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Marshall Sahlins ou por uma antropologia estrutural e historica LILIA Moritz SCHWARCZ* A Antropologia, desde seu nascimento ins- titucional, estabeleceu relagGes tensas ¢, mui- tas vezes, pouco cordiais com a Historia. So- bretudo no campo da Antropologia, a neces- séria contraposigéo com a Histéria pareceu vincular-se propria definigao da disciplina, que precisava, de alguma maneira, ciar-se para compor um campo mais definido de atuagio. Nao € por mera coincidéncia que, nas obras mais tradicionais da disciplina, a His- téria tenha surgido contraposta 4 Antropo- logia ou a, assim chamada, Etnologia. Seja por alegacdes de método ~ pesquisa em ar- quivos por um lado, pesquisa participante, por outro; de objeto ~ viajantes no tempo versus viajantes no espago; de procedimen- to ~a pesquisa da classe dirigente por opo- sigdo ao estudo das manifestagdes populares; ou de objetivos ~ o evento no lugar da cul- tura e de seus rituais; o fato é que divisdes mais ou menos frégeis foram sendo levan- tadas, no sentido de se constituirem limites evidentes ou identidades particulares a cada uma das areas. Dicotomias ainda mais rigi- das estabeleceram-se, aos poucos, guardan- do para a Histéria 0 reino da diacronia ¢ do tempo volétil e para a Antropologia o lu- gar da sincronia e da estrutura. iferen- * Professora do Departamento de Antropologia da USP, Foi assim que na tradi¢ao antropolégica a questao da diacronia mobilizou escolas ¢ au- tores, mesmo que para se destacar dela. Nes- se tiltimo caso, “enfrentar o tempo” e recor- rer a ele, fez parte da propria trajetéria da disciplina, Com efeito, se os primeiros antro- pélogos evolucionistas de alguma maneira introduziram a temporalidade em sua concep- gio — apesar de impor uma nogao etapista ¢ serial -, os demais acabaram fazendo da dis- ciplina uma espécie de anti-histéria. Segundo uma perspectiva mais consensual caberia ao antropélogo, em uma divisdo mais positiva, o lugar da auséncia do tempo, supri- do pelo aporte ao presente. Mas como nao se constréi uma disciplina por um recorte ~ 0 recurso ao presente ou ao passado ~ 0 certo é que distingdes desse tipo tenderao a ser me- nosprezadas, freite a determinagao de que 0 tempo no és6 um objeto, mas sobretudo uma dimensao cultural da vida social. Fiquemos ainda um pouco mais nos mean- dros desse debate. £ 0 proprio Lévi-Strauss quem fara toda uma “Histéria da Antropolo- gia”, em seu polémico ensaio Etnologia ¢ Historia (1975), publicado pela primeira vez em 1949, Nesse texto ~ que se tornou uma espécie de simbolo desse embate ~o indice de clivagem entre as varias escolas antropolégi- cas remete ao uso ou nao da diacronia, levan- do-se sempre em consideracao que a nocao de “tempo”, pensada como representacao da his- 126 | uLiA Morirz scHwarcz toria, est presente em toda e qualquer socie- dade, como condigao de inteligibilidade, mas também como marca de diferengal Vale a pena retomar, mesmo que de forma breve, a trajet6ria elaborada por Lévi-Strauss, com vistas a entender como esse didlogo foi se constituindo de maneira tensa, Com efeito, segundo o etndlogo francés, esse enfrentamen- to teria comecado com uma “recusa”. Por um lado, jé na perspectiva culturalista, a descoberta de que os documentos encontra~ dos nas sociedades estudadas pelos antropé- logos descncorajariam qualquer historiador a analisé-los fez com que se reconhecesse uma distingao, pautada na auséncia de materiais ¢ dados comprovatérios, Segundo Lévi-Strauss, Boas manifestara a decepgao de ter de renun- “como as ciar & aspiracao de compreender coisas chegaram a ser 0 que so”; ou seja, renunciar a compreender a histéria para fa- zer do estudo das culturas uma andlise sincré- nica das relagdes entre seus elementos consti- tutivos, no presente. O problema que “espezi- nhava” Lévi-Strauss era saber se era possivel fazer hist6ria do presente sem recurso a0 pas- Sado; entender uma cultura anica, sem recuar a