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A CLINICA DA PSICOSE Este livro ineugura @ colecdo “Campo Freud-Lacan”, que objetiva lancar textos atualzados sobre a cinica @a tora psicanltca, bem ealtar semindrios de psleanaitas estrangeros © nacionls. A Clinica da Psicose & composta dos seguintes textos ~ A Parangia do Dr. Schreber segundo ~ A Topica do imaginaio _ Regina Si Movi Sao ~ urd de Andrade Souza Filho oobi. ‘2 wf "A CLINICA DA PSICOSE 89 O66 2. MIL spate DURVAL CHECCHINATO OSCAR R. SOBRINHO REGINA STEFFEN AURELIO A. SOUZA F* inica da psicose. i WAU 5152789 Nv Pat:2003, paprus AURELIO DE ANDRADE SOUZA FILHO DURVAL CHECCHINATO OSCAR ROSSIN SOBRINHO. REGINA STEFFEN A CLINICA DA PSICOSE ) -zznog eureie9 112m uosshiy ny 12u8eM ‘opSuaye ead oSape6y log op eLopeBasonU- V¥IIANO 30 Wess HL O: PENNELL. capa: Studio revisao: Clarice Sampaio Villac F Josiane Pio Romera Sinan Views nee | O11 0€E 81300 Francis Rodrigues | J4263 | OF 1 Jee t ANLIED | CIP-Brasil, Catalogagio-na-Publicagio rt Brasileiro do Livzo, SP ‘A clinica da psicose / Aurélio de Andrade Souza Filho. [et al] ; Durval Checchinato (coord.) — Campinas, SP Papinus. 1988. 2% of (Colegio Campo Freu-Laean) 1. Froud, Sigmund, 1856-1939 2. Lacan, Jacques, 1901 W981 3. Psicoses 1 Souza Filho, Aurélio de Andrade ‘Checehinato, Durval, 1936 — Série: Campo FreudsLacan ISBN.85-308-0005-2 ep-157.2 NLMAWM 200 Indices para catilogo sstemitico 1, Psicoses : Psicologia do anormal e clinien 187.2 DIREITOS RESERVADOS PARA A LINGUA PORTUGUESA: ®M.R.Comacchia & C Lida papirus EpITORA Aw, Francisco Glicério, 1314 - 2° and, Fone: (0192) 32-7268 - Cx, Postal 736 13013 + Campinas ~ SP = trast proibida a reprodugio total ou parcial por qustquer meio de impcessio, em forma idéntica, resumids ov moditicuda, em lingua portuguesa ou qualquer outeo idiom. INDICE A parandia do Dr. Schreber segundo Sigmund Freud Durval Cheechinaro A funedo da mae Osear Rossin Sobriaio A (pica do imaginario Regina Steffen A metéfora paterna Aurélio le Andrade Souza Fillo Andlise € Psicose Durval Cheechinato 49 103 emog euaseg uossfiy 2 z a ‘opSuaye ejad oSapei6y yu 3713S INTRODUGAO DURVAL CHECCHINATO Este livro se destina a dar uma visde tedrica e clinica de aborda- gem da psicose segundo os conceitos elnborados por Freud ¢ Lacan, Freud embora alimentasse certo reecio seni certa repugnéincia confessa cin tratur de psicsticos, nao deixou de pensar sobre 0 problema da Psicose. E, paradoxalment, suas intuigdes geniais deram aos pésteros subsidios inestimaveis para destringar os enigmas da estrutura psicdtica Foi a partir dos anos 50 que os psicanalistas se voltaram fran- camente 0 tratamento da psivose. A tal ponto que em 1968 Lacan chegou a ufirmar eategoricamente: “a psicose & aquilo diante do qual tum psicanalista jamais deveré recuar”.! A anlise do caso do Presidente Schreber efetuada por Freud, € sem diivida o modelo clinico mais importante. Desde sua publicagio (1911), ele tem intrigado os psicanalistas. Esse mesmo estudo tor- ow-se objeto de numetosos trabalhos ¢ publicagdes. Mas hé duas de maior importincia: os trabalhos de um grupo de psicanalistas ingleses © americanos, publicados em diversos periédicos © reunidos numa em frangés, por Eduardo Prado de Oliveira, abrangendo 0 rdo de 1949 a 1962? e, de muito maior importéncia teérica por © Semindrio de Lacan sobre “As Psico- ses", condensado de proprio punho em seus Ecrits.* Além do caso Schteber hé varias histérias clinicas de tratamento cura de psiedticos que tornaram-se eélebres. E, exempli grétia, 0 caso de “Renée”, tratada por Madame A. Séchehaye®. Seu belo livro, infelizmente ndo traduzido em portugués, conta a histUria de uma jovem suiea, que estando em f¥rias numa chéeara, aos 5 anos de idade, ao passar perto de uma escola alema onde os alunos cnsaiavam um canto, teve seu primeiro surto. Apés seu primeiro trajeto pelo asilo, gracas & mie que impediu que ela fosse reinternada, tem a for- tuna de encontrar a psigdloga Madame Margueritte Séchehaye. Ma- dame a revebe e permite que ela faga sua viagem onde “as realizaroes 7 ossfiy z = ze] a | 2 5 z 38 2 om & al a 3 gq 5 3 5 3 3 3 aga simbélicas mostravam as mudangas sobre a vida afetiva” (p. 5). Livro criticavel sob 0 ponto de vista te6rico onde se alimenta a fantasia de poder conjugar Freud e Piaget, mas muito apaixonante do ponto de vista clinico. No tocante & demitizagio da psicose temos que ressaltar a grande importincia do movimento antipsiquistrico. No Brasil como alhures cele provocou muito medo nos psiquiatras ¢ psicanalistas instalados. Estamos longe de poder citcunserever a enorme influéncia desse movimento na conceituagao da loucura e, conseqtientemente no ques- tionamento da validade das instituigdes psiquidtricas. De qualquet maneira é preciso levar em conta a diferenga especifica dos diversos movimentos na Italia, na Inglaterra, nos Estados Unidos e em Franga Embora todos os antipsiquiairas empunhem a bandeira da denéncia do poder policialesco da psiquiatria, eles se caracterizam por enfoques te6ricos e clinicos distintos. No movimento inglés a histéria como- vente de Mary Barnes" se tornou exemplo Ieido de que a loucura precisa ser recebida, Esse caso vem ilustrar mais uma vez que a clinica da loucura nao € algo que possa ser generalizado e, sim, que importd descobrir © caminho de cada louco na reconstituigao de sua historia. A propésito de psicanélise ¢ instituigo gostariamos de nos refe- rir ao belo trabalho de Maud Mannoni em Bonneuil’, Franca, & rica experiéneia de Jean Oury na clinica “La Borde” * , finalmente, a0 esforgo tebrico ¢ prético de Gincite Raimbault * em explicitar a fungao do psicanalista no hospital goral. Outro estudo deveras pertinente € “L’enfant de Ca” " onde os autores Jean Luc Donnet ¢ André Green, a partir de uma entrevista gravada apresentam uma anélise do discurso psicstico e, conseqiiente- mente, tecem consideragées sobre a psicanélise num servico multidis. Ciplinar e sobre as vicissitudes da psicanélise as voltas com a psicose. Acreditam dar uma nova contribuicéo & abordagem da psicose através de um “estudo © mais profundo possivel de uma primeira e nica entrevista... gravada e transcrita sob a forma de um texto submetido @ andlise a posteriori” (p. 225), Dizem ter escolhido um paciente que ilustra o que chamam de “psicose branca”, a saber, “o germe da psico- se", Trata-se de um paciente que ¢ filho do genro © da sogta “sou um filho disso(ga)”. A partir dat sua mfe e sua irma se divorciam. A mée se une a um portugués € mais trés criangas entram em cena. Aos 18 anos, aps uma mudanca, passa a dormir em companhia da mae e do padrasto num mesmo quarto. E af que a depressio se instala e comoa seu drama, Do ponto de vista te6rico o livro é sem divida interessante. Gostariamos de mencionar © trabalho de Heitor O, de Macedo, ‘Ana K. ou A Conjugaeio do Corpo, Histéria de uma Anélise” ! ‘Trata-se de um trabalho emocionante, Tirante certas limitagdes te6ti cas e de apresentagdo que poderiam bem ser evitadas, uma série enor. me de galicismos desnecessérios, 0 livro atrai pela simplicidade e pelo rigor tivo em conjugar teoria e prétiea. Além disso, a posi¢do do autor a respeito da terapia ocupacional me parece @ mais precisa: elt 86 tem sentido se acolhida pelo trabalho da anélise. © livre tem © grande mérito de expor uma pratica, Finalmente, enire nds, o exemplo comovente de simplicidade do terapeuta ecupacional Rui C. Jorge "© a contrasiar com © psiquiatra que o introduz defendendo (por que seré?) a hospitalizagio como nao cronofivante. © que importa é que M. S., esquizofrénica erénica, encontrou em Rui o fulete para voltar & realidade © redimension © seu desejo. Quem ditia que as piramides de Pfister chegassem a tanto! O trabalho de Rui vem mais uma vez provar que o eclelismo € 4 pior forma de abordagem clinica, porque fragmentada, pervers iluséria, sendo que toda clinica tem o dever ético de gerar uma praxis comprovada. Agindo na linha de Winnicott, Rui defende “a crenga em que, um ambiente de trabalho e carinho, aliado 20 relacionamento com pessoas de boa vontade € treino adequado, podem salvar o outro dda angiistia ¢ do desespero que o levam a loucuta” (p. 