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JOSE ROBERTO FRANCO REIS HIGIENE MENTAL E EUGENIA: 0 PROJETO DE "REGENERACAO NACIONAL" DA LIGA BRASILEIRA DE HIGIENE MENTAL (1920-30) ORIENTADORA: PROF# DR# MARIA CLEMENTINA PEREIRA CUNHA INSTITUTO DE FILOSOFIA £ CIENCIAS HUMANAS UNIVERSIDADE DE CAMPINAS 1994 ween | JOSE ROBERTO FRANCO REIS HIGIENE MENTAL E EUGENIA: 0 PROJETO DE "REGENERACKO NACIONAL” DA LIGA BRASILEIRA DE HIGIENE MENTAL (1920-30) Este exemplar corresponde a redagéo final da dissertagéo defendida e aprovada pela em spies Julgadora Dezembro de Dissertacéo de Mestrado apresentada ao Departamento de Historia do Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas da Universidade Estadual de Campinas, sob a orientagao da Prof? pr# Maria Clementina Pereira Cunha 1994 AGRADECIMENTOS Escrever os agradecimentos talvez seja um dos momentos mais prazeirosos do trabalho. Primeiro porque, via de regra, € alguma coisa que se faz por Gltimo, quando o trabalho ja esté concluido ou préximo da concluséo. Particularmente nas condigées em que se permite a produgéo intelectual no Brasil, conseguir chegar ao fim suscita um misto de alegria @ esperanga dificil de descrever. Segundo porque, de fato, algumas pessoas contribuiram nessa travessia. Ao amigo historiador Fl4vio dos Santos Gomes devo mais que se supde. Desde nossos primeiros papos de pesquisa no “bandejdo” do IFCS até as seguidas viagens para Campinas, o seu incentivo foi crucial. Talvez ele ndo saiba quantas vezes 0 entusiasmo que demonstra pela pesquisa histérica encorajou-me vivamente a ndo desistir. Ao amigo Gino (Luigi Negro) gostaria de registrar meu agradecimento pela hospitalidade nas noites e manhaés frias de Campinas. Sou grato também ao professor José Luis Werneck da Silva, que ainda nos tempos da graduagdo e do Museu da Repiblica serviu de inspiragaéo pelo seu exemplo. Além disso, devo a ele um especial obrigado por ter aceito orientar-me numa bolsa de “aperfeicoamento cientifico" do CNPq, propiciando-me us primeiro contato efetivo com pesquisa histérica. Na Unicamp registro meu agradecimento aos professores Alcir Lenharo 2 Adalberto Marson pelas criticas valiosas feitas quando do “exame de qualificagdo. A professora e orientadora Maria Clementina Pereira Cunha, minhas dividas séo muitas, tanto pelas suas preciosas sugestées e indicagées dos rumos do trabalho, animando o meu espirito com doses precisas de elogios dados na hora certa, quanto pela sua paciéncia e apoio diante das minhas dificuldades. Como esquecer, por exemplo, da generosa carta, “para o caso do seu ego ter ficado um pouco abalad quando do parecer, no minimo estapafiirdio, do assessor anénimo da Fapesp negando-me uma bolsa de pesquisa num momento em que ela era fundamental. A Gisele agradeco a presteza na digitacdo do trabalho e - mérito maior - decifragdéo dos meus garranchos. A Marie Dalva pelo apoio que vem me dando e que extrapola a vida intelectual. Ao CNPq e CAPES pelo financiamento parcial da pesquisa. A UNICAMP pela bolsa "FAEP” concedida no momento imprescindivel da redagéo final do trabalho. As minhas filhas Talita e Clara um delicioso beijo por terem suportado amorosamente minhas frequentes auséncias nos fins-de-semana, feriados e até férias escolares, quando muitas vezes o sol brilhando 14 fora nos convidava 4 praia ou 4 diversdéo. Pode ser pra depois da dissertagéo?, 6 o que mais elas escutavam Ndo tendo muito clareza do que se passava aceitavam minhas desculpas sem grandes broncas. E é por isso e por serem como sé que cumprirei com a maxima alegria todas as minhas promessas. Aquele (ou aquela) que esta por vir, desde ja sou grato pelo estimulo que proporcionou apenas ao se anunciar para a vida. A Ana Cristina fica dificil dizer qualquer coisa. Sua paciéncia, amizade ¢ confianca foram fundamentais para que a empreitada chegasse ao fim. Por isso e por seu carinho dedico-lhe um especial obrigado. Acs meus pais agradego pela valiosa amizade. RESUMO Este trabalho tem por objetivo discorrer sebre as propostas da psiquiatria higiénica brasileira das décadas de 20 e 30, notadamente de sua instituigéo mais expressiva no periodo que foi a Liga Brasileira de Higiene Mental (LBEM), ceriada em 1923. Tomando por eixo de andlise os desdobramentos tedricos e praéticos dessa psiquiatria, que consagrava o principio da prevencéo e elegia a eugenia e higiene mental como xeferentes conceituais bésicos, buscou-se esclarecer aspectos importantes do seu novo e ambicioso projeto de intervengao