seu proceso ¢ sem transformar a (ausencla de) historia em a “nossa historia”: numa tni- Ga temporalidade. Na opiniao do etnélogo francés, ainda, fe em nome dessa “faléncia” que se abriu mao, na escola inglesa e sobretudo com Mali- nowski, de qualquer historia. Adeptos de um modelo sinerénico de anilise, os funcionalis- tas defenderam que toda pesquisa antropolé- gica deveria proceder de um estudo minucio- so de sociedades concretas. Malinowski e seus seguidores perguntaram-se acima de tudo so- bre a questo da “fungdo”, entendida como instrumento para desvendar sociedades apa- rentemente cadticas. Dessa maneira, partin- do do suposto de que o que 0 etndgrafo faz é estudar como as sociedades se mantém, endo como se modificam, essa escola notou nos grupos selecionados exemplos de funcionali- dade e nas instituigdes destacadas modelos de coesio e de reposigao do equilibrio. Portanto, diante de uma histéria conjectural, armou-se um modelo de base empirica, imune & hist6- ria e a seu desenvolvimento. De toda forma, a descoberta de leis de mudanga social deve- Tia basearse no estudo de processos presen- tes, unico caminho para que a Antropologia ‘SEcconvertesse numa ciencia generalizante, conforme o modelo das clencias naturals, —Tondlufa L&W Strauss nese mesmo ensaio: “espera-se por um milagre inaudito \inica condic&o suplementar de fechar resolu- tamente os olhos a toda informagio histérica relativa a sociedade ...” (1975:26). Na ver- dade, privando-se de qualquer histéria, Mali- nowski teria abandonado a propria tempora- lidade das culturas, parte fundamental na per- cepgao de sua especificidade. Também Radcliffe-Brown, em sua detesa de um estudo comparativo e generalizante, a0 qual denominou de “Antropologia Social”, expulsou a historia da reflexdo disciplinar. Segundo esse antropélogo, diante da falta de documentos escritos o melhor era optar pela “a-historicidade”, concluindo que tal método 86 levaria a proposigdes particulares e con- jecturas parciai®. No entanto, nas objegdes desses dois autores (cada um a sua maneira) estava presente uma visio por demais positi- vada da histéria e de seus documentos, cuja legitimidade s6 poderia ser garantiria a par- tir da descoberta de manuscritos. Além disso, no minimo ingénuo supor que nao existiria temporalidade no momento atual. Como diz ‘Lévi-Strauss: “Quando nos limitamos ao ins- tante presente da vida de uma sociedade, so- mos antes de tudo vitimas de uma ilusdo: pois tudo € histérias 0 que foi dito ontem ¢ hist6- ria, o que foi dito ha um minuto é historia. Mas, sobretudo, condenamo-nos a no conhe- coma cadernos de campo +n. 9 + 2001 cer o presente ... E muito pouca histéria (j4 que tal é infelizmente 0 quinhao do etnélogo) vale mais do que nenhuma” (1975:26-7). Nas criticas de Lévi-Strauss a escola estru- tural-funcionalista inglesa é possivel imaginar no tdo-somente um questionamento tedrico, como, também, uma tentativa de, por meio da oposicao, construir um método, Pela contrapo- sigdo problematizavam-se os estudos empiri- cos, assim como era possivel “relativizar a re- Jatividade cultural”, na busca do comum imer- so no diferente, Deixemos, porém, a andlise mais aprofundada dessa escola um pouco de lado, a fim de retomar o debate coma Histéria com o proprio estruturalismo, que sempre se defi Apesar da pecha, ja em seus primeiros es- tudos, como Raga e Histéria (1952), Lévi- Strauss nao s6 analisou “hist6rias diferentes” ~estacionarias e cumulativas -, que mais tar- de chamou de “frias ou quentes”, como indi- cou nuangas e gradagGes: os dois modelos de hist6ria no revelariam a existéncia ou nio de hist6ria, mas, sim, o fato de algumas socie- dades se representarem a partir da historia e a partir de uma perspectiva sincr6nica. outras nao. Estariamos, mais uma vez, no dominio das historicidades e da nogao de que ferentes sociedades constrdem 0 tempo, ou no, a partir de suas cosmologias particulares. Mas voltemos mais uma vez ao ensaio de Lévi-Strauss, dessa