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Revista do Departamento de Geografia n. 12, p. 89.121, 1998 RECURSOS HIDRICOS E AS BACIAS HIDROGRAFICAS: ANCORAS DO. PLANEJAMENTO E GESTAO AMBIENTAL Jurandyr Luciano Sanches Ross* Marcos Estevan Del Prette** RESUMO, (© presente artigo tem como objetivo abordar a gestao dos recursos hfdricos em um contexto mais amplo de planejamento ambiental, com a abertura de uma nova forma institu- ional de solugso dos problemas. Retoma alguns aspectos do plansjamento e da politica am- Dental no Brasil a fim de observar 0 seu desenvolvimento ¢ efeitos de longo prazo, passando ‘por algumas experiencias zecentes de gestdo dos recursos hidricos. A gestéo ambiental cami- tha progressivamente para tomar as bacias hidrograficas como Unidades de Plancjamento Regional, mas com uma clara énfase na questio dos recursos hidricos, seguindo 0 modelo francés de Gerenciamento de Bacias Hidrograficas. E preciso uma politica que contemple to- das.as componentes dos recursos naturais ({guas, solos, relevo, atmosfera, subsolo, flor, fauna) 2s componentes sociais ¢ econdmicas, no apenas em termos de bacias hidrogrificas, mas também em termos de um planejamento global integrado. INTRODUGAO Grande parte da sociedade brasileira tem buscado nos tiltimos anos construir alternativas democraticas para a solucao de seus problemas. Varias demandas tém sido feitas ao estado brasi- leizo no sentido de se ampliar a participacao po- Iftica e a intervengdo da sociedade civil na admi- nistragao pitblica enas decisdes e priotidades dos governos. Resultado desses esforgos, a Constitui- ‘co da Repiblica Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 1°, pardgrafo tinico, estabeleceu nao apenas o exercicio representativo, mas também participativo do poder, ao afirmar que “todo po- der emana do povo, que o exerce por meio de representantes cleitos ou diretamente, nos termos desta Constituigao”” Neste sentido, as associagdes civis dos mais diversos tipos conseguiram obter um espaco, garantido constitucionalmente, para participar ¢ influir nas atividades que Ihes dizem resp. to e que séo organizadas pelo estado. Em al- guns casos, 0 estado tem sido levado a montar (¢)_ Professor Doutor do Departamento de Geografia da EELCHLUSP. (*) Consultor do MMA - Ministério do Meio Ambiente. 0 ROSS, Jarandyr T. Sanches e DEL PRETTE, Marcos Estevan, Recursos hiricos eas bias. ‘um aparato institucional e jurfdico para gerenciar da forma mais consensual possivel os conflitos sociais, fazendo a mediacao de interesses, em grande parte contraditérios, a fim de solucionar problemas emergentes. Isto néo quer dizer que 0 estado brasileiro venha tendo uma atitude ‘neu- tra’ a ponto de encontrar-se completamente imu- ne e acima dos interesses sociais, ou que tenha sido tio poderoso que seja capaz de impor'tecni- camente’ solucdes exclusivamente gerenciais aos problemas. Embora tal perspectiva tenha uma certa forca, a abertura de instancias de participa- ‘Go no enfrentamento dos conflitos tem permiti- doa proposicdo de canais de negociacdo e a pos- sibilidade de levar as partes interessadas a algum compromisso. Outro aspecto: tem havido uma certa aber- tura para se viabilizar um gerenciamento descen- tralizado dos problemas locais e regionais. Isto tem ocorrido em varios setores, em que as agbes de um Estado centralizador vio sendo substitut- das por instancias decisérias ¢ executivas proxi- mas aos interessados diretos, como, por exemplo, no &mbito dos recursos hidricos, com os cons6r- cios de municipios e com os comités de bacias hidrograficas, que comesam a surgir para resol- ver problemas comuns de impacto regional. Ape- sar de ainda estarmos dando os primeiros passos neste processo, ha muitas possibilidades a serem exploradas neste sentido. O presente artigo tem como objetivo abor- dara gestao dos recursos hidricos em um contex- to mais amplo de planejamento ambiental, coma abertura de uma nova forma institucional de so- lugdo dos problemas. Retoma alguns aspectos do planejamento ¢ da politica ambiental no Brasil a fim de observar 0 seu desenvolvimento, abordan- do algumas questdes prementes postas em cena, cuja solugio no se encontra facilmente A méo, mas devem ser pacientemente buscadas. Espera- se que ele sirva, tanto de fonte de informagoes, quanto de subsidios para o aprofundamento das discusses sobre o futuro dos projetos de plane- jamento ambiental. 1, EVOLUCAO DA POLITICA AMBIENTAL NO BRASIL A historia da politica ambiental no Brasil mostra que sempre houve uma acentuada con- tradicéo entre a politica definida nos bastidores das instituic6es pablicas ea realidade vivida no dia a dia no pats. A criacao do Jardim Botanico co reflorestamento com espécies tropicais de mata atlantica no morro, hoje a conhecida Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, foram atos politicos importantes, um marco na preocupacdo com as questdes da natureza, ainda durante o Império. Dom Pedro Il, preocupado coma recuperagao do morto da Tijuca, degradado em suas caracteristi- cas naturais pelo plantio dos primeiros cafezai emcaréter comercial no pais, empreendeu um dos primeiros pasos do poder puiblico direcionado para solucionar problemas ambientais. Mesmo, antes, j6 havia as preocupacdes com as queima- das praticadas na regiao canavieira do nordeste brasileiro, ainda no Brasil Colénia que, apesar das restrigdes legais, no eram evitadas, Outras referencias marcantes ocorreram, com a questo das aguas e da cobertura vegetal. Durante o primeiro governo Vargas, foi criado, em 1934, o Cédigo das Aguas, importante instru- mento legal de controle ambiental ¢, na segunda metade deste século, em 1965, foi criado o Cédi- go Florestal. Ambos passaram a compor a base legal para gerenciar os uisos muiltiplos das Aguas de superficie e estabelecer restrigdes & explora- do de espécies vegetais, sobretudo madeiras, além de estabelecer critérios para os desmatamen- Revista do Departamento de Geografia n. 12, p. 89-121, 1998 tos, estando ainda em vigor nas suas linhas ge- rais, apesar de alguns ajustes posteriores. Assim, 0 Estado Brasileiro, seguindo modelos europeus ¢ sobretudo norte-americanos, adotou medidas juridicas, através de criacao de legislagao especi- fica, que antecederam, em algum tempo, a cria- cdo ¢ estruturagdo de instituigdes apropriadas para tratar as questdes ambientais, A partir da década de 60, a preocupagio com as questdes ambientais acentuou-se em fun- ao da forte influéncia dos movimentos ecolégi- cos da Europa ocidental, que progressivamente foram organizando-se, A Conferéncia das Nacoes Unidas, promovida em Estocolmo em 1972, foi um evento importante para a questdo ambiental em todos os paises ¢, sobretudo, para o Brasil. Vi- veu-se na década de 70, nos Estados Unidos e, prineipalmente, na Europa Ocidental, uma inten- sa atividade dos chamados “grupos ecol6gicos”, inclusive com o surgimento dos “partidos ver- des”, com maior énfase na Alemanha Ocidental, Franca, Inglaterra, Suécia. Estes grupos transfor- maram positivamente as questdes ambientais em fatos de natureza politica e conseguiram influ- enciar a sociedade, pressionando as instituigdes internacionais de financiamento a mudar progres- sivamente suas posturas diante dos projetos que financiavam. Até praticamente o final da década de 60, as atitudes dos governos em relacio as questées ambientais eram pontuais ¢ isoladas. A tendén- cia sempre foi com a promogao do desenvol- vimento econémico com base na ampliacéo da exploracdo dos recursos naturais e do aptimora- mento tecnolégico, sobretudo apés a Segunda Guerra Mundial. Com caracteristicas ¢ objetivos aparentemente diferentes, esta postura tanto foi adotada nos pafses de economia de mercado, os denominados capitalistas, como nos paises do bloco comunista, de economia estatal. Nos Esta~ a dos Unidos da América somente se iniciou uma politica ambiental com responsabilidade pabli- ca, em 1969, com 0 National Environmental Policy Act, tornando este pats um dos primeiros respon- saveis pela implementacao de politicas ambien- tais (Lester, 1989, apud Ferreira, 