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CELSO F. FAVARETTO VANGUARDA BRASILEIRA, HELIO OITICICA* A atividade de Hélio Oiticica e a posicao critica que define cifram as propostas da vanguarda brasileira suas intervencdes configuram um trabalho de anamnese; manifestam, pelo vigor das proposigGes e ousadia de agdes, 0 processo de integracAo e destruicao do projeto modemo no Brasil; explicitam os conflitos provocados pela confluéncia da pesquisa dos pressupostos implicitosnamodernidade com a elaboracao das inquietacdes presentes'. Sua investigagio é contudo excén- trica, pois ao expor as margens do processo de integracao do moderno, desloca-as por atividades exemplares catalisadas pela visionaria concepgao de “estado de invencao’’. Ao mesmo tempo que denunciam as ‘‘pragas’’ da vanguarda - esteticismo, competitividade, diluigdo -, a posigao critica e o experimental formuladosno “Parangolé”’ tiveram o poder de exporas ambigilidades do processo €m curso, propondo-se como um reexame dos principios da vanguarda brasileira. A dupla inscricao da atividade de Oiticica desenha um percurso modemode sentidoépico: um esforco deliberadoem reativar intuigdes construtivistas que, para ele, configuravam um fundamental ‘‘sentido de construgéo’’e um impulso de desestetiza¢ao, as vezes voltado para o desenvolvimento de praticas * Este texto articula alguns temas e problemas recontados do nosso livro A Invengdo de Hélio Oiticica (Sdo Paulo, EDUSP., 1992). Porto Arte, Porto Alegre, v. 4, n. 7, p. 27-42, maio 1993, 29 culturais que transgridem a normatividade modemista. Nele brilhao imaginario de uma saga: a busca, implacavel e apaixaonada, de algo que, além da “‘arte experimental’", se manifesta como o puro “‘experimental’’. O seu programa, escandido e radicalizado, libera uma marginalidade nada circunstancial; uma atividade que exige mudanca dos meios e da concepeao da pintura, da arte: ruptura das concrecées artisticas; proposicAo de ‘‘objetos"’ em que se imbricam o plastico, © verbal, 0 musical, 0 tecnolégico; deslizamento da arte para as vivéncias; proposi¢o de praticas dissensuais. Desde omomento inicial,em que Oiticica opera ‘nos limites da arte concreta, evidenciando a ‘‘crise da pintura’’, pulso para a desestetizacao age sobre a determinante construtiva, nela fazendo incidir a negatividade do inconformismo estético € a posicao sobre o valor das praticas em desenvolvimento. Denuncia 0 carter fantastico das concepgoes abrigadas sob 0 rétulo de ‘‘cultura brasileira’’: processo de conservacao-diluicao, misto de cinis- mo, hipocrisia ¢ ignorancia, a que ele denominou de ‘‘convi-conivéncia’”. Construindo-se como um programa em desenvolvimento, as propo- sigdesdesencadeadas por Oiticica manifestam os lancestipicos das vanguardas que se estendem do final dos 50 aos inicios de 70. Fazendo coexistir dualidades - rigor construtivo e desconstrugdo, conceitual e sensivel, exacerbacao individual significagdo social -, esse programa compée uma espécie de “‘organizacao do delirio"”’. Excéntrico e visionario, Oiticica imagina a proeza de conciliar 0 branco no branco malevitchiano eo desregramento de todos os sentidos, numa linguagem em que ‘‘o conceitual ¢ o fendmeno vivo’ se articulam. Lucido e coerente, 0 programa de Oiticica monta um dispositivo delirante constituido de duas séries: a da produgao artistica e a do discurso, ambos produzindo um efeito de logicidade; um nico desenvolvimento que avanga negando ¢ incorporando: cada posicao manifesta paulatinamente o sentido das efetuagGes, afirmando intensidades pro- gressivas do experimental. Nos quadros concretos e nos monocromiticos; nos “'Metaesquemas"”; nos ‘‘Bilaterais”” e ‘Relevos Espaciais’” neoconcretos; nas “novas ordens ambientais’ desenvolvidas em ‘‘Niicleos’’, ‘*Penetriveis’’, “Bélides"’ e ‘‘Parangolés"’, flagra-se a coeréncia do trajeto em que a tdnica construtiva gradativamente torna-se intrinseca as proposigées comportamentais. Inovadoras, as experimentaces de Oiticica reprocessam fundamentos e praticas construtivistas, distinguindo-se, pela radicalidade, de tendéncias similares em ebulicao. Sua visada beneficia-se da situaco nacional e internacional da arte de vanguarda: da redistribuicdo geral da estética, da pulverizagao dos cédigos de produco e recepcao, em grande parte provocados pela pop art. A nova inscri¢o 30 da produgao artistica corresponde um novo espaco estético onde tudo pode surgir, tudo pode realcionar-se com tudo em jogo permanente, A pratica pictural nao sé elimina a referéncia ao ilusionismo, levando ao fim o criticismo moderno, como questiona a formalidade das pesquisas sintaticas amplificadas pela arte concreta. A preocupacao sobre a autonomia da pintura contrapée-se o campo da colagem; assumindo-se como montagem de disparates, as priticas artisticas liberam os elementos que conpdem - técnicas, temas, retéricas, sintaxes -, que passam a gravitar aleatoriamente, Assim, surge anecessidade de anular o quadro ilusionista, de produzir outro espago estético que valorize outras coisas, eliminando de vez os residuos de profundidade visual*. Num primeiro momento, como nas ‘‘Invengdes”’ de Oiticica e nas ‘‘Superficies Moduladas”’ de Lygia Clark, o quadro perde seus poderes encantatdriose também se transmuta em coisa. Depois, como conseqiién- cin da desindividualizagaoda pratica pict6rica, os desenvolvimentos vanguardistas langam a produgo no aleatério. Em Oiticica, a necessidade estrutural solta-se; 0 campo é invadido por agdes, pela vida. A matriz neo plastica - construtivista sofre metamorfose; 0 que esti dentro do quadro, ou virtualmente em nicleos e penetraveis, explicita-se, privilegiando a abertura das proposicées. Frente & diversidade das tendéncias que pretendem por em causa a significagdo da pintura e do processo estético em geral, impugnando convengdes da representaco tradicional e da abstraco e visando ao desrecalque da producdo, pois interessadas na proposicio de um além-da-arte, Oiticica nlio se deixa determinar exclusivamente pelas solugGes predominantes: de um lado as proveni- entes do circuito internacional, e de outro por aquelas que no Brasil pretendem assumit 0 conflito entre experimentagao e participacdo social. Compée uma posicdo de vanguarda que, para ele, resulta da vivéncia da ‘‘crise da pintura’” e da realizagao dos pontos criticos da arte construtiva que tinham sido reprimidos pela sucesso dos diversos movimentos. Com peculiar entendimento do ‘‘desenvolvi- mento construtivo da arte contempordnea’’, Oiticica pretende contribuir para as “‘novas possibilidades ainda nfo exploradas dentro desse desenvolvimento’”*, O experimental retém um fundamental “‘sentido de construgio”’ que orientou os. desenvolvimentos modernos, mas voltado para um impulso paraa invengo de algo novo, que para existir supe a destruigao das formas de evidenciagdo da pinturae daescultura, mantendo delas apenasa possibilidade de fundago de novas relagdes estruturais ¢ humanas. Para ele, é 0 ‘sentido de construcdo”’que articula a “tendéncia contempordnea”” empenhada na abertura de novos rumos da sensibi- lidade contempordnea. Assim, mesmo quando solta-se para as experiéncias da antiarte ambiental, prope sua experimentagiio como um desenvolvimento original do ‘‘estado de invengao" provocado pela arte moderna. Oiticica erige a utopia de 31 transformagao do ambiente cotidiano em horizonte de suas atividades. E com o ‘‘Parangolé” que se define a posic&o especifica de Oiticica na vangurada brasileira. Formulado como um programa de redefinico das operagSes artisticase dosignificado daarte,o ‘‘Parangolé ou “‘antiarte ambiental”” Propde-se como ‘‘uma nova fundacao objetivada arte""”. Perseguida desdea “‘crise da pintura’’ ¢ constituindo-se paulatinamente com a formulagdo das ‘“‘ordens de manifestagdes ambientais’, a antiarte de Oiticica produz um campo de estruturas abertas em que a invengdo exercita-se como ‘‘proposi¢ao vivencial”’. Conjuga linguagens, espacos ¢ tempos dispersos, reconceituando a arte, cujo objeto se desintegra e a imagem se recria. Repropée a atividade artistica nela integrando 0 coletivo pelo redimensionamento cultural dos protagonistas. As manifestagdes ambientais s4o lugares em que se materializam signos de utopias (de recriacao da arte como vida), 0 “‘Parangolé"” & também a descoberta da ‘‘conexo entre o coletivo e a expresso individual’’*: experiéncia de inconformismo social que ultrapassa 0 mero interesse por mitos, valores e formas de expresso de viéncias populares. No ““Parangolé"’ compéem-se inconformismoestéticoe inconformismo social na experiéncia da marginalidade. A partir dessa marginalidade, Oiticica formula uma ‘‘posigdo critica universal e permanente", indissociavel da experi- mentacdo, com que interfere na vanguarda brasileira, enquanto nela encontra condigées para desenvolver os projetos coletivos implicitos no “Parangolé”’. A antiarte ambiental é conseqiiéncia da expansio das operacdes construtivas ao espago das vivéncias e exemplo da nova situacdo estética originada pela critica do ilusionismo e pela transformacao do destinatario em protagonista. O deslocamento da arte, pressuposto nas grandes tendéncias da arte moderna, & atualizado por Oiticica em referéncia tanto aos desenvolvimentos internacionais como & vanguarda brasileira. A “‘descoberta do corpo”’, no ‘‘Parangolé"”, provo- coua diferenciagdo do ‘sentido de construgo’’. Com aressemantizacdo do corpo, © projeto de extens4o da arte ao extra-espaco produz a “‘totalidade-obra”’, recodificando o estrutural das ordens anteriores. Nao se trata mais de transpor a matriz neoplasticista & estetizacfio do cotidiano, ao situacional. A assimilagto ambiental das estruturas, implicita em ‘‘Bolides” e ‘‘Parangolés"’, pode até recorrer & matriz neoplasticista como um elemento da transformacdo do espago estético em espaco de experiéncias, masé nas ‘‘manifestacdes ambientais"” que as forcas do desejo se afirmam. As condicées que governam estes eventos sio fornecidas pela cultura e pelo propositor: os signos ai sio intensos, pois se produzem na intersec¢do dos debates do tempo e das propostas de Oiticica. E nessa conjungiio que o corpo vira signo em situacao, dotado da forca do instante, como 32 também de transcendéncia. A proposicoambiental articulaacdese comportamen- tos; nfo visa A criacdo de um ‘‘mundo