vez com o objetivo de de- finir seu proprio método. Com efeito, apés ter passado a limpo a Antropologia de até entio, 0 etndlogo chega a seu dilema fundamental: “Pretender reconstituir um pasado do qual se éimpotente para atingir a historia, ou querer fazer a hist6ria de um presente sem passado, drama da etnologia em um caso, da etnogra- fia de outro” (1975:30). Como se pode notar, a diferenca entre disciplinas vai se tornando cada vez mais estrita, O problema nao pare- ce ser de objeto (na medida em que ambas procuram a alteridade), muito menos de obj tradugao tivo (que passa a ser 0 diverso), nem mesmo de método. No entanto, a diversidade ficava mantida: “Enquanto a Historia organiza seus dados em relagio as expressdes conscientes, a etnologia indaga sobre as relagdes inconscien- tes da vida social” (1975:34). Com essa frase de efeito, Lévi-Strauss lan- ava as bases de uma Antropologia estrutural ec elegia um projeto de carter universal, como critério de distingao e de propriedade da etno- logia. Procurando na lingiiistica estrutural — na busca de invariantes universais e nos pro- cessos inconscientes — seus principais alicer- ces, 0 autor retomava nao s6 toda a produgao antropol6gica, como, de quebra, desautoriza- va um certo tipo de historiografia que se cons- trufa lado a lado naquele momento, A Historia se transformava, assim, numa espécie de marcha regressiva, etapa necessa- ria para que se chegue & finalidade fundamen- tal; qual seja, um inventério das possibilida- des inconscientes. Entretanto, 0 artigo de 1949 terminava com uma espécie de “armisticio”; depois de ter demarcado distingdes tao funda- ‘mentais, nosso autor voltava & boa convivén- cia, Os procedimentos seriam iguais: a passa- gem, para o historiador, do explicito ao im- plicito; para o etndlogo, do particular ao uni- versal. Além do mais, a diferenca seria sobre- tudo de orientag&o, nao de objeto: “o emnélogo se interessa sobretudo pelo que nao € escrito, no tanto porque os povos que estuda sao in- capazes de escrever, como porque aquilo por que se interessa é diferente de tudo 0 que os homens se preocupam habitualmente em fi- xar na pedra ou no papel” (1975:41). Nao obstante, a polémica ja estava ins- taurada e reificava a separacao entre sincro- 1. Nao se pode esquecer que, nesse mesmo momento, ra Franga, a Escola dos Annales buscava parime tos semelhantes ao eleger “o problema” ¢ a inter- disciplinaridade como temas fundamentais para suas investigagées. 128 | LiLia Moniz scHwaRcz nia e diacronia; estrutura e hist6ria. O supos- to era que nao havia como lidar com diacro- nias estanques, que abririam campos diversos ¢ perspectivas quase antagénicas. Certos adendos devem ser feitos. Em pri- meiro lugar, Lévi-Strauss costuma ser melhor leitor de si do que de outras escolas e, dessa maneira, suas interpretagdes sobre a “Hist6- ria da Antropologia” levam sempre ao estru- turalismo. Além disso, desde os anos 70 fo- ram muitas as contribuigdes, que se dividi- ram entre aquelas que se opuseram, franca- mente, 20 modelo estrutural ¢ outras que se- guiram 0 mestre francés ~ de mais longe ou mais perto. Nao é hora de listar os autores que tomaram parte desse debate, mas o que se pode dizer, sem medo de errar, 6 que nessa “contenda” Marshall Sablins merece um lu- gar especial. Definindo-se como uma espécie de “estruturalista hist6rico”, Sahlins guarda, no campo da Antropologia, um papel de me- diador; um bom mediador. Em primeiro lugar, a partir de seus traba~ Ihos a temporalidade é retomada em sua di- mensao social, nao sendo mais possivel sepa- rar sincronia ¢ diacronia. Nota-se, ainda, como a tentativa de “dar histéria 4 estrutu- ra”, implicou em uma reavaliago do tema do poder e na utilizagao do conceito de estru- Tpermancncla, mas antes a mudanga, Eisso (que faz Marshall Sahlins quando indaga pela existéncia de estruturas histéricas; cosmolo- gias que sao reordenadas historicamente. ‘Jé em Cultura e Razdo Pratica a atengio do autor parecia