1994). Houve grande surpresa quando, recentemente, a partir da queda do muro de Berlim e da politica de aber- tura e democratizagio do mundo comunista, foi divulgado que a exploracao dos recursos natu- rais teve ali o mesmo descaso dos paises de eco- nomia de mercado, apesar de toda retérica da adocao de planejamento estratégico para 0 desen- volvimento do bloco comunista Nos Estados Unidos da América, durante a década de 70, foram aprovadas e aplicadas leis rigidas no sentido de regular a emissdo de poluentes no ar, na 4gua, nos solos entre outros. Entretanto, continuaram sendo tratados periferi- camente os problemas de armazenagem dos resi- duos s6lidos industriats e domesticos. Odjeto de assunto da midia, volumosas quantidades’ de pneus usados e depésitos do mais rico Tix do- méstico que, ao invés de serem reciclados e rein- dustrializados, acabaram, por questdes de custos, sendo enterrados. Processos semelhantes estéo ‘ocorrendo na Europa Ocidental. ‘No Brasil, em 1973, foi criada a SEMA-PR ~ Secretaria do Meio Ambiente no ambito federal ¢, nessa mesma época, surgiu, no Estado de S30 Paulo, a CETESB - Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, uma empresa pablica centrada no objetivo de desenvolver tecnologias e aplicé-las no setor de saneamento basico e con- trole da poluicao, No inicio, esta empresa teve dois enfoques basicos de atuacao, a poluigéo das Aguas e poluigo do ar. Por trés destas preocu- paces basicas, estruturou-se uma atuagao técni- co-cientifica para desenvolver programas de tra- balho em diferentes frontes de atuagao, destacan- n ROSS, Jurandyr L. Sanches e DEL PRETTE, Marcos Estevan. Recursos hirios ¢ as bacas.. do-se as pesquisas tecnol6gicas, os sistemas de fiscalizacao, o tratamento de resfduos, 0 controle de emissdo de residuos sélidos, liquidos e gaso- sos, A criagfo da CETESB foi, sem diivida, um salto de qualidade ténico-cientifico e politico para o tratamento das questdes ambientais no Estado de Sao Paulo, com reflexos para o pais. No Ambito federal, a criagao da SEMA-PR foi tam- bém um importante ato politico, entretanto, que por mais de dez:anos, foi tratada em segundo pla- no na estrutura politico-administrativa do esta~ do, O resultado mais significativo foi acriagdo de intimeras Unidades de Conservagio, como par- ques, reservas ecolégicas, estacdes ecolégicas en- tre outras modalidades. Apesar disso, até hoje quase nao houve desapropriagdes para constitui- cao de muitas dessas unidades de conservacio, alegando-se dificuldades sobretudo no plano fi- nanceiro. ‘A mentalidade geral manteve-se, por muito tempo, totalmente alheia aos problemas relacionados com as questes da natureza. En- quanto um segmento minoritério da socieda- de, dentre os quais alguns poucos politicos e cientistas, sempre correu ao encontro de cami- nihos e solugdes de curto e longo prazos para os problemas de desenvolvimento econémico € social com controle ambiental, a grande maio- ria continuou a ver essa problematica como mera ‘perfumaria para agradar ecologistas’. E conhecida a posicao brasileira na reunido de Estocolmo, alegando que o surgimento da ques- tio ambiental cra uma imposicao dos paises desenvolvidos para cercear o desenvolvimen- to dos paises emergentes. Mesmo ao final da década de 70, quando nos centros mais indus- trializados do pais comeca-se 0 debate com os setores produtivos ¢ a administracdo pablica sobre a necessidade de controlar a poluticéo do are da agua, face aos problemas de satide que jé estavam causando, nas areas pouco industri- alizadas ou sem industrializagao havia um cla- mor em favor da poluicao, pois esta seria sind- nimo de desenvolvimento econdmico. Assim, apesar de muitos esforcos e da criacdo das se- cretarias de meio ambiente nos estados, preva- lecia a mentalidade de que era preciso desen- volver a economia a qualquer custo. No inicio da década de 80, 0 governo fede- ral instituiu a Lei 6938/81, sobre a Politica Nacio- nal do Meio Ambiente, que jé estabelece a obri- gatoriedade dos Estudos de Impactos Ambien- tais ao se promover a instalagio de grandes ativi- dades produtivas, quer sejam elas no campo da exploracdo dos recursos minerais, hidricos, flo- restais, agropecudrios, industriais e transportes. Somente em 1986, o CONAMA ~ Conselho Na- cional do Meio Ambiente, através da Resolugao 001, regulamenta os ETAs-RIMAs, estabelecendo os critérios eas normatizagdes para. licenciamen- to de implantacdo de grandes empreendimentos. No Ambito dos investidores, isto continuou sen- do visto como mais um empecilho ao proceso de desenvolvimento do pais e uma mera exigen- cia técnico-burocratica. Isto tanto é verdadeiro que se criou a ‘inddstria do EIA-RIMA’, produzido freqtientemente sem seriedade técnica e cientifi- ca, em que 0 essencial consiste em cumprir os quesitos da lei. De outro lado, passou-se, com fre~ quiéncia, as posturas extremas, em que nada de- veria ser permitido, pois qualquer atividade hu- mana seria inevitavelmente produtora de altera- do ¢ degradacio da natureza, criando desequili- brios ecoldgicos. Sob esse aspecto, hé muito, ain- da, a ser feito para se encontrar o limite entre 0 economicamente necessério, olegalmente permis- sivel ¢ 0 ecologicamente desejavel. Posturas fe- chadas, pré-concebidas e fortemente articuladas por intcresses exclusivamente partidarios costu- mam levar a confrontos que geram grandes des- Revista do Departamento de Geografia n, 12, p. 89-121, 1998 gastes, acompanhados de prejuizos sociais e eco- nOmicos, sem resolver os problemas. ‘A Constituicao brasileira de 1988 clevou condi¢do de norma constitucional varios aspec- tos da legislacao ambiental até entao em vigor. No capitulo VI, artigo 225, trata especificamente sobre o meio ambiente, estabelecendo que “todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e es- sencial a sadia qualidade de vida, impondo-seao Poder Piiblico ea coletividadeo dever de defendé- lo para as presentes e futuras geragdes”. Reforca, no scu § 1°, inciso IV, a Resolugéo CONAMA de 11986 que trata dos EIA-RIMAs, obrigando na for- ma da lei, que os investimentos que alterem o am- biente tenham estudos prévios sobre os impactos ambientais (EPIA). Da mesma forma que a criagao da SEMA- PR levou a criacdo das SEMAs estaduais, a cons- tituic&io Federal, ao referir-se especificamente so- bre 0 meio ambiente e consolidar o CONAMA, também condicionou os Estados a adotarem pro- cedimentos semelhantes. Assim, as constituigoes estaduais tratam das questies ambientais, dispon- do sobre a criacéo de CONSEMAs - Conscthos Estaduais do Mcio Ambiente. Isso também se aplicou aos municfpios, que tiveram um deter- minado prazo para promulgarem suas leis orga- nicas, em que obrigatoriamente seguem as Cons- tituigdes Federal e Estaduais, obviamente ajustan- doe detalhando suas especificidades naquilo que a lei maior nao cobre de acordo com a realidade de cada lugar. Em 1989, foi criado o IBAMA ~ Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Na- turais Renovaveis, 6rgdo executor da politica na- cional do meio ambiente, atualmente vinculado a0 Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hidricos ¢ da AmazOnia Legal, e que passa por uma fase de restruturacdo. A criagdo do IBAMA 23 absorveu outros érgios da administragao pébli- ca federal, como o IBDF ~ Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, a SEMA-PR - Secre- taria de Meio Ambiente, a SUDEPE - Superin- tendéncia de Desenvolvimento da Pesca e a SUDHEVEA - Superintendéncia de Desenvol- vimento da Borracha, assumindo um caréter mais abrangente no trato com os interesses ptiblicos na exploracdo dos recursos naturais. Por iniciativa do IBAMA, foi institucionali- zado 0 PNMA - Programa Nacional do Meio Ambiente, que desde o inicio assumiu um caré- ter de desenvolvimento de programas de pesqui- sae gestdo ambiental para a Faixa Litordnea, Mata Altlantica e Pantanal Mato-grossense. Esses pro- gramas consubstanciaram-se em projetos que passaram a ser financiados pelo BIRD - Banco Internacional para Reconstrugio e Desenvolvi- mento. Face aos atropelos gerados pelos desen- contros