estético’” pela aplicagao de uma estrutura ao cotidiano, nem, simplesmente, a diluir as estruturas, mas dar-Ihes um sentido total, "fazendo-o crescer por todos os lados, como uma planta""* Assim, a antiarte transforma a concep¢ao de artista: ndo mais um criador de objetos para a contemplacdo, ele se toma um ‘‘motivador para a criagdo"’. Este deslocamento aponta para uma nova inscrigao do estético: a arte como intervenco cultural. Seu campo de aco niio é o sistema de arte, mas a visiondria atividade coletiva que intercepta subjetividade e significagdo social. A antiarte, entendida como série de “‘proposicSes para a criagao"’, tem pois como principio a participaco: ‘Nao se trata mais de impor um acervo de idéias e estruturas acabadas ao espectador, mas de procurar pela descentralizagdo da ‘arte’, pelodeslocamento do que se designa como arte, do campo intelectual racional para © da proposicao criativa vivencial, dar a0 homem, ao individuo de hoje, a possibilidade de 'experimentar a criacdo’, de descobrir pela participagdo, esta de diversas ordens, algo que para ele possua significacao’""" A énfase na proposico vivencial nao pode ser contudo assimilada acompreensées equivocadas da designacdo antiarte, que a determinem como vale- tudo, em que tudo é arte e nada é arte, ou que a incluam nas chaves do “‘irracionalismo”’, “‘delirio”’, ‘“‘loucura’’, ‘“‘arte corporal””, “‘arte pobre”, etc. Estas qualificagées procedem de uma mitologia que produz a disjungio de arte e vida, ou ent&o, quanto a Oiticica, da folclorizacao de suas experiéncias na Mangueira. A antiarte ambiental requer processos rigorosos de composicfo: as proposi¢ées para a participacdo supdem experiéncias de cor, estrutura, danga, palavra, procedimentos conceituais, estratégias de sensibilizagao dos protagonis- tas e visdo critica na identificacdo de praticas culturais com poder de trangressao. A antiarte ambiental é metamorfose do “‘sentido de construg4o"’. Oiticica identifica a antiarte ambiental (o ‘“Parangolé””) aos postu- lados da ‘‘vanguarda brasileira’’, como esta claro na sua teoria da “‘nova objetividade’’, com que pretende abarcar as atividades renovadoras em desenvol- vimento no Rio e em Sao Paulo, referindo-as sua propria experimentagdo. Nos textos, ‘‘Situag&o da Vanguarda no Brasil"’ (1966) e ‘“Esquema Geral da Nova Objetividade”’ (1967), caracterizaa posigao especifica’” da vanguarda brasileira, considerada por ele como “‘um fenémeno novo no panorama intemacional’", A designacio ‘‘nova objetividade”” recobre uma gama muito eldstica de atitudes e experigncias - nova figurago, objetos, ambientes, acontecimetos, etc -, que traduzem, muitas vezes, elementos pop, op, surrealistas, dadaistas, etc. Valorizan- 33 do esta diversidade, Oiticica adverte que a “Nova Objetividade"’ nao é um movimento, definido por uma “‘unidade de pensamento"’, mas uma caracterizaco do “‘estado da arte brasileira de vanguarda’’: ‘*A 'Nova Objetividade’ sendo um estado, néo é pois um movimento dogmatico, esteticista (...), mas uma 'chegada’, constituida de multiplas tendéncias, onde a''falta de unidade de pensamento’ é uma caracteristica importante, sendo entretanto a unidade desse conceito de ‘nova objetividade' uma constatacéo geral dessas tendéncias multiplas agrupadas em tendéncias gerais af verificadas’’”’ Essa ‘‘constatagdio geral’’ responde ao que se apresentava naquele momento aos artistas como necessidade: articular a produco cultural em termos de inconformismo e desmistificacao; vincular a experimentacio de linguagem as possibilidades de uma arte participante. A diversidade das propostas decorre, assim, n4o apenas da ampliacio do campo experimental em toda parte, mas principalmente dos modos de efetivacao das relagdes de programas estéticos € exigéncias “‘ético-politicas’’. Este imperativo explicitou-se em projetos que, nas diversas Areas artisticas, produziram interpretades da “‘realidade brasileira’’ e reagiram A repressio; projetos estes que nao faziam distingdo entre programa estéticoe programa de agao'*. A posicdocriticaea atuacao cultural, requeridas pelo momento, faziam coincidir 0 politico e arenovacao da sensibilidade, a participacao social e o deslocamento da arte. Entretanto, o que garantia a unanimidade das propostas, a despeito das diferencas de experimentaco, era o tom contestador, a atitude ‘‘contra’’. Nas artes plisticas, a ‘Nova Objetividade’’ € a culminagao das atividades em desenvolvimento desde 1965, quando os artistas voltaram a se manifestar coletivamente, depois do periodo de isolamento criativo que se seguiu A retragao do concretismo ¢ a dissolugdo do neocentrismo. O “‘Esquema Geral da Nova Objetividade”’ é um ensaio de globalizacio desse afluxo de atividades - “Opinido”’ (65 e 66), ‘*Propostas’’ (65 e 66), exposi¢ao na G4, Grupo Rex, Simpésiode Brasilia, etc. -, no desejo de formular um diagnéstico da situagaioe uma atuago coletiva. A andlise de Oiticica elaborao tumulto desse momento de fratura damodemidade, associando os elementos presentes aos pressupostosda vanguarda brasileira. Para ele, os principios que regem a posigao critica e criativa da vanguarda brasileira so 0 resultado dos desenvol vimentos construtivos no Brasil antropofagia oswaldiana, arquitetura moderna, arte concreta € neoconcreta, a experimentagao de Lygia Clark e asua. A ssim, a estratégia adequada ao momento & a antiarte, pois esta vincula “‘a atividade criativa (...) as exigéncias de ordem individual, e As sociais gerais”"’. Dirigida “por uma necessidade construtiva caracteristicamente nossa’’, a antiarte, permite aos artistas enfrentar a questao: “como, num pais subdesenvolvido, explicar o aparecimento de uma vanguarda e justificd-la, nao como uma alienagao sintomatica, mas como um fator decisivo no ‘seu processo coletivo?’""