma de nossas principais instituigdes de reprodugio, a escola. Precisamos fazer isso, mesmo que signifique criticar algumas das formas bdsicas pelas quais nossas instituigdes educacionais operam atualmente. Para fazer isso, entretanto, precisamosentender muito mais com- | pletamente a conexdo entre a educagdo é as esferas ideolégicas, politica ¢ econémica da sociedade ¢ qual a parte da escola em cada uma delas, ~~ "* ‘Ao mesmo tempo, devemos tomar as criticas existentes a respeito das escolas e as sugest6es para sua reforma e colocé-las também no contexto da crise nessas trés esferas. Entretanto, ndo séo apenas essas conexdes € criticas que devem nos preocupar. Precisamos também estar conscientes das possibilidades de ago. Pois precisamente como esta crise gera contradigées ¢ tensdes em todos os niveis de nossa formagio social, assim também elas surgiréo nas escolas. Encontré-las seré sem diivida dificil, mas igualmente importante. Pode acontecer que essas contradigdes e tensdes efetivamente propiciem possibilidades para a nossa agio na educagio, da mesma forma que, por exemplo, a crise cm nossos escritérios ¢ fébricas est4 produzindo pressdes em favor de um maior controle e autonomia do trabalhador™*, Educagio e Poder | 25 ‘As questdes esbocadas acima orientam o meu trabalho em todo 0 livro. Sob que formas complexas ¢ contradit6rias as escolas esto relacionadas 3s ‘outras instituigdes? Quais as respostas que as pessoas dentro € fora da escola dio a essas contradigdes ¢ tens6es? As andlises mais recentes das relages ¢ respostas — incluindo algumas das pesquisas marxistas mais interessantes —revelam isso de forma adequada? Como os processos de reprodugéo cultural ¢ econdmica e o-de contestacdo estdo relacionados na escola? As reformas atualmente propostas sio adequadas para lidar com essas complexidade? O que os educadores ¢ outras pessoas progressistas podem fazer a respcito dessa. situagio? Talvez a melhor forma de comecar a responder essas questées seja ade descrever no resto deste capitulo como as pesquisas a respeito das escolas ¢ da reprodugéo econémica e cultural tém avancado em termos de comple- xidade. Na proxima segdo resumirei a minha prépria compreensdo gradual, ea de outros autores, a respeito do que as escolas fazem nesse sentido & como elas respondem as contradigdes estruturais e as ctises reprodutivas. Ao fazer isto, estarei também fornecendo um esbogo ¢ uma indicagio de uma série de argumentos que aparecerdo nos capitulos seguintes. 2 — CRITICA EDUCACIONAL Na segio anterior deste capitulo descrevi alguns dos elementos da crise, estrutural que estamos comegando a presenciar. Assinalei como isto esté come- ‘gando’a ter seus efeitos sobre 0 processo de trabalho, sobre partes de nossa. \Gultura e sobre alégitimidade: de nossas instituig6es. Como instituigdes culturais iS, a EscOlas “réfletirao” essas mudangas no processo de trabalho, na legitimidade.” Em parte por causa disto, elas tém estado ¢ os" mesmios tipos de sérias eriticas que estio sendo feitas istitiigdes nas esferas politica, cultura ¢ econémica. que 6 alvo principal das criticas progressistas em relagdo As nossas instituigdes na tiltima década tenha sido a escola. Tem-se tornado ¢ bvio ao longo desse mesmo perfodo que nossas instituigdes educacionais néo sio os instrumientos de democracia e igualdade que muitos ide nds gostariain que fossem: Sob varios aspectos esta critica tem sido salutar, ‘ima''Vez”qué tem ‘aumentddo nossa sensibilidade para o importante papel que as escolas — e 0 curriculo explicito e 0 curriculo oculto no seu interior —cxercem na reprodugdo de uma ordem social estratificada que continua sendo notavelmente infqua em termos de classe, género € raca, Como pessoas tio diversas quanto Bourdieu, Althusser e Baudelot e Establet na Franca, ‘Bervistéit, Vourig, Whitty ¢ Willisna Inglaterra, Kallose Lundgreun na Suécia, ‘Gritinci na Itia € Bowles ¢ Gintis, eu préprio e outros, nos Estados Unidos, teint Tépetidatieiite demonstrado, o sistema cultural ¢ educacional é um ele- mento excepcionalmente importante na manutengio das relagdes existentes edo % exploragdo nessas sociedades. 