18). E curioso notar que as vérias curas de esquizofrénicos publicadas so fetuadas por psicdlogos, psicoterapeutas ocupacionais ou por psi canalistas. Ratissimamente por psiquiatras. De maneira alguma pretendemos ser completos a0 delincar esse horwonte. Ele marca apenas um decote efetuado pelo autor. Voltemos agora aquilo que nos entreterd no longo desses pé- sinas. © trabalho que ora publicamos tem dupla origem: de um lado €0 resultado de anos de reflexdo sobre contribuigées de Freud, Lacan ct alii e, de outro, € @ resultado de uma perquirigao constante e impla- cével da melhor coeréneia com a pritica. Disso resultou uma praxis que eticamente norteia por varios anos uma atividade clinica com Psicéticos em Campinas (SP) ¢ Salvador (BA). Seus efeitos se com- Provam alentadores. Todos os pacientes que recuperaram sua saide, © jd so bastantes, néo mais tiveram recaida, Ao longo desses textos tentamos guardar a melhor coeréncia interna, de tal maneira que o leitor possa ter um testemunho de nossa Pratica, E apenas um dos caminhos. Hi tants outros. Hé mesmo a 9 emis sousem, ‘opbuaye ejad odpe6y remissio espontinea, © nosso propde aceitar a interrogaeao da lou tcura sobre nds mesmos ¢ viver com o paciente @ aventura desse im pacto. E um caminho sofrido: seguimos de dia ou de noite as angistias da loucura em aberto, Paciente, familia, psiquiatra, psicanalista, tera~ peuta ccupacional, assumem plenamente o ritmo descompassado dos delivios e alucinagbes. Numa palavra, nfo fazemos outra coisa que acolher 0 louco na trama ¢ no drama de sua dolorida histéria humana. ‘Que © leitor tenha aqui um testemunho de nosso mister REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 1 Omnicar? N29 p. 12 — aveil 1977, Overture de Ia Section Clinique Bulletin Périodique du Champ Freudien: 31, rue de Navarin, 75009 — 2 Le Cas Schreber — Contributions Psychanalytiques de Langue Anglaise Boumeyer F, et alli — Presses Universitaires de France, Paris, 1979. En portugues, dessa coletinea, "O Caso Schreber, um Perfil Psicanalitico de ana Personalidade Parandide”, traduzido editado pela Ed, Campus — Rio de Janeiro, estampa apenas 0s trubalhos de Willian G. Niederland, 5 Editions du Seuil ~~ Paris — 1981, 4 Lacan, J. — Gerits, Editions du Seuil, Paris, 1966, “Este antigo comtém, diz ele ap. 531, 0 mais importante daquilo que demos em nosso seminério Gurante os dois primeitos trimestres do ano escolar 1955-86, ficando entio fora o terceiro" 5 Sichehaye, M. — Journal D'une Schizophréne — Presses Universitaires de France — Paris — 1978. 6 Barnes, M. ¢ Berke, J.— Viogers através di Loucura, Francisco Alves, SP Brasil, 1977 7 Mannoni, M. — Un Liew pour Vivre — faitions du Seu, Paris, 1976. A autora afirma que “é preciso ser Lacan para suportar Bonneuil”. Vide foutrossim da mesma autora, “Educagao Impossivel”, Francisco Alves Ed tora — Rio de Junciro — 1977 8 Michaud G., Laborde, Gauthiers — Villars — P 9 Ra Editions du Souil, Paris, 1984. Vide outrossim: Raimbault G, — Clink Réel — La Psychanalyse ot les Fromiitres du Médical — ditions du Soul, Paris, 1982 10 Donnet J. Li et Green A. — enfant de Ca — Les Baitions de Minuit — Paris — 1978 11 Macedo de H.0. — Ana K. ou A Conjugaglo do Corpo — Historia de uma Anilise — Francisco Alves — Brasil — 19853. 12 Jorge Rui C. — Chance para uma Esquizofrénica — Belo Horizonte — MG = Brasil, 1980. is — 1977. 10 Referéncias histéricas tradusio e ndaptacto: DURVAL CHECCHINATO ‘eos eurose9 uosstiy s0u6e, i Ey ay ; G-LLO'pLL'Y deeW- Booed ap opebnsanNN- YUIATIO 30 REFERENCIAS HISTORICAS Conceito A analise que aguii fazemos se vale de um texto de “Discours Psychanalytique’ n.° 10, marco de 1984, revista da “Association Frew dienne” de Franga '. Na realidade esse texto faz parte do projeto de tum novo diciontio de conceitos psicanaliticos apés o “retorno a Freud operado por Lacan”. O termo em paula é: Verwerfung, cuja traducio em portugués efetuamos pelo neologismo: Foraclusio. Para tanto nos valemos da série latina ex-cludere (exeluir), includere (inch @ elaboramos para o verbo “verwerfen” 0 voeibulo foras-cldere (foracluit), entendendose por cle aquilo que ficou “fora” da signi- ficagdo ou mais radicalmente ainda, aquilo que nao péde se significar. A traducao “forclusio”, por vezes encontrada em portugués, nfo se justifica Tingitisticamente; & puro gal Esse termo aparece em Freud pela primeira vez em 1894 quando em “Psiconeuroses de Defesa” tenia uma primeira distingdo entre neurose ¢ psicose. Assim se exprime: “Existe uma espécie de defesa bem mais enétgica, bem mais eficaz consistindo em que o exo rejcita Cverwirfi") a representagio insuportével simultaneamente com seu aleto € se conduz como se a representacio insuportavel nao tivesse jamais chegado ao ego” Em 1911, paradoxalmente, ao analisar 0 texto do. Presidente ‘Schreber como exemplo tipico de um caso de psicose, ele nao emprega © termo “Verwerfung”. E em 1915, em “O Homem dos Lobos”, que Freud nota serem us referenciais tedricos insuficientes. Acreditava-se tratar de um neurbtico. Mas os termos Verwerfen — Verwerfurg voltam em varias passagens do texto. O que & importante € que a joraclusdo marca a relagio do siieito com a castragao. “Nés ja sabemos que atitude nosso B eznog eulases uossiiy s2uBenn peu & i a SLLO WLLL deew-eotlog op e1opebasonu- Well 3ALTO 3A wl: paciente tinha primeitamente adotado face ao problema da eastracao, Rejeitowa e se ateve a teoria do comércio pelo anus, Quando eu di © sentido imediato & que ele nada dela quis saber, isso fez sobre sua existéncia; ‘auséncia *yejetou-a”, no sentido do reealque, Nenhum juizo s fs coisas se passaram como se ela ndo existisse. Portanto a de julgamento” & simuhanea a essa “Verwerfurg” E a respeito da alucinagdo, em 1911, Freud precisa: “Nio era cexato dizer que & sensacdo reprimida (Tunterdruckt”) no interior seria projetada ao exterior se conhevermos antes de mais nada que o que é albolido no interior, retorna do exterior” Mais tarde no attigo sobre o “Feiticismo”, 1927, ¢ em “Resumo da Psicanilise”, 1958, a fim de distinguir a defesa do perverso da defesa do psicético, Freud introduz um novo termo: “Verlewgrune” {que em portuguds se verte tecnicamente por “recusa” da realidade. © momento preciso em que Freud observa em “O Homem dos Lobos” © mecanismo da psicose, & na alucinagdo do dedo. Assim 9 exprime o paciente: “Notei de repente com terror inexprimével que eu tinha cortado meu dedo minguinho de tal maneira que permanecia pendurado 36 pela pele. Nao senti dor alguma, apenas um grande medo. Nada ousei dizer & pajem que estava a alguns passos de Afundei-me no banco proximo e ai fiquei sentado, incapax de olhar de novo meu dedo. .. ¢ eis que jamais sofrera o mfnimo ferimento” * Freud entao se torna explicito ao registrar: “Eine Verwerfung ist etwas anderes als eine Verdriingung”, isto &: “uma foraclusao € algo outro que um recalque”” Note-se que “O Homem dos Lobos” s6 bem mais tarde, no mo- mento em que se implicava com as cicatrizes do nariz, yoltou a se embrar desse episédig. Voltou a se confrontar com essa “rejeigio primordial”, A “pequena coisa” que podia ser separada do corpo retorna sob forma alucinatéria. Temos ai 0 “efeito diferente” daquilo que Freud tinka notado na neurose: esse modo de castragao implica como pai um “personagem terrificante” que ameaga com uma cas- tragio real Freud ai est enquanto “pai, agente” de castragio. Segue-se um tipo particular de transjeréncia (veja-se 0 exemplo da relayao de Schre- ber com Flechsig) que tem todo seu peso de deflagraeio da psicose. Froud assim resume: “duas correntes contrétias existiam uma ao lado da outra: uma abominava a castragio enquanto a outra estava pronta a aczitéela e a se consolar com a feminilidade a titulo de substituto” ". 