* A “‘Nova Objetividade"’ é a extensdo daquela ‘‘nova fundagao objetiva da arte”’ (‘*Parangolé’*), propugnada por Oiticica para as tendéncias por ele agrupadas sob a denominagao ‘‘vanguarda brasileira’’, caracterizada pel: seguinte plataforma: ‘‘vontade construtiva geral’’; ‘‘tendéncia para o objeto’ “‘participagio do espectador (corporal, tactil, visual, semfintica, etc.)”; ““tomada de posico em relacio a problemas politicos, sociais, e éticos”’ i proposicdes coletivas””; “‘ressurgimento e novas formulagdes do conceito de antiarte’’!”. Nestesitens, Oiticicaresume o programa da vanguarda brasileira como homélogo ao seu, pois interpreta a situaco estética produzida pela adesao dos artistas ao ‘‘problema do objeto’’. Esta adesdo catalisou as transformagées do objeto e a abertura de possibilidades mais variadas de articular as atividades experimentais e 0 social, pois radicalizou 0 ‘“‘comportamento criador”’. Implicita nos desenvolvimentos modemos, a tendéncia ao objeto facilitou nos anos 60 a realizacao da arte como “‘exercicio para comportamentos’’, “‘acao no ambiente”” e atividade coletiva'*. Quando Oiticica diz que o ‘objeto é a descoberta do mundo acada instante’’, esta interpretando um desejo tipico da época: a superacao da arte pela valorizacio do ‘‘ato criador’’, da invengao, liberando-a para toda sorte de operacdes. A ‘‘Nova Objetividade’’, tal como esta imaginadano texto de Oiticica, representa as aspiragées, os problemas, as ambigiiidades ¢ a destinacdo dessas pesquisas. Ao entrar neste vértice experimental, Oiticica faz de sua pesquisa pioneira uma componente exemplar do trabalho de construgio da vanguarda brasileira. O texto-plataforma ea ‘‘Tropicalia’’ sioas constribuigdes que efetivam esta aspiracao. O conceito de “‘nova objetividade”’ surge para dar conta do debate em curso: efetivar uma posicdio critica revoluciondria pela atualizagdo das lingua- gens. Mas Oiticica vai mais longe: nfo prope, apenas, amodemizaco daarte, para melhor representar contradicdes, pois insiste na necessidade de se criar uma “linguagem propria’’, especificamente brasileira, mobilizada pelo “sentido de construc”, latente eem desenvolvimento na produgdo cultural. Assim, a ‘Nova Objetividade delineia um modo de atuagao, dirigido pela formulagao de um projeto de ‘‘solidificago cultural””, respondendo & necessidade dos artistas ‘‘em fundamentar a vontade construtiva geral no campo politico-ético-social’”. A “Nova Objetividade'’, como posic&o especifica da vanguarda brasileira’’, ndio 56 35 é distinta das tendéncias internacionais (Pop, Op, Nouveau Réalisme, etc.) como também se afasta da caracterizacio, feita por Mario Schemberge aceita por muitos, dessas experiéncias individuais e de grupo como “‘realistas’’. O ‘‘realismo"’ (ou “novo realismo"*)de Schemberg, assim comoaqueles de Sérgio Ferroe Waldemar Cordeiro, apesar de suas notaveis diferengas, visavam a incluir todasas experimen- tagdes mais significativas em desenvolvimento, na contestacéo, mais ou menos direta, ou no interesse pela significacao social. Oiticica, embora sensfvel a tais posicdes, prefere exploraro encontro das ‘“proposigdes estruturais’” e das ‘‘propo- sigGes realistas’’, retitando a questo de uma concepcao genérica das relacdes entre arte erealidade. Oiticicaprefere aexpressao ‘‘nova objetividade”’ para caracterizar essas experiéncias, porque seu interesse esta voltado para a criagéode “um mundo experimental’’, cuja objetividade est fundada na superaco da individualidade da producdo e das representacdes que a tornam possivel. A criag&o desloca-se da identificagdo mitica com o artista para praticas que produzem o deslocamento da arte para 0 movimento inventivo (manifestagées ambientais). O imaginario de Oiticica (como se explicita no ‘‘Parangolé’’) é aquele que se interessa, nao pelos simbolismos da arte, mas pela funcao simbélica das atividades, cuja densidade tedrica esta exatamente na sua suplantagao da pura imaginac&o pessoal, em favor de um ‘‘imaginativo’’ coletivo. Assim, ao invés de remetet-se (como Schemberg, Ferro e Cordeiro) as tradicionais relagdes de arte-realidade, sua producao explicita arelacao arte-artista, situando-se no horizonte de uma objetividade imaginativa. Aunidade de aco buscada por Oiticicae significada no conceito de “nova objetividade”’ resulta, pois, da generalizacao de proposicdes abertas a0 “‘exercicio imaginativo’’ e da fundamentacao da ‘‘vontade construtiva geral no campo politico-ético-social”’. A énfase nas atividades, por diferentes que sejam, recai na participaco