26 1 Michael W. Apple Embora possa haver sérias discord&ncias, de como isto acorre, nenhuma delas negaria a a relagdo entre 0 processo escolar € a manutengio dessas relagée: E embora possamos discordar quanto a partes da ldgica dessas andlisés, podemos simplesmente analisar as escolas ¢ seu curviculo da mesma forma que faofamos antes que esse conjunto de trabalhios aparecesse. Embora essa critica tenha sido salutar, ela teve talvez dois efeit que sio, paradoxalmente, 0 oposto um do outro. Por untlado, cla dar demasiada importincia a escola, Podemos si fos a ver a escola, como o problema, em vez de vé-la como’ parte de’ tim_quadro mais-amplo de relagdes sociais qué sio estrutufalmenté de exploragao, O Tato de que o probletia é muito mais aniplo pode ser visto num estudo recente de Jencks et al., Who Gets Ahead? Este estudo revela nio apenas que as recompensas econémicas devidas ao nivel educacional sio duas vezes maiores para as pessoas que j4 sio economicamente privilegiadas, mas pior ainda, que estudantes negros, mesmo tendo concluido o segundo gruu, nfo obterio nenhuma vanta- ‘gem significativa. Assim, mesmo que pudéssemos modificar a escola para igualar o rendimento académico, a evidéncia sugere que isto poderia ndo fazer diferenga alguma no quadro mais amplo no qual as escolas existem*. O segundo efeito colateral é quase a imagem especular daquela énfase excessiva no poder da escola. E 2 into pessimista que diz ¢ uma vez que as escolas esta “qi vez que elas pareéem Basicam: especialmente’ numa’ €poca de crise, ‘éntdc 1 Ser i pode ganhar hada ativindo néla’ porque elas sdo fundamentalmente institui- ‘g6es determinadas. Acredito que tanto um quanto outro desses efeitos colate- rais pode ter consequéncias negativas. Precisamos ter cuidado quanto a esses efeitos. A minha prdpria andlise me leva, portanto, a estas duas cautela nelas nio é sufici também saber isto ¢ ignoré-las é simp trar, na verdade, o sistetiia educacion -exatgmente por causa zagéio no interior de uma trama mais ampli di tuir um importanté terreno no qual, agées signi fice volvidas. Nesta segio do capitulo introdutério serei obrigado a falar de forma bastante genérica as vezes, tratando muito sumariamente questes ¢ contro- vérsias que constituem temas importantes no contexto dos estudos de orien- tagdo estrutural sobre as escolas. Como se pode resumir os trabalhos de outras pessoas assim como nossos préprios esforgos ao longo de uma década, quando esse trabalho tem crescido consideravelmente em rigor ¢ refinamento a0 longo desses anos? Como se pade descrever o répido desenvolvimento das idéias eriticas sobre 0 que as escolas fazem, sem ao mesmo tempo mostrar como essas idéias a respeito do que acontece dentro das escolas tém sido a0 mesmo tempo fundamentalmente influenciadas por nossa prépria pritica Educagio e Poder 1 27 politica ¢ pelo intenso debate que esté ocorrendo no interior da comunidade esquerdista a respeito da relagdo entre cultura e modo de produciio? Obvia- mente néo € posstvel fazer tudo isto. Assim, decidi lidar com este problema de trés maneitas. Primeitamente, tentarei descrever 0 que significa um trabalho de investigagao de orientagdo marxista, através de algumas observagdes gerais Sobre"coims se deve interpretar a questéo central, a da reprodugdo. Descre- verei depoiso desenvolvimento de meu proprio pensamento a respeito dessas questdes, usando para isto a discussdo das preocupagées que eu tinha durante os anos em que escrevi Ideologia e Curriculo. Ao fazer isto, quero mostrar como minha andlise tem avangado no meu trabalho mais recente, um avango que, repito, tem sido fortemente influenciado pelo excepeional trabalho que vem sendo feito atualmente dentro da literatura marxista ¢ pelo meu proprio envolvimento na atividade politica. O terceiro aspecto, o da