4 Retomada de Lacan Freud, portanto, se referia & relago do sujelio com pai. Ora Lacan na andlise do caso Schreber expoe a doutrina da relagio do *sujeito ao significante": “a attibuigio da proctiacdo a0 pai so pode ser efvito de um puro significante, de um reconhecimento nao do pai real, mas daquilo que a religiéo nos ensinou @ invocar come nome do-pai” De que processo se trata na Verwerfung? & exatamente © que se opse & Bejahung (afirmagao) priméria e constitui como tal 0 que € expulso” * Em sua “Resposta ao Comentério de Jean Hippolyte” em 1953 — a partir, do texto de Freud sobre a denegaedo — Die Verneinung — 1925, [Lacan define a foraclusio como correspondendo a um “pro- cesso primério” cm duas fases: — Uma, de simbolizagdo ou Bejahurg, posigio — afirmagio ou “introdugdo no sujeito”: a "Einbeziehung ins Ich”, fase que nto se realiz — A outra, de “expulsio fora do sujeito”: a “Ausstossung aus dem Ich": & 0 real enquanto € 0 dominio que subsiste “fora da sim- bolizagio”, donde a formula de Lacan: “O que foi foracluido do simbélico reaparece no real” ®.| Nesse mesmo texto, para traduzir 0 termo freudiano Verwerfung, Lacan emprega alternativamente os vocibulos expulsio € corte: “o que 0 sujeito cortou da abertura ao ser no se reencontraré em sua hist6ria, se se designa por esse nome o lugar onde o recaleado vem reaparecer”. Em 1955, em “Estruturas Freudianas da Psicose", Lacan dew preferéncia ao termo exelusdo. Fem 1956, em “Questo Preliminar a todo Tratamento Possivel da Psicose” (Ecrits), como no final do seminério sobre as “As Psicoses” que Lacan escothew 0 comveito de “foraclusto” para traduzir Verwerjurg, especiticando que se trata de Joraclusao do significante. Nessa relagio do sujeito com o significante, de que aeidente se trata? "Tentemos conceber agora uma circunsténcia du posigo sub- jetiva na qual 20 apelo do nome-do-pai responde nao o apelo do pai real, pois essa auséneia é mais que compativel com @ presenga do significante, mas # caréncia do préptio signiticante” ™ A Verwerjung implica ent@o, de chofte, que algo nto & admitide 1 titulo dos significantes primordiais, ¢ isso tem por efeito a consti- tuigdo de um buraco no simbélico (uma nao — Bejahurg). eznog euioseg Nano uosshiy ) s9u6em, pduaye ead ebepesby 2 z z q q 5 : i e 4 é 3 Os efeitos da Foraclusio ~” Se a foraclusio & um buraco no simbelico ela sé pode ser notada em seus efcitos. Seré apreendida na estrutura particular do dizer do Paciente psicético: “Em parte alguma o sintoma, se o soubermos ler, € mais claramente articulado que na prépria estrutura” Tratwse entio de encontrar as perturbagdes da linguagem ma relagdo significante, So elas que nos dio os pontos de referéncia No semindrio sobre a psicose podemos detectar — as palavras-chaves, cuja significagio inefével nao remete a outra ¢, sim, a nada mais que a cla mesma, Assim os neologismos, come “galopinar” (= galopiner) — as frases-refro de caréter estereotipado, Essas palavras c essas frases constituem uma espécie ce “chumbads na rede”, como die Lacan, ¢ que consiste na caracteristica estrutural do deliio. _—— Enfim o fenémeno da frase interrompide com suspensio do sentido, indica, mediante um modo de relayio ao outro, alusivo, a decomposicto da funcao da linguagem: “porque, mesmo nes momentos fem que se trata de frases que até podem ter um sentido, jamal eneontraremos algo daquilo que designamos metétora”” (Ser Pirata das Psicoses, 2 de maio de 1956), A psicose se deflagra no sujeito em condigdes eletivas: no mo- mento em que o sujeito se depara com a Falta do significante como tal, com © buraco que esta abre no significado; segue-se da o desenvol vimento separudo da relacio do significado e do aparelho significante. LOs pontos de basta” do discurso, os pontos de enlace funda Imeniais entre o significante e o significado nao tendo sido estabelecidos cm lugar algum ou tendo sido afrouxades, produz-se a emergéncia de fendmenos autométices nos quais a linguagem se mete a falar sozinha, acarvetando uma decomposicio do discurso interior e a pre- temingncia do signifieado como tal, cada vex mais vazio de significatao, EF todo 0 préprio aparelho significante que necessariamente sofre ume Profunda modificagio: “donde procede-o desasire crescente do ima. Bindrio, até que o nivel seja atingido, nivel em que significante « Sianificado se estabilizam na meidfora delirante” = Em francés: eupitonnage, em portugués: Hasta: “Cada um dos pontos rassos com que se atravessa colchio, caxim ou alimofada pare w enchimentor female dos mesmos pontos”. Norv Disionsrio Aurclio — Ed. Nov Frome, cm portugués, tendo em visia seu homonim, “basta” wadus nilhor ainda a eae Lacan aie 8p : horrivel palicismo “capitonagem'! * ‘ " lo eee Esse € 0 ponto de acabamento do trabalho da psicose. No que concerne « posiete do sujeito, © Esquema | comparado com 0 Esque. ma R (Eerits pag. 571 © 555) fornece os pontos de referéncia sobre a estrutura do sujeito a0 final do processo psiestico. O que ai é patente ¢ que a regressdo nao é genética, mas fdpiea, a0 estidio. do espelho *, Nessa relagao puramente dual,[& relagao imaginéria toma outra forma que a da exclusio reeiproca, que permite fundar a imagem do ego. Ao conttario, assume a fungio de captura imaginéria, numa alienagao mais radical, pois que reduz 0 sujeito a uma posicéo de intimidacao. Efetivamente, como a mangita de se dirigir a0 grande Outro consiste simplesmente em indicar sua diego ou sua existéncia na forma de alusdo, o sujeito fica, portanto, excluide do circuito. por: quanto esse se fecha sobre os dois pequenos outros. Tanto é que em vez de receber sua mensagem sob forma invertida, 0 sujeito recebe stta propria palavra do outro, que & seu reflexo no espeths:| No exemplo dado por Lacan, a palavra “porca” & ouvida alucinatoriamente (Se- mindtio sobte as Psicoses de 7 de dezembro de 1955), Isso implica numa interrogagio: em que registro surge essa pa- leyra? E constatase: & 0 real que fala, 0 real enquanto dominio daquilo que subsiste fora da simbolizagio (Ecrits: Resposta a0 Co: mentério de Jean Hippolyte) LE no registro do imagindrio que se sustenta 0 frigil equilibrio do sujeito. Pois do aniquilamento do significante “é necessério que suporte a carga, assuma a compensagio, através de uma série de identificagdes puramente conformistas" | (Seminério das Psicoses — 18 de abril de 1956), Nessa conjuntura, como o pai néo pode ser significante, sobraclhe poder ser sendo uma imagem, & qual o simboto nio pode acudit como limite. Nesse caso trara-se de uma relaefo toalmente desme- surada com um personagem que se situa na “ordem da poténcia © nna ordem do pacto” (Seminério das Psicoses — 18 de abril de 1956) Assim Schreber testemunha que nada menos é necessério que ‘© priprio Deus Pai para que seu delitio chegue a seu ponto de equi- Hibrio, © que implica num sacrifieio. Do fantasma fnicial “como seria belo ser uma mulher no ato sexual” (contra o qual Schreber luta), segue 0 trajeto obrigatério de se tornar A mulher de Deus, sendodthe * Vide o trabatho de Regina Steffen nas paginas internas 7 eznog euese9 uosshiy s8uB0y9 peu g z i 2 pmauamas "ons E-LLO'vLE'L deew-eollod ap eiopeEASenUI - YaI3AITO 30 vi 4 identifcacdo feminine a dnica mancita de salvar cetta estabilidade do mundo. a Uma observacio sobre esse trator a foraclusto do significant: pai abre um buraco no ugar do significado falco, 0 sujeito & com Grid a prcsipitar af seu ser int A propésito de Eitamannung (emasculagdo) assim diz Lacan: “Nao € por ser foracluido do pénis, mas por ter que ser o félus que © paciente ser prometido a se tornar uma mulher” Cura Um novo significante pode vir no lugar do significante faltante? Discours Analytique” no 6 apresenta uma resposta do Dr. M Caermak. A propésito de um neologismo slucinatério num caso de automatismo mental assim afirma: “Se um delirio néo & outra coisa que essa teia de aranha de significagdes que organizaram certo signi ficamte, © neologismo alucinatério so averigua como sendo esse centro da tela que coneentra, ajunta, atrai e reordena todas as significagéés vitais Questo: @ crisedo de um novo significante é a tinica perspectiva resolutdria da foracluso do nome- g 8 3 opduaye Bjad adepe6y z 4 oy Dd [ 0d ep evonebnsonul - VAISANO 30 WHIM! IT1aSIO. S110 Ly deeu-e A PARANOIA DO DR. SCHREBER SEGUNDO SIGMUND FREUD Introdugaio De principio importa notar que, conttariamente 2 outros exem- plos de Freud, o estudo sobre Schreber se realiza no testemunho de seus extritos' e nao na vivéncia clinica do atendimento do paciente Mas a metodologia é rigorosimente a mesma: s6 as palavras do