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Caro Caio:
Li seu texto “A RELIGIÃO ACHA JESUS LOUCO – sempre achou”, logo após ter
assistido o filme “LUTERO”, sobre o seu chamado e a sua vida. De fato é
impossível não encontrar similaridades entre o contexto onde Lutero – sem
que tivesse intenção, acaba por provocar o maior cisma religioso da história
até hoje-e os dias de hoje.
Naquele filme vi o esforço de Lutero, movido pelo amor a Deus e pela força da
revelação do Evangelho, em restaurar o verdadeiro propósito da igreja, de
dentro para fora, e também ver a destruição que seus algozes promoveram em
retaliação a sua posição. Ele foi taxado de louco e de demônio pelos seus
pares.
Não pude deixar de ver traços similares a desta caminhada de Lutero em sua
jornada, até hoje. Durante 30 anos você tentou –assim como Lutero- mudar a
cabeça da “igreja”. De dentro para fora. Mas os fariseus e a vida te obrigaram a
fazer seu cisma pessoal, e através disso, muitos tem podido receber e muitos
outros recuperar o verdadeiro Evangelho de Jesus.
Seu esforço em despertar consciências para o Evangelho foi por mim lembrado
no filme quando Lutero, diante do imperador da Alemanha e dos
representantes do papa, mencionou: “... porque fazer algo contra a consciência
não é seguro nem saudável.”, em especial para não transformarem, nos dias
voláteis de hoje, a Graça em “graxa”.
Que o Senhor continue usando sua vida como uma pedra de tropeço para
aqueles que nada tem do Evangelho em si mesmos e de uma pedra de esquina
para ajustar o coração de cada um no caminho.
Eliézer.
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Resposta:
Lutero foi um homem; e nada além de apenas um homem. Ele não era o homem
moralmente mais ilibado de sua sociedade [longe disso]; nem o mais culto;
nem o mais inteligente; nem o mais sábio [a sabedoria andou muito longe dele
muitas vezes], nem o mais influente; e menos ainda o mais “adequado”; pois,
psicologicamente era um homem com muitos tormentos; e, depois de conhecer
a Graça, ainda assim sofreu algumas seqüelas de outros tempos.
Tudo o que não havia em Lutero era equilíbrio psicológico; nem antes, nem
durante e nem depois do advento da Reforma.
Assim, Lutero não é um Paulo; ele está mais para um Gideão; para um homem
apanhado pelas circunstancias e que teve seu papel beneficamente
superlativizado pelas perseguições que sofreu; de modo que um Lutero
“deixado”, não perseguido, teria sido um Lutero sem significado histórico.
Eu disse que a consciência dele foi aplacada pela informação do texto, e ele
creu no que estava dito; e, pelo texto ele foi adiante sem retroceder. No
entanto, não foram a paz, a experiência do sossego de alma, o derramar de
amor e Graça, e a alegria da boa liberdade — os elementos motivacionais de
Lutero. Não! O texto havia dado a ele as razões de base teológica para romper
com Roma, mas o fruto não era de excelência espiritual, mas, sobretudo, de
natureza apologética; e historicamente capaz de receber o influxo de muitas
forças e poderes hostis a Roma presentes naqueles dias de trevas.
Quanto mais leio sobre Lutero (ou, sobretudo, leio Lutero mesmo: suas cartas,
sua correspondência com amigos, príncipes e reis), mas me convenço do
seguinte:
4. Ele não hesitou (tanto por convicção como também por revolta) em
enfrentar Roma com a verdade do Evangelho;
5. Uma vez que isso foi feito o próprio Lutero se tornou símbolo de algo
maior do que ele;
Mesmo assim, quando é a hora, até o louco e de fato descontrolado pode ser o
instrumento do momento. Ninguém nunca sabe!
O que sei é que Lutero se fosse meu contemporâneo, eu mesmo, como irmão e
amigo, recomendaria a ele que se tratasse com urgência.
Num artigo aqui do site, meu filho Ciro [autor do artigo] disse, e eu concordo
com ele, que Lutero é uma das pessoas mais difíceis de se “precisar” na
história. Isto porque quase todos os fatos de sua vida são sempre
interpretados doutrinariamente, de um lado ou de outro.
Irmão sim, mas não herói; isto é que é difícil de explicar aos Reformados e
Protestantes.
Aliás, eu diria que se não fossem seus defeitos, dificilmente ele teria tido
virtudes tão próprias para o momento histórico.
Sim! Pois o homem Lutero, fora daquela hora, de muito pouca valia teria sido
para a causa da fé. E digo isto ainda que fazendo admissão de que muito do
que se chamou de Reformar nada mais foi que insurreição política motivada
pelos impulsos mais mesquinho dos poderosos contemporâneos do
Reformador.