social que, de forma geral, se vinculava ao tema - to caro & época - da “regeneracéo" e/ou “construgao" nacional. como para aicangar tal intuite de regenerar a nacionalidade exigia que se enfrentasse a questdéo da composigéo racial do brasileiro, os psiquiatras e médicos agrupades em torno da Liga Brasileira de Higiene Mental se valeram extensamente de proposigées eugénicas, vistas, pois, como melhor meio de racionalizar esse processo. ABSTRACT This work has the objective of discoursing the proposals of the Brazilian hygiene psychiatry during the decades of the 20's and 30's, specially its most important institution, the Brazilian League of Mental Hygiene (LBHM), founded in 1923. Using as axis of analyses the theorical and practical expansion of this psychiatry that rendered the principal of prevention and had elected the eugenic and mental hygiene as basic concepts of reference, this work has the intention of enlightening important aspects of its new and ambitious project of social interference which, in a general sense, was linked to the so highly esteemed theme of that time: the national "regeneration" and/or "construction". To achieva such aim of regenerating the nationality, required that one should face the problem of racial mixture of the Brazilian population, so psychiatrists and doctors gathered in the Brazilian League of Mental Hygiene, were supported greatly on the eugenic proposal, due to the fact that it became the best form of rationalizing this process. "QO tempo 6 a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente." Carlos Drumnond de Andrade "OQ essencial néo 6 o que foi feito do homem, mas o que ele faz daquilo que fizeram dele." Jean Paul Sartre INDICE Pagina INTRODUGAQ. «2... eee eee eee eee cteee eet ee eee OL CAPETULO Lisssseeeeeeeeeeeeeseeereeees "PREVENTISMO: FASE SUPERIOR DO PSIQUIATRISMO" CAPITULO 2.0.2.2... 0. s eee ee eee e cere eee eee HIGIENE MENTAL E EUGENIA: 0 CASO LBHM CAPITULO 3.0... cece eee eeeee eee ere eee eer eeeeeeeee ey IMIGRACAO EUGENICA: A CONTRIBUICAO DA PSIQUIATRIA AO "PROBLEMA" RACIAL BRASILEIRO CAPITULO 4........ wee eee ee 218 "DE PEQUENINO £ QUE SE TORCE 0 PEPINO": A INFANCIA NOS PROGRAMAS EUGENICOS DA LIGA. CAPITULO 5.......+ eee ere eee eeeeee 1) "DEGENERANDO EM BARBARIE: A HORA E A VEZ DO EUGENISMO RADICAL" OLTIMAS PALAVRAS. . pete e teen e eee DAZ INTRODUGAO "Certa vez, interessémo-nos por um projeto de lei sobre pericia médico-legal, apresemado na Camara de Deputados; o projeto no (fora la escrito; alguns técnicas 0 haviam elaborado e um mestre de ‘Medicina, com assento no Congreso, o apresentara. O projeto fora comissdo de Satide Publica, que entregou a tn de seus membros, doutor em Medicina, a quem procurdmos, - Foi bom terem vindo até cd, disse-nos ele a nds € a outros colegas; ew néo entendo disso: ha tantos anos vivo entregue é cultura do café e d politica; jé nao sei por onde véo os conhecimentos da profissdo: mas jd cc esteve wn fulano, que se interessa por isso; parece que 0 projeto vai prejudica-to, Para encurtar razdes: 0 projeto foi sepultado na pasta, ha bons doze anos: o relator nada entendia daguilo e 0 amigo poderia ser prejudicado. Ai esté como nas democracias se seleciona o legislador (..) A um desses, cujo valor técnica néo merece duvida, perguntei- the um dia por que déra o voto a um projeto ilégico, aberrante das suas préprias convicgdes doutrindrias. Explicou-me ele com esta locugéio sugestiva: a disciplina do partido... E a disciplina do partido anulara, naquele homem, a tinica vantagem que podia haver, na sua eleigéto para deputado: o ser um Wenico de valor (...) Essa ndo é, porém, a selegdo racional, para quem aspira ao prazer supremo da vida tranguila ¢ limita as suas ambigdes ao conforto necessdrio é alternativa da trabalho produtivo e do repouso reparador, que Ihe permita amar sem sustos d esposa e ao semelhante e fabricar uma nova geragdo mais perfeita e mais feliz." (1) Esse trecho um tanto longo da fala de um representativo nome da psiquiatria nacional dos anos 20 e 30, traduz bem a compreensdéo que estes tinham acerca dos descaminhos da vida social e politica brasileira, ao mesmo tempo que implicitamente sugere as retificagées necessarias para que 1 se pudesse vir a alterar esse quadro e alcancar o “prazer supremo de uma vida tranquila". Primeiro de tudo era a prépria “ilusdo"” da democracia representativa que abertamente se acusava. Atrelada ao principio da disciplina partidéria - onde imperava a “ambicéo do mando e do dinheiro" - era