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me EU QUERO SER UMA PESSOA: REVOLTA CAMPONESA E POLITICA NO BRASIL! Janaina Amado Professore do Depatamento 6g Hitiia da Universisade Fedral de Goige Este estudo analisa as motivagSes dos trabalhadores rurais brasileiros que durante as décadas de 1940 ¢ 1960 migraram come posseiros para o Estado de Goids e ali pro- moveram 0 contlito social conhecido como Revolta do Formoso ou Revolta de Trom- bas, O argumento aqui apresentado 6 0 de que esses posseiros, com base tantona expe- niéncia histérica quanto em suas praticas didrias, desenvolveram uma nogao muito com plexado que significa ser camponés, resumida nas expressies “ser alguém"” e “ser uma pessoa”, Constantemente atualizada, essa nogiie funcionou como uma espécie de bus- sola para os posseiros, Lacalizou-os na sociedade, orientou as relagées entre suas histdrias pessoais ea histéria da nagao, orce- noulhes passado e presente e apontou escolhas politicas. Indicou-lhes, enfim, os caminhos a seguir, nos tempos de querra e fos tempos de paz. Q trabaino esta estruturade em quatro partes: Parte | enfeca o problema central da identidade, @ partir das histérias de vida de dois revoltosos; Parte Il situa a revolta no seu contexto histérico; Parte Ill analisa 0 processe social de construgéo da nogéo de pessoa entie es camponeses; & Parte IV relaciona 0 projeto camponés ao conjunto da sociedade brasileira. Devido @ minha dificuldade em com- preender © seu mundo, os participantes do "Ura primeira versie Sodely, d Formoso tiveram de ser muito pacientes comigo © de recorer a uma gama quase infindével de recursos para tentar me trans. mitir as experiéncias da sua cultura. Eles me contaram historias detalhadas sobre tudo © que realmente importa na vida: pessoas, terra, biches, trabalho, assombragées, sofri- mento, liberdade. Eles me contaram essas histérias do jeito e na ordem em que devem ser contadas, relacionando as coisas exat: mente como se encontram no mundo. Por exemplo: viagens se relacionam com aven~ turas.e lobisomens; terra, com mae; rezas, com chuvas; infancia, com riso e medo; pes- soas, com dignidade; patrées e donos de terra, com controle sobre a tempo € com sucuris, @ assim por diante. Eles recorreram ao humor, as alego- fias, 2 meméria, 4s fantasias. Cantaram cangdes que aprenderam dos pais e que os pais aprenderam dos avds, e também can- 968s que eles propries Inventaram, Dangaram a catira, 0 ford, 0 catimbs. Recitaram qua- drinha: “No Formoso ui tenhe um conto/Em ‘Trombas, um conto e cem/Nas Lages eu volte semprefPor conta dum amor que eu tem”... Explicaram-me, com toda a paciéncia de mundo, a serventia para cada tipo de reza, Cozinharam para mien, revelande ingredien- tes e modos de fazer. Responderam as minhas mais elementares perguntas sobre a sofisticada etiqueta que rege em minticias as relagdes entre as pessoas: o que se deve 10 deste trabalho foi diseutda no semindno do Pregram in Atantic History, Culture and Departamentos de Histéria @ Antropologia da Universidade Johns Hopkins. Agradeco a todos 0 que ene apresentaram sugestoes, espacialmonte a Sidney Mintz, Richard Kagan o John Russell Weod, famiges slenesoees @ flerloeutares esimulantas durante tade © ano em que permanaci na Hopiine. A pesquisa para este esiudo foi linanciada pelo CNPq, sem esse apoio, no teria sido possivel reclizé-ta 47 48 ‘OU nao dizer, 08 gestos, olhares e siléncios, @ ordem certa das frases, os modos de agir apropriados, os quando, os como, os por- qués. Misturaram as cangoes, dangas, RoEmas, receitas © rezas com as histérias ‘que contaram. Essas historias, por sua vez, mesclaram-se com provérbios, com brinca: deiras, com o dia-a-dia da vida das pessoas, ‘com trabalho, pobreza, doengas, parentes, negdcias, festas, amores, nascimentes & -enterfos, com objetos usados na casa ena toga € também com desejos, sentimentos, emogies. Coisas assim, tio vivas e sabias, eu transformei em trabalhos. como este, desti- nado a um ptblico especifico. Quando comparo 0 que os camponeses me mostra~ ram comoque eu mostro deles, sinto descon- farto & frustragao. O formato académice naa consegue captar a riqueza e a diversidade de uma cultura construida sobre bases tio diversas. Este €, entretanto, 0 Unico jeite que aprendi, E também — hoje estou con- Vencida — exatamente 0 formato que os rebeldes do Formoso desejariam que eu usasse. Eles ndo me transmitiram a sua his- téria simplesmente para que eu adevolvesse ales. Eles me transmitiram a sua historia para que fosse taduzida e divulgada para outros publicos & outros circulos. Ente si, dispensam tradutores: falam a mesma lin- guagem. Parte | Em uma mann do més de julho de 1980, sentia-me muito animada quando che- uci a uma remota cidadezinha do interior do Brasil, com o objetivo de entrevistar lta e Nego Carreiro. Trabalhadores rurais cuja atua- So fora fundamental no inicio da Revolta do Formosa, os dois haviam se retirado cedo da luta, & desde entéo, vivian parte dos compantheiros. As tnicas pessoas que conhe- ciamo seu paradeiro eram os meus acompa- nhantes naquela visita. ' lta € Nego Carreiro, meeiros do sul de Golds, haviam migrado em 1950 para aregiio onde depois aconteceria © conflito: a area préxima ao poveade do Farmose, no Muni- Cipio de Uruagu, a. 300 km ao norte da cidade de Goidnia. A época eles eram um casal jovem, em busca de melhores condigdes para criar a familia. Instalaram-se como possel- TOs nas terras devolutas da regido, terras pertencentes ao Estado, e ai trabalharam duro, enfrentando © mato bruto, os animais selvagens, a ausénciade qualquer infra-estru- tura, afome, as doengas, 0 isolamento, Apés aiguns anos, jd oultivavam um tote de terra, vendiam parte de sua produgao e compra- Varn as coisas basicas de que necessitavam. Nego Carreiro completava a receita familiar transportanda, para outros posseiros, mer- cadorias no carro de boi que trouxera consigo; desde crianga exercia 0 oficio de carreiro, origem do seu apelido. ita e Nege Carreiro estavam bem no centro do conflito que estourou em 1954, envolvendo posseiros (que moravam e tra- balhavam na terra, mas nao eram proprie- tarios legais) e grileiros, que haviam falsificado titulos de propriedade © se arvoraram em legitimos donos dos lotes. Em abril de 1955, durante um encantro em que varios grilei- 105, apoiades por tropas armadas, torgavam os posseires a desistirem das passes, Nego Carreiro sacou seu revélver e matou um sar- gento da policia, em frente a varias teste- munhas. Seu gesto assinalou o comeco da fase armada da revolta, que durou anos. Apés a morte do sargento, Nego, Ita ¢ os filhos, cacades pela Policia & Exército, esconderam-se durante meses nas matas da regiao, assistidos por outros posseiros... Mas em fins de agosto de 1955, quando ficou claro que seria impossivel continuar garantinda-Ihes a seguranca, eles foram ret- rados do local e nunca mais regressaram Vinte e cinco anos depois, quando che- guei 2 casa deles, fui aos pouces tomando ‘sonhecimento do que thes havia acontecide durante aquele periodo. Enquanto a familia aumentava, 0 casal tabalhara ‘como meeiro em fazendas da. regiéo. Numa época particular: mente dificil, Nege fora obrigado a vender o seu queride carro de boi, e nunca mais conseguira recursos para comprar outro. Havia poucos anos, cam a ajuda dos filhos, o casal adquirira a casa onde toda a familia agora morava; erauma casa pequena, feitade adobe, localizada na pet feria do povoado. Apesar de velho e dente, Nego ainda ta balhava de parceria numa fazenda préxima. Desejavacbler a aposentadoria rural, mas néo sabia se tinha direito a ela, ta fazia o trabalho domésties, fiava e ajudava a criar 6s netos, Todos os filhos eram lavra- dores. Nenhum conseguira tomer-se proprie- trio. Com a intengae de proteger a familia, © casal havia decidido ndo revelar a nin- guém, nem aos filhas, a sua participagde na Flevolta do Formoso. Omitiram toda e qual- quer referéncia a0 episddio, coma se este nunca houvesse acontecido. Ita e Nego fize- ram ainda mais: a0 abandonar a regiao do contlito, assumiram novos nomes, pelos quais passaram @ se chamar e a ser chamados. Os filhos esqueceram ou nunca aprenderam seus nomes reais. ‘Quando cheguel, toda a familia estava reunida para se despedir de um dos filhos do casal, um rapaz jovem, easado, pai de duas criangas. Levande sua prépria familia, ele partiria dentra de trés dias para a Ama- Z6nia, para um local situado a mais de mil oe quilémetros de distancia. Queria tamar-se posseira, tentar a vida em um lote de terra que, alguém Ihe dissera, pertencia ao Estado. Sem o saber, trinta anos depois ele repeti a mesma dolorosa historia de seus pais Ao final do dia, apés entrevistar longa- mente Ita e Nego Carreira, nao resisti e fiz a ele a pergunta que estivera em minha cabega 0 dia inteiro: queria saber, apés tan- tos anos, como ele avaliava o papel da experiéncia do Formoso em sua vida. Afinal de contas, ela sé Ihe havia trazide prot mas, Nego enfrentara o periodo mais di da luta &, abrigado a se retirar cedo da regio, nao obtivera, como outros, um lote de terra ‘ou qualquer beneficio sécioeconémico, con- finuando a ser um homem muito pobre. Fora obrigado até a vender 0 seu carro de boi. Convivera todos os dias com o medo de ser preso, passande o resto da vida escondide “nas Sombras”, como Ita dizia, osultando de todos, inclusive dos filhos, a sua identidade. 