par iente contam. Freud nio arrisca interpretagdo alguma que no surja do contraste delas na dialética viva do text. Outra observagio fundamental: esse trabalho de Froud € de 1911. Exatamente trés anos antes de “O Homem dos Lobos”. Em Schreber © mecanismo da parandia, como veremos, permanece um enigma, E em “O Homem dos Lobos” que Freud introduz genial- mente a nogio de Verwerfung: “Eine Verwerfung ist etwas aderes ls cine Verdriingung”, ow seja, “uma foraclusio € algo diferente do fue um recalque”. Note-se que ¢ a partir dai que o génio de Lacan fard o resto, Além disso, em 1911 viria a terceira edigao da Traumdeu: tung, sendo que @ segunda demorou dez anes para ser reimpressa (1909). Portanto, momento em que Freud decididamente esti a sair da proserigéo e do anonimato. Ademais, esse trabalho, (como aliés as outras quatro_psicané- lises!) precede em muito a virada da segunda t6pica (1920), demons- trando que esta s6 tem sentido em referéncia &quela. Por fim, esta observagio inicial de Freud jd nao fax sentido em nossos dias: “A investigagdo psicanalitica da parandia apresenta para nds médicos nfo trabalhando nos asilos, dificuldades de particular rnatureza, Nés ndo podemos cuidar deles (dos parandicos) muito tempo porque a possibilidade de sucesso terapéutico € a condigiio de nosso iratamento” *, Felizmente hoje, gragas a0 trabalho de equipe ¢ 9° 2 eznog euloses ION Uasshly ‘anys s0usemn, peu OY oy de ale ead obapesby S-LLOWLL'L dseus-etiod ap eiopeBysenul- WMI3AIIO 30 vYIaeI4 IT7aS1O reeurso dos neureléptices, praticamente todos os doentes podem ser tratados em regime ambulatorial Identificacio Daniel Paul Schreber era fitho do Dr. Daniel Getlieb Moritz Schreber, médico famoso, sobretudo na Saxdnia, Dr. Daniel tornouse célebre por dois motivos: primeiro porque foi o fundador da ginds- fica terapéutica na Alemanha. Editou um livro, “Gindstica de Quarto”, que conheceu numerosas edigées. E, segundo, na Saxdnia fundaram-se numerosas “AssociagSes Schreber” cujo intuito era “formar harmo- niiosamente a juventude, assegurar a colaboragiio da escola © da fami- lia ¢ elevar © nivel de satide dos jovens por meio da cultura fisiea ¢ do trabalho manual”, Freud acrescenta que “esses esforgos do Dr. Daniel exereeram uma agio durdvel sobre seus contemporaneos” * Ele nasceu em 1808 © morreu em 1861, portanto com 53 anos. Nao temos dados para saber qual teria sido o impacto dessa morte sobre Schreber, mas Freud com justeza clinica aventa: “Um pai, tal qual o Dr. Schreber, certamente se prestaria a sofrer uma transfigu ragio divina na recordagio enternecida do filho ao qual tao cedo foi arrebatado” + O Presidente Schreber, por sua vez, nao se tornou menos eélebre. Depois de Freud ¢ © autor ¢ 0 paciente mais citado. Ao escrever set, trabalho em 1911, Freud deseja que ele ainda viva e viva livre do mal que 0 acometeu. Mal sabia ele que Schreber, apds perder a mie ¢ a esposa, nessa época penava no sanatério de Dézen, situado nas cercanias de Leipzig, onde veio a falecer no dia 14 de abril de 1911, aos 60 anos de idade. Infelizmente néo conheceu Freud € nem teve contato com nenhum psicanalista, embora tivesse tido a intuigéio de que esse seria seu caminho: “talvez no se possa exigir do dirctor de uma grande instituigao, na qual se encontram centenas de pacien- tes, que ele peneite profunda ¢ detalhadamente na conformagao men tal de um dinico entre eles” * Crises ‘A primeira crise ocorreu no outono de 1884 ¢ ao fim de 1885 cle estava “completamente” curado. Schreber tinha entdo 42 anos de idade, era presidente do Tribunal Regional de Chemnitz e se candic datara as eleigdes parlamentares pelo Partido Nacional Liberal nas quais sofreu “Tragorosa derrota” 22 © Dr, Flechsig em cuja eliniea Schreber se tratou declarou que © paciente se curara de um “acesso grave de hipocondria”. E Schreber completa: “a primeira doenga decerreu sem qualquer incidente rela- {ivo 20 dominio sobrenatural” A. segunda rise se dew em 1893, quando Schreber completara 2 anos, apés “o trabalho estafante e extraordindrio que eu tive gue executar a0 ingressar em minhas novas fungdes de Presidente da Corte de Apelagio de Dresde” He avon 3 Finalmente a terceira erise que © acompanhou & morte se dew a 27 de novembro de 1907, quando foi internado em Dizen Infelizmente no temos informagdes dos precedentes nem das circunstincias precisas que envolveram a doenga de Sehreber, Tentarei levuntar algumas hipsteses clinieas a partir de certos dados fornecidos pelo autor, pelos médicos e pelo proprio Freud. ‘Tratamento Nas duas primeiras crises 0 Dr. Schreber se tratou na clinica do Dr. Flechsig. Da primeira, qualificada de “hipocondria”, saivese bem, E, Freud, em uma nota, faz uma observagdo clinica:\os sintomas hipo- condriacos esto para a parandia /essim como a\neurose de angistia est para a histeria >, Guardou de Flechsig a melhor lembranga. A transferéncia agiu em pleno e mesmo sua mulher no deixou de expri- mir sua gratidao: “ainda mais profunda talvez foi a gratiddo sentida por minha esposa”", que durante anos conservou a fotografia do Dr. Flechsig sobre a escrivaninha. Schreber acrescenta: “Depois da cura da primeira decnga, vivi oito anos no geral, bem Felizes, ricos também em honrarias exteriores © apenas passageiramente turvados pelas numerosas frustraydes da esperanca de ter fithos” ®. Em 1893 anunciamlhe @ nomeacio pata a presidéncia do Tri bbunal de Apelacdo e dia 1.” de outubro assume a fungéo. Por diversas vezes sonhou que iria cair de novo doente ¢ um dia, num estado intermedidrio de sono c vigilia venthe subito "se idéia de que seria muito bonito ser uma mulher no ato sexual”, e, idéia, diz Freud, de que se tivesse plena consciéncia, ele a teria repe- lido com a maior indignacio" "'. Veremos mais adiante que af esti © miicleo patégeno que gerou todo sistema delirante de Schreber. Apés uma insGnia “das mais terriveis” ele piorou. O diretor da casa de saide de Sonnenstein, Dr. Weber, que recebeu Sehreber das mios 23 ‘eznog eulises uossiiy s2u6e) 2 i E £ Ls $110 LY 1 deeus-e1ojlog ap eiopebnsanUl - WeIIAITO 3G WHISYABs 3T13S19 do Dr. Flechsig na segunda crise, assim resume seu estado num laude pericial: “No inicio de sua internagio manifestava vérias idéias hipo- condriacas, queixava-se de sofrer amalecimento cerebral, de que mor- retia logo, ete.. mas logo cm seguida se acrescentaram a0 quadro nico mérbido as jdias de perseguicio, derivadas de alucinacdes Mais tarde se tomaram mais freqiientes as alucinagdes auditivas © actsticas, que, 20 lado de distirbios sensoriais comuns, acabaram por dominar sua sensibilidade e sew pensamento; consideravase morto © apodrecido, doente de peste, supunha que seu corpo fosse objeto de horriveis manipulagSes de todo tipo, ¢... sofria as cvises mais horri- veis que se possa imaginar —e tudo isso em nome de uma causa sagrada. As idéias delirantes absorviam a tal ponto 0 doente que ficava horas e horas completamente rigido e imével (estados alucina- trios), inacessivel a qualquer outra impressao” "2, Esse sofrimento © penava tanto que varias vezes tentou se afogar na banheira. Pedi também que Ihe dessem 0 “cianureto de potéssio que the era tinado” Em_seguida suas idéias delirantes assumem um carter mistico, religioso. Entra em contato direto com Deus, vé uparicdes mitaculo. sas, ouve “misiea sacra” e, enfim, acredita habitat outto. mundo, Inverte sua posigio com respeito ao Dr. Flechsig ¢ pass a yé-lo como perseguidor. Apelida-o de “assassino de almas”, e seu ddio se condense num grito constante “klein Flechsig”, “pequeno Flecisig”, e, na entonagio, destaca 0 “klein” A evolugio de seu estado, 0 Dr. Weber assim o descreve numa Perici de 1894: “Sem entrar em todos os pormenores do decurso da doenca, é suficiente notar como, a partir da psicose inicial mais aguda, que envolvia diretamente todas as reas do psiquismo, diagnosticada como delirio alucinatério, emergiu de um modo cada ver mais deci sivo e, por assim dizer, cristalizado © quadro parandico que se vé hoje” Alta Foi to dificil quanto hoje. Em 1899 Schreber se considerava capaz de levar uma vida independente. Tomou providéneia para que fosse levantada a interdigio que o detinha no