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Este documento discute a importância do diálogo entre educadores e alunos, onde o educador fala com o aluno e ouve ativamente o aluno. Defende que uma abordagem democrática é essencial para formar cidadãos críticos, ao contrário de abordagens autoritárias ou espontâneas.
Este documento discute a importância do diálogo entre educadores e alunos, onde o educador fala com o aluno e ouve ativamente o aluno. Defende que uma abordagem democrática é essencial para formar cidadãos críticos, ao contrário de abordagens autoritárias ou espontâneas.
Este documento discute a importância do diálogo entre educadores e alunos, onde o educador fala com o aluno e ouve ativamente o aluno. Defende que uma abordagem democrática é essencial para formar cidadãos críticos, ao contrário de abordagens autoritárias ou espontâneas.
De falar ao educando a falar com ele; de ouvir o educando a ser
ouvido por ele. In: FREIRE, Paulo. Professor sim, tia no: cartas a quem ousa ensinar. So Paulo: Paz e Terra, [1993] 2013. p. 83- 92.
Terceira carta - De falar ao educando a falar a ele e com ele; de ouvir
o educando a ser ouvido por ele.
Partamos da tentativa de inteligncia do enunciado acima, em cujo primeiro corpo se
diz: De falar ao educando a falar a ele e com ele. Poderamos organizar este primeiro corpo sem prejudicar-lhe o sentido, assim: Do momento em que falamos ao educando ao momento em que falamos com ele; ou Da necessidade de falar ao educando necessidade de falar com ele; ou ainda importante vivermos a experincia equilibrada, harmoniosa, entre falar ao educando e falar com ele. Quer dizer, h momentos em que a professora, enquanto autoridade, fala ao educando, diz o que deve ser feito, estabelece limites sem os quais a prpria liberdade do educando se perde na licenciosidade, mas estes momentos, de acordo com a opo poltica da educadora, se alternam com outros em que a educadora fala com o educando. No demais repetir aqui essa afirmao, ainda recusada por muita gente, apesar de sua obviedade, a educao um ato poltico. A sua no neutralidade exige da educadora que se assuma como poltica e viva coerentemente sua opo progressista, democrtica ou autoritria, reacionria, passadista ou tambm espontanesta, que se defina por ser democrtica ou autoritria. que o espontanesmo, que s vezes d a impresso de que se inclina pela liberdade termina por trabalhar contra ela. O clima de licenciosidade que ele cria, de vale-tudo, refora as posies autoritrias. Por outro lado, certamente, o espontanesmo nega a formao do democrata, do homem e da mulher libertando-se na e pela luta em favor do ideal democrtico assim como nega a formao do obediente, do adaptado, com que sonha o autoritrio. O espontanesta anfbio vive na gua e na terra no tem inteireza, no se define consistentemente pela liberdade nem pela autoridade. Seu clima o da licenciosidade em que curte seu medo liberdade. Da que eu tenha falado na necessidade de o espontanesta, superando sua indeciso poltica, finalmente se definir em favor da liberdade, vivendo-a autenticamente ou contra ela. Este , como estamos vendo na anlise que realizamos, um problema em que se insere a questo da liberdade e da autoridade em suas relaes contraditrias. Questo muito mais mal compreendida entre ns do que lucidamente entendida. O fato mesmo de estarmos sendo uma sociedade marcadamente autoritria, com forte tradio mandonista, com inequvoca inexperincia democrtica enraizada na nossa histria, pode explicar nossa ambigidade em face da liberdade e da autoridade. importante notar, tambm, que essa ideologia autoritria, mandonista, de que nossa cultura se acha empapada, corta as classes sociais. O autoritarismo do ministro, do presidente, do general, do diretor da escola, do professor universitrio o mesmo autoritarismo do peo, do cabo ou do sargento, do porteiro do edifcio. Quaisquer dez centmetros de poder entre ns viram facilmente mil metros de poder e de arbtrio. Mas, precisamente porque no fomos ainda capazes, na prtica social, de resolver esse problema, de t-la claro diante de ns, tendemos a confundir o uso certo da 58autoridade com autoritarismo e, assim, porque negamos esse, camos na licenciosidade ou no espontanesmo pensando que, pelo contrrio, estamos respeitando as liberdades, fazendo, ento, democracia. Outras vezes, somos autoritrios mesmo, mas nos pensamos e nos proclamamos progressistas. De fato, porm, porque recuso o autoritarismo no posso cair na licenciosidade da mesma forma como, rejeitando a licenciosidade, no posso me entregar ao autoritarismo. Certa vez afirmei: um no o contrrio positivo do outro. O contrrio positivo quer do autoritarismo manipulador quer do espontanesmo licencioso a radicalidade democrtica. Creio que estas consideraes vm aclarando o tema desta carta. Posso afirmar agora que, se a professora coerentemente autoritria, ela sempre o sujeito da fala, enquanto os alunos so continuamente