1. Ita e Nego Carreira, assim como varios outros entrevistados, concordaram em depor desde que seus nomes Bo fosgom revelades. “Nego Carreiro” fol um apelide ganho na infines, quando comacou a guisr carros Ge bo, “ita fol umm nome escoinido apis delxar a rea de conlilo, AE duas pacsoas respensavels pela conlato-e que me acompanharam durante a visita foram Geraldo Marques, um dos lideres da revalta, e José Femandes Sabnnho. Luiz Figueiredo, meu mande, também esiava presente, 49 50 Ele se arrependia de ter matado o-sargento? Guardava muitas magoas da época da revol- ta? — Se eu tenho arrependimento do que fiz? Mas de maneira nenhuma, dena! De jeito NenhumlEu, s2 nao tivesse acontecido 0 ‘que aconteceu, acho que eu ja tinha era marrido de paixao [...] Mas, como aconte- ‘eeu 0 que aconteccu, ¢ que eu vivo justa- mente forgado e sastiteito inda hoje. —Por qué? = Porque... porque aquilo parece que me alimpou — “Alimpou”, assim como? — Alimpou, mostrou prraguele pove ruin e Id que eu no era o que eles achava que eu era. Ev penso que eu respond a slas. Mostrei que eu ora alguém, EU mos- trei que eu era uma pessoa. — Se 0 senhor no tivesse feita aquio, 0 ‘sr acha que estaria hoje como? —Acho que eu ja tinha era dade um tito.na cabeca de paixio, de pensar naqueles desa: fore que aquele povo fez, comigoe com os ‘outros de [ail Foi justamente @ lembranca do que eu fiz é que me deu forga pra viver dopois. — Se fosse preciso 0 senhor tazer tudo do nove, 0 sr. fazia? — Fazia tudo de novo. — Mesmo sabende camo seria sua vica dopois? —Tudo de novo. — Seu Nego, se tivesse um outro aconte- cimento como aquele, 0 senhor ainda era homem pra participar novamente? — Era, nao. Sou. Q encontro com Ita ¢ Nego Carreire me: emecionou € me levau a pensar. Se, como afiema parte da bibliografia, a raze principal para as populagdes rurais migrarem para areas de fronteica é puramente econémica, ‘como ento entender a atitude de Nego Car- Feiro? Como explicar a perspectiva de um hhomem, que embora nunca tenha obtide um Unico beneticio. econdmice por sua partici- pagéo na revolta, ainda afirmava residir justa- mente nesta participacso a sua razio de viver? Ampliando a questo; a motivagio ‘econémica também ¢ considerada a princi- = a pal causa das migragSes atuais para a Amazénia; mas, se assim ¢, come entao explicar a atitude de milhares de trabalhado- res rurais que continuam a migrar para |, mesmo conhecendo as fracassos econémi- cos dos que os antecederam? Parte i © movimento social conhecido como. Revolta do Formoso ou Revolta das Trom- bas foi a primeira revolta contempordnea de Bosseiros no Brasil, inaugurando a longa e trdgica sucesséo de confitos em torno da terra que vém marcando a histéria do pais nos Ultimos sessenta nos. Hoje em dia esses confiitos acontecem principalmente na Ama- z6nia porque € ld que esta a mais avancada (ea tltima) tronteira brasileira.* Ao final da década de 1949, entretando, a fronteira — isto é, a primeira faixa “livre’ de terra, contigua a uma area ainda eseas- samente ocupada — estava localizada no centro do entaa Estado de Goids. A existén- cia dessa fronteira ligava-se & politica federal de Marcha para o Oeste, inaugurada na déoada de 1930 por Getulio Vargas com o objetivo de abrir, colonizar e incorporar & economia nacional vastas reas. do interior do pais, Essas areas deveriam produzir ali Mentos @ matérias-primas, funcionar come mercados para produtos industrializados e absorver 0 excesso de populace urbana, gjudande dessa forma a sustentar a politica de industrializagéo promovida na mesma época pelo governo federal, no sudeste do pais. A regido central de Goids foi aberta pela primeira vez & colonizacao no séeula XVIII, quando se tornau um centre mineiro menor, organizado em torna de alguns povoados. Varios mineradores que para la entdo se diri- giram requereram titulos de sesmarias a Corea portuguesa, mas muito poucos obti- veram 05 registros definitivos: a corrida. do ura foi tao breve nessa parte de Goids que @ maioria dos mineiros abandonou o local antes mesmo de abter os titulos ou a confir- magio deles. As terras néo-ocupadas ou confirmadas voltaram & propriedade do Estado, na qualidade de terras devolutas, e nessamesma situagao permaneciam ao final da década de 1840: nesses duzentos anos 2 regido havia sido to isolada que ninguém realmente se interessou em requarer lotes all A condiciio de nova fronteira de Brasil quea rea adquiriu na décadade 1840, entre- tanto, mudou este quadro, Embora ainda considerada distante, nesta época a regio id era contigua a uma outra (0 sul do Esta- do) onde ocupacao maciga e algum conhe- cimento aconteciam. E — talvez 0 mais importante — a neva tromteira possuia grande quantidade de terras devolutas, que pode- fiam ser ocupadas:e depois compradas a0 Estado por pregos acessiveis. ‘ Por essas razées, entre fins da década de 1940 ¢ mea- dos dos anos 1969, milhares de posseiros chegaram a regiéio. Foi o inicio da grande migragée que nos Gltimos cingdenta anos ajudou a mudar a face: do pais Os migrantes para o Formoso vieram de varios Estados, em especial do sul de Goids e do Nordeste. Muitos eram jovens ‘casais com filhos, que J haviam migrado ao menos uma vez. Grande parte era analfa- beta e havia vivido apenas em dreas rurais. A maioria trabalhara como parceiros, alguns eam posseires, poucos recebiam salarios e apenas uma parcela minima havia conse- guido se tornar pequena proprietéria (para dados mais exatos, consultar as Tabelas | a vil). TABELA | Sexo Sexe % Hemens 59.0 Mutheros a1.0 Teta) 100.0 TABELA 11 Local de nascimenta Regia % Nordeste 427 Ceniro-Oxste aa. Norte 103 Sudesto 5 Sul 25 Total 000 TABELA Lit Nivel de instrugao Educagao % Anatiabatos 768 Allabetizados 22 oral 100.0 2, Nego Carreico canstruiu um testemunho extremamente ouidadoso. Foi capaz de lembrar-se de todas as datas, names ¢ lugares que deseiou, nas, sempre que canveniente, “esqueceu" acontecimentos, referiu-se a faloe @ pessoas por metiloras © UsoU 9 humor para dicfargar ideas, O uso do expreccSec como “aconteceu 0 que aconteceu” do texto, para descrever 0 assassinsio da sargenio, é apenas um exempia de ‘eome sou tesiemunho fol selotiva, 3. A Revalta do Formoso ainda nao foi suficientemente estudada. 0 tinicolivro sobre o assunte ade Carneiro (1981), Ha um romance baseade no tora (Garcia, 1966) ¢ um pequeno o interessante livro de memérias, ‘conto por um advogada camunista qua esteve naéraa (ABroU, 1988}, Anos alrs elaborei uma comuniengad tAmado, 1980) e agara estou escrevendo um livro sobre 0 assunto, As inlormacées, documentas e envevisias ‘Jo provante estudo foram pezquisades por mim em 1979-1960 ¢ em 1962-1936. 4. As legistagSes portuguesa @ brasilera sempce reconheceram @ reguiamentaram a existéncia da torras davalutas, Sobre o assunto, ver entre autras: Borges (1978), Cine Lima (1954), Enconires da UNb (1978), Lima Pereira (1992), Linhares de Lacorda (1960), Tormim Borges (197% Os trabalhadoes surais costumam relerirse 4 terra dewolvia como ‘contisposiga & “terra cava’, pertencente a propristarios partoulares. terra live” ou “terra libena", em 51 52 TABELA IV Relagio com a terra / ocupagées Rogie Propoetérios 42 Nao proprietirios 95.8 —parceros (72.4) —pessevos 20.8) —ascalaringes (2.4) —eutros as — total 100.0) ‘Total 100.0 TABELAV Local de moradia (antes da migragio) Local % Campo Tar Campolcidade 164 Eidade (vila, vilargjo, poveade) 10.9 Teal 100.0 TABELA VI Migragdes anteriores Ni Vexes % Neahuma 33.0 1 36.1 2 12.0 3 13 3 76 Total 100.0 TABELA Vil Local de moradia Local % Campo 76.8 Aiabetizados 232 Total 100.0 Osque migraram para o Formoso-eram muito pobres, em relagao & sociedad bra- sileira da época; abaixo deles existia apenas uma camada de marginalizados urbanes, composta de subempregados e desempre- gades. Mas eles nao eram mais pobres do que a média dos trabalhadores rurais da época; ndo constituiam, portanto, um grupo: desviante ou marginal © grupo era relativamente homogéneo, em termos socioeconémicos. A diferenca entre a familia mais pobre e a menos pobre consistia em alguns porces, galinhas ¢ cabe- gas de gado, poucos sacos de arroz © uma pequena quantidade de dinheiro. Embora essa diferenga fosse significativa para as pessoas, no resultava em estilos de vida diferentes. Apesar da semelhanga dé estilos dé vida antes. da migragéo para 0 Formoso, somente podem ser classificades como" poneses” os que tinham acesse A terra, como 08 pequenes proprietérios ¢ posseiros. Séo aqui considerados “camponeses'"os que dis- poem de algum tipo de acesso a terra, tm casas que também funcionam como unida- des de producao, controlam a0 menos parte des seus instrumentos de trabalho © sie auténomos para decidir sobre os principals aspectos do processo de trabalho.