e na produgio coletiva. Referidas ao devir de suas experién- cias, essas ‘‘necessidades’’, que Oiticica atribui 4 vanguarda brasileira, cifram a antiarte como pratica requerida para a definicdo de uma ‘‘posicao critica’’tipicamente brasileira, que, se evitar 0 dualismo de experimentacdo e participaciio, nao desconhece que ‘uma posicao critica implica em inevitéveis ambivaléncias’’”’. Para Oiticica, a antiarte ambiental responde ao imperativo de no mais situar a atividade de vanguarda como renovacao estética; vincula-se a “uma questao cultural mais ampla’’: a efetivacao da modemidade no Brasil implica também a ‘‘transformacio radical no campo do conceitos-valores vigen- tes’, Assim, o especifico da vanguarda brasileira esté na criacio de uma linguagem com poder de objetivar “‘uma imagem brasileira total’, 0 que é indispensével para a situagiio ‘‘diarréica’’ da cultura. A proposta de Oiticica é: “assumir o experimental’’”, ‘‘Tropicalia’’ é a célula germinativa dessa atitude. 36 Com “Tropicélia’® Oiticica concretiza o programa ambiental e determina o sentido ético de sua experimetnacao. Este projeto é um acontecimento que enuncia, totalizando-as, as proposicdes formuladas no desenvolvimento das “ordens ambientais’’. Sumade processos, materiaise procedimentos, ““Tropicélia”” expée,em sintese imagética””, operagdes e problemas engendrados pelo programa: expressa o sentido das efetuacdes. Montando o heterogénio, compat estrutural eo vivencial sob a forma de estrutura-comportamento, ‘““Tropicélia’’ realiza a idéia de ‘‘totalidade-obra’’ e 0 desejo de uma “nova fundagao objetiva da arte”, manifestados no ‘‘Parangolé”’. Imagem-estrutura, proj conceito, ‘‘Tropicilia’” é um climax na experimentagao de O' abertura sem que isto implique em diluicdo estrutural. Mas, como efeito mesmo da saturagio de processos, ela problematiza as proposigées, apontando para o “desinteresse das estruturas’’(o que levara nas posicdes seguintes do programa a uma poética do instante e do gesto). Essa transformagao € operada namanifestagio ambiental pela devoracao das imagens; é efeito da participacdo, que agora assume dimensio equivalente a da proposicdo. E, também, na ‘‘Tropicdlia’’ que Oiticica objetiva o ‘“‘sentido ético’’ como pratica cultural, determinando a posi¢Ao critica frente & situacio das vanguardas e com que se distingue, pela radicalidade e lucidez, das demais propostas de atuagdo cultural: ‘“Tropicdllia é a primeirissima tentativa consciente, objetiva, de impor uma imagem obviamente ‘brasileira’ ao contexto atual da vanguarda e das manifestaces em geral da arte nacional (...). Veio contribuir fortemente para essa objetivacao de uma ‘imagem brasileira’ total, para derrubada do mito universalista da cultura brasileira’. Estrutura e comportamento se entre-exprimem na ‘‘Tropicalia’’, de modo que a “‘sintese imagética’de Oiticica nao significa sintese de elementos contraditérios, qual uma dialética. As dualidades sao constantemente devoradas como efeito da participago; as séries convergem num sentido paradoxal, diferenciador. A forca de ‘“Tropicalia”, como solugao das relagées entre construtividade e vivéncia e como posicao cultural, esta nisso: nao propée um resultado que supere as contradicdes dos elementos justapostos, mas expde 0 Processo de constitui¢ao das contradi¢Ges enunciadas. Sistema delirante, maquina de produgao de sentido, ‘‘Tropicdlia” é um ambiente-acontecimento que opera transformacées de comportamentos: desconstréi as experiéncias (dos participan- tes, do propositor) ¢ as referéncias (culturais, artisticas), impedindo a fixacdo de uma “‘realidade’’constituida. Os fragmentos de processos, mitos e vivéncias tomam-se signos que simulam efeito de realidade no sistema ambiental. Estabe- lece-se no jogo a corrosio de identidades expectativas, como descolonizacao do Sujeito (que é multiplicado)e desnaturalizagao das referencias (que sio demitizadas). Processo conjuntivo e ambivalente, ‘“Tropicélia’’ joga com significagdes Sbvias € ocultas: 0 objetivo & provocar a explostio do dbvio, na participagio™. A significacao oculta nao é, pois, um sentido profundo, anterior Aimagens, de que elas seriam a representaco. O oculto da ‘*Tropicélia’’ é o mais manifesto: o modo de agenciamento das imagens, das linguagens, dos comportamentos. “‘Tropicélia’’ determina a ‘‘posicao critica’’ de Oiticica: a “‘objetivagdo de uma imagem brasileira’, pela ‘‘tentativa ambiciossissimade criar uma linguagem nossa” ,néio se faz pela figuragéio de uma realidade como totalidade sem fissuras, mas pela devoracao de imagens que encenam uma cultura brasileira. Esta devoracio se atribui aos protagonistas: apropriando-se de elementos da mistura, conjugam estrutura e fantasia. No ambiente tramam-se intervengdes que vo estendendo as proposigdes. Com isso, tudoo que é traco cultural ¢ ressignificado. A aco ambiental é um dispositivo dessacralizador; monta uma situagao em que as significagdes apropriadas s4o continuamente desapropriadas. O si i fixa estruturalmente, pois se faz como circularidade ¢ troca: recodificados, os elementos culturais sio devorados; confundidos em suas expectativas, os partici- pantes