agio possivel, € igualmente central e serd desenvolvido ao longo dos préximos capitulos. Um vez que cu ndo posso dar uma idéia completa de todos os debates que estdo continuando a influenciar o trabalho de pessoas como eu, deixarei para fornecer nas Notas finais um resuma das principais discussées que ainda estio se dando. Como isto muita coisa deixard de ser dita, pois a fim de mostrar como, por exemplo, meu proprio trabalho politico — com grupos de negros, brancos ¢ hispnicos pobres em sua luta para assegurar os seus direitos econémicos e culturais ¢ os de seus filhos, com trabalhadores politica- mente progressistas para desenvolver materiais de educagéo politica e sobre justica econdmica, etc. — tem sido t4o importante nas minhas andlises mais Tecentes, eu teria que transformar este livro numa autobiografia. Por enquanto Geixarei para outros este tipo de literatura. Quero enfatizar, entretanto, que nada do que aqui esté escrito pode ser completamente compreendido sem referéncia 4 pratica concreta dos homens ¢ mulheres com quem eu trabalho. Curriculo ¢ reprodugio Durante a maior parte deste sécuio, a educagdo em geral, ¢ a drea do curriculo em particular, tém dedicado uma boa dose de sua energia A busca de uma coisa especifica: um conjunto geral de principios que oriente o planeja- mento e a avaliagdo educacionais. Em grande parte, isto tem se reduzido a tentativas para criar 0 método mais eficiente de elaboracéo de curriculos. Nao precisamos mais do que descrever a histéria interna das tradi¢6es domi- nantes na drea — desde Thorndike, Bobbitt ¢ Charters nos primeiros anos do século vinte até Tyler, incluindo mesmo os mais vulgares behavioristas € gerenciadores de sistemas instrucionais dos dias de hoje — para comecar a nos dar conta de quanto esta énfase na busca de um método eficiente de elaboragio de curriculo tem sido sua caracterfstica principal”. 28 I Michael W. Apple Esta colocagio da énfase no método néo tem ocorrido sem canseqiéncias., ‘Ao mesmo tempo que a racionalidade processo/produto crescia, 0 fato de que a educagio é, do come¢o ao fim, um emprecndimento politico, perdia importincia. As questées que fazfamos tendiam a nos divorciar da forma como 6 aparato econémico e cultural da sociedade funcionava. Um método “neutro” significava nossa propria neutralidade, ou assim nos parecia. O fato de que os métodos que empregévamos tinham suas raizes nas tentativas,da inddstria para controlar os trabalhadores ¢ aumentar a produtividade, nos movimentos de eugenia popular e em grupos com intérésses particulares de classe, era obscurecido pela caréncia extrema de uma visdo historica na drea™, ‘Ao mesmo tempo, pareciamos supor que 0 desenvolvimento deste método supostamente neutto eliminaria a necessidade de lidar com a seguinte questéo: ‘© conhecimento de quais grupos deveria ser ou j4 estava sendo preservado, e transmitido nas escolas? Embora um certo numero de tradigdes alternativas continuasse tentando manter viva esse tipo de questdo politica, de modo geral a fé na inerente neutralidade de nossas instituigdes, no conhecimento ‘ensinado € em nossos métodos € agdes, servia de forma ideal para ajudar a legitimar as bases estruturais da desigualdade. "A chave dessa ultima sentenga est4 no conceito de legitimacao., (Como Wittgenstein, afirmo que o significado de nossa liiguagem ¢ nossas priticas est em seu uso). E 0 uso neste caso tem sido diplice. Como procurei demons- trar em Ideologia e Curriculo, as tradigdes,que dominam a drea ajudam na, reprodugio da desigualdade e 20 mesmo tempo servem para legitimar tanto as instituigdes que a recriam quanto nossas proprias agdes dentro delas. Isto do significa afirmar que algumas eriancas, individualmente, nao estio, muitas vezes, sendo ajudadas por nossas praticas ¢ nosso discurso: nem significa afirmar que todas as agGes de nosso dia-a-dia estiio na diregéo errada. Isto significa dizer que macroeconomicamente 0 nosso trabalho serve a funeses que pouco tem a