técnico-burocréticos, pelas frequentes quebras de continuidade nas praticas politico- administrativas, decorrentes de arranjos e rear- ranjos das instituigdes publicas federais, com fre- qlientes trocas de diretores, presidentes ou supe~ Fintendentes, tais projetos foram concebidos sem uma adequada avaliagao da capacidade financei- rac técnica dos Estados diretamente envolvidos. ‘O tempo demonstrou que os Estados compromis- sados com os projetos do PNMA, com raras exce- Ses, ndo dispunham de vontade politica, capacitacao técnica de suas equipes ¢ nem mes- mo recursos orgamentérios suficientes para implementarem os trabalhos. O resultado disto foi uma enorme dificuldade em viabilizar 0 Pro- grama, retardando significativamente o anda- mento dos trabalhos e, em alguns casos, compro- metendo profundamente os resultados esperados. Apesar disso, muitos estados foram forgados ase organizar institucionalmente na 4rea ambiental, iniciando um processo de capacitagtio em geren- oy ROSS, Jurandys L. Sanches e DEL PRETTE, Marcos Estevan. Recursos hiricos ews bacos.. ciamento ambiental, estruturando e formando recursos humanos a fim de participar dos recur- sos dispontveis para programas ¢ projetos, Na evoltc&o do processo de incorporacdo das questOes ambientais no seio da sociedade ci- vil e da administracao publica brasileira, os acontecimentos da Conferéncia do Rio de Janeiro de 1992 revelaram novas situagées que certamente vém contribuindo para um avanco no processo de absorcio e conscientizacao da sociedade para anecessidade de preservar, conservar, recuperat cexplorar os recursos da natureza de forma mais inteligente. No bojo da segunda grande Confe- réncia das Nacdes Unidas, emergiram com evi- déncia as organizagdes nao governamentais, avancando-se 0 conceito de “Desenvolvimento Sustentével”, mostrando-se a necessidade de se terna administragio pablica federal ndo mais um “instituto” do meio ambiente, mas um “ministé- tio” do meio ambiente. Esta nova instituicdo foi criada em 1993, in- corporando, posteriormente, a SRH ~ Secretaria dos Recursos Hidricos, 6rgéo até entao ligado ao Ministério das Minas e Energia, e a Secretaria da Amaz6nia, vinculada ao Ministério do Interior, passando a denominar-se Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hidricos e da Amaz6nia Legal. A administragao das aguas deixa de ser um aspecto setorial de produgdo de energia e é incor- porada do ponto de vista dos seus usos miiltiplos dentro de um contexto mais amplo de gestdo am- biental. Da mesma forma, a coordenagio dos as- suntos referentes Amaz6nia Brasileira para a set realizada de um ponto de vista ambiental, colo- cando em contacto as necessidades de desenvol- vimento daquela regio ea sua conservacao. Para onde caminha atualmente a politica ambiental brasileira? Ao que parece, na dirego do planejamento mais abrangente, na perspecti- vade se integrar politicas pablicas e questdes se- toriais. Sea consciéncia sobre a ‘questo ambien- tal’ tem evolufdo no sentido de permear os gran- des problemas de nossa sociedade, as instituicdes que trabalham com meio ambiente tém sentido a necessidade de realizar uma interlocusao com todos os setores do estado e da sociedade, dei- xando de ser, por si mesma, um setor isolado do estado que trata de problemas localizados. Hé, neste ponto, 0 sentimento latente de que € preci- so enfrentar, ndo apenas os “problemas ambien- tais” em sentido estrito, mas também as questdes de planejamento estratégico, as questdes de de- senvolvimento econdmico e, principalmente, as grandes questées sociais do pats. Abre-se, com este enfoque, a necessidade de se promover uma politica de desenvolvimento econdmico e social, cujo conceito do “Desenvolvimento Sustentavel” tenha como pressuposto bésico levar em conta, de um lado, as potencialidades dos recursos na~ turais, as fragilidades dos ambientes ou ecossis- temas naturais e, de outro, os anseios e as neces- sidades emergentes da sociedade. 2, PLANEJAMENTO E GESTAO AMBIENTAL “Planejamento Estratégico”, “Planejamen- to Regional”, “Planejamento Fisico-Territorial”, “Planejamento Ambiental” so expressdes que, com freqliéncia, se misturam, fazendo parte de ‘uma ret6rica comum entre politicos, administra- dores piblicos e técnicos, permanecendo, em ge~ ral, mais como intenedes de propostas ou proje- tos de discutida eficécia. O pais jé viveu uma fase de planejamento estratégico e planejamento re- gional, principalmente para o desenvolvimento econdmico, via aceleragao da industrializacio e sua derrocada coincidiu com a desestabilizacao da economia mundial, com reflexos na economia Revista do Departamento de Geografia n. 12, p. 89-121, 1998 brasileira no inicio da década de 80, e o fim dos governos autoritérios e centralizadores no Brasil. Durante a longa transicao para a democracia, a figura institucional do Planejamento praticamente desapareceu, dando lugar a aces desarticuladas e extremamente setorizadas dos organismos de estado. Diante da fragilidade das instituicdes piiblicas em exercer fungdes calcadas em planos de aco claramente definidos por uma politica nacional, ampliou-se o espaco para um forte dis- curso proselitista e préticas extremamente fisio- logicas e imediatistas. A adocao do planejamento como instru- mento de govemno consolidou-se tanto nos paf- ses comunistas, quanto nos pafses de economia de mercado, sobretudo apés a Segunda Guerra Mundial. Nos paises de economia periférica, 0 desenvolvimento econdmico bascado na indus- trializacdo exigiu a presenca do Estado e seu ins- trumento bésico foi o planejamento. No Brasil, prevaleceu una proposta de inudernizayao con- servadora que teve inicio no primeiro governo de ‘Vargas, principalmente durante o Estado Novo. ‘A fundacao do IBGE - Instituto Brasileiro de Geo- grafia e Estatistica © a “Marcha para Oeste”, a criagdo do CNP - Conseho Nacional do Petré- leo, de onde nasceu a PETROBRAS, prenuncia- vam 0 desejo explicito do Estado em gerar ins- trumentos de intervencdo planejada, embora ain- dando se configurassem em agbes especificamen- te de planejamento (Moraes, 1994). Ainda de acor- do com Moraes. (op. cit.) 0 pri esboco de plano intersetorial, alinhavando diferentes areas do Estado, vai aparecer com o Plarto Salt, no se- gundo governo de Vargas, a0 propor acdes nas reas da satide, alimentagao e transportes. Plano de Metas orientou 0 governo de Juscelino Kubistchek, mas também nao se con- substanciou em um efetivo planejamento integra- do, pautando-se basicamente pelo incremento de 95, uma politica de desenvolvimento industrial ba- seada na importacdo de tecnologias ¢ capitais ¢ na interiorizagio do desenvolvimento, com poli- ticas de desenvolvimento regional. Foi criada a SUDENE - Superintendéncia de Desenvol- vimento do Nordeste, conseguiu-se a instalaco transferéncia da capital federal para 0 centro- este ea implantacao de uma rede vidria de inte- gragio regional (Belém-Brasilia, Rio-Bahia).O Pla- no de Metas procurou abranger cinco setores, a saber, energia, transportes, alimentagio, indis- trias de base e educacao, aplicando-se, ali, os con- ceitos de “ponto de estrangulamento” e “ponto de germinacao”. O conceito de ponto de estran- gulamento caracterizou-se pela constatacao de que certas areas de demanda insatisfeita estran- gulavam a economia e, portanto, justificavam asicamente o planejamento dos setores de ener~ gia, transporte e alimentacao. Esta percepsio fora apontada pela Comissao Mista Brasil-EUA, que procurou mostrar os desequilibrios do desenvol- ‘vimento econdmico, enfatizando a questao da demanda porinfra-estrutura. O desenvolvimento do pais s6 poderia alcancar éxito se esas deman- das fossem atendidas, Dat o conceito de ponto de germinacdo, também elaborado pela Comissao Mista, tendo como pressuposto que os investi- mentos na Area de infra-estrutura como rodovi- as, hidrelétricas, inddstrias de base seriam os germinadores do processo de desenvolvimento dos demais setores da economia. Para tanto, criou- se uma série de instrumentos gerenciadores e de natureza executiva como os Grupos Executivos dos Setores da Indistria Automobilistica, da