hospital. O Dr. Weber se opunha a sua safda. Num laudo pericial de 1899 assim escreve: “Deste modo, absiraindose os sintomas psicomotores que st impdem de imedieto como patolégicos, mesmo para o observador superficial, © presidente da Corte de Apelagdo, Sr. Dr. Schreber, nio parece nem 4 confuso, nem psiquicamente inibido, nem sensivelmente Tesado em sua inteligencia; € sensato, sua meméria € excelente, dispoe de uma con: siderivel massa de conhecimentos, nao apenas sobre assuntes juridieos, mas também sobre muitas outras sreas, € vonsegue reproduzi-los em seqiiéncia ordenuda de pensamentos, interessa-se por polities, ciéneia, are, ele., © se ocupa continuamente desses temas (embora pareca nos altimos tempos de novo mais afestado deles) — ¢ neste sentido tum observador que néo estiver informado de seu estado geral dificil ‘mente peroeberd alguma coisa de anormal. Apesar de tudlo, 0 paciente estd tomado por idgias mérbidas, que se fecharam em um sistema por completo, se tornaram mais ou menos fixas © parecem ser inacesstveis, & uma corregdo através da interpretacdo © julgamento objetivos da situagio real” " Schreber no desanimou, Continuo a formular suas petigdes. Em 1900 0 Dr. Weber emite outro laudo: "O signatério ha nove meses, durante as refeigdes quotidianas em sua casa, tem tido farta oportunidade de conversar com o Sr. presidente Schreber sobre todos ‘os assuntos possiveis. Qualquer que fosse o tema da conver haturalmente com exeegio de suas idéias delirantes — os problemas da administragio do Estado e da justica, politica, arte e literatura, vida social, ou o quer que fosse, sobre qualquer coisa 0 Dr. Schreber revelava vivo interesse, conhecimentos profundos, uma boa meméria, um julgamento pertinente e, mesmo do ponto de vista étieo, uma concepedo que nio se poderia deixar de subscrever. Mesmo nas c versas amenas com os senhores presentes, mostravarse cortés © amé= vel, © a0 tratar certos temas de modo humoristico sempre revelou tato e decéncia, nunca trazendo para a inocente conversa & mesa temas que nio deveriam ser tratados ali, unas sim nas visitas médicas” *. Schreber fazia questéo de assinalar suas idéias delirantes nas petiydes que enviava a0 juiz e de modo algum ocultava 0 vivo desejo de publicar svas_memsrias, Defendia a absoluta inoculdade dessas idélas a que se via adstrito, Entio, “a perspicacidade intelectual © a seguranga ldgiea daquele que no entanto era um parandico confess0, valeram-lhe © sucesso”, Em julho de 1902 a interdisio foi levantada © no ano seguinte Schreber dava ao lume “Memeérias de um Neuro: ata”, mas censtiradas ¢ mutiladas em passagens importantes” ™ Consideragoes sobre # doenga de Schreber Inicio da doenga. Freud “en passant”, coma alis todo ao longo dle sua obra, faz observagdes que provam seu profunde conhecimento 25 eznog euroues ByANIO WoSshiy ogtuaie ead oSepeiby ° 2 a g 5 5 2 2 2 g 3 clinico, No caso em pauta assinala com propriedade determinados fatores que costumam caracterizar a instalagio da parandia Na primeira ctise Schreber estava sob a sobrecarga de uma can- didatura 20 Reichstag © na segunda, com um “trabalho penoso e ex- traordindrio” como presidente da Corte de Apelacio. “ Justamente, diz Froud, a etiologia sexual no 6 em absoluto evidente na parandi e, em contrapartida, os tracos salientes da causagao dela sf0 as humi- Thagdes ¢ as rejei¢des sociais, mui particularmente no homem” Esta observagao € de grande valor clinico.(Na histéria de todo paranéico haverd sempre, como no caso de Schreber, a figura de um pai severo, esmagador, violento, No decorrer da vida, © reencontro com tal figura *, como o trabalho estafante de Schreber ou sua re ponsabilidacle de presidente, fard explodir a erise da parandia. As “humilhagdes", as “rejeicdes” so sem duivida elementos deflagra- dores por exceléneia e, ao paciente, como a Schreber, no existe outra saida que partir para a criacdo de um mundo em que possa sobreviver, © mundo do delirio./ + Finalmente Freud assinala que @ segunda crise se instalou a pat- tir de uma “ins6nia penosissima” fTodos os que trebalham com psi 108 sabem que a crise de insdnia é © prédromo, 0 grande aviso E como se 0 paciente se pusesse em alerta contra a “catéstrofe” que se anuncia, Do_ponto de vista clinico ¢, evidentemente, importante que 0 paciente durma com auxilio medicamentoso. | Outra observagio de Freud que merece ser destacada diz res- peito a homossexualidade e parandia. Ele pereebe que hi uma relacio entre ambas, mas no sabe como se sair. Pr afirma: “a causa ocasional dessa doenga foi eniZo um impulso de libido homosexual” ®. Em seguida: “a doenga por ccasiso de uma explosio de libido homosse- Mais a frente: “existe uma relagdo intima, talvez mesmo * Lacan ("Les Psyetoses", Le Séminaire Livre Ill, Editions du Seui Paris, 1981, p. 214) sublinha 0 fato gue a deflagraco do delitio psiedtieo do Presidente Schreber ocorre no momento preciso em que por “um apelo expresso tos" ele foi nomeade presidente do Tribunal de Apelaciia: & chamado 4 exercer uma fungdo no mais legislative, mas legisladora a0 lado de homens inte anos mais velhos que ele, ‘Maud. Mannoni (Edueagio Impossivel — Livruria Francisco Alves Editora SA. — Rio de Janeiro, 1977, p. 31) ji alribui a explosio da psicose de Schreber a ma relacia meilica de Dr, Flechsig: "E monifestamente.n ints de prestineia em torao do suber, do poder e da autoridade na relagie Schreber — Flechsig que constitui © elemento determinante do surto do delrio” 26 constante, entre essa entidade mérbida ¢ os fantasmas de desejos ho: mossexuais" ®. Apds citar Jung e Ferenczi como tendo ambos feito a mesma observagao clinica, quer com homens quer com mulheres, sem diferenca de raga, profissio ou classe social, Freud acrescenta: ‘"ficamos muito surpresos de ver com que clareza, em todos esses casos a defesa contra um desejo homossexuial estava no eentro mesmo do conflito mérbido" *. Mas em seguida enleia-se na seguinte contradigao: “a etiologia sexta justamente n@o é em absoluto evidente na parandia” e, mais abaixo, “olhemos um pouco mais a fundo e vejamos que 0 fator ver dadeiramente ativo nessas feridas sociais (humilhagdes, rejeigdes) € devido ao papel desempenhado pelas componentes hhomossexuais. da vida afetiv Freud intui algo importante, mas no sabe bem como definin. Hoje, gragas » Lacan, sabemos que o jearéter homossexual do parandico ndo é algo reativo (embora o possa ser) mas algo estrutural, 2 saber, da propria esséncia da parandia porquanto © paranéieo, presa de_seu_préprio imaginério, contempla © ama sua prépria imagem como nieio de sobreviveneia. 0 Del © delirio de Schreber se desdobra em duas partes: primeiro ele seré transformedo numa mulher e isso € ressentido como perseguigio © injiria e, em seqiiéncia, esse mesmo tema se reveste de um cardter religioso, transformando-se duma perseguigéo sexual numa megalo- mania mistica ‘Tudo comega com o fantasma de que seria “belo sentirse uma mulher no ato sexual”, E, € interessante notar que esse traco do delirio vai pe “A tiniea coisa que aos othos dos outros. pode parcecr irrazodvel € a circunsténcia ctiada pelo senkor perito de que fs vezes sou encontrado com o troneo seminu diante do espelho ow algum outro lugar, enfeitado com aderegos um tanto femininos (fitas, colares de bijuterias, etc.). Mas isso 96 acontece quando estou s6 e nunca, pelo menos até onde eu possa evitar, na presenca de outras pessoas. Mas, embora vez ou ouira realizando essas encenagoes, demonstra recuperagio dle sua satide pelo redimensionamento do real “hd muito tempo tenho perfeita nogao de que as pessoas que vejo rio sfo homens feitos as pressas, mas pessoas reais, © que por isso eu me devo conduzir frente a elas como um homem de bom senso costume se conduzir no relacionamento com outros homens” *. 