Sei sulla pagina 1di 241

neuroYciências

ISSN 1807-1058

psicologia REVISTA MULTIDISCIPLINAR DAS CIÊNCIAS DO CÉRÉBRO

Neurociências - Volume 6 - Número 1 - Janeiro/Março de 2010


JANEIRO• MARÇO de 2010 • Ano 6 • Nº 1

Neurociência e futebol; fatos e mitos


Luiz Carlos de Lima Silveira
Psicoterapia no terceiro milênio
Vera Lembruger
Introdução a sofrologia
William Bonnet
Reserva cognitiva e plasticidade neural
Álvaro Machado Dias
Vírus como traçadores neuronais
Judney Cley Cavalcante
Sensibilização central: ação da NA e 5HT na modulação da dor
Osvaldo JM Nascimento
Medidas da acuidade visual
Marcelo Fernandes Costa, Valtenice Cássia Rodrigues Matos França
www.atlanticaeditora.com.br
neuroYciências
ISSN 1807-1058

psicologia
PSIQUIATRIA | PSICOSSOMÁTICA | PSICOPEDAGOGIA | NEUROPSICOLOGIA | PSICOTERAPIA

Neurociências - Volume 6 - Número 2 - Abril/Junho de 2010


ABRIL • JUNHO de 2010 • Ano 6 • Nº 2

Síndrome do coração partido e estresse pós-traumático


Vera Lembruger et al.
Vertigem posicional paroxística benigna
Rodrigo Leme de Souza et al.
Neuroeconomia dos custos decisionais
Álvaro Machado Dias
Transtorno da compulsão alimentar periódica e obesidade
Fernanda Felippelli Cecchini et al.
Dislexia e hipótese magnocelular
Raquel Tonioli Arantes do Nascimento et al.
Musicoterapia e reabilitação neuropsicológica
Greta Marigo Fragata, Cléo Monteiro França Correia
Síndrome do homem do barril
Marco Orsini et al.
www.atlanticaeditora.com.br
neuroYciências
ISSN 1807-1058

psicologia
PSIQUIATRIA | PSICOSSOMÁTICA | PSICOPEDAGOGIA | NEUROPSICOLOGIA | PSICOTERAPIA

Neurociências - Volume 6 - Número 3 - Julho/Setembro de 2010


JULHO • SETEMBRO de 2010 • Ano 6 • Nº 3

Sobre a educação
Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro
Lombalgia crônica e sensibilização central
Patrick RNAG Stump
O tratamento da dor em pacientes com depressão e ansiedade
Luciana Sarin
Validação das escalas psicométricas PID e escala de procrastinação
Álvaro Machado Dias
Qualidade do sono em portadores de distrofias musculares progressivas
Franciani Rodrigues et al.
Práticas de modificação corporal: patologia e cultura
Miriam Elza Gorender
Tratamento farmacológico da esquizofrenia
Ary Gadelha de Alencar Araripe Neto, Itiro Shirakawa

www.atlanticaeditora.com.br
neuroYciências
ISSN 1807-1058

psicologia
PSIQUIATRIA | PSICOSSOMÁTICA | PSICOPEDAGOGIA | NEUROPSICOLOGIA | PSICOTERAPIA

Neurociências - Volume 6 - Número 4 - Outubro/Dezembro de 2010


OUTUBRO • DEZEMBRO de 2010 • Ano 6 • Nº 4

A união faz a força


Bruno Duarte Gomes
Adesão ao tratamento em esquizofrenia: uma estratégia essencial
Itiro Shirakawa
Marcadores biológicos no transtorno bipolar: dano neuronal progressivo
Marcia Kauer-Sant’Anna
Tratamento da dor neuropática
Patrick RNAG Stump
Depressão em enfoque evolucionário: análise bioinformática
Álvaro Machado Dias, Rogério Leite Silva
Mobilização passiva cíclica e espasticidade na paraplegia
Antonio Vinicius Soares et al.
Progressive muscular dystrophies and involvement of central nervous system
Gisiane de Bareta de Mathia et al.

www.atlanticaeditora.com.br
neuroΨciências
psicologia
Sumário
Volume 6 número 1 - janeiro/março de 2010

EDITORIAL
Neurociência e futebol: fatos e mitos, Luiz Carlos de Lima Silveira ..................................................... 3
OPINIÃO
Reserva cognitiva: o novo conceito de plasticidade neural associada
às funções superiores, Álvaro Machado Dias.................................................................................... 14
PERSPECTIVAS
Sensibilização central: ação da NA e 5HT na modulação da dor,
Osvaldo JM Nascimento .................................................................................................................. 16
Vírus como traçadores neuronais, Judney Cley Cavalcante ................................................................ 18
LIVROS
O andar do bêbado – como o acaso determina nossas vidas, Leonard Mlodinow, Zahar, 2009
Jogo no pano...jogo feito, por Givago da Silva Souza ......................................................................... 22
Além de Darwin, Reinaldo José Lopes, Editora Globo, 2009
A mente de Darwin, por Daniel Martins de Barros ............................................................................. 24
ARTIGOS ORIGINAIS
Genética molecular, teorias modernas de aprendizagem, teoria neurocientífica
das emoções e perspectivas para psicoterapia no terceiro milênio, Vera Lemgruber .......................... 26
Diferenças de acuidade visual por três métodos psicofísicos na Tabela ETDRS,
Marcelo Fernandes Costa, Valtenice Cássia Rodrigues Matos França ................................................. 32
Métodos de processamento de dados em eletrofisiologia visual: tutorial em linguagem
MATLAB sobre o uso da transformada de Fourier na análise do potencial
cortical provocado visual, Givago da Silva Souza, Bruno Duarte Gomes,
Luiz Carlos de Lima Silveira............................................................................................................. 39
Iª JORNADA FLUMINENSE SOBRE COGNIÇÃO IMUNE E NEURAL
Os sistemas nervoso e imunitário não conhecem a “realidade externa”,
mas constroem uma realidade própria auto-referencial, Henrique Leonel Lenzi .................................. 50
COMENTÁRIOS
O mosaico e a chave, Luiz Fernando de Souza Passos...................................................................... 57
Comentário, Nelson Monteiro Vaz ................................................................................................... 61
ATUALIZAÇÃO
Introdução à sofrologia, William Bonnet........................................................................................... 63
NORMAS DE PUBLICAÇÃO ....................................................................................................... 74
EVENTOS .................................................................................................................................... 76
2 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

neuroΨciências
psicologia ISSN 1807-1058
Revista Multidisciplinar
Multidissciplin
nar das Ciências do Cérebro
nar

Editor: Luiz Carlos de Lima Silveira, UFPA


Editor associado: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, Fiocruz
Editor-assistente: Daniel Martins de Barros, HC-USP
Presidente do conselho editorial: Roberto Paes de Carvalho, UFF

Conselho editorial
Aniela Improta França, UFRJ (Neurolingüística)
Carlos Alexandre Netto, UFRGS (Farmacologia)
Cecília Hedin-Pereira, UFRJ (Desenvolvimento)
Daniela Uziel, UFRJ (Desenvolvimento)
Dora Fix Ventura, USP (Neuropsicologia)
Eliane Volchan, UFRJ (Cognição)
João Santos Pereira, UERJ (Neurologia)
Koichi Sameshima, USP (Neurociência computacional)
Leonor Scliar-Cabral, UFSC (Lingüística)
Lucia Marques Vianna, UniRio (Nutrição)
Marco Antônio Guimarães da Silva, UFRRJ/UCB (Fisioterapia e Reabilitação)
Marco Callegaro, Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (Psicoterapia)
Marco Antônio Prado, UFMG (Neuroquímica)
Rafael Linden, UFRJ (Neurogenética)
Rubem C. Araujo Guedes, UFPE (Neurofisiologia)
Stevens Kastrup Rehen, UFRJ (Neurobiologia Celular)
Vera Lemgruber, Santa Casa do Rio de Janeiro (Neuropsiquiatria)
Wilson Savino, FIOCRUZ (Neuroimunologia)

Neurociências é publicado com o apoio de:


SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento)
Presidente: Marcus Vinícius C. Baldo
www.sbnec.org.br

Atlântica Editora
e Shalon Representações
Praça Ramos de Azevedo, 206/1910 Editor executivo
Centro 01037-010 São Paulo SP E-mail: atlantica@atlanticaeditora.com.br Dr. Jean-Louis Peytavin
www.atlanticaeditora.com.br jeanlouis@atlanticaeditora.com.br
Atendimento Editor assistente
(11) 3361 5595 /3361 9932 Guillermina Arias
E-mail: assinaturas@atlanticaeditora.com.br guillermina@atlanticaeditora.com.br
Diretor Direção de arte
Assinatura Antonio Carlos Mello Cristiana Ribas
1 ano (6 edições ao ano): R$ 180,00 mello@atlanticaeditora.com.br cristiana@atlanticaeditora.com.br

Todo o material a ser publicado deve ser enviado para o seguinte endereço de e-mail:
artigos@atlanticaeditora.com.br
Atlântica Editora edita as revistas Fisioterapia Brasil, Fisiologia do Exercício, Enfermagem Brasil, Nutrição Brasil e MN-Metabólica.
I.P. (Informação publicitária): As informações são de responsabilidade dos anunciantes.
© ATMC - Atlântica Multimídia e Comunicações Ltda - Nenhuma parte dessa publicação pode ser reproduzida,
arquivada ou distribuída por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia ou outro, sem a permissão escrita do
proprietário do copyright, Atlântica Editora. O editor não assume qualquer responsabilidade por eventual prejuízo a
pessoas ou propriedades ligado à confiabilidade dos produtos, métodos, instruções ou idéias expostos no material
publicado. Apesar de todo o material publicitário estar em conformidade com os padrões de ética da saúde, sua
inserção na revista não é uma garantia ou endosso da qualidade ou do valor do produto ou das asserções de seu
fabricante.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 3

Editorial

Neurociência e futebol:
fatos e mitos
Luiz Carlos de Lima Silveira, Editor

O país do futebol

“Este esporte estrangeiro se fazia brasileiro, na medida em que


deixava de ser o privilégio de uns poucos jovens acomodados, que o
jogavam copiando, e era fecundado pela energia criadora do povo que
o descobria. E assim nascia o futebol mais bonito do mundo, feito de
jogo de cintura, ondulações de corpo e vôos de pernas que vinham da
capoeira, dança guerreira de escravos negros, e dos bailes alegres dos
arredores das grandes cidades.”[1]

Chegamos à outra copa do mundo de futebol, esse evento qua-


drienal que pára mais da metade do planeta, paralisa a alma dos
brasileiros e, já por cinco vezes, explodiu o país numa alegria g eral e
efusiva nunca igualada por nenhum evento esportivo, artístico, político
ou mesmo religioso. O Brasil é o “país do futebol”!
O “país do futebol” para os ingleses foi, durante muito tempo, a
Inglaterra. Não importava que a Inglaterra não tivesse disputado as
primeiras edições da Copa do Mundo da FIFA1 (1930, 1934 e 1938)
ou tivesse tido participação inglória quando finalmente resolveu aderir

1 Antes da Féderation Internationale de Football Association (FIFA) ter criado a Coupe


du Monde de la FIFA (Copa do Mundo da FIFA), de fato podemos considerar que o
torneio de futebol dentro dos Jogos Olímpicos foi o campeonato mundial de futebol.
As duas primeiras edições desse torneio foram apenas exibições e os países foram
representados por seus clubes: nos Jogos Olímpicos de 1900 em Paris o torneio foi
vencido pelo Upton Park FC do Reino Unido e nos Jogos Olímpicos de 1904 em Saint
Louis pelo Galt City FC do Canadá. A partir daí o torneio passou a ser uma competição
olímpica oficial. Assim, os torneios de futebol dos Jogos Olímpicos de 1908 (London),
1912 (Stockholm), 1920 (Antwerpen), 1924 (Paris) e 1928 (Amsterdam), e que foram
vencidos respectivamente pelo Reino Unido, Reino Unido, Bélgica, Uruguai e Uruguai,
deveriam ser computados juntamente com as disputas da Copa do Mundo da FIFA
Médico, Doutor em Ciências Bio- para gerar uma tabela mais abrangente de campeões mundiais desse esporte. A partir
lógicas (Biofísica), Pesquisador do da criação da Copa do Mundo pela FIFA, os torneios de futebol dos Jogos Olímpicos
CNPq, Professor Associado de Neu- nunca mais contaram com o conjunto dos melhores jogadores de todos os países e
rociência, Núcleo de Medicina Tropi- não puderam mais ser considerados historicamente como do mesmo nível da Copa
da FIFA. Se juntarmos os cinco primeiros torneios olímpicos oficiais com as dezoito
cal, Instituto de Ciências Biológicas,
copas, os campeões mundiais seriam Brasil (cinco vezes), Uruguai e Itália (quatro
Universidade Federal do Pará vezes cada), Inglaterra (incluindo duas conquistas olímpicas como Reino Unido e uma
copa como Inglaterra) e Alemanha (três vezes cada), Argentina (duas vezes), Bélgica
Correspondência: luiz@ufpa.br e França (uma vez cada).
4 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

a esse torneio na sua quarta edição (1950) – eles vamente, a Argentina e o Brasil, os seus dois grandes
se consideravam os criadores desse esporte e os rivais regionais.4 Além disso, os uruguaios foram
melhores no seu exercício. E assim foi até o extra- ainda quartos colocados na Copa de 1954, realizada
ordinário jogo disputado no Estádio de Wembley, na Suíça (derrotados na semifinal pela extraordinária
London, em 25 de novembro de 1953, a primeira Hungria de Puskás e vencidos na disputa do terceiro
derrota inglesa no seu próprio solo. Naquele dia a lugar pela Áustria), e na copa de 1970, realizada no
Hungria de Hidegkuti Nándor, Puskás Ferenc e Boz- México (quando foram derrotados na semifinal pelo
sik József superou o English Team de John Sewell, Brasil e na disputa do terceiro lugar pela Alemanha
Stanley Mortensen e Alfred Ramsey, por 6 x 3 e de Ocidental). Assim, no período de 1924 a 1950, o
uma forma a definitivamente retirar dos ingleses o Uruguai conquistou quatro títulos mundiais que,
direito de serem autointitulados habitantes do “país somados aos oito títulos sulamericanos, merecida-
do futebol” [2]. mente o conferiram a alcunha de “o país do futebol”.
A partir de 1924, o “país do futebol” foi, de fato, O título do Campeonato Sudamericano de Se-
o Uruguai. Quando a Celeste Olímpica conquistou lecciones5 de 1919, disputado no Brasil, e especial-
duas medalhas de ouro, a primeira em 1924, nos mente a excelente participação na Copa do Mundo
Jogos Olímpicos de Paris, e a segunda em 1928, da FIFA de 1938, realizada na França, marcou a
nos Jogos Olímpicos de Amsterdam, o esquadrão entrada do Brasil no cenário do futebol mundial. Em
uruguaio tornou-se a grande sensação desse espor- 1938, fomos eliminados nas semifinais pela Itália e
te. A extraordinária habilidade de seus jogadores vencemos a disputa do terceiro lugar contra a Sué-
encantava o mundo – um pequeno país em termos cia. Na edição seguinte, já no pós-guerra, o Brasil foi
populacionais que podia se orgulhar de possuir o vice-campeão na Copa de 1950 e chegou às quartas
melhor futebol do mundo. O malabarismo entre as de final na Copa de 1954 com uma das melhores
quatro linhas, apresentado pela primeira vez ao seleções já formadas (fomos eliminados na Batalha
mundo pelos uruguaios, tornou-se a característica da de Berna pela Hungria de Puskás). A partir de 1958
escola sulamericana ou latinoamericana, comparti- a história é bem conhecida: campeão em 1958 na
lhada pelos uruguaios com argentinos e brasileiros Copa da Suécia, campeão em 1962 na Copa do
e, nos anos subsequentes, aqui e ali, com ótimas Chile, campeão em 1970 na Copa do México, quarto
equipes chilenas, peruanas, paraguaias, colombia- colocado em 1974 na Copa da Alemanha, terceiro
nas, equatorianas e mexicanas.2 A Celeste Olímpica lugar em 1978 na Copa da Argentina (sendo a única
ganharia ainda a primeira edição da Copa do Mundo equipe invicta entre os quatro finalistas), campeão
de Futebol da FIFA, realizada no Uruguai, em 1930, em 1994 na Copa dos EUA, vice-campeão em 1998
e a quarta, realizada no Brasil, em 1950.3 Nessas na Copa da França e campeão em 2002 na Copa da
duas conquistas o Uruguai venceu na final, respecti- Coréia do Sul e do Japão6. Até 2009, o Brasil obte-

2 Sulamericano não inclui o México, país que tem desfrutado de um notável desenvolvimento do futebol, tendo conquistado a Coupe
de Confédérations de La FIFA (Copa das Confederações da FIFA) de 1999, disputada no próprio México, além de outros títulos
importantes. O futebol mexicano é semelhante em qualidade e arte ao dos países sulamericanos e, com justiça, poderíamos usar
a expressão escola latinoamericana para juntarmos esse grupo de países da América do Sul e América Central.
3 Nas estatísticas dos campeonatos mundiais de futebol, quando somamos os torneios olímpicos de 1908 a 1928 às Copas do
Mundo da FIFA, o Uruguai tem quatro títulos mundiais, sendo três seguidos (1924, 1928 e 1930) – o Uruguai, nesse caso, é o
único verdadeiro tricampeão mundial de futebol!
4 A final contra a Argentina, disputada em Montevideo no dia 30 de julho de 1930, foi um dos jogos mais extraordinários da história do
futebol e terminou com a vitória da Celeste Olímpica por 4 x 2. Na Copa de 1950, não houve propriamente um único jogo final, como
em todas as outras, mas uma disputa em grupo de quatro países (Uruguai, Brasil, Suécia e Espanha) realizada em três rodadas.
Na última rodada, somente Brasil e Uruguai tinham possibilidades de chegar ao título do certame. O Brasil precisava apenas de um
empate e o Uruguai de uma vitória simples para sagrarem-se campeões. O jogo foi disputado em 16 de julho de 1950, no Estádio
do Maracanã, Rio de Janeiro. O resultado, o mais dolorido da história do futebol brasileiro, foi Uruguai 2 x 1, ficando conhecido na
Banda Oriental como maracanazo.
5 Esse foi o primeiro nome do campeonato sulamericano de futebol, organizado pela Confederação Sulamericana de Futebol (CONME-
BOL). A partir de 1975 o torneio passou a denominar-se Copa América. Tento começado em 1916, trata-se do torneio mais antigo
entre seleções nacionais que ainda hoje é disputado.
6 As sete finais de Copa do Mundo jogadas pelo Brasil tiveram os seguintes resultados: Uruguai 2 x 1 Brasil em 1950; Brasil 5 x2
Suécia em 1958; Brasil 3 x 1 Tchecoslováquia em 1962; Brasil 4 x 1 Itália em 1970; Brasil 0 x 0 Itália em 1994 (vencemos na
disputa de penalidades máximas); França 3 x 0 Brasil em 1998; Brasil 2 x 0 Alemanha em 2002. As três disputas de terceiro lugar
que jogamos terminaram assim: Brasil 4 x 2 Suécia em 1938; Polônia 1 x 0 Brasil em 1974; Brasil 2 x 1 Itália em 1978.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 5

ve ainda seis importantes títulos mundiais – Taça feminino, embora não tenha chegado a nenhum título
Independência (Brasil, 1972), Torneio Bicentenário mundial, já começa a fazer história. O Brasil tornou-se
dos EUA (1974), Torneio Bicentenário da Austrália indubitavelmente o “país do futebol”.9
(1988) e três edições da Copa das Confederações Na mitologia nacional e na cosmogonia do bra-
da FIFA (Arábia Saudita, 1997; Alemanha, 2005; sileiro, a evolução do nosso futebol de um magro
África do Sul, 2009) – além de oito campeonatos terceiro posto atrás de Uruguai e Argentina para
sulamericanos e dois campeonatos panamericanos. um reconhecimento universal incontestável ocorreu
A história do futebol brasileiro conta com uma plêiade como se tudo estivesse escrito nos astros desde o
de jogadores extraordinários (limitei a lista arbitraria- começo e fosse esse o nosso destino. Explicar esse
mente a vinte e dois deles): Friedenreich, Domingos comportamento do brasileiro requer certo conheci-
da Guia, Leônidas, Heleno, Jair Rosa Pinto, Zizinho, mento da nossa história, de nossas origens étni-
Ademir Menezes, Nilton Santos, Didi, Djalma Santos, cas, das nossas frustrações e conquistas, e talvez
Julinho, Garrincha, Mazzola, Pelé, Gerson, Ademir até de Neurociência – mas não vamos tentar esse
da Guia, Jairzinho, Rivelino, Tostão, Zico, Falcão e exercício aqui nesse Editorial. Na verdade queremos
Sócrates7, além dos cinco recentes detentores do apresentar três pequenos comentários onde Futebol
título de melhor jogador do ano, conferido pela FIFA e Neurociência se encontram, os quais foram moti-
a partir de 1991: Romário (1994), Ronaldo (1996, vados por três perguntas que todos os admiradores
1997, 2002), Rivaldo (1999), Ronaldinho Gaúcho do futebol fazem e que os neurocientistas poderiam
(2004, 2005) e Kaká (2007). Aos títulos da nossa tentar responder.
seleção, carinhosamente chamada de Canarinho a
partir do uniforme de camisas amarelas, calções Quem foi o melhor jogador brasileiro de todos
azuis e meias brancas com listras verdes e amare- os tempos?
las, utilizado pela primeira vez na Copa do Mundo
da Suíça (1954), somam-se os feitos extraordinários “Se há um Deus que regula o futebol, esse Deus
do Santos Futebol Clube de Pelé e do Botafogo de é, sobretudo, irônico e farsante, e Garrincha foi um de
Futebol e Regatas de Garrincha8. Com uma população seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de
muito maior que a do Uruguai ou da Argentina, popu- todos, nos estádios. Mas, como é também um Deus
lação essa enlouquecida na sua devoção ao futebol, cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade
o Brasil passou a exportar jogadores para os clubes de perceber sua condição de agente divino. Foi um
do mundo inteiro e, inclusive, quando naturalizados, pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro
para as seleções nacionais de vários países. Além a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas
do futebol de campo, o Brasil domina o futebol de voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-
salão e o futebol de areia. E no futebol de campo se de um novo, que nos alimente o sonho.” [3]

7 Paulistas: Arthur Friendenreich (1892-1969), Júlio Botelho (1929-2003), Djalma dos Santos (1929-), José João Altafini (Mazzola,
1938-) e Roberto Rivellino (1946-). Fluminenses: Domingos Antônio da Guia (1912-2000), Leônidas da Silva (1913-2004), Jair Rosa
Pinto (1921-2005), Tomás Soares da Silva (Zizinho, 1921-2002), Nilton Reis dos Santos (1925-), Waldir Pereira (Didi, 1928-2001),
Manoel Francisco dos Santos (Garrincha, 1933-1983), Gerson de Oliveira Nunes (1941-), Ademir da Guia (1942-), Jair Ventura Filho
(Jairzinho, 1944-) e Arthur Antunes Coimbra (Zico, 1953-). Mineiros: Heleno de Freitas (1920-1959), Edson Arantes do Nascimento
(Pelé, 1940-) e Eduardo Gonçalves de Andrade (Tostão, 1947-). Pernambucano: Ademir Marques de Meneses (1922-1996). Cata-
rinense: Paulo Roberto Falcão (1953-). Paraense: Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira (1954-).
8 Garrincha e Pelé foram possivelmente os mais extraordinários jogadores de futebol de todos os tempos – uma dupla invencível.
Garrincha jogou 60 partidas pela Seleção Brasileira entre 1955 e 1966, tendo perdido apenas a última que disputou (Hungria 3 x
1 Brasil, Copa do Mundo da Inglaterra). Pelé jogou 115 partidas pela Seleção Brasileira entre 1957 e 1971. Com Garrincha e Pelé
jogando juntos a Canarinho nunca foi derrotada: foram 40 jogos, 35 vitórias e 5 empates entre 1958 e 1966.
9 Seria a Argentina o “país do futebol”? Essa é uma das questões mais polêmicas que se poderia formular numa roda de fanáticos
pelo futebol, brasileiros ou argentinos. A Argentina dominou ao longo do Século XX boa parte dos confrontos regionais com Uruguai,
Brasil e os demais países latinoamericanos. Embora tenha apenas dois títulos mundiais (Copa do Mundo da Argentina de 1978 e
do México de 1986) e dois vice-campeonatos (Copa do Mundo do Uruguai de 1930 e Copa do Mundo da Itália de 1990), figurando
no ranking histórico da Copa em quarto lugar (atrás de Brasil, Alemanha e Itália), los hermanos ganharam 14 campeonatos sulame-
ricanos (contra 14 de uruguaios e 8 de brasileiros), 1 campeonato panamericano (contra dois dos brasileiros) e 22 Copas Liberta-
dores da América (contra 13 de brasileiros e 8 de uruguaios), torneio este para clubes. Seus jogadores são tão talentosos quanto
brasileiros e uruguaios e também estão espalhados pelos clubes do mundo inteiro. Di Stefano e Maradona estão em qualquer lista
dos melhores do mundo de todos os tempos e Messi é o atual detentor do título de melhor do mundo concedido pela FIFA (2009).
6 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

Zezé Moreira (Afredo Moreira Júnior, 1917- mas sensoriais. Didaticamente costumamos dividir
1998), técnico chamado para assumir a Seleção os sistemas sensoriais do organismo humano em
Brasileira após o maracanazo da Copa do Mundo de cinco sentidos especiais e um sentido geral – essa
1950, e que teve uma excelente carreira à frente divisão é, naturalmente, arbitrária, e sujeita a uma
da Canarinho, conquistando o título da primeira série de senões e discussões que não cabem ser
edição do Campeonato Panamericano de Futebol mencionados aqui [5]. Os sentidos especiais com-
(Chile, 1952), assim como formando uma excelente preendem: a olfação, com uma grande diversidade
seleção que disputou a Copa do Mundo da Suíça de células quimiorreceptivas distribuídas no epitélio
(1954), uma vez foi perguntado numa entrevista olfativo [5,6]; a visão, com quatro tipos de fotorre-
para a televisão quem seria o melhor jogador de ceptores presentes nas camadas externas da retina
futebol brasileiro de todos os tempos. A pergunta [5,7]; a audição, com dois tipos de células ciliadas
procede, pois Seu Zezé, como era chamado pelos mecanorreceptivas situadas no órgão espiral de
jogadores, acompanhou grande parte da história Corti da cóclea [5,8]; o vestibular, com dois tipos
do futebol brasileiro e certamente poderia dar de células ciliadas mecanorreceptivas distribuídas
uma opinião de cátedra sobre o assunto. Zezé nas máculas do sáculo e do utrículo e nas cristas
Moreira sabiamente procurou esquivar-se de uma ampolares dos canais semicirculares [5,9]; e a
resposta categórica. O entrevistador, entretanto, gustação, com diversos tipos de células quimiorre-
insistiu e o pressionou delicadamente, esperando ceptivas localizadas nas papilas gustativas [5,6]. O
possivelmente que Pelé fosse nomeado e ungido sentido geral corresponde à somestesia e depende
por tamanha autoridade naquela entrevista. Final- de uma coleção extremamente diversificada de me-
mente, Zezé Moreira sábia e diplomaticamente fez canorreceptores, termorreceptores, nocirreceptores
para o entrevistador e seus telespectadores uma e quimiorreceptores localizados em praticamente
observação importante. Comentou que vira em atu- todos os tecidos do corpo [5,10].
ação os maiores jogadores brasileiros de futebol ao Como visto acima, a orelha interna é sede de
longo da sua vida – e na conversa surgiram vários dois órgãos dos sentidos: sentido da audição e
nomes sagrados como Friedenreich10, Heleno11 e, sentido vestibular. Os mecanorreceptores vestibu-
naturalmente, Pelé – e que todos eles tinham uma lares são células ciliadas localizadas em regiões
característica comum, um equilíbrio perfeito, pois especializadas do epitélio que reveste o labirinto
esse é um jogo que se joga quase sempre apoiado membranoso, chamadas máculas otolíticas e cristas
num único pé, na maior parte das vezes “o pé ruim”. ampolares. Essas células são estimuladas no caso
Dois importantes fatos da Neurociência foram tra- das máculas e cristas ampolares, respectivamente,
zidos à conversa naquele momento: o papel dos por acelerações lineares ou angulares atuando so-
vários sistemas sensoriais no equilíbrio corporal e bre a cabeça do indivíduo. O mecanismo de trans-
a assimetria funcional cerebral. dução da energia mecânica do estímulo na energia
A informação proveniente do meio ambiente e eletroquímica celular envolve o deslocamento dos
dos diversos compartimentos, órgãos e tecidos do estereocílios presentes na porção apical dessas
corpo chegam ao sistema nervoso através dos siste- células.

10 Arthur Friedenreich ou, simplesmente, Fried, apelidado pelos uruguaios de El Tigre, foi o primeiro grande jogador do futebol brasi-
leiro. Foi com Friedenreich que a Seleção Brasileira obteve o seu primeiro título sulamericano (Brasil, 1919) - ele foi o artilheiro da
competição (junto com Neco) e marcou o gol da vitória contra os uruguaios na decisão, feito que levou as suas chuteiras a ficarem
em exposição na vitrine de um loja de jóias raras no Rio de Janeiro. Sobre ele escreveu o uruguaio Eduardo Hughes Galeano:
“Este mulato de olhos verdes fundou o modo brasileiro de jogar. Rompeu com os manuais ingleses: ele, ou o diabo que se metia
pela planta do seu pé. Friedenreich levou ao solene estádio dos brancos a irreverência dos rapazes cor de café que se divertiam
disputando uma bola de trapos nos subúrbios. Assim nasceu um estilo, aberto à fantasia, que prefere o prazer ao resultado. De
Friedenreich em diante, o futebol brasileiro que é brasileiro de verdade não tem ângulos retos, do mesmo jeito que as montanhas
do Rio de Janeiro e os edifícios de Oscar Niemeyer.” [1]
11 Heleno de Freitas, advogado, boêmio, catimbeiro, boa vida, arrogante, galã, mas um homem de temperamento difícil, quase intra-
tável no relacionamento com os companheiros. Heleno entrou para a história como um dos maiores jogadores do futebol brasileiro
e sulamericano e uma excelente biografia sobre ele foi recentemente publicada por Marcos Eduardo Neves, a qual termina com
as belas palavras de Armando Nogueira (1927-2010), escritor acreano, um dos maiores cronistas esportivos brasileiros, recém
falecido: “Heleno de Freitas, o craque das mais belas expressões corporais que conheci nos estádios, morreu, sem gestos, de
paralisia progressiva, e descansa, hoje, no cemitério de São João Nepomuceno, (cidade) onde nasceu um dia para jogar a própria
vida num match sem intervalo entre a glória e a esperança”.[4]
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 7

Figura 1 - Garrincha (Manoel Francisco dos San- dispostos em três planos perpendiculares entre si,
tos) e Pelé (Edson Arantes do Nascimento) foram um arranjo que permite que os diversos movimen-
possivelmente os mais extraordinários jogadores de tos angulares da cabeça sejam decompostos em
futebol de todos os tempos – uma dupla invencível. movimentos da endolinfa dentro dos canais semicir-
Costuma-se dizer que Garrincha (foto acima [11]) culares, dependendo da orientação desses canais;
foi o maior ponta-direita de todos os tempos e Pelé quando a cabeça sofre aceleração angular, as células
o maior craque de todos os tempos capaz de jogar ciliadas de pelo menos um canal semicircular de um
em todas as posições. Entretanto, aqueles que lado são estimuladas enquanto que as células cilia-
viram Garrincha jogar na Copa do Mundo da FIFA das do canal semicircular correspondente no outro
realizada no Chile (1962), após a contusão de Pelé, lado do corpo são inibidas, devido ao deslocamento
compreenderam que também ali existia um jogador em direções opostas da endolinfa, o que move as
completo, de todas as posições e todas as jogadas, cúpulas gelatinosas e movimenta os estereocílios
capaz de liderar a Canarinho para a sua segunda celulares nelas embebidos.
conquista mundial. Quem o vira jogar no clube de O sistema vestibular envia para o sistema nervo-
sua cidade natal não se surpreendeu: foi lá que ele so central informação sobre a direção da gravidade
aprendeu a jogar e jogava sempre que voltava como e sobre o movimento da cabeça. Essa informação é
ponta-direita, ponta-esquerda, centroavante, ponta- combinada com aquela fornecida pelos receptores so-
de-lança ou meia-armador – um craque completo, mestésicos localizados nas articulações e nas plan-
como Pelé. Assim se explica porque o Brasil nunca tas dos pés, assim como com aquela provida pela
perdeu com os dois em campo! visão, para gerar a percepção que o indivíduo tem
do seu próprio corpo e das forças que nele atuam,
assim como das partes do corpo umas em relação
às outras. Esse “supersentido” do equilíbrio é uma
combinação dos sentidos vestibular, somestésico e
visual que ocorre no córtex cerebral. Além disso, tal
como acontece noutros sistemas sensoriais, uma
parte importante das vias vestibulares é dedicada
a alimentar as respostas motoras, frequentemente
num nível abaixo da consciência.
Assim, considerando-se as diversas ocorrências
que cercam uma criança, tanto sua herança genética
como as influências congênitas e os acometimentos
pós-natais, particularmente as infecções relativamen-
te comuns do ouvido médio e as não tão comuns do
ouvido interno, é perfeitamente compreensível que
se estabeleça ainda muito cedo na vida certa dife-
rença entre elas no que diz respeito ao equilíbrio, à
postura e à habilidade de executar os movimentos.
Diferenças em outras habilidades também ocorrem
entre as pessoas desde tenra idade, como acontece
no desenho, na pintura, na escultura, no uso de ins-
trumentos musicais e em diversos esportes.
Será essa, portanto, a matéria prima – um exce-
lente desempenho do “supersentido” do equilíbrio,
As máculas do sáculo e do utrículo estão em particular do sentido vestibular – a partir do qual
dispostas perpendiculares entre si, de tal forma a surgiram os grandes talentos do futebol, os príncipes
responder otimamente para acelerações lineares em da elegância dos gramados Friendenreich, Heleno,
diferentes planos do espaço. São as máculas que Pelé, Ademir da Guia, Falcão e, inclusive, Garrincha
fornecem a informação necessária para a percepção que apesar de suas decantadas pernas tortas sam-
consciente a todo momento da direção da acelera- bava em campo com maestria sem igual?
ção da gravidade. De maneira semelhante existem Seguindo a linha de raciocínio levantada por Zezé
três canais semicirculares em cada orelha interna, Moreira, os males que ao longo da vida acometem o
8 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

sistema nervoso e, em particular, os vários centros que dores do que a marcação dos impedimentos durante
controlam a postura e o movimento, assim como as vias uma partida. Após o jogo, no dia seguinte ou nas se-
sensoriais que informam esses centros e as vias moto- manas, meses ou anos seguintes, um impedimento
ras que ligam esses centros aos efetores musculares, pode ser assunto de inúmeras rodas de conversa,
podem encurtar ou mesmo interromper abruptamente a matérias escritas e programas de rádio ou televisão
carreira de um atleta do futebol. Lesões que acometam – muitas vezes a marcação de um impedimento erra-
os sistemas visual, vestibular e somestésico podem ter damente ou a não aplicação da lei quando o atacante
consequências funestas para o equilíbrio e a precisão estava em posição irregular altera o resultado de
dos movimentos. Os diversos tipos de degeneração uma partida. E com a facilidade atual de ver e rever
das vias motoras ou das fibras musculares serão vezes sem conta e de diversos ângulos uma mesma
obviamente fatais. Até mesmo doenças não neurais, jogada através das gravações televisivas, o erro fica
mas que acometam tendões, ligamentos, cápsulas documentado e divulgado, os jogadores, técnicos e
articulares e ossos podem comprometer profundamente torcedores da equipe prejudicada não conseguem se
o desempenho do atleta. E, naturalmente, as doenças conformar e as discussões sobre a jogada questio-
do sistema nervoso central que muitas vezes são nada prosseguem indefinidamente. A lei do impedi-
insidiosas, outras vezes de ocorrência súbita. Vários mento foi regulamentada em 1863 juntamente com
processos degenerativos que fazem parte da herança as primeiras regras oficiais da história do futebol
genética do indivíduo podem levar lentamente à morte [12]. A primeira versão dessa regra estabelecia que
neuronal progressiva no córtex cerebral, nos núcleos o atacante, para não estar em posição de impedi-
da base, no cerebelo e nos núcleos motores do tronco mento, precisaria ter pelo menos quatro jogadores
cerebral e medula espinhal, embora seja mais comum a sua frente; mais tarde esse número foi diminuído
que esses processos manifestem-se clinicamente em para três (1866) e, finalmente, para dois (1925);
idades mais avançadas. Por outro lado, neurotóxicos outra alteração importante da regra que perdura até
exógenos podem acometer aguda ou cronicamente em hoje foi feita em 1907 quando se estabeleceu que
qualquer fase da vida promovendo a morte neuronal a infração só ocorresse se o jogador estivesse na
adquirida, como no alcoolismo crônico com sua predi- metade adversária do campo [12].
leção pelo córtex cerebelar. Finalmente, as sequelas O impedimento pode ser marcado pelo juiz prin-
de traumatismos cranianos contraídos dentro e fora cipal ou por um dos bandeirinhas, mas é crença de
do gramado, podem ter repercussões motoras ou todos que o bandeirinha que acompanha o ataque
sensoriais súbitas e, muitas vezes, passarem sem ser esteja em posição privilegiada, muito melhor que a
detectadas até mesmo em exames eletrofisiológicos de qualquer dos outros dois árbitros para assinalar
e de neuroimageamento altamente refinados. Essas a infração. A tarefa parece simples: o bandeirinha
disfunções neurais são sempre inimigas à espreita de precisa verificar no momento em que um atacante
um grande talento esportivo e podem ter efeitos que lança a bola para um companheiro a sua frente se
expliquem o súbito enfraquecer e até mesmo apagar este último está corretamente colocado em relação
definitivo de uma estrela do futebol. aos defensores (como descrito acima). O bandeirinha
precisa olhar o atacante que passa a bola, realizar um
A marcação do impedimento pelo bandeirinha movimento ocular sacádico (ver abaixo) para verificar
é uma tarefa impossível? a posição do atacante que recebe a bola e decidir
se a jogada foi legal. O que somente os cientistas
“Um jogador está em posição de impedimento visuais e poucas pessoas mais sabem é que a exe-
se estiver mais perto da linha do gol do adversário do cução dessa tarefa beira o impossível.
que ambos, a bola e o penúltimo homem da equipe O olho humano é um sistema mecânico altamen-
adversária, a não ser que ele esteja no seu próprio te refinado, sendo dotado dos três graus de liberdade
campo. Um jogador na mesma linha do penúltimo de rotação: o olho roda em torno de seus eixos dor-
homem da equipe adversária é considerado em posi- soventral, látero-lateral e ântero-posterior, havendo
ção legal. Note-se que o último dos dois defensores diversas possibilidades de combinação desses
pode ser tanto o goleiro e outro defensor quanto dois movimentos para satisfazer todas as necessidades
defensores quaisquer.” [12] do olhar [13,14]. Alguns movimentos são lentos e
gradativos, como os movimentos disjuntos dos olhos,
Não há aspecto do futebol que provoque maior que podem ser convergentes ou divergentes e visam
controvérsia entre os jogadores, treinadores e torce- manter a imagem em pontos homólogos da retina.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 9