vista como um empecilho A ascengdo de critério superior da técnica na gestéo da coisa piblica, jinico capaz de assegurar a vigéncia de uma politica planejada em bases elevadas @ xacionais. Outro aspecto presente, nesse caso menos explicito, era a idéia de “purificagéo racial" e/ou eugenia, embutida no desejo do Psiquiatra de "fabricar uma nova geracéo mais perfeita e mais feliz". Aqui, “amar sem sustos a esposa" claramente se refere a sexo controlado, sem riscos a espécie - quase sem prazer - cuja finalidade precipua seria a reprodugdéo de “rebentos sadios que se [fizessem] homens robustos e titeis a coletividade" (2). Esses dois aspectos acoplados - saneamento eugénico e racionalidade técnica - definiram as linhas centrais do projeto de "“regeneragéo nacional" implementado pela intelectualidade médica, sobretudo psiquidtrica, que se aglutinou em torno da Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM), instituig&o criada no comego dos anos 20 no Brasil, sobre a qual se concentra o fundamental deste estudo. Até por uma questdo de identificagéo temética, este trabalho se inscreve em uma linhagem de estudos - em maior ou menor grau influenciadas pelas formulagées analiticas de Michel Foucault - que tem interpretado o aparecimento do saber psiquiatrico desde uma perspectiva que, grosso modo, o tem visto enquanto pega importante dos processos de controle @ regulagio social, portanto de poder, instituidos no contexto de aburguesamento das sociedades, além, 6 claro, dos préprios interesses da corporacéo psiqudétrica. Nesse sentido, apontam as sélidas raizes politicas da psiquiatria desmontando certos mitos que davam conta da sua constituigéo sobre © pano de fundo de um mandato exclusivamente médico~ cientitico e crescentemente humanizador (3). Assim, acompanhando essa linha de reflexio sobre a historia da psiquiatria e atentos A adverténcia de Maria Clementina Cunha de que "néo h4 para o historiador outra alternativa que n§o a de trazer a discusséo para o seu proprio campo"(4) nosso interesse pelo tema se movimenta por fora de qualquer debate que se detenha a interrogar a “cientificidade" ou n&éo do saber psiquétrico. Por isso, sendo no limite da sua interferéncia na atitude politica do psiquiatra, néo se pretende aqui avangar nenhum tipo de andlise critica em termos de acertos ou desacertos, coeréncia ou incoeréncia, dos pressupostos teéricos, “per si", da medicina mental acerca da loucura, bem como das suas Indicagées terapéuticas. Nosso objetivo primordial foi situar os psiguiatras enquanto intelectuais/cientistas que atuaram na cena politica nacional, formulando um projeto claro, e em certo sentido particular, de construgéo e “regeneragdo" nacional. Apenas com essa orientagdo pareceu- nos suficiente ler seus programas eugénicos e higienistas anunciadeos desde o final dos anos 10 mas particularmente atuantes nos anos 20 comego dos 30. Por certo que nessa travessia cruzou-se necessariamente com suas formulagées tedricas, porquanto eram elas que, em tese, fundamentavam seus ambiciosos programas de intervengdo social. Com efeito, em se tratando de uma instituicéo que agrupava "homens de sciencia", era com base na pretensa “verdade" - e nesse caso superioridade - das suas formulagdes cientificas, que os psiquiatras autorizavam a si e aos seus projetos, sendo fundamentalmente nesse lugar que eles se viam e, mais importante exigiam - ou desejavam - que a sociedade como um todo os visse. Marilena Chaui estudando o que ela definiu como "discurso competente", chama a atengéo para a instrumentalizagéo politica que se faz dele, cuja eficdcia reside na simplicidade aparente da férmula que diz que nem todos tem a competéncia para falar “qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer circunstancia". Apenas o especialista situado num lugar hierdérquico autorizedo “pode transmitir ordens aos degraus inferiores e aos demais pontos da hierarquia que lhe forem paritérios". Além do mais, acrescenta a autora, esse discurso nado @ inspirado em idéias e valores, mais fundamentaimente na "suposta realidade dos fatos" e, por essa razdo, cré vivamente na eficdcia dos seus meios de agdo. #, de fato, um "discurso de poder" que busca astuciosamente - ou ideologicamente - anunciar-se apenas enquanto "discurso de conhecimento"(5). Ora, o que os psiquiatras da LBHM viviam proclamando aos quatro cantos do pais era precisamente o seu papel de Era especialistas/cientistas do “perfeito modo de pensar" com base na convicgdo de que falavam