27 anos euleie9 @ 3 3g 2 pau 1 ap e1opebRsan- YHIANTO 30 WuITHYAS ATISSIO. Dy oy dk Schreber diz que em abril de 1894 urdiuse uma conspiragao contra ele, cuja finalidade era entregé-lo a um homem... “Deste modo foi preparads uma conspirac20 dirigida contra mim (em margo ou abril de 1894), que tinha como objetivo, uma vez reconhecido o supas- to cardter incurdvel de minha doenga nervosa, confiar-me a um homem de tal modo que minha alma the fosse enttegue, a0 passo que meu corpo — numa compreensao equivocada da citada tendéncia inerente Ordem do Mundo — devia ser transformado em um corpo feminino © como tal entregue ao homem em questo para fins de abuisos sexuais, devendo finalmente ser “deixado largado”, e portanto abandonado a putrefagio” Entao Schreber acha natural que olhasse o Professor Flechsig como seu “verdadeiro inimigo” (mais tarde também o Dr. Weber € © enfermeiro Von W. ocupariam esse lugar) e considerasse a “onipo- 'neia divina como minha aliada natural” Schreber escapa a idéia de uma satisfago homossextal real © a substitui por uma relagdo sui generis com Deus. Por inspiracio diving direta ele foi chamado para ser a salvacao do mundo, restitwindolhe a felicidade perdida, Para tanto serd transformado em mulher, nio por- ‘que queira, mas por “uma necessidade fundada na ordem do Us verso Primeiro Schreber passa por uma experiéncia detalhada de “corpo espedagado": viveu muito tempo sem estémago, sem intestino, sem pulmdes, sem bexiga; 0 esGfago foithe rasgado e as costelas moidas. Os “raios” (vozes) divinos da “lingua fundamental” the restituiram um a um esses érgdos. E entdo que a fe lade passa para um primeizo plano. Apés muitos decénios ou séculos, seré transformado em muther: “tem o sentimento que uma massa de “nervos femininos” i passou para seu corpo ¢ esses nervos gracas & fecundacio divina engendrario novos humanos. Entrementes, enquanto o milagre nao se realiza, falam-lhe o sol, as arvores e os passaros, “vestigios encanta- dos de antigas almas humanas”. © homem & composto de corpo © nervos, mas Deus 56 possui hervos, “infinitos e etemos”. Esses possuem a0 infinito as qualidades dos nervos humanos ¢ sao dotados da faculdade de ctiar, isto 6, de “se metamorfosearem em toda espécie de objetos da criagao". Em eriando, Deus se despoje de uma parte de si, seus nervos tomam uma nova forma. Apés séculos ou miliondrios “os nervos bem-aven- turados dios defuntes se reincorporam a Deus sob a forma de vestibulos do céu", Ha um periodo de purificaeso ¢ as almas podem gozar da 28 beatitude. Durante 0 periodo de purificagio as almas precisam apren- der a “Iingua fundamental”, um alemao um pouco arcaico, mas vigo- r080 € que se distingue por uma grande riqueza de eufemismos” *, Mas 0 ptdprio Deus nfo & simples. Além dos “vestibulos”, ele se divide entre Deus inferior (Arima) e Deus superior (Ormuzd), aquete prefere os povos de cabelos castanhos (os semitas) € este, 08 povos de cabelos loiros (os arianos). Esses dois deuses se comportam de maneira oposta com o infeliz Schreber durante a fase aguda de sua doenga, Schreber denuncia a ineapacidade de Deus para verdadeita- mente compreender 0 homem vivente e, por isso mesmo, scr 0 inves- tigador da conspiragdo urdida contra ele, sendo que 0 tratou de imbecil e the infligiu as provas mais duras, A fim de se defender dessa ameaga, Schreber se submete & mais temivel compulsio a pensar: "Cada vez que deixo de pensar, Deus considera imedistamente que se extinguiu minha capacidade intelec- ‘wal, que jd ocorreu a esperada destruigo do me entendimenta utro trago longamente descrito por Schreber, diz. respeito ato de defecar, importante para Freud no que respeita “is compo- nentes auto-erdticas da sexualidade infantil”. “Quando, entio, no caso de uma necessidade, efetivamente evacuo — para 0 que et me sitvo de pinico, dado que quase sempre encontro o banheiro ocupado — isso se associa toda vez a um intensissimo desdobramento de voli pia de alma... um intenso bem-estar proporcionado aos nervos de voldpia” *. Os raios divinos perdem a tendéncia hostil desde que estejam seguros de se fundirem numa voldpia de alma no corpo de Schreber. © préprio Deus exige encontrar velipia em Sehreber e ameaga retirar-Ihe os raios se deixar de entreter a volipia e nao ofe- recer a Deus 0 que ele pede“. Freud chama a atengdo sobre a palavra alema “sclig”, que con- densaria essa suprema sexualizagao da beatitude. De fato selfg, tanto é dejaitto, como sensualmente bem-aventurado. Cultivar a volipia ser um dever: tinico meio para acabar com 0 conflito que estourou contra ele. As vozes the garantem que a volipia esté “repleta do temor de Deus”. Passa de um ascetismo sexual (inicio da doenga) para 0 culto da voliipia, Resumindo: “Da luta aparentemente tio desigual, entre um homem fraco eo préprio Deus, saio vencedor, embora apés amargos sofrimentos e privagOes, porque a Ordem do Mundo esté do meu lado 29, ang eunoues eyanjo wosshiy ogduaie ead oSepeiby Ey ay Dd soubem 911071 | éseus- ead ep BlopeGnsanul- YAIIATIO 3G VUISYYSS 3TISSIO. Interpretaga0 Froud prineipia por estabelecer regras de interpretagio. Antecipa aqui 0 que dird explicitamente em 1939, em "Construgo em Ané: lise”. A saber, nfo ha porque nao submeter o delirio as mesmas regras que regem a interpretago dos sonhos. “ suficiente seguir nossa técnica psicanalitica habitual, isto 6, deixar cait 0 revestimento negativo © (omar o exemplo citado pela propria coisa, olhar a citagio ou a confirmagio como sendo a fonte original e nos encontramos diante daquilo que procuramos: « radu ¢@o do modo de expressio parandica em modo de expressio nor- mal", Quer dizer, a0 delitio dar-se-i 0 mesmo tratamento dado 20 sonhe, Mais abaixo Freud indica outro prinefpio; “quando um fan- tasma de desejo se manifesta & nossa tarefa reporté-lo 2 alguma frus- tragdo, a alguma privacao imposta pela vida real” *. Lacan resumiré esses dois principios numa formula simples: s6 € verdadeira a inter- pretacdo se “aquilo que se analisa é idéntico ao que se atticula” ™. E as razdes sii as seguintes. . Primeiro, para 0 delirio, Depois de citar um texto de Goethe onde © coro pede a Fausto que reconstrua o mundo que ele maldisse, Freud emenda: “o paransico reconstréi o universo, de fato ndo mais espléndide, mas ao menos tal em que possa de novo viver. Ele 0 reconstrdi mediante seu trabalho delirante. Aquilo que tomamos por uma produgio mérbida, a formagéo do delitio, € na realidade uma tentativa de cura, uma reconstrucio” ** ou, vomo disse Schreber, 0 universo sofreu “uma profunda modificagio interna”. Essa modifica gio € figurada pelas “catéstrofes” que ocorrerao no fim do mundo. Lacan fala da parandia como sendo um “cataclismo imaginério” Freud assim se expressa: “o fim do mundo € a projecio dessa catés- lwofe interna, pois © universo subjetivo do doente chegou 20 fim desde que ele the retirou 0 amor”. Que bela observagao! Nada mais profundo nem humanamente triste! Segundo, quanto & alucinagdo, Freud nfo & menos explicito: “a fase da agitagao alucinatéria nos aparece aqui ainda como denotando um combate entre 0 recalgue ¢ uma tentativa de cura que procura re- conduzir a libido a seus objetos” * Portanto a alucinagio € ao mesmo tempo uma tentativa de restituigéo do mecanismo de recalque, isto &, uma tentative de cura, ~ inalmente uma adverténcia de Freud: “nds s6 poderemos tragar 6s justos limites onde se deve manter a interpretacio apés numerosas 30 tentativas © uma maior familiaridade com os objetos da anise” Fica claro, pois, que apenas um analista dotado para tal mister deve se aveniurar nesse empreendimento, No que diz. respeito a interpretago propriamente dita, apenas resumiremos os t6picos principals de Frew © delivio de perseguigo de Schreber € a resultante de uma inversio: Flechsig de amado passa a ser perseguido. Ora, hoje conhe- cemos melhor 9 passado de Schreber ¢ sabemos que a estrutura de seu delirio j estava estabelecida pela educacio severa que recebeu. de seu pai autoritério, amado © ao mesmo tempo muito temido. [Fechsig ou Weber ou Deus, constituem apenas 0 lugar de pro- jecto de todo um passado espedaceto. Os trés “possibilitam” a atuse lizagio de um miicleo (psiestico) precocemente constituido.