Pertencem também a essa categoria os movimentos enorme redução da capacidade de detectar ou discri-
conjugados de seguimento de um objeto móvel no minar os estímulos visuais durante a execução dos
campo visual – curiosamente esses movimentos não movimentos sacádicos: um pouco antes do início do
podem ser realizados voluntariamente se não existir movimento, durante a execução deste e um pouco
um alvo a ser acompanhado com o olhar. Outros são depois dele ter terminado, a capacidade visual do
movimentos balísticos, ou seja, são pré-programados indivíduo diminui e ele fica cego para vários aspectos
e, uma vez iniciados, não podem ser interrompidos da cena visual [13,16,17].
ou alterados, sendo chamados de movimentos con- Pouco é conhecido sobre os circuitos neurais
jugados sacádicos. e os mecanismos fisiológicos subjacentes a esse
Todos esses movimentos são realizados por seis fenômeno, mas acredita-se que a sua função é
músculos extrínsecos de cada lado que possuem um poupar o indivíduo de perceber a degradação da
ponto de inserção no globo ocular e outro nas estru- imagem durante a sacada, cuja velocidade supera
turas da órbita ocular: reto superior, reto inferior, reto em grande parte a resolução espaço-temporal do
medial, reto lateral, oblíquo superior e oblíquo inferior processamento visual [13,16,17]. A degradação da
– grosseiramente um par de músculos para cada eixo imagem é observada nas filmagens com películas
de rotação [13-15]. Esses músculos são comandados fotossensíveis de câmaras tradicionais ou com
por motoneurônios situados nos núcleos de três ner- elementos fotossensíveis de câmaras eletrônicas,
vos óculo-motores de cada lado do sistema nervoso quando a velocidade de movimentação da câmara ex-
central: nervo motor ocular comum (III par craniano), cede a resolução temporal do processo de registro da
nervo troclear (IV par craniano) e nervo motor ocular imagem. As sacadas podem variar consideravelmente
externo (VI par craniano). Diversos centros neurais em magnitude entre menos de 1o a 20o de ângulo
no tronco cerebral e cérebro controlam a atividade visual; sua duração é pequena, raramente maior do
desses neurônios e existe um mecanismo refinado que 50 ms; e sua velocidade de pico pode chegar a
para que as contrações dos músculos nos dois 500 graus/s para grandes sacadas [14]. O tempo
olhos sejam simétricas ou assimétricas conforme o de integração do sistema visual humano, derivado
movimento necessário a cada tarefa visual [13,14]. da Lei de Bloch, é cerca de 100 ms; sua resolução
Os movimentos sacádicos são aqueles utilizados temporal, a frequência crítica de fusão, é 50 Hz, o
para explorar uma cena visual, ler um texto e mudar que corresponde a um ciclo de luz e escuro de 20 ms;
a direção do olhar subitamente de um ponto para o o pico da sensibilidade ao contraste temporal para
outro, como é exigido do bandeirinha na verificação estímulos de frequência espacial baixa é cerca de 20
da existência ou não de posição de impedimento por Hz, o que corresponde a um ciclo de 50 ms, mais de
parte de um atacante no futebol [13,14]. Durante os convergente com a Lei de Bloch. Confrontando esses
movimentos oculares sacádicos, ocorre um fenôme- números sobre a resolução temporal do sistema vi-
no chamado supressão sacádica [13,16,17], o qual sual com os parâmetros dos movimentos sacádicos
torna a missão do bandeirinha frequentemente muito oculares, pode-se prever que seria possível detectar
difícil e talvez impossível em muitas situações. durante as sacadas objetos com conteúdo de frequ-
Esse fenômeno foi descrito pela primeira vez ências espaciais baixas, o que poderia provocar um
por B. Erdmann e R. Dodge (1898) ao observarem efeito perturbador para o observador.
durante a realização de um experimento não rela- A supressão sacádica precede o movimento e,
cionado com o tema que um indivíduo nunca via o portanto, é um fenômeno desencadeado pelo próprio
movimento dos próprios olhos [18,19]. A melhor cérebro como parte da preparação para a execução
maneira de entender esse fenômeno é realizar um e a própria execução do movimento. Todavia, existe
experimento relativamente simples. Primeiramente, certa controvérsia sobre que aspectos de uma cena
pedir ao interlocutor que olhe para um e outro olho visual são mais afetados pela supressão sacádica, ou
seu, alternadamente, e verificar que o movimento seja, estímulos breves versus prolongados, estímulos
dos olhos do interlocutor é facilmente visto. Em acromáticos versus cromáticos, frequências espaciais
seguida, substituir o interlocutor por um espelho e altas versus baixas, de tal forma que essa é uma área
olhar para a imagem dos seus próprios olhos, ora um, da psicofísica visual que vem sendo explorada há cem
ora outro; surpreendentemente para quem nunca fez anos [19-21]. Seus mecanismos neurofisiológicos
esse experimento, o movimento dos próprios olhos também têm sido investigados com registro da ativida-
visualizados através de sua imagem no espelho agora de elétrica dos neurônios da via visual e os resultados
não é percebido. A supressão sacádica representa a utilizados para explicar os fenômenos psicofísicos
10 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

[22]. Em experimentos psicofísicos realizados em estará sujeito a cometer aqueles erros que renderão
condições controladas de laboratório, Burr et al. [21] conversas sem fim...
demonstraram que a supressão afeta preferencialmen-
te os aspectos acromáticos e na faixa de frequências Por que Baggio perdeu o penalty?
espaciais baixas, ou seja, atributos comumente con-
siderados como processados preferencialmente na “Nestes últimos anos, ninguém ofereceu aos
via subcortical M e na via de processamento cortical italianos um futebol tão bom, nem tanto assunto
dorsal. Além disso, utilizando mascaramento por con- para conversa. O futebol de Roberto Baggio tem
traste eles sugeriram que a supressão sacádica ocorre mistério: as pernas pensam por sua conta, o pé
em locais situados antes do local de mascaramento, dispara sozinho, os olhos vêem os gols antes que
ou seja, possivelmente no núcleo geniculado lateral aconteçam.” [1]
do tálamo – assim, as camadas de retransmissão de
informação pela via M, as camadas magnocelulares A Copa do Mundo dos EUA (1994) foi decidida
desse núcleo, são um sítio provável para a ocorrência na cobrança de penalidades máximas ou cobrança
desse fenômeno [21]. de penalties para usar a expressão inglesa preferida
Embora seja surpreendente descobrir que uma por muitos brasileiros. Até 1986 e, inclusive, nas
pessoa fica parcialmente cega durante os movimen- conquistas de 1958, 1962 e 1970, a Seleção Brasi-
tos sacádicos, os quais ocupam boa parte do tempo leira utilizou uma formação com três atacantes (ponta
que ela dedica à exploração do meio ambiente com direita, centroavante e ponta esquerda; Garrincha,
a visão, há toda uma série de situações onde um Vavá e Zagalo na final da Copa de 1958), apoiados
observador com visão completamente normal deixa por dois meias (meia direita e meia esquerda; Didi e
de ver ou detectar diversos aspectos de uma cena Pelé) e um volante (Zito) à frente dos quatro zagueiros
visual, seja por um fenômeno sensorial (como em (Djalma Santos, Bellini, Orlando e Nilton Santos),
imagens projetadas sobre o disco óptico), seja por com os dois zagueiros centrais (Bellini e Orlando)
um fenômeno ligado à atenção visual [23]. protegendo diretamente o goleiro (Gilmar). Essa for-
Assim, embora o bandeirinha acerte na maior mação às vezes podia usar um ponta recuado para
parte dos casos, os quais são relativamente fáceis proteger o meio de campo (Zagalo em 1958) ou com
de visualizar, ele está condenado a fracassar nas meiocampistas revezando-se para ocupar o espaço
situações difíceis, seja em virtude da supressão de um ponta na ausência de um especialista da posi-
sacádica, seja porque outros fatores além dela, ção, assim como com um ou dois laterais chegando
tais como o crowding dos elementos presentes na à frente para ajudar o ataque e, inclusive, ocupar o
cena comprometendo a atenção visual, ou mesmo a espaço tradicionalmente destinado aos pontas. A
distância e o simples encobrimento dos elementos partir da derrota de 1982 na Copa do Mundo da FIFA
chaves da cena (o jogador que passa a bola, a bola, realizada na Espanha (Itália 3 x 2 Brasil nas oitavas
o atacante que se desloca para recebê-la e os de- de final) o futebol brasileiro mudou gradativamente,
fensores e suas posições em relação ao atacante) seguindo os ventos mais defensivos que sopram na
conspiram para tornar crítica a tomada de decisão. Europa. Até hoje a Seleção joga com dois atacantes
Somem-se a esses os efeitos complicadores da ve- e quatro homens no meio de campo, não há pontas e
locidade de toda a ação e a própria movimentação seu espaço é ocupado pelos laterais, frequentemente
do bandeirinha no momento em que precisa realizar apenas um de cada vez subindo ao ataque.12 Em
a tarefa: quanto mais habilidosos e rápidos são os 1994, jogando recuado e em contra-ataques velozes,
atacantes em fugir da situação de impedimento ou os a Canarinho chegou à final com a Itália, mas o mar-
defensores em provocá-la, mais vezes o bandeirinha cador não passou de 0 x 0 depois de cento e vinte

12 As “camisas brancas enfunadas pelo vento”, neste ano de 2010, voltaram mais uma vez a alegrar o futebol brasileiro. O novo
Santos FC, treinado pelo paulista Dorival Silvestre Júnior (1962-) e comandado em campo pelo elegante e habilidoso paraense
Paulo Henrique Chagas de Lima (Paulo Henrique Ganso, 1989-), ataca simultaneamente com três atacantes e dois, ou até mesmo
três, meiocampistas apoiados pelos laterais. O resultado são partidas de muitos gols e a renovação da alegria do esporte, em vez
dos soníferos encontros de equipes congestionadas de volantes em seu meio campo que privaram ao longo de décadas o futebol
brasileiro do que ele tem de melhor. Atrevo-me a dizer que o futebol brasileiro vive uma encruzilhada como a que viveu em 1982
– se o Santos FC, que já venceu o Campeonato Paulista deste ano, vencer a Copa do Brasil (onde já é finalista) e o Campeonato
Brasileiro, isso talvez gere uma nova mudança de volta ao futebol alegre e ofensivo do “país do futebol”.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 11

minutos de jogo. A partida e a Copa do Mundo (esta o final de sua execução, com ajustes pelos sistemas
pela primeira vez na sua história) foram decididas na motores de posição, velocidade e aceleração impres-
cobrança de penalties. O último a cobrar foi Roberto cindíveis ao sucesso pretendido.
Baggio, o melhor jogador italiano, que atirou a bola Outros movimentos, entretanto, não podem ser
muito acima da meta defendida por Taffarel. O Brasil monitorados até objetivo pretendido. Eles incluem
explodiu de alívio e alegria e comemorou por dias, uma série de atos ligados à prática esportiva tanto du-
pela quarta vez na sua história, a conquista da Copa rante a fase dinâmica do jogo quanto nos “lances de
do Mundo da FIFA! Por que Baggio perdeu o penalty bola parada”: o saque no voleibol, o saque no tênis
e de forma tão estabanada? e a cobrança de penalty no futebol, para citar alguns
Façamos uma rápida digressão pelas artes exemplos. Esses movimentos são pré-programados e
bélicas. Dois tipos básicos de artilharia podem ser monitorados sensorialmente até o momento em que
usados contra um inimigo distante. Quando se atira a mão (no caso do voleibol), a raquete (no caso do
com canhões, utiliza-se a pré-programação para lan- tênis) ou o pé (no caso do futebol) atingem a bola.
çar os obuses no terreno inimigo; o local de impacto A partir daí a bola segue em trajetória balística na
é registrado e o desempenho é comparado com o direção do alvo. E a precisão do movimento precisa
previsto; são feitas correções nos parâmetros usa- ser corrigida através da repetição vezes sem fim,
dos na pré-programação e repetido o tiro; através de durante os treinamentos, confrontando-se o resultado
sucessivas aproximações o resultado é progressiva- obtido em cada tentativa com o resultado pretendido.
mente melhorado até atingir-se o objetivo desejado Quem já praticou um esporte sabe quantas vezes e
para o bombardeio. Uma situação bastante diferente durante quanto tempo um atleta precisa repetir esses
é o bombardeio com mísseis. Aqui o pré-programa atos motores para aprimorar a sua habilidade natural.
com o qual o míssil inicia sua viagem até o alvo é A execução de um movimento “encomendado”
ajustado durante o vôo, utilizando-se um conjunto de por outras regiões do sistema nervoso depende
sensores de aceleração (acelerômetros) e rotação da interação entre o córtex cerebral, os núcleos
(giroscópios) para calcular sua posição, orientação e da base e o cerebelo. Existem evidências que o
velocidade (direção e velocidade de movimento) – o processamento de informação em várias áreas do
chamado sistema de navegação inercial do míssil córtex cerebral leva à emissão de comandos mo-
[24]. Um elemento importante desse sistema de tores pelas regiões motoras corticais e que então
sensores é o giroscópio, o qual constitui um dos esses comandos são convertidos em programas ou
segredos importantes da tecnologia de construção padrões motores para a efetuação do movimento
de mísseis e lançadores de espaçonaves [25].13 em coordenadas espaço-temporais [26,27]. Esses
Os movimentos realizados por um ser humano programas motores são gerados por estruturas
podem ser descritos fazendo-se um paralelo com subcorticais, situadas no cerebelo e nos núcleos da
os exemplos bélicos acima. Certos movimentos, base, de tal forma que os movimentos rápidos são
como apanhar uma fruta para alimentar-se, são pré- pré-programados pelo cerebelo no que diz respeito
programados e, a partir dessa informação inicial, ao momento e à duração da atividade, enquanto
executados sob intensa retroalimentação sensorial que os núcleos da base exercem papel semelhante
originada em receptores musculares, tendinosos, nos movimentos lentos executados numa gama
articulares, cutâneos, vestibulares e visuais. Tanto de velocidades [26-31]. Finalmente, para aqueles
a pré-programação quanto os ajustes durante a movimentos que necessitam de análise sensorial
execução atuam de um lado sobre a postura, a qual sofisticada dos objetos, os padrões originados pelo
serve de “pano de fundo” sobre o qual o organismo cerebelo e núcleos da base são processados e re-
se move, e de outro no próprio movimento [26,27]. finados posteriormente no córtex cerebral [24-29].
Dessa forma, o movimento de apanhar um objeto O ser humano nasce com uma infraestrutura
é inicialmente programado a partir dos requisitos motora que está escrita em seu genoma [27]. São
estabelecidos e da informação sensorial disponível circuitos neurais que fazem parte da herança gené-
e, então, monitorado pelos sistemas sensoriais até tica comum da espécie e que permitem a execução

13 O giroscópio é um aparelho para medir ou manter a orientação baseado nos princípios da conservação do momento angular, sendo
o mais antigo conhecido aquele construído pelo alemão Johann Bohnenberger em 1817. Os giroscópios são usados em sistemas
de navegação inercial quando as bússolas magnéticas não funcionam (como nos telescópios localizados no espaço) ou não são
suficientemente precisas (como nos mísseis), assim como para a estabilização de veículos aeronáuticos automáticos, ou ainda
para manter a direção de um túnel de mineração [25].
12 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

do repertório básico de movimentos essenciais à Inevitavelmente, ao final de uma extenuante


sobrevida do indivíduo, incluindo os movimentos res- partida final de um campeonato de extrema impor-
piratórios, a postura, a locomoção e os movimentos tância como a Copa do Mundo da FIFA, as condições
oculares [27]. Somam-se a esses outros circuitos metabólicas das fibras musculares de um atleta não
neurais básicos que permitem os movimentos das são as mesmas de quando ele está descansado ou
mãos e dos dedos para alcançar e segurar objetos e mesmo do final de um treino mesmo que de certa
a produção dos sons da fala [27]. Essa infraestrutura intensidade. Baggio, como todo grande atleta, com
motora está disponível a todos os seres humanos certeza exercitou a cobrança de penalties seja em
após a vida embrionária, o nascimento e o amadu- momentos descansados seja ao final dos treinamen-
recimento pós-natal do sistema nervoso. tos, como é mais comum. Desenvolveu ao longo da
Além disso, o sistema motor é caracterizado vida, certamente desde a infância, os programas mo-
pela sua capacidade de aprender, o que é chama- tores para desferir golpes certeiros na meta adversá-
do de aprendizagem motora ou de procedimento ria. Ao final da Copa do Mundo de 1994, entretanto,
(procedural), a qual depende do funcionamento após 120 minutos de uma batalha entre as quatro
integrado do córtex cerebral e dos núcleos da base linhas, os programas motores usados para aquela
para a aprendizagem de novas sequências motoras cobrança foram certamente os mesmos altamente
e, consequentemente, novas habilidades comporta- refinados por anos de treinamento de um atleta
mentais, e do cerebelo que é indispensável para a excepcional. Contudo, os efetores, as suas fibras
refinada qualidade dos diferentes padrões motores musculares, não estavam nas condições em que ele
e a habilidade de associar dois estímulos durante treinou. Creio que consciente ou inconscientemente,
reflexos condicionados [27]. muitos atletas tentam compensar essa diminuição
O aprendizado motor depende em diversas situ- de potência muscular, enviando comandos motores
ações da repetição incontável do mesmo movimento que exigem uma força maior do que normalmente.
pelo indivíduo, corrigindo-o e refinando-o a partir da in- Mas é muito difícil acertar de primeira vez o quanto
formação sensorial disponível e confrontando objetivo deve ser pedido a mais dos músculos e o resultado
e resultado a cada tentativa. Baggio, como todos os pode ser um tiro fraco que o arqueiro defenda ou
jogadores de futebol, treinou ad nauseum a cobrança um tiro muito forte por cima da meta adversária.
de um penalty. Com certeza os programas motores Acredito que foi assim, infelizmente para a grande
do seu cerebelo e núcleos da base e o recrutamento e fanática torcida italiana, naquele dia fatídico para
e refinamento sensorial desses programas pelas eles, que Baggio perdeu o penalty. O Arquiteto do
interações que se passaram no nível do seu córtex Universo que sobre tudo zela recompensou a torcida
cerebral o dotaram de todo o arcabouço neural para da Squadra Azzurra doze anos depois e, quando a
atirar aquela bola de 1994 da maneira mais perigosa Copa do Mundo da FIFA veio a ser decidida pela se-
possível à meta defendida por Taffarel. Entretanto, gunda vez nos penalties, a Itália derrotou a França e
um aspecto desse complexo de fenômenos fisioló- sagrou-se campeã da Copa do Mundo da Alemanha
gicos estava fora do seu controle. de 2006. Para Baggio, entretanto, não houve outra
Os programas motores residentes no sistema oportunidade...
nervoso central comunicam-se com os efetores do
movimento, os músculos, através dos moteurônios Referências
dos núcleos motores do tronco cerebral e da medula
espinhal. Esses motoneurônios projetam seus axônios 1. Galeano EH. Futebol ao sol e à sombra. 3ª ed. Tradu-
ção do original em espanhol El Fútbol a Sol y Sombra
para inervarem as fibras musculares estriadas esque-
por Nepomuceno E, Brito MC. Porto Alegre: L±
léticas que constituem esses músculos, destino final 2004. 232 p.
dos comandos neurais. Existem três classes de fibras 2. Kollarik T, Szöllösi G. The match of the century: Hun-
musculares que se distinguem pela predominância gary vs. England. Budapest: Puskas; 2008.
de metabolismo anaeróbico ou aeróbico, pela força 3. Drummond de Andrade C. Crônica publicada no Jor-
nal do Brasil, 21 de janeiro de 1983, um dia após
muscular que geram, pela velocidade de contração e a morte de Garrincha. Disponível em URL: http://
pela resistência à fadiga [32]. Os diferentes tipos de pt.wikipedia.org/wiki/Garrincha.
músculos são formados por diferentes proporções 4. Neves ME. Nunca houve um homem como Heleno.
dessas diferentes classes de fibras musculares e Rio de Janeiro: Ediouro; 2006. 327 p.
5. Silveira LCL. Os sentidos e a percepção. In: Lent R,
esses músculos são usados preferencialmente nas Ed. Neurociência do comportamento e da mente. Rio
várias ações dos diversos esportes, inclusive o futebol. de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p.133-81.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 13

6. Scott K. Chemical senses: taste and olfaction. In: 20. Bridgeman G, Hendry D, Stark L. Failure to detect
Squire L, Berg D, Bloom F, du Lac S, Ghosh A, Spitzer displacement of visual world during saccadic eye mo-
N, Eds. Fundamental neuroscience. 3th ed. Burling- vements. Vision Research 1975;15:719-22.
ton, MA: Academic Press/Elsevier; 2008. p.549-80. 21. Burr DC, Morrone MC, Ross J. Selective suppression
7. Reid RC, Usrey WM. Vision. In: Squire L, Berg D, of the magnocellular visual pathway during saccadic
Bloom F, du Lac S, Ghosh A, Spitzer N, Eds. Funda- eye movements. Nature 1994;371:511-3.
mental neuroscience. 3th ed. Burlington, MA: Acade- 22. Thiele A, Henning P, Kubischik M, Hoffmann KP. Neu-
mic Press/Elsevier; 2008. p.637-59. ral mechanisms of saccadic suppression. Science
8. Brown MC, Santos-Sacchi J. Audition. In: Squire L, 2002;295:2460-2.
Berg D, Bloom F, du Lac S, Ghosh A, Spitzer N, Eds. 23. Breitmeyer B. Blindspots. Oxford: Oxford University
Fundamental neuroscience. 3th ed. Burlington, MA: Press; 2010. 266 p.
Academic Press/Elsevier; 2008. p.609-36. 24. Disponível em URL: http://en.wikipedia.org/wiki/
9. Schieber MH, Baker JF. Descending control of move- Inertial_guidance_system
ment. In: Squire L, Berg D, Bloom F, du Lac S, Ghosh 25. Disponível em URL: http://en.wikipedia.org/wiki/
A, Spitzer N, Eds. Fundamental neuroscience. 3th Gyroscope
ed. Burlington, MA: Academic Press/Elsevier; 2008. 26. Kornhuber HH. Cerebral cortex, cerebellum, and ba-
p. 699-724. sal ganglia: an introduction to their motor functions.
10. Hendry S, Hsiao S. Somatosensory system. In: Squi- In: Schmitt FO, Worden FG, eds. The neurosciences
re L, Berg D, Bloom F, du Lac S, Ghosh A, Spitzer N, – third study program. Cambridge, MA: MIT; 1974.
Eds. Fundamental neuroscience. 3th ed. Burlington, p.267-80.
MA: Academic Press/Elsevier; 2008. p.581-608. 27. Grillner S. Fundamentals of motor systems. In: Squi-
11. Disponível emURL: http://pt.wikipedia.org/wiki/ re L, Berg D, Bloom F, du Lac S, Ghosh A, Spitzer N,
Garrincha. eds. Fundamental neuroscience. 3th ed. Burlington,
12. Disdponível em URL: http://pt.wikipedia.org/wiki/ MA: Academic Press/Elsevier; 2008. p.663-76.
Impedimento. 28. Ito M. The control mechanisms of cerebellar motor
13. Krauzlis RJ. Eye movements. In: Squire L, Berg D, systems. In: Schmitt FO, Worden FG, eds. The neu-
Bloom F, du Lac S, Ghosh A, Spitzer N, Eds. Funda- rosciences – third study program. Cambridge, MA:
mental neuroscience. 3th ed. Burlington, MA: Acade- MIT; 1974. p.293-303.
mic Press/Elsevier; 2008. p.775-92. 29. Mauk MD, Thach WT. Cerebellum. In: Squire L, Berg
14. Oyster CW. The human eye – structure and function. D, Bloom F, du Lac S, Ghosh A, Spitzer N, Eds.
Sunderland, MA: Sinauer; 1999. 779 p. Fundamental neuroscience. 3th ed. Burlington, MA:
15. Berkovitz BKB, Moxham BJ. Head and neck anatomy. Academic Press/Elsevier; 2008. p.751-74.
London: Martin Dunitz; 2002. 470 p. 30. DeLong M. Motor functions of the basal ganglia:
16. Snowden R, Thompson P, Troscianko T. Basic vision single-unit activity during movement. In: Schmitt FO,
– An introduction to visual perception. Oxford: Oxford Worden FG, eds. The neurosciences – third study
University Press; 2006. 382 p. program. Cambridge, MA: MIT; 1974. p.319-25.
17. Disponível em URL: http://en.wikipedia.org/wiki/ 31. Mink JW. The basal ganglia. In Squire L, Berg D,
Saccadic_masking. Bloom F, du Lac S, Ghosh A, Spitzer N, Eds. Funda-
18. Erdmann B, Dodge R. Psychologische Untersuchung mental neuroscience. 3th ed. Burlington, MA: Acade-
über das Lesen auf experimenteller Grundlage. Halle: mic Press/Elsevier; 2008. p.725-50.
Niemeyer; 1898. 32. Henneman E. Skeletal muscle – the servant of the
19. Dodge R. Visual perception during eye movement. nervous system. In: Mountcastle VB, ed. Medical
Psychological Review 1900;7:454-65. physiology. Saint Louis: Mosby; 1980. p.674-702.
14 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

Opinião

Reserva cognitiva: o novo


conceito de plasticidade neural
associada às funções superiores
Álvaro Machado Dias

Entre as diversas linhas de estudo da mente humana enquanto proprie-


dade emergente do funcionamento neuronal, poucas despertaram o interesse
de leigos e cientistas quanto a da extensão e dos limites das transformações
cerebrais, passíveis de serem geradas através do aprendizado. Denominada
em sua forma mais ampla de ‘plasticidade neural’, esta capacidade dinâmica
se tornou célebre a partir da elegante proposição de Donald Hebb [1], que a
descreveu como um processo associacionista, fundamentalmente determina-
do pela alteração na eficácia conectiva de neurônios (pré e pós-sinápticos),
a partir da emissão de potenciais de ação sincrônicos.
Desde então, muita esperança se depositou na possibilidade de que
a plasticidade cerebral também incluísse o surgimento maciço de novas
células (neurogênese) e, consequentemente, uma ampla reformulação de
redes neuronais danificadas. Não obstante, trinta e dois anos se passaram
entre a publicação do clássico estudo de Hebb e a primeira demonstração de
plasticidade neocortical [2] e, frustrando as expectativas, tais achados não
representaram o elogio da neurogênese cortical, mas tanto pelo contrário,
levaram à crença de que as perdas são frequentemente inexoráveis e de
que o sonho da reparação de circuitos neuronais por meio da proliferação
celular induzida encontrava-se distante. Para uma revisão, ver [3]; para uma
discussão a cerca das áreas de maior neurogênese e das possibilidade de
reparação cerebral por força da mesma, ver [4].
Frente a este panorama de certo modo frustrante, apresentamos a nossa
tese: assim como aqueles que acreditam em neurogênese central maciça
estão errados e devem se contentar com a pífia recuperação de porções cor-
ticais afetadas por morte celular intensa (sobretudo em se tratando de áreas
multimodais), aqueles que afirmam a desvalia da plasticidade induzida por
aprendizado intencional, na promoção de melhor responsividade aos efeitos
Mestre e Doutorando, Univer- da perda celular e, portanto, na configuração de efeitos práticos equiparáveis
sidade de São Paulo, Dep. de ao da reparação cerebral por neurogênese, também estão.
Neurociências e Comportamen- Este aparente paradoxo desfaz-se através da superação de uma pers-
to, Apoio Institucional: CNPQ pectiva tanto errada quanto disseminada: o verdadeiro campo onde viceja o
sentido mais profundo dos efeitos propiciados pelo aprendizado intencional
Correspondência: Av. Prof. e esforçoso em relação às consequências da perda de neurônios corticais
Mello Moraes, 1721, Caixa é tanto menos o da ‘reparação’ quanto o da ‘prevenção’ das limitações im-
Postal 66261 Cidade Universi- postas pelas avarias abruptas da trama neurológica (i.e., AVCs, acidentes
tária 05508-030 São Paulo SP, mecânicos) e, de sobremaneira, das mazelas associadas ao envelhecimento
E-mail: alvaromd@usp.br e subsequente morte celular.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 15

Corroborando esta tese, é interessante notar neurônios corticais é parcamente restituída, ao passo
que duas tendências vêm crescendo no âmbito que existem maneiras de se minimizar intencional-
das neurociências, particularmente no que tange à mente os danos causados pela mesma, através da
neuropsiquiatria; uma é a de se enfatizar o papel realização contínua de tarefas intelectualmente desa-
determinante das anormalidades conectivas na fiadoras; vicissitude esta que retroage aos princípios
fisiopatologia de muitos transtornos psiquiátricos, elementares de plasticidade neural, que readquirem
não sendo um fato menor que Friston e Frith [5] sua importância original. No nosso entendimento,
tenham recentemente proposto que a esquizofrenia esta perspectiva não apenas deve ser incorporada
seria uma síndrome desconectiva, a despeito dos privadamente (incentivamos os leitores a jamais
milhares de estudos que a vinculam a perdas locali- abandoná-la), como deve se tornar alvo de políticas
zadas ou gerais de neurônios (para uma discussão, de saúde pública de caráter preventivo, tal como vem
ver [6]). A outra se faz representada pela crescente ocorrendo em relação à alimentação (combate à sub-
influência e instrumentalidade do conceito de re- nutrição e obesidade) e o sexo desprotegido: alguém
serva cognitiva, o qual versa sobre as ‘economias’ já pensou o quanto o estado brasileiro pouparia em
neuronais (i.e., circuitos em redundância, neurônios serviços médicos assistenciais caso respeitasse esta
cuja função é dividida com outros) que os cérebros máxima e investisse mais em educação?
individualmente abarcam e que em parte explicam
porque pessoas sofrendo de condições neurológicas Referências
análogas frequentemente apresentam sintomas de
intensidade diversa. 1. Hebb DO. The organization of behavior, a neuropsy-
chological theory. New York: Wiley; 1949.
Muito significativamente, vem se consolidando
2. Goldstine HH. The computer from Pascal to von Neu-
a crença de que a variável que mais contribui para mann. Princeton: Princeton University Press; 1972.
a determinação da reserva cognitiva não é de or- 3. Abrous DN, Koehl M, Le Moal M. Adult neurogenesis:
dem física (i.e. volume encefálico), mas intelectual: from precursors to network and physiology. Physiol
“Reserva cognitiva é mais do que anatomia cerebral Rev 2005;85(2):523-69.
4. Emsley JG, Mitchell BD, Kempermann G, Macklis JD.
(...) seu fator chave parece ser o nível educacional” Adult neurogenesis and repair of the adult CNS with
[7]; para uma comparação da importância relativa neural progenitors, precursors, and stem cells. Prog
do volume intracraniano em relação à educação, ver Neurobiol 2005;75(5):321-41.
[8]. Acreditamos que seja precisamente por esta via 5. Friston KJ, Frith CD. Schizophrenia: a disconnection
syndrome? Clin Neurosci 1995;3(2):89-97.
que melhor se poderia explicar a relação (ainda pouco 6. Dias ÁM, Queiroz ATL, Maracaja-Coutinho V. Schizo-
esclarecida) entre escassez de estímulos cognitivos phrenia, brain disease and meta-analyses: Integrat-
e cronificação, ao longo dos mais diversos eixos ing the pieces and testing Fusar-Poli’s hypothesis.
nosográficos neuropsiquiátricos e, de sobremaneira, Med Hypotheses 2009;74:142-44.
7. Gunderman RB, Bachman DM. Aging and cognitive
em relação à senilidade. reserve. J Am Coll Radiol 2008;5(5):670-2.
Em conclusão, assinalamos que uma das 8. Staff RT, Murray AD, Deary IJ, Whalley LJ. What pro-
máximas das neurociências é a de que a morte de vides cerebral reserve? Brain 2004;127(5):1191-9.
16 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

Perspectiva

Sensibilização Central:
ação da NA e 5HT na modulação da dor
Osvaldo JM Nascimento

A dor aguda, habitualmente transitória, decorrente da injúria ou


doença, é útil como um sinal de alerta biológico, que protege e mantém
a integridade e a sobrevivência de um organismo. No entanto, quando a
dor deixa de ter essa utilidade, permanecendo além do tempo, passa a
ser um grave problema de saúde, em muito comprometendo a qualidade
de vida, fazendo-a diminuir gradativamente.
Essa progressão da dor em tornar-se crônica significa que a dor per
se passa a se transformar numa síndrome clínica, independente da razão
etiológica e, desse modo, deve ser considerada e tratada. A etiologia
da dor requer diagnóstico preciso e adequado tratamento, no entanto,
na dor crônica, embora tratada a etiologia, a experiência dolorosa pode
persistir ou agravar-se ao longo do tempo, na dependência dos eventos
de sensibilização neural no sistema nervoso periférico e/ou central.
Na ponta posterior da medula, normalmente, ocorre a modulação
dos estímulos que vêm da periferia em direção ao cérebro. Esses si-
nais são modulados por um sistema de comporta e podem ser tanto
amortecidos pelo sistema inibidor como amplificados pelo sistema
excitatório [1]. Quando ocorre lesão do nervo ou gânglio sensitivo os
sinais advindos podem ser amplificados na ponta posterior da medula.
Essa amplificação pode produzir um processo de disparo que sustenta
a dor além do tempo, depois da lesão inicial do nervo. Nessa situação
a sensibilização central modifica-se e passa a depender da atuação
nociceptiva, tornando-se dependente da atividade da medula espinhal
e de centros superiores no cérebro, os quais são importantes nos es-
tados de dor central, tais como os causados por lesões medulares ou
na dor pós-acidente vascular cerebral. Assim, ocorre um aumento da
Professor Titular de Neurologia expressão de canais de Na+ Nav1.3 em neurônios de segunda-ordem no
Universidade Federal Flumi- corno posterior da medula e em neurônios talâmicos de terceira-ordem,
nense - UFF após essas lesões, aumentando a hiperexcitabilidade nas vias da dor,
Coordenador do Programa de contribuindo, desse modo, para a manutenção da sensação dolorosa. A
Pós-Graduação em Neurologia/ amplificação da informação relacionada a dor, que chega a lamina I do
Neurociências corno posterior, contribui para a dor inflamatória ou seja, a inflamação
Responsável pelo Setor de causa a liberação de neuromoduladores, incluindo a substância P e
Neuropatias Periféricas e Dor glutamato, no corno posterior da medula [2].
Neuropática De outra feita, o cérebro detém a habilidade de exercer controle
Coordenador do Departamento sobre a dor. Vários estudos, incluindo aqueles por imagem, têm demons-
de Dor da Academia Brasileira trado atividade entre várias áreas do tronco cerebral e do córtex rostral
de Neurologia anterior do cíngulo que tornam evidente o controle central do cérebro
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 17

na modulação da dor [3]. Atualmente, a maioria das 5-HT e da NA nas vias inibitórias descendentes da
pesquisas tem sido direcionada para a redução da dor no sistema nervoso central, devido a ligação, por
excitabilidade advinda do nervo periférico, ou do corno exemplo, da duloxetina com os transportadores de
posterior. Como reforçar a auto-inibição neuronal é recaptação da 5-HT e NA.
muito complexo de se explorar, pela razão óbvia que
o SNC é difícil de acessar e as pesquisas avançam Figura 1 - Vias inibitórias da dor [6].
por observações indiretas, geralmente são estudados Ƈ A dor neuropática
mecanismos de determinados grupos de fármacos ou está associada
fármacos específicos. com excitação
Os mecanismos centrais de dor e o processo elevada e
de depressão utilizam os mesmos substratos neu- inibição reduzida
das vias dolorosas
roquímicos, no entanto, deve-se enfatizar que os
ascendentes
antidepressivos têm ação analgésica na ausência
de sintomas depressivos [4]. Os antidepressivos Ƈ As vias descen-
dentes modulam
detém a habilidade de modular a disponibilidade de
os sinais
serotonina (5-HT) e noradrenalina (NA), bloqueando o ascendentes
mecanismo de recaptação de monoaminas, além da
Ƈ NA e 5-HT são
possibilidade de ação bloqueadora sobre os canais neurotransmis-
de Na+ voltagem-dependentes e canais de cálcio sores-chave
voltagem dependentes [5]. Na figura 1 referimos nas vias dolorosas
essas vias inibitórias da dor. Múltiplos mecanismos inibitórias
estão envolvidos no processamento fisiopatológico descendentes
da dor neuropática tais como excitabilidade ectópica Ƈ O aumento da
na área lesada do sistema nervoso, reorganização disponibilidade
estrutural em diferentes níveis das vias sensitivas, de NA e 5-HT
pode promover
sensibilização periférica e central, redução da inibi- inibição central
ção. O circuito neuronal envolvido no processamento da dor
da dor envolve um equilíbrio entre as vias inibitórias -
5-HT NA
e excitatórias. Quando ocorre lesão de nervos perifé-
ricos há redução do controle do processo de inibição Referências
central sobre o corno posterior da medula. 5-HT e NA
estão envolvidas no circuito de modulação da dor, que 1. Fields HL, Basbaum AI. Central nervous system
inclui a amígdala, a substância cinzenta periaquedutal mechanisms of pain modulation. In: Wall PD, Melzack
R, eds. Textbook of pain. 4th ed. London: Churchill
(PAG), tegmento pontino dorsolateral (DLPT) e medula
Livingstone; 1999. p.309-29.
rostroventral (RVM). 5-HT e NA liberadas neste circui- 2. Ikeda H, Stark J, Fischer H et al. Synaptic amplifier of
to modificam os sinais de dor no corno posterior da inflammatory pain in the spinal dorsal horn. Science
medula espinhal. 2006;312:1659-62.
Atividade nas vias NA resultam em atividade 3. Chen FY, Tao W, Li YJ. Advances in brain imaging of
neuropathic pain. Chin Med J (Engl). 2008;121(7):653-
inibitória no corno dorsal, enquanto a atividade nas 7.
vias serotoninérgicas no tronco cerebral resulta tanto 4. Besson M, Piguet V, Dayer P et al. New approaches
em atividade excitatória como inibitória. Isso pode, to the pharmacotherapy of neuropathic pain. Rev Clin
em parte, explicar porque os inibidores seletivos de Pharmacol 2008;1:683-93.
5. Jones SL. Descending noradrenergic influences on
recaptação da serotonina não funcionam tão bem pain. Prog Brain Res 1991;88:381-94.
quando usados isoladamente no tratamento da dor 6. Fields HL, Basbaum AI. Central nervous system
neuropática. O aumento da atividade tanto da 5-HT mechanisms of pain modulation. In: Wall PD e
como da NA auxilia no tratamento da dor. A ação Melzack R, eds. Textbook of pain. 4th ed. London:
Churchill Livingstone; 1999. p.310.
inibitória da dor promovida pelos antidepressivos
duais admite-se resultar do aumento da atividade da
18 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

Perspectiva

Vírus como traçadores neuronais


Viruses as neuronal tracers
Judney Cley Cavalcante

Resumo
Os vírus vêm sendo utilizados como traçadores transneuronais por muitos anos. Recente-
mente eles têm sido utilizados como vetores de inserção em neurônios de moléculas mar-
cadoras sob controle de promotores. Ao serem expressas, essas moléculas marcadoras
preenchem o citoplasma dando um aspecto de célula de Golgi ao neurônio, permitindo
assim o traçamento de sua projeção anterógrada. A principal vantagem na utilização de
vírus como traçador neuronal anterógrado é o estudo de vias neuronais específicas utili-
zando a inserção de moléculas marcadoras sob controle de promotores que podem ser
“lidos” apenas por células específicas.

Palavras-chave: vias neuronais, moléculas marcadoras, vetores de inserção.

Abstract
Viruses have been used as transneuronal tracer for a long time. Recently they have been
used to insert promoters-controlled markers inside the neuronal genetic machinery. When
expressed, those markers fulfill the cytoplasm giving the neurons an aspect of Golgi stain-
ing, allowing them to be traced. The main advantages of use the virus as an anterograde
neuronal tracer is to study specific neuronal pathways using markers controlled by specific
promoters that can be transcripted by specific cells.

Key-words: neuronal pathways, promoters-controlled markers.

Laboratório de Neuroanatomia, Introdução


Departamento de Morfologia,
Centro de Biociências, Univer- Traçadores neuronais são ferramentas muito importantes na desco-
sidade Federal do Rio Grande berta de vias neurais e na elucidação de funções de áreas específicas.
do Norte Utilizando esta ferramenta sabemos quem conversa com quem no sis-
tema nervoso. Mesclada com outras técnicas, o traçamento neuronal
Correspondência: Departa- pode revelar que tipo de linguagem os neurônios de uma determinada
mento de Morfologia, Centro de área utiliza. Diversos tipos de traçadores já existem e o vírus é uma
Biociências, Campus univer- categoria especial deles.
sitário, Av. Senador Salgado Com a capacidade de infectar um neurônio, se replicar e passar
Filho S/N, Lagoa Nova 59072- para outro neurônio, os vírus se tornaram os melhores traçadores
970 Natal RN, Tel: (84) 3215 transneuronais (ou transsinápticos) existentes. Enquanto os vírus se
3431 Fax: (84) 3211 9207, replicam em cadeia, amplificando a marcação, outros traçadores que
E-mail: judney@usp.br têm a capacidade de ser tranferidos de um neurônio a outro se diluem
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 19

no interior de cada neurônio de uma mesma cadeia PHA-L e BDA são ótimas ferramentas para o
perdendo sua efetividade, portanto os vírus podem traçamento neuronal anterógrado, mas apresentam
ser traçados de forma mais satisfatória por uma alguns problemas: ambos mostram, no local da in-
sequência longa de neurônios. jeção, marcação em neurônios que podem não ter
Diferentes vírus podem ser utilizados como transportado o traçador; e, no geral, seus locais de
traçadores transneuronais. Vírus da raiva e o da injeção apresentam um borrão central, o que torna
pseudo-raiva são os mais utilizados como traçadores difícil determinar com precisão quantos e quais neu-
transneuronais retrógrados [1-3], enquanto o vírus do rônios captaram o traçador (Fig. 1c). Em contraste,
herpes (HSV) pode ser utilizado como traçador retró- no local da injeção do vetor viral, apenas neurônios
grado ou anterógrado, dependendo do subtipo [4,5]. que captaram o vetor e encorporaram seu material
A visualização destes vírus é normalmente feita genético apresentam marcação para GFP, por isso
por imunoistoquímica utilizando um anticorpo espe- podemos ver a exata população de neurônios que
cífico para cada vírus [6]. expressa GFP e está apta a transportá-lo (Fig. 1a e
b). Devido à necessidade da maquinaria genética
Evolução para a expressão de GFP, é praticamente impossível
a marcação devido à captação do vírus por fibras
A utilização de vírus como traçador neuronal evo- de passagem, mesmo que estas estejam lesadas.
luiu na última década com a introdução de vírus que Outra vantagem está no fato de que, desde que o
não fazem transferência sináptica. Nesse caso, os vírus não seja tóxico ao neurônio, a expressão de
vírus utilizam outra maquinaria e funcionam apenas GFP pode perdurar por meses, permitindo o traça-
como traçadores anterógrados. Os vírus desta nova mento de longas projeções, enquanto que PHA-L e
geração de traçadores não se replicam na célula, eles BDA são degradados em torno de 5 semanas após
carregam uma sequência genética que, quando aco- injeção [9, 10]. Portanto, o vetor viral pode se tornar
plada ao DNA do neurônio, promove a transcrição e uma boa ferramenta para traçamento em sistemas
tradução de uma molécula específica. Essa sequência nervosos cujo exame só pode ser feito muito tempo
genética é composta basicamente de um promotor depois da injeção, como em alguns animais de grande
que controla uma sequência de DNA que codifica uma porte ou até em humanos voluntários na ocasião de
molécula marcadora. outra cirurgia, permitindo, após a morte “natural” do
Em princípio, esta tecnologia foi utilizada na te- indivíduo, a visualização de uma via traçada por uma
rapia gênica [7,8], introduzindo novas moléculas ou injeção feita meses ou até anos antes.
aumentando a expressão de moléculas pré-existentes
no organismo, mas o advento de moléculas marcado- Tipos de vírus
ras não tóxicas e sem ação neuromediadora, como
a proteína verde fluorescente (GFP), impulsionou a Os principais tipos de vírus utilizados como veto-
utilização desta tecnologia no estudo das projeções res são o lentivírus e o vírus adeno-associado (AAV). O
neuronais. Desta forma, estes vírus funcionam ape- lentivírus possui virulência e necessita de um cuidado
nas como vetores que têm a missão de infectar e especial no transporte, manuseio e armazenamento.
acoplar seu material genético ao material genético O AAV é um tipo de vírus que não carrega nenhuma
do neurônio, daí por diante é a própria maquinaria proteína viral, à exceção da cápsula (que é eliminada
molecular do neurônio que promove a expressão do poucas horas após infecção), por isso não é virulento
marcador. e não ativa processos inflamatórios em demasia [11].
Além disso, AAV tipo 2 infecta apenas neurônios e
Vantagens e desvantagens tem uma taxa de infecção alta [8,12,13].