* & maio- ria de parceiros e of assalariados, portanto, nio-eram camponeses antes de migrar para © Formoss. A migragao para a regiéio e 0 acesso as terras devolutas representavam um passo rumo & condigaio de camponeses. E indtil apliear este ou qualquer outro cenceito de “camponés” para medir ciferen- gas de estilo de vida ou de renda entre traba- Ihaderes rurais pobres, do Brasil ou da América Latina. Os que eram posseiros ou pequenos propristarios antes da migracdo para. oFormoso, por exernplo, eram tao pobres quanto os parceiros, porque suas terras se localizavam em Areas pouce férteis e isola- das. Mas é Util empregar o.conceito de “cam- ponés” quando se esta interessado em entender objetivos € perspectivas da popu- lagao rural, porque ele ressalta dois aspectos importantes desses objetivos: terra e auto- nomia pessoal. = o o Poucos anos depois dos primeiras pos- seiras terem se estabelecide no Fermase, ali comegou um complexe processo de gri- lagem das terras. A maioria das grileiros ndo era formada de grandes ou tradicionais pro- prietarios, mas de comerciantes que haviam se mudado hd pouco para a vizinha cidade de Uruagu e ali tentavam enriquecer, Com a ajuda de advogades, eles localizaram peti- Ges por sesmarias dos mineradores do século XVIll e, usando esses documentos come se fossem titulos legais de proprie- dade, falsificaram cadelas sucessérias que invariavelmente os apontavam camo lagiti- mos herdeitos das terras. O juiz local, cooptado pelo grupo, aceitou em 1954 as escrituras falsas, transformando os grileiros ‘em proprietarios legais de umaimensa area." Nessa época, entretanto, mil familias de posseiros (com média de nove pessoas por familia) j& haviam se estabelecido na regidic © nao queriam se retirar, Iniciou-se violente conflito entre grileiros © posseiras, com escaramugas € mortes de ambos os lados. No final de 1954 0 Partido Comunista ligou-se 20 movimento, ajudando a organizé- |o, a estabelecer ligagdes com o mundo exte- for ea criar uma opiniae pliblica nacional favoravel aas posseiros, Seguiram-se quatro anos de guerra aberta. Topas estaduais foram chamadas Para apoiar os grileiros, wansformados em fespeitaveis proprietarios. Foi um periedo extremamente dificil para os posseiros, pois eram obrigades a lutar e a providenciar seu sustento. Conseguiram nao apenas se defen der, come ainda transformar o movimento numa questo politica nacional. Em 1958 foi feito um acordo entre posseiros € govern estadual, pelo qual os posseiros podiam per manecer na regio sem ser perturbados, enquanto 0 gover iniciava agdes judiciais para reaver as terras e depois vendé-las aos ocupantes, a pregos acessiveis. _ Esse acords, considerado uma grande vitéria pelos camponeses, iniciou umperiodo de paz na regido que durou até 1964, O novo govemador do Estado, elcito em 1961 com 0 apoio dos posseires, comegou a dis- tribuir os titulos legais de propriedade. Em 1962, José Porfirio de Souza tomou-se o primeiro lider camponés no Brasil a ser eleito deputado estadual. No ano seguinte, gragas as estorgo da populagao, a area original do conflito tomou-se um municipio independente. Poueos dias apés o golpe de Estado de 1964, tropas federais ¢ estaduais invadi- rama éreae ali permaneceram durante anos. Muitos posseiros foram presos. Quiros, ame- drontados, venderam ou abandonaram os lotes de terra © sairam da regio. A produ- g80 local desorganizou-se. Os principais lideres da revolta, que em 1964 haviam con- seguido escapar da regido, envolveram-se novamente.em atividades politicas. Em 1871, durante 0 periodo mais negro da ditadura, eles foram presos @ torturados. Solto em Brasilia em 1972, o lider José Porfirio embar- 5. Una detiniglo de “campani” que ma parece clara © completa, @ com a qual concordo, esti em Toulot (1988, Caprulo 1), A bbeografia sobre campesinato externaimente vasta 6 por isto no ode ser toda Telacionada age. Rogiro alguns tabalnor quo, embora adatom percpoctvas tooricas dioreas, foram mut importantes para met estudo: Dering (1980), Desbos (1982), Hobsbewn © Mud (1858), Mint (1873, 1988 & 7800), Psa Cabral (1988), Rappaport (1988), Resoberry (1985), Seat (1978 © 7985), Shanin (1987), (1987), Taussig (1966) © Wol (1976), Sobre 0 campesinato no Brasil existe uma iblografia extenca ode fruita boa qualidade, Leriiro-mé apenas das seguintes obras de cardter geval tambum cam diterenes Doespoctvas tooricas: Avbortn (1963), Backer (1982), Dineso 0 Melo (1975), Fomeraker (1993), Garca J (1983), Graziano da Silva (1978 e 1981), Linhares e Teixeira da Silva (1981), Loureiro (1982), Martins (1962, 1986 & 1990), Mussumeci (1982), Pereira de Queiroz (1972), Velho (1974 @ 1992), Wanderley (1979). Exstem tambbm importantes estudos regionals @ monogrsis sobre aspecios do campesinato beasiero 6, Apes de mule irportante para a compreensio Ga hislaia lunddia basics, a gilagem ainda & pouco fesuidaca ontro nda, ha pouoos ‘rabalnes soore 0 fama, espaciaimonte co dngulo tosrco @ histéniea. or Asselin (1982) ¢ Grupos de Estudos Agrérios (1961). 53 54 cou em um Saibus com destino a Goidnia, onde morava sua familia. Nunca mais foi visto. Tomou-se um dos desaparecidos do Brasil. Somente em 1981 (!) o Supremo T- bunal garantiu os titules de propriedade aos posseiros, Mas nessa época 0 Formaso havia se transformado em uma regio de grandes © médias propriedades e poucos posseiros sinda moravam Id. Parte Mt Os homens e mulheres que migraram para Goids & ali promoveram a Revolta do Formos elaboraram uma concepgao bas- tante complexa sobre quem eles eram, 0 que queriam e porque lutaram no movimenta. Essa cancepedo, que pode ser resumida na ai ‘ser alguém” girou ern tomo de quatro eixos: 1#) 0 “antes”, isto 6, a percepgao da vida anterior & migrago para 0 Formoso ode ser resumida pela expressdo “nao ser nada” @ "nao ser ninguém”. 22) o “estar mudando”, isto 6, a per- ‘cepgdo da migragdo para a Formoso como um éonjunto de movimentos e decisoes que permitiram @ passagem entre o “antes” € 0 “depois” pode ser resumida por “estar che- gando”. 3) 0 “depois”, isto é, a percepgao da ‘experiéncia no Formoso pode ser resumida pela expresso “ser donodo prépriodestine”. 4") 0 "depois do depois”, isto é, a per- cepeio da vida apés a experiéncia no Formaso pode ser resumida por “a vida muda", Esses eixos sao interligados. Para fins de clareza da exposigao, vou anaiisé-los sepa- radamente e, a0 final, trabalhar com a concepede integral. kT £ 1.0 “antes” © “antes” foi recordado como uma fase de intenso sofrimenta, 4 pabreza, relembrada como @ sua face mais visivel: Nao, nés vivia numa pobreza de dar gosto. Nés nao tinha nada NADA, entendeu? Sabe ‘que cu mais ela [apentava a mulher] lovou. pro: Formose? Nés levou [vai eentando nos dedos}; duas muda de roupa, um sapato (um par pra ela © um par pra mim), um chapéu, um pente, um facko, uma enxada, uma arma, dois saco de arroz, um porco. trés galinhas e um cachorro... [Voz da mulher] Levou taribérn 6 jirau, um tamborete, as tralha de cozinha, as linha Que era minha, as vela... Ah! Teve também as duas cesta que née levou. (Orivio @ Maria Guerreiro dos Santos)’ Nés ora to pobre que [...] quando nés con- seguia ajuntar Id alguma coisinha, engordar uns capado, juntar uma ponta de rés, nds ja feava com medo, porque nés sabia [..] que alguma coisa ruim ia acontecar com nés depois © nés ia perder © que tinha. (Helena da Pando) ‘As memérias da pobreza estavam sem- pre relacionadas ao fato de a familia nao conseguir acesso a terra: * Goma @ que nés podia apuumar, se nés nao finha a terra? Nés ficava a mercé dos outres, pra tudel (Bertolde Ferreira dos Santes) S00 lavrador nao tem aterra, minha. amiga, pode esperar: ele vai viver a vida inteira [J naquela pobreza, a vida inteiral | sofrendo.. Sé se ele consegue aterra ele tem ld alguma chance: de melhorar. (Manuel Porfirio. dos Santos) Quem ndo tem terra é came quem na tam mae: fica jogado no mundo. (Joao Partirio do Souza) A dificuldade de acesso & terra foi relem- brada como a causa da maioria dos males. Submetendo os trabalhadores aos proprie- térios, gerava uma exploracko econémiea com 0 servigo dela, implicava com eolsa percebida com darezaem suas varias facetas: que no implicava antes, so engracava Nao era possivel nés aprumar, nfo senihora: nés vivia de a meia, nés sustentava duas familias! (ita Carroiro) ‘Q arrende lide Ceres era apertado demais. Tinha vez que nés pagava arrendo até do feiio que nds tinha na meio da roga, quo nascia no meio do milho, tinha que pagar [0 aroz methor era sempre dele [do dono dai terre]. 