a incidncia de seu discurso. Ela fala a, para e sobre os educandos. Fala de cima para baixo, certa de sua certeza e de sua verdade. E at quando fala com o educando como se estivesse fazendo favor a ele, sublinhando a importncia e o poder de sua voz. Esta no a forma como a educadora democrtica fala com o educando, nem sequer quando fala a ele. Sua preocupao avaliar o aluno, constatar se ele a segue ou no. A formao do educando, enquanto sujeito crtico que deve lutar constantemente pela liberdade, jamais move a educadora autoritria. Se a educadora espontanesta, na posio do deixa como est para ver como fica, abandona os educandos a si mesmos e termina por nem falar a nem falar com os educandos. Se, porm, a opo da educadora democrtica e a distncia entre seu discurso e sua prtica vem sendo cada vez menor, vive, em sua cotidianeidade escolar, que submete sempre sua anlise crtica, a difcil mas possvel e prazerosa experincia de falar aos educandos e com eles. Ela sabe que o dilogo no apenas em torno dos contedos a serem ensinados mas sobre a vida mesma, se verdadeiro, no somente vlido do ponto de vista do ato de ensinar, mas formador tambm de um clima aberto e livre no ambiente de sua classe. Falar a e com os educandos uma forma despretensiosa mas altamente positiva que tem a professora democrtica de dar, em sua escola, sua contribuio para a formao de cidados e cidads responsveis e crticos. Algo de que tanto precisamos, indispensvel ao desenvolvimento de nossa democracia. A escola democrtica, progressistamente ps-moderna e no a ps-modernamente tradicional e reacionria, tem um grande papel a cumprir no Brasil atual. Longe de mim, contudo, ao insistir na temtica da escola ps-modernamente progressista, pensar que a salvao do Brasil est nela. Naturalmente, a viabilizao do pas no est apenas na escola democrtica, formadora de cidados crticos e capazes, mas passa por ela, necessita dela, no se faz sem ela. E nela que a professora que fala ao e com o educando ouve o educando, no importa a tenra idade dele ou no e, assim, ouvida por ele. ouvindo o educando, tarefa inaceitvel pela educadora autoritria, que a professora democrtica se prepara cada vez mais para ser ouvida pelo educando. Mas, ao aprender com o educando a falar com ele porque o ouviu, ensina o educando a ouv-la tambm. As consideraes anteriores em torno da posio autoritria, da posio espontanesta, da que chamo substantivamente democrtica podem ser aplicadas, obviamente, ao problema de ouvir o educando e ser ouvido por ele. Esta a questo crucial do direito voz que tm educadoras e educandos. Ningum vive plenamente a democracia nem tampouco a ajuda a crescer, primeiro, se interditado no seu direito de falar, de ter voz, de fazer o seu discurso crtico; segundo, se no se engaja, de uma ou de outra forma, na briga em defesa deste direito, que, no fundo, o direito tambm a atuar. Assim, porm, como a liberdade do educando, na classe, precisa de limites para que no se perca na licenciosidade, a voz da educadora e dos educandos carece de limites ticos para que no resvale para o absurdo. to imoral ter nossa voz silenciada, nosso corpo interditado quanto imoral o uso da voz para falsear a verdade, para mentir, enganar, deformar. O meu direito voz no pode ser um direito ilimitado de dizer o que bem entender do mundo e dos outros. O de uma voz irresponsvel que mente sem nenhum mal-estar desde que da mentira se espere um resultado favorvel aos desejos e aos planos do mentiroso. preciso e at urgente que a escola v se tornando um espao acolhedor e multiplicador de certos gostos democrticos como o de ouvir os outros, no por puro favor mas por dever, o de respeit-los, o da tolerncia, o do acatamento s decises tomadas pela maioria a que no falte contudo o direito de quem diverge de exprimir sua contrariedade. O gosto da pergunta, da crtica, do debate. O gosto do respeito coisa pblica que entre ns vem sendo tratada como coisa privada, mas como coisa privada que se despreza. incrvel a maneira como se desperdiam as coisas entre ns e em que extenso e profundidade. Basta ler a imprensa diria e acompanhar noticirios de televiso para nos dar conta dos milhes que se jogam fora pelo desuso de aparelhos carssimos de hospitais, pelas obras que, por desonestidade na sua construo, se deterioram antes do tempo. Obras milionrias que quase misteriosamente se evaporam deixando apenas vestgios. Se os administradores responsveis por tais descalabros fossem punidos, pagassem nao e/ou fossem para a cadeia, obviamente com direito de defesa, a situao melhoraria. Uma atividade a ser includa na vida normal poltico-pedaggica da escola poderia ser a discusso, de quando em vez, de casos como os de que falei agora. A discusso com alunos sobre o que representa para ns, a curto e a longo prazo, semelhante sem- vergonhice. Do ponto de vista do desfalque material na economia da nao como do dano tico que esses descalabros nos causam a todos