A GFP é a principal molécula marcadora utilizada. Carga viral


Apesar de ter uma fluorescência própria, revelação por
imunoperoxidase mostra que neurônios que expressam Apesar do tipo de vírus determinar o tipo de célula
GFP apresentam um aspecto de célula de Golgi, assim a ser infectada e a taxa de infecção, é a carga viral que
como outros traçadores anterógrados, como a leucoa- determina a eficácia e especificidade do traçamento.
glutinina do Phaseolus vulgaris (PHA-L) ou a dextrana Quando a intenção é utilizar o vírus como um traçador
amina biotinilada (BDA) . Então, qual a vantagem de geral, usa-se a molécula marcadora associada a um
utilizar vetores virais como traçadores anterógrados? promotor geral, ou seja, que será “lido” por qualquer
20 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

Figura 1 - Injeção de vetor viral. (A) Neurônios expressando GFP, revelado por imunoperoxidase, após injeção
do vetor viral AAV no núcleo parabraquial. (B) Maior aumento da caixa em A. (C) Injeção de PHAL no núcleo
parabraquial. Note a diferença no aspecto da injeção. Abreviações: bc, pedúnculo cerebelar superior; IC, colí-
culo inferior. Modificado de [11,15].

Perspectivas
A utilização de vírus como traçador ainda engati-
nha no Brasil, pois laboratórios de virologia local não
desenvolvem os vetores a serem utilizados. Além do
mais, os bons resultados trazidos por estudos com
traçadores mais acessíveis como o PHA-L e BDA,
põem em xeque a real necessidade da utilização de
vírus. No entanto, fica claro que, quando se trata de
traçamento de vias específicas ou após longo período
de sobrevida, os vírus se mostram como ferramenta
especial, única e de futuro promissor.

Agradecimentos

célula infectada. Os promotores gerais mais utiliza- Agradecimento a Tanágara Irina de Siqueira Ne-
dos são o CMV (citomegalovírus) e o CBA (chicken ves Falcão pela revisão do texto. JCC é apoiado pela
beta actin). No entanto, podemos gerar promotores FAPERN e CNPq.
que só podem ser “lidos” por neurônios específicos,
tornando tais vírus traçadores específicos. Por exem- Referências
plo, Card et al. [14] utilizaram injeção de lentivírus
que carregava a GFP sob controle de um promotor 1. Cavalcante JC, Canteras NS. Traçadores neuronais
sintético de dopamina-β-hidroxilase (DBH; primeira anterógrados. In: Bittencourt JC, Elias CF, eds. Métodos
em Neurociência. São Paulo: Roca; 2007. p.133-46.
enzima da cadeia de síntese das catecolaminas) para 2. Cavalcante JC; Elias CF. Traçadores neuronais
traçar as projeções do grupamento C1 de neurônios retrógrados. In Bittencourt JC, Elias CF, eds. Métodos
em Neurociência. São Paulo: Roca; 2007. p.115-31.
catecolaminérgicos. Como tal promotor só é lido por 3. Kelly RM, Strick PL. Rabies as a transneuronal tracer
neurônios catecolaminérgicos, apenas este tipo de of circuits in the central nervous system. J Neurosci
neurônio infectado pelo vírus expressou GFP e pode Methods 2000;103:63-71.
4. Norgren RB Jr, Lehman MN. Herpes simplex virus
ser traçado. Essa “brincadeira” com a carga genética as a transneuronal tracer. Neurosci Biobehav Rev
é talvez a maior vantagem da utilização de vírus como 1998;22:695-708.
traçador e abre a possibilidade da geração de uma 5. Kuypers HG, Ugolini G. Viruses as transneuronal
tracers. Trends Neurosci 1990;13:71-5.
infinidade de tipos de traçadores específicos.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 21

6. Sita LV, Bittencourt JC. Imunoistoquímica, transgene expression and anterograde tract tracing in
In Bittencourt JC, Elias CF, eds. Métodos em the CNS. Brain Res 1998;793:169-75.
Neurociência. São Paulo: Roca; 2007. p.57-79. 12. Davidson BL, Stein CS, Heth JA, Martins I, Kotin
7. Song S, Wang Y, Bak SY, Lang P, Ullrey D, Neve RL, RM, Derksen TA, Zabner J, Ghodsi A, Chiorini JA.
O’Malley KL, Geller AI. An HSV-1 vector containing Recombinant adeno-associated virus type 2, 4, and 5
the rat tyrosine hydroxylase promoter enhances both vectors: transduction of variant cell types and regions
long-term and cell type-specific expression in the in the mammalian central nervous system. Proc Natl
midbrain. J Neurochem 1997;68:1792-803. Acad Sci U S A 2000;97:3428-32.
8. Kaplitt MG, Leone P, Samulski RJ, Xiao X, Pfaff DW, 13. Kaspar BK, Vissel B, Bengoechea T, Crone S, Randolph-
O’Malley KL, During MJ. Long-term gene expression Moore L, Muller R, Brandon EP, Schaffer D, Verma IM,
and phenotypic correction using adeno-associated Lee KF, Heinemann SF, Gage FH. Adeno-associated
virus vectors in the mammalian brain. Nat Genet virus effectively mediates conditional gene modification
1994;8:148-54. in the brain. Proc Natl Acad Sci U S A 2002;99:2320-5.
9. Gerfen CR, Sawchenko PE. An anterograde 14. Card JP, Sved JC, Craig B, Raizada M, Vazquez J,
neuroanatomical tracing method that shows the Sved AF. Efferent projections of rat rostroventrolateral
detailed morphology of neurons, their axons and medulla C1 catecholamine neurons: Implications for
terminals: immunohistochemical localization of an the central control of cardiovascular regulation. J
axonally transported plant lectin, Phaseolus vulgaris Comp Neurol 2006;499:840-59.
leucoagglutinin (PHA-L). Brain Res 1984;290: 219-38. 15. Bester H, Besson JM, Bernard JF. Organization of
10. Brandt HM, Apkarian AV. Biotin-dextran: a sensitive efferent projections from the parabrachial area to the
anterograde tracer for neuroanatomic studies in rat hypothalamus: a Phaseolus vulgaris-leucoagglutinin
and monkey. J Neurosci Methods 1992;45:35-40. study in the rat. J Comp Neurol 1997;383:245-81.
11. Chamberlin NL, Du B, de Lacalle S, Saper CB.
Recombinant adeno-associated virus vector: use for
22 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

Livros
Leonard Mlodinow, O andar do bêbado – como o
acaso determina nossas vidas, Zahar, 2009, 261 p.

Jogo no pano...jogo feito

por Givago da Silva Souza O quanto de seu sucesso (ou fracasso) é determinado por seus
próprios méritos (ou deméritos) e quanto dele é explicado pela obra do
acaso? O livro O andar do bêbado: como o acaso determina as nossas
vidas traz um ótimo resumo da história da formação do conhecimento
científico sobre a investigação das incertezas dos eventos, além de
como o acaso pode ser um fator preponderante sobre os acontecimen-
tos diários. O livro foi escrito pelo físico Leonard Mlodinow que ficou
conhecido pelo grande público pela co-autoria do livro Uma nova história
do tempo [1] ao lado do famoso físico inglês Stephen Hawkins.
O livro traz dez capítulos descrevendo a vida e o papel de importan-
tes cientistas na formação de idéias básicas para a compreensão da
formação do conhecimento estatístico, entremeado com fatos da vida
de celebridades como Bill Gates, Steve Jobs, Bruce Willis, entre outros.
Interessantíssimo é o papel dos jogos de azar sobre a formação do
conhecimento estatístico. Cardano, Galileu, Newton, Bernoulli, Lavoisier,
Pascal, Fermat, Laplace foram pesquisadores que de forma direta ou
indireta e por vontade própria ou por encomenda estudaram o que havia
por de trás dos jogos de dados, baralhos, lançamentos de moedas,
roletas e outros jogos comuns à vida européia de seus tempos. Até
esses primeiros estudos, o resultado dos jogos era realmente encara-
do como uma vontade divina. A partir de seus estudos, alguns deles
levaram vantagem sobre seus oponentes e ganharam muito dinheiro,
mas o que importa é que naquela Europa que se livrava da idade média
surgia uma nova matemática e uma nova ciência baseada em um método
replicável que reconhece que as falhas são intrínsecas às medidas e
busca estimar a margem de erro de suas medidas.
Outro ponto importante são as exemplificações de problemas pro-
babilísticos trazidos para discussão com os leitores. Um problema que
gerou grande discussão nos Estados Unidos da América foi um desafio
lançado por uma coluna de revista chamada “Ask Marilyn”. Esta coluna
costumava fazer desafios que envolvessem lógica, estatística e situa-
ções de vida diária aos leitores. O desafio controverso criado pela coluna
Givago da Silva Souza é biólogo, descrevia um programa de tevê, daqueles em que o convidado tem que
Doutor em Neurociências, Instituto escolher uma de três portas para encontrar um prêmio. Depois de feita a
de Ciências Biológicas, Núcleo de escolha, o animador sabendo do que se escondia atrás das portas, abre
Medicina Tropical, Universidade uma delas que obrigatoriamente não apresenta um prêmio e pergunta ao
Federal do Pará, convidado se ele quer mudar sua porta para a outra porta que continua
fechada. A polêmica do desafio é que a coluna “Ask Marilyn” afirma
Correspondência: givagosouza@ que é vantajoso trocar de porta. Os editores da revista que publicava a
yahoo.com.br coluna na época receberam uma enxurrada de cartas, desde anônimos
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 23

a renomados pesquisadores, criticando a coluna samento baseado na falta de informação são os


por estar induzindo os leitores a uma compreensão vieses cognitivos e sensoriais. Os vieses cognitivos
errada de estatística, já que após a abertura de uma ganham importância na nossa relação com fenôme-
das portas sobrariam duas portas e as chances de nos aleatórios. Por exemplo, quando apresentamos
acerto do convidado só poderia ser de 1:2, ou seja, uma idéia, ao invés de tentarmos provar que nossas
não haveria vantagem em se trocar de porta como idéias não estão erradas, geralmente tentamos
afirmado pela coluna. Mas acreditem se quiser, ou provar que elas estão corretas. A esta barreira de
melhor, leiam no livro como, a coluna estava certa e nos livrar da interpretação errônea da aleatorieda-
os milhares de cartas estavam erradas. de, os psicólogos chamam de viés de confirmação.
Entre as curiosidades históricas regidas pelo Comumente ao apoiarmos um governo preferimos
acaso cito uma descoberta biológica que culminou dar-lhes os méritos ao sucesso de suas administra-
no prêmio Nobel da física de Albert Einstein. Robert ções e seus fracassos passamos, pelo menos em
Brown, famoso microscopista escocês e descobridor parte, à oposição. Nós não só evidenciamos nossas
do núcleo celular, observou que pequenas partículas idéias pré-concebidas, como também interpretamos
se mexiam dentro de grãos de pólen. Esse movimen- indícios ambíguos (aleatoriedade) a favor de nossas
to parecia ser completamente aleatório. O mesmo idéias. Nosso cérebro tem problemas em trabalhar
achado foi encontrado em suspensão de partículas com aquilo que não tem controle (acaso). Talvez isso
orgânicas e inorgânicas. Brown inicialmente pensou explique porque tantos, mesmo após uns copos a
ter descoberto algum tipo de força vital dos seres mais de uísque, insistem em querer dirigir o carro! É
vivos, mas depois concluiu negativamente sobre comum atribuirmos sucessos e fracassos de equi-
tal hipótese. O pesquisador bretão morreu antes pes esportivas a poucas pessoas. Comumente no
de conhecer a explicação do movimento aleatório país do futebol, preferimos culpar o técnico por uma
batizado com seu nome, pois a solução do problema campanha ruim no campeonato ou elevar aos céus
inicialmente biológico, só veio a ser elucubrado por um jogador que de uma hora para outra se tornou
Albert Einstein ao explicar as bases do movimento artilheiro. Esses serão os mesmos que poderão ser
browniano das moléculas em 1905. vangloriados no fim de uma campanha (visto Carlos
O livro é recomendado a todos que admiram a Alberto Parreira em 1994) ou esquecidos com o
formação do conhecimento humano em uma deter- tempo (alguém lembra do Bujica?1).
minada área e àqueles que trabalham com pesquisa Uma das discussões mais atraentes do livro é
científica. A compreensão de como os erros podem sobre o papel da distribuição normal em diferentes
influenciar em nossas medidas experimentais é eventos físicos e biológicos e de como ela pode ser
um pré-requisito para o cientista poder analisar os estudada na investigação científica. A boa compre-
dados colhidos. Para nós das neurociências, o livro ensão deste tópico, apesar de não estar no livro,
apresenta uma grande quantidade de citações de fez com que durante a segunda guerra mundial se
trabalhos sobre tomadas de decisões que envolvem criasse a teoria de detecção do sinal para o aperfei-
desde a qualificação de vinhos a controle financeiro çoamento de radares e depois permitiu que a neu-
de grandes empresas, destacando-se os trabalhos rociência aplicasse tal conhecimento em diferentes
dos prêmios Nobel de economia de 2002, Daniel experimentações para estudos de testes diagnós-
Kahneman e Amos Tversky. O capítulo 9 denominado ticos e fisiologia sensorial e comportamental [2].
Ilusão de padrões e padrões de Ilusão traz trechos de Enfim, o livro só vem a contribuir para o cres-
discussão de como o cérebro humano avalia padrões cimento dos jovens pesquisadores e ampliação de
em dados colhidos e faz julgamentos em situações campos de ação para os mais experientes.
de incerteza. A idéia básica é a de que a percepção
humana é criada em cima de dados incompletos Referências
e ambíguos. Nossa consciência é derivada de um
subconjunto de informações que refletem o mundo 1. Hawking S, Mlodinow L. Uma nova história do
tempo. Rio de Janeiro: Ediouro; 2005.
externo e que são traduzidas em sinais bioelétricos
2. Green D, Swets JA. Signal detection theory and
com diferentes eficácias. O resultado desse proces- psychophysics. New York: Wiley; 1966.

1. Bujica foi um centroavante do Clube de Regatas do Flamengo no fim da década de 1980 a início da década de 1990 que subs-
tituiu o atacante Bebeto que fora jogar no Clube de Regatas do Vasco da Gama. No primeiro jogo de Bebeto contra o Flamengo,
Bujica roubou a cena metendo dois gols e obscurecendo a atuação de seu antecessor. Com o passar dos anos a promessa de
artilheiro não vingou.
24 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

Livros
Reinaldo José Lopes, Além de Darwin, Editora Globo, 2009, 232 p.

A mente de Darwin
por Daniel Martins de Barros A mente humana tem um desafio que é, do ponto de vista lógico,
filosófico, neurológico, linguístico ou qualquer outro que se escolha,
uma quase impossibilidade: compreender a si mesma. Alguns acreditam
que o destino das neurociências é, com o tempo, revelar os segredos
últimos da relação corpo-alma; outros, no entanto, são partidários
da frase segundo a qual, se o cérebro fosse simples a ponto de ser
compreensível, nós seríamos simples a ponto de não compreende-lo.
Independentemente de qual das visões esteja correta, não se
pode negar que por si só a busca por entender mais sobre o cérebro e
a mente, quer seja esse objetivo alcançável ou não, vem gerando um
conhecimento que se acumula numa enorme velocidade. Isso tem se
traduzido em novas formas de tratamento para as doenças neurológi-
cas e psiquiátricas, refinamento da capacidade diagnóstica de males
do cérebro e até mesmo redução do preconceito contra os transtornos
mentais, pois conforme a ciência avança, mais esclarecidas e menos
preconceituosas tendem a ser as pessoas (nesse ponto vale comparar
a sociedade norte-americana com a brasileira: o escritor Pete Urley me
disse certa vez que nos Estados Unidos a antipsiquiatria não é mais
um problema, pois o discurso ideológico que dizia serem os doentes
mentais apenas pessoas que “escolheram ser normais de outra manei-
ra” foi derrubado pelas evidencias científicas; confesso que tive inveja).
Na tentativa de explicar o funcionamento mental a psicanálise
dominou o cenário durante muitos anos, reinando quase solitária como
instrumento de investigação do mundo psíquico. Sem querer adentrar
nos debates sobre seus limites e seus acertos, o fato é que, sozinha,
ela não dá conta do recado. Por isso os cientistas têm se voltado, cada
vez mais, para uma outra teoria, apresentada pouco antes, mas que
Daniel Martins de Barros é médico por muito tempo não foi correlacionada à região acima do pescoço:
psiquiatra formado pela Universi- a teoria da evolução darwiniana. Demorou a nos darmos conta disso
dade de São Paulo (USP), editor- provavelmente por conta de nossa visão da mente como substancia
assistente da Neurociências, e etérea e imaterial, uma causa não-causada. Mas no fundo seria óbvio:
trabalha desde 2002 no Instituto de se, como disse o professor Theodosius Dobzhansky, nada em biologia
Psiquiatria do Hospital das Clínicas faz sentido, a não ser à luz da evolução, isso inclui, forçosamente, nosso
da Faculdade de Medicina da USP, cérebro, peça fundamental – para dizer o mínimo – da nossa mente.
onde também é membro do Núcleo O livro Além de Darwin, de Reinaldo José Lopes, mostra um pouco
de Psiquiatria Forense e Psicologia desse caminho.
Jurídica. Não se trata, como o título deixa bem claro, de uma obra sobre
a teoria da evolução como elaborada por Charles Darwin, mas sim de
Correspondência: dan_barros@ suas consequências um século e meio depois as descobertas que ela
yahoo.com.br proporcionou e os refinamentos por quê passou ao ser ela mesma ilu-
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 25

minada por novos conhecimentos científicos. Fruto de correlacionam o funcionamento mental à seleção
seu trabalho como jornalista científico, o livro reúne natural e à genética: pistas sobre o desenvolvimento
textos cujas origens remontam a sua coluna sobre da inteligência vindas desde os céus (corvos são
biologia evolutiva, costurados em seis blocos princi- verdadeiros gênios, para desespero ainda maior de
pais: Parceiros, Mentes, Peças, Elos, Formas e Espe- Poe) e dos mares (os polvos não deixam a desejar,
ranças. Embora os capítulos no interior de cada bloco como suspeitaria Júlio Verne); a função adaptativa
sejam aproximados por alguma afinidade temática, da “carinha de neném”; ou o assustador parasita
os assuntos se sobrepõem ao longo das páginas, que manipula mentes humanas. A verdade é que em
dificultando uma taxonomia precisa desses seres cada um dos relatos há um pouco de nós mesmos se
chamados informações. Senão vejamos: quando revelando ao longo de todo o livro – das controversas
descreve um mamífero cuja sociedade subterrânea teorias sobre o surgimento da religiosidade ou da
é, na maioria dos aspectos, igual à dos insetos so- homossexualidade aos riscos de sermos extintos
ciais, como as abelhas e formigas, estamos falando por nossas próprias ações, o tempo todo Lopes fala
de quê? Etologia? Psicologia animal? Fisiologia dos de pessoas, seres humanos, seja como agentes ou
extremos? E quando adentra os aspectos éticos do como objetos de pesquisas.
trato com grandes primatas, contando sua experiên- A biologia evolutiva logicamente não é a resposta
cia com uma bebê gorila, extremamente semelhante final, até porque não temos certeza sequer sobre
à interação com crianças humanas? Ética? Teoria da as perguntas. Mas não resta dúvida que é uma
mente? Genética comparada? ferramenta importante na caminhada em direção ao
Claro que na seção Mentes há a maior concen- entendimento da mente, seja ele alcançável ou não.
tração de textos versando sobre as pesquisas que
26 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

Artigo original

Genética molecular, teorias modernas


de aprendizagem, teoria neurocientífica
das emoções e perspectivas para psicoterapia
no terceiro milênio
Molecular genetics, modern theories of education,
neuroscientific theory of emotions and perspectives
for psychotherapy in the third millenium
Vera Lemgruber

Resumo
Os estudos neurocientíficos já demonstraram que o processo psicoterapêutico terá sem-
pre seu espaço como meio de ajudar o ser humano a enfrentar seus sofrimentos pessoais.
A partir do inicio do século XXI tornou-se possível a explicação e fundamentação das bases
de um processo psicoterapêutico pelos atuais conhecimentos obtidos com os resultados
das pesquisas em neurociências. Na busca de sistematização dos aspectos técnicos
desse processo, propõe-se que outras abordagens científicas também sejam utilizadas
para a compreensão e sistematização de diversas táticas aplicadas na prática clínica.

Palavras-chave: processo psicoterapêutico, psicoterapia focal, neurociências.

Médica Psiquiatra, Mestre em Psico- Abstract


logia Clinica, Chefe do Setor de Psi- Neuroscientific studies have shown that the psychotherapeutic process will have always
its place as a means of helping human beings to face their personal sufferings. From the
coterapia do Serviço de Psiquiatria
beginning of the century made possible the explanation and justification of the founda-
do Hospital Geral da SCMRJ, Profes- tions of a psychotherapeutic process by the current knowledge obtained from the results
sora Associada Departamento de of research in neuroscience. In search of systematization of the technical aspects of this
Psicologia PUC-RIO (1970/2001), process, it is proposed that other scientific approaches are also used for the understand-
Presidente da Associação Psiquiá- ing and systematization of various tactics applied in clinical practice.
trica do Estado do Rio de Janeiro
(2002/2005) Key-words: psychotherapeutic process, focal psychotherapy, neuroscience.

Correspondência: vera@psicotera-
piafocal.com.br
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 27

Introdução com as quais os genes se defrontam no meio externo.


Há uma relativa autonomia para os seres humanos,
Em função do impacto das recentes descober- pois os genes, mesmo que forneçam as bases, só
tas das neurociências sobre o conhecimento do se tornam ativos através da interação do indivíduo
funcionamento cerebral e a verdadeira revolução que com seu meio ambiente.
provocaram nessa área, caberia ao psicoterapeuta O ser humano apresenta um alto grau de plastici-
se colocar algumas questões, como, por exemplo: 1) dade mental em resposta às mudanças necessárias
por que o conhecimento dos resultados de pesquisas ao seu desenvolvimento pessoal e à sua adaptação
genéticas pode ser útil para o psicoterapeuta? 2) ao meio ambiente. Os genes, mesmo que forneçam as
como as modernas teorias de aprendizagem funda- bases estruturais e constitucionais do temperamento
mentam um processo psicoterapêutico? 3) como a e do comportamento humano, só terão sua expressão
Teoria Neurocientífica das Emoções explica o conflito fenotípica através da interação do ser humano com
psicodinâmico? seu ambiente externo. A qualidade dos cuidados ma-
ternos nos primeiros anos de vida tem sido considera-
Propostas de respostas da, comprovadamente, como um fator fundamental na
expressão dos genes do bebê. O ser humano tem em
A Psicoterapia Focal, usando como referência o seu sistema biológico a capacidade de apego e vínculo
modelo de L. McCullough [1,2], sugere as seguintes afetivo (attachment) – afetos fundamentais para seu
respostas para as questões acima. desenvolvimento psicológico. Dados de pesquisas
demonstram que a visão do rosto da mãe desencadeia
Pesquisas de genética molecular altos níveis de opiáceos endógenos no cérebro infantil.
Essas endorfinas são bioquimicamente responsáveis
Sir Francis Bacon, cientista e filósofo inglês pelas características agradáveis da interação social
(1561-1626), identificou aquilo que denominou Di- e relacionamentos afetivos, agindo diretamente nos
lema Nature vs. Nurture e há milênios a humanidade centros de recompensa sub-corticais dos cérebros
tem se preocupado com a questão do que determi- infantis [3]. O vínculo mãe-bebê é importante para
naria a individualidade de cada ser humano. Mas foi modelar as bases da capacidade de relacionamento
somente em 2001 que o Projeto Genoma comprovou social e afetivo dos seres humano, formatando as
que o conjunto de genes da espécie humana repre- redes de conexões neuronais e modificando a neuro-
senta os alicerces da maioria de suas características química cerebral.
e comportamentos. Para Roberto Lent [4] é possível desenvolver no-
O grande achado do Projeto Genoma foi o de vas habilidades e aumentar a capacidade do Sistema
revelar que a complexidade das diferentes espécies Nervoso Central (SNC), criando novas combinações
não está no número de genes ou em sua estrutura, entre seus elementos e aumentando a eficiência das
mas sim nos mecanismos de controle de sua expres- conexões já existentes. Isso pode ser feito através do
são. Revelou também a possibilidade de herança de treinamento e da repetição de um determinado estí-
certas tendências comportamentais e as relações mulo, confirmando que, assim como as combinações
entre suscetibilidade individual – presença de mar- de genes contribuem para o comportamento humano,
cadores genéticos – e certas doenças, inclusive, os fatores sociais e o próprio comportamento agem
transtornos mentais. diretamente no funcionamento cerebral, modificando
Isso provocou uma mudança na forma de se a expressão genética através da aprendizagem.
conceber o determinismo genético e o ambiental. A importância do conhecimento das novas
A genética deixou de ser considerada como destino pesquisas de genética molecular, para os psicote-
obrigatório e passou a ser vista como potencial, ten- rapeutas, advém principalmente do fato de que elas
dência ou possibilidade. Ficou provado que o ser hu- comprovam, com bases puramente científicas, a ca-
mano já nasce equipado com uma espécie de setup pacidade de “plasticidade neuronal”. A plasticidade
neuroquímico, porém esse é passível de modificação neuronal do ser humano implica na capacidade de
pelo meio. Assim, cada indivíduo é determinado pela mudanças de conexões entre os neurônios durante
reação de seu genótipo com o meio ambiente, sendo toda a vida e é básica para a sua sobrevivência. A
uma resultante da integração desses dois vetores. possibilidade de interferir alterando o fenótipo dos in-
Donde, a forma como a carga genética vai se expres- divíduos demonstra que sempre haverá espaço para
sar em cada indivíduo depende das circunstâncias a intervenção psicoterapêutica com o ser humano.
28 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

Sua plasticidade cerebral permite a aprendizagem relação às “profundas modificações” de personalidade


em todas as etapas da vida e indica a possibilidade que se observava em tratamentos breves, sem que o
de reestruturação e modificação de comportamento paciente tivesse necessariamente tomado conhecimen-
e atitudes através das vivências de Experiências to ou elaborado as causas e raízes de seus problemas
Emocionais Corretivas. [10]. Em 1995, buscando explicar o mecanismo de
potencialização dos ganhos terapêuticos após terem
Modernas teorias de aprendizagem sido submetidos a abordagens psicoterapêuticas bre-
ves, Lemgruber criou o conceito de Efeito Carambola
No livro Brave New Brain, a neurocientista N. na P. Focal [11]. A possibilidade de o paciente, num
Andreasen mostra que “podemos mudar quem processo psicoterapêutico eficaz, vivenciar repetidas
somos e o que somos, através do que vemos, ouvi- EECs intra e extra-terapêuticas num mecanismo de
mos, falamos e fazemos. O importante é treinar as feedbback positivo e, com isso generalizar esse efeito
atividades certas do nosso cérebro. Esse processo para outras áreas de sua vida, foi comparado através
de aprendizagem é inerente não só à infância, mas de uma analogia com o termo do jogo de bilhar – Efeito
também à idade adulta e mesmo ao envelhecimento” Carambola. A Carambola do bilhar representa o impulso
[5]. O Prêmio Nobel de Ciências de 1999, E. Kandel, de uma tacada em uma bola que gera movimento em
já havia afirmado que “aprendizagem é biologia” [6]. uma série de outras bolas. Essas, que não haviam
Segundo Liggan & Kay, “o treinamento ou a experi- sido diretamente atingidas pelo impacto inicial do taco,
ência diferenciada leva a mudanças significativas na passam a mover-se impulsionadas pelo movimento
neuroquímica cerebral, anatomia e eletrofisiologia. gerado pela primeira bola. Da mesma forma, pela
Como consequência, é geralmente aceito que a psi- repercussão positiva da resolução do conflito focal,
coterapia seja uma poderosa intervenção que afeta mudanças podem ocorrer em diversos outros aspectos
e modifica diretamente o cérebro” [7]. não trabalhados diretamente no processo terapêutico.
Nesse contexto é que modernamente se ins- Resumindo, a EEC é o princípio central do
creve o conceito de Experiência Emocional Corretiva processo terapêutico focal e o Efeito Carambola,
(EEC). Criado em 1942, pelo psicanalista F. Alexan- sua consequência, resultante das experiências de
der [8] para explicar o processo como a intervenção reaprendizagem emocional intra e extra-terapêuticas,
psicoterapêutica se processa, por décadas a EEC foi levando à formação de novas conexões neuronais.
injustamente desvalorizada na área das psicoterapias
psicodinâmicas. Hoje sabemos que a EEC - um dos Teoria neurocientífica das emoções
fundamentos da técnica da Psicoterapia Focal (P.
Focal) - pode ser explicada através dos resultados De acordo com a teoria neurocientífica das emo-
de estudos neurocientíficos que fundamentam as ções o ser humano já nasce com uma espécie de
modernas teorias de aprendizagem. “kit de sobrevivência afetivo” - conjunto de afetos ine-
Na P. Focal o terapeuta funciona como uma espé- rentes à própria natureza do ser humano, que serve
cie de “treinador” (coach) do paciente procurando pro- como um arsenal de reações emocionais, facilitando
mover experiências de reaprendizado que provoquem sua adaptação ao seu meio. Essa abordagem segue
EECs. Nesse processo de facilitação de mudança, o o modelo sobre a evolução adaptativa dos seres
papel do terapeuta é mais catalisador do que analítico. humanos, proposto em 1859 por C. Darwin, em seu
Por meio de repetidas interações saudáveis, a EEC re- livro revolucionário sobre a origem das espécies.
significa as experiências passadas trazendo uma nova Em 1872, ele publica outro livro, desta vez sobre a
interpretação para as mesmas. Como num progressivo expressão das emoções no homem e nos animais,
treinamento, levando o paciente a ter atitudes mais dando sustentação à sua teoria evolucionista [12].
adaptativas em relação à sua problemática, propor- Através de seus estudos, Darwin demonstrou
ciona o desenvolvimento de novos “trajetos” para as que os animais compartilham com o homem afetos
percepções, sentimentos e comportamentos, através como amor, dor, medo, ciúme e raiva. Ressalta
do estabelecimento de novas redes de conexões neu- também que os padrões comportamentais evoluem
ronais, remodelando os mapas corticais, o que leva a e são transmitidos hereditariamente da mesma forma
modificações importantes que resultam em novas repre- que as características corporais, isto é, através da
sentações internas do Self e reformatação cerebral [9]. seleção natural.
Nos anos 1970 e 80 os terapeutas de linhas psico- Pesquisas realizadas no Departamento de Estu-
dinâmicas tradicionais demonstravam perplexidade em dos da Criança da Universidade de Yale mostraram
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 29

que, favorecidos pelo processo de seleção natural, agregando a Teoria dos Afetos, de Tomkins [15] e
“certos comportamentos e estados mentais adaptati- transformando-o num esquema didático (Figura 1).
vos foram conservados durante o processo evolutivo
dos seres humanos, refletindo no nosso arcabouço Figura 1 - Uso do triângulo do conflito de acordo
genético e no funcionamento neurobiológico de nosso com a teoria dos afetos. Fonte: [1].
cérebro” [13].
Nesse “kit de sobrevivência” incorporado ao sis- Triângulo do conflito Triângulo do Insignt
Defesas Afetos
tema biológico do ser humano encontram-se afetos desadaptativas Inibidores
T C
fundamentais para seu desenvolvimento psicológico..
Self Other
O chamado “amor materno” tem origem em reações
químicas e hormonais específicas, provenientes de
“um imperativo evolucionário que, em milhares de Afetos P
Ativadores
anos, se desenvolveu por seleção natural de modo
a, entre outras coisas, guardar e proteger a prole dos Legenda: T= terapeuta (situações vividas na relação
predadores e da morte por inanição”. Ainda que os com o terapeuta durante o processo de tratamento); C=
estudos tenham mostrado a origem genética e o pa- Current (vida atual, do presente real do paciente); P=
pel de adaptação evolutiva dos afetos na vida do ser passado (situações vividas com figuras no passado do
humano, isso não torna os sentimentos maternais paciente).
menos “nobres”. Afinal, ninguém vai deixar de sofrer
pela perda de uma pessoa amada por saber que o O Triângulo da Pessoa focaliza a maneira como
amor é uma manifestação subjetiva de fenômenos as manifestações desadaptadas dos afetos - origina-
físico-químicos e nem deixar de ter raiva “devido das de experiências passadas e identificadas no Tri-
à revelação científica de que a cólera de todos os ângulo do Conflito - podem ser observadas na relação
sentimentos é um ‘mero’ mecanismo de defesa de com o terapeuta e nas relações interpessoais atuais
que nos ‘dotou’ a evolução” [14]. De acordo com McCullough, a motivação básica
Usando como base a Teoria das Emoções de do comportamento humano integra uma gama variada
S.Tomkins, McCullough propôs ampliar o modelo de reações emocionais Os Afetos Ativadores / Mo-
freudiano de “dupla pulsão”, que coloca os impulsos tivadores representam aqueles afetos normalmente
sexuais e agressivos como motivação básica do despertados na vida diária, que motivam as ações
comportamento humano e incluiu as diversas reações humanas (raiva, tristeza, sentimentos positivos em
emocionais disponíveis no nosso repertório biológico relação ao self, alegria, interesse/curiosidade, etc).
de impulsos e respostas afetivas, classificando-as Os Afetos Inibidores correspondem às respostas
em dois grandes grupos: Afetos Ativadores e Afetos naturais, responsáveis pelas formas adaptativas do
Inibidores. comportamento e fazem parte da herança biológica
McCullough fundamentou a Teoria das Emoções do ser humano para reagir ao estresse e evitar
de Tomkins em resultados de pesquisas empíricas e situações aversivas (medo, culpa, vergonha, etc.).
em exames de imagem funcional da região da amíg- Em condições adversas, onde há dificuldade para a
dala cerebral em mamíferos primários e em seres expressão adaptada dos desejos e/ou necessida-
humanos. Constatou também que a observação de des, os Afetos Inibidores, ao invés de funcionarem
bebês mostrava um quadro bem diferente daquele como uma espécie de “sinal de alerta”, tornam-se
originalmente previsto por Freud: a existência de aversivos, auto-atacantes, causam conflito e geram
sistemas motivacionais surgidos na infância e base- sintomas e/ou comportamentos mal adaptados (pa-
ados em vários outros afetos, além de sexo e raiva, tológicos) É esse desequilíbrio que provoca o conflito
tais como curiosidade, prazer e vínculo (attachment). e faz surgirem os comportamentos desadaptados,
Foi sob a perspectiva neo-darwiniana da Teoria identificados no Pólo das Defesas [2].
Neurocientífica das Emoções que L. McCullough ba- Importante ressaltar que de acordo com a
seou a construção de seu modelo psicoterapêutico, abordagem da Teoria Neurocientífica das Emoções,
identificando os comportamentos desadaptados o desequilíbrio de forças entre os afetos que deve-
resultantes da ação desequilibrada dos Afetos Ativa- riam funcionar como sinais de alerta para inibir a
dores / Motivadores, provocada pelo excesso ou pela expressão dos afetos e respostas naturais é que
falta de ação dos Afetos Inibidores. Ampliou também provoca conflito e patologias. Mas, da mesma forma
a análise psicodinâmica do Triângulo do Conflito que essas associações mal adaptadas ocorreram
30 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

no passado, elas poderão ser alteradas ou refeitas que o diagnóstico psicodinâmico deve sempre ser
através de EECs num processo terapêutico. correlacionado com o diagnóstico nosológico.
Essa articulação foi denominada por Lemgruber
Perspectivas para psicoterapia no Terceiro de “prova dos nove” [17]. Esse esquema serve como
Milênio uma espécie de “fórmula matemática” para compro-
vação didática quanto ao raciocínio diagnóstico e à
Propõe-se algumas outras abordagens científicas avaliação da problemática do paciente. É um recurso
serem acrescidas e utilizadas de forma a ajudar a importante para o terapeuta se sentir seguro quanto
sistematizar o processo terapêutico, tornando-o mais ao estabelecimento do foco e planejamento terapêu-
objetivo e facilitando a compreensão de diversas tico (Figura 2).
estratégias utilizadas em sua prática terapêutica.
Figura 2 - Complementaridade entre os modelos di-
Abordagem geométrica: Transformação do agnósticos psicodinâmico e nosológico. A Prova dos
esquema dos triângulos de interpretação em Nove é uma forma de comprovação didática.
pirâmides, introduzindo a teoria do self
“PROVA DOS NOVE”
Comportamento Disfuncional
Em meados do Séc.XX, um grupo de psica-
nalistas da Clínica Tavistock, em Londres, criou o
esquema dos Triângulos de Interpretação, derivado Classificações nosográficas Triângulo do Conflito
da Teoria Estrutural de Freud (Id, Ego e Super-Ego) CID10 e DSMIV Defesas Ansiedade
e analisado sob a ótica psicanalítica freudiana. Na
década de 70 esse esquema foi designado por D. Abordagem médica: necessidade de
Malan como “Princípio Universal da Psicoterapia diagnóstico e planejamento terapêutico para o
Psicodinâmica” [16]. estabelecimento do foco
Com o objetivo de introduzir a abordagem psica-
nalítica do Self na análise dos dois Triângulos, Mc- É condição sine qua non estabelecer o diagnós-
Cullough alterou a geometria triangular do esquema tico psicodinâmico integrado ao nosológico, logo nas
e transformou-a em piramidal [1]. Nos ápices das primeiras sessões de um trabalho de P. Focal. Para
duas pirâmides passaram a figurar, respectivamen- isso, é fundamental que a anamnese e o exame psí-
te, o conceito de Self no Triângulo do Conflito e o quico sejam feitos já na primeira consulta. Além de
conceito de “Outro”, no Triângulo da Pessoa. (Vide detectar os sintomas psicopatológicos, o terapeuta
figura acima). vai precisar analisar a estrutura de personalidade do
Essa reformulação contribuiu para a valorização paciente e compreender seu psicodinamismo.
do aspecto inter-relacional, tanto na formação da Só assim ele poderá estabelecer suas hipóte-
personalidade do indivíduo e no seu processo de ses sobre o problema apresentado pelo paciente e,
desenvolvimento, como na díade paciente-terapeuta, então, elaborar o FOCO terapêutico. Na P. Focal o
além de enfatizar a necessidade de mudança na pos- conhecimento da gênese dos problemas vai ser, para
tura do terapeuta, no sentido de sugerir uma atitude o paciente, apenas acessório, já para o terapeuta,
mais empática na relação com o paciente. esse será muito importante para o planejamento
das EECs.
Abordagem matemática: correlação entre
os diagnósticos nosológico e psicodinâmico - Abordagem psicopatológica neo-darwiniana:
“Prova dos Nove” o foco do tratamento é o conflito principal do
paciente visando soluções adaptativas para sua
L. McCullough considerou que a maioria dos realidade atual
sintomas, que são detectados na avaliação noso-
lógica e estão dentro dos critérios de definição dos Apenas recentemente é que Darwin deixou de
diagnósticos dos Eixos I e II do DSM-IV, correspondem ficar restrito ao campo das ciências naturais, sendo
aos comportamentos disfuncionais e defensivos. “recuperado” pelas descobertas neurocientíficas e
Esses comportamentos desadaptados, na avaliação re-inserido num contexto mais amplo das ciências
psicodinâmica, são identificados no Pólo da Defesa humanas, podendo a teoria evolucionista darwiniana
do Triângulo do Conflito. Por isso, ressaltou também ser absorvida em outras áreas.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 31