voltar-se em diregao a defe- sa da “interpretagao simbélica da cultura” € para a critica de sua visio utilitéria e inten- cional. Questionando as explicagdes pragma- ticas, que ignoram 0 cédigo cultural que go- verna a utilidade, Sablins analisou a “auto- ilusiio” de nossa sociedade, que lega a im- pressio de que a produgdo nfo passa de um precipitado, de uma racionalidade esclareci- da, O utilitarismo é a maneira pela qual a sociedade ocidental se experimenta e se inter- preta, mas ndo deixa de ser uma explicagao da forma cultural. Insistindo no significado social e cultural dos objetos de uso e da prépria troca, Sahlins mostra como a “utilidade nao é uma qualida- de do objeto, mas uma significagao de quali- dades objetivas” (Sahlins, 1979:189). E isso que permite concluir a existéncia de uma ra- zo cultural, uma sig habitos alimentares, nas praticas vestuérias, nos rituais do cotidiano. Mas se 0 desenvolvi- mento desses temas nos levaria a, junto com Sahlins, indagar por que a rainha de copas, em Alice no Pais das Maravilhas, acabou por concluir que “nao se manda cortar a cabeca icacdo simbélica nos de alguém que se foi recém-apresentado”, mais importa, nesse momento da discussio, enfatizar que, a partir dos trabalhos de Sahlins avangamos com a idéia que 0s objetos 6 ad- quirem sentido quando contextualizados, além de ser possivel alargar o espectro estrutural, ao fazé-lo discutir com a Histéria. Foi em seu livro Historical Metaphors and Mythical Realities —tcaduzido em parte neste niimero da Cadernos de Campo —que Sablins, pela primeira vez, enfrentou esse tipo de terre- no pantanoso ¢ interdisciplinar. Como diz. 0 “O grande desafio para uma antropo- logia histérica é nao apenas saber como os eventos sio ordenados pela cultura, mas como, nesse processo, a cultura é reordenada. Como a reprodugio de uma estrutura se torna a sua transformagao2” (2000a:139). Nos ter- mos do autor, o grande desafio era, portanto, no opor de forma mecdnica estrutura a his- t6ria, mas perceber como releituras locais passam sempre por estruturas anteriores. “Ba- sicamente, a idéia € muito simples. As pes- soas agem em relagdo as circunstancias de acordo com os seus prdprios pressupostos cul- autor cadernos de campo +n. 9 + 2001 turais, as categorias socialmente dadas de pes- soas e coisas. A pessoa ~agéo no mundo -, a reavaliagao do signo na pratica eo retorno & estrutura ... entre sentido simbélico e referén- cia simbélica, 0 proceso historico se desdo- bra num movimento continuo e reciproco en- trea pratica da estrutura e a estrutura da pré- tica” (2000b:139).*Pratica da estrutura, estru- tura da pratica”: ai estaria exposto uma espé- cie de bordio do auto, que passaria a buscar ambivaléncias nas l6gicas ¢ leituras culturais, que acomodam sistemas de longa, curta média duracdo. A cultura nao é jamais um papel em branco onde se inscrevem modelos vindos de fora. Ao contrario, sua absorcao passa pela reavaliagao da propria estrutura pela hist6ria e vice-versa. isso que Sablins denomina, em Ilhas de Historia, como “a reavaliagao funcional de categorias”, nese movimento que o leva a nuangar dicotomias rigidas que vém sendo opostas no debate disciplinar: estrutura X his- t6ria, sistema X evento, sincronia X diacro- nia, individuo X sociedade, acontecimento X. longa duracdo. Partindo de uma outra con- cepcao de estrutura, esse autor parece procu- rar “historicizar a nocdo de estrutura”, advo- gar a idéia de que € possivel pensar em “trans- formagio estrutural” e ao mesmo tempo veri- ficar como as estruturas se realizam no inte- rior da ordem cultural, de alguma maneira destacada do curso histérico. Partindo da concepsao de estrutura de Hocart ~e nao da nogao sincrénica de Saus- sure, como faz Lé um afastamento do conceito atemporal de es- trutura, ao entendé-la como “um conjunto de relagdes mutuamente contrastante e, por isso mesmo, mutuamente definidora entre signos” (1990:1.6); tudo isso sem abandonar a hist6- ria, Com