em nome da verdade e da ciéncia, que eles se sentiam no direito pleno de propor projetos ambiciosos e frequentemente radicais de intervengéo eugénica na sociedade, com o objetivo de regenerdé-la moral ¢ xacialmente, e que, segundo diziam, eram medidas apenas de “apparencia draconiana". Alias, como sugeria um deles, em se tratando dos “objetivos sagrados da eugenia e do saneamento integral da nossa raga" néo deviam haver “escrépulos", como tais, “inconciliaveis com o ponto de vista scientifico." Nesse sentido, quando se anuncia que a trama te6rica do discurso psiguidtrico néo seré motivo de andlise critica, n&o significa dizer que ele nao sera discutido. Diante da sua frequente instrumentalizacéo politica ele evidentemente sera problematizado - mas apenas enquanto tal. Sendo assim, esse trabalho néo pretende analisar o pensamento psiquiatrico desde uma perspectiva que procure opor ciéncia/verdade x ideologia/falsidade, atentos a adverténcia de Foucault de que nas sociedades ocidentais a "verdade € centrada na forma do discurso cientifico e na: instituigdes que o produzem" e que por isso néo se deve “pensar o problema politico dos intelectuais(...)em termos de ciéncia/ideologia, mas em termos de verdade/poder."(6) Em outras palavras: o mais importante nao é tante o discurso da psiquiatria em seu sentido de “coisas verdadeiras a descobrir", ou seja, sua cientificidade, mas sim a possibilidade de sua utilizagéo para certos fins, sua eficdcia politica enquanto "discurso competente", ou, como quer Foucault, seus "efeitos especificos de poder". Entretanto, & preciso desfazer possiveis confusdes: embora se aceite plenamente a idéia de que o melhor meio de abordar 0 discurso cientifico nfo é aquele fundamentado na oposigéo ciéncia/verdade x ideologia/falsidade, ainda consideramos, ao contrério de Foucault, que a nogdo de ideologia seja utilizdével. 0 préprio “discurso competente", por exemplo, é visto aqui como um discurso ideolégico, nado porque seja portador de uma mensagom falsa em oposicado a outra verdadeira - a boa ou justa ideclogia ~ mas precisamente porque pretende operar organizando um campo Particular de crepresentagio da experiéncia politica e social, ocultando-se precisamente enquanto tal, isto é, enquanto ponto de vista particular com "efeitos especificos de poder". Nesse caso, insinuando-se como discurso impessoal, neutro, vale dizer, verdadeiro e universal, acima dos interesses e das paixées e, por conseguinte, das lutas politicas e do poder que movem as acées humanas. Em outras palavras, & ideolégico exatamente porque pretende operar se autorizando na, distingéo ciéncia/verdade x ideologia/falsidade/erro. Alias, como diz Marilena Chaui é fundamentalmente devido ao fato de que ndéo "diz tudo e nado pode dizer tudo que o discurso ideolégico 6 coerente e verdadeiro."(7) Assim, 0 esforgo basico deste trabalho sera Problematizar a LBHM, entendendo-a como entidade central da psiguiatria na formulagéo de um projeto novo e ampliado de intervencao social - fundamentado no principio da prevengao via cugenia e higiene mental - de acordo com a hipotese central que orienta nosso trabalho: de que durante os anos 20 no Brasil, articulou-se um projeto novo de dominagao calcado numa “ideologia cient{fica" de gerenciamento dos conflitos - racial e social - e que emergiu de diferentes pontos da sociedade, um dos quais inegavelmente a medicina mental. 0 que ndéo quer dizer que esse projeto tenha sido nico, bastando lembrar, como exemplo, o "regime de excega - na expresséo de Paulo Sérgio Pinheiro - do governo Bernardes (1922-1926) para se ter claro o papel da acdo policial na imposig&éo da ordem e da dominagéo social (8). Por outro lado, evidente também que nao se pensa tal solugéo cientifica como exclusiva dos anos 20 em diante, podendo ser percebido isso facilmente nas politicas de saneamento e "regeneragéo" urbanas implementadas na virada do século na capital federal e em Sao Paulo, que ja tinham como suposto basico a submissdo da politica 4 técnica. (9) Entretanto, nesse momento, tratava-se de uma solugéo pontual, que ganhava flego e visibilidade nos contextos de crise - sanitaéria sobretudo - esvaindo-se téo logo o periodo critico fosse superado, retornando, pois, sua discussdo, no mais das vezes, ao leito reservado das corporagées cientificas particulares. Nesse caso, a “politica” continuava sendo preferencialmente assunto para politicos. Nos anos 20, contudo, 0 que se observa é uma exasperacdo desse processo, onde a