Dentro de uma visão neo-darwiniana de adap- Referências


tação evolutiva, o objetivo da P. Focal é ajudar o
paciente na busca de soluções adaptativas para sua 1. McCullough VL. Changing character. Short term
realidade atual, no menor tempo possível. Somente anxiety regulating psychotherapy for restructuring
defenses, affects and attachment. New York: Basic
havendo um conflito identificado é que essa técnica
Books; 1997.
deve ser aplicada 2. McCullough VL et al. Treating affect phobia. A manual
O conflito é diagnosticado através dos compor- for short-term dynamic psychotherapy. New York:
tamentos inadequados ou desadaptados e/ou dos Guilford Press; 2003.
mecanismos disfuncionais do paciente - identificados 3. Bozarth MA, Wisc RA. Intracranial self-administration
of morphine into the ventral segmental area of rats.
no Pólo do Triângulo do Conflito. Para uma avaliação Life Sciences 1981;28:551.
adequada do paciente é necessário distinguir se seu 4. Lent R. Cem bilhões de neurônios: conceitos
conflito é resultado de um transtorno mental ou de fundamentais de neurociência. São Paulo: Atheneu;
uma reação normal, ainda que conflituosa, desenca- 2001.
5. Andreasen N. Brave new brain: conquering mental
deada por condições ambientais estressantes. illness in the era of the genome. New York: Oxford
A presença de Transtorno Mental, então, deverá University Press; 2003.
ser identificada através dos Eixos I e II do DSM-IV 6. Kandel ER. Biology and the future of psychoanalysis:
(ou do Cap. V da CID 10). Dentro de uma visão da- a new intellectual framework for psychiatry revisited.
Am J Psychiatry 1999;156(4):505-24.
rwiniana de um processo evolutivo com propósitos, 7. Liggan & Kay. Some neurobiological aspects of
o transtorno mental é visto como fruto da disfunção psychotherapy: a review. J Psychotherapy Pract
de um mecanismo que não estaria funcionando na- Res1999;882:103-14.
turalmente. É importante salientar que o conceito de 8. Alexander F, French T. Terapêutica psicanalítica.
Buenos Aires: Paidós; 1965.
“Transtorno Mental” foi redefinido por J. Walkefield
9. Lemgruber V. Terapia focal: psicoterapia breve
[18] como ‘Disfunção Prejudicial” (harmful dysfunc- psicodinâmica. In: Cordiolli AV, Ed. Psicoterapias:
tion). Seria uma falha no órgão e/ou estrutura mental abordagens atuais. 3ª edição. Porto Alegre. Artmed;
(mecanismos motivacionais, cognitivos, afetivos e 2008. p.167-187.
10. Lemgruber V. Psicoterapia breve: a técnica focal.
perceptivos) em executar a função natural para a qual
Porto Alegre: Artes Médicas; 1984.
foi designado/a pelo processo de seleção natural 11. Lemgruber V. Psicoterapia focal: o efeito carambola”.
(failure of designed function). Rio de Janeiro: Revinter; 1995.
12. Darwin C (1872). A expressão das emoções no
Conclusão homem e nos animais. São Paulo: Companhia das
Letras; 2000.
13. Leckman J, Mayes L. Maladies of love: an evolutionary
Os estudos da moderna genética molecular, com- perspective on some forms of obsessive-compulsive
provando a plasticidade neuronal do cérebro humano e disorder. In: Hann DM, Huffman LC, Lederhendler II,
sua flexibilidade em relação à determinação genética, Meinecke D. Advancing research on developmental
plasticity: integrating the behavioral science and
deixam claro que há uma relativa autonomia para os neuroscience of mental health. Rockville MD: NIMH,
seres humanos em relação ao seu destino. Corrobo- US Dept. of Health and Human Services, 1998.
ram a teoria darwiniana da adaptação do homem e dos p.134–52.
animais ao meio ambiente em que estão inseridos, 14. Gomes BD. A moral da coisa em si. Neurociências
2009;5(2):66-9.
servem de base para a Teoria Neurocientífica das 15. Tomkins S. Affect imagery consciousness: Volume I,
Emoções, e colaboram para a sistematização dos The positive affects. 1962. Volume II, The negative
processos psicoterapêuticos dando fundamentação affects. 1963. London: Tavistock; 1963.
científica para o conceito de EEC - princípio central da 16. Malan D. Psicoterapia individual e a ciência
psicodinâmica. Porto Alegre: Artmed; 1979.
Psicoterapia Focal - e para o de Efeito Carambola, que
17. Lemgruber V, Junqueira A. Psicoterapia psicodinâmica
é a sua consequência. Principalmente, indicam que o breve integrada: a psicoterapia do 3º milênio. Arq
processo psicoterapêutico terá sempre seu espaço - Bras Psiquiatr Neurol Med Legal 2002;96(82-83).
aliado ou não a outras formas de tratamento - como 18. Wakefield J. The concept of mental disorder:
diagnostic implications of the harmful dysfunction
meio de se ajudar o ser humano a lidar com seus
analysis. World Psychiatry 2007;6(3).
sofrimentos e buscar seu crescimento pessoal.
32 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

Artigo original

Diferenças de acuidade visual por três métodos


psicofísicos na Tabela ETDRS
Visual acuity diferences by three psychophysical
methods in the ETDRS acuity chart
Marcelo Fernandes Costa*, Valtenice Cássia Rodrigues Matos França**

Resumo
Avaliamos a acuidade visual na tabela ETDRS de 50 sujeitos voluntários para verificar o
efeito de três diferentes métodos psicofísicos nos valores medidos desta função. O Método
da Escada, o Método dos Limites e o Método de avaliação tradicional foram aplicados
em ordem aleatória, monocularmente. Um subgrupo foi submetido ao reteste. O Método
da Escada apresenta melhores valores de acuidade visual, com menos variabilidade no
reteste do que o Método dos limites e o Método Tradicional, este que apresenta piores
valores de acuidade e uma variabilidade significante entre o teste e o reteste. Concluí-
mos que apenas a metodologia é capaz de interferir significativamente nos valores de
acuidade medidos. Este resultado reforça a necessidade de se conhecer os princípios
da testagem psicofísica principalmente pelos profissionais clínicos que fazem uso cor-
rente desta metodologia e discrepâncias entre os resultados podem ser erroneamente
atribuídos aos processos de doença.

Palavras-chave: psicofísica, limiares visuais, acuidade visual, performance visual, visão


espacial.

Abstract
We evaluated the visual acuity of 50 volunteers in the ETDRS acuity chart, to test the
effect of three different psychophysical tests in the acuity values. Random testing of the
Method of the Limits, Staircase and the traditional way of testing visual acuity were done
*Depto Psicologia Experimental,
monocularly. A subgroup was retested. The staircase method had the better visual acuity
Instituto de Psicologia, Universidade values and a lower variability than the Staircase and Traditional methods. This method
de São Paulo e Núcleo de Neuroci- showed a worse visual acuity values and a statistically higher variability in the retest. We
ências e Comportamento, Univer- conclude that the method by itself interfere significantly in the acuity values measured.
sidade de São Paulo/SP, **Depto This result reinforce the necessity of the clinicians to know the principles of the psycho-
physical measurement, since they use routinely and the discrepancies between results
Psicologia Experimental, Instituto
should be, by mistake, considered as a disease process.
de Psicologia, Universidade de São
Paulo/SP
Key-words: psychophysics, visual thresholds, visual acuity, visual performance, spatial
vision.
Correspondência: Marcelo Fernan-
des da Costa, PhD, Dept. Psicologia Introdução
Experimental, Instituto de Psicolo-
gia, Universidade de São Paulo Av. Avaliações de funções visuais realizadas na clínica oftalmológica
Prof. Mello Moraes, 1721, 05508- envolvem a medidas de limiares ou sensibilidades realizadas por méto-
900 São Paulo SP, Tel: (11) 3091 dos psicofísicos, como a acuidade de optotipos de Snellen, acuidade de
4263, E-mail:costamf@usp.br resolução de grades, medidas de sensibilidade ao contraste especial de
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 33

luminância, medidas de sensibilidade no campo visual estudo foi o de mediar a acuidade visual na tabela de
e testes de visão de cores [1]. Tais medidas são utiliza- optotipo utilizando três métodos psicofísicos do dos
das para diagnóstico e/ ou monitoramento de doenças limites e um método da escada modificado.
oftalmológicas como o erro refrativo [2-5], o glaucoma
[6-8], a retinopatia diabética [9-17], toxicidade retiniana Material e métodos
[18-23], ambliopia e alterações da motilidade ocular,
como o estrabismo [3,24-39]. Sujeitos
Os procedimentos e métodos psicofísicos são
extensivamente estudados por psicólogos e pesqui- Avaliamos 50 voluntários (18 homens) com ida-
sadores da visão mas pouco deste conhecimento de variande de 19 a 43 anos (média = 28,1 anos;
básico chega ao medico clínico e aos tecnólogos que DP = 7,2) recrutados entre os funcionários e alunos
realizam diariamente estes testes em suas práticas da Universidade de São Paulo. Todos os sujeitos não
profissionais. apresentavam queixas oftalmológicas e tinham erros
Os métodos psicofísicos foram criados por Gustav refrativos apropriadamente corrigidos com óculos.
Theodor Fechner no século 19 [40], os atualmente Os critérios de inclusão foram: ausência de doenças
conhecidos como métodos psicofísicos clássicos. oftalmológicas e sistêmicas, não ser fumante (consi-
Desde então, muitos outros procedimentos psicofísi- derada como 3 ou mais cigarros por dia) e ausência
cos, conhecidos como métodos adaptativos, tem sido de dicromacia ou tricromacia anômala avaliada pelo
constantemente desenvolvidos (para revisão, veja [41]). teste Farnsworth-Munsell 100 matizes (FM100H).
No entanto, de uma maneira geral, os procedimentos A pesquisa se adere aos termos da Declaração
psicofísicos envolvem a medida de limiar. O limiar é de Helsinki e foi aprovada pelo Comitê de Ética e
definido como a minima diferença de um estímulo Pesquisa local. Consentimento informado foi obtido
que pode ser detectada, em alguma porcentagem pré- de todos os voluntários.
definida de detecção, após uma série de apresentações
variadas de uma determinada dimensão do estímulo. Equipamento
A medida mais utilizada em oftalmologia como
avaliação functional do sistema visual é a Acuidade Acuidade visual foi medida monocularmente
Visual, definida como a recíproca do limiar de se- utilizando-se a tabela logMAR ETDRS (Xenonio Ltd, Bra-
paração especial de elementos do estímulo visual. sil) [42]. A tabela logMAR ETDRS era trasniluminada e
Mesmo para medidas tão simples como a acuidade suspensa em um suporte adequado. A transluminância
visual, três importantes elementos estão modulan- da tabela tinha 100 cd.m-2. Os optotipos apresentavam
do o limiar: o estímulo, com suas características tamanho que variava entre 1,0 (equivalente Snellen
espaciais, temporais e cromáticas; a tarefa a ser de 20/200) e -3,0 (20/10) logMAR na distância de 4
desempenhada pelo sujeito; e o critério de resposta metros. Os passos entre as linhas da tabela apresen-
adotado pelo sujeito para definer o que é resposta, tam uma variação de 0,1 logMAR. Um diferencial desta
isto é, de que forma ele vai responder positivamente tabela é o fato dela apresentar o mesmo número de
para os vários estímulos. Vários métodos adaptati- optotipos (cinco) em todas as linhas.
vos foram desenvolvidos com a intenção de reduzir
a influência destes três componentes da resposta Procedimento
psicofísica, visando uma medida de limiares mais
“limpa”, mais próximas do real limiar. Três métodos psicofísicos foram utilizados para a
Embora o assunto seja motivos de grandes gas- avaliação da Acuidade Visual em todos os voluntários:
tos de energia de pesquisadores e profissionais que medida realizada pelo método tradicional, método dos
desenvolvem testes psicofísicos, poucos clínicos tem limites e método da escada simples. A tarefa dos vo-
ciência de como estes elementos podem interferir na luntários era de identificar a orientação do optotipo E,
resposta dada pelo paciente e, portanto, variações podendo arriscar um palpate quando não tinha certeza
na resposta podem ser erroneamente interpretadas. da orientação. As orientações variavam entre quarto
A tradicional medida da acuidade visual consiste possibilidades: para cima, para baixo, para a direita
em ler leteras emu ma tabela de optotipo, iniciando e para a esquerda. A medida foi realizada monocular-
pelas baixas frequencias espaciais (letras maiores) mente, em apenas um olho, aleatoriamente escolhido.
finalizando na linha de frequencia especial mais lata Os olhos foram ocluídos com um oclusor oftalmológico
que o sujeito consegue ler. Assim, o objetivo deste (Oftam AMP, Brasil) e olhavam a tabela a 4 metros
34 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

de distância. Reteste foi realizado em 13 voluntários iniciou a indicação do estímulo, a letra E, numa série
aleatoriamente escolhidos, no mesmo olho testado an- descendente (ou seja, +1.0 logMAR em direção a -3,0
teriormente, com um intervalo entre sessões de 7 dias. logMAR) até que o participante cometesse um erro.
No método tradicional, o examinador, partindo Neste ponto, a escada foi revertida para a série ascen-
dos optotipos de baixa frequencia especial (1.0 log- dente e a visibilidade do estímulo foi aumentada, isto é,
MAR) aponta progressivamente para optotipos de o examinador indicou uma letra da fileira imediatamente
tamanhos menores a cada 2 acertos em uma mesma anterior até que o participante cometesse um acerto.
linha. A progressão era interrompida na linha em que Neste ponto, a escada foi revertida para a série descen-
o sujeito informava uma resposta errada. O examina- dente e a visibilidade do estímulo foi diminuída, isto é, o
dor voltava para uma linha imediatamente anterior e examinador indicou uma letra da fileira imediatamente
checava quantas letras o voluntário conseguia res- posterior. A medição da acuidade visual terminou quan-
ponder corretamente. A acuidade visual considerada do foram realizadas seis reversões. A acuidade visual
foi o valor correspondente ao desta última linha na foi calculada pela média aritmética de todos os valores
qual o voluntário respondeu corretamente. apresentados após a primeira inversão de cada série.
No Método dos Limites foram realizadas, alterna-
damente, três séries ascendentes e três séries descen- Resultados
dentes de apresentação de estímulos. Nas séries ascen-
dentes, o examinador, inicialmente, apontou uma das Todos os 50 voluntários realizaram as avalições
letras da última fileira (maior acuidade visual) e conforme nos três métodos. Os valores médios de Acuidade
o participante identificasse corretamente a abertura da Visual são: -0,15 logMAR (DP = 0,11) para o método
letra E progredia em direção as fileiras de cima (menor tradicional, -0,19 logMAR (DP = 0,08) para o método
acuidade visual). As séries ascendentes terminavam com dos Limites e -0,23 logMAR (DP = 0,07) para o méto-
um acerto do participante. Nas séries descendentes, o do da escada. Os valores de normalidade definidos
examinador, inicialmente, apontou a letra da primeira pelos Percentis 2,5% e 97,5% são: -0,3 e 0,0, -0,3 e
fileira (menor acuidade visual) e conforme o participante 0,0 -0,3 e -,05 para os métodos Tradicional, Limites
identificasse corretamente a abertura da letra E progredia e Escada, respectivamente.
em direção as fileiras de baixo (maior acuidade visual). A análise univariada da ANOVA para Medidas
As séries descendentes terminavam com um erro do Repetidas mostrou haver diferenças estatísticas
participante. O teste foi finalizado quando as seis séries entre os métodos (F = 30,564, p < 0,001). O teste
foram realizadas. A acuidade visual correspondeu à mé- pos hoc de Tukey HSD mostrou que os valores de
dia aritmética dos limites das séries. O limite de série acuidade obtidos por cada método diferem entre si
correspondeu ao ponto médio numa inversão. com o Método da Escada apresentando as melhores
No Método da Escada o examinador realizou uma acuidades visuais e os Método tradicional os valores
alternação simples de séries descendentes e ascen- mais baixos de acuidade visual (Figura 1).
dentes de apresentação do estímulo. O examinador

Figura 1 - Valores de acuidade obtidos comm três diferentes metodologias são apresentados: método
tradicional, método dos limites e método da escada. No painél da direita temos os valores de media e desvio
padrão para cada uma das medidas. Diferenças estatísticas foram obtidas entre os três métodos. No painél
da esquerda temos os valores individuais dos 50 sujeitos testados.

0,20 Método Psicofísico 0,00


*
0,10 X -0,05
AV (LogMAR)
AV (LogMAR)

0,00 X X X -0,10 *
X X
-0,10 X X
X X
X X *
X
X X -0,15
X X
-0,20 X X X
X X
X X
X
X X
X -0,20
-0,30 X X X

-0,40 -0,25
Tradicional Limites Escada Tradicional Limites Escada
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 35

Embora haja diferenças estatísticas entre os Figura 3 - Apresentamos os dados das avaliações
métodos psicofísicos há uma maior similaridade entre repetidas em um subgrupo de pacientes. Observa-
as medidas obtidas com o Método dos Limites e o mos que a variabilidade entre as medidas foi signifi-
Método da Escada, quando estes são comparados cantemente maior no método tradicional do que nos
com o Método Tradicional (Figura 2). métodos dos limites e da escada.

Figura 2 - Avaliação correlacional entre as três 0,00 Teste


medidas em si. Encontramos que os métodos da Reteste
-0,05 *

AV (LogMAR)
escada e dos limites apresentam uma maior similari-
-0,10
dade entre os resultados do que quando compara-
dos com o método tradicional de medida. -0,15

0,0 -0,20
AV (LogMAR) - Limites

-0,25
-0,1
-0,30
Tradicional Limites Escada
-0,2
Método
-0,3 Correlações entre as medias teste e reteste
mostraram uma correlação positiva significante para
-0,4 o Método Tradicional (R = 0,72, p = 0,006), para o
-0,4 -0,3 -0,2 -0,1 0,0
Método dos Limites (R = 0,82, p = 0,001) e para o
AV (LogMAR) - Escada
Método da Escada (R = 0,72, p = 0,005)..
0,0
AV (LogMAR) - Tradicional

Discussão
-0,1
A acuidade visual é a medida clínica fundamental
-0,2 da função visual [43], muitas vezes aparecendo como
a única medida functional realizada na prática clínica
-0,3 oftalmológica. Nas últimas décadas, uma importante
quantidade de estudos foram dirigidos para o desen-
-0,4 volvimento de novos métodos de medida, usando
-0,4 -0,3 -0,2 -0,1 0,0 tabelas de optotipos, com o objetivo de obter uma
AV (LogMAR) - Escada maior confiabilidade, maior redução na variabilidade
das medidas, bem como um aumento na precisão
0,0 do resultado (para revisão ver [43]).
AV (LogMAR) - Tradicional

A versão modificada das tabelas de optotipos


-0,1 mais aceita pela comunidade clínica e utilizada de
maneira mais disseminada na prática oftalmológica
-0,2
internacional é a tabela ETDRS logMAR [42], desen-
volvida com base nos trabalhos destes autores. As
-0,3
modificações com relação à tabela de Snellen são:
-0,4 presence de 5 optotipos por linha enquanto a tabela
-0,4 -0,3 -0,2 -0,1 0,0 de Snellen apresenta diferentes números de optoti-
AV (LogMAR) - Limites pos a cada linha; espaçamento pardrão do tamanho
de 1 optotipo deixando a linha mais uniformemente
distribuída, enquanto na Snellen o tamanho do es-
A avaliação de confiabilidade entre as testagens paço varia de acordo com a linha; transiluminação
de teste e reteste mostrou uma variabilidade estatis- da placa que garante uma iluminação constante,
ticamente significante entre as medidas do Método diferente das tabelas impressas em papel que de-
Tradicional. Tal comportamento não ocorreu com os pendem da iluminação local; possibilidade de usar
Métodos dos Limites e da Escada (Figura 3). diferentes placas de um mesmo optotipo para evitar
memorização; e possibilidade de avaliar diferentes
36 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

optotipo, como os iletrados E de Snellen e o C de As medidas de teste-reteste mostrou que os


Landolt, bem como letras e números [43]. Métodos dos Limites e da Escada apresentam uma
Embora os esforços tenham focado primaria- menor variabilidade de medida e, portanto, uma
mente as características do estímulo físico, como maior confiabilidade de resposta. Esta informação
uniformidade espacial e controle da iluminação, é de grande valia não só para pesquisa mas tam-
elementos primordiais da resposta psicofísica não bém para a clínica, uma vez que a monitoria de
foram contemplados. A medida psicofísica está apoia- estados patológicos e o seguimento de resultados
da, basicamente, em três fatores: estímulo, tarefa de tratamentos são, muitas vezes, baseados em
e critério de resposta do sujeito. Além das manipu- medidas de funções visual e, frequentemente, de
lações e estudos realizados com o estímulo físico, acuidade visual.
alterações nos paradigmas psicofísicos de testagem Um resultado interessante foi o de obtermos
modificando os algoritmos envolvidos nos cálculos valores de acuidade mais baixos para a medida tradi-
de passos e medidas de limiares também recebem cional do que para os outros procedimentos. Isso su-
atenção de cientistas visuais [6;7;41;44-47]. gere fortemente que o método tradicional subestima
Estes esforços em aprimorar as medidas desta grosseiramente o real valor de acuidade visual que
função visual ocorrem não só pelo fato da acuidade acreditamos estar em torno de -0,23logMAR (20/13).
visual ser a medida da função visual mais utilizada, Este fato associado à uma significante variabilidade
mas porque uma série de doenças estão associadas de resposta mostra que a medida tradicional da acui-
à esta bem como o seu desenvilvimento. A principal dade visual está muito mais sujeita à mudanças de
patologia fortemente associada ao desenvolvimento critério do que os métodos dos limites e da escada.
da acuidade visual é a ambliopia. Ambliopia é definida Aparentemente, o método da escada é que apre-
como uma diferença interocular de acuidade visual senta valores muito mais próximos aos de um valor
com ausência de sinais ou justificativas anatômicas de acuidade real, embora a comparação das medidas
oculares que a justifique. As três principais causas deste método com o método dos Limites (ver figura
de ambliopia são o estrabismo, as ametropias e as 2) mostram um importante similaridade de medidas.
anisometropias [48-52]. Esta diferença de acuidade Sugerimos, portanto, que a acuidade visual deva ser
visual pode se tornar permanete se não tratada medida utilizando uma destas metodologias. Como
durante o período crítico para o desenvolvimento a prática clínica exige uma avaliação rápida, acredi-
visual, período este no qual as células da via visual tamos que o método dos Limites realizado com uma
primária apresentam uma capacidade de rearranjo avaliação descendente e uma avaliação ascendente
sináptico muito grande. pode garantir uma medida mais acurada e menos
Uma vez que a ambliopia é uma doença do variável do que a medida tradicional.
desenvolvimento visual e a redução da acuidade
acuidade visual está presente em uma série de pa- Conclusão
tologias oftalmológicas e neurológicas [53-66], ter
uma metodologia precisa e confiável para a avaliação Concluímos, portanto que a medida de acuidade
desta função tem fundamental importância como visual apresenta valores mais altos do que os 20/20
ferramenta para o diagnóstico e acompanhamento estipulado como valor normal. Na verdade, os nos-
de tratamentos estabelecidos. sos dados de Limites de Normalidade mostram que,
Em nosso trabalho, mostramos que independete independente do método, o valor normal para 95%
das características do estímulo, as diferentes meto- da população varia entre 20/10 e 20/20 sendo este
dologias empregadas mediram diferentes valores de o valor normal mínimo. Um outro ponto a ser consi-
acuidade. Isso significa que não basta apenas ter derado é o fato de que métodos mais controlados e
estímulos corretamente configurados e calibrados, que não acarretam um importante aumento de tempo
tarefas que minimizem os critérios de escolha da podem ser utilizados para uma melhor avaliação
resposta pelo sujeito mas também, que o método desta fundamental função visual na prática clínica.
pode influenciar, e em muito, no valor medido. Como
manipulamos apenas a tarefa, mantendo idêntico o Referências
estímulo visual, o exame era rápido de ser executado
e a tarefa envolvia uma resposta simples, acreditamos 1. Fitzke FW. Clinical psychophysics. Eye 1988;2
Suppl:S233-S241.
que o critério dos sujeitos, embora não controlados,
2. Mayer DL, Beiser AS, Warner AF, Pratt EM, Raye KN,
influenciaram muito pouco em nossos resultados. Lang JM. Monocular acuity norms for the Teller Acuity
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 37

Cards between ages one month and four years. 19. Vu BLL, Easterbrook M, Hovis JK. Detection of
Invest Ophthalmol Vis Sci 1995;36(3):671-85. color vision defects in chloroquine retinopathy.
3. Tomac S, Birdal E. Effects of anisometropia on Ophthalmology 1999;106(9):1799-803.
binocularity. J Pediatr Ophthalmol Strabismus 20. Browning DJ. Hydroxychloroquine and chloroquine
2001;38(1):27-33. retinopathy: screening for drug toxicity. Am J
4. Gusek-Schneider GC, Kulzer J, Boss A. How useful is Ophthalmol 2002;133(5):649-56.
the prescription of glasses in intermittent exotropia 21. Mavrikakis I, Sfikakis PP, Mavrikakis E, Rougas
and decompensating exophoria? Klin Monatsbl K, Nikolaou A, Kostopoulos C, Mavrikakis M. The
Augenheilkd 2006;223(7):620-8. incidence of irreversible retinal toxicity in patients
5. Risovic DJ, Misailovic KR, Eric-Marinkovic JM, treated with hydroxychloroquine: a reappraisal.
Kosanovic-Jakovic NG, Milenkovic SM, Petrovic LZ. Ophthalmology 2003;110(7):1321-6.
Refractive errors and binocular dysfunctions in a 22. Eisner A, Austin DF, Samples JR. Short wavelength
population of university students. Eur J Ophthalmol automated perimetry and tamoxifen use. Br J
2008;18(1):1-6. Ophthalmol 2004;88(1):125-30.
6. Anderson RS. The psychophysics of glaucoma: 23. Verrotti A, Lobefalo L, Priolo T, Rapinese M, Trotta
improving the structure/function relationship. Prog D, Morgese G, Gallenga PE, Chiarelli F. Color vision
Retin Eye Res 2006;25(1):79-97. in epileptic adolescents treated with valproate and
7. Ansari EA, Morgan JE, Snowden RJ. Glaucoma: carbamazepine. Seizure-European Journal of Epilepsy
squaring the psychophysics and neurobiology. Br J 2004;13(6):411-7.
Ophthalmol 2002;86(7):823-6. 24. Birch E, Williams C, Drover J, Fu V, Cheng C,
8. Swindale NV, Fendick MG, Drance SM, Graham Northstone K, Courage M, Adams R. Randot
SL, Hnik P. Contrast sensitivity for flickering and Preschool Stereoacuity Test: normative data and
static letters and visual acuity at isoluminance in validity. J.AAPOS 2008;12(1):23-6.
glaucoma. Journal of Glaucoma 1996;5(3):156-69. 25. Harvey EM, Dobson V, Miller JM, Clifford-Donaldson
9. Al Khamis AR, Easterbrook M. Critical flicker fusion CE. Changes in visual function following optical
frequency in early chloroquine retinopathy. Can J treatment of astigmatism-related amblyopia. Vision
Ophthalmol 1983;18(5):217-9. Res 2008;48(6):773-87.
10. Birch J, Dain SJ. An averaging method for the 26. Robaei D, Huynh SC, Kifley A, Gole GA, Mitchell
interpretation of the Farnsworth-Munsell 100-Hue P. Stereoacuity and ocular associations at age 12
Test--II. Colour vision defects acquired in diabetic years: findings from a population-based study. J
retinopathy. Ophthalmic Physiol Opt 1987;7(3):281-91. AAPOS 2007;11(4):356-61.
11. Brinchmann-Hansen O, Bangstad HJ, Hultgren S, 27. Ho CS, Giaschi DE, Boden C, Dougherty R, Cline R,
Fletcher R, Dahl-Jorgensen K, Hanssen KF, Sandvik Lyons C. Deficient motion perception in the fellow eye of
L. Psychophysical visual function, retinopathy, and amblyopic children. Vision Res 2005;45(12):1615-27.
glycemic control in insulin-dependent diabetics with 28. Jeffrey BG, Wang YZ, Birch EE. Altered global shape
normal visual acuity. Acta Ophthalmol (Copenh) discrimination in deprivation amblyopia. Vision Res
1993;71(2):230-7. 2004;44(2):167-77.
12. Braun CI, Benson WE, Remaley NA, Chew EY, 29. Davis AP, Sloper JJ, Neveu MM, Hogg CR, Morgan MJ,
Ferris FL, III. Accommodative amplitudes in the Holder GE. Electrophysiological and psychophysical
Early Treatment Diabetic Retinopathy Study. Retina differences between early- and late-onset strabismic
1995;15(4):275-81. amblyopia. Investigative Ophthalmology & Visual
13. Ismail GM, Whitaker D. Early detection of changes Science 2003;44(2):610-7.
in visual function in diabetes mellitus. Ophthalmic 30. Birch EE, Swanson WH. Hyperacuity deficits in
Physiol Opt 1998;18(1):3-12. anisometropic and strabismic amblyopes with known
14. Castano J, Wang YZ, Chuang D. Blood glucose ages of onset. Vision Res 2000;40(9):1035-40.
dependence of visual flicker threshold. Diabetes 31. Kaye SB, Siddiqui A, Ward A, Noonan C, Fisher AC,
Technol Ther 2000;2(1):31-43. Green JR, Brown MC, Wareing PA, Watt P. Monocular
15. Gualtieri M, Nishi M, Lago M, Ventura DF. Color and binocular depth discrimination thresholds.
discrimination and chromatic contrast sensitivity Optom Vis Sci 1999;76(11):770-82.
assessed in type 2 diabetic patients without 32. Kelly SL, Buckingham TJ. Movement hyperacuity
retinopathy. Investigative Ophthalmology & Visual in childhood amblyopia. Br J Ophthalmol
Science 2005;46:4750. 1998;82(9):991-5.
16. Santana CF, Costa MF, Lago M, Bernick M, Nishi M, 33. Rydberg A. Assessment of visual acuity in adult
Ventura DF. Color discrimination in type 2 diabetes patients with strabismic amblyopia: a comparison
mellitus patients with no retinopathy. Investigative between the preferential looking method and
Ophthalmology & Visual Science 2005;46. different acuity charts. Acta Ophthalmol Scand
17. Feitosa-Santana C, Oiwa NN, Paramei GV, Bimler D, 1997;75(6):611-7.
Costa MF, Lago M, Nishi M, Ventura DF. Color space 34. Harrad R. Psychophysics of suppression. Eye
distortions in patients with type 2 diabetes mellitus. 1996;10 ( Pt 2):270-3.
Visual Neuroscience 2006;23(3-4):663-8. 35. Chung ST, Bedell HE. Effect of retinal image motion
18. Mavrikakis M, Papazoglou S, Sfikakis PP, on visual acuity and contour interaction in congenital
Vaiopoulos G, Rougas K. Retinal toxicity in long nystagmus. Vision Res 1995;35(21):3071-82.
term hydroxychloroquine treatment. Ann Rheum Dis 36. Holmes JM, Archer SM. Vernier acuity cards: a practical
1996;55(3):187-9. method for measuring vernier acuity in infants. J
Pediatr Ophthalmol Strabismus 1993;30(5):312-4.
38 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

37. Pardhan S, Gilchrist J. Binocular contrast summation 54. Kozeis N, Anogeianaki A, Mitova DT, Anogianakis
and inhibition in amblyopia - the influence of the G, Mitov T, Klisarova A. Visual function and visual
interocular difference on binocular contrast sensitivity. perception in cerebral palsied children. Ophthalmic
Documenta Ophthalmologica 1992;82(3):239-48. Physiol Opt 2007;27(1):44-53.
38. Mandava N, Simon JW, Jenkins PL. Preferential 55. Lindqvist S, Vik T, Indredavik MS, Brubakk AM.
looking and recognition acuities in clinical amblyopia. Visual acuity, contrast sensitivity, peripheral vision
J Pediatr Ophthalmol Strabismus 1991;28(6):323-6. and refraction in low birthweight teenagers. Acta
39. Gottlob I, Stangler-Zuschrott E. Effect of levodopa on Ophthalmol Scand 2007;85(2):157-64.
contrast sensitivity and scotomas in human amblyopia. 56. Vedamurthy I, Suttle CM, Alexander J, Asper LJ.
Invest Ophthalmol Vis Sci 1990;31(4):776-80. Interocular interactions during acuity measurement
40. Geischeider GA. Psychophysics: The Fundamentals. in children and adults, and in adults with amblyopia.
New Jersey: Lawrence Erlbaum; 1997. Vision Res 2007;47(2):179-88.
41. Treutwein B. YAAP: Yet another adaptive procedure. 57. Chak M, Wade A, Rahi JS. Long-term visual acuity
Spatial Vision 1997;11(1):129-34. and its predictors after surgery for congenital
42. Am J Optom Physiol Opt 1976;53. cataract: Findings of the British Congenital Cataract
43. Manny RE, Hussein M, Gwiazda J, Marsh-Tootle W. Study. Investigative Ophthalmology & Visual Science
Repeatability of ETDRS visual acuity in children. 2006;47(10):4262-9.
Invest Ophthalmol Vis Sci 2003;44(8):3294-300. 58. Maffei A, Nataraj K, Nelson SB, Turrigiano GG.
44. Braddick O. Visual psychophysics. Curr Biol. Potentiation of cortical inhibition by visual deprivation.
1997;7(4):R209-R211. Nature 2006;443(7107):81-4.
45. Brussell EM, Cavanagh P. An anticipated threshold 59. Malkowicz DE, Myers G, Leisman G. Rehabilitation of
technique for measuring contrast sensitivity. Am J cortical visual impairment in children. Int J Neurosci
Optom Physiol Opt 1984;61(2):125-8. 2006;116(9):1015-33.
46. Thompson P. Motion psychophysics. Rev Oculomot 60. Malta J, Endriss D, Rached S, Moura T, Ventura L.
Res 1993;5:29-52. Functional outcome of visually handicapped children
47. Manjaly ZM, Bruning N, Neufang S, Stephan cared for at the Department of Visual Stimulation-
KE, Brieber S, Marshall JC, Kamp-Becker I, -”Fundacao Altino Ventura. Arq Bras Oftalmol
Remschmidt H, Herpertz-Dahlmann B, Konrad K, 2006;69(4):571-4.
et al. Neurophysiological correlates of relatively 61. Ruth AL, Lambert SR. Amblyopia in the phakic
enhanced local visual search in autistic adolescents. eye after unilateral congenital cataract extraction.
Neuroimage 2007;35(1):283-91. Journal of Aapos 2006;10(6):587-8.
48. Amos JF. Refractive amblyopia: a differential 62. Rovner BW, Casten R. Stability of visual acuity
diagnosis. J.Am.Optom.Assoc. 1978;49(4):361-6. measurement in depression. Am J Geriatr Psychiatry
49. Arden GB, Barnard WM, Mushin AS. Visually 2005;13(3):255-8.
evoked responses in amblyopia. Br.J.Ophthalmol. 63. Weiss AH, Kelly JP. Spatial-frequency-dependent
1974;58(3):183-92. changes in cortical activation before and after
50. Atkinson J, Braddick O. Assessment of vision in patching in amblyopic children. Invest Ophthalmol Vis
infants: applications to amblyopia. Trans Ophthalmol Sci 2004;45(10):3531-7.
Soc UK 1979;99(3):338-43. 64. Abraham M, Sakhuja N, Sinha S, Rastogi S. Unilateral
51. Atkinson J, Braddick O. Assessment of visual acuity visual loss after cervical spine surgery. J Neurosurg
in infancy and early childhood. Acta Ophthalmol Anesthesiol 2003;15(4):319-22.
Suppl 1983;157:18-26. 65. Chuenkongkaew W, Samsen P, Thanasombatsakul
52. Atkinson J, Braddick O. Visual development in the N. Ethambutol and optic neuropathy. J Med Assoc
human infant. Arch Ital Biol 1978;116(3-4):352-7. Thai 2003;86(7):622-5.
53. Falkenberg HK, Rubin GS, Bex PJ. Acuity, 66. Kraus R, Hanigan WC, Kattah J, Olivero WC. Changes
crowding, reading and fixation stability. Vision Res in visual acuity associated with shunt failure. Childs
2007;47(1):126-35. Nervous System 2003;19(4):226-31.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 39

Artigo original

Métodos de processamento de dados em


eletrofisiologia visual: tutorial em linguagem
MATLAB sobre o uso da transformada de
Fourier na análise do potencial cortical
provocado visual
Data processing methods in visual electrophysiology: a
MATLAB tutorial for the use of Fourier transform in the analysis
of the visual evoked cortical potential
Givago da Silva Souza*, Bruno Duarte Gomes**, Luiz Carlos de Lima Silveira***

Resumo
A análise de dados em eletrofisiologia rotineiramente necessita de processamentos digi-
tais nos dados provenientes de registros originais. Um processamento muito comum é o
uso de filtros digitais off-line. Uma forma de realizar as filtragens é aplicar a transformada
de Fourier para converter dados do domínio do tempo para o domínio das frequências
temporais e, assim, anular a contribuição de determinadas frequências temporais. Após a
realização da operação inversa e reconstruir os dados no domínio do tempo, a informação
*Biólogo, Doutor em Neurociências, passa a estar de acordo com os objetivos da análise. Pesquisadores e estudantes com
Professor Adjunto, Instituto de Ciên- formações acadêmicas diferentes daquelas das ciências exatas e da computação vêem-
cias Biológicas / Núcleo de Medici- se limitados em utilizar tal ferramenta matemática devido à complexidade dos cálculos
na Tropical, Universidade Federal do e da lógica computacional de algumas linguagens de programação mais convencionais.
Neste trabalho, buscamos introduzir intuitivamente a transformada de Fourier e mostrar
Pará, **Biólogo, Doutor em Neuroci-
códigos em linguagem de programação MATLAB para a aplicação da transformada de
ências, Professor Adjunto, Instituto Fourier para a realização de filtragens digitais em dados de potencial cortical provocado
de Ciências Biológicas, Universidade visual. A linguagem de programação MATLAB é ideal para iniciantes em computação e
Federal do Pará, ***Médico, Doutor matemática devido já haver ferramentas matemáticas previamente prontas e a lógica de
em Biofísica, Professor Associado, programação ser relativamente simples.
Instituto de Ciências Biológicas /
Núcleo de Medicina Tropical, Univer- Palavras-chave: Teoria de Fourier, Filtragem digital de dados, MATLAB, eletrofisiologia,
potencial cortical provocado visual.
sidade Federal do Pará

Correspondência: Givago da Silva


Souza, Universidade Federal do
Pará, Núcleo de Medicina Tropical,
Av. Generalíssimo Deodoro 92
(Umarizal), 66055-240 Belém PA,
Tel: (91)3241-0032, E-mail: givago-
souza@yahoo.com.br
40 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

Abstract
Data analysis in electrophysiology usually needs digital processing of the original data. A
common processing is the usage of off-line digital filters. One way to proceed the filtering
is to apply Fourier Transform to convert the data from the time domain to the temporal
frequency domain in order to remove the specific contribution of some temporal frequen-
cies. After performing the inverse operation and reconstructing the waveform in the time
domain, the information content will be suited to the planned analysis. Researchers and
students without advanced knowledge in mathematics or computer science face difficul-
ties to use this mathematical tool due calculus and programming logic complexities found
in many conventional programming languages. In this work, we intended to intuitively
introduce Fourier Transform e to show programming codes in the MATLAB language that
could be applied to digital filtering of visual evoked potential data. The MATLAB language
is ideal for beginners in computer science and digital processing because it has a pre-
programmed tool dedicated to Fourier Analysis and the programming logic is relatively
easy to understand.

Key-words: Fourier theory, data digital filtering, MATLAB, electrophysiology, visual evoked
cortical potential.