ver com nossas niclhores inteng ~ ‘Como vamos entender isto? Um dos problemas fundamentais que temos que encarar é 0 da forma através da qual os sistertis de dominacdo ¢ exploragio, persistem ¢ se reproduzem sem que isto seja cofiscientemente reconhecido pelas pessoas envolvidas™. Isto tem particular importincia na educagéo, uma rea na qual nossas priticas comumente aceitas procuram t4o claramente ajudar os estudantes a solucionar muitos dos “problemas sociais ¢ educad nais” que enfrentam. Face a isso, uma tal énfase nesses “problemas” deveria parecer til, Contudo, ela ignora algo que tem ficado bastante claro na litera- tura sociolégica recente, © essencial dessa literatura & exprimido de forma bastante aguda por DiMaggio quando ele argumenta que a classificagio de individuos, grupos sociais ou “problemas sociais”, baseada no senso comum tende a confirmar €2 reforcar essas relagGes estruturalmente geradas de dominacao. Pois “atores conscientes, racionais, bem intencionados” muitas vezes contribuem — sim- plesmente pelo fato de perseguir seus préprios fins subjetivos — para a manu- Educagio ¢ Poder ! 29 tengdo dessas relagGes estruturais’®, Esses atores conscientes, racionais e bem intencionados, portanto, podem estar, de forma latente, servindo a fungdes ideolégicas no momento mesmo em que estéio buscando aliviar alguns dos problemas enfrentados pelos estudantes ou por outras pessoas, individual- ‘mente. Isto se deve tanto aos vinculos entre as instituigdes econdmicas & as instituig6es culturais — aquilo que muitos marxistas chamam de relagio entre a base ¢ a super-estrutura (uma nomenclatura que nao deixa de ter seus problemas) — quanto as caracteristicas individuais dessas pessoas. As- sim, podemos analisar as escolas e nossas agdes em relagdo a elas de duas, formas: primeiramente, como uma forma de melhoria ¢ de resolugdo-de- “problemas através das quais ajudamos estudantes particulares a progredir; e, ém segundo lugar, numa escala muito mais ampla, detectando quais sio 08 padrdes que se formam em relagdo aos tipos de pessoas que conseguem’ ptogrédir €°quais sAo os resultados latentes da instituigio, Esses padroes resultados sociais mais amplos podem nos dizer muito sobre como a escola funciona no processo de, reprodugéo, uma fungéo que tem tudo para ficar ‘cillté $6 dermos prioridade demasiada a nossos atos individuais de ajuda, Tenho usado até aqui palavras tais como fungio e reprodugdo. Esses conceitos_assinalam_o papel das instituigdes educacionais na preservagdo do que existe. Mas, eles também encerram algo mais que merece nossa atengio, Ss¢'o quisermos ser demasiado mecanicistas, , que queremos dizer quando analisamos como as escolas “funciona” para reproduzir uma sociedade iniqua? Diferentemente do funcionalismo so- Cioldgico, no qual a ordem ¢ suposta e o desvio em relagéo aquela ordem € que € visto como problematico, as andlises marxistas e neo-marxistas sinali- zam algo mais com aquele termo (ou a0 menos, deveriam fazé-lo). Ao invés de uma coeréncia funcional em que todas as coisas operam relativamente sem atrito para manter uma ordem social basicamente imutdvel, essas andlises apontam para a “teprodugdo contestada das rclagdes fundamentais da socie- dade, sa gue The permite reproduzir-se asi mesma outra vez, mas tao somente a de uma ordem social domin: finada (i i na forms de ui ante ¢ subordinada (isto é, antagénica, Pois as escolas nao sio “meramente” instituigdes de reprodugio, institui- .90€8 €m que 0 conhecimento explicito e implicito ensinado Imolda os ecuudantes eS passivos que estardo entéo aptos e ansiosos para adaptar-se a lade injusta. Esta interpretagio € falha sob dois aspectos centrais, te, ela vé os estudantes como internalizadores passivos de mensa- "Sociais pré-fabricadas. Qualquer coisa que a instituigdo transmita, seja nO"curticuld fornial ov no curriculo oculto, é absorvida, no intervindo af modificagées introduzidas por culturas de classe ou pela rejeigao feita pela classe (ou raga ou género) dominada das mensagens sociais dominantes. Qual- quer um que tenha ensinado em escalas de classe trabalhadora, ou escolas las nas periferias, sabe que ndo é assim que as coisas se passam. O que é mais provavel que ocorra € a reinterpretagao por parte do estudante, 30 / Michaet W. Apple ‘ou na melhor das hipéteses, somente uma aceitago, parcial, ¢ muitas, yezes, a rejeigio pura e simples dos significados intencionais ¢,ndo, intencionais.das. escolas. Obviamente, as escolas precisam ser vistas de uma forma muito mais complexa do que apenas através da simples reprodugio. . 'A interpretagio da reproducdo 6 demasiadamente simples também, sob, outro aspecto. Ela subteoriza ¢ portanté négligericia 0 fato de qué as relagdes sociais capitalistas sio inerentemente contraditérias sob algumas formas muito, importantes. Isto é, como afirmei”antes, assim como na’arena econdmica, tem que'’processo de acumulacdo de capital e a “necessidade” de expandir mercados € luctos gera contradigdes na sociedade (em que, por exemplo, inflagdo e lucros crescentes criam uma crise de legitimidade tanto no estado quanto na economia), assim também contradigdes similares apareceréo em outras instituigdes deminantes. A escola ndo ficard imune a isto. Por exemplo, como um aparelho do estado,as escolas exercem_papéis, importantes na criagao das condigdes niécessirias pata a neumulacio de-capital (clas ordenaim, selecionam e certificaity um ‘corpo discénte hierarquicamente organizado)’e para a legitimagio (elas mantém iia ideotogia meritocrética imprecisa e; portanto, legitimam as formas ideol6gicas nectssérias, para a reeriagdo da desigialdadey®. Entretdnto, estas duas “fungbes” das escolas estio muitas'vezes em conilito uma com a outta, As iiécessidades agio de capital podem contradizer as necessidades de Tégitimiagao, vinta Stua- gio que é presentemente bastante vi vel. Pdemos observar isto, por exemplo, na relativa superprodugio de individuos eredenciados numa época em que economia nao mais “requet” tantas pessoas com altos saldrios. Esta mesma, superprodugéo coloca em xeque a legitimidade das formas pelas quais as, escolas funcionam™. Num nivel mais concreto, podenios ver as contradigbes da instituicdo no fato de que a escola tem diferentes obrigagdes ideoldgicas que podem estar em contradigao. Capacidades criticas so necessdrias para manter a sociedade dinamica; portanto as escolas devem ensinar os estudantes, ‘a serem criticos. Entretanto, as capacidades, criticas podem servir também para desafiar 6 capital”. Essa ndo € uma idéiacabstrata. Esses confitos ideol6. icos permeiam as nossas instituigdes educacionais ¢ nelas desefivolve todos os dias. ~ ~ A énfase no desenvolvimento de contradigdes nos tiltimos pardgrafos é importante nao apenas para pensarmos sobre como as escolas podem estar envolvidas em conflitos de acumulagao ¢ legitimacdo, pelos quais elas podem nao ser ditetamente responsdveis. Bln também fornece um prinefpio funda- mental para pensarmos sobre como a propria ideologia opera, um tema que tem constituido uma parte importante dos meus préprios estudos € dos de ‘outras pessoas sobre reproducao. ‘Assim como a escola est envolvida em contradigdes que podem ser dificeis de ela resolver, assim também as ideologias esto cheias de contra- digdes, Elas no so conjuntos coerentes de creng E inclusive possivelmente cerrado concebé-las como sendo apenas crengas, Blas sao, a0 invés, conjuntos Educagéo ¢ Poder | 31 de significados vividos, préticas e relagées sociais que so muitas vezes interna- ‘mente inconsistentes. Elas tm componentes no seu interior que conseguem ‘penetrar iio Amago das causas dos beneficios desiguais da sociedade ¢ no mesmo exato momesito tendem a reproduzir os significados ¢ as relagdes ideoldgicas que mantém a hegemonia das classes dominantes™. Por causa disso, as ideologias so contestadas; elas s4o continuamente causas de luta. Uma vez que a8 ideologias contém tanto “bom senso” quanto “mau senso” no seu interior, as pessoas necessitam ser ganhas para um lado ou outro, se podemos dizer assim. Certas instituigdes tornam-se os locais onde esta luta tem Iugar e onde essas ideologias dominantes so produzidas. A escola € um desses importantes locais, . Aqui ndo é somente a instituigao que € importante. As ideologias domi- nantes devem ser elaboradas por atores (pessoas reais). Como Gramsci — um dos autores mais importantes na andlise da relagao entre cultura e economia — observa, esta tem sido uma das tarefas primordiais dos “‘intelectuais”, difundindo ¢ tornando legitimos os significados ¢ pratica idealégicos domi- nantes, tentando ganhar 0 consentimento das pessoas ¢ obter a unidade. no conflitante tetreno da ideologia®’. Quer aceitemos ou nao, os educadores _estdio na’‘posicdoestrutural de serem esses “‘intelectuais” e, portanto, néo estdo isolados dessas tarefas ideolégicas (embora, naturalmente, muitos deles ; Possam lutar contra isso). Novamente, as idéias de Gramsci so de utilidade. ‘O controle do aparato cultural da sociedade, tanto das instituigdes que produ- ; 2em ¢ preservam o onhecimento, quanto dos atores que trabalham nelas, i+ € essencialna luta pela hegemonia ideolégica. ~ “Esses comentarios gerais sobre como os estudos recentes tém analisado a ideologia ¢ a reprodugao obviamente levantam algamas questées excepcio- nalmente complexas. Reprodugio, o estado, legitimagio, acumulagao, contra- digo, hegemonia ideologica, base/superestrutura, todos estes siio conceitos estranhos para uma drea envolvida em elaborar métodos neutros ¢ eficientes. Contudo, se queremos levar a sério a natureza politica da educago e do curriculo e as vantagens ¢ resultados desiguais da escolarizagio™, cles so ‘essenciais: Em geral, portanto, se pensamos as caracteristicas internas das . escolas € 0 conhecimento encontrado. dentro delas como estando intrinca- -damente conectados a relagdes de dominagdo, qual € a implicagio do uso “desses conceitos para a andlise das escolas e do curriculo? Em sua discussdo das varias formas através das quais os marxistas tém analisado a educagio (¢ essas formas ndo so todas iguais; elas diferem radical- mente)", Stuart Hall capta a esséncia de parte da abordagem adotada por aqueles dentre nés que foram influenciados por esses estudos, em particular pela obra original de Gramsci. Uma citagio de uma de suas passagens mais Tongas resume alguns dos fundamentos desta posicdo de forma bastante clara: Esta posigdo atribui a determinacdo fundamental no processo de assegurar a “complexa unidade” da sociedade as relag6es da estrutura econdmica, ‘mas considera as assim chamadas “‘superestruturas” como tendo um “tra- 32. I Michael W. Apple balho” vital, central para executar, na sustentagio, nos niveis soci cultural, politico e ideolégico, das condicdes que permitam que a produgio, capitalista continue. Além disso, ela vé a superestrutura como tendo © papel, acima de tudo, de colocar a sociedade em “conformidade” com as exigéncias ¢ condigdes de longo prazo do sistema econdmico capitalista (por exemplo, no trabalho de Gramsci). Isto sugere que, embora as superestruturas sejam mais determinadas que determinantes, a topografia bbase/superestruturas nao € téo importante quanto o “trabalho” relativa- mente auténomo que as superestruturas executam para a estrutura econd- mica. Isto é visto como um “trabalho” dificil, contestado, que opera através de oposi¢io ¢ antagonismo — em resumo, por meio de uma luta de classes que estd presente em todos os varios niveis da sociedade — onde as simple correspondéncias sio diffeeis de ocorrer. Longe de supor uma simples recapitulagdo entre as vArias estruturas da sociedade, esta abordagem vé o “trabalho” que as superestruturas (como as escolas) executam como necessirio precisamente porque, em si préprio, o sistema econémico néo pode assegurar todas as condigbes necessdrias para sua propria reproduc ampliada, O sistema econémico nao pode assegurar que