efeito, para esse autor, mesmo na representagio mais abstrata de signos - ou seja, na cosmologia ~ a estrutura esta em Strauss -, Sahlins busca tradug movimento. Ela possuiria uma diacronia in- terna, de forma que toda reintrodugao ja sig- nificaria uma reordenagao e a sua propria alteragao. “A hist6ria € ordenada cultural- mente de diferentes modos nas diversas socie- dades, de acordo com esquemas de significa- do das coisas, mas o contrario também é verdadeiro: esquemas culturais so ordenados historicamente, porque, em maior ou menor grau, os significados séo reavaliados na pré- tica” (ibidem: 38). problema levaria, portanto, menos a explodir 0 conceito de histéria pela experién- cia antropolégica da cultura (deixemos a ta- refa aos historiadores), como a introduzir a experiéncia histérica estourando o conceito antropolégico de cultura e incluindo a estru- tura: a transformagao de uma cultura é tam- bém um modo de sua reprodugao. “Estourar © conceito de cultura” significa, nesse caso, repensé-lo de forma a mostrar como ordens culturais diversas tem modos préprios de pro- dugao histérica: “culturas diferentes, histori- cidades diferentes”. A cultura, pensada dessa maneira, ndo é mais do que a organizagao da situago atual em termos do passado. E a isso que Sablins chama de “estrutura da conjuntu- ra” —uma sintese entre estrutura e conjuntura =, a maneira como as culturas reagem a um evento (um acomtecimento culturalmente sig- nificado) fazendo dialogar o contexto imedia- to com estruturas culturais anteriores, de for- ma a voltar 4 maxima de Boas que afirmou que “o olho que vé é 0 6rgao da tradicao”. A historia é, dessa maneira, construida, tanto no interior de uma sociedade, como entre so- ciedades, que repéem estruturas passadas na orquestragao do presente. Estamos, mais uma vez, diante do velho problema da mediago entre sincronia e dia- cronia; estrutura e histéria. Talvez 0 maior desafio seja abrir mao de modelos que opo- nham mecanicamente os dois elementos, em 130 | LitiA Morirz scHwarcz nome da convivéncia entre ambos. S6 dessa maneira sera possivel aprender invariantes e permanéncias estruturais, porém re-significa- das (e, portanto, alteradas) em contextos di- versos. As categorias alteram-se na aco, mas guardam um didlogo com estruturas culturais anteriores. Eis a nogao de dinamica cultural, que significa pensar que a produgio de con- tetido é referida ao contexto, mas re-traduzi- da em fungo de modelos anteriores. Isto trata-se de selecionar um conjunto de relacdes historicas que, ao mesmo tempo, reproduzem velhas categorias culturais e lhes dao novos valores retirados de um contexto pragmético. “A reproducdo da estrutura comega com sua propria transformacio”, afirma Sahlins, que dessa maneira recorta seu préprio objeto: a estrutura da pratica e a prética da estrutu- ra, Seja por meio da anilise das diferentes recepges que teve 0 Capito Cook, das cos- mologias do capitalismo, das relacdes amo- rosas, dos mastros havaianos... vemos como as estruturas culturais atualizam-se na pra ca, como se fossem possiv diversos capitdes, varias explicagdes. A cul- tura surge definida como uma ordem estrutu- ral de significagao, porém seus contetidos al- teram-se diante da hist6ria, Em meio ao con- texto contemporaneo, quando se afirma a imposicdo de um sistema mundial e teme-se a tio falada globalizacao, o modelo de Sahlins tem o mérito de mostrar que a incorporagao do capitalismo em paises periféricos se dé, também, de acordo e a partir das distintas légicas nativas, que geram resultados cultu- rais diversos e, muitas vezes, inesperados. Eo “retorno da cultura” que, vista a partir da 6tica da recepgao, possibilita imaginar que nao estariamos todos condenados, igualmen- te, a globalizagio. A obra de Sabilins sinaliza para rumos re- centes da disciplina, que encontram “hist6ria na estrutura”, fazem dialogar sincronia e dia- muitas mortes, cronia ¢ introduzem a questo do poder, até entao bastante distante das andlises