Introdução Teoria de Fourier e aplicações em


eletrofisiologia visual
É comum em eletrofisiologia, após o registro
de dados, pesquisadores realizarem processamen- É sabido que algumas funções podem ser repre-
tos adicionais para por em evidência determinados sentadas como somas de funções seno ou cosseno.
aspectos presentes nesses dados [1-3]. Tal pro- Na Figura 1 é mostrada uma função (função em cinza)
cedimento é chamado de processamento off-line. que é a soma de cinco funções seno de amplitude,
Filtragens digitais off-line são usadas para retirar dos frequência e fases diferentes (funções em preto). A
dados informações desnecessárias para os objetivos transformada de Fourier usa exatamente esse princípio
da pesquisa. Alguns programas de registros trazem e é uma generalização das séries complexas de Fourier
ferramentas de filtragem digital off-line, mas, no no limite onde o período da função a que será aplica-
entanto, uma grande quantidade de programas de da a transformada tende ao infinito [4]. Para funções
registros não contém tal ferramenta, forçando os contínuas, a transformada direta de Fourier pode ser
pesquisadores a programarem suas próprias rotinas representada de três modos. Por meio da frequência
de filtragem. Em algumas linguagens convencionais f a transformada de Fourier F ( f ) é dada por:
como a linguagem C++, o pesquisador tem que ser
experiente em programação e conhecedor de uma F (ω) = dt Equação 1
matemática apurada para construir códigos que o
permitam realizar a filtragem de seus dados. Onde f é real e representa a frequência e t é
A transformada de Fourier normalmente é a tempo. A transformada de Fourier inversa f ( t ) é
escolha para compor a matemática que permite dada por:
realizar filtragem digital sobre os dados. O objetivo f (t)= df Equação 2
deste trabalho é trazer uma explicação intuitiva do
uso da transformada de Fourier para a realização Outro modo de representar a transformada de
de filtragens off-line em registros eletrofisiológicos Fourier, mais comumente usado entre os físicos,
não invasivos, mais precisamente o potencial cor- é através da frequência angular ω, cuja unidade é
tical provocado visual, além de servir como tutorial radiano por segundo. A frequência angular é dada
para que estudantes e pesquisadores que não têm por ω = 2π / T, onde T é o período. Como T = 1 / f,
formação em computação ou matemática possam então a frequência angular também pode ser dada
trabalhar com tal ferramenta em seus estudos em por ω = 2π f. Sabendo-se que ω = 2π f, as Equações
um ambiente de programação de alto desempenho 1 e 2 podem ser re-escritas como:
e relativamente fácil utilização.
F(ω)= dt Equação 3
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 41

f (t)= dω Equação 4 Um modo relativamente fácil de entender como


funciona a transformada discreta de Fourier, é primei-
O problema dessa representação é que as trans- ro entender o funcionamento básico de amostragem
formadas direta e inversa ficam assimétricas devido de sinais que originalmente são representados como
o termo 1/2π. Um modo de resolver essa assimetria variáveis contínuas tais como potenciais ou campos
é manipulando as transformadas com a frequência elétricos. Se considerarmos um sinal contínuo no
angular, de modo que as equações acima se tornam: domínio do tempo que é amostrado periodicamente,
a frequência de amostragem é o número de vezes
F(ω)= dt Equação 5 em que o sinal é amostrado em cada segundo. Como
toda frequência, a unidade é 1/s, que é o Hertz no
f (t)= dω Equação 6 sistema internacional de unidades. O inverso da
frequência é o período de amostragem. Na Figura 2A
O que dá origem a transformadas direta e inversa são mostradas várias funções impulso deslocadas no
simétricas. tempo, de valor igual 1 com período de amostragem
Se considerarmos um sinal que é amostrado no aproximadamente igual a 111 ms. Isto significa que
domínio do tempo, esse sinal será representado por a cada 111 ms a função tem valor igual a 1 e valor
uma função discreta onde a variável independente é igual a 0 em todos os outros intervalos de tempo.
o tempo. Nesse caso a transformada de Fourier ain- Se multiplicarmos uma função seno pelas funções
da pode ser aplicada e é chamada de transformada impulso deslocadas, obtém-se uma função seno
discreta de Fourier (DFT – Discrete Fourier Transform). cujo período de amostragem é de ϖ/4 (Figura 2B)
Como estamos lidando com dados discretos, substi- com número total de amostras igual 9. O número de
tuímos a integral por sinais de soma: amostras N é o mesmo simbolizado na Equação 7
e simboliza, como acabamos de ver, o número de
Fn = Equação 7 amostras no domínio do tempo. Como a Equação
8 é a da transformada discreta inversa, o valor N
simboliza o número de amostras no domínio das
fk = Equação 8 frequências.

Figura 1 - Soma de cinco funções seno de diferentes Figura 2 - (A) Funções impulso deslocadas e uma
amplitudes, frequências e fase, dando origem a uma função seno (B) obtida pela amostragem de valores
função qualquer. As setas mostram o princípio usado que correspondem à multiplicação da função seno
pela Transformada de Fourier direta (FFT) que cor- pelas funções impulso deslocadas. O parâmetro Ts
responde à decomposição de um sinal em funções é o período de amostragem e nesse caso tem valor
seno e a Transformada Inversa (IFFT) que correspon- fundamental de π / 4 ou 111 milissegundos. Ver
de à síntese das funções seno em uma dada função. texto para mais detalhes.
Os termos FFT e IFFT são explicados no texto. A
1

0,5

0
Ts 2Ts 3Ts 4Ts 5Ts 6Ts 7Ts 8Ts
Tempo (t)
B
Amplitude

1
Amplitude (sen(t))

0,5
6Ts 8π/4
5Ts 6π/4 7π/4 8Ts
5π/4 7Ts
0
π/4 3π/4
Ts 2π/4 3Ts 4π/4
2Ts 4Ts
-0,5

-1
Tempo Tempo (t)
42 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

Seguindo no escrutínio dos termos mais im- é mais bem diferenciada do restante do registro não
portantes da transformada discreta, é importante relacionado à estimulação. No domínio das frequên-
salientar que nos métodos de amostragem existem cias temporais, a resposta de estado estacionário
dois períodos distintos e nem sempre muito bem dife- apresenta maior resolução que as respostas transien-
renciados em textos sobre transformada discreta de tes. A energia da resposta transiente se espalha em
Fourier. Para uma janela temporal que tem um sinal diferentes frequências temporais, enquanto a energia
de período T (no caso da função seno exemplificada da resposta de estado estacionário é concentrada
na figura 2B, T = 2π), define-se também o período em determinadas frequências temporais.
de amostragem ou espaço de amostragem Ts= T / N. O uso da FDT para estudos em eletrofisiologia
No caso da função seno da figura 2B, Ts = π /4 ou visual possibilita a filtragem de frequências temporais
em valor de tempo, os 111 milissegundos já citado. que representem ruído ao sinal, como a frequência
À medida que os pontos são amostrados o período temporal da rede elétrica (60 Hz) ou componente de
Ts vai sendo multiplicado por um fator k, onde k = corrente direta (0 Hz), além de restringir o estudo
0,..., (N - 1), de tal maneira que no quarto ponto de dos dados à frequências que realmente compõem a
amostragem k = 3 e tem-se que 3Ts= 333 milisse- resposta provocada através de filtragens passa-baixa
gundos. Finalmente, em analogia com a frequência ou passa-alta [1-3,6-8].
angular defini-se a frequência de amostragem como
sendo ωn= 2πn/T. Ambiente de programação MATLAB
Um modo rápido e eficiente de se aplicar a trans-
formada discreta de Fourier e sua inversa é usando O ambiente de programação MATLAB foi desen-
um algoritmo para computação rápida e de fácil apli- volvido no final dos anos 1970 por Clever Moler [9]
cação em processamento digital de sinais. Esse al- e tem sido amplamente usada para desenvolvimento
goritmo é usualmente referido como FFT (Fast Fourier de trabalhos técnicos nas mais diferentes áreas
Transform) ou Transformada Rápida de Fourier. A FFT [10,11]. O programa é destinado para a realização
fornece exatamente os mesmos resultados da DFT. de cálculos matriciais, processamento de sinais e
A alteração ocorre tão somente na representação e construção de gráficos. O ambiente MATLAB tem
sua obtenção ocorre basicamente pela modificação matrizes como elemento básico de informação. Di-
da DFT usando propriedades das raízes complexas ferentemente de outras linguagens de programação
da unidade. Essa manipulação é feita com o termo tradicionais, o ambiente MATLAB apresenta uma
2πink / N e não será mostrada aqui. Para detalhes série de ferramentas de processamento de dados
consultar a referência 4. prontas para utilização do usuário e os comandos
Em eletrofisiologia não invasiva são registrados são muito semelhantes àqueles que normalmente
valores de voltagem ao longo do tempo. O uso da DFT utilizamos em expressões algébricas [12]. Esse
possibilita visualizarmos os mesmos dados no domí- aspecto é positivo para pesquisadores que não têm
nio do tempo, no qual os registros são comumente formação mais profunda em matemática e programa-
mostrados, e no domínio das frequências temporais ção de computador utilizarem tal linguagem, pois a
do mesmo registro, ou seja, nos permite estudar a compreensão torna-se facilmente intuitiva.
composição espectral dos dados [2]. Neste artigo descreveremos códigos em ambien-
Em eletrofisiologia visual, os registros podem ser te MATLAB necessários para realizar a transformada
divididos em transiente e de estado-estacionário [5]. de Fourier sobre dados de potencial cortical provo-
A diferença se dá pelo fato da frequência temporal de cado visual afim de posterior construção de filtros
estimulação ser baixa para os registros transientes e digitais sobre esses dados.
permitir que o sistema nervoso visual possa respon-
der ao estímulo e voltar ao nível de atividade anterior Métodos para registro e estimulação
à estimulação, enquanto para os registros de estado
estacionário a frequência de estimulação é alta, o que Estimulação
faz com que o sistema nervoso visual sobreponha
respostas e o sinal do registro no domínio do tempo O estímulo usado foi rede senoidal acromática
fique semelhante a ondas senoidais. No domínio do em um campo quadrado de 5 graus de ângulo visual,
tempo a resposta transiente é mais bem localizada com frequência espacial de 0,4 cpg, luminância mé-
que a resposta do estado estacionário, ou seja, a dia de 40 cd/m2 e contraste de Michelson de 100%.
variação de voltagem do sinal em função do tempo O estímulo foi apresentado com reversão de fase de
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 43

180º do padrão espacial a cada 500 ms (frequência • Rec = importdata(‘Registro.txt’);


temporal de 1 Hz). O estímulo foi gerado em lingua- %Comando para importar os dados numéricos do
gem Delphi (Delphi 7, Borland, Austin, Texas, EUA ) arquivo Registro.txt
comandando uma placa gráfica de 14 bits (ViSaGe, • plot(t,Rec); %Comando para gerar o gráfico
Cambridge Research System, Inglaterra), a qual do registro importado
mostrou o estímulo em um monitor em cores de 22’’ • xlabel(‘Tempo (ms)’); %Comando para
Mitsubishi Diamond Pro 2070 SB, 160 Hz de taxa de denominar o título do eixo das abcissas
amostragem de vídeo, 800 x 600 pixels de resolução • ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’);
espacial (Mitsubishi, Tokyo, Japão). %Comando para denominar o título do eixo das
ordenadas
Registro eletrofisiológico • axis([0 1000 -30 +30]); %Comando de
ajuste dos eixos das abcissas e das ordenadas do
Os registros eletrofisiológicos foram obtidos de gráfico do registro
eletródios de superfície de ouro posicionados nos
pontos Oz (eletródio ativo), Fpz (eletródio referência) No início do código a variável Fs recebeu a
e Fz (eletródio terra) de acordo com o sistema interna- informação da taxa de amostragem que os dados
cional 10/20 de posicionamento de eletródios para foram registrados, a variável T recebeu a informação
eletroencefalografia [13]. Os eletródios enviaram a de quantos segundos são referentes ao registro e a
informação bioelétrica para um sistema de amplifica- variável L recebeu o número de pontos exportados
ção diferencial CED 1902-10 com pré-amplificação de do registro. Em nosso exemplo a matriz Rec é cons-
10 vezes e amplificação de 3000 vezes, totalizando tituída de uma linha e 1000 colunas, representando
amplificação de 30000 vezes (Cambridge Electronic os primeiros 1000 pontos de dados do registro
Design, Cambridge, Inglaterra). Os dados analógicos eletrofisiológico. A matriz t é constituída de dados
foram convertidos em dados digitais por uma placa que representam o domínio do tempo. O gráfico que
conversora analógico-digital Micro 1401 mkII (Cam- mostra o registro da voltagem ao longo do tempo é
bridge Electronic Design) com taxa de amostragem de mostrado na Figura 3A. O Código 2 mostra os passos
1000 Hz e 12 bits de resolução. Foi usado programa para converter os dados do domínio do tempo para
de computador Spike 2 v.6.05a (Cambridge Eletronic o domínio das frequências temporais através da
Design) que permite a exportação da resposta média Transformada de Fourier.
do registro em arquivos de texto com extensão “.txt”.
Código 2
Tutorial para a programação de filtros digitais
em MATLAB • Harm = fft(Rec,NFFT)/L; %Comando para a
realização da análise de Fourier, utilização da fun-
Processamento dos dados: importação e visua- ção fft(X,n). Os dados de fft(X,n) são divididos por L
lização dos dados para %ajustar a unidade dos dados para microvolts
• f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT); %Coman-
Os arquivos de texto foram processados pelo do para a geração de um vetor de frequências
programa MATLAB R2008b. O código abaixo carrega temporais
um arquivo de texto onde estão os dados do registro • Amplitude_Harm = abs(Harm); %Comando
e os mostra graficamente. para extrair o valor absoluto do número complexo
% referente a cada frequência temporal.
Código 1 • bar(f,Amplitude_Harm) %Comando para ge-
rar o gráfico dos dados no domínio das frequências
• Fs = 1000; %Frequência de amostragem do temporais.
registro • xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’);
• T = 1000/Fs; %Tempo de amostragem %Comando para denominar o título do eixo das
• L = 1000; %Número de pontos exportados do abcissas
registro • ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’);
• t = ((0:L-1)*T); %Vetor tempo %Comando para denominar o título do eixo das
• NFFT = 2^nextpow2(L); % Mais próxima po- ordenadas
tência de 2 de L
44 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

O resultado da análise de Fourier (função fft( ) 30


) é composto por um conjunto de dados, chamados A
em nosso exemplo de Harm, que representam o vetor 20
(número complexo) no domínio das frequências tem-

Amplitude (Microvolt)
porais. Para extrair os valores absolutos dos números 10
complexos utilizou-se a função abs( ). O gráfico que
mostra a amplitude de cada harmônico é mostrado 0
na Figura 3B. A matriz Amplitude_Harm é composta
por 1 linha x 1000 colunas. Os dados estão dispostos -10
em ordem crescente de frequência temporal até a
metade do número total de pontos da matriz. Daí em -20
diante, os valores são um espelho dos dados iniciais
da matriz agora em ordem decrescente. Os motivos -300 100 200 300 400 500 600 700 800 900
matemáticos disto estão além dos objetivos deste Tempo (ms)
tutorial. Vale ressaltar que a matriz Amplitude_Harm 5
B
inicia com a amplitude do componente DC e termina 4,5
com a amplitude da frequência temporal 1 Hz da 4

Amplitude (Microvolt)
parte espelho da matriz. Para fins didáticos vamos
3,5
observar apenas as frequências de 0 – 100 Hz (Figura
3
3C e Código 3), mas vale lembrar que além de 100
Hz ainda existem frequências temporais superiores 2,5
a esta em nossos dados. 2
1,5
Código 3 1
0,5
• bar(f,Amplitude_Harm)
00 100 200 300 400 500 600 700 800 900
• xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’);
• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’); Frequências temporais (Hz)
• axis([0 100 0 +5])%Código de ajuste dos 5
C
limites eixos das abcissas e das ordenadas, res- 4,5
pectivamente 4
Amplitude (Microvolt)

3,5
Figura 3 - Dados do potencial cortical provocado 3
visual mostrado no domínio do tempo (A) e no
2,5
domínio das frequências temporais (B-C). (A) Regis-
tro do potencial cortical provocado visual mostrado 2
como variação de diferença de potencial elétrico 1,5
entre dois eletrodos posicionados no escalpo em 1
função do tempo. Os dados do domínio do tempo 0,5
foram submetidos à análise de Fourier. O resultado 0
da análise de Fourier é um conjunto de pares de 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Frequências temporais (Hz)
funções senoidais de diferentes frequências tempo-
rais, amplitudes e fases. Em B, são mostrados os
dados que resultam da aplicação da função fft( ) no Processamento dos dados: filtragens off-line de
MATLAB. A primeira metade da matriz traz as am- harmônicos pares e ímpares
plitudes das frequências temporais, as quais estão O uso de filtragens off-line tem sido muito apli-
ordenadas em ordem crescente iniciando pelo com- cado em estudos com potencial cortical provocado
ponente DC. A segunda metade da matriz traz os visual [1-4]. O Código 4 mostra o algoritmo para
mesmos dados em ordem inversa (dados espelho) fazermos a filtragem dos harmônicos ímpares dos
terminando na amplitude correspondente a 1 Hz. dados carregados anteriormente.
Em C, para fins didáticos restringimos nosso estudo
na visualização dos 100 primeiros harmônicos.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 45

Código 4 de filtragem de harmônicos ímpares geralmente


é utilizada quando o estímulo apresenta carac-
• Fs = 1000; terística simétrica ao longo do tempo, como no
• T = 1000/Fs; caso deste exemplo no qual o registro foi obtido
• L = 1000; de uma estimulação de padrão reverso com duas
• t = (0:L-1)*T; reversões em 1 segundo. O Código 6 mostra o
• NFFT = 2^nextpow2(L); algoritmo caso quiséssemos filtrar os harmônicos
• Rec = importdata(,Registro.txt‘); pares dos dados.
• Harm = fft(Rec,NFFT)/L;
• Harm(1,2:2:end)=0;%Comando para zerar a Código 6
energia (filtrar) dos harmônicos ímpares ao longo
de todo o vetor Harm. • Fs = 1000;
• f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT); • T = 1000/Fs;
• Amplitude_Harm = abs(Harm); • L = 1000;
• bar(f,Amplitude_Harm) • t = (0:L-1)*T;
• xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’); • NFFT = 2^nextpow2(L);
• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’); • Rec = importdata(,Registro.txt‘);
• axis([0 100 0 +5]) • Harm = fft(Rec,NFFT)/L;
• Harm(1,1:2:end)=0;%Comando para zerar a
O Código 4 traz praticamente os mesmos co- energia (filtrar) dos harmônicos pares ao longo de
mandos dos Códigos 2 e 3, mas na oitava linha todo o vetor Harm
deste código, os valores referentes às frequências • f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT);
temporais ímpares (1 Hz, 3 Hz, 5 Hz, ((n/2) – 1) Hz) • Amplitude_Harm = abs(Harm);
são zerados, e assim anulada a contribuição das fre- • bar(f,Amplitude_Harm)
quências temporais ímpares aos dados do registro. É • xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’);
importante ressaltar que os harmônicos ímpares são • ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’);
representados em colunas pares em nossos dados, • axis([0 100 0 +5])
já que a primeira frequência temporal dos dados é
o componente DC, a segunda frequência temporal Para visualizarmos o registro reconstruído
é 1 Hz e assim por diante. No Código 5 é mostrado sem a contribuição dos harmônicos pares bastaria
o algoritmo para a transformada inversa de Fourier aplicarmos o Código 5 para a matriz Harm derivada
para a reconstrução do registro sem a contribuição da filtragem dos harmônicos pares. O registro não
dos harmônicos ímpares. mostra os componentes característicos da resposta
cortical provocada, visto a maior parte da energia
Código 5 dos dados está distribuída nos harmônicos pares.
A Figura 4 mostra os dados no domínio do tempo e
• Rec2 = ifft(Harm,NFFT)*L; %Comando para das frequências temporais após as filtragens dos
fazer a transformada inversa harmônicos ímpares (Figura 4A-B) e dos harmônicos
• t2 = 0:L/(NFFT-1):L; %Comando para a pares (Figura 4C-D).
geração do novo vetor tempo equivalente ao vetor
t do Código 4 Figura 4 - Gráficos mostrando os dados do po-
• plot(t2,Rec2); tencial cortical provocado visual no domínio das
• axis([0 900 -30 +30]) frequências temporais e do tempo referentes às fil-
• xlabel(‘Tempo (ms)’); tragens de harmônicos ímpares (A-B) e pares (C-D).
• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’); Para o registro usado no exemplo, a energia estava
concentrada nos harmônicos pares, visto a pre-
O resultado da reconstrução do registro sem sença da resposta provocada após a filtragem dos
a contribuição dos harmônicos ímpares mostra um harmônicos ímpares e ausência da resposta após a
registro simétrico ao longo do tempo. A aplicação filtragem dos harmônicos pares.
46 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

5 Processamento dos dados: filtragens off-line


4,5
A passa-baixa e passa-alta
4
A filtragem passa-baixa retira dos dados a
Amplitude (Microvolt)

3,5
contribuição de todas as frequências superiores à
3 frequência temporal escolhida, enquanto a filtragem
2,5 passa-alta elimina a contribuição de todas as frequ-
2 ências temporais abaixo de uma frequência temporal
1,5 de referência. O Código 7 traz os algoritmos para
1 realizar filtragem passa-baixa no registro.
0,5
Código 7
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Frequências temporais (Hz) • Fs = 1000;
30
• T = 1/Fs;
B
• L = 1000;
20
• t = (0:L-1)*T;
• NFFT = 2^nextpow2(L);
Amplitude (Microvolt)

10
• Rec = importdata(,Registro.txt‘);
0 • Harm = fft(Rec,NFFT)/L;
• n = length(Harm); %Comando para identificar
-10 a extensão do vetor Harm
• Filtro = 40; %Comando de indicação da frequ-
-20 ência de corte do filtro passa-baixa
• Harm(1,(Filtro+1):1:(n/2)-1) = 0;
-30 %Comando de filtragem dos harmônicos de 41 Hz
0 100 200 300 400 500 600 700 800 900
Tempo (ms) até o fim da primeira metade dos dados
5 • Harm(1,((n+1)-((n/2)+1):1:(n+1) -
C Filtro)) = 0; %Comando de filtragem dos
4,5
harmônicos da parte espelho dos dados referen-
4
tes a frequências superiores a 40 Hz
Amplitude (Microvolt)

3,5
• f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT);
3 • Amplitude_Harm = abs(Harm);
2,5 • bar(f,Amplitude_Harm)
2 • xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’);
1,5 • ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’);
1 • axis([0 100 0 +5])
0,5
A Figura 5A mostra a distribuição espectral
00 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 dos dados após o corte de energia em frequências
Frequências temporais (Hz)
temporais superiores a 40 Hz. A Figura 5B mostra o
30
registro reconstruído usando o mesmo algoritmo do
D
20
Código 5 após a filtragem passa-baixa. O Código 8
mostra o algoritmo para realizar filtragens passa-alta.
Amplitude (Microvolt)

10
Código 8
0
• Fs = 1000;
-10 • T = 1/Fs;
• L = 1000;
-20 • t = 1000*((0:L-1)*T);
• NFFT = 2^nextpow2(L);
-30 • Rec = importdata(‘Registro.txt’);
0 100 200 300 400 500 600 700 800 900
Tempo (ms)
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 47

• Harm = fft(Rec,NFFT)/L; da resposta provocada após a filtragem dos har-


• n = length(Harm); mônicos superiores à frequência de filtragem e aus-
• Filtro = 40; ência da resposta após a filtragem dos harmônicos
• Harm(1,1:1:Filtro) = 0; %Comando para abaixo desta frequência temporal.
filtragem dos harmônicos inferiores a 40 Hz. 5
• Harm(1,((n)-(Filtro-2)):1:n) = 0; %Comando para 4,5
A
filtragem dos harmônicos inferiores a 40 Hz refe-
4

Amplitude (Microvolt)
rentes da metade espelho dos dados.
3,5
• f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT);
3
• Amplitude_Harm = abs(Harm);
2,5
• bar(f,Amplitude_Harm)
• xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’); 2

• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’); 1,5


• axis([0 100 0 +5]) 1
0,5
A Figura 5C mostra a distribuição espectral dos 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
dados após a filtragem passa-alta e Figura 5D mos- Frequências temporais (Hz)
30
tra o registro reconstruído após a mesma filtragem.
B
Note-se que o potencial cortical provocado visual não 20
mais aparece no registro visto que ele é constituído
principalmente pela energia das frequências tempo-
Amplitude (Microvolt)
10
rais abaixo de 30 Hz. A filtragem passa-alta tem sido
utilizada para realizar filtragens digitais de potenciais 0
corticais provocados visuais e extrair deles uma res-
posta provocada denominada de banda gama com -10

frequências entre 25 a 50 Hz, que no registro original


-20
não são visualizadas [14]. As filtragens passa-banda
são realizadas realizando-se em associação um filtro -30
passa-baixa e um filtro passa - alta sobre os dados. 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900
Tempo (ms)
5
C
Processamento dos dados: filtragens off-line 4,5
de frequências específicas (notch) 4
Amplitude (Microvolt)

3,5
É muito comum realizar filtragens em frequências 3
específicas para principalmente eliminar artifícios da 2,5
influência da rede elétrica. As duas frequências mais 2
comuns de serem filtradas neste tipo de filtragem 1,5
são o componente DC e 60 Hz. No Brasil a frequência
1
da corrente alternada da rede elétrica é de 60 Hz,
0,5
no entanto em outros países pode diferir. A filtragem
00 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
em frequências específicas é denominada filtragem
Frequências temporais (Hz)
notch. O Código 9 mostra os algoritmos para reali- 30
D
zar a filtragem da frequência de 60 Hz, enquanto o
20
Código 10 mostra os passos a seguir para realizar a
filtragem do componente DC do registro.
Amplitude (Microvolt)

10

Figura 5 - Gráficos mostrando os dados do po- 0


tencial cortical provocado visual no domínio das
frequências temporais e do tempo referentes às -10
filtragens passa-baixa de 40 Hz (A-B) e passa-alta
de 40 Hz (C-D). Para o registro usado no exemplo, a -20
energia estava concentrada nos harmônicos abaixo
-30
da frequência de filtragem (40 Hz), visto a presença 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900
Tempo (ms)
48 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

Código 9 Figura 6 - Aplicação da transformada de Fourier


para filtragem de frequências específicas (notch).
• Fs = 1000; Em A, representação dos dados no domínio do
• T = 1000/Fs; tempo de um registro contaminado pela frequência
• L = 1000; da rede elétrica (60 Hz). Em B, os mesmos dados
• t = (0:L-1)*T; são mostrados no domínio das frequências tem-
• NFFT = 2^nextpow2(L); porais. Observar a energia da frequência de 60 Hz
• Rec = importdata(‘Registro.txt’); bem superior às frequências vizinhas. Em C e D, os
• Harm = fft(Rec,NFFT)/L; dados são mostrados no domínio do tempo e das
• n = length(Harm); frequências temporais após a filtragem da frequên-
• Harm(1,61) = 0; %Comando para zerar a ener- cia temporal de 60 Hz.
gia do harmônico de 60 Hz 30
• Harm(1,n-59) = 0; %Comando para zerar a ener- A
gia do harmônico de 60 Hz da parte espelho dos dados 20

Amplitude (Microvolt)
• f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT);
• Amplitude_Harm = abs(Harm); 10
• bar(f,Amplitude_Harm)
0
• xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’);
• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’);
-10
• axis([0 100 0 +5])
-20
Código 10
-30
0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000
• Fs = 1000;
Tempo (ms)
• T = 1000/Fs; 2,5
• L = 1000; B
• t = (0:L-1)*T;
2
• NFFT = 2^nextpow2(L);
Amplitude (Microvolt)

• Rec = importdata(,Registro.txt‘);
• Harm = fft(Rec,NFFT)/L; 1,5
• Harm(1,1) = 0; %Comando para zerar a energia
do componente DC, o primeiro elemento do vetor Harm 1
• f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT);
• Amplitude_Harm = abs(Harm); 0,5
• bar(f,Amplitude_Harm)
• xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’); 0
• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’); 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
• axis([0 100 0 +5]) Frequências temporais (Hz)
30
C
No Código 9, resolvemos importar um registro
20
que apresentasse bastante ruído para poder visua-
Amplitude (Microvolt)

lizarmos melhor o efeito da filtragem da frequência


10
de 60 Hz. O registro original e o reconstruído após
a filtragem notch são mostrados na figura 6, assim 0
como a distribuição espectral em ambas as condi-
ções. No Código 10, vale ressaltar que o dado refe- -10
rente ao componente DC aparece apenas uma vez
nos dados que retornam da função fft( ), ou seja, o -20
componente DC não tem um dado correspondente
-30
na parte espelho dos dados, por isso é apresentada 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000
apenas uma linha de comando para anular a contri- Tempo (ms)
buição deste componente.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 49

p ( )
Agradecimentos
2,5
D
Este trabalho recebeu auxílio do CNPq-PRONEX
2 / FAPESPA / FADESP #2268, CNPq #550671/2007-
Amplitude (Microvolt)

2, CNPq #620037/2008-3, CNPq / BMBF / IB-DLR


1,5 #490857/2008-6, FINEP “Rede Instituto Brasileiro
de Neurociência (IBN-Net)” #01.06.0842-00. LCLS
1 é pesquisador-bolsista do CNPq.

0,5 Referências
1. Souza GS, Gomes BD, Saito CA, da Silva Filho M,
0 Silveira LCL. Spatial luminance contrast sensitivity
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
measured with transient VEP: comparison with
Frequências temporais (Hz)
psychophysics and evidence of multiple mechanisms.
Invest Ophthalmol Vis Sci 2007;7:3396-404.
2. Gomes BD, Souza GS, Rodrigues AR, Saito CA,
Silveira LCL, da Silva Filho M. Normal and dichromatic
color discrimination measured with transient visual
Programação de dados: possíveis erros para evoked potential. Vis Neurosci 2006;23:617-27.
o iniciante em MATLAB 3. da Costa GM, dos Anjos LM, Souza GS, Gomes BD,
Saito CA, Pinheiro MCN, Ventura DF, da Silva Filho M,
Para que os códigos deste artigo possam fun- Silveira LCL. Mercury toxicity in Amazon gold miners:
visual dysfunction assessed by retinal and cortical
cionar corretamente os dados do registro precisam electrophysiology. Environ Res 2008;107:98-107.
estar dispostos em linha. O programador neste 4. Bracewell RN. The Fourier transform and its
primeiro momento deve evitar que o arquivo de tex- applications. New York: McGraw-Hill; 1965, 381 pp.
to apresente cabeçalhos de textos. Uma forma de 5. Tobimatsu S, Celesia GG. Studies of human visual
pathophysiology with visual evoked potentials. Clin
ajustar o arquivo de texto antes de processá-los no Neurophysiol 2006;117:1414-33.
MATLAB, é abrir o arquivo em um programa de plani- 6. Silveira LCL, Picanço-Diniz CW, Oswaldo-Cruz E.
lhas como o Microsoft Excel e apagar tudo que não Contrast sensitivity function and visual acuity of
seja os dados do registro e depois salvar o arquivo opossum. Vision Res 1982;11:1371-7.
7. Silveira, LCL, Heywood CA, Cowey A. Contrast
como arquivo de texto.
sensitivity and visual acuity of the pigmented rat
O arquivo de texto deve estar no mesmo diretório determined electrophysiologically. Vision Res
que aparece descrito na interface superior de entra- 1987;10:1719-31.
da do MATLAB, logo acima do Command Window. O 8. Heywood CA, Silveira LCL, Cowey A. Contrast
sensitivity in rats with increased or decreased
usuário pode escolher o diretório desejado para o
numbers of retinal ganglion cells. Exp Brain Res
programa trabalhar. Caso o arquivo não esteja no 1988;70:513-26.
diretório certo aparecerá uma mensagem de erro??? 9. Mathwork. [citado 2009 nov 04]. Disponível em
Error using ==> importdata at 115 URL:http://www.mathworks.com/company/
Unable to open file. aboutus/founders/origins_of_matlab_wm.html.
10. Vítek S, Hozman J. Modeling of imaging in Matlab.
Por fim, nos códigos de filtragens é necessário Radioengineering 2003;12:55-7.
anular a contribuição energética das frequências 11. White JW, Ruttenberg BI. Discriminant function
desejadas e de suas correspondentes na parte es- analysis in marine ecology: some oversights and
pelho dos dados que retornam da função fft( ). Caso their solutions. Mar Ecol Prog Ser 2007;329:301-5.
12. Hanselman D, Littlefield B. MATLAB 6: Curso
não ocorre exatamente a eliminação da energia das completo. São Paulo: Prentice Hall; 2003. 676 pp.
frequências da forma adequada, quando se realizar a 13. Odom JV, Bach M, Brigell M, Holder GE, McCulloch
transformada inversa para reconstruir o registro após DL, Tormene AP, Vaegan. ISCEV standard for clinical
a filtragem aparecerá a seguinte mensagem: Warning: visual evoked potentials (2009 update). Documenta
Ophthalmologica. [citado 2009 oct 14]. Disponível
Imaginary parts of complex X and/or Y arguments em URL: http://www.iscev.org/standards/index.
ignored. Assim, o usuário deverá voltar às linhas html
relacionadas à anulação da energia dos harmônicos 14. Sannita WG, Conforto S, Lopez L, Narici L.
e avaliar quais frequências estão sendo zeradas e Synchronized 15.0-35.0 Hz oscillatory response
to spatially modulated visual patterns in man.
se elas são correspondentes na primeira parte dos
Neuroscience 1999;89:619–23.
dados e na segunda parte dos dados (espelho).
50 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

Ia Jornada Fluminense sobre Cognição Imune e Neural

Os sistemas nervoso e imunitário não


conhecem a “realidade externa”, mas
constroem uma realidade própria auto-
referencial
Henrique Leonel Lenzi

“Eu posso fechar meus olhos e, numa fração de segundos, pensar


em estrelas coloridas cintilando num céu azul escuro. Estrelas que nem
sequer sei se existem, e que talvez estejam a muitos anos-luz de dis-
tância. Eu posso imaginar uma vaca amarela ou então dizer que estou
sentindo muito calor. Entretanto, se alguém pudesse abrir o meu cérebro
e examiná-lo com o mais aperfeiçoado instrumento de observação de que
a ciência dispõe, não veria estrelas coloridas nem uma vaca amarela.
Veria apenas uma massa cinzenta, cheia de células ligadas entre si.”
João Fernandes Teixeira [1]

Rubens Alves, escritor com alma de poeta, após uma cirurgia de


catarata, ouviu de um amigo seu a seguinte estória do escritor Aníbal
Machado [2]:

“Um rico empresário corria o risco de ficar cego. A única alternativa


era um transplante de olhos. Sei que ainda não se fazem transplantes
de olhos, mas na literatura se fazem. Na literatura tudo é possível.
A operação se realizou com sucesso. Com os novos olhos, o
empresário passou a ver como não via antes. Aí ele foi chamado pela
direção de sua empresa para uma reunião urgente. Ele saiu do hospital
para ir ao escritório. Mas – coisa estranha – o tempo passava e ele não
FIOCRUZ, Instituto Oswaldo Cruz, chegava. Saíram então à sua busca. Foi encontrado num jardim olhando
Departamento de Patologia, Labora- árvores, flores, fontes com uma cara de encantamento. Lembrado de
tório de Patologia seu compromisso com a empresa, ele se recusou. ‘Não irei. Vou ficar
aqui neste jardim vendo coisas que nunca vi’. Os médicos, examinando
Correspondência: Henrique Leo- o relatório de sua operação, viram que seus olhos tinham sido doação
nel Lenzi, Instituto Oswaldo Cruz, de um poeta...”
Fundação Oswaldo Cruz, Av. Brasil
4365 Manguinhos 21045-900, Rio Esta estória irreal se aproxima bastante do experimento realizado
de Janeiro RJ Tel: (21)2598-4350, por Roger Wolcott Sperry (1913-1994), que junto com David Hubel e
E-mail: hlenzi@ioc.fiocruz.br Torsten Wiesel, foi agraciado com o Nobel em Fisiologia e Medicina de
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 51

1981, por pesquisas sobre a separação e identifica- No artigo intitulado What the frog’s eye tells
ção das funções dos hemisférios esquerdo e direito the frog’s brain [7], os autores demonstraram, com
do cérebro (split-brain). A partir de um experimento grande elegância, que o sistema visual da rã não
surpreendente em salamandra, realizado em 1943, representa a realidade, mas sim a constrói. Isto é “a
Effect of 180 degree rotation of the retinal field on rã fala com o cérebro numa linguagem já altamente
visual motor coordination, [3], Sperry observou que organizada e interpretada em vez de transmitir cópia
a rotação de 180 graus do campo retiniano resultou mais ou menos acurada da distribuição da luz sobre
numa inversão e reversão completa da percepção os receptores”. O que é verdadeiro para a rã devia,
visual claramente manifesta em reações errôneas então, ser transportado também para os humanos,
deliberadas e em várias execuções anormais dire- já que não havia razão para acreditar que o sistema
tamente correlacionadas com a rotação retiniana. nervoso humano fosse construído de forma peculiar
As salamandras têm a capacidade de regeneração para detectar o mundo como ele “realmente” é [8].
e de restituição tissular, que possibilita que um olho Humberto Maturana, naquele momento um jovem
retirado e rotado volte a cicatrizar suas conexões neurofisiologista chileno, também participou do refe-
com a órbita, com regeneração do nervo óptico, rido artigo e passou a utilizá-lo como um trampolim
conectando-se novamente com o cérebro. O animal para o desconhecido. Contrariando a objetividade
recupera a visão, não apresentando diferença entre científica tradicional, ele desenvolveu, de forma
um animal operado e um normal. Maturana reprodu- inovadora, uma nova forma de falar sobre a vida e
ziu o experimento em 1955, quando era estudante sobre a função do observador em descrever sistemas
na Inglaterra e se perguntou: “Em que consiste o fe- vivos [8].
nômeno da cognição? O que é que acontece nestas Tanto o sistema nervoso como o imunitário per-
circunstâncias em que a salamandra normalmente cebem o “quanto” e não o “quê”. Heinz von Foerster
lança sua língua quando há um bichinho em sua fren- [9] chamou a isso de Princípio da codificação não
te? O que é que acontece quando eu, observador, diferenciada. Segundo ele: “Na resposta de uma
ou qualquer observador vejo um bichinho lá, fora da célula nervosa não é a natureza física [o quê] da
salamandra, e a salamandra lança sua língua e o causa da excitação que está codificada. Somente
captura? O que é isto de dizer que há um bichinho é codificada a quantidade [quanto] de intensidade
lá, no momento em que a salamandra lança sua lín- da causa da excitação... Assim como para a retina,
gua?” [4]. Maturana, em seu próprio depoimento, só o mesmo é válido para todas as demais células
veio a compreender o sentido desse experimento em sensoriais, como as papilas gustativas da língua,
1968, portanto 13 anos após reproduzi-lo na Inglater- células táteis ou qualquer tipo dos demais receptores
ra [4,5]. Retirou disso a conclusão forte e definitiva que estão relacionados com sensações tais como
de que a reação da salamandra não é determinada cheiro, calor e frio, som e outros. Todos são ‘cegos’
por algo externo, mas por sua estrutura interna. Em à qualidade da excitação e respondem unicamente
vez de apontar para algo externo, realiza “correlação à quantidade dela. Isto é assombroso, porém não
interna” [6]. Ou seja, Maturana percebeu que desde deve surpreender-nos, já que ‘ali fora’ efetivamente
o momento em que a salamandra joga sua língua não há luz, nem calor, somente existem ondas ele-
para capturar um verme ou larva, estabelece uma tromagnéticas; tampouco há ‘ali fora’ som e música,
correlação interna entre a atividade de uma parte da somente existem flutuações periódicas da pressão
retina e a parte do sistema nervoso motor ou efetor, do ar; ‘ali fora’ não há nem calor, nem frio, somente
que gera o movimento de lançamento da língua. existem moléculas que se movem com maior ou
Segundo Maturana [5], “para o operar do sistema menor energia cinética média. Finalmente, ‘ali fora’,
nervoso da salamandra é indiferente que se tenha com toda a certeza, não há dor.
rotado ou não o olho depois que se restabelece a Uma vez que a natureza física da excitação, isto
conexão retina-cérebro. É para o observador que é, sua qualidade, não intervém na atividade nervosa,
a salamandra aparece apontando com um desvio apresenta-se a seguinte interrogação fundamental:
de 180º, porém ela não aponta. A salamandra faz como nosso cérebro evoca a assombrosa multiplici-
exatamente o mesmo que fazia antes: uma correla- dade deste mundo multicolorido que experimentamos
ção sensório-motora entre a atividade de uma área em todo o momento durante a vigília e, em ocasiões,
particular da retina e o sistema motor da língua e também em sonhos? Aqui reside o ‘problema do
do corpo”. Logo, segundo Maturana [5], o sistema conhecimento’, a busca da compreensão dos pro-
nervoso opera fazendo correlações internas. cessos do conhecimento.”
52 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

