Sei sulla pagina 1di 11

ESPINOSA: UM PEDAGOGO DA ALEGRIA?

Wanderley C. Oliveira
Departamento das Ciências da Educação - FUNREI

Spinoza

As translúcidas mãos do judeu Não o turba a fama, esse reflexo


lavram na penumbra os cristais de sonhos no sonho de outro espelho,
e a tarde que morre é medo e frio. nem o temeroso amor das donzelas.
(As tardes às tardes são iguais.) Livre da metáfora e do mito
As mãos e o espaço de jacinto lavra em árduo cristal: o infinito
que empalidece no confim do Gueto mapa Daquele que é todas suas estrelas.
quase não existem para o homem quieto (BORGES, Jorge L. Nova antologia pessoal. Rio de
que está sonhando um claro labirinto. Janeiro : Sabia, 1969. p. 35).

Resumo: Trata-se de uma pequena apresentação da obra, vida e filosofia de Espinosa, enfocando a
relação entre biografia e bibliografia, as teses que fizeram do espinosismo um escândalo para sua
época, a teoria das afecções e, sobretudo, os modos de vida, onde sugerimos a possibilidade de se
pensar a Ética espinoseana como uma verdadeira pedagogia da alegria.

Palavras-Chave: Alma. Desejo. Alegria. Tristeza.

Abstract: It is a small presentation of the work, life and philosophy of Espinosa, focusing the
relationship among biography and bibliography, the theses that did a scandal of Espinosa's ideas for
your time, the theory of the affections and, above all, the life manners, where we suggested the
possibility to think Espinosa's Ethics as a true pedagogy of the happiness.

Key word: Soul. Desire. Happiness. Sadness.

Introdução
ntes de passarmos para a

A aspectos
apresentação de alguns
do
de Espinosa, o filósofo,
pensamento
sugerimos
duplamente interessante. Primeiro,
porque percebemos que a vida deste
filósofo foi animada pelo mesmo
espírito que engendrou sua filosofia.
apresentar, o primeiro,a vida de Segundo, porque, em Espinosa,
Espinosa, o homem. Pois, se é teremos esta íntima cumplicidade do
verdade que a arte se engendra na pensamento e da vida, na qual, o
vida, também é possível pensar que a pensamento, mais que interessantes
vida, encantada com sua criação, investigações teóricas, sugere ao
tenda a imitar a arte. Deste ponto de homem ocidental uma verdadeira arte
vista, a biografia de Espinosa torna-se de viver.
Dando por suficiente estes motivos,
passemos à biografia de Espinosa,

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/publicações/ Μετανόια>


Μετανόια, São João del-Rei, n. 2, p. 45-55, jul. 2000
46 OLIVEI.RA. Wanderley C.. Espinosa: um Pedagogo da Alegria?