0 arroz [... pior era o nosso [LJ Se nés nda queria piantar uma verdura, mas ele queria, [..] tinha que plantar, no finha escolha. (oaquimn Gongalves dos Santos) Na terra do fazendairo née tocava lavoura de arroz ¢ folio. Nés ganhava a meia ou ‘entdio meu pai recebia uma paga por cia, Mas @ trabalho que ora pago era sé 0 de meu pai. © meu, 0 da minha ima, 0 do meu irmao, era gratuito pro fazendeiro, nés 36 recebia em troco a comida daquele dia, [..1 0 dia que eles matava um gado, ou fazia sabdo, au tabricava azeite ou moia cana, a gente padia trabalhar uma semana, um més, que era gratuito, As vez ganhava: um queijo, um litro de leite, trabalhava toda a vida em troco de um litre de leite pro emo menor. (Otilia) Quando acontecia alguma coisinha diferente, pronto: espiritava tudo, era aquela[...]dana- Go. Quando mae ficou muito doente, um arto complicado ld. dela, uma crianga que ela perdeu. nés tudo [..] trabalhemo feito doide para pagar a prestacdo do hospital Nés trabalhemne dia 6 noite, sem parar, para agar a prestagéo, Nao adiantou dé nada, ala |..] morreu, de qualquer jeito. Acho que ola queria merrer, (Cosmeling Avelar) Mesmo quando nessa difieuldade toda, gente conseguia uma roga boa [...] depois Ganava tude, O fazendeiro ciiava uma.com: plicago danada la com meu pai, implicava com minha m&e ou comigo s6 pra criar caso [..] Ai meu pai chogava om casa feito bicha, que ele nao era muito normal no, chegava enfezado, brigando, juntava tudo. que tinha, deixava a roga de oraga ou a prego de banana © sumia no munda, La ia és passar outro ano de miséria. (Helena, da Paix3o) A exploragZo econémica relacionava- se recordagaa mais dolorosa entre toda: a total dependéncia a0 dono da terra. Isso jo lembrado nda apenas em termos da supe- rexploragao referidanos exemplos anteriores, mas, principaimente, em termos da humilha- do, impoténcia ¢ revolta reprimida que prove- Eu no incomodava de ser pobre, Eu ineo- modava era ter que baixar a caboga tado dia. (Armando Lopes) ‘Apior lombranga que ou tenho é eu pedindo. elo amor de Deus pra mode ficar mais um ane, @ ole [9 dono da terra) sé mexendo com 0 facto nas unha, assim [faz o gesta], bem calado |...] No outro dia ete mandou filho — ele no teve coragem de vir ele mesmo, no — mandou 0 filho dizer que 1nés nido podia ficar. que era pra nés sair no prazo dum més. (Bertoldo Ferreira dos San- tas) Lavrador sem terra. ¢ pior que biche: Bich: no agacha pra outro bicho, lavrador [..] ‘tem que agachar, (Josd Femandes Sobrinha) Ele [0 marido] 6 de estopim curto, no & de tolerar muita coisa, ndo [..] Eu morria de medo dele um diadestemperar com o patrfo. Eu dizia pra ele assim: “Zé Gomes, tu nao pode mostrar a tua revelta, ndo pode, de jsito nenhum tu nde pede". (Odilia Pereira Bastos) £ ou trabathei naquela terra feito um burro, Nao, pior que burro, porque burro de vez 7. © nome do informante esti citado apés a iranscrigSo de cada testemunho, No final ha uma lista de todas ‘ob informantes ctades no trabalho. 8, Um acsunio extremamente interessante, nfo dasenwolwiée agul, sé as concepgies sobre a terra entre os ‘que migraram para 6 Formosa. No momento estou trabalhando sobre esse assunto 56 ‘em quando [...] descansa, eu no descan- sava. [..] Ai chega 0 advagado do griteiro, [..] um sujeito todo cheio duns anelao no dedo, cheio dumas nove hora, chega ele. nem olha pra minha cara, nem fala “bom ia”, nada. Chega © vai direto: Oi, 08 tem que sair dessa forra. E tem que seir hoje mesmo, Ta aqui o papet do juiz. [..] Necse dia, antes de dormir, eu rezei_a Deus pra eu acordar morto. (Sebastidio Rodrigues) O conjunto das memérias aponta para © conceito, expresso por muitos informan- tes, que resume a esséncia do “antes”: a idgia de “nao ser nada” ou “ngo ser nin- guém". A pobreza, 0 nio-acesso A tera, a dependéncia em tedos os niveis conduziam 4 completa negagio social da pessoa, 30 ninguém: — Antes nés no era nada, nada. Nés ndo ‘era ninguém, — Voeés que achavam que no eram nin- quém? — No, nés sabia que nds era alguém, uail Eles & que dizia que nds nao era nada. Eles dizia assim: "'Vooe no pode felar isso. Nao pode fazer isso. Vood nao & ninguéi”, Eles falava bem assim. —"Eles", quem? —0s dono daterra, os fazendeiro, os patrio, os nogociante safado. — E 0s outros lavradores, também diziam isso pra woo’? claro que no! Eles la ia dizer uma coisa assim? Mas eles era fraco igual nés, tudo la era fraco (...) Fraco [..] nao conta = Os fracos sio considerades ninguém? —E, 6, Tado fraco € ninguém.” E impertante observar que, embora a porcepeio de ser considerade "ninguém” pelo restante da sociedade seja doloresa para qualquer individuo, grupo ou classe, ela era particularmente ofensiva para aqueles tra- balhadores rurais, pois oles se baseavam ‘em um tipe de organizagéio social e em um sistema de valores opostos & nagao do “nin- guém". Viviam e trabalhavam em comuni- dades pequenas — familias, grupos de vizinhanga, fazendas, povoados rurais etc — onde todes se conheciam muito bem e cada um era identificado por suas earacte- risticas pessoais, préprias, onde cada um era considerado Unico e nao havia come ser confundido com qualquer outro. Assim, por exemplo, José era o José filho do Antinio e da Maris, marido da Divina, pai do Bertoldo, um sujeite alto, com 0 gogé saltado assim, maranhense, moradorna Fazenda Rosa, vizi- nho do Joao Correia, boiadeiro, bom marce- neire € também bom violeiro, um sujeito de estopim curto, que gostava de prosear, bater na mulher e comer brea de milho. Fara esse José, ser abrigado a se submeter & posigio de “ninguém” — & negacéo da pessoa, & anti-pessoa — a que o restante da socie- dade o relegava, era algo que gerava grande confusao, vergonhae revolta surda: “eu rezei a Deus pra eu acordar morto.”” 2. 0 “estar mudando” — a migragao para o Formoso “Nés tava sempre com o pé na esta da”, recordou um dos participantes do Formoso. As migrarSes foram parte integrante @ importante de suas vidas: quase 70% jd haviam migrado a0 menos uma vez, antes de it para o Formaso (Tabela V). As migra- 9605 representaram para muitos deles niiclees Ae ee eer OS: & EON 8S A tf 0 5 em tame des quais ordenavam nogées de _foide tantomeda que ele gassouna estrada espago © tempo, regulavam perdas e con- _[.-] Ele tinha mada demais de lobisomem, quistas, adquiriam conhecimentos novos e —-4#80mbragle, saci, achava que ia pegar recilavam os antigos, aléan de simbolizar Na eoWada, casa eviaas, (Lursa Velho} aventuras, em vidas marcadas pela rotina. Rona re eames a race come fundamental para os novos migrantes, tanto durante 6 trajeto quanto nos primeires tempos. Os veteranos transmnitiam conhesi- mentos, orientavam sobre quais caminhos seguir, que coisas levar e como sobreviver, Aqueles cuja primeira migragdo foi para © Formos recordaram a experiéncia coma carregada de emogies: Quando foi na véspera de nés viajar, tava cee ee tec dovmindo mas eu tiguel aeor @ of@reciam apoio moral @ ajuda conereta, Gadannolte toda parccondoassombragie, _a8sumindo aos pouces @ lugar dos vizinhos andava pra [4 [..J, pra cé, pra ld, pra ed, © Amigos deixados para tras: Olhava as trouxa pronta no chao, pensava assim: “Meu Deus, mé ajuda, Me ajuda, meu Deus. Como & que eu vou me jogar assim com a familia, nesse mundie de Deus?” (Ita Carreiro} Na viagem [..] eu tinha mede de nao che- gor, de decariontar, nie acertar caminho. ,] Eu nunca tinha saido da Bahia, nd? (Zé Balano) Quem migrou quando crianga, guardou recordagdes inesqueciveis: Nunea nda vou esquecer @ viagem que ou mais meu pai mais mae tez pra Goids. Eu ‘era pixote assim, tinha cinco, seis anos [..] Pai botou em no lembo de jumento. Eu gostei demais [..] ver as coisas passando Gali, do lugar que eu tava no lombo do jumento. As vez eu ficava com sono, ia caindo de banda assim, |..