Para Von Foerster [9], conhecer não é computar sões; e podemos selecionar uma resposta motora
a realidade, nem computar descrições de uma reali- a partir do elenco disponível no cérebro ou formular
dade, mas sim computar descrições de descrições, uma resposta motora nova, que é uma composição
eliminando a ‘realidade’. Segundo ele, “a realidade desejada e deliberada de ações que pode ir desde
só se apresenta aqui implicitamente como a opera- uma expressão de cólera até abraçar uma criança,
ção de descrições recursivas. Além disso, podemos desde escrever uma carta para o editor até tocar uma
aproveitar a noção de que computando descrições sonata de Mozart ao piano” [13].
não significa nada mais que uma computação... Com esses apetrechos sensoriais e cerebrais
Resumidamente, proponho considerar os processos conseguimos lidar com a “realidade exterior” do
do conhecimento como processos ilimitadamente mesocosmos, não percebendo, sem utensílios ade-
recursivos de cálculo.” quados, o que se passa no micro e macrocosmos.
Os mundos dos bilhões de galáxias e das partículas
Na realidade, o sistema nervoso nunca entra em quânticas não fazem sentido para o nosso mundo.
contato direto com o exterior. Todos os estímulos ex- Como conseqüência da existência de aproximada-
ternos são percebidos por células sensoriais, localiza- mente 20mg de potássio radioativo 40 em nosso or-
das estrategicamente em diferentes partes do corpo, ganismo, emitimos cerca de 20 milhões de neutrinos
que funcionam como detectores do ambiente [10]. por hora e, em direção oposta, somos atravessados,
Por exemplo, existem receptores sensoriais para a cada segundo, por cerca de 50 bilhões dessas partí-
vários tipos de estímulos, tais como os mecanorecep- culas, produzidas em fontes radioativas da Terra [14].
tores (sensíveis a estímulos mecânicos contínuos ou Mas nossos receptores desconhecem essa realidade
vibratórios: estiramento, vibração, pressão, toque), subatômica. Não fazem parte do mundo que criamos
quimioreceptores (sensíveis a estímulos químicos), no cérebro ao vivermos no mesocosmos. Então, cria-
termoreceptores (sensíveis a variações térmicas: mos nosso mundo, que é individual para cada pessoa
calor, frio), fotoreceptores (sensíveis a estímulos e para cada animal dotado de cérebro. Nosso mundo
luminosos) e nocireceptores (sensíveis a diferentes não constitui a imagem de nada: é uma construção,
formas de energia: dor) [11]. A função primordial dos que emerge de uma realidade interna. Não é uma
sistemas sensoriais é traduzir a informação contida ilusão, pois não tem nada a ver com a “realidade
nos estímulos ambientais para a linguagem do siste- externa”. Essa realidade existe independente de nós,
ma nervoso, e possibilitar ao indivíduo utilizar essa por isso não cabe aqui a concepção de solepsismo.
informação codificada nas operações perceptuais ou Admite-se um mundo ontológico que existe e existiu
de controle funcional necessárias em cada momento antes de nós o conhecermos. Mas esse mundo não
[10]. Ainda segundo Lent [10], “o mecanismo de é o nosso mundo. De fato, a “realidade”, que perce-
tradução da ‘linguagem do mundo’ (as formas de bemos externamente a nós, é percebida como uma
energia contidas no ambiente) para ‘ a linguagem construção nossa. Ela é a nossa imagem e não o
do cérebro’ (os potenciais bioelétricos produzidos contrário. Nós somos os criadores e o mundo exter-
pelos neurônios) é semelhante em seus princípios no é a nossa imagem. Parece que nesse sentido a
básicos para todos os receptores, e consiste em Bíblia tinha razão: o criado é a imagem do criador.
duas etapas fundamentais: transdução e codificação. Essa é uma visão construtivista do conhecimento.
A transdução consiste na absorção da energia do es- Segundo von Glasersfeld [15], Giambattista Vico foi
tímulo seguida da gênese de um potencial bioelétrico o primeiro construtivista. Ele escreveu, no início do
lento (o potencial receptor ou potencial gerador). A século XVIII, uma tese denominada De Antiqüíssima
codificação consiste na transformação do potencial Italorum Sapientia, que é o primeiro manifesto cons-
receptor em potenciais de ação”. trutivista, já que, referindo-se ao mundo, ele disse
Para onde vão esses sinais sensoriais tradu- bem claramente que os seres humanos somente
zidos para a linguagem do cérebro? Na realidade podem conhecer o que eles mesmos tem criado. Ele
seguem caminhos determinados pela arquitetura cristalizou isso numa bela fórmula ao expressar que
cerebral, que não cabe aqui especificá-los, pois são Deus é o “artífice do mundo” e o homem “o deus dos
detalhados nos livros de neurociência [10,12]. O artefatos” [15]. O construtivismo não nega a realida-
importante é frisar que, a partir dessas sensações, de, mas sustenta que ninguém pode conhecer uma
o cérebro pode criar imagens e interpretar os sinais realidade independente. Portanto, o construtivismo
sob a forma de conceitos e classificá-los. “Podemos não formula declarações ontológicas e separa bem
adquirir estratégias para raciocinar e tomar deci- a epistemologia da ontologia [15]. Convém destacar
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 53

mais uma vez a noção de “codificação indiferenciada” receptor. Por isso que o termo ‘informação’ carece
de von Foerster [9]: significa que se um neurônio da de sentido nesse contexto. Podemos falar de ‘infor-
retina enviar um sinal “visual” ao córtex cerebral, mação’ relativa a nossas experiências, porém nunca
esse sinal terá a mesma forma dos sinais que provém com relação a algo que se supõe que exista mais
dos ouvidos, nariz (olfato), dos dedos das mãos ou além da nossa interface experiencial...o conhecimen-
dos pés ou de qualquer outra parte do organismo ca- to é construção.” Portanto, a informação é sempre
paz de gerar sinais. Não há entre os sinais nenhuma uma construção [19]. Como disse Varela [20], a
distinção qualitativa; sua freqüência e amplitude são informação não deve ser vista como uma ordem
variáveis, porém não existe nenhum indício qualitativo intrínseca das ‘coisas’, mas como uma ordem que
do que supostamente podem significar [15]. A essa emerge das próprias atividades cognitivas.
observação desconcertante, segundo von Glasersfeld E como é o mundo do sistema imunitário? Cohen
[15], colaborou ainda mais Humberto Maturana et al. [21] considera o sistema imunitário como um sistema
[16], no campo da visão cromática, ao demonstrar cognitivo. Segundo esse autor, a palavra ‘cognição’
que os receptores, que supostamente percebem a cor deriva do Latim cognoscere, que significa conhecer.
vermelha (que os físicos consideram o tipo de ondas Cohen diz que os sistemas cognitivos diferem es-
luminosas que chamamos de “vermelho”), emitem trategicamente de outros sistemas por combinarem
sinais que não diferem em absoluto dos que são emi- três propriedades:
tidos pelos receptores do verde. Se somos capazes a) Podem exercer ou praticar opções; decisões;
de distinguir o vermelho do verde, essas distinções b) Contém dentro deles imagens dos seus ambientes;
forçosamente têm que efetuar-se no córtex; porém imagens internas.
não podem basear-se em meras diferenças quali- c) Usam a experiência para construir e atualizar suas
tativas, porque essas diferenças não existem [16]. estruturas internas e imagens; auto-organização.
Segundo von Glasersfeld [15], vivemos enredados
num paradoxo epistemológico: “Não temos maneira Daniel-Ribeirto & Martins [22] exploraram, com
de chegar ao mundo externo a não ser através de profundidade a idéia de que o sistema imunitário
nossa experiência desse mesmo mundo; e, ao ter conhece através de imagens internas.
essa experiência, podemos cometer os mesmos Assim como o sistema nervoso [23,24], o sis-
erros; por mais que víssemos corretamente, não tema imunitário é um sistema fechado e não tem
teríamos como saber que nossa visão é correta.” contato com o mundo externo. E o eventual contato
Os sistemas autopoéticos, que apresentam que possa ocorrer é processado de uma forma pecu-
auto-organização e autorregulação, como os siste- liar, como veremos a seguir. Assim como o cérebro
mas nervoso e imunitário, são sistemas fechados trabalha com sinais não qualitativos do mundo exte-
do ponto de vista da informação. Para explicar isso, rior, o sistema imunitário também opera com sinais
segundo von Glasersfeld [15], devemos recordar o não qualitativos sobre a complexidade do mundo
que Claude Shannon [17,18] expôs sobre os sinais molecular em que atua. Pode-se dizer que, em parte,
e seus significados, em seu célebre artigo “A teoria as células processadoras de antígenos, operam para
matemática da comunicação” (1948): dois de seus os linfócitos T como os receptores sensoriais para
pontos são suficientes para aclarar os mal-entendi- os neurônios. Imunogenicidade é a propriedade de
dos generalizados acerca do termo “informação”: porções moleculares ou supramoleculares induzirem
1) O significado não se translada do emissor ao uma resposta significativa do sistema imunitário.
receptor; somente se deslocam os sinais; Essas porções moleculares podem corresponder à
2) Os sinais somente são sinais quando alguém pode proteína, lipídeo, carboidrato ou alguma combinação
decodificá-los, e para decodificá-los necessita deles. A porção supramolecular pode ser um vírus,
conhecer seu significado. bactéria ou protozoário. Um imunógeno - molécula
Porém, segundo von Glasersfeld [15], “os sinais exibindo imunogenicidade - é uma substância que pode
que recebemos de nossos sensores e que, segundo desencadear uma resposta específica do sistema
a concepção tradicional, provém do mundo externo, imunitário, enquanto um antígeno - a porção exibindo
como podem ser decodificados? Não sabemos quem antigenicidade - é a substância reconhecida, numa res-
os codificou nesse hipotético mundo externo, nem o posta de memória (recall response), pela maquinaria
que foi codificado; nem sequer conhecemos o código. existente da resposta imunitária adquirida (células T
A única coisa que podemos fazer é contemplar os e anticorpos). Mas de fato, o sistema imunitário re-
sinais desde nosso interior: isto é, desde o lado do conhece epítopos através de seus paratopos (região
54 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

de uma macromolécula, que reconhece um epítopo) que um número limitado de variantes de MHC tem
[25]. Um epítopo para o linfócito B corresponde a a capacidade de se ligar a um conjunto de epítopos
uma região de uma proteína, ou outra macromolécu- curtos derivados do repertório próprio, bem como do
la, reconhecida por anticorpos solúveis ou presos a repertório de proteínas estranhas independentes de
membranas celulares. Podem ser epítopos lineares ou sua origem [35].
descontínuos (quando resíduos reconhecidos estão A maioria dos peptídeos apresentados na
localizados em regiões distantes na seqüência de uma superfície celular origina-se de proteínas próprias
proteína e são aproximados pelo enovelamento tridi- [36] e uma célula apresentadora de antígeno pode
mensional das proteínas). Um epítopo para linfócito expressar em torno de 5 x 105 moléculas de MHC
T se caracteriza por peptídeos curtos presos, por sua ligadoras de peptídeos [37]. Esse quadro já comple-
vez, em moléculas de MHC (Major Histocompatibility xo pode tornar-se ainda mais complexo quando se
Complex) e TCR (T Cell Receptor), formando complexos considera que o sistema imunitário não é um sistema
ternários. Muitos outros co-receptores e moléculas linear, mas sim um sistema adaptativo complexo,
acessórias, além de moléculas de CD4 e CD8, estão como se fosse uma grande máquina, formada por
também envolvidas no reconhecimento por células T. muitos nós interconectados numa grande rede [38-
Esse processo de reconhecimento não é simples e 40,22]. O linfócito B pode funcionar também como
permanece pobremente entendido. uma célula que processa e apresenta antígenos. E
Portanto, epítopos para células B ou T se caracte- nesse processo, perde sua originalidade clonal ao
rizam por seqüências curtas contínuas ou descontínu- apresentar, em sua superfície, uma coleção hetero-
as ou fitas de amino-ácidos [25]. Consequentemente, gênea de peptídeos [41].
o sistema imunitário não consegue “conhecer” o Esses peptídeos, por sua vez, podem interagir
mundo real das moléculas ou das supramoléculas com múltiplos clones de linfócitos T. Os idiotipos e
que apresentam imunogenicidade ou antigenicidade, paratopos das imunoglobulinas originais expressas
pois opera com baixa qualidade de reconhecimento, na superfície de linfócitos B, que dependem da estru-
necessitando também de determinada intensidade tura terciária das regiões V (variáveis), são destruídos
de estímulo para responder. Para que uma célula T durante o processamento. Como consequência, os
seja ativada por uma APC (antigen presenting cell) peptídeos gerados pelo processamento e apresen-
requer pelo mínimo que 100 moléculas de MHC na tação de regiões V não mantém relação direta com
célula apresentadora tenham um peptídeo para o qual paratopos e idiotopos [41].
a célula T responda [26,27]. Estudos têm demons- Ainda segundo Vaz & Faria [41], “do ponto de
trado que aquelas partes do TCR que fazem contato vista conexionista do sistema imunitário, a idéia de
com o complexo MHC-peptídeo sofrem acentuadas uma relação em rede entre os linfócitos e produtos
mudanças conformacionais durante a ligação e essa linfocitários é um aspecto essencial do sistema e
flexibilidade pode contribuir para explicar sua habilida- não um problema. E, deste ponto de vista, a noção
de para se ligar a muitos peptídeos diferentes [28]. de discriminação entre o próprio e o não próprio
Foi demonstrado que as células T podem apresentar torna-se inútil. Conexões idiotípicas existem antes
reações cruzadas com peptídeos que não mostram, da penetração de qualquer material estranho. O
virtualmente, homologias na seqüência [29-31]. De sistema imunitário [como o sistema nervoso] é auto-
fato, um único receptor T pode responder a 1,5 x 106 referencial e o que ele refere em suas operações
peptídeos nonaméricos [32,33]. são os idiotipos nos receptores linfocitários e nas
Então o sistema imunitário apresenta um siste- imunoglobulinas solúveis dispersas pelo corpo. A
ma de reconhecimento profundamente degenerado. ligação de materiais antigênicos a elementos do
Porém essa degeneração, contrariamente ao que sistema imunitário ocorre pela ‘confusão’ desses
se pensa tradicionalmente na imunologia, pode ser materiais com elementos (idiotipos) que o sistema
considerada como um estratagema para otimizar já está utilizando naquele momento. Reconhecimento
as funções de negociação (trade-off) ou de balan- imune não é um reconhecimento do ‘estranho’, mas
ceamento [34]. Por exemplo, assumindo que um é o reconhecimento de similaridades” [42-45].
camundongo tem uma resposta com especificidade Em resumo, o sistema imunitário, assim como
muito restrita (um-para-um) dos receptores TCRs para o sistema nervoso, não consegue “conhecer” uma
seus ligantes, o peso das células T necessárias para realidade externa, mas constrói seu mundo.
realizar tal tarefa seria 70 vezes maior que o peso Araújo Jorge [46] fala sobre a mudança de para-
total do camundongo [32]. Por outro lado, sabe-se digma que ocorreu entre o século XIX e o século XX,
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 55

que vale também para o século atual: “Há hoje certo 4. Maturana H. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo
acordo entre os pesquisadores para diagnosticarem Horizonte; UFMG; 2001. 203 pp.
5. Maturana H. Transformación en la convivência.
como atrator privilegiado do pensamento científico Santiago: JC Sáez; 2004. 283 pp.
e cultural do século XIX (e para não ir mais longe no 6. Demo P. Complexidade e aprendizagem. São Paulo:
passado) a noção de energia. Os processos quími- Atlas; 2002. 195 pp.
cos, físicos, biológicos e mesmo sociais exprimiriam, 7. Lettvin JY, Maturana HR, McCulloch WS, Pitts WH.
What the frog’s eye tells to the frog’s brain. In:
essencialmente, transformações e dissipações de
Corning WC & Balaban, eds. The mind: biological
energia. A técnica do tempo oferecia, aliás, a imagem approaches to its functions, Hoboken, NJ: John Wiley
adequada do mundo: a máquina a vapor. & Sons Inc; 1968. pp. 233-58.
A partir da Segunda Grande Guerra, contudo, a 8. Hayles NK. How we became posthuman – Virtual
bodies in cybernetics, literature, and informatics.
inspiração científica voltou-se dos watts para os bits
Chicago: The University of Chicago Press; 1999.
e, em pouco tempo, o atrator emergente já não era 350 pp.
mais a energia, passando a ser – no século vinte [e 9. von Foerster H. Construyendo uma realidad. In:
no nosso século] – a informação... Ao fazer-se da WatzlawickP: La realidad inventada: Como sabemos
informação conhecimento, porque em parte, se faz lo que creemos saber? Barcelona: Gedisa; 1981.
p.38-56.
da vida informação, desenha-se uma concepção dos 10. Lent R. Cem bilhões de neurônios. São Paulo:
sistemas vivos com um perfil quase humano. E basta Atheneu; 2001. 698 pp.
abrir os livros de biologia molecular para vermos os 11. Kierszenbaum AL. Histology and cell biology: an
biólogos usarem, com o maior à-vontade um vocabu- introduction to pathology. St. Louis: Mosby; 2002.
619 pp.
lário de índole cognitiva: Desde as funções cognitivas 12. Gazzaniga MS, Ivry RB, Mangun GR. Neurociência
das enzimas, ao reconhecimento entre moléculas, à cognitiva: a biologia da mente. Porto Alegre: Artmed;
memória imunológica, à escola do timo, às bactérias 2006. 767 pp.
que – como autênticos sujeitos – hesitam, tomam 13. Damásio AR. O erro de Descartes: emoção, razão e o
cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras;
decisões, até ao desenvolvimento e à evolução 1996. 330 pp.
tratados como processos cognitivos. Quase parece, 14. Andreeta JP, Andreeta ML. Quem se atreve a ter
e vou ironizar, que a biologia se tornou psicologia.” certeza? A realidade quântica e a filosofia. São
Para finalizar, tanto o sistema nervoso, como o Paulo: Mercuryo; 2004. 236 pp.
15. von Glasersfeld E. La construccion del conocimiento.
imunitário são sistemas fechados, que não operam
In: Schnitman DF, ed. Nuevos paradigmas, cultura y
com informações externas, mas só auto-referentes e subjetividad. Buenos Aires: Paidos; 2004. p.115-28.
na lida de acoplamento com o mundo exterior pres- 16. Maturana H, Uribe G, Frenk SG. A biological theory
cindem de uma representação ontológica externa. of relativistic colour coding in the primate retina.
Archivos de Biologia y Medicina Experimentales
O que ambos os sistemas fazem, assim como os
1968(Suppl1):1-30.
demais sistemas do organismo, é tornar a vida dos 17. Shannon CE. The mathematical theory of
seres vivos viável e adequada aos seus propósitos, communication. Bell System Technical Journal
no ato do viver. Afirma von Glasersfeld [47]: “Quem 1948;27:379-423 e 623-656.
tem entendido isso naturalmente não considerará 18. Shanon CE, Weaver W. The mathematical theory of
communication. Chicago University of Illinois Press;
o construtivismo radical como representação ou 1963. 125 pp.
descrição de uma realidade absoluta, senão que o 19. Fourez G. A construção das ciências: as lógicas das
conceberá como um possível modelo de conhecimen- invenções científicas. Lisboa: Instituto Piaget; 2002.
to em seres vivos cognitivos, que são capazes, em 405 pp.
20. Varela FJ. Connaître: lês sciences cognitives,
virtude de sua própria experiência, de construir um tendances et perspectives. Paris: Seuil; 1989
mundo mais ou menos digno de confiança”. 21. Cohen IR. Tending Adam´s garden: evolving the
O importante é viver com olhos de poeta... cognitive immune system. New York:Academic
Press; 2000. 265 pp.
22. Daniel-Ribeiro CT, Martins YC. Imagens internas e
Referências reconhecimento imune e neural de imagens externas:
os caminhos e contextos das redes biológicas de
1. Teixeira JF. Mente, cérebro e cognição. Petrópolis; cognição para a definição da identidade do indivíduo.
Vozes; 2000. 197 pp. Neurociências 2008;4(3):117-48.
2. Alves R. Desfiz 75 anos. Campinas: Papirus; 2009. 23. Maturana HR. La realidad: objetiva o construída?
158 pp. Santiago: Antropos; 1996. 286 pp.
3. Sperry RW. Effect of 180 degree rotation of the 24. Maturana H. A ontologia da realidade. Belo Horizonte;
retinal field on visuomotor coordination. J Exp UFMG; 1997. 350 pp.
Zoology 1943;92:263-79.
56 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

25. Taylor PD, Flower DR. Immunoinformatics and 36. Lund O, Nielsen M, Lundegaard C, Kesmir C, Brunak
computational vaccinology: a brief introduction. In D S. Immunological bioinformatics. Cambridge, MA:
Flower and J Timmis. In silico immunology. New York: MIT Press; 2005. 296 pp.
Springer; 2007. p. 23-46. 37. Schuler G, Steinman RM. Murine epidermal Langerhans
26. Demotz S, Gray HM, Sette A. The minimal number cells mature into potent immunostimulatory dendritic
of class II MHC-antigen complexes needed for T cell cells in vitro. J Exp Med 1985;161:526-46.
activation. Science 1990;249:1028-30. 38. Jerne NK. Towards a network theory of the immune
27. Harding CV, Unanue ER. Quantitation of antigen- system. Ann Immunol (Paris) 1974;125C:373-89.
presenting cell MHC class II/peptide complexes 39. Varela FJ 1989a. Autonomie et connaissance: essai
necessary for T-cell stimulation. Nature sur le vivant. Paris: Seuil; 1989. 254 pp.
1990;346:574-6. 40. Vaz NM, Pordeus V. Visiting immunology. Arq Bras
28. Garcia KC, Degano M, Pease L R, Huang M, Peterson Cardiol 2005;85:350-62.
P A, Teyton L, Wilson I A. Structural basis of plasticity 41. Vaz N, Faria AMC. The construction of immunological
in T cell receptor recognition of a self peptide-MHC identity. Ciência e Cultura 1990;42:430-44.
antigen. Science 1998;279:1166-72. 42. Vaz NM, Varela FJ. Self and nonsense: an organism-
29. Hagerty DT, Allen PM. Intramolecular mimicry. centered approach to immunology, Immunol Rev
Identification and analysis of two cross-reactive 1978;79:151-68.
T cell epitopes within a single protein. J Immunol 43. Vaz N, Martinez CA, Coutinho A. The uniquiness
1995;55:2993-3001. and bounderies of the idiotypic self. In: H. Kohler,
30. Quarantino S, Thorpe CJ, Travers PJ, Londei M. PA Cazenave, J Urbain, eds. Idiotypy in biology and
Similar antigenic surfaces, rather than sequence medicine. New York: Academic Press; 1984. p. 44-
homology, dictate T-cell epitope molecular mimicry. 63.
Proc Natl Acad Sci U S A1995;92:10398-402. 44. Varela F, Coutinho A, Dupire B, Vaz N 1988.
31. Kaliyaperumal A, Mohan C, Wu W, Datta SK. Cognitive networks: immune, neural and otherwise.
Nucleosomal peptide epitopes for nephritis- In: A Perelson, Theoretical immunology. New York:
inducing T helper cells of murine lupus. J Exp Med Addison-Wesley; 1988. vol II, p. 359-374.
1996;183:2459-69. 45. Coutinho A, Forni L, Holmberg D, Ivars F, Vaz N.
32. Mason D. Antigen cross-reactivity: essential in the From an antigen-centered, clonal perspective
function of TCRs. The Immunologist 1998;6:220-2. of immune responses to an organism-centered,
33. Mason D. A very high level of cross-reactivity is an network perspective of autonomous activity in
essential feature of the T-cell receptor. Immunol a self-referential immune system. Immunol Rev
Today 1998;19:395-404. 1984;79:151-68.
34. Tieri P, Castellani GC, Remondini D, Valensin 46. Araújo Jorge MM. Da epistemologia à biologia.
S, Loroni J, Salvioli S, Franceschi C. Capturing Lisboa: Instituto Piaget; 1994. 291 pp.
degeneracy in the immune system. In: D Flower and 47. von Glasersfeld E. Introdución al construtivismo
J Timmis, In silico immunology. New York:Springer; radical. In: Watzlawick P: La realidad inventada:
2007. p.109-18. Como sabemos lo que creemos saber? Barcelona:
35. Mason D. Some quantitative aspects of T-cell Gedisa; 1981. p.20-37.
repertoire selection: the requirement for regulatory T
cells. Immunol Rev 2001;182:80-8.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 57

Commentários

O mosaico e a chave
Luiz Fernando de Souza Passos

Na medida em que os seres vivos evoluem em tamanho e em


complexidade, torna-se patente a necessidade de estabelecer interação
com o meio ambiente, para possibilitar percepção de sinais, ameaças e
oportunidades, e produzir respostas de integração e adaptação. Emer-
gem duas soluções para esse imperativo: uma forma de comunicação
molécula a molécula, representada pelo sistema imune, e uma forma
de comunicação por ativação de células excitáveis, representada pelo
sistema neural.
Comunicação molecular é estratégia tão primitiva quanto a vida. Está
presente nas ligações biológicas não covalentes, na interação de enzima
com substrato, na ativação de receptor por ligante, na união das fitas de
DNA, etc. Uma molécula molda-se a outra, com complementaridade de
massa, átomo por átomo, e atração de cargas elétricas. É uma reação
reversível, com afinidade variável. A solução, aplicada a moléculas en-
dógenas nos exemplos acima, foi incorporada para moléculas exógenas
no sistema imune. Eucariontes desenvolvem uma resposta inata em que
reconhecem padrões moleculares exclusivos de procariontes, permitido
sua identificação como “exógenos” e uma resposta de defesa e adap-
tação, fortemente conservada na escala filogenética. Os vertebrados
apresentam receptores reconhecedores de padrões moleculares (PRR
– Pattern Recognising Receptors), tanto humorais (complemento) como
ligado a células (TLRs [toll-like receptors], NODs, NALP3, dectinas). Os
padrões reconhecidos (PAMPs – pathogen associated molecular patterns)
incluem peptidoglicanos e lipopolissacarídeos (LPS) da membrana e do
Professor da Disciplina de Reuma- flagelo bacterianos, ÷-glucanas fúngicas, CpG-DNA e motivos de RNA
tologia da Universidade Federal do virais. Aqui ocorre a única e real distinção entre o próprio e o não-próprio,
Amazonas (UFAM), Mestrado em e uma resposta de alarme contra a “invasão”, com a produção imediata
Patologia Tropical, Doutorado em de citocinas defensivas e pró-inflamatórias.
Biotecnologia, Faculdade de Me- Outra face do aparelho imune de vertebrados é o sistema adapta-
dicina da Universidade Federal do tivo. Avançado, propõe-se a reconhecer qualquer estrutura peptídica,
Amazonas, Departamento de Clinica própria ou não-própria. Tal premissa pressuporia um repertório imprati-
Médica, Disciplina de Autoimuni- cável de genes e células para albergar tamanha diversidade. A solução
dade do Mestrado em Imunologia, engenhosa encontrada foi o rearranjo de alguns de muitos pequenos
Manaus/AM genes variáveis para formar a área sensível do receptor, e a adoção do
conceito de expansão clonal, pelo qual o linfócito, com seu receptor
Correspondência: Parque Tropical, específico, só se multiplicará quando “achar” o peptídeo com o qual se
11/c5, 69055-740 Manaus AM, Tel: encaixa e se complementa. Daí o termo imunidade “adaptativa”, pois
(92)3584-0028, E-mail: passos26@ deve ser estimulada especificamente, ad hoc, quando a oportunidade
hotmail.com (encontro peptídeo-receptor) aparecer. Só então ocorrerá o milagre da
58 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

multiplicação dos linfócitos, com formação de um O linfócito, atrás de uma morfologia única,
clone de especificidade comum, quantitativamente monótona, de mínimas nuances, esconde imensa
suficiente para o combate ao patógeno indutor. Está diversidade funcional (células B, T, NK, Th1, Th2,
fora do escopo deste texto rever toda a fisiologia Th17, Treg, T/B naives, T/B de memória, etc etc)
da imunidade adaptativa, mas vale destacar alguns e diversidade maior ainda em termos de especifi-
aspectos relevantes ao tópico cognição molecular: cidade clonal. Já a diversidade do neurônio, como
célula individual, é paupérrima. Ele conhece apenas
• Na resposta adaptativa há o risco inerente e dois estados funcionais básicos: o não-excitado, ou
iminente de autoimunidade. As células apresen- de repouso, e o excitado, entendendo-se excitação
tadoras de antígeno vivem apresentando, cotidia- como uma despolarização fugaz de membrana que se
namente, autoantígenos resultantes de processos espalha em onda pelo corpo do neurônio e percorre
como remodelamento e apoptose. Em solução axônios e dendritos. Ou tudo, ou nada. O que confere
igualmente engenhosa, linfócitos nascentes com complexidade ao sistema neural é a capacidade de
alta afinidade por autoantígenos são anulados ou associação dos neurônios, determinando a formação
eliminados no timo. Mesmo assim “escapam” de redes físicas em que milhares de células se inter-
linfócitos autorreativos de média afinidade, mas ligam por seus prolongamentos filiformes, formando
que só serão ativados perifericamente se, além do circuitos específicos que, quando ativados, garantem
estímulo peptídico específico, houver coestímulos a riquíssima gama de percepções e a capacidade
deflagrados por ativação de receptores inatos intelectual que é própria e distintiva do ser humano.
(TLRs), alarme fornecido por padrões moleculares Há dualidade também na forma em que a despolari-
exógenos. Linfócitos que reconhecem autoantíge- zação da membrana se inicia. Algumas células são
nos em processos endógenos – que não ativam excitáveis por fenômenos físicos, como luz, som,
PRRs – ignoram o peptídeo apresentado sem força mecânica, que atingindo um limiar quantitativo
coestímulo e permanecem anérgicos. deflagram o movimento iônico através da membrana.
• O reconhecimento do peptídeo e eventual expan- Estão nos chamados “órgãos do sentido”, que cons-
são clonal não são suficientes para definir, por si tituem a verdadeira interface periférica do organismo
só, o tipo de resposta que advirá. Na linhagem de com o meio externo. Outros neurônios, a grande
linfócitos maturados no timo, a resposta efetora maioria, são excitáveis em cadeia por neurotransmis-
pode privilegiar o combate a patógenos intrace- sores sinápticos. Forma-se uma estrutura orgânica,
lulares (Th1), a produção de anticorpos (Th2), a complexa, esquematizada na Figura 1.
convocação de polimorfonucleados (Th17) ou a Tomemos o exemplo da formação da visão na
manutenção/ restauração do estado quiescente retina e sua percepção cerebral. Milhões de células
basal (T-reg). Condicinantes pré-reconhecimento fotorreceptoras atapetam a retina, sensíveis a intensi-
(o tipo de toll-like receptor acionado na reação de dade e ao comprimento (cor) da onda eletromagnética.
alarme) e pós-reconhecimento (o tipo de citocina A imagem compõe-se espacialmente na retina pela
produzido pela célula apresentadora de antígeno) excitação ou não de cada célula fotorreceptora como
determinarão o desenlace do processo. Nuances na composição de um mosaico. Segue-se a transmis-
modulatórias são, portanto, elementos fundamen- são para áreas corticais responsáveis pela visão, onde
tais na performance do sistema imune. cada célula fotorreceptora tem um neurônio correspon-
dente reconstruindo o mosaico retiniano. Diferentes
Voltando à cognição, em última análise o fe- composições do mosaico – diferentes imagens ou fo-
nômeno básico no reconhecimento e identificação tografias do mundo – são entendidas como conceitos
de elementos do meio externo é a interação de ou objetos em nível neuronal superior, materializando
moléculas exógenas com moléculas receptoras do a percepção e gerando a consciência do fato. O mo-
sistema inato ou adaptativo. Complementaridade de saico visual depende de uma composição espacial
átomos (em termos de massa e carga elétrica) entre pré-programada, o que explica os “erros” do camaleão
molécula identificadora e molécula identificada, com que teve seu campo visual rodado experimentalmen-
maior ou menor afinidade, garante o funcionamento e te em 180 graus, citado por Lenzi neste número da
a especificidade do processo. É pertinente, portanto, Neurociências. Na área auditiva, milhares de ruídos e
a famigerada analogia do encontro da chave com a fonemas formam um mosaico acústico, captados por
fechadura, em que perfis absolutamente complemen- células audiossensíveis no aparelho timpânico-coclear,
tares garantem a abertura da porta. e transmitidas a áreas corticais de audição. Mosaicos
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 59

Figura 1

(não-espaciais) de fonemas e sons são identificados a Figura 2 - Georges Seurat, La tour Eiffel (1889)
nível superior e lançados no consciente como palavra,
entonação, fala, música, barulho, que não deixam de
ser objetos ou conceitos. E assim o odor, o paladar e
o tato. Em diversas espécies animais, alguns órgãos
do sentido, e respectivos mosaicos corticais, são
desenvolvidos em maior ou menor grau. É o caso
do olfato nos cães, capazes de farejar inúmeros pro-
dutos químicos e antecipar a chegada do dono sem
vê-lo ou ouvi-lo. É o caso da audição nos quirópteros.
Uma caverna abriga uma colônia de morcegos e suas
paredes estão cobertas de milhares de filhotes. As
“mamães-morcego” saem para o repasto de insetos
ou frutas, e ao voltarem para amamentar os “bebês”
identificam com precisão onde estão exatamente os
seus, através de ecos que mapeiam a caverna, num
prodígio de orientação espacial.
Voltando aos humanos, a capacidade seguinte é
armazenar conceitos-objetos, relacioná-los, associá-
los, gerando memória – de fatos, relatos, histórias,
visões – que poderão voltar à consciência, geralmen-
te puxados por um mote comum. Nos vários níveis
de percepção, há vários níveis de resposta, desde
respostas primitivas como o arco-reflexo álgico e
manifestações instintivas, até respostas elaboradas,
aprendidas, racionais, com maior ou menor conteúdo
de carga emocional.
60 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

A Figura 2 mostra um quadro de Geoges Seurat tológicos. Por que Bach compunha prelúdios e fugas
(1859-1891) mestre pontilhista do neo-impressio- sublimes? Por que Pelé fazia gols merecedores de
nismo francês. A tela, formada por milhares de pon- placas nos estádios? Por que João tem um transtorno
tinhos coloridos, é um mosaico. Não importa cada obcessivo-compulsivo? Por que José é autista? Quais
ponto. Importa o conjunto, percebido como um objeto os fatores de crescimento neurais que influenciam
alto, afilado, em base quadrangular. Exemplifica o a neuroplasticidade? Qual a programação genética
poder semiótico das múltiplas unidades – pontinhos que determina a conexão primária e a migração de
– que formam um mosaico. Da leitura do mosaico, neurônios? Como a selagem e o descerramento de
somos levados a conceitos: uma torre, a torre Eiffel genes por processos epigenéticos, e portanto am-
e nossa memória histórica e afetiva de Paris. bientais, podem alterar essa programação? Como
Uma característica que diferencia o sistema experiências reais podem influenciar a formação de
cognitivo neural do imune é sua instantaneidade. A vias de conectividade e portanto dar base material
despolarização de um circuito constituído, por mais a teorias psicanalíticas? Haverá possibilidade de
complexo que seja, é imediata, o que garante a inte- reinventar a neuroplasticidade, através de terapias
ração em tempo real com o meio ambiente físico e celulares para correção de doenças degenerativas e
social. A cobertura mielínica e a higidez dos canais sequelas de neurotrauma?
iônicos permitem essa rapidez. Já o sistema imune Não há linearidade na resposta neural assim
demanda um lapso maior para responder (7 a 14 dias com na resposta imune. Influências locais parácrinas
na resposta adaptativa, 6 a 12 horas na resposta e autócrinas – citocinas, hormônios, neuropeptídeos,
inata, alguns minutos na resposta IgE). A construção neurotransmissores – desviam a resposta funcional
anatômica é crucial nesse aspecto: os circuitos neu- em sentidos muitas vezes opostos. Aqui a glia sai
rais são pré-formados e fixos, prontos para a fagulha; de uma tradicional obscuridade e ganha destaque
as células imunes são livres, flutuantes, migrantes, como produtora de substâncias neuromodulatórias e
tendo que se encontrar nos linfonodos, voltar aos partícipe maior no cenário neurofisiológico. E advém
tecidos (homing), convocar adjuvantes, preparar o a importância de se conhecer cada sinapse, de cada
endotélio, e mais outras tarefas próprias da meta circuito, seu agonista fisiológico, sua síntese, seu
final que é a inflamação. armazenamento, sua recaptura, seus antagonistas
Em dois outros aspectos o sistema neural se fisiológicos, e receptores de membrana paralelos
assemelha ao imune – a capacidade e a necessidade que inibem ou facilitam a despolarização neuronal.
de amadurecimento para formar o repertório de circui- Essa via conduz inapelavelmente à neurofarmacolo-
tos e de linfócitos; e a capacidade e a necessidade gia, abrindo espaço para intervenções que podem
de moduladores internos para aumentar a diversidade revolucionar a terapia de condições neurológicas e
das respostas. psiquiátricas.
O desenvolvimento de circuitos é tarefa árdua. É Em conclusão, as duas faces da cognição em
o aprendizado natural, psicomotor. É o aprendizado biologia neural e imune – os paradigmas do mosai-
cultivado, social, educativo. São anos de desenvolvi- co e da chave – são totalmente diferentes em sua
mento, até se atingir maturidade suficiente – neural essência, mas contém semelhanças circunstanciais
e imune – que permite a eclosão da puberdade e a que permitem extrapolar experiência de uma área
perpetuação da espécie. Nossa capacidade de formar para a outra, e semear idéias em neurocientistas e
circuitos e mosaicos – neuroplasticidade – é um pro- imunologistas, podendo aumentar nossa capacida-
cesso fisiológico de capital importância, e a formação de de compreensão e levar ao desenvolvimento de
de circuitos com mínimas diferenças pode levar à aplicabilidades que certamente terão alto impacto na
geração de diferentes atitudes, aptidões, personali- saúde e no bem-estar da pessoa humana.
dades, e mesmo comportamentos considerados pa-
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 61

Comentários

Comentário
Nelson Monteiro Vaz

Querido amigo Lenzi

Seu primeiro parágrafo (o transplante de olhos) me fez lembrar um-


sobrinho da Ana Caetano. Ainda menino, com uma miopia muito forte, ele
foi recebendo óculos gradualmente mais fortes até que recebeu aqueles
com o grau adequado à sua condição. Contam que nesse dia, o menino
não dormiu: passou a noite toda andando pelo apartamento, vendo.
E agora, me lembro do poema de Augusto de Campos, com seus
múltiplos sentidos:

não me vendo
não se vende
não se venda

Pelo que entendi de Maturana o “estalo” (quando ele escreveu


noquadro negro :”Tudo é dito por um observador”) foi comunicado
em umCongresso de Antropologia, publicado em 1969. O artigo com
Letvin, de dez anos antes (1959) é sobre feature detectors, a idéia de
que algumprocessamento de informação (computação, como você diz)
ocorre já a nível dos órgãos sensoriais; o olho já determinaria o que
pode ser visto.
O texto de 1959 não altera a noção de um mundo exterior, inde-
pendente, objetivo.A Realidade,
com R gótico, rococó, ainda está lá fora, kantiana. Aruptura com
essa Realidade surge em um
texto de 1968, escrito com Samy Frenk e Gloria Uribe, uma ver-
dadeira “teoria da relatividade” biológica. Isso se passa justamente
quando ele, de certa forma, nega as conclusõesdo trabalho com Letvin
Médico, Doutor em Bioquímica e (no Congresso da SBPC (Campinas, 1984), ele bate no peito e excla-
Imunologia, Professor aposentado ma, teatral, “mea culpa, mea maxima culpa” quando alguém na platéia
de Imunologia, Instituto de Ciências (Gavriewsky, da UFF) percebe a contradição entre as duas posições e
Biológicas (ICB), Universidade Fede- pede esclarecimentos). No texto de 1968, ele desiste de mapear os
ral de Minas Gerais (UFMG) receptores cromáticos na retina, como os havia mapeado no texto com
Letvin. Diz que é impossível correlacionar a atividade elétrica da retina
Correspondência: Departamento de com o comprimento de onda da radiação que penetra o olho, mas que
Bioquímica e Imunologia, ICB-UFMG, é perfeitamente possível correlacionar a atividade elétrica da retina
Caixa Postal 486 Pampulha 30161- com o nome dado à cor (“verde” passa a ser um estado do corpo).
970 Belo Horizonte MG, Fax: (31) Isto é escandalosamente importante porque inclui de forma definitiva o
3499-2640, E-mail: nvaz@icb.ufmg.br observador na observação. Daí surge o conceito do linguajear humano
62 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

como construtor das realidades de cada um de nós. que “entender” o que faz. Mas o sistema imune e o
Quase na mesma época surge a fusão das duas sistema nervoso não são sistemas cognitivos, não
perguntas: a pergunta sobre a “percepção” e sobre entendem nada: apenas operam da maneira que
a organização do que é vivo, a admissão que só se operam porque têm a estrutura que têm. Cognitivos
pode entender aquilo que denominamos percepção somos nós, imunologistas, que operamos na lingua-
por um outro entendimento (autopoiético) do viver e a gem como seres humanos, apontando anticorpos e
separação de dois domínios de descrição (que evita linfócitos para outros seres humanos.
a falácia das interações instrutivas). “Em resumo, o sistema imunitário, assim como
(Às vezes me pergunto o que seria esta o sistema nervoso, não consegue “conhecer” uma
pedra”objetiva”, em seu peso, sua frieza, sua cor e realidade externa, mas constrói seu mundo.”
dureza; sem meus olhos, minha mão e meu braço. Este mundo que o sistema imune constroí é estru-
Essa pedra não é nada antes eu faça alguma coisa tural? ou relacional? É um conjunto de células e mo-
que a envolva - então, passa a ser a minha pedra, no léculas? Ou é um conjunto de ações padronizadas,
meu mundo. Que mundo é esse “objetivo” em que eu coerentes consigo mesmas e com sua história? O
me encontraria tão alienado, no qual minha própria mundo do sistema imune é ele próprio? ou é o orga-
mão seria o mais estranho dos objetos?) nismo do qual ele faz parte? Ou são (o conjunto das)
(Numa aula em Florianópolis, em 2006, Jorge as relações entre a estrutura do sistema e a estrutura
Mpodozis tirou do bolso uma chave e perguntou se do organismo? Sistema imune e organismo surgem
faria sentido dizer que ela “contém a informação juntos: só o organismo em seu meio faz sentido (Self
para abrir a porta do quarto no hotel”? Claro que and non-sense).
não, porque se vê que estas ranhuras correspondem
a detalhes da fechadura; uma estrutura realiza a fa- Referências
çanha de abrir a porta. Mas - continuava ele - se eu
tirasse do bolso este cartão magnético e dissesse 1. Lettvin JY, Maturana HR, McCulloch WS Pitts
WH. (1959). What the frog’s eye tells the frog’s
a mesma coisa, vocês talvez concordassem que ele
brain. In: McCulloch WS, ed. Embodiments of mind.
“contém a informação”, entendem? A gente invoca Cambridge, Mass; MIT Press: 1975. p.230-56.
o conceito de “informação” quando não entende o 2. Maturana HR, Uribe G et al. A biological theory of
que se passa!”). relativistic color coding in the primate retina. Arch
“Irun Cohen (2000) propõe que consideremos o Biol y Med Exp 1968;1(Suppl1).
3. Maturana HR. Neurophysiology of Cognition. In:
sistema imunitário como um sistema cognitivo.” Que Garvin P, ed. Cognition: a multiple view. New York:
eu entenda, não há nem nunca houve outra maneira Spartan Books; 1969. p.3-23.
de conceituar a atividade imunológica: ela sempre 4. Gilbert SF, Epel D. Ecological developmental biology:
foi funcional e defensiva, portanto, cognitiva - tem integrating epigenetics, medicine, and evolution.
Sunderland MA: Sinauer; 2009. 496 pp.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 63

Atualização

Introdução à sofrologia
William Bonnet

Introdução
Atualmente, o homem contemporâneo é exposto a situações di-
versas que podem desencadear estresse físico e mental. As represen-
tações mentais que temos de determinadas realidades, muitas vezes
potencializam esse estresse e podem dificultar nossas relações sociais,
afetivas, além de forma de nos relacionarmos com nós mesmos.
A sofrologia é a ciência que busca a compreensão desse estresse
e desenvolve ferramentas capazes de trazer a harmonia entre o corpo
e a mente. Foi desenvolvida em 1960, pelo neuropsiquiatra colombia-
no Afonso Caycedo, tendo como principio fundamental o pensamento
positivo.
Hoje, a sofrologia é utilizada em várias áreas de conhecimento,
principalmente na Europa, onde tem muito sucesso. Na medicina e
psicologia é utilizada como método profilático.
Esse artigo foi produzido a partir do material de estudo da Escola
Francesa de Somatoterapia e Sofrologia, localizada na cidade de Tours,
França e apresenta ao público brasileiro uma introdução aos conceitos
iniciais, definições, métodos, aplicações e práticas da sofrologia.