para a qual nos servimos de Delbos doutrinas teológicas. O pai de


(1925), Deleuze (1981) e Verneaux Espinosa, comerciante, queria o filho
(1963). no negócio da família, para o qual
Espinosa não tinha qualquer afeição.
1. Espinosa: vida e obra Assim, desejoso de prosseguir seus
1.1. O nascimento, a família, os estudos
estudos, Espinosa optou pelo rabinato.
e a ruptura com a comunidade judaica. No período de preparação para o
Espinosa nasceu num bairro judeu de rabinato, Espinosa aprendeu hebraico,
Amsterdã no dia 24 de novembro de tomou contato com os comentários
1632. Sua família, judeus de origem clássicos da Bíblia, o Talmud, a
espanhola, após se tornar suspeita de Cabala, a filosofia judaica medieval, a
guardar a fé judaica, mesmo tendo-a literatura clássica e a nova filosofia (o
abjurado publicamente para serem cartesianismo). Além de aprender latim
aceitos na Espanha, para escapar da e hebraico e estudar matemática,
perseguição religiosa e praticar sua fé, física, mecânica, astronomia e outras
deixa este país. ciências da natureza. Aos 22 anos,
Espinosa já era homem de um saber
O pai de Espinosa, Miguel de bastante variado.
Espinosa, foi para Portugal e se
instalou em Figueira, perto de Absorvido por seus estudos e
Coimbra, casando-se, aí, pela terceira reflexões, Espinosa foi se distanciando
vez, com Ester, parente vinda de da fé judaica, deixando de observar as
Lisboa. A outra parte da família foi complicadas práticas do judaísmo e de
para França. Contudo tanto em França freqüentar a sinagoga. Tal afasta-
quanto em Portugal, países extrema- mento do judaísmo se fez cada vez
mente católicos, a situação dos judeus mais visível para a comunidade
emigrados não era boa. judaica. Assim, para salvar as
aparências, os rabinos, após muito
Assim, a família reuniu-se, novamente, ameaçar Espinosa, contudo, sem obter
em Amsterdã, na Holanda, onde, resultados, ofereceram-lhe uma
apesar do calvinismo dominante, havia "pensão" para que se mantivesse, pelo
suficiente liberdade religiosa para os menos, na postura exterior de um
judeus. A mãe de Espinosa, Ana crente. Espinosa execrou este contrato
Débora, morreu quando ele tinha hipócrita.
apenas seis anos (1638). Dos seis
filhos de Miguel de Espinosa, quatro Como as ameaças eram infrutíferas,
morreram prematuramente,sobrevi- os rabinos decidiram mover contra
vendo apenas Espinosa e Rebeka, Espinosa a máquina da jurisdição
filha do primeiro casamento. eclesiástica judaica. Submeteram o
filósofo a um interrogatório e concluí-
Espinosa realizou seus estudos ram que, além de não acreditar mais
primários na escola judaica de na religião judaica, Espinosa havia
Amsterdã, da qual saiu em 1650. infringido diversas prescrições de
Nesta escola familiarizou-se, quase Moisés.
que exclusivamente, com uma
literatura repleta de idéias religiosas e Propuseram, assim, a Espinosa que

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/publicações/ Μετανόια >


Μετανόια, São João del-Rei, n. 2, p.45-55, jul. 2000
OLIVEI.RA. Wanderley C.. Espinosa: um Pedagogo da Alegria? 47

ele se "reconvertesse" ao judaísmo e anti-clericais.


como ele não se dispôs a isto, deram-
lhe a excomunhão menor, ou seja, Por ter sido excomungado, Espinosa
Espinosa deveria ficar trinta dias fora não podia receber a herança do pai,
da comunidade judaica, para refletir falecido em 1654. Assim, para
suas atitudes. Expirou o tempo e sobreviver, tornou-se polidor de lentes,
Espinosa voltou com as mesmas o que favoreceu seu contato com
disposições de inteligência e de intelectuais da época.
vontade e, mais que isto, com um texto
onde ele procurava mostrar o caráter Em Leyde, Espinosa começou,
extremamente antropológico do Antigo efetivamente, a escrever. Em 1660,
Testamento. expôs aos amigos de Riynsburg o
"Breve Tratado" que, do latim, foi
Diante da impertinência do jovem traduzido para o holandês por um
filósofo, só restou aos rabinos dar a ele amigo de Espinosa. No ano seguinte
a excomunhão maior. Assim, no dia 27 começou o "Tratado da Reforma do
de julho de 1656, o jovem Baruch de Entendimento" que ficou inacabado.
Espinosa, com 24 anos incompletos, Por volta de 1663 redigiu os "Princípios
na sinagoga de Amsterdã, diante de da Filosofia de Descartes" acrescen-
toda a comunidade, foi, solenemente, tando os "Pensamentos Metafísicos",
excomungado. Contam que o mestre este trabalho foi publicado por seus
de cerimônia apagou as luzes da amigos.
sinagoga e disse a Espinosa: "Você
vai ficar assim, no escuro". Não sabia Neste ínterim, Espinosa já havia se
ele que Espinosa já se guiava por sua mudado para Riynsburg. Sua estadia
própria estrela. em Riynsburg foi importante para o
avanço de suas idéias. Nesta cidade,
ele redigiu ainda o essencial do
Retirando-se da cidade, Espinosa
primeiro livro da “Ética”.
ficou poucos meses em seu exílio. Ele
retornou a Amsterdã onde ficou até o Como sempre, morando em pensões,
começo de 1660, quando decidiu se Espinosa se instalou, em seguida, em
mudar para Leyde, arredores de Voosburg, perto de Haia, importante
Riynsburg, após ter sido vítima de um centro político na época. Em Voosburg
atentado a faca por parte de um prosseguiu a redação da “Ética”,
fanático religioso enquanto participava, projeto desde 1661, e tornou-se amigo
com sua família, de uma procissão do grande pensionário Jean de Witt,
religiosa. que lhe ofereceu uma pensão de 200
florins para que continuasse seus
1.2 As mudanças, os escritos, os
amigos e a morte. estudos. Em Riynsburg seus amigos e
discípulos haviam formado um "grupo
Em Leyde, Espinosa prosseguiu seus de estudo" para sua doutrina.
estudos de filosofia, que não havia Espinosa contava com 31 anos de
interrompido em Amsterdã, aí idade.
reencontrou também antigos conheci-
dos, na sua maioria, cristãos liberais e Jean de Witt, eminente político