Não concordo com muita coisa, mas entendo o fenômeno sem pieguice.
Contradições...
Lutero ajuda seus comentadores, tanto positivos quanto negativos, por ser
uma criatura de profunda e absoluta contradição. Era capaz de afirmar e negar
a mesma coisa em um espaço pequeno de tempo, o que nos permite citá-lo em
quase qualquer tipo de ocasião, dependendo da utilização que queiramos dar a
ele.
Sua personalidade tinha marcas de profunda neurose e sem dúvida ele tinha
tendências a surtos psicóticos. Uma vez, durante uma missa, enquanto se lia a
passagem do Evangelho sobre o Gadareno, ele teve uma crise, e caiu no chão
gritando: "Não estou possuído. Não estou possuído!"
Ele tinha também uma personalidade maníaco-depressiva, e procurava vencer
sua depressão através de excesso de trabalho ou excesso de oração; e depois
passava por períodos de profunda melancolia e quietude; e que podemos ver
nos seguintes exemplos:
“Eu preciso de duas secretárias. Eu praticamente não faço nada o dia todo a
não responder e escrever cartas.”.
“Estou aqui, em total mornidão; tenho negligenciado a oração; e ando sem ter
em mim qualquer suspiro ou desejo pela Igreja de Deus. Estou incendiado por
todos os desejos possíveis desta minha carne descontrolada. É o ardor de
espírito o que eu deveria sentir. Mas, ao invés disso, é o ardor da carne;
desejo; preguiça; mornidão; sonolência—é o que me possui” (ibid. vol. 3, page
189).
Temos múltiplas citações dele a respeito de suas constantes lutas com Satanás,
mas uma das mais clássicas é: "Satanás dorme comigo mais freqüentemente
do que minha esposa.”
Não só falava como escrevia vulgarmente, e não era exatamente uma pessoa
muito paciente como ele mesmo confessa:
“Ira age como um estimulante para todo o meu ser. Ela afina minha esperteza,
põe um fim aos assaltos do diabo e me conduz ao que não temo. Eu nunca
escrevo ou falo melhor do que quando estou com raiva. Se eu desejar compor,
escrever, falar, orar e pregar bem, eu tenho que estar com raiva (“Table Talk,”
1210).”
Uma de suas frases mais clássicas foi comentada por Nietzsche, em sua crítica
ao espírito anti-racionalista romântico alemão:
Lutero diz:
“Se eu pudesse conceber pela razão que o Deus que mostra tanta ira e
malignidade pudesse ser misericordioso e justo, de que me valeria a fé?”
E Nietzsche comenta:
“Desde tempos antigos, nada jamais criou maior impressão sobre a alma
alemã; nada tentou a alma alemã também mais que esta dedução [de Lutero],
a mais perigosa de todas, a qual por todas as verdades é pecado contra o
intelecto: credo quia absurdum est.”
Podemos ver isso em diversas passagens em que ele fala coisas como:
“Quando estou com raiva, não estou apenas expressando a minha ira, mas a ira
de Deus”.
“Nem em mil anos Deus derramou dons tão grandes sobre qualquer bispo como
Ele derramou sobre mim” (E61, 422).
“Quem quer que não me obedeça, não está desprezando a mim, mas a Cristo”.
“Quem quer que rejeite minha doutrina não pode ser salvo”.
Ao mesmo tempo Lutero é capaz de brigar com esse Deus e esse Jesus [que ele
mesmo criou] sempre que sua vontade não é feita:
“Eu tenho mais confiança na minha mulher e nos meus discípulos do que eu
tenho em Cristo” (“Table Talk”, 2397b). “Deus muitas vezes age como um
homem louco”; “Deus é estúpido” (“Table Talk”, No. 963, W1, 48).
“Jesus cometeu adultério com a mulher do poço sobre a qual nos fala João.
Não estavam todos perguntando: ‘O que vem Ele fazendo com ela? ’ Em
segundo lugar ele adulterou com Maria Madalena; e por último com a mulher
flagrada em adultério, a quem Ele despediu tão suavemente. Assim, até Jesus,
que era tão santo, tem de ter sido culpado de fornicação antes de morrer”
(“Table Talk”, 1472) (W2, 107).
“Não interessa o que o povo faz; só interessa o que eles crêem”. “Deus não
precisa de nossas ações. Tudo o que Ele quer é que oremos a Ele e que lhe
sejamos gratos. Mesmo os exemplos de Cristo significaram nada para Ele
mesmo. Não tem importância como Cristo se comportou — o que Ele pensava é
tudo o que interessa” (E29, 196).