Histórico

A sofrologia é uma ciência que nasceu da hipnose e abriu as vias


da psicanálise. Franz-Anton Mesmer (1734-1815), através de suas
pesquisas sobre o magnetismo, foi seu precursor. Foi o padre José
Custódio de Faria (1756-1819) que desmistificou o poder sobrenatural
do magnetizador, ressaltando que o praticante age pela sugestão ver-
bal. Ainda que suas teorias tenham sido desacreditadas durante vários
anos, ele foi o primeiro codificador da hipnose.
A primeira intervenção cirúrgica sob anestesia por sugestão foi re-
alizada em 1814 por Jules Choquet. Em 1859 Paul Broca (1824-1880)
Psicólogo, diretor da École de opera um abscesso de ânus sob hipnose. Hippolyte Bernheim (1843-
somatothérapies et de sophrologie 1917) e Ambroise Auguste Liébault (1823-1904) fundaram a Escola de
appliquées, França Nancy (França), onde eles reconheceram a importância da sugestão nos
fenômenos hipnóticos.
Correspondência: E-mail: contact@ Jean Martin Charcot (1825-1893), neurologista no Hospital La
sophrologie.net, www.sophrologie. Salpêtrière (França), estudou a histeria e tentou demonstrar o poder do
net www.sofrologiabrasil.blogspot. espírito sobre o corpo. Josef Breuer (1842-1925) descobriu que no caso
com dos histéricos o traumatismo inicial provocado por uma emoção anterior
64 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

desaparecia quando o paciente vivia novamente a mínio dessa consciência, sendo capaz de modificar
situação traumatizante. Ele é o inventor do conceito o seu conteúdo, assim como, os diferentes estados
de catarse. Sigmund Freud (1856-1939), discípulo e níveis de vigilância, através do autocontrole do
de Charcot criou a psicanálise em 1896. corpo e do espírito.
Em 1932, Johannes Schultz (1884-1970) divul- Caycedo define a consciência segundo três es-
gou seu método de relaxamento, conhecido como tados qualitativos e três níveis quantitativos.
Training autogênico. Trata-se de uma técnica que se
baseia no yoga e na hipnose. A consciência segundo Caycedo
William Reich (1897-1957) inspirou, através dos
seus trabalhos, a vegetoterapia, depois o suporte A consciência apresenta três estados qualitati-
teórico das Somatoterapias. Sua obra originou os vos e três quantitativos. Os três estados qualitativos
conceitos de base da sofrologia. Alexander Lowen são o estado patológico; o estado ordinário; o estado
criou a Bioenergia. sofrônico. Os três níveis quantitativos são: a vigília;
o sono; o nível sofroliminar.
Definição O nível sofroliminar se situa entre a vigília e o
sono. Trata-se de uma zona sensível utilizada para
Interessado pelas técnicas orientais de rela- reforçar a consciência. Segundo Caycedo, o indivíduo
xamento, o neuropsiquiatra colombiano Alfonso pode permanecer nesse estado de consciência co-
Caycedo (1932-), esteve na Ásia para descobrir os mum, se instalar no estado de consciência patológica
diferentes métodos praticados. Suas observações ou então progredir na consciência sofrônica positiva.
permitiram-lhe chegar à seguinte conclusão: todas A escola francesa impôs a tomada de considera-
essas práticas têm em comum “a busca do domínio ção do inconsciente na sofrologia. Em destaque estão
do corpo pelo espírito”. Inspirado por suas formidá- o Dr. Jean Pierre Hubert, o Dr. Jacques Donnars e o
veis descobertas, ele retorna ao Ocidente e cria seu Dr. Roland Cahen.
próprio método de relaxamento, ocidentalizado e
desprovido de todo misticismo. A somatoterapia
O aperfeiçoamento deste método resulta de uma
premissa científica onde cada hipótese de trabalho é Historia e fundamentos da somatoterapia
verificada antes de ser aplicada. Caycedo deu o nome
de Sofrologia a essa nova ciência. Em 1960, ele Vivemos uma época de grande audácia no domí-
fundou a Escola de Sofrologia e deu ao seu método nio das curas, nos garantindo uma fusão espantosa
a seguinte definição: a sofrologia é uma ciência, ou de terapias, muitas das quais podemos achar gra-
melhor, uma Escola científica que estuda a consciên- ça. Porém é mais sensato considerarmos algumas
cia, suas modificações e os meios físicos, químicos dessas terapias com interesse. Esta multiplicação
ou psicológicos que podem modificá-la, com o fim de práticas simplesmente responde à diversidade
terapêutico, profilático ou pedagógico em medicina. da demanda, assim como a particularidade de cada
A palavra Sofrologia vem do grego sos phren terapeuta.
logos onde: sos = harmonia; phren = consciência; O verdadeiro praticante sabe que precisará criar
logos = estudo. uma terapia própria para cada terapeuta e a cada
Portanto, a sofrologia é a ciência do espírito encontro terapêutico; a diferenciação que se fazia,
sereno aplicada à consciência humana. Ela estuda durante muito tempo, espontânea e silenciosa, se
a modificação dos estados de consciência, a modifi- sistematiza agora, se inscreve em um quadro estru-
cação dos níveis de vigilância e os meios de produzir turado.
essas modificações. Existem causas históricas para a eclosão dessas
Para isso, a sofrologia utiliza as técnicas de- novas práticas. A sociedade evolui cada vez mais
nominadas sofrônicas passivas ou ativas, saídas rapidamente, abrindo novos campos aos terapeutas.
da hipnose e da sugestão. Além dos métodos de Quando foi preciso reagir a todas as descobertas
relaxação tradicional como o Training autogênico de recentes na medicina, em técnica e organização, na
Schultz, que são igualmente utilizados. metade do século XIX, no tempo de Claude Bernard,
Desta forma, o indivíduo pode se encarregar foi pela psique, pelo discurso e pelos processos
da sua totalidade psicossomática por uma vivência intra-psíquicos, como fizeram Charcot, Freud ou Pierre
direta da sua própria consciência, alcançando o do- Janet (1859-1947). A época não era ainda do uso do
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 65

corpo. Mesmo Sándor Ferenczi (1873-1933) e Reich como a psicoterapia e a socioterapia, a somatotera-
ainda resistiram e só o reconhecerem 50 anos mais pia pode ser estruturada ou analítica.
tarde, entre as duas guerras. No primeiro caso, o tratamento é curto, visa um
O trabalho em grupo nascia, a aproximação sintoma com um meio bem circunscrito, por exemplo:
franca e aberta do corpo deram-se após a derrota a sexoterapia.
do totalitarismo. No segundo, o tratamento visa o sujeito na sua
Mas agora a grande liberação é a possibilidade globalidade e pode durar anos, utilizando meios
que o homem tem de explorar todas as suas poten- muito mais amplos. A relação com o terapeuta se
cialidades. Enquanto isso, o inconveniente desta torna transferível, mas tudo isso não é elaborado de
geração quase espontânea, reside na denominação maneira formal.
muitas vezes incoerente das terapias. Uma clas- Da mesma forma, uma psicanálise pode perma-
sificação metódica e segura das bases científicas necer estruturada por anos, uma ciência terapêutica
ajudaria provavelmente a situar cada etapa em razão pode ser analítica desde o início.
aos critérios objetivos, respeitando o toque inventivo
pessoal. Com o objetivo de classificação científica das
É nesse estado de espírito que desde 1989, a terapias, nós devemos considerar quatro critérios
somatoterapia tenta se situar. A ciência do corpo em principais:
terapia, que nós podemos chamar somatologia, é a • Primeiro critério: a duração. As terapias estrutura-
ciência do corpo qualitativa. Assim o corpo em terapia das são geralmente curtas, atingindo uma média
não é somente anatômica, biológica e psicológica, de 10 a 15 sessões. As terapias analíticas têm
ele é dotado de uma qualidade suplementar: a vivên- uma duração longa e indeterminada, não definitiva
cia. O nosso corpo vivencia experiências qualitativas de início.
e singulares: cada pessoa vive o novo e original a • Segundo critério: finalidade da terapia. Com
cada instante. efeito, o primeiro tipo de terapia se estrutura em
A somatologia é a ciência desse corpo às vezes torno de um sintoma preciso e termina quando
anatomo-bio-psicológico e vivido em situações. esse sintoma desaparece. Trata-se geralmente de
Como a psicanálise há cem anos dava acesso um sintoma limitado mais funcional que orgânico
à palavra, as somatoterapias abrem hoje o acesso abordável em 10 a 15 sessões precisamente. O
ao corpo para lhe dar a palavra. segundo tipo de terapia contorna o sintoma ime-
A somatoterapia é, com a psicoterapia e a diatamente para analisar o terreno, considerando
socioterapia, uma das três grandes categorias de que somente uma mudança mais geral pode curar,
terapia. Enquanto que a psicoterapia estuda mais isto é, eliminar toda recaída e a transferência do
precisamente os processos psíquicos individuais sintoma.
e a socioterapia estuda a dinâmica relacional, a • Terceiro critério: consideração dos meios utiliza-
somatoterapia trabalha sobre o funcionamento e a dos. Se tomarmos o exemplo da insônia, utiliza-
vivência corporal. mos uma terapia curta, algumas sessões de re-
Essas três vias são interativas e inseparáveis, laxamento, por exemplo, para eliminar o sintoma,
mas a prática conduz cada terapeuta a privilegiar o qual é bem circunscrito. Nós utilizaremos (de
uma ou outra. preferência) uma análise bioenergética de dura-
A somatoterapia reúne em um só termo todas ção indeterminada quando a insônia representa
as terapias corporais e as situa no seu verdadeiro apenas a ponta do iceberg.
lugar. Ela não se interessa pelo corpo plástico, mas • Quarto critério: o tipo da relação terapêutica. Em
transfere toda sua atenção sobre a reatividade do uma terapia estruturada, a relação continua hierar-
corpo às estimulações psíquicas, as obrigações da quizada entre um terapeuta e um paciente, entre
vida social e profissional e a vida afetiva. o que se sabe e o que se aprende, entre aquele
Esse conceito é destinado a introduzir o rigor que pode e aquele que fracassou até o momento,
metodológico e uma nova exigência teórica. entre o professor e o aluno. Porém, não podemos
Desde 1960, teoria e prática do corpo se mul- dizer que esta relação estruturada não é transfe-
tiplicam e hoje necessitam de uma classificação. rível. Existe certamente uma transferência, mas
Essa classificação pode se orientar essencialmente se trata de uma forma imposta de transferência,
para dois pontos. Nós podemos distinguir as terapias desta forma hierarquizada precisamente.
ditas estruturadas e as terapias analíticas. Assim
66 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

Em uma terapia estruturada, não é preciso sair Classificação das socioterapias


desta forma de relação desejada. A relação analítica, Natureza do grupo Terapias
ao contrario, consiste em uma projeção de transfe- Terapia de casal, conselho conju-
rência que desloca sobre o terapeuta os tipos de Casal
gal, sexo terapia
relações habituais, antigas e repetitivas. Família Terapias sistêmicas
Em certo momento do tratamento, esta dimen- Treinamento em grupo, grupo de
são transferível se torna pré-valida e é preciso traba- Grupos terapêuticos
análise, psicodrama,
lhar. Agora, como não se trata mais de um sintoma Instituição Terapias institucionais
simples, mas existente, a duração desta analise é
indeterminada e geralmente longa. É, portanto, o cri- Classificação das somatoterapias
tério relacional que condiciona a diferença de duração Função corporal Terapias
entre os dois tipos de terapia, pois, nós podemos Psicomotricidade, yoga, expressão
suportar em média uma relação hierárquica durante corporal, terapia através da dan-
10 a 15 sessões, mas, além disso, existe um risco, Movimento e postura ça, ginástica, método Alexander,
o retorno a espontaneidade de transferência. Expressões artísticas privilegiando
o movimento.
Critérios distintivos das terapias estruturadas e Toque Massagem, auto-análise
analíticas Musicoterapia, psicofonia, mé-
Característi- Terapias Terapias Sentido todo Tomatis, terapia através do
cas estruturadas analíticas instinto e do olfato, etc.
Duração Curto Longo Voz Expressões vocais, ortofonia, etc.
Finalidade Sintoma Terreno Respiração reberth
Métodos Parcial Global
Relações Hierárquico Analítico Global Bioenergia, gestalt, grito primal,
somato-análise
Os dois grandes critérios de classificação rela- Sofrologia, relaxamento, isolação
tivos ao lugar de aplicação e a forma do emprego, Estados de consciên-
sensorial, transe, meditação,
permitem propor um quadro geral que diferencia seis cia
hipnose, sofro-análise…
grandes categorias de terapias.
A sofronização
As grandes classes de terapias
Local de Terapias Terapias Na prática, uma ciência como a sofrologia come-
aplicação estruturadas analíticas ça pelo acesso ao nível sofroliminar, com a ajuda de
Psiquismo Psicoterapias Análises um processo chamado sofronização. Para isso, são
Social Socioterapias Análises de grupo utilizadas técnicas precisas que permitem modificar
Somáticas Somatoterapias Somato-análise os estados de consciência. No nível sofroliminar,
Classificação das psicoterapias se produz uma ativação intra-sofrônica que permite
Local de a consciência se reforçar. Em seguida utiliza-se um
Terapias
impacto processo chamado de desofronização, ou seja, o
Psicoterapia de apóio sofronizado retoma progressivamente seu nível de
Relacional
Psicoterapia central sobre a pessoa vigilância e seu tônus muscular, necessários a atu-
Terapias comportamentais alidade e a atividade.
Cognitiva
Terapia de Erikson
Terapias familiares Descrição dos fenômenos
Sistêmica
Análise familiar
Psicoterapia breve A técnica começa por um relaxamento muscular
Psicodinâmica
Psicanálise, análise dito simples. Trata-se de uma evocação dos lugares
do corpo, ponto a ponto, segmento por segmento,
começando pela face. Esse procedimento permite
atravessar as barreiras musculares, de aceder ao
relaxamento e de modificar a consciência ordinária.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 67

Figura 1 - Schéma d’une sophronisation. Do ponto de vista estritamente prático, a sofro-


nização compreende três partes: 1) um acesso ao
relaxamento: trata-se de uma fase física de relaxa-
mento, seguida de uma fase mental transformada;
2) um trabalho ao nível sofroliminar: incluindo a ati-
vação intra-sofrônica e a sugestão do sofrólogo; 3)
preparação mental ao retorno: O sofronizado deve
preparar-se a deixar a zona “X” e em seguida um
retorno físico é necessário.
A conservação do nível sofroliminar é feita com
a ajuda do terpnos logos, ritmo regular da palavra
que inclui a sugestão.
A sofronização de base constitui o primeiro
Nesse estado de consciência particular, o sofro- percurso obrigatório de qualquer terapia ou de qual-
nizado vive fenômenos que podem prepará-lo a uma quer compromisso de desenvolvimento pessoal.
sofro- análise e de aceder ao campo descobrindo. Isto é de alguma maneira o trampolim do começo
No ponto de vista de Caycedo, a sofrologia é do compromisso no processo de mudança. A sofro-
considerada como uma ciência fenomenológica. nização de base constitui por si própria, um começo
Deste forma ele recusa a dimensão analítica desta de amnésia, pois permite que o paciente expresse
disciplina. Nosso ponto de vista é diferente, pois a sua experiência após a sessão e que o terapeuta
nós pensamos que a sofrologia oferece um terreno observe os comportamentos que constituem uma
remarcável para a análise, permitindo a exploração primeira investigação. É assim que a sofronização de
e a percepção da dimensão inconsciente sofrônica. base pode ir além da impossibilidade patológica de
A passagem do nível sofroliminar na consciência se descontrair, até a liberação inteira do ser.
modificada permite: 1) Uma hiper amnésia sofrôni-
ca: aumento das capacidades de memorização; 2) Os métodos de sofronização
Uma sofro-oniria: produção de imagens hipnagógicas
espontâneas; 3) Não existe amnésia pós-sofrônica: Instale-se confortavelmente, feche os olhos.
como é o caso para a hipnose. Comece a relaxar. Primeiramente a testa. Sua testa é
Caycedo observa também o que ele chama lisa. Elimine as rugas de expressão da sua testa. Re-
uma plasticidade imaginativa excepcional, que se laxe as sobrancelhas, os olhos, os músculos detrás
manifesta de duas maneiras: dos olhos, ao redor dos olhos. Relaxe as bochechas,
1. Desenvolvimento de uma sofro-produtividade: as faces externas das bochechas em relação ao seu
A vivência sofrônica ativa o mundo fantástico e rosto. A face interna em relação com sua boca. Sua
fantasmagórico. Em certos casos pode favorecer língua é flexível, e os dentes estão relaxados. Relaxe
a produção de alucinações diversas. o queixo, deixe-o cair levemente. Relaxe a sua nuca,
2. Sofro-estimulação imaginativa: O sofronizado ela estará perfeitamente relaxada.
pode representar situações sob formas variadas, Em seguida os ombros. Relaxe-os. Começando
que correspondam ou não a uma realidade. Esta pelos ombros, relaxe os braços, os ligamentos dos
expressão pode, em seguida, ser analisada em cotovelos... Imagine-os flexíveis e relaxados. O ante-
terapia. braço, os pulsos, os ligamentos dos pulsos... Imagine
Na ativação intra-sofrônica, o sofronizado pode e experimente estes ligamentos leves e flexíveis. As
constatar: 1) Um aumento das percepções; 2) Um mãos, os dedos até as unhas.
aumento de sua atenção: esta atenção pode ser fo- Relaxe profundamente, depois de ter relaxado
calizada, difusa, com relação com o mundo exterior os músculos do rosto, do pescoço, dos ombros, dos
ou o mundo interior. braços; relaxe a nuca, a sua nuca está leve. Deitado
O dinamismo das estruturas e das possibilida- nesta posição é muito fácil de relaxar os músculos da
des que se mobilizam durante a experiência sofrôni- nuca. Relaxe-os profundamente, progressivamente.
ca abre um leque de possibilidades permitindo um Agora a barriga. Relaxe a barriga. Ela é uma
crescimento da integração das atividades conscien- larga área muscular abdominal. Relaxe esta cintura
tes. A experiência da realidade é enriquecida pela abdominal. Desaperte. Abra profundamente esta
experiência sofrônica. cintura. Sua barriga é um grande segmento do seu
68 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

corpo. Ao mesmo tempo relaxe suas costas. Relaxe “Meu braço esquerdo está pesado. Meu braço
com sua respiração, com o seu tórax. Ao relaxar esquerdo está muito pesado. Meu braço esquerdo
seu tórax, relaxe um pouco mais suas costas, toda esta a cada vez mais pesado. Eu estou profundamen-
a região lombar, toda sua costa. Este relaxamento te descontraído, profundamente confortável, meus
está agradável. Respire de forma relaxada. Uma dois braços estão pesados”.
respiração calma, agradável e regular.
Agora eu lhe proponho relaxar o cérebro, como Imagine agora um raio de sol projetando-se sobre
se fosse outro músculo. Tente senti-lo como um mús- sua mão direita. Imagine a sua mão direita mais quen-
culo em repouso. Para relaxar seu cérebro imagine te, agradavelmente quente sob este raio de sol. Pense:
uma folha branca sem nada, nenhuma inscrição. Seu
cérebro olha para esta folha e começa a relaxar no “Minha mão está quente. Minha mão direita
mesmo instante. está muito quente. Minha mão direita está agrada-
Relaxe agora as pernas. Comece pelas coxas. velmente quente”
Os músculos profundos, os músculos superficiais.
Os joelhos, os ligamentos dos seus joelhos... Veja-os Outro raio de sol pousa sobre sua outra mão, a
leve, desligados. As panturrilhas, os tornozelos, os li- mão esquerda. Imagine sua mão esquerda quente,
gamentos de seus tornozelos. Dos pés até os dedos. agradavelmente quente. E pense:
Depois de ter relaxado estas partes do corpo,
segmento por segmento, lugar por lugar; reúna estas “Minha mão esquerda está quente. Minha mão
partes do corpo. E muito rapidamente, viva seu cor- esquerda está muito quente. Minha mão esquerda
po como um lugar confortável, agradável, dentro do está agradavelmente quente. Meus braços estão
qual você sente-se bem. É um corpo unitário. Viva a pesados. Minhas duas mãos estão quentes, agra-
energia profunda que esta em você, principalmente davelmente quentes”.
depois de cada expiração.
Você passou uma barreira muscular e, dessa Aprofunde seu relaxamento. Seu coração bate
forma, pode viver um pouco mais profundamente regular e eficazmente. O som das batidas do seu
seu corpo, seu mundo interior. Tome o tempo que próprio coração é agradável. Aceite este som. Viva
for necessário e contrate um diálogo com seu corpo; a escute com seu coração.
tenha um dialogo profundo. E seu corpo responderá. Observe que ao mesmo tempo sua respiração
Seu corpo responderá por diversos fenômenos e é mais eficaz, perfeitamente relaxada, presente...
sensações agradáveis. Aceite esta noção de prazer. Você observa o fluxo ao nível de sua respiração. Eu
Você poderá igualmente captar as sensações neu- proponho que você diga:
tras. Isto é, aquelas que não têm uma verdadeira
importância para você. E até mesmo qualquer outra “Eu sou respiração, eu respiro, tudo respira em
forma de resposta. mim”.
A importância neste estágio privilegiado é viver
profundamente seu corpo, seu meio interior, próprio Você vive essa respiração agradavelmente e
a si mesmo. profundamente.
Aprofunde seu relaxamento. Sob o efeito do re- Imagine um raio de sol no buraco do estomago.
laxamento muscular, observe que seus braços estão Seu raio solar é quente, super quente, agradavel-
pesados. Eles tornam-se progressivamente pesados. mente quente. E este calor aumenta em seu corpo.
Traga sua atenção sobre o seu braço direito, É uma onda que faz bem, agradável. Seu ventre é
sinta-o pesado, mais e mais pesado. E formule quente. Seu ventre se torna quente. Imagine seu
mentalmente: corpo mergulhado em um banho de água quente, a
água agradavelmente quente.
“Meu braço direito está pesado. Meu braço
direito está muito pesado. Meu braço direito está a Todo o seu ser; seu corpo repousado é mergu-
cada vez mais pesado”. lhado nesse banho de água quente.
Imagine seu rosto que emerge desse banho.
Traga sua atenção sobre o outro braço, o braço Imagine um sopro de ar fresco em sua face. Esse
esquerdo. Pense agora: sopro de ar fresco vem de longe. Ele vem do alto, do
mar ou da montanha.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 69

Deixe vir sobre sua tela mental uma imagem que Você está à escuta do seu corpo, das sensa-
evoca esse sopro de ar fresco. Sua fonte é fresca, ções, das mensagens que ele te endereça, de todas
agradavelmente fresca. as percepções.
E este frescor ativa seu bem estar, sua clarivi- Você está imóvel, os olhos fechados, escutando
dência, sua intuição, sua imaginação, sua presença essa música. Essa música através da qual você vai
a si mesmo. Presença profunda, equilibrada. Nesse logo obter, um grande relaxamento muscular.
momento, seu corpo e seu espírito estão em perfeita Preste atenção na sua respiração. Você não
harmonia. Formule mentalmente: pensa mais em nada. Você respira lentamente, cal-
mamente, sem esforço... E ao mesmo tempo você
“Eu sou harmonia, eu sou energia, eu sou a faz silêncio em você. Você começa a perceber que
vida”. seu corpo relaxa progressivamente, cada vez mais...

Agora deixe vir uma imagem agradável em sua Respire calmamente percebendo o silêncio
mente. Você impregna essa imagem em seu meio am- interior que se instala em você. Seu coração bate
biente. Ela pode ser o mar, o campo, a montanha… calmamente. Sua respiração é sempre lenta, regu-
Olhe essa imagem tranquilamente, agradavel- lar... E você sente que seus músculos abandonam
mente... progressivamente suas contrações.
Essa imagem é ligada ao seu relaxamento. Ela Perceba as sensações e viva plenamente o seu
ocupa toda a área de sua consciência atualmente. corpo. Você esta bem, calmo, repousado.
Essa imagem te será util. Cada vez que você sentir o Seus olhos estão fechados sem contrações. E
estresse tomar conta de você, deixe vir essa imagem você respira lentamente, normalmente. Deixe sua
na sua mente. E logo em seguida, você mergulhará cabeça se apoiar pesadamente. Você relaxa agora
em um estado de relaxamento agradável e calmo. os traços do seu rosto.
Você está bem, muito a vontade, e percebe que Preste atenção na sua face. Relaxe sua face.
poderia prolongar durante um certo tempo seu estado Faça de uma maneira que ela se torne lisa, supri-
de relaxamento. Mas você tem idéia de retomar. Para mindo as rugas de expressão. O mesmo com as
isso, você presta atenção em sua respiração. Princi- sobrancelhas, os olhos, os globos oculares, os
palmente sobre suas inspirações. A cada inspiração, músculos detrás dos olhos. Agora você relaxa as
você encontrará seu nível de vigilância necessário maçãs do rosto. A face externa das maçãs do rosto
à atualidade e seu tônus muscular necessário à em relação com o seu rosto.
atividade. A face interna em relação com sua boca. Relaxe
Quando você tiver a impressão de ter se recu- igualmente o espaço no interior de sua boca. Relaxe
perado suficientemente, você abrirá os olhos e se os dentes. Sua língua é flexível. Relaxe o céu da boca,
espreguiçará profundamente. Você retomará contato sua garganta, sua laringe. Aprecie, sobretudo, esse
com todo o positivo que o cerca. agradável estiramento de toda dobra ao nível do seu
rosto, da fonte e do queixo.
Training autogênico de Schultz Seus braços são esticados de cada lado do
seu corpo. E você pensa em suas mãos. Elas es-
Você feche os olhos e sinta os pontos de apoio tão abertas. Elas repousam naturalmente sobre as
de seu corpo sobre a superfície na qual ele repousa. palmas. Descontraia seus dedos. Suas mãos estão
Sinta sua cabeça bem apoiada, suas costas bem en- descontraídas. Seus dedos repousados. Seus dedos
caixadas ao nível da coluna vertebral, as omoplatas, estão perfeitamente relaxados.
os rins, as nádegas. Verifique todos os músculos do seu corpo.
Sinta os pontos de apoio das suas coxas, das Relaxe-os.
suas panturrilhas, dos seus calcanhares. Os pontos Suas mãos estão descontraídas. E a partir das
de apoio dos seus braços ao nível dos cotovelos, dos suas mãos, você sobe em pensamento ao longo
antebraços, dos punhos, das mãos. E você se deixa dos seus braços. Você sente o torpor, uma energia
invadir por essa música de relaxamento, deixando agradável subir através das suas mãos em direção
de lado todas as distrações exteriores. ao antebraço, depois em seus ombros.
E lentamente, progressivamente a cada expi- Suas costas também se tornam pesadas. Seus
ração, você deixa seu corpo se tornar pesado, se braços estão inertes e suas costas pesadas... E se
abandonando pesadamente. tornam cada vez mais pesadas... Pense nos seus rins
70 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

igualmente para relaxá-los. Seus rins estão perfeita- vidade em todo seu corpo. Observe que, após essa per-
mente repousados. Descontraia também seu ventre cepção da gravidade, você tem uma sensação agradável
respirando lentamente, o ventre relaxado, descontraído. de calor que invade seu corpo. Essa sensação resulta
A inércia dos seus rins, do seu ventre, ganha da dilatação dos vasos sanguíneos (vasodilatação).
agora seus quadris, que se apóiam pesadamente.
Seus quadris se tornam pesados como chumbo. Você Formule mentalmente:
está inerte, maravilhosamente bem. Tudo está calmo
e você repousa. Toda parte superior do seu corpo é “Meu braço direito é quente, super quente, cada
inerte, pesada... vez mais quente”.
Agora descontraia os pés, como você fez com as
suas mãos. Sinta suas pernas que repousam lado “Meu braço esquerdo é quente, super quente,
a lado. Relaxe os seus pés. A partir dos seus pés, cada vez mais quente”.
suba os seus pensamentos através das suas pernas.
Relaxe os seus tornozelos, as suas panturrilhas, os “Minha perna direita é quente, super quente,
ligamentos dos seus joelhos, das suas coxas, das cada vez mais quente”.
suas nádegas.
Faça com que seus membros inferiores sejam “Minha perna esquerda é quente, super quente,
completamente inertes, completamente abandona- cada vez mais quente”.
dos. Aliás, agora o abandono tomou conta de todo
o seu corpo. Todos os seus músculos estão agora “Eu sinto essa sensação de calor em todo meu
completamente descontraídos. Seu corpo está corpo”.
pesado. Cada vez mais pesado. Você esta inerte,
abandonado, descontraído. Você agora vai tomar consciência dos batimen-
Seu corpo está cada vez mais descontraído, tos regulares do seu coração; em todo o seu peito.
cada vez mais confortável. Você se descontrai cada Formula mentalmente:
vez mais, principalmente quando expira.
“Meu coração bate calmamente e regularmen-
Primeiro ciclo: ciclo inferior te”.

Você atingiu o nível sofroliminar, graças a esta Agora preste atenção agora na sua respiração.
descontração progressiva. Eu proponho que você Observe que ela é calma e regular. Sinta o ar que
formule mentalmente as sugestões seguintes obser- penetra em seus pulmões e concentre-se na seguinte
vando o que se passa efetivamente no seu corpo. formula:
Formule mentalmente:
“Minha respiração é calma. Eu sou toda a res-
“Meu braço direito é pesado, super pesado, cada piração”.
vez mais pesado”.
Pronuncie, em si mesmo, esta sugestão, em
“Meu braço esquerdo é pesado, super pesado, cada expiração.
cada vez mais pesado”.
Concentre sua atenção sobre os raios solares.
“Minha perna direita é pesada, super pesada, Eles se situam na saída do estômago. Sinta uma
cada vez mais pesada”. sensação de calor que se desprende. E diga men-
talmente:
“Minha perna esquerda é pesada, super pesada,
cada vez mais pesada”. “Os raios solares são quente”.

“Eu sinto essa sensação da gravidade em todo Certamente você sentirá esta sensação de calor
meu corpo”. se difundir em todo o seu corpo.

Tome consciência do relaxamento do seu corpo, Imagine agora um sopro de ar fresco em sua
que se tornou pesado. Perceba essa sensação de gra- face e diga mentalmente:
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 71

Depois, veja si mesmo em sua mente. Você se


“Minha face está agradavelmente fresca”. julga. Note suas atitudes. Você vai discernir seus
comportamentos específicos.
Segundo ciclo: ciclo superior
Agora você vai interrogar sua consciência sobre
Sinta agora esse estado particular de descone- as seguintes questões:
xão geral.
O que é a vida?
“Eu sinto meu corpo como uma massa pesada,
quente, tranqüila. Minha respiração é calma. Meu O que é a morte?
pulso é regular”.
Como os outros me percebem?
Agora leve seus olhos para o centro da sua face.
Você olha o centro da sua face, os olhos fechados. Para termina resta reflexão, eu proponho que
Através desse exercício você acentua sua concentra- você formule uma frase que corresponda a um com-
ção e aprofunda sua desconexao. portamento específico que você deseja melhorar.
Deixe surgir na sua mente uma cor da sua prefe- Por exemplo, se você tem a impressão de não
rência. Olhe esta cor e permita sentir as sensações. ser autônomo o suficiente, você pode formular :
Observe essas sensações como se esta cor se im-
pregnasse em cada uma de suas células. “Decido eu mesmo”.
Eu sugiro concentrar sua atenção na cor verme-
lha (ou outra cor). Se deixe invadir pela cor Se você tem a impressão de ser muito egocên-
vermelha, vivendo cada uma se suas sensações. trico, pronuncie:
Tente meditar sobre esta cor. O que ela evoca para
você? Em que ela te faz pensar? Permita surgir todas “Eu tenho consideração pelas pessoas.”
as suas reflexões sobre a cor vermelha.
Agora, eu proponho que você pense em um ob- Esses diferentes exercícios vão permitir integrar
jeto que possa representar a idéia que você faz da melhor sua personalidade e seu comportamento no
sua personalidade. Esse objeto pode ser um galho meio ambiente em você que vive.
de uma árvore se você pensa que é flexível. O tronco Você está bem, perfeitamente à vontade. E
de uma árvore se você pensa ser robusto e sólido. você observa que você poderia prolongar ainda du-
Ou qualquer outro objeto que o sugere a idéia que rante certo tempo seu estado de relaxamento. Você
você tem da sua personalidade. vai retomar. Sair progressivamente desse nível de
Agora imagine os objetos que possam evocar os consciência particular entre vigília e sono. Retomar
conceitos que eu vou te propor: consciência do nível de vigilância necessária a atua-
O primeiro conceito é a palavra justiça. Imagine lidade e ao tônus muscular necessário a atividade.
um objeto que represente a justiça. Você inspira profundamente uma primeira vez,
Imagine um objeto que represente o amor ou uma segunda vez, uma terceira vez. Você abre os
a afeição. Mentalmente, olhe esse objeto por um olhos. Você retoma a consciência de todo o positivo
instante. que o circula. E você se espreguiça profundamente.
Agora imagine o sentimento de felicidade. De- Quando você tiver a impressão de ter se recuperado
pois o sentimento de bem-estar. suficientemente, você abre os olhos e se levanta
Se você desejar, pode tentar visualizar outros lentamente.
conceitos que correspondam às suas preocupações
do momento. Conclusão
Agora você vai tentar desenvolver o seu senti-
mento próprio. A sofrologia é uma ciência que se destaca no
Imagine uma pessoa que você tenta julgar. cenário mundial por seu caráter heterogêneo, com-
Deixe-a se impor para você sobre sua tela mental. binando diversas técnicas de relaxamento, teorias e
Olhe-a. Ela ocupa toda a área da sua consciência filosofias. Através da sofrologia o indivíduo é capaz
mentalmente. Essa pessoa, lhe atribui qualidades, de compreender o seu sistema de pensamento e
positivas ou negativas? atuar no sentido de modificá-lo da melhor forma
72 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

possível, com o intuito tornar sua existência cada 17. Etchelecou B. Comprendre et pratiquer la sophrologie.
vez mais positiva. Paris: Dunod ; 2009.
18. Fernandez L. Le test de L’arbre - un dessin pour
As técnicas aplicadas na sofrologia podem se comprendre et Interpréter. Paris: Éditions in Press;
utilizadas em diversas situações, por qualquer indiví- 2008.
duo que seja apto, no tratamento de doenças, como 19. Freud S. A interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro:
método pedagógico, terapêutico, etc. Atualmente Imago; 2001.
20. Friedman ET. O segredo de Milton - A descoberta do
muitos profissionais de saúde utilizam a sofrologia
poder do agora. Lisboa: Pergaminho; 2009.
como terapia complementar, preparando seus pacien- 21. Galland JS. Si je m’écoutais je m’entendrais:
tes psicologicamente para o tratamento. Éditions de L’Homme; 1990.
Os exercícios de relaxamento em sofrologia são 22. Gimenez JLP. As psicoses do adulto. Lisboa:
Climepsi; 2006.
ferramentas importantes para promover o equilíbrio
23. Goleman D. Emotional intelligence why it can matter
entre o corpo e a mente, reduzindo o estresse e os more than IQ. London: Bloomsbury; 1996.
problemas psicossomáticos. 24. Gray J. Quando Marte e Vénus Chocam, o que fazer
Os métodos da sofrologia estão sendo estu- quando a sua cara metade lhe chega aos nervos.
dados e aprofundados cada vez mais em todo o Lisboa: Pergaminho; 2009.
25. Haar M. Introdução à psicanálise de Freud. Lisboa:
mundo, tendo bastante sucesso na Europa. No Edições 70; 2008.
Brasil, a sofrologia está em fase de implementação. 26. Harriet Lerner PD. Sem medo de viver. Porto; 2007.
Recentemente, vários grupos de estudiosos estão 27. Hartman C. O valor da auto-estima. Prior Velho:
sendo formados com o objetivo de aprofundar a Instituto Missionário Filhas de S.Paulo; 2004.
28. Hay LL. O poder está dentro de si. Rio de Mouro-
aplicabilidade da sofrologia no país. Sintra: Círculo de Leitores; 2008.
29. Husserl E. A ideia da fenomenologia. Lisboa: Edições
Referências 70; 2008.
30. Itoh M. Quero falar-te dos meus sentimentos. Lisboa:
1. Abrezol R. Saber tudo sobre a sofrologia. Loures: Padrões Culturais; 2009.
Edições Técnicas e Científicas (lusodidacta@mail. 31. Kushner HS. Como ultrapassar as desilusões da
telepac.pt) ed.); 2003. vida. Cruz Quebrada; 2008.
2. André FLeC. Como gerir as personalidades difíceis. 32. Lagache D. A psicanálise. Paris: PUF ; 1989.
Lisboa: Instituto Piaget; 1998. 33. Laurens-Berge F. La sophrologie à L’université:
3. André FLeC. A força das emoções, amor, cólera, Éditions du Papillon D’Or ; 2005.
alegria. Cascais: Pergaminho, 2002. 34. Lelord CA. L’estime de soi - s’aimer pour mieux vivre
4. Angelina Costa JG, Amaral L. Manual de psicologia avec les autres. Paris: Odile Jacob ; 1999.
A - 10º ano - Cursos Tecnológicos de Acção Socal e 35. Pincherle LT, Barsottini DT, Gonçalves AM.
Desporto. Porto: Porto Editora; 2005. Psicoterapias e estados de transe. São Paulo:
5. Angelina Costa JG. Manual de psicologia A -11º Ano Summus; 1985.
Cursos Tecnológicos de acção Social e Desporto. 36. Martín Á. Manual prático de psicoterapia gestalt. Rio
Porto: Porto Editora; 2005 de Janeiro: Vozes; 2008.
6. Bernaud JL. Métodos de avaliação da personalidade. 37. Montagu A. Touching the human significance of the
Lisboa: Climepsi; 2000. skin. New York: Harper & Row; 1986
7. Boeck DM. O que é a inteligência emocional. Lisboa: 38. Oswald Y. O poder das palavras. Lisboa: Sinais de
Edições Pergaminho; 1997.. Fogo; 2009
8. Chabert C. O Rorschach na clínica do adulto. Lisboa: 39. Parot RD. Dictionnaire de psychologie. Paris:
Climepsi; 1998. PUF;1991.
9. Chabert D. Les méthodes projectives. Paris: PUF ; 40. Pease A. Linguagem corporal. Lisboa: Bizâncio;
2007. 2006.
10. Ciccone A. Observação clínica. Lisboa: Climepsi; 41. Pecollo JI. La Sophrologie au quotidien - Une
2000. medicine douce pour retrouver équilibre et sérénité.
11. Corraze J. Les communications non-verbales. Paris: Paris: J’ai Lu; 2008
PUF; 1996. 42. Perreaut-Pierre E. Sophrologie et performance
12. Dryden W. Aprender a gostar de si. Cruz Quebrada: sportive. Paris: Amphora; 1997.
Casa das Letras; 2008. 43. Perry C. Educação emocional - literacia emocional ou
13. Dyer WW. As suas zonas erróneas. Cascais: a arte de ler emoções. Cascais: Pergaminho; 2000.
Pergaminho; 2003. 44. Davis PK. The Power of touch. Carlsbad: Hay House;
14. Dyer WW. 10 segredos para o sucesso e paz interior. 2004.
Cascais; 2006. 45. Riso W. Aprender a gostar de mim. Porto: Edições
15. Ergas F. Viver sem stress com o método sofrológico. asa II; 2008.
Mem Martins-Sintra: Europa-América; 2001. 46. Riso W. Não, obrigado! Alfragide: Lua de Papel;
16. Estanqueiro A. Saber lidar com as pessoas - 2009.
princípios da intercomunicação pessoal. Barcarena: 47. Salomé J. Heureux qui communique. Paris: Pocket
Presença; 2008. Evolution; 2008.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 73