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/publicações/ Μετανόια >


Μετανόια, São João del-Rei, n. 2, p.45-55, jul. 2000
48 OLIVEI.RA. Wanderley C.. Espinosa: um Pedagogo da Alegria?

republicano, combatia o espírito de (1669), por ser acusado de espinosis-


dominação da igreja calvinista e era mo em seu dicionário de filosofia,
oposição aos orangistas, partidários da morreu na prisão. Se Espinosa não
formação de um estado forte e teve a mesma sorte ou pior (seu antigo
centralizado, que eram apoiados pelos mestre, ex-jesuíta, em Amsterdã
calvinistas1. morreu enforcado) foi graças, talvez, à
sua fama e à sua amizade com De
Esta situação inspirou a Espinosa a Witt.
redação de um livro que tratasse das
relações da Igreja com o Estado. Por volta de 1672, a situação política
Surge, então, em 1670, sem o nome muda totalmente na Holanda.
do autor e numa falsa edição alemã, o Apoiados pela invasão francesa, os
livro maldito de Espinosa: O Tratado orangistas sobem ao poder e instigam
Teológico Político (sigla T.T.P): o povo contra os irmãos De Witt, que
1)explicando os princípios da constitui- são massacrados pela turba. A morte
ção do Estado, 2)defendendo a dos De Witt, tal como se deu, causou
liberdade de pensamento e viva comoção em Espinosa, que
3)propondo o problema da natureza da chegou, até mesmo, a preparar um
fé e das relações da teologia com a cartaz no qual chamava os habitantes
razão. Logo descobriram que o T.T.P de Haia de "os últimos bárbaros". Este
era obra de Espinosa. Poucos livros na cartaz, Espinosa pretendia afixá-lo no
história da filosofia suscitaram tantas lugar onde os De Witt foram assassi-
refutações, insultos e maldições como nados. O amigo e dono da pensão
o T.T.P. onde ele se hospedava o dissuadiu
desta manifestação imprudente.
Nesta época, de tempos fechados Espinosa se encontrava desprotegido
para Espinosa, ele se transferiu para e silenciado. A Ética, seu livro mais
uma outra pensão em Haia, talvez importante, já estava terminado,
para não se expor a maiores perigos e porém, não podia ser publicado; visto
ficar mais diretamente sobre a que, facilmente, seus opositores
proteção de Jean de Witt. poderiam se queixar diretamente dele
com o príncipe e com os magistrados
Depois do T.T.P., palavras como daquele governo. Muitos intelectuais
"espinosista" e "espinosismo" trans- desejosos de conhecer a “Ética”
formaram-se em injúrias. Koerbagh visitaram Espinosa. Por exemplo,
1
Leibniz em 1676.
A Holanda conquistou sua independência da
Espanha somente em 1648. Portanto, a Em 1673 ofereceram a Espinosa a
Holanda de Espinosa é um país que está em
cadeira de professor de filosofia em
processo de afirmação enquanto nação
independente e os orangistas são os principais
Heidelberg (onde 100 anos mais tarde
responsáveis pela importante frota holandesa, a Hegel lecionaria). Após muito refletir,
Companhia das Índias Ocidentais ou a Cia. de pois sua situação econômica não era
Orange, a mesma que invadiu a Bahia em 1624 boa, Espinosa recusou o convite
e Pernambuco em 1630. temendo comprometer sua liberdade
de pensamento.