a sociedade seja elevada aquele nivel geral de civilizagao ¢ cultura que seu sistema avancado de produgio necesita. Criar uma ordem social em torno das relagdes econdmicas fundamentais ¢ tao necessirio quanto a propria produgao; as relagGes de produgdo sozinhas nfo podem “produ- zir” uma tal ordem social. Aqui, entio, a relagio nao ¢ de correspondéncia mas de acoplamento — 0 acoplamento de duas esferas distintas, mas interrelacionadas ¢ interdependentes. Gramsci € um dos tedricos mais importantes dessa posiggo. A natureza do “acoplamento” em vista é descrita na frase de Gramsci, “o complexo estrutura-superestrutura”. Novamente, simplificando, podemos chamé-lo de paradigma da hege- monia®, . Embora alguns desses pontos devam ser amplamente discutidos ¢ 0 esto senda atualmente, observe 0 que est sendo argimentado aqui. Instituigées “superestruturais” como as escolas tém um grau relativo de autonomia. A estrutura econdmica néo pode assegurar qualquer correspondéncia simples entre ela mesma e essas instituigdes. Entretanto, essas instituig6es, a escola entre elas, exercem fungdes vitais na recriagdo das condigdes necessérias para que a ideologia hegeménica seja mantida. Essas condigdes néo so impostas, entretanto. Elas sdo necessitam ser continuamente reelaboradas no campo de instituigées tais como a escola. As condigdes de existéncia de uma formagio social particular so reelaboradas através de relagSes antagénicas (e as vezes mesmo através de formas de oposictio, como veremos mais tarde neste livro ¢ Amedida que eu discuto minha prdpria evoluedo em relagio a esses conceitos € posigées neste capitulo). Acima de tudo, a hegemonia néo surge simples- mente; cla deve ser elaborada para locais particulares como a familia, 0 local Educagio ¢ Poder | 33 de trabalho, a esfera politica ¢ a escola’, E & justamente este processo de compreender como a hegemonia surge, como eia € parcialmente produzida, através das interagdes pedagégicas, curriculares ¢ avaliativas que ocorrem no cotidiano das escolas, que tem sido minha preocupagio principal. “{deologia e-Curriculo” como uma primeira aproximagio O que emerge desta discussio geral da forma de interpretar a escola? Nio nos serve um modelo simplista, unidirecional, isento de conflitos, do tipo “base/superestrutura”. A contestacéo é parte central da reprodugio. Mesmo conceitos como reprodugio podem ser inadequados. & para mim mais facil dizer isso ¢ comegar a entender plenamente a importancia das implicagdes da perspectiva articulada por Halll agora do que 0 era até trés anos atrés quando estava terminundo de escrever Ideologia e Curriculo. Para ser honesto, todos esses argumentos sobre reprodugdo, contradigao e contestagdo nao me ocorreram de repente; nem fui imediatamente capaz de avaliar como eles poderiam ser empregados ou 0 que poderiam significar. Dado meu préprio interesse ¢ o interesse de pessoas como Bowles e Gintis, Bourdieu, Bernstein e outros na questo da reprodugéo — um interesse que era crucialmente importante, creio, naquele momento histérico particular, mas um interesse que no comego tendia a exeluir outras coisas que poderiam estar acontecendo nas escolas — esses argumentos tiveram que ser discutidos, elaborados, tendo sido afinal Jentamente incorporados. As vezes isto envolveu ( ainda envolve) uma séria autocritica do meu proprio trabalho anterior, assim como do de outras pessoas, corrigindo e trabalhando em cima de erros e refinando 0 que parece agora demasiado simples ou mecanicista. Tendo em vista esse esforgo para tentar fugir duma abordagem simplista da reprodugao, por parte de algumas pessoas como eu, no que se segue gostaria de utilizar meu préprio trabalho como um caso paradigmético, tanto para entender a influéncia do excepcional crescimento da literatura a respeito dos processos de reprodugao, contradigéo e contestagdo sobre os estudos que buscam situar a escola numa trama mais ampla de relagdes sociais quanto para desenvolver a iégica dos argumentos