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O documento discute a Teoria dos Quatro Discursos de Aristóteles, que afirma que o discurso humano se manifesta de quatro maneiras - poética, retórica, dialética e analítica. No entanto, devido a circunstâncias editoriais históricas, a teoria foi mal interpretada e as obras de Aristóteles sobre poética e retórica foram ignoradas. O documento argumenta que uma reavaliação da teoria pode fornecer novas perspectivas sobre o pensamento de Aristóteles.
O documento discute a Teoria dos Quatro Discursos de Aristóteles, que afirma que o discurso humano se manifesta de quatro maneiras - poética, retórica, dialética e analítica. No entanto, devido a circunstâncias editoriais históricas, a teoria foi mal interpretada e as obras de Aristóteles sobre poética e retórica foram ignoradas. O documento argumenta que uma reavaliação da teoria pode fornecer novas perspectivas sobre o pensamento de Aristóteles.
O documento discute a Teoria dos Quatro Discursos de Aristóteles, que afirma que o discurso humano se manifesta de quatro maneiras - poética, retórica, dialética e analítica. No entanto, devido a circunstâncias editoriais históricas, a teoria foi mal interpretada e as obras de Aristóteles sobre poética e retórica foram ignoradas. O documento argumenta que uma reavaliação da teoria pode fornecer novas perspectivas sobre o pensamento de Aristóteles.
A denominada Teoria dos Quatro Discursos pode ser sintetizada
numa frase: o discurso humano uma potncia nica, que se atualiza de quatro maneiras diversas: a potica, a retrica, a dialtica e a analtica (lgica).
A essas quatro modalidades de discurso correspondem tambm a
quatro cincias, ao mesmo tempo em que a Potica, a Retrica, a Dialtica e a Lgica formam uma potncia nica, sendo variantes de uma cincia nica.
Significa, portanto, que os princpios de cada cincia, pressupem a
existncia de princpios comuns que as subordinam, que se aplicam por igual a campos to diferentes entre si.
De imediato surgem duas perguntas: Ter Aristteles realmente
pensado desse modo?
E, se pensou... tinha razo?
E a questo se divide em duas facetas, numa investigao
histrico-filolgica e numa crtica filosfica. E por conta das imensas dimenses da comunicao contemporneo, no possvel abordar a contento nem uma e nem outra.
A perplexidade que a ideia dos Quatro Discursos provoca a um
primeiro contato advm de um costume arraigado da nossa cultura, de encarar a linguagem potica e a linguagem lgica ou cientfica colocadas em universos separados e distantes, regidos por conjuntos de leis incomensurveis entre si. 2
Esse divrcio se instaurou desde que um decreto de Lus XIV
separou em edifcios diferentes as Letras e as Cincias, e construiu um fosse profundo entre a imaginao potica e a razo matemtica ...ento, a distncia no cessou de alargar-se, at enfim consagrar como uma espcie de lei constitutiva do esprito humano.
Assim evoluindo como paralelas que ora se atraem hipnoticamente
e ora se repelem, mas jamais se tocam, as duas culturas, consolidando-se em universos estanques, cada qual incompreensvel ao outro.
Gaston Bachelard que era poeta e matemtico, imaginou pode
descrever esses dois conjuntos de leis como contedos de esferas radicalmente separadas, cada qual igualmente vlido dentro de seus limites e em seus prprios termos, entre os quais o homem transita como do sono para a viglia, desligando-se de um para entrar na outra, e vice-versa.
Conclumos que a linguagem dos sonhos no contesta a das
equaes e, nem esta penetra ou invade o mundo daquela.
E to profunda foi a separao que alguns desejaram encontrar
para esta um fundamento anatmico na teoria dos dois hemisfrios cerebrais, um criativo e potico, outro racional e ordenador. E, acreditaram haver uma correspondncia entre essas divises e a dupla ying-yang da cosmologia chinesa.