“Seja um pecador e peque com ousadia, mas creia mais ousadamente ainda.
Todos os homens, incluindo os santos e os apóstolos são pecadores. Todo bom
santo é um bom pecador. Os apóstolos eram pecadores... Eu creio que os
profetas frequentemente pecavam graves pecados”.
Agora com relação a três aspectos que a Igreja em geral assume como
inegociáveis da espiritualidade cristã: temperança (especialmente no álcool),
sexo e falar a verdade; eis como ele via a questão.
Sobre o álcool Lutero escreve e afirma que o povo alemão bebia tanto que
somente uma calamidade os faria parar de beber. E conclui: “Eu sei que não
pratico o que ensino” (Enders, 2, 312).
E, de fato, honestamente, ele realmente não praticava:
“De acordo com o ditado, temos que nos compor com os tempos; e os tempos
são ruins; as pessoas estão piores; nossos atos mais que piores... Até aqui a
bebida tem me impedido de escrever e de ler; vivendo com os homens tem-se
que viver como eles vivem”.
“O que é necessário para que alguém viva uma vida de autocontrole não existe
em mim”.
Seu amigo Alexander chega a afirmar que Lutero era viciado em beber demais
e incapaz de parar.
Casamento e sexo...
Também sobre o casamento ele era ambíguo. Podemos vê-lo afirmando coisas
muito belas e interessantes, moralizantes até; apresentando-se como o
restaurador da posição nobre do casamento na sociedade:
“Nenhum dos ‘Pais da Igreja’ jamais escreveu qualquer coisa notável sobre o
casamento”.
“Eu queimo com todos os desejos de minha carne e que me comem e me ardem
com chamas de desejo. Resumindo: Eu que deveria ser um do espírito, estou
comendo meu próprio coração pela minha entrega à carne, através da lascívia,
da preguiça, da mornidão e da sonolência” (Enders 3, 189).
“O ferrão da carne pode ser facilmente diminuído tão somente haja meninas e
mulheres à disposição”.
“O corpo nada tem a ver com Deus. Nesse sentido alguém pode nunca pecar
contra Deus, mas apenas contra seu próximo”.
O ato conjugal, de acordo com Lutero, é “um pecado que em nada difere do
adultério e da fornicação”.
Lutero não “racha” com Agostinho nesse sentido. E não consegue também
deixar seu machismo adoecido: “A palavra e a obra de Deus são muito claras:
As mulheres foram criadas para se tornarem ou esposas ou prostitutas”.
(W12, 94). "
Lutero também chega a afirmar coisas que boa parte da igreja atual não
conseguiria conceber: “Se você não quer, outra quer. Se a esposa não quer,
tome a sua serva.“ (E20, 72). "Não é vedado a um homem ter mais de uma
mulher”. (E33, 327.).
Lutero não tem mesmo problemas em admitir sua atividade sexual e afirma
em Abril de 1525 em uma carta a Spalatin (tentando encorajá-lo a casar-se) o
seguinte:
De repente, meses depois, ele se casa com Catherina Von Bora, e escreve:
Filipe de Hesse, um dos príncipes que o apoiavam, era casado e tinha alguns
filhos. Aos 35 anos de idade ele tentou obter de Lutero uma autorização para a
bigamia, com o argumento de que era incapaz de se abster da fornicação e do
adultério, pois nunca amou sua mulher, que obteve num casamento político.
Diz que ela lhe era desagradável, feia e fétida; e que é forçado a cometer
fornicação ou pior, e que sua própria irmã, Elisabeth, lhe pedia para tomar uma
concubina, e não tantas prostitutas. Lutero, ao lidar com essa situação social
(temos que agradecer a Filipe por sabermos dessa situação, pois ele exigiu de
Lutero sua posição por escrito), diz claramente (com a colaboração de
Melachton):
“Declaramos, sob juramento, que isso deve ser feito em segredo (...) Não é
nada incomum que os príncipes tenham concubinas (…) e este modo de vida
discreto seria mais ameno do que o adultério.” (Documento datado de 10 de
Dezembro de 1539 / Luther's Letters, De Wette — Seidemann, Berlin, 1828,
vol. 6, 255-265)
“Um ‘sim’ dito em segredo deve permanecer como um ‘não’ para o público e
vice-versa.” “Que importância teria se, em favor de um bem maior e da Igreja
Cristã, alguém tivesse de contar uma boa e categórica mentira?” (De Wette,
vol. 6, 263) (Lenz, Luther's Letters, Leipzig, 1891, vol. 1, 382)
Lutero, por exemplo, jamais soube coisa alguma acerca de Jesus como Chave
Hermenêutica para se entender a Escritura; e todo seu método de leitura se
baseava nas noções hermenêuticas dos gregos.