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/publicações/ Μετανόια >


Μετανόια, São João del-Rei, n. 2, p.45-55, jul. 2000
OLIVEI.RA. Wanderley C.. Espinosa: um Pedagogo da Alegria? 49

Sem bens e doente, o pó-de-vidro que 2. As teses que fizeram do


inspirava ao polir lentes causou-lhe espinosismo um escândalo2
silicose, Espinosa começou a redigir o
"Tratado Político", que não terminou. 2.l A desvalorização da consciência em
prol do corpo. Espinosa: o materialista.
Iniciando o ano de 1677, Espinosa
adoeceu seriamente. Em 20 de O corpo é a nova matriz da reflexão
fevereiro, entreteu-se com Henri Van filosófica proposta aos filósofos por
der Spick e sua mulher, donos da Espinosa. Não se sabe o que um
pensão, fumou em sua piteira, como corpo pode, qual o seu poder e se fala
de costume. No dia seguinte, domingo, tanto do domínio da alma sobre ele.
não saiu do quarto. Van der Spick Neste caso, para Espinosa, tagarela-
chamou um médico, amigo de se o que não se sabe. Para ele, não
Espinosa, que ficou com ele, enquanto existe qualquer superioridade da alma
Van der Spick e sua mulher iam ao sobre o corpo e vice-versa. O que é
culto dominical do entardecer. Na ação no corpo é ação na alma e o que
presença de seu amigo médico, é paixão na alma é paixão no corpo.
Espinosa morreu na mais perfeita paz Não existe qualquer domínio de um
de espírito, como enfatiza alguns sobre o outro. Assim como temos
biógrafos. pensamentos que ultrapassam a
consciência que possuímos deles; da
Espinosa tinha 44 anos e menos de mesma forma, o corpo supera nosso
três meses de idade. Seus bens, conhecimento sobre ele. Paralelo ao
vendidos, mal deram para pagar o inconsciente do pensamento está, de
enterro. Sua mais preciosa proprieda- forma não menos profunda, o
de, seus escritos, foram recolhidos desconhecido do corpo. "O que pode
pelos amigos, que, contrariando a um corpo?" é uma questão em aberto
última determinação do filósofo, não os ainda hoje.
queimaram; pelo contrário, em 2.2 A desvalorização de todos os
novembro daquele mesmo ano, valores e sobretudo do bem e do mal
publicaram as Obras Póstumas de em prol do "bom" e do "mau".
Espinosa. A primeira edição não trazia Espinosa: o imoralista.
o nome do autor, como houvera
pedido outrora o próprio Espinosa. Para Espinosa existe apenas os
corpos e, entre os corpos, suas
Nenhum filósofo foi mais odiado e relações, seus encontros, que se
injuriado que Espinosa, mas nenhum compõem ou não. A ignorância desta
outro foi mais digno que ele (Deleuze). verdade é que deu origem a moral do
Sem regras exteriores para o dirigir, bem e do mal, transcendentes e
sem sociedade espiritual para o metafísicos, aos quais, o homem, se
proteger, Espinosa tirou, unicamente, preciso for, deve inclusive, sacrificar
de seu pensamento a lei suprema para sua vida. Na realidade, para Espinosa,
o seu viver. É um pouco deste 2
Este tópico é um resumo do segundo capítulo
pensamento que passamos a
do livro de DELEUZE (s.d), Espinosa e os
apresentar. Signos, p. 25-42.