Construcéo Naval, da Industria Quimica que, a0 lado de outro importante instrumento de Aco, 0 BNDES ~ Banco Nacional de Desenvolvimento Econdmico ¢ Social, estabeleceu os mecanismos de implementacao dos investimentos priorizados. ‘Apesar de nao se caracterizar como um proceso 96 ROSS, Jurandyr L. Sanches e DEL PRETTE, Marcos Estevan. Recursos hiricos eas bacias.. de planejamento com previsao de agdes de curto, médio e longo prazos, o Plano de Metas foi um sucesso econ6mico, dando vigoroso impulso ao desenvolvimento brasileiro. A primeira tentativa de planejamento inte- grado surge no governo de Jogo Goulart com 0 Piano Trienal de Desenvolvimento Econémico e Social. O referido plano tinha como objetivo defi- nir um caminho para o planejamento, conforme citagio de Macedo (1970), extrafda de documen- to oficial: “.,.No planejamento como na cartogra- fia, o mais pratico é iniciar o trabalho com uma escala pequena, capaz de proporcionar facilmen- te uma visio de conjunto. Esta viséo , que permi terelacionar os problemas em fungao de sua com- plexidade, de forma que a solugao de um venha a facilitara dos demais. O que se objetiva de ime- diato com 0 planejamento no Brasil , essa hierar- quizagio de problemas a fim de criar condicdes para que , dentro de uns poucos anos, possam, ser introduzidas técnicas mais eficazes de coor- denagio das decisdes. Trata-se, portanto, de um esforco de transigéo, em busca de um conheci- mento mais sistematico da realidade econémica e de uma maior eficitncia na capacidade de deci- sfo. Alcancados esses objetivos, sera entio posst- vel dar maior profundidade ... aco de planeja- mento”, Face as permanentes crises politicas vi- vidas no governo Goulart, nao foi possivel avan- car no processo de planejamento, conforme Macedo (op. cit.) ..”Plano Trienal nao alcangou scus objetivos de promover o desenvolvimento e vencer a inflacao”. E, citando Vuscovic (1962), conclui afirmando que “...o Planejamento nao é um esforco periédico que se traduz num plano para um determinado namero de anos, sendo um processo continuo, que requer adaptagdes e cor- regGes freqiientes para ter em conta as modifica Ges de toda a ordem com relacao as condicbes iniciais, como também para ir incorporando as experiéncias que o proprio proceso de planeja- mento vai oferecendo”. O primeiro governo da era militar imple mentou o PAEG - Plano de Acdo Econémica do Governo, tendo como objetivo primeiro conter a “elevada” taxa de inflacdo ¢ recolocar 0 pais na rota do desenvolvimento econdmico. Trés politi- cas foram adotadas: crédito ao governo; crédito ao setor privado; politica salarial, com a estraté- gia de cortar toda demanda que excedesse o nf- vel de oferta a pleno emprego. A politica de cré- dito ao governo foi realizada com reforma fiscal ecolocacao no mercado de capitais a juros atrati- vos de titulos da divida publica. Em relagdo & politica de crédito ao setor privado, ficou estabe- lecido ques elevacao do crédito seria compativel com onivel de crescimento do Produto Nacional Bruto, enquanto que na politica salarial, foram adotados reajustes que possibilitassem manter a média dos salrios reais dos dois iltimos anos. Estava implicito no plano que, uma vez.contidaa inflagdo, 0 crescimento econdmico seria automa- ticamente retomado. O plano conteve a inflacéo, corrigit: salérios, estabilizou a economia, mas paralisou o desenvolvimento econémico por trés anos, de acordo com Martone (1970). Seguiu-se a esse plano 0 PED ~ Plano Es- tratégico de Desenvolvimento no governo Costa Silva, Nesta fase, duas questdes foram conside- radas basicas: adotar politica de elevagao de de- manda e liquidez eacdo conjunta de reducao gra- dual da taxa de inflacao; e, em segundo lugar, retracio do poder piblico no sctor de producao, mantendo-se investimentos nos setores estraté- gicos. Seguiram-se ao PED as trés versdes do PND-Plano Nacional de Desenvolvimento, a par- tir de 1970, e que perdurow até inicio da década de 80. A fase do milagre brasileiro se consubstan- ciou no grande afluxo de capitais ¢ tecnologias externos. Os PNDs contemplavam tanto diretri- Revista do Departamento de Geografia n. 12, p. 89-121, 1998 zes de ordenamento territorial, quanto a implan- tacio/expansio dos investimentos em infra-es- trutura (indiistrias de base, rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, hidrelétricas, energia nucle- ar, pesquisa mineral, levantamento dos recursos naturais, entre outros). Simultaneamente, procu- rou-se ao longo da década de 70 implementar 0 desenvolvimento regional e urbano. Nesta fase, surgem os programas de incentivos fiscais e cam- biais para o desenvolvimento das regides mais subdesenvolvidas, como o Nordeste brasileiro, € promove-se a expansio da fronteira agricola para as regides centro-este e sul da Amaz6nia, atra- vés de programas de desenvolvimento calcados na implantagao de micleos de colonizagao ao lon- g0 dos eixos rodovidrios recém-instalados. Desen- volvem-se agdes integradas entre os setores de transporte, desenvolvimento regional, agricultu- ra, destacando-se a presenca institucional do INCRA - Instituto Nacional de Colonizagao e Re- forma Agraria, ¢ das Superintendéncias de De- senvolvimento Regional - SUDAM - Superinten- déncia de Desenvolvimento da Amazonia, SUDECO - Superintendéncia de Desenvol- vimento do Centro-Oeste, SUDENE em articula- so com 0 PIN ~ Plano de Integragio Nacional. ‘Também foram criadas as Regides Metropolita- nas, desenvolvendo-se instituigdes publicas esta- duais com 0 objetivo de implementar o “planeja- mento urbano” nas areas de grande adensamen- to demografico urbano, como Sao Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Sal- vador, estendendo-se posteriormente para outros centros urbanos. No Ambito da agricultura ¢ pe- cudria, houve um grande fomento aos investi- mentos no setor industrial, ligados @ produto de insumos agricolas como adubos, inseticidas ¢ ‘equipamentos dos mais diversos. Investiu-se tam- bém no setor produtivo agricola, com abertura de linhas de crédito do Banco do Brasil e bancos 97 privades, financiando produgio, estocagem, transporte ¢ industrializagio. © resultado dese conjunto de planos de desenvolvimento econémico redundou em uma mudanga total do perfil sécio-econdmico brasi- leiro, gerando seqiiclas de dificil solugao. Nao houve ao longo de todo esse tempo preocupagio de vulto com as questdes de natureza social, a no ser aquelas ligadas 4 construgao de escolas e hos- pitais. A estratégia de abrir novas frentes de co- Tonizacao no centro-oeste e Amazénia, para des- comprimira pressio social gerada pela liberagéo da mao de obra rural do sul-sudeste coma meca- nizaco e pelo excedente cronico de mao de obra nao qualificada do nordeste, n&o foi suficiente para impedir a explosao do crescimento popula- cional urbano. © Brasil passou de 70,1 milhoes de habitantes, em 1960, com 54% na zona rural, para 146,1 milhdes em 1991, com 75% da popula- séo vivendo em cidades. Grande parcela desea populacdo passou a viver nas areas metropolita- nas ¢, somente na Grande Sao Paulo moram hoje 49% dos 31.1 milhdes de habitantes do Estado, enquanto na Regio Metropolitana de Recife, 40% do total da populacao do Estado de Pernambuco, na Grande Porto Alegre, 30% da populastio do Estado do Rio Grande do Sul, o mesmo ocorren- do em Fortaleza, Belo Horizonte, Salvador, Rio de Janeiro. O modelo de desenvolvimento econdmico adotado no Brasil promoveu o crescimento eco- némico, ampliou a faixa da classe média, chegou a colocar o pais entre as oito maiores economias do mundo, promovendo um relativo avanco tecnol6gico no setor produtivo. Por outro lado, gerou consequencias de extrema gravidade e de dificil resolugao, dentre os quais pode-se citar 0 crescimento acelerado e desordenado das cida- des, fruto dos fluxos migratorios inter-regionais ¢ do éxodo rural; a répida urbanizacao de popu- 98 ROSS, Jurandyr L, Sanches e DEL PRETTE, Marcos Estevan. Recursos hiricos eas bas. ago de procedéncia rural, sem preparo profis- sional para exercer atividades urbanas; a grande marginalidade social, com perda das raizes