liberam seus desejos ludicamente. A“‘Tropicdlia”’ desloca o que se designa como arte, e, simultanea- mente, omodo de atuacdo cultural. Propée uma linguagem que compatibilizaséries divergentes (0 conceitual eo ‘‘fenémeno vivo””), que deve ser distinguida, naquela situagao brasileira, dos efeitos de produndidade, figurados alegoricamente nas assincronias culturais. A ‘‘Tropicalia’ encena as dualidades, presentificando as diferencas: dai o efeito de indeterminago que produz, impedindo a fixagdo de significados. Como manifestacao ambiental, ‘‘Tropicélia’” no produz uma idéia totalizadora de Brasil (incompreensivel, irracional, exuberante, absurdo, surreal): estilhaca esta representacdo. As raizes profundas sobem & superficie e sio arrancadas; o Brasil nfo se classifica como imagem. No labirinto experimenta-se © ilimitado e a indeterminago, a transmutacao como perda da identidade na construgao de diferentes identidades. A ‘‘Tropiclia’’ é um projeto especifico de vanguarda, que se diferencia das tendéncias internacionais (nas quais estava boa parte dos artistas brasileiros), incidindo, nfio no tema da “‘realidade brasileira’” (como era comum), mas na constituicéo de uma linguagem moderna, que nao distingue o nacional do internacional. Alheia ao exclusivismo da experimentac4o ‘ou da expresso de conteiidos do nacional e popular, a Tropicdlia conjuga experimentalismo e critica jogando com a ambivaléncia e a indeterminacao, de modo que as solucdes engendradas determinam o problema - 0 que resiste a0 consumo das imagens. 38 ‘Assim, ao articular com a ““Tropicélia’” uma linguagem-comporta- mento, que engloba as operacdes construtivas e as proposicdes vivenciadas num inico proceso, Oiticica contribui para desestabilizar as experiéncias da vanguarda brasileira e as interpretagSes culturais hegeménicas. Ao insistir na ‘‘urgéncia da colocagao de valores num contexto universal’, para ‘‘superar uma condig&o provinciana estagnatéria”*, rompe com os debates que monopolizavam as praticas artisticas e culturais. Ecom “‘Tropicélia’*(o projeto e a teorizacao) que Oiticica participa ativamente de um do momentos mais criticos e criativos da cultura brasileira. Ela realiza o seu programa ambiental (estendido a vanguarda brasileira, como fica patente no texto ‘‘Esquema Geral da Nova Objetividade’’) e junta-se a outras manifestagdes - como ‘Terra em Transe”” de Glauber Rocha, ‘“O Rei da Vela’*do Teatro Oficina e a musica do grupo baiano. © que identifica essas produgdes como “‘tropicalistas”, é a radicalidade critica, cujo principio é a devoraco. A antropofagia oswaldiana foi reatualizada, naquele periodo, tornando-se estratégica na revisao cultural e produ- do artistica. O tropicalismoevidenciou oconflito das interpretagdes do Brasil, sem apresentar um projeto definido de superacio dos antagonismos; expds a indeterminago da historia e das linguagens, devorando-as; ressuscitou os mitos da cultura urbano-industrial, misturando os elementos arcaicos e modemos, explici- tos ou recalcados, ressaltando os limites das polarizagGes ideolégicas no debate cultural em curso. Das produgées tropicalistas, ¢ notavel a semelhanca entre a “Tropicalia’’ de Oiticica e ado Grupo Baiano de musica popular. Resguardando- seas diferengas em termos de repercussdo, a comparacao delas revela coincidéncia de proposta, de linguagem e de critica. Em ambas, o experimentalismo articula o construtitivo e o comportamental; a participacdo é constitutiva da produgdo ¢ a critica, efeito da abertura estrutural. Entretanto, importa ressaltar que as semelhan- as nao decorrem de influéncias (o ambiente de Oiticica é anterior ao surgimento do tropicalismo musical), mas da circulagao de idéias. A énfase no conceitual e no vivencial era tendéncia comum nas artes; o tom critico impunha-se, como ruptura, no imagindrio da participacdo. As duas experiéncias sao estruturalmente semelhantes: operam descentramento cultural com procedimentos criticos que combinam construtividade € dessacralizagao; deslocam a discussio sobre as relagdes de arte e participagao superando a oposigao entre ‘‘arte participante’’ ¢ ‘‘arte alienada’’; definem 39 relagGes entre fruicdo estética e critica social, em que esta se desloca do tema para 08 processos e procedimentos. Sio, assim, produgdes que afirmam dois sentidos simultaneos: designam aspectos da cultura enquanto desconstroem as linguagens que a pressupée totalizada. Valorizando a atividade tropicalista, Oiticica vincula-a as suas experiéncias ambientais. Ao tracar o paralelismo das duas propostas, ressalta as “‘conexGes do grupo baiano com problemas universais da vanguarda”’, por sua visio estrutural, radicalidade critica, e posi¢ao revoluciondria no processo de revisao cultural e de renovacao das artes no Brasil*. Essa posigao € assim detectada nasatividades do grupo baiano: nao hdai distingao entre experimentalismoe critica da cultura; no ha privilégio entre posigées discrepantes, quando se trata de “‘constatar um estado geral cultural’’ e, finalmente, nao se distingue a repressao da ditadura e da “intelligentsia bordejante” (a critica e 0 pablico de uma certa \istas uma pratica que se assemelha sua, como