| Freud traga uma regra geval: o perseguidor antes da instalagiio a doenga, tem papel igual, mas inverso, na vida emocional do pa ciente: “a qualidade de emocdo ¢ transformada em seu contrario’ s6 que como vindo do exterior. O perseguidor foi certamente uma pessoa amada © venerada. Em seguida, a transformagdo religiosa do delirio, vai encontrar em Deus 0 perseguidor por exceléncia, que por sua ver ocuparé o lugar de Flechsig, Ja vimos que o Prof. Flechsig se tornou objeto de grande amor de Schreber e, de outro lado, sua educacdo severa impos the profundo respeito a Deus, © “assassino das almas”, Freud vé impasse em the dar sentido, pois que o texto original sofre corte no momento azado, Mas Lacan esclareceré que nesse significante temos apagamento daquilo que representa o pai, isto é, 0 significante nome-do-pai. Schreber att bui a Flechsig o que angustiosamente verifica dentro de si: a nao possibilidade de, como filho, se dizer sujeito de seu desejo. Freud lembra 0 “complexo paterno”, a figura de pai come “desmancha pr zer" e afirma que o delitio de se transformar em mulher encontra matéria na castracio, delitio no inicio combatido e em seguida aceit. ‘Aqui vem o principio de Lacan:["o quo 6 rk rece no real") © desejo de se sentir mulher no ato da cSpula € tio insuportavel que nao Ihe resta outta saida que 0 delitio: Schreber sofrerd a emasculagdo mas para ser fecundado por Deus e gerar ‘uma nova humanidade. Freud, para poder explicar a transformagao de Flechsig em per- seguidor, desenvolve seguinte linha de raciocinio, Todo ser humano durante sua vida oscila entre desejos heterossexuais ¢ sentimentos ho: 31 jeznog euresed uossiiy su6en 5 ogbuaye ead oSapeatiy Oy oy bd 1d ap e1opebusanl- YIANTO 30 WHISUYAS ATISSIO SLL LL dtew-e mossexuais, A transferéneia age no tratamento psicunalitico fazendo que o psicanalista se torne objeto de amor. Assim, “néo teremos mais necessidade de nos opormos & hipétese segundo a qual um fantasma de desejo de natureza feminina (homosexual passivo) teria sido a causa oeasional da doenga, Jantasna gue tomou por objeto a pessoa do médico”. Schreber opde viva resisténcia a esse fantasma e sua uta defensiva se transforma em delitio de perseguigio: “o proprio fundo do fantasma de desejo tornou-se 0 contetide da perseguigao”. Finalmente, uma obscivacdo sobre a “Lingua Fundamental, um alemo um pouco atcaico, mas vigoroso.... rico de eufemismos”. Uma vez instituido 0 delitio como meio de sobrevivéncia, ele insttui outra lingua como fundamental, como cédigo, pois que a lingua dos homens jd ndo & mais refeténcia. Mas uma lingua autonomizada, portanto, em termos lacanianos, cortada radicalmente do grande Outro, desti- tuida de qualquer vigor metaforizante, Mecanismo da Parandia * Como vimos na Hntroduedo, Freud ainda nio tina chegedo nesse ano de 1911 a formular 0 conceito de foracluséo.iComo explicagao do mecanismo em ago na paransia principia por aproximar 0 conceit de recalque a0 de defesa: “,.. 0 que & essencialmente parangico resse caso & que o doente para se dejender do fantasma de um desejo homossexusl, tenha reagido precisamente por meio de um delitio de perseguigo dessa ordem” Em seguida Freud introduz 0 eonceito de narcisismo, estado em que © sujeito humano primeito toma a si mesmo, seu préptio corpo, como objeto de amor para depois passar a escolha objetal de outra pessoa. Mas haveria uma fase intermedidria em que 0 sujeito optaria Por um corpo semelhante a0 seu como objeto © s6 depois passaria para a escotha heterossexual. As pessoas que se tornam homossexuais seriam as que permanecem nessa escolha intermedisiria, De outro lado, as pessoas que atingem a escolha objetal heteros- sexual, encaminham sua tendéneia homossexual “is amizades, & ca- maradagem, ao espirito de grupo, ao amor da humanidade em geral.. so justamente os homossexuais manifestos... e particularmente os que combatem neles mesmos a tendéncia a exercer sua sensualidade que se distinguem por tomar parte especialmente ativa nos interesses gerais da humanidade, nesses interesses derivados de uma sublimagio do erotismo” 32 Em seguida Freud retoma a nogdo de “ dos “Tres En saios”. Ela produzivia uma predisposigdo patdgena. Entéo, um esforgo colateral come a decepedo com uma mulher, ou a propria libido ho- mossexual “travada por um fracasso nas relagdes sociais com homens” ou bem a “intensificagdo geral dessa libido", introduziria uma regres: soe a “fixagio patdgena” comandaria a direga0 da libido. Freud chega, entdo, a afirmagdo extrema: “nés consideramos que esse fantasma do desejo homosexual: “amar unt hontem”, constitui © centro do conflito na parandia do homem”™"'. Lacan observa o se- ‘guinte: “Acreditamos poder dizer que Freud falhou em suas prOprias normas © da maneira mais contraditéria, no sentido em que accita como momento de virada do delitio 0 que recusou em sua concepgao geral, @ suber, fazer depender o tema homosexual da idéia de gran- deza”. E demonstra, pelo contrério, contra a Sta, Macalpine ¢ outros que “a homossexualidade, pretensamente determinante na psicose pa- randica, € propriamente um sintoma articulado em seu processo” Freud anatisa em seguida os diversos tipos de delirio. Conclui que o delitio de citimes contradiz o sujeito ("nao sou ew quem ama as mulheres, € ele que as ama") o delitio de erotomania contradiz. 0 objeto ("nao é ele que eu amo, € ela que cu amo") ¢ 0 delirio de gran- deza contradiz @ si mesmo (“eu néo amo absolutamente — no amo ninguém”). Quer dizer, o delirio de grandeza faz 0 sujeito se fechar sobre si mesmo: “eu néo amo sendo a mim mesmo”. Freud conclui que 0 delirio de grandeza nao mais que uma sobrestima sexual do ego. | Como vimos, Freud, nessa época, ainda néo tinha saida para © mecanismo em acao na psicose. Afirma mesmo que nada ha de carac- teristico na parandia que nfo se enconire num simples caso de neu- rose. Tenta aproximar © mecanismo de projecio da parandia ao meca- nismo de recalque, proprio & neurose. Nesse caso, entio, o recalque “eonsiste no fato que a libido sc desliga das pessoes ow das coisas antes amadas”... mas "no é justo dizer que o sentimento reprimido dentro seja projetado fora; deverse-ia antes dizer... que o que & abolido dentro vem de fora”, Aqui o genio de Lacan descobre, 2 profundeza da intuigao freudiana e pontua com grande precisio: “o que € rejeitado no simbélico aparece no real” Em seguide Freud desce @ pormenores na anélise do nareisismo para explicar 0 auioerotismo do psicético ou a “amplificagio do ego do parandico. Tudo gira em torno do desligamento da libido. Freud observa com lucidezs “se passarmos em revista as construcdes ingenio- sas que 0 delitio de Schreber edifica sobre 0 terreno religioso (a hie~ 33 eznog eutases enon uossAiy opauay emis s2u8eNy, 2 ejed obapesby ay bd SLLOPLL'L dsew-eo1log ap e1opebysanul - WAIAAIIO 3G WUISEYd ST19SI9 rarquia de Deus — as almas em provacio — os vestibulos do céu — © Deus inferior ¢ o Deus superior) poderemos avaliar retrospectiva mente a rigueza das sublimagdes que nele foram destruidas por essa ‘eatéstrofe do desligamento geral da libido” *. Desatada de tudo ¢ de todos, pulsio, “nocio limitrofe entre 0 somético e psiquico” “, no resta outro caminho que concentrar-se sobre © ego, criar uma “lingua fundamental” para poder estruturar esse mundo concentracionério, mas ao prego ingente de deixar de ser homem. “A loucura, diz Lacan, ¢ o limite da liberdade humana” REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 1 Schreber, P.D. — Memérias de um Doente dos Nervos, Ed. Grasl, Rio de Janeiro, 1984. E digna de eneOmios 2 oportina inieiativa da tradutora, Mari- lena Carone © da Editora Grial pela publicueio em portugués desta obra fundamental, Dotaram nossa bibliografia psicanalitiea de um instrument inestimavel. Lanentamos apenas que a tradutors, embora sublinhe « grange importincia do seminario de Luean sobre Sehreber. nfo o cite na bibliog a fia posposta uo texte Freud, S, — XLII Observaciones Psicoanaliti tudia, in Obcas Completa, Biblioteca Nueva, 3,° e p. HBT. 3 em, ibidem, p. 1512, 4 Adem, ibidem, p. 1512 5 Memérias, p. 59 6 7 5 sobre um Caso de Para Madrid, 1973, tomo M, Membrias, p. 58. Memétias, p. 58 Freud, S.— opus citstum, p. 1514 9 Memérias, p. 59, Memérias, p. 59. Freud, §, — opus citatum, p. 1489, Memérias, pp. 35/6, Memérias, p. 50 Memérias, p. 330. Memsrias. pp. 359/60, Freud, S.