culturais e familiares, compondo a volumosa por- g40 dos excluidos da economia de mercado; as grandes distorcdes nos servigos ptiblicos es- senciais, destacando-se as deficiéncias no setor de satide piiblica, educacao basica, transporte cole- tivo, habitac&o popular; o agravamento progres- sivo da qualidade ambiental em duas frentes cla- ramente definidas:nas areas de expansio da fron- teira agricola e mineral (Amaz6nia e centro-oes- te) enas grandes concentracées urban. Em resumo, o desenvolvimento econémi- co brasileiro das diltimas décadas, baseado exclu- sivamente em um proceso de planejamento eco- némico, teve como saldo positivo 0 crescimento econémico ¢ tecnolégico do pais, mas com efei- tos perversos no campo social e ambiental, colo- cando a margem da economia de mercado gran- de parcela da populacio, ¢ intensificando os pro- cessos de degradaao ambiental nas Areas urba- nase rurais. Apesar desse panorama, tem havido uma certa ampliaco no nivel de consciéneia da popu- lacdo e, sobretudo, dos administradores piiblicos sobre a necessidade de um maior cuidado com as questdes ambientais. Isto ocorre, em um primei- 10 momento, em relagao aos ptejuzos causados & economia a curto, médio e longo prazos e aos danos & satide, freqiientemente de efeitos imedi- atos. Diante disto, tem-se verificado nos tiltimos anos um crescimento acentuado de instituigdes piiblicas federais, estaduais e municipais, bem ‘como uma avalanche de leis, estabelecidas quase sempre por presses de setores organizados da sociedade civil ou, entéo, por recomendagbes de organismos internacionais de financiamento. Sob © aspecto juridico-institucional, pode-se afirmar que 0 Brasil dispde de legislacao ambiental com- pardvel aos paises do primeiro mundo e de insti- tuigdes puiblicas de gestao ambiental que seguem os modelos internacionais. Além disso, nossas elites politicas e administradores ptiblicos possu- em um discurso que enaltece, valoriza ¢ promo- veas aces ambientais. Como tudo isso na reali- dade, no dia a dia, se converte em ages efetivas, préticas? ‘As questées ambientais tém sido tratadas de forma setorial e desvinculadas das questoes sociais e econémicas, A simples existéncia da le- gislagdo ambiental e dos rgaios de gesttio ambien- tal nao garante a obeditncia ea preservacdo. As reas sob protecao legal, as tertas ptiblicas, os ter- renos privados tombados como patriménios na- turais sao freqtentemente invadidos e ocupados por grupos com grandes interesses econdmicos ou populagées de baixa renda que, sem alternati- vas de onde morar, acabam transformando areas de preservagio ambiental em locais de moradias clandestinas de péssima qualidade. Assim, éreas de preservacéo permanente como os mangues, 0s morros revestidos pela Mata Atlantica, 05 Parques Estaduais ¢ Federais, as Reservas Ecolégicas, so alvo de invasdes de especuladores imobiliarios ou de familias sem moradia e sem terra. Do mesmo modo, a aplicacao pura ¢ sim- ples da Resolucdo CONAMA, referente aos EIAs- RIMAs, ndo garante em nada, ou quase nada, a preservacao e ou conservacio da natureza c da qualidade ambiental. Se, por um lado, encontram- se populagées miseraveis, para as quais a legisla- cao dificilmente se aplica, uma vez que ja estao totalmente penalizadas pelas privagies por que passam enada mais tema perder, por outro lado, esto os grandes investidores, que se interessam por expandir suas atividades econémicas, para 05 quais as legislacoes ambientais costumam atra- palhara livre iniciativa. Surge daf uma outra rea- lidade, ja bastante institucionalizada por todo 0 Revista do Departamento de Geografia n. 12, p. 89-121, 1998 ‘pais, em que alternativas para-legais serve para resolver os entraves t6cnico-burocraticos, acaban- do por facilitar ocupagdes inapropriadas, bem como o desenvolvimento de atividades econdmi- cas com manejos nem sempre adequados aos re- cursos naturais. Em fungao dessas caracteristicas do pla- nejamento ¢ da gestéo ambiental brasileira, tor- na-se absolutamente necesséria a adogio de uma politica nacional de planejamento ambiental que se projete para os estados ¢ municfpios. Neste sentido, manifesta-se 0 ex-Secretério do Meio Ambiente do Estado de Sao Paulo, Edis Milaré (1995), cbservando que”... planejamento ambien- tal, isolado do planejamento econdmico e social, 6 izreal. O meio ambiente 6 um bem essencial- mente difuso e engloba todos os recursos natu- rais: aguas doces, salobras, salinas, superficiais, subterréncas; a atmosfera, 0 solo, 0 subsolo e as riquezas que encerram, bem comoa faunaea flora e suas relacdes entre si ecom os homens. Por isso mesmo, o planejamento do uso desses recursos deve considerar todos os aspectos envolvidos: 0s, econémicos, os sociais ¢ 0s ambientais. Nao é pos- stvel planejar o uso de qualquer desses recursos apenas sob o prisma econdmico-social ou somente sob o aspecto da protesao ambiental. Ora, esse planejamento integrado das politicas pablicas: da nao existe no Brasil, mercé da excessiva setorizacdo ¢ verticalizacdo dos diferentes Minis- térios. A isso actescenta-se a inexisténcia de efe- tivas definigdes politicas por parte dos Partidos Politicos ¢ dos Governos, em geral”. Neste senti- do, cabe observar algumas conclusdes a que che- garam Moroz, Canil & Ross (1994) ao desenvol- verem um projeto de pesquisa nas areas de pro- tego aos Mananciais da Regiao Metropolitana de Sao Paulo: "....a Lei de Protegao aos Mananciais foi criada para gerir a relago entre 0 uso do solo ca garantia da qualidade das Aguas para o abas- 2 tecimento piiblico, além de exercer fungdes modeladoras do crescimento metropolitano” (.) ..Contrapde-se aos preceitos preservacionistas, a pressdo exercida pela expansdo urbana, através do aumento da populacao e da especulagao imo- bilidria”. (..) A Lei, por si s6, normalmente nao traz os resultados esperados, é necessaria a cria- go de mecanismos implementadores ¢ estimu- ladores que extrapolam a mera existéncia da lei Os ideais de preservacao ambiental com justia social devem ser compativeis com o desenvol- vimento urbano. Neste sentido, o planejamento (regional ¢ local) baseado na potencialidade do ambiente natural e s6cio-econémico assume im- portancia fundamental na ordenacdo do espaco territorial, no aproveitamento dos recursos hfdri- cos e sua exeqiiibilidade sera maior e melhor des- de que os planos sejam frutos da integragao de conhecimentos ¢ interesses de todas as forgas atu- antes na sociedade’”...(..) Em sintese, os proble- mas ambientais ¢ sociais existentes nas areas de protecdo aos mananciais refletem, de um lado, a incapacidade do poder pitblico de fazer cumprir aleie, de outro, o fato de que onde prevalece um elevado estado de miséria, as questdes de mora- dia e desobrevivencia falam mais alto”. (..) "Nao resoive absolutamente nada a existéncia de mag- nificas leis e normas de uso do solo urbano, quan- do além de problemas ambientais, uma grande parte da populago enfrenta o grande problema de conseguir um lugar para morar ¢ um modo. qualquer para continuar a existir” As questdes que tocam diretamente ao de- senyolvimento também interferem nas questées ambientais. De acordo com Jécomo (1994), a Co- missdo Mundial das Nacdes Unidas para o Meio Ambiente formulou, em 1987, 0 relatério deno- minado Nosso Futuro Comum, introduzindo ¢ definindo o conceito de “Desenvolvimento Sus- tentavel”. De modo geral, este conceito aponta 100 ROSS, Jurandyr L. Sanches e DEL PRETTE, Marcos Estevan. Recursos hidricos eas bacas, como pressuposto a satisfacao das necessidades da geragao atual, sem comprometer a capacida- de das geracdes futuras de sobrevivéncia e satis- facdo de suas necessidades. ‘A Conferéncia do Rio 92, sobre meio am- biente e desenvolvimento, tratou de problemas ambientais globais, destacando-se as questdes sobre a camada de ozOnio, mudangas climaticas globais, protecgo dos mares ¢ das Aguas em ge- ral, biodiversidade, efeito estufa, Dentre as preo- cupagdes dos patses latino-americanos, os proble- mas felativos a etosio dos solos, protegio aos bosques, desertificacdo, poluicéo dos aglomera- dos urbanos foram