| mae me pegava no solo, ..] Evachava isos}... que omundo aeabava na fazenda que nés moraval Nessa viagem foi que eu vi que © mundo nao tem fim, (Claro Correia) Voc8 sabe Id o que é pruma mocinha. que nunca tinha botado os slho em nada, sair pelo mundo? A melhor caisa que tem! Maz meu irmao mener, ele ficou meio ruim da caboga, [..] Pensando hajg, eu ache que ‘Quando © menino ficou deente, tive ajuda do uns que tava na estrada, igual nés [..] Os primeira tempo foi duro 1a, nés £6 tinha, gueiroba [espero de palmite amargo] pura fra camer. Née nile conhecia ninguém. Sabe ldo que 6 passar trés, quatro més 56 ‘eomendo gueiroba pura? Se nao fosse a ajuda de um pove de Mateus que tinha la @ que fol amigo de nds, acho que nés finha morride. (Joaquim Goncalves da Cruz) As migragées para 0 Formoso aconte- ceram por nucleos familiares ¢ de vizinhanga: foram raros os casos de migrantes solité ios, @ todos ocorreram em periado posteior. Geralmente o chele da familia, acompanhado de um parente ou amigo, fazia a primeira viagem, reconhedia a drea, escolhia 0 lote de terra, tomava algumas providéncias basi- cas evoltava para pegar o resto dos familiares. Nessgta ocasiiio, espalhava pela regidio de origem as noticias sobre o Formoso © suas possibilidades. Nao foi raro alguma familia local, animada com as noticias, apresentar- se para migrar junto, Como também nio foi raro familias aguardarem um tempo por mais informagies sobre 0 destino dos migrante: aso fossem informagoes positivas, migra- vam também. A maioria dos agrupamentos do Formoso organizou-se partanté em fun- 3. Enirovista com Ati di Rocha Matos, Muitos telaram sobro © que signitica ser considerade “ninguém ms Aiilio 0 fez melhor do que todos. 40. Nao conhego muitos trabalhos qu Gatuder ae migragées de ponte de vista do significado que tim para ‘95 mogranies. Sobre migragSes om goral, trabalnos interessantes so Glazier e Alosa (1986), Grinberg (1983) e Kearney (1905). 57 58 = ao das regides de origem e dos lagos all mantidos: havia o “reduto des maranhen- ses", "o povo dos Correia”, “o pessoal de Pedro Afonsa” etc. Sem a formagao dessa rede, as longas migragdes e a instalagao na nova e indspita regiao teriam side impossiveis. Nenhuma familia migrou para 0 For- mose devido a um acontecimento extracrdi- nario em suas vidas ou a um momento finaneeiro particularmente dificil. A época da migragao, a0 contréria, todas vivian o mesre tipo € padréo de vida até entao mantido. Isso mostra que a decisée de migrar foi resul- tado nao de um rompante, mas de uma decisdo consciente e calculada. Migrar colo- cava em jogo todos os aspectos da existéncia, somente era possivel decidir apds levar em consideragéo varies fatores. Mesmo as familias que pareceram se decidir porimpulso ("Deu uma louca ni mim de sumir no mun- do”), estavam na verdade concretizando decis6es amadurecidas 20 Jongo de muito tempo, &s vezes de anos (“E, fazia um tem- po que nés jé pensava mudar dali, nés 6 no tinha era a coragem [...] mas de repente, pum! veio a coragem), ‘Que fatores principais os migrantes con- sideraram? Em primeiro lugar, os relacio- nados 4 vida que levavam & época, A possibilidade de migrar forcou as familias a fazerem uma avaliagio de suas vidas (foi nesse momento que “o antes” comecou a se formar, como categoria de pensamento) Os aspectos da vida considerados insatisfa- térios emergiram com clareza e a partir de entiio foram avaliades criticamente: a impos- sibilidade de acesso terra, a dificuldade de cumprir 0 cicia camponés, a pobreza, a falta de autonomia, a inseguranga, a humilhagao, 0 “no ser nada” e “nao ser ninguém”. Natu- ralmente, os aspectos satistatarios também emergiram e fizeram parte do balango: os lagos de familia, compadrio, vizinhanga € amizade, as coisas boas do lugar (o cima, ou a qualidade da agua, a quantidade de frutas, um jardim especialmente bonito, plan- tado com as préprias mos) € mais a sensagao BP Se eh kt de conhecer © dominar as coisas do lugar, ‘9 sous espages, cddigos, referéncias. Essa avaliagdo da vida presente, com seus aspectos negatives e positivos, fol recor. dada coma particularmente penosa: Pra mim, © mais dificil nie foi pro For mosa, nao [...] Dificil foi antes, na hora de resolver se nés ia ov se nés nao Ia. [..] Eu punha na balanga, num prato o coragie, no outro prato da balanga puna a eabaga, ‘olhava, media: dava empatadot (Armando Rasa) A vida presente, com seus dois pélos, foi ent&o contraposta a um terceiro vértice: a possibilidade de uma vida futura (nesse momente comegou a 36 formar “o depois”, ‘como categoria de pensamento). Para se tomar uma decisao a respeita de migrar, era Preciso primeira especular sobre o desco- nhecido. A vida futura apresentava logo de icio sérias desvantagens, pels implicava trocar tudo 0 que era familiar e querido, ai incluidos parentes, vizinhos e amigos, pela perspectiva de uma vida em local distante, isolado, desoonhecido, “um fim-de-mundo que ninguém nao sabia © que era” Embora esse aspecto (a trocado conhe- cido pelo desconhecide) esteja presente em qualquer migragdo, ele assumia uma impor- tancia especial para aguclas pessoas. Para elas, a rede de relagdes que seria desfeita durante a migragdio tinha significado no ape nas afetivo, mas representava a base sobre @ qual repousavam todas os aspectos da vida. Era impossivel, por exemplo, tocar a toga sem recorrer aos mutirGes; chegar com ‘0S produtos até o mercado, sem 0 apoio do amigo carreteiro; eriar os filhos, sem 0 reve- zamento das criangas entre vizinhos: obter qualquer tipo de crédito ou ajuda do meio exterior, sem a interferéncia do compadre influente, e assim por diante, Por essa razao ‘95 migrantes se esforgaram tanto para recriar, desde a inicio do processa de migragao, a6 menos uma parte dessa rede. As informages dos camponeses sobre © Formoso eram poucas e imprecisas. Isso, somado & exigdidade de conhecimentos em geral sobre o munde exterior, gerava muito medo e ansiedade. As memorias da migra- do foram sempre emocionadas: Quando ele [o maride] resolveu que nés Vinha pra Goids, eu garrei chorar. Olhava mae, olhava pai, olhava v6, pensava que no ia mais ver eles, garrava chorar. Cho- rei seismés seguido... [Suspirolongo, pausa) Mas nda tinhe jeito, tinha que ir, né? Mudar de vida, cagar futuro. (Maria Guerreiro dos. Santes) Eu pensei assim: “th, id vou eu comogar tude de novo” [..] Toda vez que a gente muda assim prum lugar que [...] a gente no conhece, ¢ igual passarinho que nasce, mesma coisa. A gente ndo conhece nada. 6 igual cego, mesma coisa. [..| Eu ficava nemvos0, ¢ eu, nervose, me da uns repente assim, eu dano baler nos menino, dane bator, entde [..] virou aquele inferno [J] dentro de casa: [.] 2u gritando, sé batendo nos mening, a mulher ehorando, os menine chorando. (Ananias 8. de Sousa) Mas a migragao para o Formoso tam- bém apresentava uma perspectiva muito atraente: a existéncia de terras devolutas em regido de fronteira, para a matoria atiniea possibilidade realde acessoa terra. Oacesso 4 terra, por sua vez, era visto como condi- eho indispensavel 4 realizacio de um tipo de existéncia que inciuia como principais aspectos: fin da extorsio eoonémica dos donos da terra e patroes, conseqiiente melho- ria do nivel de vida, venda e compra de maior ndmera de produtos no mercado, auto- nomia.no proceso de trabalho, independéncia, de desisdes © reconhecimento sacial como pessoa! — Née queria a terra. O que nés queria mais era a terra. = Por qua? — Porque som a terra nés nao conseg 11, Entrevista com Fiddlia Ferreira dos Santos, o resto. — Qual resta, seu Fidélio? — Nés nde censeguia livar dos patric, dos fazendeiro, da miséria [__] Com os patrao, Gs nde conseguia wabaihar do jeite que née queria. " Nos. queria um poueo de fartura, ter coisa pracomer, pra vender, poder comprar umas coisinha que nés precisava. (26 Bsiano) © que nés queria mesmo era nao ter que baixar acabera, Nés queria... h...assim ~ igual uma pessoa deva ser. Olhar nos, olnos, sem medo, entende? Sem ter que baixar a cabega, né? (Fidéiio Ferreira dos Santo: Eu pensava que eu mais a familia ia poder viver sossegado [no Formosa], sem gente aientando, [sem] escutar os desaforo daquele pove rim. [..] Que 6s ia viver feito gente de verdade. 36! Ser dono do propria des- tino! Eu nem nao podia acreditar direito. (Claro Correia) Os que conseguiram acreditar migra- ram. Engoliram es medos, suportaram as perdas, assumiram os riscos e fizeram a tra~ vessia. Cruzaram a passagem, real e simbélica, entre 0 aqui € 0 ld, 0 presente e © futuro, 0 “antes” © 0 “depois”, 0 conhe- sido @ 0 desconhecido, a seguranca e a esperanga. Invadiram 0 terreno do dessia. Nas terras devolutas tentaram ser dones da prdprio destino. “O depois" — a experiéncia no Formosa A revolta de Formoso foi um dos raros movimentes rurais no Brasil em que os rebel- des tiveram paz @ autonomia para. durante certo periodo (no caso, SeiS anos), argani- zarem o sistema de vida que desejavam. A medida que a experiéncia no Formoso acon- tecia, a nocdode "ser dono da préprio destino” foi passande da condigo de projeto & de realidade social, construida no dia-a-dia, a 59 60 partir das respostas encontradas para os desafios concretos que a histéria apresentava, Naturalmente, real ¢ ideal se interpe- netraram. A medida que “ser dono do préprio destine” tornava-se realidade, 0 projeto que he deu origem foi sendo revisto, adaptade, renovade. © “depois” filrou o “antes” ¢ ¢ ‘estar mudando’ — Sé depois que nés chegou Ia [no Formo- 80] nés fai tendo aquela peleja toda, aquela lta [,.] 