perspectiva técnica pretende claramente ocupar o lugar da “politica” - vista negativamente sempre como "politicalha"(10). Arvorada em eritério superior, porquanto neutro, de organizagéo da sociedade, o objetivo 6 deixar a técnica permanentemente em cena, disputando palmo a palmo seu lugar com a politica, de forma a expulsar esta iiltima francamente da histéria, instituindo, pois, outro paradigma de gest&o social no Brasil - vale dizer, de dominagéo - ancorada nos valores da ciéncia e da racionalidade técnica. Assim sera precisamente por esse viés que se buscaré ler tanto o tema da cugenia quanto o da higiene mental, respostas cientificas da psiquiatria as questées nacional, vacial e social, que tanta inquietacéo causava nos intelectuais ¢ politicos brasileiros do periodo que pensavam a nagéo. Para tanto, todas as atividades propostas, campanhas e@ servigos da LBHM seréo aqui discutidos em didlogo constante com o quadro mais geral da politica brasileira dos anos 20 e 30, com ligeiras incursées no periodo do Estado Novo. Tendo em vista esses objetivos, o trabalho foi dividido em 5 capitulos: um primeiro, de caréter introdutério, onde se traga um histérico daquilo que se poderia chamar vocagéo social e politica da psiquiatria, inscrita desde as suas origens, até o seu desembocar numa proposta preventiva no final dos anos 10 e inicio do 20 - no caso brasileiro - resultando, entéo, no triunfo da idéia da higiene mental e da eugenia. © segundo capitulo busca recuperar especificamente a instituigdo Liga Brasileira de Higiene Mental, tematizando algumas de suas propostas, servigos e campanhas - como a questéo do combate ao alcoolismo e da higiene mental aplicada ao trabalho - enfeixados, todos, pelos programas saneadores da eugenia. No capitulo seguinte a discusséo recai basicamente na temdtica racial. Tendo em vista a importaéncia da perspectiva eugénica na instituicéo, a questdo do controle imigratério assume um peso expressivo nos programas da LBHM desde seus primérdios. Assim, buscando aleangar essa questdo, acabou-se por investigar a viséo mais ampla da medicina mental acerca da raga, inserindo-a no debate geral da construgdo da nacionalidade, idéia~forga que empolgava a intelectualidade brasileira do periodo, Por outro lado, a discussdo desse tema, alias imprescindivel para os propésitos do trabalho, tem o mérito de auxilier no deslindamento preciso de certas opgées da Liga em termos do saneamento eugénico da raga. © 48 capitulo pretende abordar fundamentalmente a questéo infantil na instituigdéo, porquanto a perspectiva preventiva que orientava os seus projetos - movidos pela necessidade de forjar o “futuro de uma grande raga" - colocava claramente a necessidade de cuidados ¢ orientagées desde a mais tenra idade. Por fim, o 52 capitulo procura discutir 0 processo de radicalizagéo eugénica da instituicéo, observado na virada dos anos 30 em diante, onde certas propostas “duras" de selegdo das populagées, de fundo racial, moral e social, - em muitos aspectos identificadas com © que se passava na Alemanha nazista ~ ganhen fdlego novo, com destaque para o tema da esterilizagaéo eugénica. Olhando para o conturbado mundo desse fim do século, com toda onda de preconceitos, racismos @ intolerancias, percebe-se que velhos fantasmas voltam a rondé-lo. Ainda que eles se diferenciem daqueles que ocuparam o cendrio nos anos 20/30/40, alguma coisa de inquietante obscurece o horizonte. Dessa vez, © argumento foge das "mitologias" eugénicas da “purificagdo racial" e/ou “raga superior", retomando, porém, antigas suspeigdes xenéfobas. Na Europa, investe-se contra os imigrantes pobres do 3% mundo e os contingentes de desempregados do desmoronado leste europeu, chamando-os de “novos baérbaros". No Brasil, os esquadrées de exterminio agem impunemente, chacinando “pivetes", "malfeitores", “delinguentes", enfim, aquilo que é taxado de “escéria social", e até eliminando presos nos "Carandirus" da vida. Séo 0 “peso imitil" da nagéo tal como diziam os eugenistas em outros tempos sombrios. Uma certa modalidade de “fascismo" tupiniguim ressurge, os chamados “carecas", atacando nordestinos, negros, judeus, homossexuais. 