ressaitadas. Colocou-se em evidéncia, mais uma vez, a tese do Desenvol- vimento Sustentavel que, apesar do esforgo dos formadores de opiniao, nao conseguiu, ainda, fir- mar um denominador comum a respeito de sua implementacdo pratica. Para um enfoque mais “natuzalista’, pode ser interpretado como proces- sos de desenvolvimento em que prevalega a“na- tureza” sobre o “homem”, com destaque para ati- vidades extrativistas, pesca artesanal, pecudria extensiva em pastagens naturais, agricultura de espécies nativas, cultivos comerciais sem uso de agrot6xicos, etc. Para os mais “tecnicistas”, o de- senvolvimento sustentavel deve dar continuida- de ao processo de desenvolvimento econdmico e tecnol6gico atual, tomando-se algumas precau- «Ges com residuos industriais e domésticos, econ- servagao dos solos, das aguas e das matas.. Hé uma grande incerteza ainda sobre a melhor maneira de se aplicar o conceito de de- senvolvimento sustentavel, sugerido de maneira genérica nos documentos mencionados acima, ‘uma vez que interesses conflitantes tém utiliza- do aquela expressdo adaptando-a a seus objeti- vos espectficos. Entretanto, cabe enfatizar que 0 aptoveitamento mais racional possivel dos recur- sos naturais deve ter sempre como princfpio ba- sico 0 homem como ser social e agente econdmi- co, Nesta versao, o ambiental ¢ 0 econémico sao vistos como elementos de convivéncia possivel, desde que se adote progressivamente procedi- mentos tecnolgicos e cientificos que possibilitem utilizar os recursos naturais, reaproveitar os resi- duos ¢ transformar os atuais problemas ambien- tais em solucdes que visem a melhoria da quali- dade ambiental ¢ de vida da populacao. Nesta diregao, considera-se a capacidade de suporte de um determinado sistema ambiental (ecossistema) a uma ou diversas atividades produtivas de uma determinada sociedade. Assim, 0 processo de desenvolvimento social dever ser absolutamen- te compativel com as potencialidades dos recur- sos naturais, de um lado, com as fragilidades dos sistemas ambientais naturais, de outro, ¢ da po- tencialidade sécio-econdmica ¢ tecnolégica des- sa sociedade, Os érgos ambientais, tanto em nfvel fede- ral, quanto estadual, estio desenvolvendo traba- Ihos de pesquisa técnico-cientifica no sentido de implementar os ZEE - Zoneamento Ecolégico- Econdmico. Tais zoneamentos deverdo ser desen- volvidos para todo o pais em uma escala genéri- ca através da SAE-PR ~ Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidéncia da Reptiblica ¢, em escalas de maior detalhe, pelos Estados, através das Secretarias de Planejamento e de Meio Am- biente, Sua funcao basica consiste em servir de instrumento de gestio ambiental, base para 0 desenvolvimento sustentavel ¢, portanto, supor- te para o desenvolvimento estratégico, caleadona ordenagéo fisico-territorial, seguindo os princfpi- os basicos de valorizar as potencialidades e fra- gilidades dos sistemas ambientais naturais, de um, lado, eas potencialidades culturais, tecnolégicas eecondmicas da sociedade, de outro, Assim, con- forme se manifesta Pinheiro (1995) a respeito do desenvolvimento sustentavel: “Utilizando-se a Revista do Departamento de Geografia n. 12, p. 89-121, 1998 regido como padrao de intervencao para planeja- mento (no importando o seu tamanho fisico- territorial), deve-se ter em conta estudos acurados, que resultem na identificagio e avaliacdo das suas, caracteristicas fisico-bidticas e sécio-econdmicas, que respaldarao as condicionantes das atividades econdmicas pretendidas.” Para este autor, surgi- rho trés tipos de regio de intervencao: a) regides produtivas, capazes de assegurar a produtivida- de em nivel comercial ou de subsisténcia; b) re- gides desaconselhadas para usos produtivos, or apresentarem uma série de limitacdes a0 uso, carecendo de técnicas complexas de manejo ¢ in- vestimentos incompativeis com rendimentos ¢ prejuizos ambientais previstos; c) regides regula- das por legislagao especifica, incluindo as unida- des de conservacao, éreas de preservagio perma- nente, dreas indigenas e sitios de interesse hist6- rico, paisagistico ¢ cultural. E precisa, entrotanto, ressaltar que os pro- blemas de desenvolvimento econdmico com con- servagao e preservacao da natureza tém basica- mente dois grandes objetos de preocupacdo, quais sejam, as 4reas de grande concentragéo demo- gréfica urbana ( 4reas metropolitanas e pélos re- gionais de porte médio) e os sistemas ambientais naturais ameacados ou, pelo menos, agredidos pelas atividades agropectiaria, mineragio, desma- tamentos, pesca ecaca predatérias, entre as mais freqtientes em todo o territ6rio nacional. Pelo que foi exposto, pode-se concluir que ha uma forte tendéncia na implementagao de es- tratégias de desenvolvimento econdmico e social contemplando as questdes ambientais. E neces- séria, entretanto, a formulagao de uma politica de planejamento global, em que os zoneamentos sejam apenas instrumentos técnicos ¢ legais, a par- tir dos quais podem set formuladas as diretrizes gerais e as metas e agbes voltadas para preserva- do, conservacio e recuperacao ambiental, a se- 101 rem implementadas a curto, médio ¢ longo pra- zos. Para tanto, as agbes de monitoramento e con- trole das atividades produtivas, a fiscalizagzo ambiental com suporte na base legal, e o envolvi- mento efetivo das organizagbes da sociedade ci- vil e publica sao fundamentais. 3.BACIA HIDROGRAFICA: UNIDADE GEOGRAFICA DE PLANEJAMENTO A bacia hidrografica, quer seja ela de 1*,2°, 3* ou 4* ordens, constitui uma unidade natural, cujo elemento integrador esta representado pe- os leitos fluviais ou canais de drenagem natu- rais. A bacia hidrogréfica, embora se constitua em ‘um sistema natural cujo referencial 6a 4gua, nao. se torna automaticamente um tinico sistema am- iental, seja do ponto de vista natural, quando se Ievam em conta as demais componentes da natu- reza, como relevo, solos, subsolo, flora ¢ fauna, seja do ponto de vista social, quando se conside- ramas atividades econdmicas ¢ politico-adminis- trativas, Tanto os primeiros, quanto os segundos, guase nunca estio atreladosa esse referencial. De acordo com as observacdes de Ganzelli (1991), 08 estudos e os planos que objetivam a busca de solugées para os problemas relacionados aos recursos hidricos adotam a bacia hidrografica como unidade de planejamento e se limitam a apresentar propostas de caréter eminentemente técnicas. Entretanto, “...se considerarmos as ati- vidades econOmicas, sejam clas urbanas, indus triais ou agricolas, como as principais causado- ras das transformagées ambientais (...) a bacia hi- drografica nao deve jamais impor limites ao pla- nejamento e gestao dos recursos hfdricos, pois como se sabe, as atividades econémicas nao res- peitam, na maioria dos casos, os limites divisores de agua”. 102 Entretanto, diante da importéncia alcanga- da pelo recurso natural agua para nossa socieda- de industrial moderna, a bacia hidrogréfica passa a ser freqtientemente utilizada como referencia _geogréfico para adocao de praticas de plancjamen- to ou de manejo e aproveitamento de recursos na- turais, Dada a grande importincia da 4gua como vvia de circulagio para transporte, geragao de ener. gia elétrica, fonte de abastecimento urbano e it dustrial e caminho para diluicdo de efluentes do- miésticos e industriais, a bacia hidrogréfica tem se transformado em uma unidade bésica para pla- nejamento e gestdo ambiental. Assim, é cada vez mais comum tomar esse recurso natural como “an- cora” para, a partir dele, desencadear processos de desenvolvimento regional. Deste modo, tomando-se a Agua como ele- mento imprescindtvel para a indiistria (energia e matéria-prima) ¢ para a agricultura (irrigacao), foram formulados, nas décadas de 60 e 70, varios programas de desenvolvimento regional, calca- dos em bacias hidrogréficas como limite territorial de atuacdo. Por iniciativa dos governos estadu- ais e federal, iniciam-se, a partir de 1976, as pri- meiras tentativas e experiéncias de Gerenciamen- to de Bacias Hidrograficas limitadas & adminis- tracao piiblica (Assis, 1995). A primeira delas foi © Comité do