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/publicações/ Μετανόια >


Μετανόια, São João del-Rei, n. 2, p.45-55, jul. 2000
50 OLIVEI.RA. Wanderley C.. Espinosa: um Pedagogo da Alegria?

só existe o bom e o mau, segundo os conatus. O conatus é a essência de


encontros dos corpos, que se todo corpo. E por essência entenda-se
compõem ou não uns com os outros, aquilo sem o qual uma coisa não pode
aumentando ou diminuindo sua força existir e sequer ser concebida. Logo,
para existir ou sua potência para agir. sem conatus um corpo não pode existir
Ao invés do bem existe o bom e bom é e sequer ser concebido.
tudo aquilo que convém com a nossa
natureza, compondo-se com ela e Portanto, o conatus, enquanto
aumentando nossa força para existir essência do corpo, é aquela força do
ou nossa potência para agir. Ao invés corpo para continuar na sua existência,
do mal existe o mau e mau é tudo ou seja, continuar sendo o que é,
aquilo que não convém com nossa afirmando sua existência, afirmando as
natureza, não compondo com ela e relações que o compõe.
diminuindo nossa força para existir ou
nossa potência para agir. Bom e mau No homem, o conatus, quando
é tudo o que existe e jamais bem e considerado no corpo e na alma,
mal. chama-se apetite(e podemos
entender como apetite afirmativo da
2.3. A desvalorização de todos os vida). Quando ao conatus se acres-
sentimentos tristes em prol da alegria. centa a consciência que temos dele,
Espinosa: o ateu. ele passa a se chamar desejo.

A filosofia de Espinosa se ergue em Concluindo, a essência de qualquer


favor da vida e contra tudo que nos corpo considerado nele mesmo é o
separa dela: bem, mal, mérito, culpa, conatus, ou seja, esforço afirmativo de
perdão, pecado, ódio, enfim, todo tipo sua existência. Portanto, nenhum
de tristeza. A filosofia de Espinosa corpo, por sua própria natureza
denuncia todas as falsificações da vida (essência), procura sua própria
pelas quais pensamos viver quando, destruição. Esta só lhe advém do
na verdade, cultivamos a morte. exterior, de causas exteriores a sua
Espinosa denuncia todo sentimento essência (inclusive, no suicídio, como
triste, que não compondo com nossa veremos no item 6 deste texto). É
natureza, diminui nossa força para nesse sentido que a morte, para
existir, nossa potência para agir, Espinosa, é sempre um acontecimento
sendo-nos, por isso, nocivo, mau e violento.
inútil. Espinosa erige sua filosofia em
prol da alegria, pois só a alegria 4. As Afecções Básicas: a
compõe com nossa natureza e Alegria, a Tristeza e o Desejo
aumenta nossa força para existir ou
nossa potência para agir sendo-nos, Se considerarmos que tudo o que
por isso, útil e boa. existe são corpos que se afetam entre
si sendo úteis (bons) ou inúteis (maus)
3. O Conatus uns para os outros à medida que
aumentam ou diminuem seus conatus
Esta força para existir ou potência para (força para existir); a alegria será
agir de que temos falado acima é o aquele sentimento advindo de uma

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/publicações/ Μετανόια >


Μετανόια, São João del-Rei, n. 2, p.45-55, jul. 2000
OLIVEI.RA. Wanderley C.. Espinosa: um Pedagogo da Alegria? 51