antropo- logicas. Essa é sem sombra de diivida, uma aposta alentada, na medida em que se sele- cionam objetos histéricos, para lé encontrar nao apenas o “acontecimento” e a diacronia, masa sincronia ¢ os elementos de longa dura- sao. Na explicagao do enraizamento de cer- tas simbologias, de rituais e representagdes, esse tipo de inspiracdo parece oportuna, na medida em que permite mostrar como os es- tudos antropolégicos, ao procurar por perma- néncias— quase que idiomas locais -, ndo pre- cisam fechar 0s olhos & histéria e & mudanga. Por fim, esse tipo de perspectiva dé a Antro- pologia um local especial no debate contem- poraneo, na medida em que revela como a pratica politica carrega, em sua légica, di- mensées simbélicas ¢ rituais, para além de sua realidade pragmatica e imediatamente referida ao contexto. Mas terminar dessa maneira seria acenar com a bandeira da paz e nfo olhar para a contenda atual, que inclui o proprio Sahlins. Estou me referindo 4 polémicas mais recen- tes, que tém colocado em questo o estatuto do autor e sua autoridade. Se a “modernida- de” — entendida como a afirmaco da crise de representacao ~ apareceu em diferentes areas do conheciments, foi na Antropologia, talvez em fungao da proximidade entre sujeito ¢ ob- jeto de andlise, que 0 movimento transfor- mou-se em debate de referéncia. Sob o r6tulo de “pés-modernidade” uma gama extrema- mente ampla de t6picos e abordagens surgiu na agenda intelectual, levando a repensar modelos, autores ¢ escolas bastante estabele- cidos na tradigao antropoldgica. Em questo est o estatuto de conhecimento, a qualidade da investigagao ¢ também a questdo da res- ponsabilidade politica do cientista e do inves- tigado. Nao é possivel, por certo, desvincular esse debate do proceso descolonizacao, con- cadernos de campo + n. 9 + 2001 MARSHALL SAHLINS OU POR UMA ANTROPOLOGIA ESTRUTURAL E HisTORICA | 131 texto em que nao s6 se alteram certas correla ‘Bes de forca, como esse mundo passa a apre- sentar-se como uma série de ilhas inviolaveis, diante da diversidade cultural apresentada. Com efeito, é 0 objeto que se rebela, transfor- ‘ma-se em sujeitos cidadaos do terceiro mundo preocupados com a transformagaio e com a narrativa de sua propria hist6ria. No interior desse movimento altera-se ~ de reboque ~ a propria posigaio do antropélogo: 0 famoso “vocé esta 14 porque eu também estive”, na versio critica de Clifford Geertz. Mais uma vez abriremos mao de entrar diretamente, nessa seara, Nesse caso 0 que importa é mostrar de que maneira Marshall Sahlins foi também atingido, em sua con cao de “antropélogo de um pais central”, livro How “Natives” Think. About Captain Cook for Example, publicado em 1995, é an- tes o resultado das reflexes que visaram re- bater as criticas que Gananath Obeyesekere, Seu um antropélogo nascido em Sri Lanka, lhe fez em seu livro The Apotheosis of Captain Cook: European Mythmaking in the Pacific (1992). Acusado de perpetuar mitos do imperialismo ocidental, de ver nos “nativos” havaianos ape- nas seres misticos — que s6 poderiam entender um estrangeiro como deus ~ e incapazes de produzir respostas pragmaticas, Sahlins foi questionado em sna capacidade e em sen di- reito de falar e fazer hist6ria dos “outros”; de traduzir um ponto de vista que nao é seu. Menos do que tomar partido, importa re- ter a reagio de Sablins, que ajuda a refletir sobre o lugar do antropélogo e a possibilida- de que tem de falar sobre seu objeto. Em pri- meiro lugar, Sahlins questiona o “estatuto de nativo universal” a que Obeyesekere se arvo- ra, Com que direito um “nativo” de Sri Lanka define Sahlins como “out-sider”, em relagao aos povos do Pacifico? Ou seja, o que faria do ponto de vista de Obeyesekere um trunfo ~ em termos de proximidade -, quando compa- tradugao rado A interpretagdo de Sahlins? Por outro lado, partindo do suposto que todos “os nati- vos sio iguais”, Obeyesekere procura neles apenas respostas racionais e pragmiticas. Ora, 0 que as obras