se explicita na ‘“Tropicdlia’””: a renovagao de comportamentos, de critérios dejuizo, etc. passa pelo modo de producio, aliando conceitualismo, construtividade e vivéncia. Ambas as produgées originam conjunto heteréclitos, em que processos artisticos e culturais diversos sao justapostos e, efeito da devoracao, reduzidos a signos que agenciam ambivaléncia critica. Os tropicalistas, diz Oiticica, ‘‘modi- ficam estruturas, criam novas estruturas’”. Ao identificar nas misicas tropicalistas a estrutura das ‘“‘manifesta- ges ambientais’’, Oiticica toca no nucleo da experimentacao do grupo baiano, naquilo que foi respons4vel pelo inusitado de sua interven¢o na misica brasileira e nos debates culturais do tempo. As musicas se desenvolvem como eventos que descentram a percepcao organizada por continuidade, propondo-se como acées que exigem do ouvinte a produgao de significados. A cascata de imagens gera uma temporalidade estranha & comunicagao, & representacdo de sentimentos e idéias, numa palavra, a expresso. As miisicas tropicalistas cruzam varias duragdes presentificadas e temporalizam espacos, explorando, assim, a ambivaléncia das significagdes conjugadas. Estruturas abertasa fantasia dos ouvintes-participadores, as musicas simulam uma realidade em desagregacao, hiperbolizando contradic¢ées (culturais, artisticas, politicas). O receptor nao “‘ouve’’ propriamente as miisicas, mas realiza idéias, estabelece relagdes, acompanhando desenvolvimentos e neles interferindo. Participando de uma festa, que também é farsa, vé desdobrar-se um_ painel, que aparentemente designa o Brasil (a “‘realidade brasileira’), mas, que leva a uma metafora terminal, a uma alegoria do Brasil. A critica tropicalista das inconsisténcias da cultura brasileira faz-se ludicamente, com um jogo conjuntivo ambivalente que explora a indeterminagao do sentido. 40 A convergéncia de projeto e de linguagem evidencia-se, ainda, nas experiéncias com as imagens. A ‘‘Tropicalia’’ de Oiticica e a dos Baianos constituem repertérios de imagens em que se condensam representagdes da “cultura brasileira” e vivéncias. Ambigiias, pois resultam de um processo conjuntivo em que se combinam elementos heterogéneos, essas imagens afirmam e negam simultaneamente a posi¢ao de cada elemento, neutralizando os significa- dos por eles fixados. Organizadas em séries, as imagens compdem proposigées de duplo sentido: o dbvio em que literalmente expdem fragmentos culturais caracte- rizados como tipicamente brasileiros; 0 oculto, que faz. critica desses esteredtipos. Produces significantes, as manifestagdes “‘tropicalistas’’ instalam o receptor como protagonista de agdes que constituem o sentido das imagens. Nas miisicas, produzem-se imagens estranhas e alusivas; enigmaticas como as da elaboracao onirica, materializam-se como exercicio surrealista. JA no ambiente de Oiticica a alusdo nao efetua um movimento decisivo em direcao a um sentido profundo a ser decifrado, pois a relacdo entre significados ébvios e ocultos nao exige que a designacao literal seja vencida pela figurada, tal como ocorre nas musicas, que, assim, compéem alegorias. Essa distingaio de niveis de produgao significante deriva, evidentemente, da singularidade de cada uma das posticas. Embora ambas tenham linguagens semelhantes, a mistura efetua-se diferentemente. Nas musicas, © efeito surreal resulta da construcdo textual; no ambiente de Oiticica 0 que sobressai ¢ a exposigao sensorial dos materiais, Naquelas, o fluxo continuo das imagens produz metatorizacdo; neste, residuos e objetos coexistem, gerando sincretismo e indiferenciacao. Entretanto, em ambas as produgées 0 resultado do trafego entre as imagens desiyna um heterdclito que nao significa um todo homogéneo (o Brasil. a cultura brasileira), mas 0 despedagam: provocam a explosao do dbvio. Nas misicas, 0 desenrolar das imagens monta a cena da fantasmagoria, fazendo emergir uma “realidade brasileira” alucinada; na “Tropicalia’’ de Oiticica elas figuram proposicdes que visam a “‘objetivagao de uma imagem brasileira total, para a derrubada do mito universalista da cultura brasileira’’, Umas figuram as indeterminagées culturais, sugerindo uma totalidade de incompossiveis no presente e excluindo qualquer forma de realizacao na utopia; a outra indicia processos de atuagao cultural, As duas produces montam disposi- tivos que exploram 0 conflito entre designagao e signifieagao, desmobilizando as expectativas dos receptores, suscitando neles o desejo de produgao. Oiticica ressalta, ainda, como elemento fundamental do “‘carater revolucionario implicito nas criagdes e posigdes do grupo baiano”’, a simultanei- dade da critica e da insercao do mercado. Ao tematizar esta questo, Oiticica tem em vista nao so o ser a musica popular mediatizada enquanto mercadoria, como, 41 principalmente, que a indistingZo feita pelos tropicalistas entre o estético ea mercadoria faz parte da sua estratéyia de dessacralizacao. O consumo é um dos elementos da produco cultural; por isso, para enfrentar a “*convi-conivéncia"” brasileira nfo se poderia dele fugir: mais certo, para ele, é ““consumiro consumo”’. Assim, 0 consumo é uma das “‘categorias transformadoras"", mobilizadas pela experimentagao tropicalista, como modo de enfrentar e dissolver as dualidades etigidas como oposicdes: participagdo/alienacao, nacional/intemacional, popular/ comercial, etc. Estas disjungdes, que no debate cultural definiram posicdes sectérias, foram deslocadas por Oiticica e pelos Baianos, tanto para ressaltar a complexidade das formas de dominacio, como para retomar a discussio do preconceito quanto & “‘massificagdo’’. Novamente, a posigo tomada por eles deriva da matriz. antropoffgica. O uso de elementos da cultura de massa, diz Oiticica, contribui para "exprimir processos criativos abertos”” A integragao do consumo como elemento da producao nao elide o controle; explora a ambivaléncia desse elemento. Se de um lado a misica popular € um campo décil a dominacao da industria cultural, nao deixa também de se afirmar como tentativa de transformacao da sensibilidade e das convencdes. Os tropicalistas exploraram esta possibilidade segundo, ao menos, duas diregdes: refletindo metalingiisticamente sobre processos artisticos e explicitando os meca- nismos de producdo da arte na situagdo em que operavam” A desmistificac&o das relacdes entre criag&o e mercantilizacao destoava do enfoque parcial das posicdes que, a esquerdae A direita, condenavam envolvimento comercial da arte. O aspecto comercial, assim como a integracao das técnicas modemas, era visto ora como submissao & légica do consumo, ora como absorgiio de modas. Nao se rejeitava, contudo, 0 uso dos “novos meios de comunicacao’’, sejaem vista da conscientizaco, sejaem vista da informacio. Aos tropicalistas, contudo, nao parecia possivel apropriar-se do sistema de produgaoe comercializac&io, quanto aos recursos que este oferecia, e, a0 mesmo tempo, separar-se dele para preservar uma suposta neutralidade da criagao e veiculagao de arte. A valorizagao, por Oiticica, da pritica tropicalista, evidencia a ‘“posicao critica universal permanente’”, que juntamente com “‘oexperimental"”, éelemento construtivo. Faz parte do projeto que assume as ambivaléncias como modo de enfrentar a “‘diarréia’” brasileira. A Tropicélia foi concebida para expor esta situago, sob a forma de uma ‘‘imagem brasileira total" NOTAS: 1) Segue-se aqui uma interessante idéia de J, F. | yotard: **J’observe (...) que le véritable processus de I’avant-gardisme a été en réalité une sorte de travail, long, obsting, hautement reponsable, touené vers la recherche des presuppositions impliqués dans la modernité. Je veux dire que pour bien comprendre I’oeuvre des peintres modernes, disons de Manet & Duchamp ou Barnett Newman, il faudrait comparer leur travail avec une anamnése au sens de la thérapeutique psychanalytique. Comme le patient essaie d’élaborer son trouble présent en associant librement des éléments apparemment inconsistants avec des situations passées, ce qui lui permet de découvrir des sens cachés de sa vie, de sa conduite (...)". Cf. Le Postmoderne expliqué aux enfantx. Paris, Galilée, 1986, p.125. 2) Hélio Oiticica, “Brasil Diarréia"*. In Ferreira Gullar (org.), Arte Brasileira Hoje, Rio, Paz e Terra, 1973, p.147. 3) Cf. Haroldo de Campos, ‘“O Voo da razio sensivel de Helio Oiticica’’. Entrevista a Lenora de Barros, Fotha de Sao Paulo, 26/7/87, p. A-55. 4) Cf. “Brasil Diarréia’”’, op.cit., p.147. 5)Cf. A.M. Rieu, “La Machinerie Hyperréaliste’”.In Voir, Entendre(Revued'Esthétique, 1976/4). Paris, U.G.E., Coll. 10/18, 1976; Cl. Greenberg, ““Depois do Expressionismo Abstrato””. Trad. bras. in Gavea, n? 3, Rio, PUC-RJ, 1986, 6) Hélio Oiticica, Aspiro ao Grande Labirinto (selegao de textos org. por Luciano Figueiredo, Lygia Pape ¢ Waly Salomao). Rio, Rocco, 1986, p.54. 7) CE. catélogo de ** Opinio 65"*. Ciclo de Exposigies sobre arteno Rio de Janeiro. Galeria Banerj, agosto 1985. 8) Cf. Aspiro ao Grande Labirinto, p.73. 9) CF. “Brasil Diarréia’, op.cit., p.152. 10) Cf. Aspiro a0 Grande Labirinto, p.103 11) Idem, p.111. 12) Cf. “*Situagao da Vanguarda no Brasil’’. In AGL, p.110. 13) Cf. “Esquema Geral da Nova Objetividade”’. In AGL, p.84, 14) Cf, Otitia B. F. Arantes, “De Opinio 65 4 XVIII Bienal”’. In Novos Estudos Cebrap, n° 15. Séo Paulo, 1986, p.69 e ss. 15) Cf. Aspiro a0 Grande Labirinto, p.97. 16) Idem, p.97. 17) Idem, p.84. 18) Hétio Oiticica, Instancias do Problema do Objeto"*. In GAM, n° 15. Rio, 1968. 19) CE. Aspiro a0 Grande Labirinto, p. 95 20) Cf. “Brasil Diarréia’*, op.cit., p.150. 21) Idem, ibidem, p.152 22) Hélio Oiticica, ““Experimentar 0 Experimental". In Navilouca. Rio, 1973. 23) Cf. Aspiro ao Grande Labirinto, p.106 108. 24) Cf. Carlos Zilio, “Da Antropofagia & Tropicilia’. In O Nacional e © Popular na 43 Cultura Brasileira - Artes Plisticas ¢ Literatura. So Paulo, Brasili 25) Cl. “Brasil Diarréia’’, op.cil. p. 148-9. 26) Hélio Oiticica, “0 sentido de vanguarda do grupo baiano"*. In Correia da Mar:ha, Rio de Janeiro, 24/1 1/68, 27) CI. Celso F, Favaretto, Tropiedlia, Alegoria Alegria. Sao Paulo, Kairos, 1979. . 1982, p30. TO ¢ professore pesquisudor da Universidade de Sado Paulo, Doutor em Filosofia pela Universidade de Sao Pauto,

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