E, ainda, julgaram descobrir no predomnio exclusivo de um desses
hemisfrios a causa dos males do homem ocidental. 3
Realmente vige uma viso meio mistificada do ideografismo chins,
to divulgada por Ezra Pound que forneceu a essa teoria um respaldo literrio mais do que suficiente para compensar sua carncia de fundamentos cientficos. Assim, a ideologia da "Nova Era" consagrou-se, como sendo um dos pilares da sabedoria humana.
Analisando panoramicamente Aristteles se avizinha de Ren
Descartes, que com a rgua em punho, mantinha sob severa represso o nosso chins interior.
Aristteles enquanto um apstolo da unidade, por todos encarado
como um guardio da esquizofrenia, contestou a imagem estereotipada que o tempo e a cultura de almanaque consagraram como verdade adquirida. Esta remexe em velhas feridas, j cicatrizadas, por extensa sedimentao de preconceitos.
A resistncia , pois, um fato consumado. Resistncia que
diferente de resilincia que correspondente propriedade fsica que alguns corpos apresentam de retornar forma original aps terem sido submetidos a uma deformao elstica... e, ainda, a capacidade de se recobrar facilmente ou ainda se adaptar m sorte ou s mudanas fatais.
Resta ento enfrentarmos a resistncia, provando, em primeiro
lugar que a ideia efetivamente de Aristteles; em segundo lugar, que uma excelente ideia, digna de ser redimensionada, com humildade, por uma civilizao que se apressou em aposentar os ensinamentos do seu velho mestre, antes mesmo de haver os examinado adequadamente. 4
Aristteles escreveu uma Potica, uma Retrica, e um livro de
Dialtica (os Tpicos) e dois tratados de Lgicas (Analticas I e II), alm de duas obras introdutrias sobre a linguagem e o pensamento geral (Categorias e da Interpretao).
Todas essas referidas obras praticamente ficaram desaparecidas,
como as demais de Aristteles, at o sculo I a.C., quando um certo Andrnico de Rodes promover uma edio em conjunto, na qual se baseiam at hoje nossos conhecimentos de Aristteles.
Como procede todo editor pstumo, Andrnico teve de colocar
alguma ordem nos manuscritos. Decidiu tomar como fundamento dessa ordem o critrio da diviso das cincias em introdutrias (ou lgicas), teorticas, prticas e tcnicas (ou poiticas, conforme afirmam alguns).
Alis, a referida diviso tinha o mrito de ser do prprio Aristteles.
Porm, no h nenhum motivo para supor que a diviso das obras de um filsofo em volumes, deva corresponder gradativamente sua concepo das divises do saber.
Andrnico forneceu essa correspondncia por pressuposta, e
agrupou os manuscritos aristotlicos em quatro divises.
Como faltavam outras obras que pudessem se inserir sob o rtulo
de tcnicas, Andrnico inseriu l a Retrica e a Potica, desligando- as das demais obras sobre a teoria do discurso, que foram compor a unidade aparentemente hermtica do Organon, que um conjunto de obras lgicas ou introdutrias lgica. 5
Alm de outras circunstncias, tal casualidade editorial fora prdiga
em seus efeitos que se multiplicaram incrivelmente at os dias de hoje.
Em primeiro lugar, a Retrica o nome de uma cincia abominada
pelos filsofos, que nesta enxergavam o emblema mesmo de seus principais adversrios (os sofistas), e por essa razo desde sua primeira edio feita por Andrnico, no despertou o menor interesse filosfico.
A Retrica foi lida somente nas escolas de retrica, as quais, para
piorar as coisas, entravam ento numa decadncia acelerada pelo fato de que a extino da democracia, suprimindo a necessidade de oradores, retirava a razo de ser da arte retrica, encerrando-a na redoma sagrada do formalismo narcisista.
Em seguida, a Potica, por sua vez, desaparecera de circulao, s
voltando a aparecer por volta do sculo XVI. O que resultou no fato de todo o aristotelismo ocidental, que inicialmente fora lento em crescimento, para disparar a partir do sculo XI, quando foi se formando o perodo que vai desde a vspera da Era Crist at o Renascimento. Ressalte-se que esse perodo ignorou por completo tanto a Retrica como a Potica.