01 qué ou ful ficando desenvoivido, — Antes © sr, no era desenvolvido? — Antes eu nda sabia quase nada, ndo. [Antes] eu tinha aquela revolta ni mim, tinha [J] aquela, vontade de mudar, mas eu era bébo, 58, bbe demais! — E depois, na época que 0 sr. morou no Farmeso, come @ que o sonhor eta? — Ah, al'eu fiquel vivo! Ai [..) 6 que eu fui dando de compreender as coisa tudo que eu tinha pasado na vida, © “antes” e 0 “estar mudando”, per sua_vez, influenciaram diretamente a vida no Formoso: Tinha vez que eu traquejava, sim. Teve uma. Ver que a uta ficou brava demais. Eu pens se/ assim: "Vou largar esse trem de lado, largar de mao,” Ai eu lembrei de sofrimenta ede de antes, Lembrei. Eu pensei assim: Nae Vou largar de mao, nae. Pra onde & que eu vou, oe eu largar de maa? Vou vat- tar praquela miséria? Naol Eu vou é ficar aqui” (Luiz Lima) A pratica ne Formoso obrigou os cam- poneses a definirem assuntos sobre 05 quais tinham apenas idéias gerais. E 0 caso, por exemplo, da importante questao do relacio- namento com os comerciantes. Vender e comprar havia sempre feito parte da vida deles. Quando caleulavam o que & quanto plantar, uma das varidveis a ser levada em conta era exatamente o mercado. Nao ven- diam apenas 0 excedente da producio; plantavam ja com © objetive de vender parle da eolheita. Q que arecadavam era rein- “n vestido na compra de instrumentes de trabalho (enxadas, pds, sacos) e em artigos neces- sarios & sobrevivéncia (éleo de cozinha, sal, lampiées). Nao conseguiam, entretanto, con- trolar as bases e termos das relagdes comer- cials, e por isso a comercializagao constituia mais uma, ¢ talvez a mais importante, fonte de explaragao sobre eles. Vendiam seus pro- dutos a pregos geralmente abaixo dos de mercado, por jéestarem devendo aos comer- ciantes, pela urgéncia em ebter algum capital para investir na préxima colheita ou por alguma outra azo relacionada a exigilidade de seus meios e capitais. Por outro lado, compravam a pregos sempre altos, pois faziam as compras a prazo, no rare na loja cujo done era 0 proprio proprietario da terra, Antes de migrar para 0 Formoso, os trabalhadores reconheciam esse problema e dele se queixavam, Nenhum, entretanto, sabia come resolvé-lo, isto é, como diminuir © nivel de explaragdo econdmica sem com- prometer @ existéncia das relages comer- ciais. As solugdes, coletivas, foram sendo encontradas a0s pouces. A Associag%o dos Lavradores do Formoso e Trombas, fundada em 1954, acabou com 0 monopdlio estabe- Iecide por um comerciante local ¢ estimulou 20 maximo a concarréncia comercial. A seguir, @ Associac’o fixou em cada safra pregos minimos para os principais produtos agrico- las, abaixo dos quais nao poderiam ser vendidos. Paralelamente, criou um fundo de reserva, destinado a apolar os lavradores em periodes muito dificeis (de perda de colheita, doenga grave em familia etc) e assim evitar que se submetessem a exigéncias des- propositadas de comerciantes. Em contra: Partida, a Associacdo exigiu dos camponeses estrite cumprimento a todas as condicies acertadas para a venda (prazes, quantidade € qualidade dos produtos, pregos etc). Os que nao respeitassem essas condicdes eram Punidos, com penas que variaram da adver- Yéncia & expulséo da drea. Em 1963, jd no final da experiéneia, a Associagao criou uma Cooperativa de Consumo, que adquiria pro- = a dutos por atacado e os revendia na regiéo a pregos acessiveis. Essas medidas, somadas & exting&o das pesadas abrigagdes do arrendo e da meia, fepresentaram um aumento substancial do nivel de vida e intensificaram as atividades comerciais na area: Nés nunca viveu methor que naquele tempo, no. Naquele tempo, nds tinha fartura. (Clare Correia) th, era bom demais! Ev até eensogui com- prar um cameiro[instrumento para Canalizar gua do rio] © comprar umas bobaginha pras ihamogas, estas coisas que toda maga gosta de ter. (Carios Correia) Era uma fartura de dar gosta, Aqui nesia ‘Trombas era uma fileira enorme de cami nh3o compranda arroz, dia e noite, tu nao via © fim, caminhio carregando, caminhao descarregando, 9 maior movimenta, Os comerciante gostava de fazer negécic com és, ates sabia quenés pagavaalina bucha, direitinho, cumpria os prazo tudo. [...] Se nfo cumpria, @ AssaciagSo dava em cima pra valer, tinha que cumprir. [..] Os comer- ciante dizia assim: “No, eu prefiro de vir aqui, comerciar c'océs, que ot: sei quiacts aqui tudo & gente direita.” (Ananias Ribeiro} “Ser dono do préprio destino” implicou também mudangas nao-previstas no projeto coletive original, ao menos nao no projeto ‘original de todes. © exemplo mais mareante foi a mudanga na situagde das mulheres. Ao migrar para 6 formese, as mulheres, apesar de contribuir de forma significativa para @ ‘economia familiar, ocupavam uma posigao ‘exiremamente submissa. Deviam completa ‘obediéncia aos maridos, pais e filhos adul- tas e também a um conjunto de regras sociais -que Ihes proibia ou limitava varias atividades: = Cy > Nés tudo apanhava [..J Tinha as que apa- hava do pale as que apannava do maride. Tinha as que apanhava mais @ tinha as que apanhava menos. Era rare ld uma que nao apanhava. $6 quande © marido oa bom, (Edith Ribeiro) Tinha lugar [familia] que a mulher néo tinha direito de dar uma xicara de café pra nin- guém. Sé podia ficar socada la pra dente [de casa] [..] Tiana familia que tinha. sis- tema qua.amulher nao podia comprar nada, nem uma xicara de. sal, nem uma lata de querosene, nadia. N3o podia nem comprar, nem vender, nem podia trocar nada. (He- lena da paixéo) —Tinha uma mulher que era chamada “pu- ta”, porque gostava de ficar de prosa com og homens da roca, — Ela era solteira ou casada? — Era casadal Era casada, mas 0 marido dela era maio mole, entio la gostava de ficar proseando toda a vida com os homem, na roga. As outra mulher so olhava, comen- tava assim: “Que que ¢s8a puta fica ai puxando prosa com as outros home?” Nés ao gostava, nao, "* A Iuta no Formoso impés mudangas nesse estado de coisas. Desde inicio do conflito, as mulheres foram vitimas de siste- matica agressic fisica por parte das forgas. dos grileiros e da policia. Forarn numerosos 195 ¢as05 de espancamentos ¢ torturas; em conseqiéncia deles, uma mulher enlougue- ceu, seis se tornaram aleljadas, varias abortaram e muitas carregaram marcas fisi eas por toda a vida. Algumas foram tortu- radas na frente dos filhos, outras viram os filhos torturados. A medida que aluta armada recrudesceu, um maior nimero de homens se afastou de casa pera lutar nos piquetes € as mulheres ficaram ainda mais desprote- gidas. A reagdo da maioria foi de completa Banico: ‘Quando os jagungo chegou, eutava ralando mandioca, nem dou tempo Seu catar os 13. Ha necessidade de maior nimero-de trabolhos de cunho histérica sobre as rélagies entie Gomerciantes & samponeses no Brasil, O tema é muito importante 9 ainda nie esté sulicentemema ectudado entre nos. 12, Entrevista com Amado Luiz Guerreiro. 14. Entrevista com Isabel Gomes, 61 62 mening: [...] Eles fol entrande, arrasande ‘com tuéo, grilande, chutande, quebrande tudo, gritando: "Anda, desgragada! Diz logo ‘onde ole [o marido] tat”. Arrumaram 0 sifle na minha cabega, aqui, 6 [mostra]. Eu tava bem buchada. Pegaram o menino maisr pelo brago, torceram o braco dele assim, 6 [geste], eu vi aquilo e danei a gritar. Eles me bateram mais ainda. [pausalonga, emo- cionadal, Ta vendo? Até hoje eu no consiga lembrar! (Odilia Pereira Bastos) Eu s6 queria era ir embora daquele infemo, Apanher de maride ainda vai. Mas de poli- cia. (Maria Cosmelina da Silva) Ai eu fiquei com tanto medo, ou catai o= menino de qualquer jeito ¢ embreahamo, tudo no mato, do jeito que nés tava mesmo, na doida. Nés passou no mato foi muito. tempo, sozinha, eu mais os menino e Deus [_] Gadé coragem pra voltar pra pegar as alta? [..] No mato era ruim demais. Eu sentia tanto medo, eu pensava quo eu ia morrer de mede, Um dia um veadinno pas- sou conendo assim porto de mim ® eu danei gritar feito uma maluca, pensando que era, jagungol [Sorri] Foi o veado carrendo prim lade © eu pro outro! [Rij Agora eu acho graca, mas naquele tempo no achei graca, No. Fiz foi chorar. (Isabel Gomes) A duragao da luta nao permitiu as mulhe- tes continuarem escondidas nos matos. Sozinhas, tiveram que assumirintegralmente ‘0 rabalho na rogae dar cobertura aos homens na guerra. Sob as piores condigdes possi veis elas plantaram, colheram, venderam, ‘compraram, voltaram a plantar, cuidaram dos -animais doméstices, consertaram as cercas, armaram-se, defendetam-se, tomaram déci- 868. AO mesmo tempo continuaram a ‘cozinhar, a lavar, a costurar, a tecer, a tere criar filhos. E ainda alimentaram os homens © organizaram @ retaguarda da guerra. Para as mulheres tentarem se tornar donas dos prdprios destinos, elas tiveram que redefinir 88 caracteristicas e o papel social do génera feminino. Nao era possivel ser dona do pré- prio destino sem se tornar