0 argumento 6, em todo caso, tanto 14 como cd, aparentemente 10 original: a defesa do emprego que as levas de forasteiros usurpam aos "locais". No entanto, algo de familiar ressoa: a “questaéo social" transmutada em preconceite ou o preconceito transformado em "questdo social". Uma nova/velha clivagem se instala nos coragées e mentes: aquela que demarca os campos entre "o grupo a que nés pertencemos e os outros". Os outros seréo sempre "os barbaros". A comunicagio se encontra interrompida. Convém restauré-la. Nesse caso, se da historia hé muito ndéo se espera que ela nos oferega ligées, refletir sobre um tempo pretérito de intoleraéncia, tem a vantagem de pelo menos dificultar que ele, bem como a intolerancia, se banalizem. Afinal, como adverte o personagem de José Saramago em 0 Ano da Morte de Ricardo Reis, "O mundo esquece tanto que nem sequer dé pela falta do que esqueceu." ql NOTAS PORTO-CARRERO, Julio. "O Dever das Elites", In: Psicandlise de uma civilizagdo, RJ, Editora Guanabara, [1934], pp. 213-215. Id. “Remédios Sexuais ¢ Remédios Sociais”, In: op.cit., p. 225. Ver a este respeito: MACHADO, Roberto e outros. Danagdo da Norma ~ Medicina Social e Constituicéo de Psiquiatria no Brasil, RJ, Graal, 1978; PORTOCARRERO, Vera Maria. Juliano Moreira e a descontinuidade histérica de psiquiatria, PUC, RJ (Tese de mestrado em Filosofia), 1980; AMARANTE, Paulo. Psiquiatria social e colénia de Alienados 1830-1920, RJ, UERJ/IMS, 1982 (tese de mestrado); SAIDE, Oswaldo. Psiquiatria e organizagao do Estado Brasileiro, RJ, UERJ/IMS, (tese de mestrado), 1980; SCHECHTMAN, Alfredo. Psiquiatria e Infancia: um estudo histérico sobre o desenvolvimento da psiquiatria no Brasil, RJ, UERJ/IMS, (tese de mestrado), 1981; CUNHA, Maria Clementina Pereira. Espelho do Mundo — Juquery, a histéria de um asilo, RJ, Paz e Terra, 1986; Id. Cidadelas da ordem - A doenca mental na Republica, SP, Brasiliense, 1990; CASTEL. A ordem psiquidtrica: Idade do ouro do alienismo, RJ, Graal, 1979; @ evidentemente, FOUCAULT, Michel. Histéria da Loucura na Idade Classica, SP, Ed. Perspectiva, 1987. CUNHA, Maria Clementina P. Espelho do Mundo, RJ, Paz e Terra, 1986, p. 17. cHaUt, Marilena. "0 discurso competente", In: Cultura e Democracia, SP, Ed. Moderna, 1982, pp. 7-13. FOUCAULT, Michel. "Verdade e Poder", In: Microfisica do Poder, RJ, Graal, 1981, pp. 12-13. CHAUI, Marilena. "Critica e Ideologia", In: op.cit., p. 22. PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da Iluséo - A Revolucéo Mundial e o Brasil, 1922-1935, SP, Companhia das Letras, 1992. Especialmente o capitulo 6, "0 "Regime de Excegao' Republicano", pp. 105-115. Ver: BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos. Um Haussmann Tropical, RJ, Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, 1990; CHALHOUB, Sidney. A Guerra Contra os Corticos: cidade do Rio, 1850-1906, IFCH/Unicamp, Primeira Versdo n° 19, 1990. 12 10. Expresso empregada diversas vezes pelo sanitarista Belisdrio Penna na sua obra O Saneamento do Brasil, RJ, Typ. Revista dos Tribunais, 1918. 13 CAPITULO 1 "PREVENTISMO: FASE SUPERIOR DO PSIQUIATRISMO" Em meados do século XIX, a medicina mental européia, pode-se dizer, encontrava-se atormentada por um sentimento de certo fracasso, diante da sua incapacidade de recuperacao de boa parte dos pacientes mentais cuja expectativa de cura havia sido francamente anunciada no programa de "tratamento moral" e no principio do "“isolamento terapéutico" estabelecido por Pinel, Esquirol e discipulos (1). Como observara Dumésnil, alienista francés daquele periodo: “A experiéncia nos mostrou que o mimero de loucos esté crescendo muito rapidamente em todos os paises e que medidas que pareciam © amplamente = estudadas_ se = mosttraram insuficientes." (2) Na medida em que o programa que Pinel imaginara esgotara seus créditos, os psiquiatras ao invés de se intimidarem, admitindo certa faléncia de suas modalidade de acao terapéutica, investem-se de novo mandato, o de “higienistas do espirito" ou "higienistas sociais", metamorfoseando-se em algo mais do que meros especialista de cura mental, sua fungdo de alienista. Assim, é num contexto de impoténcia e frustragéo diante dos resultados do chamado "tratamento moral" ¢ do modelo asilar da internagéo - assentados ambos numa compreenséo 44 pouco sutil da periculosidade da loucura, o que determinava a sequestragéo apenas da vesénia espetacular - que os psiquiatras europeus em meados do século XIX, resolvem aigar véo para além dos muros do asilo, decididos a intervir no amplo espago social com o objetivo de, esquadrinhando-o, obter novos dados sobre "as causas do aumento dos alienados @ sobre os meios higiénicos e profilaticos mais apropriados para prevenir tdéo grave enfermidade." (3) Se antes buscaram obstinadamente tornarem-se os administradores de um asilo medicalizado e