E nossa imagem de Aristteles guardada em nossas retinas
contemporneas ainda resulta de uma herana perodo. Uma vez que a redescoberta da Potica no Renascimento no despertou interesse seno dos poetas e fillogos, sem tocar o pblico filosfico, at hoje, o que chamamos de Aristteles (para o bem ou para o mal), no se refere a um homem de carne e osso, mas a um esquema simplificado, montado durante os sculos que ignoravam duas das obras dele. 6
Nossa viso da teoria aristotlica do discurso baseada
exclusivamente na analtica e na tpica, ou seja, na lgica e na dialtica, amputadas em sua base onde o filsofo tinha construdo para elas na potica e na retrica.
A avassaladora mutilao no parou e do edifcio da teoria do
discurso, s havia sobrado dois andares superiores a dialtica e a lgica, boiando e flutuando sem alicerces, num etreo infinito do pensamento.
Com o passar do tempo, no tardou a se eliminar tambm o terceiro
andar, a dialtica, posto que considerada como cincia menor, j que apenas lidava com a demonstrao provvel, fora preterida em prol da lgica analtica, to consagrada e incensada desde a Idade Medieval como a chave-mestra do pensamento de Aristteles.
A imagem do Aristteles construda de lgica formal somada ao
sensualismo cognitivo e mais somada a teologia do Primeiro Motor imvel, consolidando-se como a verdade histrica nunca contestada.
Mas o prprio Aristteles insistia em que a lgica no traz
conhecimento, apenas serve para facilitar a verificao dos conhecimentos j adquiridos, confrontando-os com os princpios que os fundamentam, para ver se no os contradizem.
A dialtica traa a refutao como uma prova dos nove. E, quando
no possumos os princpios, a nica maneira de busc-los seria atravs da investigao dialtica que, pelo confronto das hipteses contraditrias, leva a uma espcie de iluminao intuitiva (um nirvana) que pe em evidncia os princpios. 7
A dialtica aristotlica , portanto, uma logica inventionis, ou seja, a
lgica da descoberta, a saber, um autntico mtodo cientfico, do qual a lgica formal meramente um complemento e um meio de verificao.
O mundo acadmico contemporneo ainda subscreve a opinio Sir
David Ross que in litteris: a Retrica tem um propsito puramente prtico"; no constitui um trabalho terico", e sim, um manual para o orador.
Mas Potica, por seu lado, Ross atribui um valor terico efetivo, sem reparar que, se Andrnico errou neste caso, pode tambm ter se enganado quanto Retrica.
Afinal, desde o momento em que foi redescobreta a Potica,
tambm fora encarada principalmente como um manual prtico e capturou primeiro o interesse dos literatos do que dos filsofos.
O prprio livro dos Tpicos poderia ser visto como um manual
tcnico ou pelo menos prtico, pois na academia, a dialtica funcionava exatamente assim: era o conjunto de normas prticas do debate acadmico.
Conclumos que a classificao de Andrnico, se for seguida
literalmente ir resultar em infinitas confuses, as quais se podem resolver todas de uma s vez, mediante a admisso da seguinte hiptese: como as cincias do discurso, a Potica e a Retrica fazem parte do Organon, e no so portanto, nem teorticas, nem prticas e nem tcnicas. 8
H de se elaborar profunda reviso nas ideias tradicionais e ainda
correntes sobre a cincia aristotlica do discurso e que pode ter srias consequncias para nossa viso da linguagem e da cultura em geral.
Assim ao reclassificar as obras aristotlicas, refaremos os pilares do
edifcio. O que pode acarretar demolies no entorno.
As quatro cincias do discurso referem-se as quatro maneiras pelas
quais o homem, pode atravs da palavra, influenciar a mente de outro homem (ou at a sua prpria).
