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Até recentemente,
acreditava-se que a
diversidade de peixes no mar
brasileiro fosse pequena,
mas novos estudos têm
mostrado que essa idéia
é falsa. No caso dos chamados
peixes recifais, são muitas
as espécies descobertas.
Conhecer melhor tais espécies,
e muitas outras ainda
por descobrir, é essencial
para que o Brasil administre
racionalmente essa riqueza,
fonte de alimento para
a população litorânea,
Riqueza de
de renda para empresas
de pesca e de coleta de peixes
ornamentais e de diversão
para pescadores amadores
e mergulhadores esportivos.
sconhecida e ameaçada
j a n e i r o / f e v e r e i r o d e 2 0 0 1 • CCIIÊÊNNCCIIAA HHOOJJEE • 1 7
ICTIOLOGIA
FOTO R. ZALUAR
As primeiras etílico. O desafio desses pesquisadores está não só
ilustrações
em classificar as espécies, ou seja, reconhecer suas
de peixes
marinhos diferenças, mas também inseri-las em um sistema
brasileiros de classificação que reflita suas relações evolutivas.
foram As diretrizes para esse trabalho mais complexo
publicadas foram propostas inicialmente pelo zoólogo alemão
na obra do
Willi Hennig (1913-1976) (ver Descobrindo paren-
naturalista
alemão Georg tescos nos seres vivos, em CH nº 98). Uma dificul-
Marcgraff dade a mais para esse trabalho está nas diferenças
em 1648: entre as numerosas espécies desses animais que
o cangulo-rei
(Balistes vetula),
acima, e o
FOTO C. E. L. FERREIRA
peixe-pescador
(Antennarius sp.) O QUE SÃO PE IX
PEIX
IXEE S?
Desde crianças somos acostumados com a idéia
geral de um peixe: um animal que vive na água,
move-se usando nadadeiras, respira através de
brânquias e tem o corpo coberto de escamas.
Então crescemos e ficamos perplexos quando
alguém jura que existem peixes com os dois
olhos do mesmo lado da cabeça, outros sem
escamas ou nadadeiras e alguns que respiram
através de pulmões, que se arrastam no seco ou
que até voam. Procuramos nos livros e descobri-
mos que tudo isso é verdade. Mas como um
mesmo bicho pode fazer tantas coisas? A respos-
ta é simples: estamos falando de vários bichos
diferentes. São conhecidas hoje mais de 22 mil
espécies dos animais que chamamos de peixes,
Figura 2. e nem sequer conhecemos todas. E não existe
Outros uma característica que seja comum a todos eles.
desenhos Dos peixes que conhecemos, só dois grupos
de peixes – Chondrichthyes e Actinopterygii – vivem em am-
marinhos
bientes recifais. Pertencem ao primeiro grupo tu-
brasileiros
surgiram barões, raias e quimeras. Esses peixes têm es-
em livro queleto cartilaginoso e ciclo de vida longo. Mui-
do século 19, tas espécies têm sido exploradas pela pesca co-
e mostram o mercial, e algumas estão ameaçadas de extinção.
michole-quati
O tubarão-baleia (Rhincodon typus), que atinge
(Pinguipes
brasilianus), mais de 18 m de comprimento, é o maior peixe co-
acima, nhecido. Já entre os Actinopterygii figuram todos
e o badejo-sabão os peixes com esqueleto ósseo e apêndices for-
(Rypticus mados por raios. É o grupo de vertebrados mais
bistrispinus)
diversificado em ambientes aquáticos, atingin-
do sua diversidade máxima em ambientes
recifais tropicais. Têm os mais variados formatos
e tamanhos: todos os peixinhos coloridos de
aquário e a grande maioria dos peixes explora-
dos pela pesca são actinopterígios. No mar, os
menores são alguns gobiões recifais, que não ul-
trapassam 1 cm, e os maiores são os marlins do
FOTOS R. ZALUAR
FOTO C. SECCHIN
C
Figura 4.
As zonas
de endemismo
(ou províncias
zoogeográficas)
existentes
no mar
brasileiro são
a ‘província
brasileira’
(em verde),
a província
argentina
(em vermelho),
as ilhas
de Trindade
e Martim Vaz
(em azul),
o arquipélago
de Fernando
de Noronha
e o atol
das Rocas
(em amarelo),
e os penedos
de São Pedro
e São Paulo
(em preto)
e outras
resultantes
da combinação
de duas ou
mais destas
de província brasileira, e inclui essencialmente os peixes não estão distribuídos de forma homogênea
recifes tropicais distribuídos do Maranhão até Santa em todos os mares do mundo? A resposta depende
Catarina. Mas não é a única província nas águas da combinação de conhecimentos que vão desde os
territoriais do país. A costa das regiões Sul e Sudeste aspectos básicos da biologia desses animais até a
abriga elementos de uma fauna subtropical perten- formação e deslocamento de ilhas e continentes,
centes a outra área de endemismo, a província passando pelo entendimento sobre dinâmica de
argentina. Além dessas duas, outras áreas apresen- populações e teorias evolutivas.