afecção boa ou útil a nossa existência, haver ainda uma flutuação de


posto que aumenta nosso conatus. A sentimentos, resultado da fusão de
tristeza, por sua vez, será aquele duas afecções contrárias, uma de
sentimento ocasionado por uma tristeza e outra de alegria. Nestes
afecção ruim (inútil) a nossa existência, casos amamos detestando ou
posto que diminui nosso conatus3. detestamos amando um mesmo ser
que nos afeta seguidamente de
tristeza e/ou de alegria.
Quando à alegria se liga a idéia do ser
que a causa, o sentimento que temos Considerando também que a simples
por este ser se chama amor: o amor é idéia de uma coisa passada ou futura
a alegria acompanhada da idéia do ser pode nos afetar, a alegria ligada àidéia
que a causa. Quando à tristeza se de uma coisa boa que pode nos
acrescenta a idéia do ser que a causa, acontecer se chamaria esperança; ao
o sentimento que experimentamos por passo que a tristeza ligada à idéia de
este ser se chama ódio: o ódio é uma coisa ruim que pode nos
aquela tristeza acompanhada da idéia acontecer se chamaria ansiedade. E
do ser que a causa. como esperança e ansiedade estão,
ambas, ligadas ao futuro incerto, é fácil
Alegria, tristeza e desejo são as perceber que elas sempre se mesclam
afecções básicas. Todas as demais uma com a outra; pois, o que espero
afecções se ligam a elas. Em todo de ruim pode não me acontecer,
sentimento, de amor, de ódio etc, no mescla-se, assim, esperança com a
fundo encontramos a alegria, a tristeza ansiedade; porém, o que espero de
e o desejo. Se estas afecções básicas bom pode também não me acontecer,
se diversificam e se complicam tanto mescla-se, então, a ansiedade com a
dando origem a um "sem fim" de esperança. A tristeza ligada à idéia de
outras afecções, isto se dá apenas em uma coisa ruim que inevitavelmente vai
virtude das relações extrínsecas que me acontecer se chamaria desespero.
as ligam umas com as outras ou as
ligam a certas idéias, tal como Considerando, ainda, que o modo pelo
veremos a seguir. qual são afetados os seres que
amamos ou odiamos também nos
Uma simples relação de simultaneida- afeta, aquela tendência à rir ou chorar
de entre duas afecções, por exemplo, com quem amamos se chamaria
pode fazer com que uma ou outra simpatia; já na antipatia entristecemo-
afecção provoque acidentalmente a nos com a felicidade de quem odiamos
alegria, a tristeza e o desejo. Pode e nos rejubilamos com sua desgraça.
3
Deixamos implícito um outro importante Quando alguém tira a sua alegria de
postulado espinosista: para cada afecção do algo que só ele possui e que nós
corpo, corresponde-lhe um sentimento (afectus)
desejamos, o sentimento que surge
na alma. Para uma afecção boa (útil)
corresponde a alegria, para uma afecção ruim
em nós se chamaria inveja ou ciúme.
(inútil) corresponde a tristeza e assim por Do mesmo modo, ao amor se mistura
diante. o ciúme quando imaginamos o ser que
amamos amando outrem. Quando

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/publicações/ Μετανόια >


Μετανόια, São João del-Rei, n. 2, p.45-55, jul. 2000
52 OLIVEI.RA. Wanderley C.. Espinosa: um Pedagogo da Alegria?

nosso amor tem retorno, glorificamo- 5. Os modos de vida


nos. Mas se este amor diminui, divide-
se ou cessa de se manifestar, cresce Podemos dizer, então, que no bailar
em nós, acompanhado de mil infinito das afecções, o homem é
inquietudes, o ódio pelo ser que levado da alegria para a tristeza ou da
amamos e o ciúme do seu olhar para tristeza para a alegria àrevelia de suas
outro que, melhor do que nós, ocupa afecções, sobre as quais ele não tem
seu coração. E se por fim, perdemos o qualquer poder? Por outras palavras,
ser amado para este outro, tão grande considerando que: 1) determinado pelo
tenha sido o amor por ele, tão grande seu conatus a agir sempre afirmando
será o ódio, que se alimenta nas sua existência e 2) correspondendo ao
fontes da tristeza do amor decaído. seu corpo um poder de ser afetado
que é, necessariamente, preenchido a
Por outro lado, o amor pode surgir do partir de seus encontros, 3) podemos
ódio superado. Neste caso, amamos dizer, então, que o homem vive levado
aquele que odiávamos, como se o ódio à deriva no mar tempestuoso das
de outrora nunca tivesse existido: eu afecções? A resposta a esta questão
queria tanto você e você não me pode ser sim e não.
queria, por isso eu lhe odiava, meu
ódio era um esforço para escapar da O homem, à medida que é racional,
tristeza de não ser querido por você, pode, pelo esforço da razão, exercitar-
mas agora que você me quer, é como se para escapar do fluxo heteronômico
4
se eu nunca tivesse ti odiado . das afecções no qual é, na maioria das
vezes, afetado mais por tristezas que
Concluindo a exposição das afecções por alegrias, para um outro modo de
básicas (alegria, tristeza e desejo) vida no qual se esforçará, consciente-
como fonte de todas as outras, pode- mente, por organizar seus encontros
se dizer que: 1) A todo corpo corres- de forma a ser afetado mais de alegria
ponde um poder de ser afetado que é que de tristeza.
sempre e necessariamente preenchido
por uma infinidade de afecções. 2) Existem, portanto, dois modos de vida:
Existe tantas espécies de alegrias, 1) a vida do homem passivo, que vive
tristezas e desejos quanto são as entregue aos seus encontros, nada
espécies dos objetos que nos afetam fazendo para orientá-los de forma a
direta ou indiretamente. 3) Acrescenta- experimentar mais alegrias que
se à variedade das afecções, a tristeza; e, 2) a vida do homem ativo,
variedade dos indivíduos e de suas que, pelo esforço da razão, busca
disposições, que fazem com que eles orientar seus encontros de forma a
sejam afetados de diferentes formas experimentar mais alegrias que
por um mesmo objeto. Enfim, são tristezas.
possíveis infinitas combinações entre a
alegria, a tristeza e o desejo. Por estes dois tipos de vida percebe-
4
mos que a alegria está vinculada à
Nestes casos, tem-se, mais uma vez, o conatus ação e à liberdade, ao passo que a
agindo, quer pelo ódio, quer pelo amor, no tristeza está vinculada à servidão (ou
sentido de afirmar a existência ou a vida.