de Sahlins sempre busca- ram enfatizar foi a relagdo entre cosmologia ¢ histéria; razo pratica e simbélica, 0 que nao é uma condigao havaiana, mas, nos ter- mos de Lévi-Strauss, um estatuto universal. Os argumentos de Obeyesekere levariam, com efeito, a outro tipo de etnocentrismo. Se os havaianos seriam s6, sempre e apenas, ra- cionais, jé os ocidentais, durante duzentos anos, permaneceriam incapazes de realizar algo além de reproduzir mitos e supor que os nativos os tomavam por deuses. Ao transfor- mar a etnografia em fabula, Obeyesekere tam- bém pinta “seus nativos” de “burgueses rea- listas”, fazendo deles o que somos. Mais uma vez, nao se realiza boa histéria sem que se busque por “diferentes culturas, diferentes racionalidades”. A partir das reagdes de Sahlins seria possi- vel recuperar a aposta de Lévi-Strauss em O Pensamento Selvagem e sua reafirmagao de uma humanidade plural em suas culturas simbologias, mas universal em suas estrutu- ras. Insistindo na tese de que os “nativos”, como nés, nao sao s6 pragméticos, racionais ¢ instrumentais, em relagio A realidade empi- rica, Sahlins destaca a relaco entre cosmolo- gia ¢ historia ¢ a importancia da dimensao simbélica na anélise politica. Aos povos co- lonizados nao resta apenas a “esperanca” de deixar de pensar simbolicamente e passar a ter uma visio racional. Afinal, nio ha povo que nao classifique e construa simbolicamente seus universos culturais. Em todas as socieda- des reconhecemos, nos termos de Lévi-Strauss, a mio do bricoleur que coleciona objetos ¢ a partir deles encontra uma légica, ¢ a dtica do engenheiro, que a partir de um projeto chega a0 novo produto, 132 | LILIA Moritz. scHWARCZ Hora de terminar, Essa espécie de “panico p6s-moderno”, ou, sem ironia, esse senso agu- cado da diferenga tem levado a um isolamen- to, a uma espécie de clamor de que cada um fale “por e em nome de sua cultura”. Essa situagao, por sua vez, tem gerado impasses e mudangas. Ela cobra da produgao antropolé- gica um engajamento social: é preciso repen- sar 0 processo de manipulagio dos simbolos do poder ¢ 0 nosso papel nesse sentido. No entanto, se os textos so instrumentos de po- der e de prestigio, e somos questionados en- quanto detentores das palavras que produzi- mos, Sablins permite voltar & idéia de rever- sibilidade e pensar ndo na “coincidéncia”, mas na “distancia” que pode ser salutar na reflexdo do pesquisador. Esse antropélogo ensina como é importante voltar a reflexio, como forma e instrumento de relativizar a dimensao do poder, que nao é o tinico critério de validacao de conhecimento. E a reflexibi- lidade que permite buscar no s6 a diferenca, ‘mas as persisténcias, ¢ alargar a reflexio so- bre o préprio “eu”. De alguma maneira nés somos iguais e humanos quando exigimos que a cultura produza sentido para a experiéncia humana. Desse ponto de vista, as construgdes equivalem-se e nossa igualdade é fundamen- tal. E essa dimensio que corremos 0 risco de perder quando enfatizamos apenas € ta0-so- mente a dimensio do poder, regendo e orga- nizando a produgao da cultura. Se a Antropologia difere das ciéncias du- ras (sem querer menosprezar qualquer uma delas) é por causa da relagio ambivalente que se impée entre o “eu” eo “outro” e quando, pela mediacao do espelho, é capaz de estabe- lecer um terceiro lugar de onde é possivel ob- servar a ambos. Esse é o lugar da humanida- de. Com efeito, é a intersubjetividade que ga- rante uma certa objetividade; é a combina- 30 do reconhecimento da diversidade com a busca de invariantes que levaré no a anéli- ses irredutiveis, mas a possibilidade de bus- car regras de tradugao e de comunicagao. Pro- curar pelas diversidades sob um fundo de indeferenciagdo, sem abrir mao das perma- néncias, parece ainda servir como um bom lembrete, nesses momentos em que o registro da experiéncia passa a ser absolutizado. As culturas sao, com efeito, relativas umas em relacio as outras, 0 que nao significa, como bem mostrou Sahlins, cair