também uma nova mulher: Foi naquela danago toda que eu entendi Ev entendi |. assim: se nda queria ganhar 48 luta, nés [as mulheres] tinha que ajuder, tinha que [..] trabalhar junto [..] Eu aju- oi[..] Um dia au fale: assim pra eu: “Alice, ‘208 da.conta de fazer tanta ccisa no mundo. Como quiecd ndo da conta de ser male mulher? [...] Océ 6 [... toda valentona na uta, ¢8 tem que ser valentona em tudo, ail Tem que ser valentona com pai, ser \Valentona com filho, com marido, com tudo!” (Alice Freitas) Na fase final, muitas mulheres no ape- nas participaram diretamente da luta armada, come — 0 que seria impossivel alguns anos antes — comandaram piquetes. Por um memento a hierarquia social se inverteu, con- fundiram-se papéis e falas: 3 sujeites largaram o piquete e deposita- ram as armas tude ali ne rancho, onde as mulheres tava. Ai ndo ficoybom, nao. Tinha Id uma mulher buchada, nos dias de dar & luz, tinha duas que tava com pouoes dias de dicta. Ai elas, as mulheres, pegou as armas ¢ foram saindo, sabe? Falou que ia diréto pro piquete. Ai uma velhona, que era. camo 36 diz, a mae maxinta da turma, che- gou, enfiou a mao na. cara do filho [que Unha fugide do piquetel, e disse: “Eu que te criei, eu que te pari, @ tu faga 9 que eu mando, no alrouxa riacho, néo! As mulher no vai liar sozinha. Tu vai lutar também.” [.-10 rapaz pegou a carabina e disse assim: “Eu nao sou frouxa, nao, eu também sou homern. Sou novo, mas sou homem.”" [.] Ai teve outro que falou assim: “Também 30U homern." AV saiu trés mulher mais os homem e foi assumir o piquete, (Helena da Paixiio) Para dar conta de tanto, em condigSes to adversas, as mulheres tiveram que se organizar. A histéria de suas varias formas de organizacao dio faz parte deste trabe- Iho. Assim como nao fazem parte dele as situagSes que elas vivenciaram apés 0 final da luta, quando tiveram de decidir se, como em quais ocasides paderiam usar as for- mas de crescimento pessoal que haviam descoberto. “Ser dono do préprio destino” foi uma categoria socialmente construida, com base em Um projeto anterior dos camponeses. Durante Sua construgao, esclareceu e desen. volveu aspects do projeto que eram vagos, como 0 caso das relagbes comerciais. “Ser dona do préprio destino” também incorpo- fou elementos novos, come as modificagdes ne papel das mulheres. A cusia de grandes sacnificios, as rebeldes do Formoso mant- Veram-se camponieses, enquante controlavam éreas de contato com o sistema capitalista e reordenavam relagdes intemas do grupo. Ao final do perioda, eles haviam incorpo- rado herangas de antepassados, expenéncias préprias anteriores ¢ descobertas recentes, ¢riande ne Formoso um estilo de vida onde coexistiam tradi¢ao, renovagae & inovagao. 4.0 “depois do depois" — a experiéncia apés 0 Formoso ~ Poucos dias apés o golpe militar que depés 0 presidente JoSo Goulart, tropas fede- rais invadiram a regide do Formosa, A repressao fol brutal: A policia entrou batende. Agarrou todo: munda que péde. Invadi as roga, prendeu 16s, torturou nés. Eles queria a5 arma que és tinha escendido. Eles queria quebrar a. nossa éspinha, Fazer nés ficar de quatro: na frenta dele. (Paulo Andrade) Os principais lideres, avisados pouco antes da chegada das tropas, conseguiram fugir para o interior do Estado do Maranhao. Ali viveram alguns meses incégnitos, sepa- rados uns dos outros. Todos, entretanto, acabaram por se envolver nos anos seguin- tes com a luta armada promovida pelos pequenos partidos politicos de esquerda, sur- gidos do fracionamento do Partide Gomunista Brasileira, No inicio da década de 1970, os lideres foram presos julgados pelas at dades que exerciam entéio e pelas atividades no Formoso, Nessa ocasiaio, muitos outros camponeses que haviam lutado também foram presos & condenades. Enquanto isso, na regio do Formoso a vida tornou-se muito dificil: Nao dava pra nés continuar, né? Os poli Gial 84 atentando, em cima, 0 tempo. todo em cima de nés, vigiando. Fluim demais. E no tinha mais ‘os outro companheiro de antes. Ai nés saiv. (Hosana Martins Ribeiro) Um cara la ofereceu um dinheirinho mais ou menos pela terra, pela benteitoria, resolv vender, Continuar la mais pra que? (Ber- tolde Ferreira dos Santas) ‘0s poucos que permaneceram tocaram ja nos lotes de terra obtides durante o periodo da luta. Enfrentaram muitas dificul- dades econdmicas, pols ao mesme tempo em que perderam as bases de apoio cria- das durante o movimente, sofreram as conse- giiéncias da transtormagao gradual da area em uma regiao de médias e grandes pro- priedades. ‘Os muitos que sairam do Farmoso tive- ram destinos variados. Pouquissimos (Tabela Vil) tornaram-se pequenos proprietarios. Parte deslocou-se para a Amazénia, a nova fron. telra, reiniciando 9 ciclo. A maigria migrou Para as cidades, trabalhando na construgao Givil ou em subempreges, como os dé ven- 63 64 dedor de jogo do bicha ou guardador de cares. Muites tomaram-se boias-fria, par- tindo toda madrugada num caminhao apinhado, rumo-a alguma fazenda cujo dono nem sequer conhecem, para wabalhar em troca de um pequeno pagamento, sem dirsito a beneficios trabalhistas. A vida tornou-se diferente: — Eu acho agui [na cidade] mais dificil. Aquieles [apenta os netos] tém mais estude, Mas 14 [no campo] nés tinha mais ajuda. Nés conhecia todo mundo, era mais tdci [1 Pra controlar um pouco mais a vida, eu Grio estas galinha al [mostra o galinheiro} Té engordande também um capado, vou te mostrar ele. [..] Nesta hora — ev gosto muito de horta — eu pianto mais é salza, cobolinha, @3sa5 coisa. Mas nao cresce: direite, niio, Nao bate sol aqui, A -— E eese tucano, pra que a sta. cri? & pra vender? . =, Nis. nic ¢ pra vender, née. E pore eu gosto dele. Gosto de tucano, sempre gostei. Lembra a vida de ld [do Formoso). O “depois do depois” implicou aprendi- zados, novas estratégias de sobrevivéncia, novas formas de luta. Os periodos anterio- res foram reavaliados e, em grande parte, embelezados. Afinal, representavam tempos querides da juventude. que néo voltavam mais. Algumas das idéias anteriores, entre- tanto, foram reconsideradas, principalmente as relacionadas ao papel da terra. Embora 0 acesso a terra continuasse a ser conside- ado fundamental, nao foi mais encarado como atnica coisa importante a abter. Outros ele- mentos foram acrescentados. Os camponeses acompanhavam assim os novos tempos, as Navas tases do capitalismo, em que o capi- tal financeita € industrial dispde de meios para controlar a terra sem ter que se tornar necessariamente proprietario. A histéria muda; a vida do povo do Formoso, também: A vida muda. [...] Hoje eu pense que ter a torra ainda ¢ muito importante, mas nao & tudo, [,] Nos também precisa de erédito, de garantia de pregos minimas pros nos- 898 produles, de uma boa politica agriecla, [..] nds precisa de sindieato forte, governa ra apoiar os pobres, democracia, [..Jmuita coisa. Pra proteger e garantir uma vida deconte na terra. (Sobastidi Bailéio) Parte IV Nao foi por acaso que os camponeses do Formoso resumiram seu projeto social na expresso “ser uma pessoa”. Essa nao 6 uma expresso facilmente substituivel por outras. “Ser uma pessoa” ou “ser alguém” relaciona-se a. aspectos fundamentais da vida Social, € por isso constitu um Angulo privil giado para o estudo das arganizagies sociais. A nogio de “pessoa” existe em todas as sociedades, mas seu significado varia segunda as diferentes concepedes e usos Ue 05 grupos socials Ihe dao. “* Apresentarei alguns exempios de como a sociedade brasileira manipula a nogio de “pessoa”, esclarecendo o significado atual de “ser pessoa” e “ser alguém” no Brasil Relacionarei a seguir essa pratica ao pro- jeto social dos camponeses do Formoso. 1. “Ser pessoa” no Brasil A sociedade brasileira atual usa, no seu dia-a-dia, todos os mecanismos, recursos e nogSes inerentes as sociedades complexas. Os brasileiros obedecem a uma Constitul eGo Federal & possuem um conjunto de leis que funciona através de um sistema judicial independente. Os paderes Legislativo e Exe- cutiva sao perfeitamente constituides. Todos os brasileiros nates tém 0 direito e 0 dever de votar. O Estado é dotado de instrumen- tos para exercer suas fungdes de zelar pelo bem comum. A cidadania — 0 conjunto de direitos © deveres conferidos pelo fato de ser brasileiro — faz parte da vida do pais, ‘como teoria. e como pratica. 