tam, cada uma, fauna singular: o atol das Rocas, o O primeiro aspecto relevante diz respeito à ca-
arquipélago de Fernando de Noronha, as ilhas de pacidade de dispersão dos organismos. Peixes gran-
Trindade e Martim Vaz e os penedos de São Pedro e des, que nadam ativamente em oceanos abertos,
São Paulo (figura 4). Diversas novas espécies de como os atuns, têm grande capacidade de dispersão
peixes endêmicas dessas ilhas foram recentemente e, portanto, tendem a apresentar ampla distribuição
descobertas. geográfica. Já os peixes que dependem dos recifes
para obter alimento e abrigo deslocam-se pouco e,
assim, tendem a viver em áreas geográficas restritas.
Como surgem os endemismos Além disso, os peixes recifais podem apresentar
dois modos reprodutivos básicos: o pelágico, no
Mas por que existem espécies endêmicas de peixes qual os ovos são lançados diretamente na coluna
recifais na costa brasileira e em nossas ilhas, se dágua, onde se dispersam ao sabor das correntes
todos os oceanos estão interligados? Por que os até a eclosão; e o demersal, no qual os ovos têm
propriedades aderentes, sendo depositados sobre deslocassem para perto do Equador) e o recuo do
superfícies duras no fundo e protegidos pelos pais nível do mar, causado pelo aumento do volume de
até a eclosão. água retido nas calotas polares. Durante a chamada
Embora em ambos os casos a larva gerada passe regressão do Pleistoceno Superior (entre 16 mil e
por uma fase planctônica inicial, esse período nor- 14 mil anos atrás), a superfície do mar estava 130 m
malmente tem maior duração na reprodução abaixo do nível atual, o que expôs grande parte da
pelágica. Em conseqüência, peixes recifais com re- plataforma continental ao longo da costa brasileira.
produção demersal tendem a ocupar uma área ainda Também ficaram expostos os cumes das cadeias
mais restrita. De fato, a maioria das espécies recen- submarinas Vitória-Trindade e de Fernando de
temente descobertas na costa brasileira vive em Noronha (seqüências de montanhas hoje submersas,
recifes e tem estratégia reprodutiva demersal. situadas entre o continente e essas ilhas), permitin-
O segundo aspecto importante para o surgimento do o fluxo gênico entre as populações da costa e das
dos endemismos diz respeito à história da Terra, ou ilhas.
seja, ao mosaico de eventos paleogeográficos, Quando a Terra se reaqueceu, entre 14 mil e sete
tectônicos, eustáticos, climáticos e oceanográficos mil anos atrás, o nível do mar subiu gradualmente
que, ao longo de milhões de anos, isolaram, uniram até chegar ao nível atual. Com isso, a faixa litorânea
e extinguiram populações de organismos, em um continental recuou e os cumes dessas cadeias sub-
processo intimamente ligado à evolução dos mes- mergiram. Desde então, Trindade e Fernando de
mos (ver Rastros de um mundo perdido, em CH nº Noronha estão separados do continente por uma
15). Que eventos, então, teriam contribuído para a extensa faixa de mar, o que levou ao isolamento e
formação dessas áreas de endemismo em águas diferenciação de algumas populações residentes
brasileiras? Estudos recentes indicam que os últi- (figura 5).
mos ciclos glaciais, ocorridos no Pleistoceno, tive- Apesar de todas essas descobertas, o que co-
ram papel decisivo nesse processo. nhecemos atualmente sobre as espécies de peixes
Nesses ciclos, que duraram milhares de anos, a recifais brasileiros, suas distribuições, suas rela-
Terra alternou períodos frios e quentes. Nos perío- ções evolutivas e os processos históricos que as
dos frios, ocorreram o estreitamento da zona tropi- originaram está, de modo geral, muito aquém do que
cal (como se os trópicos de Câncer e Capricórnio se se conhece para outras regiões do mundo. 4
Figura 5.
Alguns pares
de peixes recifais
revelam a
diferenciação
ocorrida após
o último ciclo
FOTO R. ZALUAR
glacial entre
espécies
endêmicas
da ilha da
Trindade
(à esquerda)
e espécies
endêmicas da
costa continental
brasileira
(à direita):
no alto,
Malacoctenus
oceanicus e
Malacoctenus sp.;
FOTOS J. L. GASPARINI
embaixo,
Stegastes
trindadensis e
Stegastes fuscus