também garantirem frente ao desatino o monopélio de sua verdade médica e de sua agdo, nesse contexto trata-se - diante do aumento dos ndmeros da loucura, da intratabilidade de varios casos e dos longos periodos de internamento que ocasionava frequentes problemas de superpopulacdéo hospitalar - de encontrar outras bases de agdo e argumentagdo teérica. Nessa guinada tornava- se necessario, antes de tudo, xeforgar o antigo grito de alerta contra os efeitos deletérios da civilizagéo moderna, Kesponsabilizando-a mais e mais pelo crescente dos distirbios mentais. Reforgo estratégico porque, em verdade, a consciéncia de uma loucura atrelada a uma certa forma de devir humano, outro lado do progresso e da razéo é, conforme aponta Michel Foucault, uma construgéo originéria do século XVIII (4). Segundo esse autor foi no abafamento da verdade animal do homem - proximidade feliz de uma vida de natureza submetida ao preenchimento das satisfagées humanas imediatas - que o alienismo do século XVIII creditou 4 civilizagéo a 15 ameaga de crescimento do desatino. Nessa reflexdo, a loucura € compreendida como parceira da histéria humana, temporalidade linear e irrefreavel do progresso burgués que altera a sensibilidade e os hébitos dos individuos, incute- Ihes 0 gosto pelo conhecimente e pelas especulacées abstratas e ainda o expie aos excessos do imagindério. Nesse itinerério de mudancas, os riscos da alienag&o ampliavam-se incessantemente. Entretanto, se a nocéo da loucura como contrapartida de progresso e da civilizacéo, ,como sugere Foucault, deve sua consciéncia ao setecentos, o século XIX a atualiza num ponto bésico: passa a identificé-la nao tanto como uma espécie de duplo da riqueza e do progresso do espirito humano (embora isso persista), mas sim como visibilidade problemética do seu inverso. Com isso, a loucura abandona o trem feliz do progresso civilizatério burgués - ainda que aparecesse como alteridade assustadora - @ oferece-se como contradigéo econémico-social, obedecendo doravante 4 linha de forga de um ambiente social marcado por um quadro de crescente miséria e debilidade moral e intelectual, Assim, de posse dessa compreensdo da loucura - como inverso do progresso e da riqueza - e também do fracasso do projeto “pineliano", como ja se disse, os psiquiatras deslocam suas baterias para a necessidade de intervir no meio social - nao indiscriminadamente em qualquer meio mas sobretude naquele cuja convivéncia social © alienismo identifica a presenga perturbadora de focos de amoralidade, desordem e miséria. Nesse processo nem tanta 16 novidade: 0 alienismo de certa forma apenas se apropriava das fantasmagorias produzidas pelos literatos e higienistas do comego do século XIX acerca da representagéo mitica que identificava classes populares, classes perigosas (5). Certamente n&o teré sido 4 toa que o médico ¢ alienista Morel produz, nesse periodo, sua teoria da degenerescéncia ~ “tour de force" do alienismo que desde entéo deixaré impressa, mais ou menos modificada, sua marca no conjunto das formulagées psiquidtricas - observando as populagées pobres e exploradas da localidade de Rouen na Franca, notéria, como diz Ruth Harris, “por sua pobreza, casas sujas, duras condigées de trabalho (...) © também altos indices de mortalidade infantil." (6) Ougamos Morel: “Trabalhando em ocupacées perigosas ou insalubres @ vivendo em cidades malsis e superpulosas, o organismo humano esta sujeito a agentes de debilitacéo sem precedentes, e Portanto 4 degeneragdéo. Sei muito bem do que é capaz o espizito humano lutando contra influéncias perniciosas. Contudo esta forcga tem limites. Apesar de todo o progresso da ciéncia, 6 impossivel que ele nado se transforme, pelas més condicées de trabalho nas fébricas e minas de onde extrai substancias téxicas e onde é obrigado a passar a maior parte de seus dias no seio da terra. Agora, acrescentam a estas _condicdes geralmente m4s a influéncia profundamente desmoralizante da probreza, da falta de educacéo, do desejo de prosperidade, do abuso do Alcool, dos excessos sexuais e da alimentacéo inadequada, e terdo uma idéia das circunstancias complexas que tendem a modificar desfavoravelmente os temperamantos das classes pobres." (7) Apoiando-se em definigédes biolégicas mas também filoséficas e até religiosas (8), a andlise da degeneragéo a7 moreliana supSe uma progressiva debilitagdéo da espécie a partir de um tipo humano primordial idealizado, que seria transmitida hereditariamente. Entretanto, frequentemente poderia ser adquirida no curso de uma vida marcada por influéncias nocivas de origem patolégica - tuberculose - sifilis, paludismo etc... - ou social - industrializagao, urbanismo, pauperismo, desregramento dos costumes, alcoolismo etc...