7 a Asociedade brasileira possui, entretanto, um conjunto de valores e modos de agit que, a cada momento, negam a igualdade de todos perante o Estado e as leis. Uma rede informal de relagdes pessoais, que inclui lagos de parentesco, compadrio ¢ amizade, influgneia politica, patronagem, roca de fave- res, suborno etc, e permite contornar a lei. Dois provérbios no Brasil expressam isso bem: “Ags amigos, tudo; 20s inimiges, a lei” e “Todo mundo é igual perante a lei, mas uns so mais iguais de que outros” Se 0 assunto é obter um servigo mais répido em qualquer érgiio piblico, uma isen- 40 de taxas, um emprego para 9 qual ndo se ¢ qualificade, ou qualquer outre “favor” — isto é, qualquer beneficio nao-previsto por Iai nem por qualquer meio oficial —, & sem- pre possivel “dar um jeitinho”, istoé, conseguir contornar obstaculos para ‘obter o que se deseja. O uso do nome de um parente rico, do amigo influente, do padrinho politico, do ‘eonhecido a quem um dia se prestou um favor geralmente resolve © problema, A “ideologia do favor”, exercida atra- vés do “jeitinho", referga um conjunto de praticas e valores opostos acs direitos edeve- tes da cidadania, A cidadania basela-se na igualdade de todos perante a lei, e o “favor” baseia-se na hierarquia, A cidadania valo- riza.oimpessoal, ¢ 0 “favor” valoriza 0 pessoal @ intima, A cidadania realga a justia, no Brevendo excegdes baseadas em casos indi viduais, e 0 “favor” realca a consideragao e © “respeito”, valores pessoais. A cidadania distingue piiblico e privado, e 0 “favor” traz + publico para a esfera do privado. A cida- dania € exercida por individuos e 0 “favor” feito por pessoas. 15, Entrevista com Geralda Teodora, Embora opostas, as duas nogdes se entrelacam, influenciando tada a sociedade ecriando diversas ¢ complexas relages que eruzam 0 “medemo” com o “tradicional”, 0 “econ6mico” com o “moral”, o “legal” com 0 “pessoal” ete. Neste trabalho, reaigo 0 fato de que, no Brasil, para “ser alguém" nao basta ser cidadao. E preciso também ser “pessoa” 2. "Eu quero seruma pessoa” — a luta pela identidade entre os camponeses do Formoso Qs camponeses estudados constituiam © extrato mais pabre © desprestigiado da Sociedade brasileira. Esta os submetia a uma superexploracao econémica e thes conferia uma identidade negativa, uma anti-identidade, ROIs Ndo os considerava “individuos” nem “pessoas”. Perante a socedade brasileira, ‘63 camponeses eram “nada”, “ninguém”. Para serem reconhecides © conquistar um lugar e umaiidentidade no cenjunte social, ‘95 passeiros do Formeso tiveram que lutar 6 mesmo tempo em duas frentes. Uma frente (pouco explorada neste trabalho) foi relativa aluta para tentar conseguir a cidadania plena. Nesse sentido, es posseiros brigaram para obter do Estado o reconhecimento dos seus direitos sobrea terra. Utilizaram o Poder Judi- Giario para processar os grileiros. Tornaram- se eleitores e participaram de forma ativa e independente nas processos eleitorais (in- clusive elegendo José Porfirio deputade estadual). Tentaram (e conseguiram} trans- formar a regio em municipio independente. Exigiram servigos publices paraa area, come escolas, hospitais ¢ radovias. Tomaram posi- 16. Embora “poccoa” © “individuo" tenham sempra merecide espaga nas ciéneias humanas, muitos trabalhas interessantes sobre o tema tém sido feitos. Foram pariculermente ttels a mien: Dumont (1970), Marsella, Devos @ Hau (1985), McCall (1990), Mauss (1974), Mead (1924), Ohnuls-Tiemey (1990), Romy (1976), Shwecer (1981), Shedar @ LeVine (1984). Estudos sobre emnogaes geralmerte ¢ folacianam aos Krabalhos sobre pessoa, Alguns trabalhos nessa rea de qua gostei muito: Bloch (7986), Camthars, Coline e Lukes (1985), Harré (1988), Lutz e AbU-Lughod (1990), Lutz e White (1965), Stearns (1885). 17. Esta parte deve mute. sos trabaihes de Roberto Damatia, espocialments os de 1976 © 195. 65 66 940 sobe os principais problemas nacionais (durante 6 golpe militar de 1964, por exem- plo, organizaram-se para tentar apoiar algum possivel contra-golpe), @ assim por diante. A luta pela cidadania implicou aprender coi- $43 NAd-contidas no projete original. Signi- ficou unir uma perspectiva pessoal ¢ lacal & perspectiva nacional, compreender que ser ‘camponés @ cidade brasileiro so faces da mesma moeda, A outra frente da luta camponesa foi relativa ao seu reconhecimento social como pessoas. Essa frente teve um significado especial para os rebeldes, peis a nocie de “pessoa” era importante tanto para a socie- dade em geral quanto para eles préprios. Os camponeses usavam a nogao de "ser uma pessoa” para objetivos diferentes dos do restante da sociedade, Para eles, nao estava em jogo obter empreges pliblicos ou excegées a lei, mas movimentar-se no inte- rior de comunidades pequenas, onde todos se consideravam e se tratavam como pes- soas. Apesar dessa diferenga, os valores que sustentam a nog’o de “pessoa” na socie- dade brasileira e:no grupo camponés s4io os mesmos. Para ambos, “ser uma pessoa” significa ser tratado com respetto, cordiali- dade e consideragao, relacionar-se bem com 08 outros, ter familiares, amigos e vizinhos presentes nas ocasides importantes da vida, ser reconhedide por suas caracteristicas pré- prias. Em suma, ser identificado, entre muitos, como tinico. O caminho que a sociedade brasilei doixara para as posseiros $6 tomarem "pes- s0as” era o de tentar realizar nas areas de fronteira 0 projeto camponés. Somente por meio da propriedade legal da terra, da auto- nomia no processo de trabalho, do controle sobre as relagdes comerciais com a socie- dade abrangente e de outras conquistas semelhantes, os rebeldes do Formoso pode- iam criar condigées minimas para ser consi- derades. pessoas. Somente assim cons- truiriam a3 bases para substituir a humilha- a0 e a rejeicdo pelo respeito pela consi- dora Nao havia outro caminho. Eles sabiam disso, pela hist6ria dos seus antepassades € por experiéncia prépria. Os seus antepas- sados — os homens e mulheres que desde © Brasil colonial teimaram em garantir a pequena produgao no pais de latifindios — entrentaram uma situago ainda mais dra- matica. Viveram constantemente ameacados de perder a condipao de seres humanos, de ser reduzidos a escravos, a simples merca dorias. Os préprios rebeldes do Formoso, atra- vés da experiéncia, haviam lutado desespe- radamente para encontrar no interior da sodiedade — nas fazendas, no trabalho a meia, no arrendo — um lugar para sie para a familia. Em vao: “Eu sezei a Deus pra eu acordar morto No Formoso, por meio de grandes sacri- ficios, 03 posseiros colheram as primeiras vitérias. Parecia que estavam no caminho certo, Alguns acharam que comegavam a se tornar pessoas. Mas, quando a grilagem terminou, eles ficaram ameacados de exp sao. A escolha foi durissima: luter para defender o que |A tinham ou voltar a ser ninguém. A maioria lutou, e, através da Iuta, aprendeu novas coisas. As vitérias que obti- veram, mesmo parecende pequenas, foram muito importantes para eles, pois ao menos uma vez na vida conseguiram validar 0 que es outros the haviam sistematicamente negado: a condiga de pessoa, Por isso mui tos deles, coma Nego Carreiro, encontraram nas memérias daquelas lutas a propria raz3o de viver: "Eu mostrei a eles que eu sou uma pessoa.” Atualmente, a saciedade brasileira con- tinua a negar um lugar para o campesinato ea traté-lo por “ninguém’”. Aos camponeses —o setor que mais tem se envolvido em mavimentos sociais — continua a nao restar outra alternativa a nao ser cantinuar brigando, pois suas condicées de vida na década de 1990 so ainda mais duras e violentas do que na década de 1950, A fronteira amazé- nica atual € mais distante e dificil de ser ocupada do que o centro-ceste; ¢ o numero crescente de béias-frias atesta a existencia de urn nivel ainda mais baixo de vida_ Além disso, a migragao em massa para as cidades criou no Brasil uma camada que no é nem rural nem urbana. Séo ex-lavra- dores que hoje moram nas periferias de cidades como Sao Paula, com 17 milhdes de habitantes. Eles néo contam mais com (98 recursos do campo, como as formas egtde trabalho coletivo e as familias extensas, ¢ também nao foram inteiramente absorvides pela rede urbana. E gente que se perdepelas tuas das metrépoles e sente medo dos car- fos e metés. Gente que cria galinhas e ‘tuoanes para lembrar a si mesma que um dia largou 0 coragao em alguma roga, longe, muito longe dal Pesaoss cujos depoimentos foram incluidos neste bao: Alice Freitas", Anieésio Carraia, Aniedsto dee Santos, ‘Amada Luiz Guerreiro, Ananias B. de Souza, Ananias Fibofro’, Armando Lopes, Armand Bertoline Ribeiro, Armando Rosa’, Alfio da Rocha Matos, Bestokto For- roira des Santos, Carlos Correia, Claro Careia, Cosmeiing Avelor”, Eelte Femandes Je Moura, Edith Fiboiro, Fidélo Fernsira dos Santas, Geralda Teodora, Helena da Pande", Hasana Martins de Moura, Isabal ‘Gomes, feabo! Poroire da Cruz, Ita Carrsiro, Joo Por- fitio de Souza, Joaquim Gongalves dos Santos, José Fernandes Sobrinnto, Luiz Lima, Luiz Velho", Manual Forfriados Santos, Maria Guorreiro dos Santos, Nogo Careiro, Oallia Pereira Barros, Otivio Guerreiro das ‘Santez, Otlia®, Paulo Andrads’, Sebastiio Bailio, ‘Sebastiio Rockigues, 26 Balano” BIBLIOGRAFIA ABREU, S. de B. Tombas. 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