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/publicações/ Μετανόια >


Μετανόια, São João del-Rei, n. 2, p.45-55, jul. 2000
OLIVEI.RA. Wanderley C.. Espinosa: um Pedagogo da Alegria? 53

5
passividade) e à paixão . Ação e contemplando sua total impotência e
paixão são opostas uma a outra em inaptidão para a vida e para a alegria,
Espinosa. Mas o que é uma e o que é preso à idéia fixa de seu desespero,
outra? totalmente determinado por paixões de
tristeza, o ser se destrói.
A paixão é aquela afecção que nos
advém do exterior e da qual não temos Portanto, de forma alguma o suicídio é
uma idéia clara e distinta. A paixão em uma das vias, a mais pervertida, pela
nós é como uma conseqüência sem qual seguiria o desejo. Pelo contrário,
premissas, um efeito do qual desco- o suicídio é o desabamento do desejo
nhecemos a causa, uma presença por causas exteriores ao próprio
injustificada dentro de nós nos desejo: a morte nunca é desejada por
causando alegria ou tristeza sem ela mesma e o postulado espinosista
6
sabermos porque . resta intocado: nenhum ser por sua
própria natureza procura sua própria
Entregue às paixões, o homem vive destruição.
como um escravo, sua vida é
passivamente conduzida pelos A ação, por sua vez, é a paixão
sentidos e pela imaginação. Neste compreendida. Ao contrário da paixão,
modo de vida, segundo Espinosa, o a ação é a afecção da qual temos uma
homem experimenta mais tristezas que idéia clara e distinta de sua causa. A
alegria; ele mais reage do que age, ação corresponde à vida ativa, que é a
porque, ao invés de buscar ativamente verdadeira forma de viver. Na vida
a alegria, ele vai buscar afastar a ativa buscamos, guiados pela razão,
7
tristeza . experimentar mais alegrias que
tristezas.
A tendência ao suicídio tem seu lugar
numa vida totalmente dominada por 6. Uma pedagogia da alegria?
paixões tristes que favorecem o
advento de paixões ainda mais tristes Da ação sempre advém a alegria.
que, cada vez mais, diminui a força Sempre que somos senhores de
para existir e a potência de agir do ser nossas afecções, elas são ativas, ou
que assim é afetado, até que, seja, nós as causamos racionalmente
5
Um texto interessante sobre esta passagem da ou apreendemos suas causas clara e
"servidão à liberdade" em Espinosa é o de distintamente. A afecção ativa afeta-
Fraisse (1978). nos sempre de alegria.
6
Mais uma vez deixamos outro ponto
importante implícito: entre as paixões existem Portanto, bem agir e manter-se na
as que nos afetam de tristeza e as que nos alegria é a regra da vida, pois, só a
afetam de alegria. Portanto, a tristeza não é alegria é o seu objetivo digno. Por esta
inerente à paixão, existem também paixões verdade ter sido esquecida, as coisas
alegres. Inerente à paixão é o fato de ela ser perderam seu verdadeiro nome: o
sempre uma afecção não esclarecida. sofrimento torna-se mérito e a alegria,
7
Afastando a tristeza ou buscando a alegria, em culposa. O homem trocou a razão pela
ambos os casos, o conatus atua no mesmo
fé ingênua, a ação pelo escrúpulo, a
intuito de afirmar a existência.
vida pela aparência de vida: a morte