(9). Ocorre que, uma vez instalada, necessariamente se transmitiria 4s geracées seguintes terminando seu ciclo apenas quando a linhagem se extinguisse. Aspecto importante é que, para Morel, o que se transmitia néo eram os tragos caracteristicos de um determinado distirbio mental e sim tendéncias patolégicas gerais, sendo as diversas entidades clinicas do quadro nosolégico psiquétrico, como sugere Harris, "meras manifestagées do substrate patolégico de degeneracéo latente" (10). Nesse caso, o maximo que os psiquiatras podiam buscar era “um modelo probabilistico para compreenderen o curso da doenga que esperavam, e diziam, ajudaria num programa de intervencéo preventiva contra individuos perigosos e condigdes deletérias do ambiente." (ay Sendo assim, segundo a férmula moreliana, colocava-se a necessidade de outros meios de agéo que superassem os postulados estritos de uma "profilaxia defensiva" - limitada ao sequestro e tutela de individuos perigosos ou doentes em espagos reservados ¢ fechados - passando-se ao combate das 18 causas das doengas e 4 prevengdo dos seus efeitos. Por esse caminho era um vasto campo social, consoante os postulados de uma “profilaxia preservadora", que os alienistas almejavam atingir: “Compreende-se que o objetivo a ser atingido na aplicagio dos meios terapéuticos @ higiénicos tenha aumentado consideravelmente. De fato, nao estamos diante de um homem isolado, mas sim na presenca de uma sociedade, e © poderio dos meios de ag&o deveré ser proporcional & importancia do objetivo." (12) Além disso, a entrada em cena da citada teoria aumentava © poder de fogo da psiquiatria ndo apenas porque ampliava sua superficie de intervencéo ou oferecia respostas aos seus problemas de inadequagéo —_ terapéutico/administrativa. Munictava-a também pelo aporte cientifico que lhe conferia. Com efeito, tendo por base uma compreensdo bioldgica da doenga mental, defendia a idéia da loucura como uma debilidade organica transmitida hereditariamente, reaproximando-se dessa forma da medicina geral que, ja & época, se validava nos critérios “positivos" oferecidos pela anatomopatologia. Se no caso da medicina mental essa debilidade ou lesdo organica dificiimente conseguia ser Perceptivel ao nivel de um dano propriamente visivel do sistema nervoso ou do cérebro - excegéo confirmadora (ou confortadora) para o caso da sifilis - configurava-se muitas vezes enquanto estigma fisico que automaticamente denunciava uma degeneragdo: labios leporinos, estrabismo, deformagdo eraniana, orelhas de abano, sintomas sensoriais e motores como a gagueira etc. (13). 19 Entretanto, como muitas vezes do era possivel identificar deformagées na estrutura morfolégica ou fisiolégica dos individuos, a degeneragéo se evidenciava, enquanto verdade cientifica, pela presenga afirmadora da “hereditariedade mérbida" atestada no amplo espectro dos antecedentes familiares (14). E mais: tal hereditariedade mérbida - balsamo psiquiatrico para uma positivagéo médica da loucura - muitas vezes operava segundo a férmula metaforizada de um "acimulo de capital patolégico" ac longo de sucessivas geracées. Por isso, um ancestral apenas sutilmente debilitado podia produzir um degenerado em alto grau, predisposto ao crime ou a loucura grave: "Com muita frequéncia o estigma familiar se manifesta apenas gradualmente com uma ou varias geracées mostrando Pequenas perturbacées preparatérias, por assim dizer. A hereditariedade (mérbida) precisa ser acumulada, capitalizada de alguma forma, antes de se tornar um defeito identificaével. Entre 0s antepassados dos loucos encontram-se frequentemente individuos afetados por um estado habitual de excessiva excitagao, entusiastas excéntricos, inventores malsucedidos, perduldrios, pessoas incomuns afetadas por tiques morais e intelectuais.” (15) Finalmente, como j4 se disse, tal processo degenerativo podia também ser adquirido paulatinamente no curso de uma vida desregrada em contato com um ambiente nocivo. Estabelecida a anomalia - frequentemente pelo abuso e contato repetido - esta se transmitia aos filhos num grau de agravamento progressivo. Como consequéncia disso tudo a loucura deixava de ter uma visibilidade imediata. Imersa nos meandros de uma 20

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