que apresentarei nos capitulos poste- tiores deste livro. ‘No meu trabalho anterior enfatizei o papel dos curriculos escolares na criagio e na recriagdo da hegemonia ideolégica das classes ¢ das fragdes de classes dominantes de nossa sociedade. Em esséncia, a problemAtica funda- mental que orientava o meu trabalho era a da relacdo entre poder e cultura. Embora eu no tenha sido totalmente claro a este repeito, eu intuitivamente apreendia o fato de que a cultura tinha uma forma dual, Ela é experiéncia vivida, desenvolvida a partir das (e corporificada nas) interagéese vidas cotidia- nas de grupos especificos. Contudo, ela tem também uma outra caracteristica. Refiro-me a capacidade que tém certos grupos para transformar a cultura 34 I Michael! W. Apple numa mercadoria, para acumulé-la, para fazer dela 0 que Bordieu chamow de “capital cultural”. Sob muitos aspectos, eu achava que o capital cultural € 0 capital econémico poderiam ser pensados de forma similar, Contudo, tanto um quanto outro desses significados de cultura —~ mercantilizada € vivida —estavam pouco desenvolvidos em minhas investigagdes iniciais, talvez por causa dos debates ¢ questdes nos quais cu desejava intervir. Grande parte de minha andlise da escola em Ideologia e Gurticulo concen- trava-se em dois pontos: (1) um debate com as teorias fiberais do curriculo e da educagio em geral, ao tentar mostrar o que € realmente ensinado nas escolas ¢ quais poderiam ser seus efeitos ideolégicos; e (2) um debate dentro da comunidade intelectual de esquerda a respeito do que as escolas fazem. O primeiro desses pontos vinha de minha concordancia bisica com pessoas como Bowles e Gintis, Althusser ¢ outros a respeito da afirmagéo de que as escolas sio agéncias importantes de reprodugio social. Nossas tentativas para reformar essas agéncias tendiam a ser equivocadas, em grande parte porque deixévamos de reconhecer o funcionamento sécio-econdmico da insti- tuigéo. Da mesma forma que essas outras pessoas, procurei deserever como esse funcionamento realmente ocorria. Os tipos de porguntas que cu fazia eram diferentes daquelas que dominavam uma direa que pensava em termos de eficiéncia. Em vez de perguntar como poderfamos fazer com que um aluno adquirisse mais conhecimento curricular, cu fazia um conjunto mais politico de perguntas, “Por que e como aspectos particulares de uma cultura coletiva sio representados nas escolas como conhecimento fatual objetivo? Como, concretamente, 0 conhecimento oficial representa as configuragies ideol6gicas dos interesses dominantes na sociedade? Como as escolas legiti- mam esses padres limitados e parciais de conhecimento como verdades in- questionsveis?”™ - Egsas quest6es forneciam 0 conjunto fundamental de interesses que orien- tavam meu trabalho. Como mencionei antes, eu estava preocupado com o fato de que, em nossa longa histéria, desde Bobbitt ¢ Thorndike até Tyler e, digamos, Popham e Mager, de tentativas de trftnsformar o curriculo numa mera preocupacao com métodos eficientes, n6s tinhamos despolitizado quase totalmente a educagdo. Nossa busca de uma metodologia neutra e a continua transformagao da 4rea em uma “instrumentagio neutra” a servico de interesses estruturalmente ndo-neutros servia para nos ocultar 0 contexto politico ¢ eco- némico de nosso trabalho. O tipo de anélise econ6émica/politica no qual eu estava envolvido era muito semelhante sob varios aspectos a andlise que estava sendo feita por Katz, Karier ¢ Feinberg na historia ¢ na filosofia da educagao, por Bowles e Gintis e por Carioy e Levin na economia da educagio e por Young, Bernstein e Bourdieu na sociologia da educagio, Embora houvesse muitas semelhangas, entretanto, havia ¢ ha sérias discordancias entre muitos de nés na esquerda que analisamos as (e atuamos nas) instituigdes educacionais, Essas discordancias forneceram 0 contexto para o segundo ponto que ev mencionei acima. Fulucagio e Poder | 35

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