Assim, voltar à Reforma é voltar ao que não leva ao inicio de nada desejável;
sendo desejável apenas à alternativa Católica daqueles dias.
Em meu livro “Sem Barganha com Deus” eu digo o que vejo de bom na
Reforma, embora deixe claro que, para mim, ela foi apenas um Catolicismo que
fez Dieta; e nada, além disso.
Nossa busca tem exclusivamente a ver com Jesus e com o Evangelho. Portanto,
Lutero é para mim como um dos juízes toscos do tempo antigo; usado por Deus
como um Sansão ou um Gideão; porém, longe de se parecer com um homem do
Novo Testamento.
Assim, quando olho para o Evangelho, vejo em Lutero um homem das cavernas
em relação à Graça; e que parou no entendimento tão logo criou uma
“doutrina”, a qual, pouca pacificação lhe trouxe ao ser.
De fato, Lutero se parece muito com o Evangélico que creu na doutrina, tornou-
se religioso na crença, mas não conseguiu experimentar a Graça como bem
pessoal. Dá tanta culpa feita rebelião e tanta luta psicológica com o “diabo”.
O que Deus deseja fazer hoje é muito mais, e não tem na Reforma nada além
de História; pois, conforme ensinou Jesus, não se põe remendo de pano novo
em vestes velhas.
Nele, que usa a todos para um fim proveitoso, ainda que muitas vezes
chocante,
Caio
20/08/07
Manaus
AM
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Amado Caio:
Eliézer.
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Resposta:
Dessa forma [como para Jesus o que é elevado entre os homens é abominação
diante de Deus], se virar culto histórico, é porque é elevado diante dos
homens, e já não tem [se é que teve] significado para Deus.
No reino, no entanto, não se faz Reforma jamais; pois, é como por vinho novo
em odre velho, ou remendo de pano novo em veste velha.
Ora, no reino tudo tem a ver com o Dia Chamado Hoje. Foi isto que Jesus disse
ao moço que queria primeiro sepultar seu pai. “Deixa os da história carregarem
a história. Tu, porém, vai e prega o reino de Deus.”
Não que isso nos conduza a qualquer forma de niilismo histórico. Ao contrário,
passa-se a desejar conhecê-la ainda mais; pois, nela, na História, reside o
germe de nossa grande tentação; posto que a História é a vida eterna dos
mortais.
Digo isto para dizer que o fenômeno da Reforma Protestante tem todas as
características dos fenômenos humanos, conforme todos os que se tornaram
História.
A Igreja, por exemplo, foi se tornando... Assim como o reino: uma sementinha
aqui, outra ali; uma sombra aqui, outra ali; uma lâmpada aqui, outra ali, e
outras acolá. E não veio como uma montanha de sal, ao contrario, o sal
apareceu conforme existisse massa a ser salgada. E mais: o sal só cumpre seu
papel se dissolver-se na massa; pois, sal visível não serve para nada.
Ora, por isto até hoje se discute se Jesus foi ou não histórico; e o debate sobre
o Cristo Histórico apenas prova a minha tese. Afinal, um Jesus
esmagadoramente histórico não seria discutido; pois estaria “fixado”. Ele,
entretanto, se faz história nas historias dos outros, e não em Sua própria, visto
que Ele não é como uma torre de Salvação numa Paris mundial. Ao contrário,
Ele é invisível aos olhos da História, só sendo visto pelos que vêem a história
que somente se discerne pela fé.
O descaso de Jesus para com a fixidez da História é chocante. Pode ser bem
ilustrado pelo fato de Ele escrever no chão [sabia escrever], e não ter deixado
nada escrito de Si mesmo. Para Jesus o que não fosse ato não merecia virar
ata. E mesmo o que era ato, Ele só escrevia nos corações; deixando que outros
escrevessem não “A História de Jesus”; mas, antes disso, a história de como
eles O viram. Daí cada evangelho ter sua própria ótica. E tudo não fixo.
As coisas do reino não dão para serem afixadas em portas de Catedrais; essa é
a verdade. Não! Elas são invisíveis aos olhos; são suaves e poderosas; e
esmagam pela sutileza.
“Pelo mar foi o Seu caminho; porém, não se acham os Seus vestígios”.
“É o vento”, dizem.
Além disso, achei que era bom mostrar como um pregador da Graça como
Lutero pôde viver tão pouco do beneficio dela em si mesmo.
Um grande beijo com todo carinho, mesmo sem saber se meu paizinho ainda
estará na Terra amanhã!
Caio
20/08/07
Manaus
AM