— opus citatum, p. 1491. Freud, S. — opus citaum, p. 1816, Freud, S. — opus citatum, p. 1507 Freud, §. — opus citatum, p. 1516. Freud, S. — opus citatum, p. 1516, Freud, S. — opus citatum, p. 1516, Freud, 8. — opus citatum, p. 1516. Memérias, p. 383. Memsérias, pp. 33, 75, 302, 369 2 2% 2 * x0 a 2 3 3 37 38 9 0 a 3B 4s 5 Memorias, p. 76 Memoirias, p. Memérias, p. 200. Memérias. p. 218 Memrias, 9. 263 Memsriss, p. 81 Freud, S.— opus citatum, p, 1502 Freud, S. — opus citatum, p. 1515 Lavan, J. ~ Dune Question Préliminaire & tout Traitement Possible de fa Psyehose, in Ecris, Editions du Seu. Paris, 1966, p. 576. Freud, S. — opus eitatuen, Freud, S. — opus citatum, p Freud, 8. — opus sitatum Freud, 8. — opus itatumn, Freud, S. — opts citatwon, p Freud, S. — opus citatum, p. 1518. Lacan, J. — Dune Question Préliminaire & tout Traitement Poisible de ta Poychose, in Eerits, Ecitions du Seuil, Paris, 1986, pp. 567 © 544, Freud, 5. — opus citatwm, p. 1523, Lacan, J. — Les Psychoses, Seminaire Livre I, Editions du Sevil, Paris, 1975, pp. 21, 2 Freud, S. — opus citatum, p. 1524, Freud, S. — opus citatum, p. 2081 Lacan, J. — Dune Question Préliminaire & tout Traitement Possible de la Psjehose, in Rerils, Editions du Seuil, Pari, 1966, p. 575. 35 Caroline Souza OSCAR ROSSIN SOBRINHO A funcdo da mae ‘GISELLE FERREIRA DE OLIVEIRA -Imestigndora da Polela-manp 1174 077-6 Agtadego pela atenco Pc ap Re z 4 eznog euloie9 ye ead oSapesBy opsuay SLLO'PLL | dseus- eiiod ap eiopebasanul- MIaAIIO IO VYIRNIIS I773S19. A FUNCAO DA MAE "0 eaquizotrénico é louco aos nossos obhos porque aos sens, sua vinda a este mundo Indo. tem seniidoassuntive?™ Perrier? Os estudos sobre as psicoses tanto tém procurado encontrar a etiologia delas no grupo que circunda o sujeito, essencialmente 2 fami: como tentam tracar um perfil da familia do psiedtico. Henri Ey, em seu Tratado de Psiquiatria *, demonstra como vertos autores observaram a incidéneia de acontecimentos que afctam as primeiras relagdes da crianga, enfatizando sobretudo a separagio mae- filho, separacdo de cassis, adogdes e outros. Neste tratado psiquidirico di-se Enfase aos fatores caréncia e frustragio, provindas principalmente do pai e da mae, Esses fatores produzem perturbagdes profundas ne crianga gue, por sua vez, se sente abandonada e sem autonomia. Por outro lado certos autores demonstram, estatisticamente, que a auséncia de um dos pais sempre se verifica nos quadros psicéticos. Perseguindo assim uma perspectiva genética, os estudos dao impor- téncia fundamental a personagem ma Freud, em “Esquema da Psicandlise”, mostrou a importéncia dos primeiros anos de vida do ser humano, Ele diz: “As vivéncias € os conflitos infantis desempenham um papel insuspeitamente importante na evalugdo do individuo e deixam nele disposigées que nfo apagam na vida adulta”®, Adverte-nos neste artigo, que © lugar que os pais, ccupam na infancia de um sujelto se mede mais pelo que matcou a erianga do que pelas qualidades reais dos pais. Os conflitos a que Froud se refete so conflitos identificatérios e no conflitos com o real. Devemes entender que a relagio mée-filho ndo € uma relacio a dois, mas uma relacdo que comporta trés termos: a mie, 0 filho & ordem simbélica que determina esta relacdo. Como sublinha Perrier “O papel prevalecente da mie, sendo incontestivel, s6 toma sentido 39 22 BOB BR aa Bs 2 5 2 Z Hl : a é z — 20 ser atticulado na histéria de uma familia ¢ conotado & complemen- lariedade das fraquezas paternas” ‘, Seguindo © pensamento deste autor veremos que € somente a partir do estuda de tr8s ou quatro gera- ges que se poderd deduzir a férmula psiestica condensada no esqui- zofrénico que parece ter nascido do enconito infeliz de duas linhagens decadentes. A psicogénese da loucura sé tem sentido nesta histéria que deicrming o sujeito a sofrer e querer ultrapassar as significages anti rnémicas do seu mito pessoal ® ‘Tentaremos abordar a funeo da mae em sua relagio com o filho dentro da perspectiva aberta por J. Lacan que eleva esta relacio a0 nivel da ordem simbélica que # determina, A relagio mac-filho — A funedo materna Podemos considerar a relagio mée-filho segundo duas vertentes. A primeira, a vertente da necessidade e a segunda, a vertente do deseo. Ambas se vinculam ao desamparo (Hilflisigkeit) total da erianea pro- veniente de sua prematuridade A relagéo mie-filho no plano biolégico, portanto na vertente di necessidade, funda-se na prematuridade neuroanatomofisiolégica que © ser humano apresenta desde o seu nascimento, Essa prematuridade coloca © sujeito numa relagao de dependéncia de um outro que satis: faca suas necessidades. I através dos cuidados corporais necessatios, do contato com 0 outro, que a crianga pode superar a vivéncia do corpo espedacado © adquirir @ gestalt de um corpo ainda imaturo no plano da motricidade. As necessidades de uma crianga podem scr satisfeitas por alguém que se ocupa delas, independentemente de ser sua ma biol6gica. Pode- ‘mos entao falar de uma fungdo materna.__ Salientamos que @ Tungdo da mae baseia-se ndo sé na prematu ridade fisica da crianca mas também na sua prematuridade simbélica, Prematuridade que leva a uma dependéncia de alguém que sirva de suporte simbélico para ela, O “infans” nao fala, suas necessidades € sensagdes so mediatizadas pela mae, Considerando a prematuridade © derrelicgdio da crianga veremos ‘que 0 seu desejo serd condenado & mediacao da palavra, ¢ a palavra em 0 sett estatuto no Outro. Assim “o lugar do cédigo se situa no Outro e em primeiro lugar no Outro real da primeira dependéncia” ° A relagio entre a crianca e a mie serd portanto uma relagio de dependéncia e imediatez, pois, a0 secundar 0 filho, sua relacio com ele serd imediata, dual, imagindria, na qual um s¢ confunde com © outro, 40 Pra exemplificarmos a prematuridade simbélica © a necessidade de um mediador podemos recorrer a0 caso de Vietor, o menino selva- gem de Aveyron, que tetia sido abandonado nos bosques com a idade de tr@s ou quatro anos. Se sobreviveu ft necessidade material ¢ a falta de quem cuidasse dele, submergiu no mundo da natureza, nao superou a falta de um suporte simbélico. Apesar de todos os esforgos de seu. educador, J. Itard, que euidou dete como quem cuida de um surdo: mudo, o selvagem de Aveyron foi apenas adestrado nfo tendo conse- guido acesso a0 mundo da cultura. Como esclarece O. Mannoni, a falha de [tard foi de nao levar em conta a diferenca radical existente entre ui surdo-mudo que vive num universe organizado pela estru- tura da linguagem © um outro que nfo fala porque sempre viveu no seio da natureza, porque viveut na solidao e nao somente no siléncio * Podemos também recorrer aos estudos de Spitz com eriangus separadas de suas mies apés o estabclecimenio da relacdo entre elas. Estas criangas entram num quadro de marasmo chegando mesmo 2 morte, Estes estudos revelam a necessidade de alguém que se ocupe da crianga © cumpra a fungio de referencial permanente ou pelo menos estavel A prematuridade simbdlica & preenchida porguanto a mie a0 satisfazer a crianca em suas necessidades fisicas o [az segundo um digo simbdlico que determina esta relacio.[Como vimos, 0 cédigo se situa primeiramente na mae, através da mediagao que o deseio da mie se articula em demandas ¢ faz da crianga uma crianga desejada ou no, Em outras palaveas é através dessa mediago que a crianca enirard num campo de narcisasao, isto &, erogenizagao, LE, portanto, pela relacéo mée-crianca, na qual @ me ocupa a fungao do Outro absoluto ¢ prové o filho de alimentos, amor e pala- vras, que se instaurard nele o campo simbélico.( A conquista entio de uma gestalt corporil, através do reconhe- cimento de sua imagem no espelho, implica também em aprender nesta imagem, a imagem ¢ 0 desejo do ouiro. Para Lacan a assuin¢io jubilatéria da imagem que surge no espelho manifesta de forma exem- plar a constituigio da Urbild ideal do ego e a natureza imagindtia do 80 no sujeito™. © reconhecimento de si, no estidio do espelho, ao mesmo tempo que possibilita 0 reconhecimento de uti corpo unificado, sliena 0 sujeito na sua imagem. O reconhecimento de sina imagem, concomi- tante a alienaglo especular, fornece o par aa’ que é a base do tripé imagindrio, apropriado para ser recoberto pela relagao simbélica, & 41

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