Acordo entre 0 Ministério de Minas e Energia e 0 Governo do Estado de Sito Paulo, com atu- agao no Alto Tieté e Baixada Santista. Dentre os resultados, foram formuladas as aces integradas caadministragao de conflitos localizados, envol- vendo a operacao da Usina Hidrelétrica Henri Borden (Cubatao), a poluicéio da Represa Billings eo abastecimento de Agua para o complexo in- dustrial de Cubatao, Este Comité continua em atu acio, tendo como principal preocupacdo gerenciar conflitos dos miltiplos usos das aguas da Billings/ Alto Tiet@ e os problemas ambientais deles decorrentes. Outras experiéncias de geren- ROSS, Jurandyr L. Sanches e DEL PRETTE, Marcos Estevan. Recursos hidrics eas bacias, ciamento seguiram-se,a partir de 1979, coma par- ticipacdo dos governos federal ¢ estaduais atra- vés de Comités Executivos de Estudos Integrados de Bacias de Rios Federais, destacando-se entre estes as bacias dos rios Paraiba do Sul (S40 Paulo, Mi- nas Gerais ¢ Rio de Janeiro), Paranapanema (S40 Paulo, Parana), Grande (Sao Paulo e Minas Ge- rais), Ribeira do Iguape (Sao Paulo e Parana), Jaguari-Piracicaba (S40 Paulo ¢ Minas Gerais), Iguacu (Parand e Santa Catarina), ¢Sa0 Francisco (Minas Gerais, Bahia, Sergipe e Pernambuco). Disto, sfo exemplos proeminentes a SUDEVAP - Superintendéncia Regional para o De- senvotvimento da Bacia do Rio Paraiba do Sul © SUDEVALE - Superintendéncia Regional para o De- senvolvimento da Bacia do Rio Sio Francisco. Com perfis regionais bem diferenciados, tinham como objetivo a promosao do desenvolvimento com base na geragao de energia elétrica ena abundan- cia de gua para alimentar indlstrias ¢ promo- ver irrigacao. O desenvolvimento regional, tomando como referencial geogréfico as bacias hidrografi- cas, teve em seus primérdios (pelo menos uma década) uma preocupaco eminentemente econd- mica, pois estava inserido dentro das politicas de desenvolvimento planejadas nos governos mi tares. Seguindo as tendéncias mundiais e nacio- nais, a SUDEVAP acabou evoluindo para a for- macio, na segunda metade da década de 70, da CEEIVAP - Comissio Especial de Estudos Tntegra- dos da Bacia Hidrogrifica do Rio Paratba do Sul, cons- tituida por representantes dos Estados de Sao Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, parcial ¢ concomitantemente drenados pelos cursos d’ Agua da bacia. A formagdo dessa Comisséo deu origem ao primeiro Comité Especial de Estudos In- tegrados de Bacias Hidrogréficas -CEEIBH. Sua cri- acao foi calcada em alguns pressupostos em que “a forma de organizacdo do espaco fisico-territo- Revista do Departamento de Goografia n. 12, p. 89121, 1998 rial, sendo uma conseqtiéncia direta do modelo global de desenvolvimento sécio-econémico, tem refletido nao s6 os aspectos benéficos de eficién- cia alocativa desse processo, como também os efeitos negativos dos problemas macroeconémi- cos dele emergentes”. Ressalta-se que as maiores incidéncias desses problemas estdo nas 4reas Metropolitanas, “...onde a excessiva concentra- ‘cdo das atividades econémicas vem causando sé- ios problemas de congestionamento, deteriora- cdo do meio ambiente e deficiéncia de servigos basicos, em detrimento da qualidade de vida ¢ do equilfbrio social”. A bacia do rio Paraiba do Sul, com posicdo privilegiada, representada pela maior acessibilidade geografica a trés importan- tes centros regionais (Rio de Janeiro, Sa0 Paulo e Belo Horizonte), configura-se como 4rea recep- tora do extravasamento desses centros, assim como dos impactos ambientais gerados por sew crescimento desordenado”. Pela primeira vez, dentro dos programas de desenvolvimento regio- nal, surge a preocupacdo com a questo ambien- tal colocada lado a lado com 0 desenvolvimento econdmico. Também nesta fase, surge a preocu- pacdo com as acdes corretivas e preventivas nas questées ambientais. Sendo vejamos: “...0 trata- mento desses impactos ¢ dos problemas que Ihe séo inerentes tém merecido atengo especial do Poder Pablico, que se concretiza através de me- didas governamentais orientadas, principalmen- te, para acées corretivas, (..) num processo mais amplo de discussao sobre a importancia e neces- sidade de um desenvolvimento harménico com- patibilizado com a protecdo ambiental, surge a énfase as ages preventivas de combate a degra- dacao do meio ambiente, onde a incluso de me- didas de disciplinamento de uso do solo assume papel primordial” A importancia da criacdo do CEEIBH, ten- do como primeiro modelo 0 CEEIVAP, confirma 03 aadogio do enfoque de bacias hidrogréficas como Unidades de Planejamento Regional, mas princi- palmente a incorporagdo de uma viséo mais abrangente do conceito de protecio ambiental, ten- do como essencial 0 estabelecimento de diretri- zes para orientar aces corretivas e preventivas de combate a degradacao ambiental. O objetivo principal do CEEIVAP foi a proposicao de dire- trizes para um macrozoneamento do uso do solo na bacia, visando ao desenvolvimento harméi co, compatibilizado com a protecdo ambiental. Assim, 0 macrozoneamento da bacia do rio Paraiba do Sul faz recomendacdes de ordenamen- to espacial ou territorial para expansao urbana, para as atividades industriais, agropecudtias, de exploragao mineral e de preservagtio ambiental. © macrozoneamento estabelece um “cendrio prospective de organizacao do uso do solo na Bacia”, levando-se em conta as reais potenciali- dades da area, representadas pelos fatores indutores e restritivos ocupacdo, em que a va- rigvel ambiental configurou-se como definidora das diretrizes propostas. O diagnéstico chegou a0 conhecimento do cenério atual, enquanto 0 macrozoneamento estabeleceu o cendrio desejé- vel, traduzindo-se por diretrizes de localizagao das atividades industriais, agropecuatrias, explo- racio mineral ¢ de preservacao ambiental, que incorporam-se, como recomendacdes, na formu- lacdo da legislagao de protecao aos mananciais ¢ uso do solo da bacia. Para o desenvolvimento do projeto, foram adotados, por princfpio, em termos macro- ocacionais, os conceitos de reas crfticas, poten- cialmente criticas e dreas néo saturadas, levando-se em conta as seguintes varidveis de andlise am- biental: = grau de comprometimento, quantitativo equa- litativo dos recursos hidricos; 108 ROSS, Jurandys L, Sanches e DEL PRETTE, Marcos Estevan. Recursos hfdrieos eas bacias.. = vazbes criticas das diferentes seqdes da bacia; = pontos de captaciio para uso doméstico, no cur- soda agua principal; = vulnerabilidade quanto a contaminacdo e po- luigi dos cursos 4” Agua por agroquimicos; = grau de comprometimento da qualidade dore- curso ar; ~ existencia de dreas verdes institucionais ou grandes reas de vegetacao; = cxisténcia de éreas com ocomréncia de proces- 808 erosivos ¢ ou de assoreamento dos cursos ” égua e reservatbrios; = vulnerabilidade ecologica das areas serranas; = posicao relativa, no conjunto da bacia, de cada seco considerada, Foram analisados, também, os diferentes niveis de desenvolvimento econdmico a luz do crescimento populacional e dos mecanismos indutores de crescimento econdmico, bem como suas possiveis conseqténcias sobre a ‘ocupagao do solo eo meio ambiente. Definiu- seo quadro de criticidade ambiental da bacia, tendo como parametro a andlise das condigoes ambientais, tendéncias de desenvolvimento somadas as potencialidades atuais. Essa criticidade foi classificada em diferentes cate- gorias tais como: dreas frigeis, reas de alta criticidade, dreas de média criticidade, dreas de bai- xa criticidade, dreas tampa. Essas categorias, espacializadas no territé- rio da bacia, serviram de base para o estabeleci- mento do macrozoneamento ¢ a definigao das diretrizes especificas como, por exemplo, a loca- lizado dos tipos de induistrias em fungao de seu potencial poluidor. Chegou-se ao macrozonea- mento a partir dos pardmetros e varidveis anali- sados, definindo-se categorias de uso do soto, in- dicando os usos preferenciais para cada uma das unidades indicadas, conforme segue: = rea Urbana e de expansao Urbana; = rea Industrial; = fea Agricola; ~ Area Agricola e de Pecuaria; ~ area de Reflorestamento e Preservasai = rea Especial (destinada & contengao da conur- basdio); ~ rea de Protecio aos Mananciais; = rea de Preservacio Permanente; = rea Institucional; ~ rea de Pecudria c Reflorestamento. Entretanto, o Contité da Bacia do Rio Parat- ba do Sul restringiu-se a formulagéo do macro- zoneamento, estabelecendo categorias de uso do solo, dando suporte para a formulagao de uma legislagdo que pudesse legalmente disciplinar 0 uso atual e futuro do solo do territ6rio da bacia, normatizando, inclusive, os tipos de inddstrias a serem locadas em fungo do seu potencial po- Iuidor. Adota, portanto, uma abordagem emi nentemente técnica de cardter restritivo, nao avangando para as questdes do Planejamento Regional no sentido mais global, considerando proposigOes para a promocao das diretrizes ou vetores de desenvolvimento da regiao. Outra caracteristica que marca este trabalho ¢ a postu- ra absolutamente dirigista, tecnocrata ¢ centra- lizadora das decisdes a screm adotadas a partir do macrozoneamento. Cabe, entretanto, ressaltar que, apesar de tratar-se de um trabalho desenvolvido sob a égide de um comité de bacia hidrografica, os estudos e prognésticos nao se limitaram as ques- tes meramente hidricas, havendo uma preocu- pacdo clara com o estabelecimento de critérios técnicos como suporte para o desenvolvimento da regido, com énfase na preservacao ambiental de modo global. Como ressalta Assis (1995), “a cexperiéncia foi positiva pela difusao da cultura Revisia do Departamento de Geografia n. 12, p. 89121, 1998 do gerenciamento de bacia no meio técnico, en- tretanto, de poucos resultados praticos. Dentre as limitagdes dessa estrutura, ressaltam-s colegiados consultivos sem poder de decisao; participagao quase restrita aos técnicos dos Es- tados ¢ da Unido; auséncia de estrutura para suporte técnico, administrativo e financeito; es- trutura informal com base legal frégil”. Seguindo a linha do estabelecimento de macrozoneamentos como instrumento de geren- ciamento ou gestao ambiental, a Secretaria de Es- tado do Meio Ambiente de Sao Paulo - SMA-SP de- senvolveu, no litoral sul do Estado, mais precisa- mente no Baixo Vale do rio Ribeira do Iguape - Regio Lagunar Iguape-Cananéia -, 0 primeiro Plano de Gerenciamento Ambiental, tendo como pressuposto a participagao da comunidade. De acordo com Filet (1991), desenvolveram-se nos anos de 1988/89 os estudos bésicos que se con- substanciaram nos insumos para o desenvol- vimento do macrozoneamento, elaborado na es- cala de 1:50.000. Apés a geracio de uma série de mapas tematicos, posteriormente cruzados, che- gou-se ao produto sintese do zoneamento am- biental. Nese zoneamento, foram definidas as unidades com usos previstos para agricultura, extrativismo, pesca, aqiicultura, turismo, mine- racdo, expansao urbana entre outros. Teve, en- tretanto, como diretriz geral, a introdugio, na re~ gio, de um processo de Desenvoluimento Susten- tavel estruturado em torno de um modelo deno- minado eco-luristico-pesqueiro. O macrozoneamento, gerado inicialmente apartir de estudos eminentemente técnicos, pas- sou a ser apresentado e discutido com a comu- nidade ¢ com os 6rgaos piiblicos atuantes na re- gido com 0 objetivo de formular uma minuta de Lei de Gerenciamento que melhor se ajustasse & realidade regional. Nesse sentido, a gestao deve ficar a cargo de um Colegiado composto a partir 05 de membros da comunidade organizada, execu- tivos municipais e érgdos estaduais e federais de atuacao regional, Tanto a montagem da ges- tao, quanto o plano de acao, so frutos do des- dobramento das discussdes ocorridas sobre a proposta de macrozoneamento em que so su- geridos programas e planos para promover as mudancas necessarias do perfil de desenvolvi- mento regional, prevendo-se que a Gestdo de- vera se concretizar através de Comité de Bacia Hidrogréfica ou Conselho de Desenvolvimento do Vale do Ribeira ou Consércio Intermumnicipal. De- pendendo de sua evolugao, poderé obter sua independéncia de acordo com o grau de ama- durecimento das organizagdes comunitarias ede seu efetivo engajamento no proceso de Gestao Ambiental. Embora nao se configure em gestao ambien- tal de bacia hidrografica, cabe observar o geren- ciamento costeire de $80 Paulo. Fm consonancia coma legislagao federal que instituiu 0 Plano Na- cional de Gerenciamento Costeiro em 1988, ¢ regido pela Constituicao Estadual ~ capftulo IV: do Meio Ambiente, dos Recursos Naturais e doSaneamen- to, - Art, 192 e 196, ~ Decreto da criagéo da SMA = SP art. 73 (Filet 1994), 0 GERCO-SP tem como objetivo basico: = estruturar um sistema de gerenciamento am- biental da Zona Costeira, articulandoa protecto dos ecossistemas costeiros com a promocao de melhoria de qualidade de vida de sua populacio, subsidiando 0 desenvolvimento sustentével da regio; = propor eimplementar 0 mactozoneamento cos- teiro; = elaborar ¢ implementar os planas de acio e ges- tao de forma integrada em nivel governamental com ativa participagdo da sociedade civil; ~ estruturar 0 banco de dados ambientais da Zona Costeira, para fins de planejamento e gerenciamento. 106 ROSS, Jurandyr L. Sanches e DEL PRETTE, Marcos Estevan. Recursos hiricos ¢ os bacias.. Apés a consecugao do macrozoneamento da regiio Lagunar no litoral sul (baixo vale do Ribeira), procedeu-se ac zoneamento de toda a faixa litoral do Estado de Sio Paulo, conceben- do-se 0 zoneamento ambiental come instrumen- to da Politica Ambiental para o ordenamento ffsico-territorial da atividade humana e como re- sultado de uma andlise ambiental interdisciplinar emultitemética, devendo-se configurar como sin- tese da legislagtio ambiental incidentena érea ou regifio de interesse, além de enquadrar suas uni- dades territoriais segundo suas caracteristicas ambientais, contemplando diretrizes e metas de desenvolvimento para cada regido ou 4rea (mu- nicfpio), procurando-se estabelecer uma relacao harménica entre 0 homem e o ambiente. Assit, 0 Zoneamento deve dar suporte aos planos dire- tores municipais, ao licenciamento e fiscalizaco. ambiental e aos planos setoriais e globais de de- senvolvimento, a0 manejo sustentado dos recur- 50s naturais e a articulacdo dos sistemas de re- cursos hidricos ¢ saneamento bisico. Ao completar-se os estudos para definigao doZoneamento Ambiental do Litoral Sul, adotou- sea estratégia do planejamento preventivo, consi- derando-se quea regio ainda se constitui por bai- xa densidade demografica e por grandes areas sob a égide de intimeras leis de protecao ambiental. Jé no caso do litoral norte, densamente ocupado com intensa atividade turistica e extremamente altera- do pela urbanizacao, adotou-se o planejamento corretivo, em que a énfase s6cio-econdmica foi maior para definir 0 zoneamento ambiental. Bus- cou-se, nesse proceso, maior interface com os po- deres municipais ¢ os setores da sociedade civil organizada, O resultado do zoneamento, discuti- doe pactuado com os principais agentes politicos intervenientes, aproximou-se de um Plano de De- senvolvimento Regional. Nesse trabalho de discus- so com a comunidade, embasado nos resultados dos levantamentos ¢ estudos técnicos, foi possivel contemplar questdes como: = regularizagdo do mercado fundiério, tendo como primeira medida 0 congelamento do proceso generalizado de loteamentos urbanos; = definigéo de um percentual dos lotes existentes (00 mil otes vagos para um total de 150 mil existen- tes) para relocagao de populasées instaladas em 4re- as de risco; = definigdo da instalagdo do retro-porto de Sao Sebastifo, no Planalto, ¢ construgto de uma linha fér- rea entre 0 retro-porto e o porto; = disciplinamento de construcéo de marinas; = desenvolvimento de um programa para am- pliar a rede hoteleira, Acxperiéncia do zoneamento ambiental do litoral de Sao Paulo mostra que, apesar da maior dificuldade de se gerenciar politicas ambientais com a participacao efetiva da sociedade civil, os resultados aleancados com a implantacao desta sistematica sdo mais eficientes, pois os conflitos vo sendo progressivamente resolvidos. Em um trabalho que se inicia com os estudos técnico-

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