em uma re- latividade absoluta e impenetravel. A perspec- tiva que singulariza a disciplina parece ser, ainda — e enquanto nao se invente férmula melhor -, buscar uma matriz universal sob um grande inventério de culturas. Diante da polémica que marca os rumos recentes da disciplina, ao menos no contexto norte-americano, Sahlins tem assumido um papel importante ao nao entrar no coro da, assim chamada, pos-modernidade. Fazer a critica ao poder, e mostrar como nao é possi- vel colar-se a fala dos mais privilegiados, nao deve levar a um discurso moral que implique a reprodugao apaziguadora da fala de nossos “objetos feito sujeitos”. Nao ha por que op- tar, mesmo porque as culturas se utilizam de lentes que condicionam, até destoam, mas nao impedem o olhar. Entre a longa e a curta du- racdo, a estrutura ea conjuntura, a diacronia ea sincronia... fiquemos com ambos os lados da moeda. Sé assim seré possivel entender como as culturas nao so uma simples soma de dois mais dois. ALGUNS DADOS BIOBIBLIOGRAFICOS Marshall Sahlins nasceu em Chicago, Es- tados Unidos, em 1930. Fez a graduagao ea pos-graduagdo em antropologia na Universi- dade de Michigan e em 1954 titulou-se Ph. D. pela Universidade de Columbia. A partir da iniciou a sua carreira de professor université- rio, lecionando em Michigan e em Columbia. ‘cadernos de campo +n. 9 + 2001 MARSHALL SAHLINS OU POR UMA ANTROPOLOGIA ESTRUTURAL E HIsToRIcA | 133 Em 1973 chegou A Universidade de Chicago, onde leciona até hoje como Charles E Grey Distinguished Service Professor Emeritus of Anthropology and Social Sciences. Em 1976 tornou-se membro da American Academy of Arts and Sciences. Sua obra traz importantes contribuigdes a0 conhecimento etnografico dos povos do Pacifico, as teméticas da evolu- go cultural e da antropologia econémica, além da relagao entre cultura e hist6ria, PUBLICAGOES 1960 1968 Evolution and Culture Tribesmen (Trad. bras.: Sociedades Tribais. Rio de Janeiro : Zahar, 1970) 1972 Stone Age Economics 1976 Culture and Practical Reason (Trad. bras. Cultura e Razao Prética. Rio de Janeiro : Zahar, 1979) The Use e Abuse of Biology Historical Metaphors and Mythical Reali- ties. Structure in the Early History of San- dwich Islands Kingdom Islands of History (Trad. bras.: Ihas de Histéria, Rio de Janeiro : Zahar, 1989) Anabulu:The Anthropology of History in The Kingdom of Hawaii How “Natives” Think: About Captain Cook, for Example 1977 1981 1985 1992 1995 tradugao BIBLIOGRAFIA GEERTZ, Clifford. Local knowledge. Further essays in interpretative Anthropology. 1* ed. New York: Basic Books Inc., 1983. GEERTZ, Clifford. Works and Lives. The Antbropo- logist as Author. 1" ed. Stanford : Stanford Univer- sity Press, 1988. LEVI-STRAUSS, Claude. Raca e Histéria. 1° ed. Li boa: Editorial Presenga, 1952. LEVI-STRAUSS, Claude. “Etnologia e historia”. In: Antropologia estrutural. Traducio: Chaim Samuel Katze Eginardo Pires; Revisio etnol6gica de Jalio ‘Cezar Melatti 4* ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasi- Ieiro, 1975. LEVI-STRAUSS, Claude, O Pensamento selvagent. ‘Tradugdo: Maria Celeste da Costa e Souza e Almir de Oliveira Aguiar. 2" ed. Sao Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976 LEVI-STRAUSS, Claude. A oleira ciumenta. Tradu- cio: Editora Brasiliense S. A.; Revisdo: Mario R. Q. Moraes ed Carlos Tomio Kurata. 1° ed. Sio Paulo: Brasiliense, 1986. MARCUS, George & FISCHER, Michael. Anthropo- logy as cultural critique. 1° ed. Chicago: The Uni- versity of Chicago Press, 1986. OBEYESEKERF, Gananath. The apotheosis of Cap- tain Cook: european mythmaking in the Pacific. Ted. Princeton: Princeton University Press, 1992. MELATTI, Jilio Cezar (org,). Radcliffe-Brown: An- tropologia. Tradugao: Marcos A. L. de S. Coimbra € Orlando Pilatti. 1*ed. Sao Paulo: Atica, 1978. SAHLINS, Marshall. Cultura e razao pratica, 1 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. SAHLINS, Marshall. 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