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/publicações/ Μετανόια >


Μετανόια, São João del-Rei, n. 2, p.45-55, jul. 2000
54 OLIVEI.RA. Wanderley C.. Espinosa: um Pedagogo da Alegria?

travestida. conduzindo-nos para fora dos hábitos


de tristeza, levando-nos ao aprimora-
Por oposição ao homem escravo da mento dos hábitos de alegria e à
opinião e da paixão e que verdadeira- formação de mais hábitos de alegria
mente não sabe o que faz, Espinosa por substituição aos de tristeza.
contrapõe o homem livre, guiado pela
razão e agindo pelo conhecimento. Contudo, esta empresa da razão,
pedagoga e artista, não se dá de um
Entretanto, é importante considerar momento para outro; ela pressupõe
que, para Espinosa, o homem, mesmo um longo exercício e muito tempo de
agindo pela razão, nãotem a aprendizado da atividade e da alegria.
faculdade para se apropriar, segundo
suas conveniências, do mundo Considerações finais
exterior, cuja potência ultrapassa
infinitamente a sua. Contudo, agindo Se é válida, em Espinosa, a equação:
sempre pela razão, mesmo aquelas ser ativo = ser alegre = ser educado.
tristezas inevitáveis que lhe advém, Par ser educado, na perspectiva de
conhecendo-as como necessárias Espinosa, é preciso, cada vez mais,
(inevitáveis), ele padecerá menos aprender o que pode o corpo,
delas, podendo agir mais sobre elas. programar os bons encontros, refazer
os hábitos pela razão, compreender e
Para Espinosa, é certo que o por no seu devido lugar em nossa vida
conhecimento nunca extirpará de as tristezas. Enfim, buscar o tempo
nossa vida toda paixão, trata-se todo, proporcionalmente, mais alegrias,
sempre de proporção: buscar, que tristezas e mais alegrias ativas que
racionalmente, experimentar mais alegrias passivas, procurando manter-
afecções passivas de alegria (paixões se sempre na alegria, única forma
alegres) que afecções passivas de digna de viver.
tristeza (paixões tristes); e mais
afecções ativas de alegria (alegrias
ativas) que afecções passivas de
alegrias (alegrias passivas ou paixões
alegres).

Entretanto, na luta entre paixão e


ação, imaginação e razão, a imagina-
ção tem a seu favor toda a força dos
hábitos8 anteriormente adquiridos por
anos de vida passiva. Nestes hábitos,
adquiridos por toda uma vida conduzi-
da pela imaginação, a razão deve
entrar como pedagoga e artista,
8
Sobre o hábito em Espinosa, um bom texto é o
de Bove (1991).

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/publicações/ Μετανόια >


Μετανόια, São João del-Rei, n. 2, p.45-55, jul. 2000
Referências Bibliográficas
BOVE, L. L'habitude, activité fundatrice de l'existence actuelle dans la philosophie de
Spinoza. Revue philosophique, Paris, P.U.F., n. 1, p. 33-46, jan./mar. 1991.
DELBOS, Victor. Figures et doctrines de philosophes. 9 ed. Paris: Plon-Nourrit et Cie., 1925.
Spinoza, p. 142-196.
DELEUZE, Gilles. Spinoza: philosophie pratique. Paris : Editions de Minuit, 1981.
. Espinoza e os signos. Porto - Portugal : Rés, s.d.

FRAISSE, J. C. L'Oeuvre de Spinoza. Paris : Vrin, 1978. Des passion àla beatitude, p. 175-
293.

VERNEAUX, Roger. Histoire de la philosophie moderne. 11 ed. Paris : Beauchesne et ses fils,
1963. Spinoza, p. 52-65.

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/publicações/ Μετανόια >


Μετανόια, São João del-Rei, n. 2, p. 45-55, jul. 2000

Potrebbero piacerti anche