ns. preciso mostrar as cifras s crianas, aos adolescentes e dizer-lhes com clareza e com firmeza que o fato de os responsveis agirem assim, despudoradamente, no nos autoriza, na intimidade de nossa escola, a arrebentar as mesas, estragar o giz, desperdiar a merenda, sujar as paredes. No vale dizer: Os poderosos fazem, por que no fao eu? Os poderosos roubam por que no roubo eu? Os poderosos mentem por que no minto eu?. No vale. Decididamente, no vale. No se constri nenhuma democracia sria, que implica mudar radicalmente as estruturas da sociedade, reorientar a poltica da produo e do desenvolvimento, reinventar o poder, fazer justia aos espoliados, abolir os ganhos indevidos e imorais dos todo-poderosos sem prvia e simultaneamente trabalhar esses gostos democrticos e essas exigncias ticas. Um dos equvocos dos marxistas mecanicistas foi viver e no apenas pensar nem tampouco afirmar que, por ser supraestrutura, a educao no tem o que fazer antes que a sociedade seja radicalmente transformada na sua infraestrutura, nas suas condies materiais. Antes, o que se pode fazer a propaganda ideolgica para a mobilizao e a organizao das massas populares. Nisto, como em tudo, os mecanicistas falharam. Pior ainda, atrasaram a luta em favor do socialismo que eles antagonizaram com a democracia1. Um outro gosto democrtico, de que o seu contrrio antagnico se acha entranhado em nossas tradies culturais autoritrias, o gosto do respeito aos diferentes. O gosto da tolerncia de que o racismo e machismo fogem como o diabo da cruz. O exerccio desse gosto democrtico, numa escola realmente aberta ou se abrindo teria que cercar o gosto autoritrio, racista ou machista, primeiro, em si mesmo, como negao da democracia, das liberdades e dos direitos dos diferentes, como negao de um necessrio humanismo. Segundo, como expresso de tudo isso e, ainda, como contradio incompreensvel quando o gosto anti-democrtico, no importa qual seja, se expressa na prtica de homens ou de mulheres reconhecidos como progressistas. Que dizer, por exemplo, de um homem considerado como progressista que, apesar do discurso em favor das classes populares, se comporta como proprietrio de sua famlia? Homem cujo mandonismo asfixia mulher, filhos e filhas? Que dizer da mulher que luta na defesa dos interesses de sua categoria mas que, em casa, raramente agradece cozinheira pelo copo de gua que ela lhe traz e que, em conversas com amigas, chama a cozinheira de essa gente? difcil, realmente, fazer democracia. que a democracia, como qualquer sonh8, no se faz com palavras desencarnadas, mas com reflexo e prtica. No o que digo o que diz que eu sou democrata, que no sou racista ou machista, mas o que fao. preciso que o que eu diga no seja contraditado pelo que fao. o que fao que diz de minha lealdade ou no ao que digo. Na luta entre o dizer e o fazer em que nos devemos engajar para diminuir a distncia entre eles, tanto possvel refazer o dizer para adequ-la ao fazer quanto mudar o fazer para ajust-lo ao dizer. Por isso a coerncia termina por forar uma nova opo. No momento em que descubro a incoerncia entre o que digo e o que fao discurso progressista, prtica autoritria se, refletindo, s vezes sofridamente, apreendo a
1
Freire, Paulo. Pedagogia da esperana: um reencontro com a pedagogia do oprimido. So Paulo: Paz e Terra, 1992.
ambigidade em que me acho, sinto no poder continuar assim e busco uma sada. Desta forma, uma nova opo se impe a mim. Ou mudo o discurso progressista por um discurso coerente com a minha prtica reacionria ou mudo minha prtica por uma democrtica, adequando-a ao discurso progressista. H final-mente uma terceira opo: a opo pelo cinismo assumido, que consiste em encarnar lucrativamente a incoerncia. Acho que uma das formas de ajudar a democracia entre ns combater com clareza e segurana os argumentos ingnuos mas fundados no real ou em parte dele, segundo os quais no vale a pena votar; que poltica sempre assim, esse descaramento geral, vergonhoso. Que todos os polticos so iguais: Por isso, vou votar agora em quem faz, mesmo que roube. Na verdade, as coisas so diferentes. Esta a forma que nos est sendo possvel de fazer poltica, mas no necessariamente esta a forma que sempre teremos de fazer poltica. No a poltica que nos faz assim. Ns que fazemos esta poltica e indiscutivelmente a poltica que fazemos, agora, de melhor qualidade do que a que se fez na minha infncia. E, por fim, no so todos os polticos que fazem poltica assim nos diferentes nveis de governo e em diferentes partidos polticos. Como educadoras e educadores no podemos nos eximir de responsabilidade na questo fundamental da democracia brasileira e de como participar na busca de seu aperfeioamento. Como educadoras e educadores somos polticos, fazemos poltica ao fazer educao. E se sonhamos com a democracia, que lutemos, dia e noite, por uma escola em que falemos aos e com os educandos para que, ouvindo-os possamos ser por eles ouvidos tambm.