Enfim, as quatro modalidades de discurso caracterizam-se por seus
respectivos nveis de credibilidade:
a) O discurso potico versa sobre o possvel, dirigindo-se
principalmente imaginao ...
b) O discurso retrico tem por objeto o verossmil, e tem por meta a
produo de uma firme crena, que supe, para alm da mera presuno imaginativa, a anuncia da vontade; e o homem influencia a vontade de outro homem por meio da persuaso, que uma ao psicolgica fundada em crenas comuns;
Desta forma, enquanto a poesia tem como resultado uma
impresso, o discurso retrico tem como meta produzir uma deciso, mostrando que ela a mais adequada ou conveniente dentro de um certo quadro de crenas admitidas.
c) O discurso dialtico j no se limita a sugerir ou mesmo impor
uma crena, mas submete as crenas prova, mediante ensaios e tentativas de transpass-las por objees.
Enfim, o pensamento que pendularmente vai e vem, e por vias
transversas acaba buscando a verdade entre os erros e, tambm, o erro entre as verdades (di= atravs) e indica tambm duplicidade, diviso. 9
Por essa razo a dialtica tambm chamada de peirstica, da raiz
peir(prova, experincia) de onde vm peirasmos, tentao e as nossas palavras como empiria, empirismo, experincia, e etc, mas tambm, atravs de peirates, pirata: o smbolo da vida aventureira, da viagem sem rumo predeterminado.
O discurso dialtico mede enfim, por ensaios e erros, a
probabilidade maior ou menor da crena ou tese, no segundo a sua mera concordncia com as crenas comuns, mas segundo as exigncias superiores da racionalidade e da informao acurada.
d) O discurso lgico ou analtico, partindo sempre de premissas
admitidas como indiscutivelmente certas, chega atravs de encadeamento silogstico, demonstrao certa, apodixis (prova indestrutvel) da veracidade das concluses.
Eis, portanto que visvel uma escala de credibilidade crescente:
que vai do possvel ao verossmil, deste para o provvel e finalmente para o certo ou verdadeiro.
A possibilidade, verossimilhana, a probabilidade razovel e a
certeza apodcitica sintetizam os conceitos-chave sobre os quais se erguem as quatro cincias, a saber:
a Potica estudo os meios pelos quais o discurso abre
imaginao ao reino do possvel; a Retrica corresponde aos meios pelos quais o discurso retrico induz a vontade do ouvinte a admitir uma crena; a Dialtica corresponde ao discurso que averigua a razoabilidade de crenas admitidas e, finalmente, a Lgica ou 10
Analtica que estuda os meios da demonstrao apodcitica ou
certeza cientfica.
Observa-se que os quatro conceitos bsicos so relativos uns aos
outros, posto que no se conceba o verossmil fora do possvel, nem este sem o confronto com o razovel e, assim por diante.
A consequncia que as quatro cincias so inseparveis e no
podem ser tomadas isoladamente.
Um discurso lgico ou dialtico ou retrico no em si mesmo
considerado, mas por sua mera estrutura interna, mas pelo objetivo a que tende em seu conjunto, pelo propsito humano que visa a realizar.
Enfim conclumos que os quatro discursos so distinguveis, porm
no isolveis cada um deles s considerado no contexto da cultura como expresso fatdica dos intuitos humanos.
Referncias:
GUSDORF, Georges. Les Sciences Humaines et la Pense
Occidentale. t.I, Del'Histoire des Sciences l'Histire de la Pense, Paris: Payot, 1966.
BACHELARD, G. Le Nouvel Esprit Scientifique, Le Rationalisme
Appliqu, Paris: Payot, 1968.
HAMELIN, Octave. Le Systme d'Aristote . 4 ed.,Paris: J.Vrin,
1985.
CURTIUS, Ernst Robert. Literatura Europeia e Idade Mdia Latina.
Traduo de Teodoro Cabral. Rio de Janeiro: INL, 1957. 11
ROSS, David. Aristteles. Traduo de Lus Filipe Bragana S.S.
Teixeira. Lisboa: Dom Quixote, 1987;
WELLEK, Ren. Histria da Crtica Moderna. Traduo Lvio Xavier.