48. Shentoub V. Manual de utilização do TAT - 51. Staempfli AG. Vivre la sophrologie au quotidien.
Interpretação psicanalítica. Lisboa: Climepsi; 1999. Québec: Éditions du Roseau; 1997.
49. Schultz DP, Schultz SE. História da psicologia 52. Tolle E. O Poder do agora, guia para o crescimento
moderna. São Paulo: Thomson; 2005 espiritual. Mem Martins, Rio de Mouro; 2008
50. Simões LM. Goste de si. Carcavelos: Projecto Anjo 53. Vries JD. A cura emocional. Mem Martins: Saber
Dourado; 2007. Viver - Publicações Europa-América; 2009.
54. Weiss BL. Eliminating stress, finding inner peace.
Calrsbad: Hay House; 2003.
Instruções aos autores

A revista Neurociências é uma publicação com periodicidade 3. Revisão


bimestral e está aberta para a publicação e divulgação de artigos São trabalhos que expõem criticamente o estado atual
científicos das várias áreas relacionadas às Neurociências. do conhecimento em alguma das áreas relacionadas às
Os artigos publicados em Neurociências poderão também neurociências. Revisões consistem necessariamente em
ser publicados na versão eletrônica da revista (Internet) assim síntese, análise, e avaliação de artigos originais já publicados
como em outros meios eletrônicos (CD-ROM) ou outros que em revistas científicas. Todas as contribuições a esta seção
surjam no futuro. Ao autorizar a publicação de seus artigos na que suscitarem interesse editorial serão submetidas a revisão
revista, os autores concordam com estas condições. por pares anônimos.
A revista Neurociências assume o “estilo Vancouver” (Uni- Formato: Embora tenham cunho histórico, revisões não
forme requirements for manuscripts submitted to biomedical expõem necessariamente toda a história do seu tema, exceto
journals) preconizado pelo Comitê Internacional de Diretores de quando a própria história da área for o objeto do artigo. O texto
Revistas Médicas, com as especificações que são detalhadas deve conter um resumo de até 200 palavras em português e
a seguir. Ver o texto completo em inglês desses Requisitos Uni- outro em inglês. O restante do texto tem formato livre, mas
formes no site do International Committee of Medical Journal Edi- deve ser subdividido em tópicos, identificados por subtítulos,
tors (ICMJE), www.icmje.org, na versão atualizada de outubro de para facilitar a leitura.
2007 (o texto completo dos requisitos está também disponível, Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada
em inglês, no site de Atlântica Editora em pdf). e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 25.000
Submissões devem ser enviadas por e-mail para o editor caracteres, incluindo espaços.
(artigos@atlanticaeditora.com.br). A publicação dos artigos Figuras e Tabelas: mesmas limitações dos artigos originais.
é uma decisão dos editores, baseada em avaliação por revi- Referências: Máximo de 100 referências.
sores anônimos (Artigos originais, Revisões, Perspectivas e
Estudos de Caso) ou não. 4. Perspectivas
Como os leitores da Neurociências têm formação muito Perspectivas consideram possibilidades futuras nas
variada, recomenda-se que a linguagem de todos os artigos várias áreas das neurociências, inspiradas em acontecimen-
seja acessível ao não-especialista. Para garantir a uniformi- tos e descobertas científicas recentes. Contribuições a esta
dade da linguagem dos artigos, as contribuições às várias seção que suscitarem interesse editorial serão submetidas
seções da revista podem sofrer alterações editoriais. Em a revisão por pares.
todos os casos, a publicação da versão final de cada artigo Formato: O texto das perspectivas é livre, mas deve
somente acontecerá após consentimento dos autores. iniciar com um resumo de até 100 palavras em português e
outro em inglês. O restante do texto pode ou não ser subdi-
1. Editorial e Seleção dos Editores vidido em tópicos, identificados por subtítulos.
O Editorial que abre cada número da Neurociências Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada
comenta acontecimentos neurocientíficos recentes, política e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 10.000
científica, aspectos das neurociências relevantes à sociedade caracteres, incluindo espaços.
em geral, e o conteúdo da revista. A Seleção dos Editores traz Figuras e Tabelas: máximo de duas tabelas e duas figuras.
uma coletânea de notas curtas sobre artigos publicados em Referências: Máximo de 20 referências.
outras revistas no bimestre que interessem ao público-alvo
da revista. Essas duas seções são redigidas exclusivamente 5. Estudo de caso
pelos Editores. Sugestões de tema, no entanto, são bem- São artigos que apresentam dados descritivos de um
vindas, e ocasionalmente publicaremos notas contribuídas ou mais casos clínicos ou terapêuticos com características
por leitores na Seleção dos Editores. semelhantes. Contribuições a esta seção que suscitarem
interesse editorial serão submetidas a revisão por pares.
2. Artigos originais Formato: O texto dos Estudos de caso deve iniciar com um
São trabalhos resultantes de pesquisa científica apre- resumo de até 200 palavras em português e outro em inglês. O
sentando dados originais de descobertas com relação a restante do texto deve ser subdividido em Introdução, Apresen-
aspectos experimentais ou observacionais. Todas as con- tação do caso, Discussão, Conclusões e Literatura citada.
tribuições a esta seção que suscitarem interesse editorial Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada
serão submetidas a revisão por pares anônimos. e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 10.000
Formato: O texto dos artigos originais é dividido em caracteres, incluindo espaços.
Resumo, Introdução, Material e métodos, Resultados, Dis- Figuras e Tabelas: máximo de duas tabelas e duas figuras.
cussão, Conclusão, Agradecimentos e Referências. Referências: Máximo de 20 referências.
Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada
e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 25.000 6. Opinião
caracteres (espaços incluídos), e não deve ser superior a Esta seção publicará artigos curtos, de no máximo uma
12 páginas A4, em espaço simples, fonte Times New Roman página, que expressam a opinião pessoal dos autores sobre
tamanho 12, com todas as formatações de texto, tais como temas pertinentes às várias Neurociências: avanços recen-
negrito, itálico, sobre-escrito, etc. O resumo deve ser enviado tes, política científica, novas idéias científicas e hipóteses,
em português e em inglês, e cada versão não deve ultrapas- críticas à interpretação de estudos originais e propostas de
sar 200 palavras. A distribuição do texto nas demais seções interpretações alternativas, por exemplo. Por ter cunho pes-
é livre, mas recomenda-se que a Discussão não ultrapasse soal, não será sujeita a revisão por pares.
1.000 palavras. Formato: O texto de artigos de Opinião tem formato livre,
Tabelas: Recomenda-se usar no máximo seis tabelas, e não traz um resumo destacado.
no formato Excel ou Word. Texto: Não deve ultrapassar 3.000 caracteres, incluindo
Figuras: Máximo de 8 figuras, em formato .tif ou .gif, espaços.
com resolução de 300 dpi. Figuras e Tabelas: Máximo de uma tabela ou figura.
Referências: Máximo de 50 referências. Referências: Máximo de 20 referências.
7. Resenhas
Publicaremos resenhas de livros relacionados às Neuro-
ciências escritas a convite dos editores ou enviadas espon-
taneamente pelos leitores. Resenhas terão no máximo uma 2. Página de apresentação
página, e devem avaliar linguagem, conteúdo e pertinência A primeira página do artigo traz as seguintes informa-
do livro, e não simplesmente resumi-lo. Resenhas também ções:
não serão sujeitas a revisão por pares. - Seção da revista à que se destina a contribuição;
Formato: O texto das Resenhas tem formato livre, e não - Nome do membro do Conselho Editorial cuja área de con-
traz um resumo destacado. centração melhor corresponde ao tema do trabalho;
Texto: Não deve ultrapassar 3.000 caracteres, incluindo - Título do trabalho em português e inglês;
espaços. - Nome completo dos autores;
Figuras e Tabelas: somente uma ilustração da capa do - Local de trabalho dos autores;
livro será publicada. - Autor correspondente, com o respectivo endereço, telefone
Referências: Máximo de 5 referências. e E-mail;
- Título abreviado do artigo, com não mais de 40 toques,
8. Cartas para paginação;
Esta seção publicará correspondência recebida, neces- - Número total de caracteres no texto;
sariamente relacionada aos artigos publicados na Neurociên- - Número de palavras nos resumos e na discussão, quando
cias Brasil ou à linha editorial da revista. Demais contribuições aplicável;
devem ser endereçadas à seção Opinião. Os autores de artigos - Número de figuras e tabelas;
eventualmente citados em Cartas serão informados e terão - Número de referências.
direito de resposta, que será publicada simultaneamente.
Cartas devem ser breves e, se forem publicadas, poderão 3. Resumo e palavras-chave
ser editadas para atender a limites de espaço. A segunda página de todas as contribuições, exceto Opin-
iões e Resenhas, deverá conter resumos do trabalho em portu-
9. Classificados guês e em inglês. O resumo deve identificar, em texto corrido
Neurociências Brasil publica gratuitamente uma seção (sem subtítulos), o tema do trabalho, as questões abordadas,
de pequenos anúncios com o objetivo de facilitar trocas e a metodologia empregada (quando aplicável), as descobertas
interação entre pesquisadores. Anúncios aceitos para publi- ou argumentações principais, e as conclusões do trabalho.
cação deverão ser breves, sem fins lucrativos, e por exemplo Abaixo do resumo, os autores deverão indicar quatro
oferecer vagas para estágio, pós-graduação ou pós-doutorado; palavras-chave em português e em inglês para indexação do
buscar colaborações; buscar doações de reagentes; oferecer artigo. Recomenda-se empregar termos utilizados na lista dos
equipamentos etc. Anúncios devem necessariamente trazer DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) da Biblioteca Virtual
o nome completo, endereço, e-mail e telefone para contato da Saúde, que se encontra em http://decs.bvs.br.
do interessado.
4. Agradecimentos
Agradecimentos a colaboradores, agências de fomento
PREPARAÇÃO DO ORIGINAL e técnicos devem ser inseridos no final do artigo, antes da
Literatura Citada, em uma seção à parte.
1. Normas gerais
1.1 Os artigos enviados deverão estar digitados em proces- 5. Referências
sador de texto (Word), em página A4, formatados da seguinte As referências bibliográficas devem seguir o estilo Van-
maneira: fonte Times New Roman tamanho 12, com todas couver. As referências bibliográficas devem ser numeradas
as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobre- com algarismos arábicos, mencionadas no texto pelo número
scrito, etc. entre parênteses, e relacionadas na literatura citada na ordem
1.2 Tabelas devem ser numeradas com algarismos romanos, em que aparecem no texto, seguindo as seguintes normas:
e Figuras com algarismos arábicos. Livros - Sobrenome do autor, letras iniciais de seu nome,
1.3 Legendas para Tabelas e Figuras devem constar à parte, ponto, título do capítulo, ponto, In: autor do livro (se diferente
isoladas das ilustrações e do corpo do texto. do capítulo), ponto, título do livro (em grifo - itálico), ponto,
1.4 As imagens devem estar em preto e branco ou tons de local da edição, dois pontos, editora, ponto e vírgula, ano da
cinza, e com resolução de qualidade gráfica (300 dpi). Fotos impressão, ponto, páginas inicial e final, ponto.
e desenhos devem estar digitalizados e nos formatos .tif Exemplo:
ou .gif. Imagens coloridas serão aceitas excepcionalmente, 1. Phillips SJ, Hypertension and Stroke. In: Laragh JH,
quando forem indispensáveis à compreensão dos resultados editor. Hypertension: pathophysiology, diagnosis and manage-
(histologia, neuroimagem, etc.) ment. 2nd ed. New-York: Raven press; 1995. p.465-78.
Todas as contribuições devem ser enviadas por e-mail
para o editor (artigos@atlanticaeditora.com.br). O corpo do Artigos – Número de ordem, sobrenome do(s) autor(es),
e-mail deve ser uma carta do autor correspondente à editora, letras iniciais de seus nomes (sem pontos nem espaço), ponto.
e deve conter: Título do trabalha, ponto. Título da revista ano de publicação
(1) identificação da seção da revista à qual se destina a seguido de ponto e vírgula, número do volume seguido de dois
contribuição; pontos, páginas inicial e final, ponto. Não utilizar maiúsculas
(2) identificação da área principal das Neurociências onde o ou itálicos. Os títulos das revistas são abreviados de acordo
trabalho se encaixa; com o Index Medicus, na publicação List of Journals Indexed in
(3) resumo de não mais que duas frases do conteúdo da Index Medicus ou com a lista das revistas nacionais, disponível
contribuição (diferente do resumo de um artigo original, no site da Biblioteca Virtual de Saúde (www.bireme.br). Devem
por exemplo); ser citados todos os autores até 6 autores. Quando mais de
(4) uma frase garantindo que o conteúdo é original e não foi 6, colocar a abreviação latina et al.
publicado em outros meios além de anais de congresso; Exemplo:
(5) uma frase em que o autor correspondente assume a Yamamoto M, Sawaya R, Mohanam S. Expression and
responsabilidade pelo conteúdo do artigo e garante que localization of urokinase-type plasminogen activator receptor
todos os outros autores estão cientes e de acordo com in human gliomas. Cancer Res 1994;54:5016-20.
o envio do trabalho;
(6) uma frase garantindo, quando aplicável, que todos os
procedimentos e experimentos com humanos ou outros Todas as contribuições devem ser enviadas por e-mail
animais estão de acordo com as normas vigentes na para: artigos@atlanticaeditora.com.br
Instituição e/ou Comitê de Ética responsável;
(7) telefones de contato do autor correspondente.
76 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010

Eventos
26 a 28 de agosto
2010 I Congresso I nternacional Adolescência e Violência: Per-
Maio spectivas Clinica, Educacional e Jurídica
24 a 26 de maio Brasília, DF
Knowledge and Pain Informações: www.congressoadolescencia.universa.org.br
Hebrew University, Jerusalem
Setembro
Informações: msecohen@mscc.huji.ac.il
8 a 11 de setembro
Junho XXXIV Congresso Anual da SBNeC
8 a 13 de junho Caxambu, MG
IBNS 19th International Behavioral Neuroscience society Informações: www.sbnec.org.br
Annual Meeting
Outubro
Tanka Village Resort Villasimius, Sardenha, Itália
20 a 23 de outubro
Informações: www.ibnshomepage.org/annualmtg10.htm
XL Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia
9 a 15 de junho
Expo Unimed, Curitiba, PR
22nd IBRO/FIC/NIEHS Neuroscience School: Toxins,
Informações: www.sbponline.org.br/rap.php
Diet, and Neurodegeneration
27 a 30 de outubro
Kinshasa, Democratic Republic of Congo
XXVIII Congresso Brasileiro de Psiquiatria
24 e 25 de junho
Centro de Convenções do Ceará, Fortaleza
First International Conference on Yawning
Informações: http://www.cbpabp.org.br
Faculté de Medecine Paris V Paris, France
Informações: walusinski@baillement.com; Novembro
www.baillement.com 13 a 17 de novembro
Neuroscience 2010
Agosto
Informações: www.sfn.org/
17 a 21 de agosto
I.Congresso Franco-brasileiro sobre Psicanálise, Filiação
e Sociedade
2011
Tema: Adoção:da criança à filiação Julho
Recife Palace Hotel, Recife PE 14 a 19 de julho
Informações: www.unicap.br/congresso_adocao 8th IBRO World Congress
24 a 27 de agosto Florence, Italy
XXIV Congresso Brasileiro de Neurologia Informações: http://www.sfn.org
Riocentro, Rio de Janeiro
Informações: www.rioneuro2010.com.
neurociências
psicologia
Sumário
Volume 6 número 2 - abril/junho de 2010

EDITORIAL
Neurociência no Brasil, Luiz Carlos de Lima Silveira ......................................................................... 83
PERSPECTIVA
Artrose de joelho e sensibilização central: encontrando o melhor
alvo terapêutico, Marta Imamura .................................................................................................... 86
LIVROS
Todo paciente tem uma história para contar, Lisa Sanders, Editora Jorge Zahar, 2010
Ouvidos atentos, por Daniel Martins de Barros ................................................................................. 91
ARTIGOS ORIGINAIS
Síndrome do coração partido e transtorno de estresse pós-traumático,
Vera Lemgruber, Patrícia Tasca, Luiz Augusto Candau, Sandra Oliveira,
Isabella Fallavena, Vera Lúcia Silva, Fabiana Levi ............................................................................. 93
Reabilitação vestibular e seu efeito no equilíbrio, na marcha e na qualidade
de vida, de pacientes com vertigem posicional paroxística benigna,
Rodrigo Leme de Souza, Fernanda Torraca de Oliveira, Denise P. Costa Vieira,
Cristiane Soncino Silva, Arnaldo José Godoy, Antonio M. Claret M. Aquino,
Luciane Ap. Pascucci Sande de Souza ........................................................................................... 101
REVISÕES
Neuroeconomia dos custos decisionais, Álvaro Machado Dias ........................................................ 108
A terapia cognitivo-comportamental como co-intervenção no tratamento
do transtorno da compulsão alimentar periódica na obesidade,
Fernanda Felippelli Cecchini, Edna Bertini, Maria Benedicta Martins,
Frederico Mazzoca Lopes Rodrigues, Carlos Alberto Monson............................................................ 113
Dislexia e hipótese magnocelular, Raquel Tonioli Arantes do Nascimento,
Anna Carolina Cassiano Barbosa, Marcelo Fernandes da Costa ....................................................... 122
RELATOS DE CASO
Musicoterapia e reabilitação neuropsicológica: estudo de caso de paciente
com demência vascular, Greta Marigo Fragata, Cléo Monteiro França Correia ................................... 127
Síndrome do homem do barril, Marco Orsini, Victor Hugo Bastos,
Dionis Machado, Julio Guilherme Silva ........................................................................................... 133
NORMAS DE PUBLICAÇÃO ..................................................................................................... 137
EVENTOS .................................................................................................................................. 139
82 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

neurociências
psicologia ISSN 1807-1058
Revista
i Multidisciplinar
i isciplin
nar
n ar das Ciências
ê do Cérebro
é
Editor: Luiz Carlos de Lima Silveira, UFPA
Editor associado: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, Fiocruz
Editor-assistente: Daniel Martins de Barros, HC-USP
Presidente do conselho editorial: Roberto Paes de Carvalho, UFF

Conselho editorial
Aniela Improta França, UFRJ (Neurolingüística)
Carlos Alexandre Netto, UFRGS (Farmacologia)
Cecília Hedin-Pereira, UFRJ (Desenvolvimento)
Daniela Uziel, UFRJ (Desenvolvimento)
Dora Fix Ventura, USP (Neuropsicologia)
Eliane Volchan, UFRJ (Cognição)
João Santos Pereira, UERJ (Neurologia)
Koichi Sameshima, USP (Neurociência computacional)
Leonor Scliar-Cabral, UFSC (Lingüística)
Lucia Marques Vianna, UniRio (Nutrição)
Marcelo Fernandes Costa, USP (Psicologia Experimental)
Marco Antônio Guimarães da Silva, UFRRJ/UCB (Fisioterapia e Reabilitação)
Marco Callegaro, Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (Psicoterapia)
Marco Antônio Prado, UFMG (Neuroquímica)
Rafael Linden, UFRJ (Neurogenética)
Rubem C. Araujo Guedes, UFPE (Neurofisiologia)
Stevens Kastrup Rehen, UFRJ (Neurobiologia Celular)
Vera Lemgruber, Santa Casa do Rio de Janeiro (Neuropsiquiatria)
Wilson Savino, FIOCRUZ (Neuroimunologia)

Neurociências é publicado com o apoio de:


SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento)
Presidente: Marcus Vinícius C. Baldo
www.sbnec.org.br

Atlântica Editora
e Shalon Representações
Praça Ramos de Azevedo, 206/1910 Editor executivo
Centro 01037-010 São Paulo SP E-mail: atlantica@atlanticaeditora.com.br Dr. Jean-Louis Peytavin
www.atlanticaeditora.com.br jeanlouis@atlanticaeditora.com.br
Atendimento Editor assistente
(11) 3361 5595 /3361 9932 Guillermina Arias
E-mail: assinaturas@atlanticaeditora.com.br guillermina@atlanticaeditora.com.br
Diretor Direção de arte
Assinatura Antonio Carlos Mello Cristiana Ribas
1 ano (4 edições ao ano): R$ 160,00 mello@atlanticaeditora.com.br cristiana@atlanticaeditora.com.br

Todo o material a ser publicado deve ser enviado para o seguinte endereço de e-mail:
artigos@atlanticaeditora.com.br
Atlântica Editora edita as revistas Fisioterapia Brasil, Fisiologia do Exercício, Enfermagem Brasil e Nutrição Brasil
I.P. (Informação publicitária): As informações são de responsabilidade dos anunciantes.
© ATMC - Atlântica Multimídia e Comunicações Ltda - Nenhuma parte dessa publicação pode ser reproduzida,
arquivada ou distribuída por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia ou outro, sem a permissão escrita do
proprietário do copyright, Atlântica Editora. O editor não assume qualquer responsabilidade por eventual prejuízo a
pessoas ou propriedades ligado à confiabilidade dos produtos, métodos, instruções ou idéias expostos no material
publicado. Apesar de todo o material publicitário estar em conformidade com os padrões de ética da saúde, sua
inserção na revista não é uma garantia ou endosso da qualidade ou do valor do produto ou das asserções de seu
fabricante.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 83

Editorial

Neurociência no Brasil
Luiz Carlos de Lima Silveira, editor

Neurociência em destaque nos Congressos Anuais da BRAVO,


SBNeC e FeSBE

A Associação Brasileira para Pesquisa em Visão e Oftalmologia


(Brazilian Association for Research in Vision and Ophthalmology, BRAVO)
foi criada em 2004 para congregar docentes, pesquisadores, médicos,
optometristas e outros profissionais, assim como de estudantes de
pós-graduação e graduação interessados em problemas científicos
e acadêmicos ligados à grande área de Ciência Visual (Oftalmologia,
Neuro-oftalmologia, Óptica Fisiológica, Fisiologia Visual e Neurociência
Visual). Ela tornou-se um capítulo da Association for Research in Vision
and Ophthalmology (ARVO) em 2006 e, desde sua criação, faz parte da
Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE). Este ano a
BRAVO realizará o seu VII Congresso mais uma vez durante a Reunião
Anual da FeSBE, em Águas de Lindóia (São Paulo), juntamente com
várias outras sociedades de biologia experimental. Essas sociedades
promovem os seus congressos na Reunião Anual da FeSBE, sendo que
este ano a comunidade científica brasileira orgulhosamente participará
da XXV Reunião Anual da Federação no período de 25 a 28 de agosto.
O atual Presidente da FeSBE é o neurocientista Luiz Eugênio Araújo de
Moraes Mello, docente-pesquisador da UNIFESP, pesquisador do CNPq
e recentemente eleito membro da Academia Brasileira de Ciências. Uma
programação extensa e interessante contempla a reunião da BRAVO,
boa parte dela dedicada à Neurociência Visual.
Outras sociedades de biologia experimental fazem anualmente sua
reunião dentro da FeSBE, entre elas a Sociedade Brasileira de Fisiologia
(SBFiS), a Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapia Experimental
(SBFTE) e a Sociedade Brasileira de Biofísica (SBBf). Muitos temas apre-
sentados por essas sociedades sob a forma de painéis, conferências e
Médico, Doutor em Ciências Bi- cursos, contemplam trabalhos importantes realizados por fisiologistas,
ológicas (Biofísica), Pesquisador do farmacologistas e biofísicos em diversos aspectos da Neurociência.
CNPq. Professor Associado de Neuro- Assim, apesar da SBNeC neste ano estar realizando o seu Congresso
ciência, Núcleo de Medicina Tropical Anual separadamente (ver abaixo), os neurocientistas brasileiros que
/ Instituto de Ciências Biológicas, irão à FeSBE encontrarão uma farta programação do seu interesse nas
Universidade Federal do Pará atividades promovidas pela BRAVO, SBFiS, SBFTE e SBBf [1].
A Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SB-
Correspondência: luiz@ufpa.br NeC) realiza o seu XXIV Congresso Anual de 8 a 11 de setembro em
84 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

Caxambu (Minas Gerais) [2]. Este ano o congresso Experimental (Instituto de Psicologia, USP). A Escola
ocorrerá fora da FeSBE pela segunda vez, a primeira está sendo apoiada pela SBNeC e BRAVO e realizada
tendo sido em 2008 por ocasião do I Congresso com recursos financeiros concedidos pela CAPES,
IBRO / LARC de Neurociências da América Latina, CNPq, FAPESPA, UFPA-PROPESP / FADESP e BRAVO.
Caribe e Península Ibérica, realizado em Búzios (Rio A Coordenação da Escola está a cargo do Editor desta
de Janeiro). A SBNeC planeja realizar seus próximos coluna, o neurocientista Luiz Carlos de Lima Silveira.
congressos intercaladamente, um ano dentro da A “Escola de Altos Estudos Visão e Disfunções
Reunião Anual da FeSBE, outro ano separadamente. Visuais” apresentará as mais recentes descobertas
A SBNeC congrega cerca de 1500 cientistas de todo dessa área do conhecimento e discutirá as atuais
o país que desenvolvem pesquisa sobre o sistema teorias e hipóteses sobre o funcionamento da visão,
nervoso e é filiada à FeSBE, à Sociedade Brasileira assim como os mecanismos, procedimentos diag-
para o Progresso da Ciência (SBPC) e à International nósticos e tratamentos das disfunções visuais. Nos
Brain Research Association (IBRO); esta última, por quatro cursos e no ciclo de conferências que compo-
sua vez, congrega sociedades de neurociências de rão a Escola será promovida a atualização teórica e
todo o mundo e, através dela, a SBNeC integra uma prática das diversas vertentes do conhecimento que
malha do conhecimento de proporções significativas. constituem a Ciência Visual, incluindo os aspectos
A principal missão da SBNeC é promover a dissemi- morfológicos e funcionais do sistema visual, os méto-
nação do conhecimento relativo aos vários aspectos dos eletrofisiológicos e psicofísicos que são usados
do funcionamento do sistema nervoso, interdiscipli- para analisar o processamento de informação visual
nares por excelência: dos processos moleculares e e os novos procedimentos de avaliar a ocorrência e
subcelulares aos comportamentos integrativos; da o progresso das disfunções visuais.
função normal aos distúrbios e os seus tratamentos; A “Escola de Altos Estudos Visão e Disfunções
das técnicas de estudo e das abordagens empíricas Visuais” compreenderá três semanas de atividades
à construção de modelos teóricos, matemáticos ou distribuídas da seguinte maneira:
computacionais; da ciência básica às aplicações em
diferentes áreas do conhecimento, além de possí- 1) “Curso Morfologia, Função, Psicofísica e Eletro-
veis desdobramentos pedagógicos, éticos, sociais fisiologia do Sistema Visual” ministrado por um
e filosóficos. grupo de docentes-pesquisadores da Universidade
Federal do Pará, 13-15 de setembro de 2010, 24
“Escola de Altos Estudos sobre Visão e horas de aulas teóricas e práticas.
Disfunções Visuais” realizada na Universidade 2) “Curso Tópicos Especiais em Processamento
Federal do Pará (Belém) Espacial e Temporal na Visão Humana Adulta e
em Desenvolvimento”, ministrado por Russell D.
A “Escola de Altos Estudos sobre Visão e Disfun- Hamer (Universidade de São Paulo), 16-18 de
ções Visuais” será realizada de 13 de setembro a 1 setembro, 24 horas de aulas teóricas e práticas.
de outubro na Universidade Federal do Pará, Belém 3) “Curso Efeito do Meio Ambiente Iluminado no De-
(Pará). Ela é uma escola internacional composta por sempenho Visual”, ministrado por Elisa Margarita
curso em quatro módulos e um ciclo de vinte e duas Colombo (Universidade Nacional de Tucumán),
conferências ministrados pelos mais renomados 20-22 de setembro, 24 horas de aulas teóricas
especialistas brasileiros e do exterior, representan- e práticas.
do um grande sobre Ciência Visual que ocorrerá em 4) “Simpósio Internacional sobre Visão e Disfunção
nosso país neste ano [3]. Visual”, 23-26 de setembro, com 22 conferências
A Escola está sendo organizada pelo Programa distribuídas por um total de 24 horas de ativida-
de Pós-graduação em Neurociências e Biologia Ce- des. As conferências serão ministradas por 15
lular, Instituto de Ciências Biológicas, UFPA). Outros docentes-pesquisadores do exterior e 7 docentes-
programas de pós-graduação estão associados à pesquisadores brasileiros: Jay Neitz e Maureen
Escola: Doenças Tropicais (Núcleo de Medicina Tro- Neitz, Universidade de Washington; Barry Bucha-
pical, UFPA), Teoria e Pesquisa do Comportamento nan Lee e Qasim Zaidi, Universidade Estadual de
(Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento, New York; Barbara Leverne Finlay, Universidade de
UFPA), Genética e Biologia Molecular (Instituto de Cornell; Joel Pokorny e Ding Cao, Universidade de
Ciências Biológicas, UFPA), Neurociências e Com- Chicago; Elisa Margarita Colombo, Universidade
portamento (Instituto de Psicologia, USP), Psicologia Nacional de Tucumán; Arne Valberg, Universidade
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 85

Norueguesa de Ciência e Tecnologia; Hao Sun, ao ensino e à aplicação dos conhecimentos sobre
Colégio Universitário Buskerud; Jan Kremers, Uni- visão e disfunções visuais.
versidade de Erlangen-Nürnberg; Valerio Carelli, Na Escola serão discutidos tópicos fundamen-
Universidade de Bologna; Paul Ronald Martin e tais e tradicionais como fotorrecepção, circuitos
Ulrike Grünert, Universidade de Sydney; Trichur retinianos, vias visuais, circuitos corticais, psicofísica
Vidyasagar, Universidade de Melbourne; Dora e eletrofisiologia da visão de cores e da visão de con-
Fix Ventura e Russell D. Hamer, Universidade de trastes. Também serão apresentados trabalhos sobre
São Paulo; Adriana Berezovsky e Solange Rios a visão de primatas platirrínios (primatas neotropicais
Salomão, Universidade Federal de São Paulo; ou primatas do Novo Mundo), a maior parte dos quais
José Luiz Martins do Nascimento, Luiz Carlos de vive na Amazônia, os quais diferem significativamente
Lima Silveira e Manoel da Silva Filho, Universi- dos primatas catarrínios (primatas do Velho Mundo)
dade Federal do Pará. O Symposium celebrará a por apresentarem uma grande variedade de tipos
carreira de dois docentes-pesquisadores que têm de visão. Entre os platirrínios existem espécies que
colaborado com a comunidade de Ciência Visual diurnas ou noturnas, espécies que são naturalmente
de Belém por muitos anos: Barry Buchanan Lee tricromatas, dicromatas ou monocromatas, além
(State University of New York, School of Optome- de várias que exibem polimorfismo nos genes que
try) e Dora Selma Fix Ventura (Universidade de codificam os fotopigmentos, enquanto que todos
São Paulo, Instituto de Psicologia). os catarríneos são naturalmente tricromatas, sem
5) “Curso Avaliação Funcional da Retina e das Vias polimorfismo. Tal variedade tornou esses primatas
Visuais Subcorticais”, ministrado por Jan Kre- um dos focos da pesquisa sobre a visão e eles estão
mers (Universidade de Erlangen-Nürnberg), 27 agora sendo usados para testar terapias gênicas
de setembro a 1 de outubro, 40 horas de aulas que visam a cura da cegueira hereditária ao verde-
teóricas e práticas. vermelho ou daltonismo. Haverá também palestras
dedicadas às deficiências adquiridas da visão de
A escolha da realização da “Escola de Altos Estu- cores de fundo retiniano, por comprometimento das
dos Visão e Disfunções Visuais” em Belém traduz-se vias visuais e originadas por distúrbios localizados
em grande alegria para sua comunidade universitária, nas áreas corticais visuais. Por tudo isso, a Escola
uma vez que tanto a Universidade Federal do Pará será um grande evento da Ciência Visual este ano!
(UFPA) quanto a Universidade do Estado do Pará
(UEPA) estão engajadas no apoio aos grupos de do- Referências
cência e pesquisa em Oftalmologia e Visão. Assim,
a realização da Escola em setembro de certa forma 1. http://www.fesbe.org.br/v5/index.php
2. http://www.sbnec.org.br/site/
dá continuidade e coroa esse trabalho que vem sen-
3. http://www.eaevdv.ufpa.br/eaevdv/indexBR.php
do realizado na UFPA e UEPA, com a presença dos
maiores cientistas mundiais dedicados à pesquisa,
86 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

Perspectiva

Artrose de joelho e sensibilização central:


encontrando o melhor alvo terapêutico
Marta Imamura*

A osteoartrose (OA) é a doença articular mais prevalente e é a prin-


cipal causa de incapacidade funcional [1,2] no idoso [3]. A osteoartrose
do joelho é a quarta causa mais freqüente de problemas da saúde da
mulher idosa [4]. O risco de incapacidade decorrente da osteoartrose
isoladamente é maior do que a de qualquer outra condição médica [3].
No momento não há cura conhecida para a osteoartrose e o objetivo
do tratamento é a melhora da dor, da função e da qualidade de vida
relacionada à saúde, minimizando, sempre que possível, a toxicidade
terapêutica [3].
As principais modalidades terapêuticas instituídas nestes pacien-
tes são os analgésicos simples como o acetaminofeno, os antiinfla-
matórios não hormonais via oral ou tópico, os analgésicos opiáceos,
a amitriptilina, os suplementos nutricionais como a glucosamina e a
condroitina sulfato, a injeção intra-articular de substâncias como o
ácido hialurônico. O tratamento não farmacológico inclui os programas
educacionais, a perda de peso corporal, as atividades de conservação
de energia, o enfaixamento patelar, uso de calçados apropriados, órte-
ses e os aparelhos auxiliares para a deambulação. A orientação para
*Médica Chefe de Sessão Técnica, a realização de exercícios é em geral genérica e incluem a instrução
Divisão de Medicina Física do Institu- para a realização de exercícios de alongamento, fortalecimento mus-
to de Ortopedia e Traumatologia do cular e treinamento aeróbio. Quando a dor é incapacitante, intensa e
Hospital das Clínicas da Faculdade refratária geralmente recomenda-se os procedimentos operatórios de
de Medicina da Universidade de substituição da articulação.
São Paulo, Coordenadora do Centro Em estudo prévio, evidenciamos que a hiperalgesia de origem
de Pesquisa Clínica do Instituto de central é responsável por um percentual relevante da dor relatada por
Medicina Física e de Reabilitação do estes pacientes [5]. Isto sugere que, tanto o sistema nervoso central
Hospital das Clínicas da Faculdade como o periférico, devam estar envolvidos na manutenção do estado
de Medicina da Universidade de São de dor crônica nestes pacientes (Figura 1). Parece que inicialmente a
Paulo, Professora Colaboradora da hipersensibilidade é observada apenas no local afetado. Entretanto,
Faculdade de Medicina da Universi- quando a dor torna-se refratária, mecanismos de sensibilização central
dade de São Paulo, pelo Departa- e periférica passam a contribuir para a manutenção dos quadros dolo-
mento de Ortopedia e Traumatologia, rosos, independentes do processo periférico que a originou.
Presidente da Associação Brasileira Diferente da dor aguda, cuja fisiopatologia é relativamente bem
de Medicina Física e Reabilitação, conhecida e os resultados terapêuticos mais animadores, a dor crônica
Vice-Presidente da International So- não traduz a magnitude da lesão tecidual e os tratamentos ainda não
ciety of Physical and Rehabilitation são satisfatórios. Recentemente, o desenvolvimento de novos méto-
Medicine (ISPRM), Presidente do dos diagnósticos para a investigação clínica da sensibilização central,
Comitê Educacional da ISPRM forneceu novos conhecimentos para o melhor entendimento da fisio-
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 87

Figura 1 - Representação esquemática das vias nervosas aferentes e eferentes relacionadas à inervação do
joelho com artrose.

Tendão patelar

Subcutâneo S2 Músculo adutor longo


88 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

patologia da dor crônica. Estas novas informações elevados de substância P, calcitonina, bradicicina,
demonstram que alterações funcionais no sistema fator de necrose tumoral, interleucina-1, serotonina
nervoso central e periférico podem desempenhar e norepinefrina quando comparados aos indivíduos
um papel importante na manutenção da dor crônica. saudáveis sem dor espontânea ou sujeitos assinto-
A melhor compreensão dos complexos meca- máticos [20]. Nestes mesmos indivíduos com dor
nismos envolvidos na geração, modulação, ampli- espontânea, áreas distantes do local da dor também
ficação e perpetuação da dor desempenha papel demonstram aumento significante destes mediado-
importante na determinação do melhor esquema res químicos [21].
terapêutico a ser utilizado no tratamento de doentes Sabe-se que tais alterações não ocorrem somen-
com artrose de joelho. O tratamento contemporâneo te na medula espinhal [22], mas também em outras
da dor, por exemplo, fundamenta-se não mais no estruturas do sistema nervoso central. Um estudo pi-
alívio sintomático apenas, como, porém no seu con- loto, por exemplo, já revelou o envolvimento de áreas
trole embasado nos mecanismos fisiopatológicos cerebrais no processamento da dor em um grupo de
envolvidos [6]. doze pacientes com OA do joelho [23]. Os resultados
Recentemente, constatou-se que estímulos mostraram que a dor da artrite estava associada
nociceptivos intensos e persistentes oriundos de ao aumento de atividade no córtex cíngulo, tálamo
tecidos periféricos podem desencadear alterações e amídala; áreas envolvidas com o processamento
neuroplásticas no sistema nervoso central [7,8]. dos aspectos emocionais da dor [23].
Estas alterações incluem o aumento da excitabilidade A presença da sensibilização periférica e central
dos neurônios no corno posterior da medula espinal, em doentes com dor crônica induz alterações neu-
produzindo hiperalgesia, somação temporal da dor e roplásticas adicionais no corno posterior da medula
regulação ascendente. espinal (Figura 2) e em áreas corticais que então
Tais alterações neuroquímicas sugerem que a mantêm e amplificam o quadro doloroso, formando
dor induz e é parcialmente mantida por um estado um ciclo vicioso e sintomas refratários. Neste está-
de sensibilização central [9] no qual o aumento da gio, mesmo a remoção do agente etiológico pode
transmissão da informação nociceptiva permite que não mais ser suficiente para o alívio dos sintomas
neurônios que normalmente não estão envolvidos dolorosos. Faz-se necessário então considerar que
na transmissão da informação dolorosa passam outros fatores, distantes da própria articulação aco-
a fazê-lo. Deste modo, estímulos como dos de metida podem ser os responsáveis pelos sintomas
pressão sobre determinadas partes do corpo que dolorosos e incapacitantes nestes pacientes [5,24],
em voluntários sadios não são interpretados como não apenas do ponto genético [24], mas também da
dolorosos, passam a ser percebidos como tal [5]. sensibilização central [5].
Vale a pena ressaltar que estímulos nociceptivos Neste contexto, o diagnóstico da sensibilização
periféricos podem iniciar e manter o estado da periférica e central é muito importante [25,26], pois
sensibilização central, como já descrito para a quando presente, faz com que neurônios do corno
fibromialgia [7,10-12]. posterior da medula espinal que só seriam ativados
Apesar de ser subjetiva por natureza, sintomas por estímulos nociceptivos, passam agora a ser
dolorosos crônicos podem correlacionar-se com evi- ativados por outros estímulos, incluindo os não no-
dências de neuroimagem que revelam o aumento das ciceptivos, fenômeno amplamente conhecido como
respostas de ativação cerebral [13-15]. alodínea [27]. Isto explica porque nos casos onde
Vários autores já demonstraram o possível a sensibilização central está estabelecida, mínimos
envolvimento da sensibilização central na gênese, estímulos periféricos já são suficientes para manter
manutenção, amplificação e exacerbação dos sin- condição dolorosa incapacitante [8].
tomas dolorosos em doentes com artrose de vários Diante destas evidências emergentes sugerindo
segmentos corporais [15-19]. Assim como em nosso o papel do sistema nervoso central na fisiopatologia
estudo [5], a hiperalgesia tegumentar e profunda já da dor em doentes com artrose de joelho, os alvos
foi observada no antebraço de doentes com rizartro- terapêuticos devem contemplar as estruturas do sis-
se [17] e no músculo tibial anterior de doentes com tema nervoso central, ao invés do tratamento apenas
artrose de joelho [19]. local com analgésicos comuns, antiinflamatórios e
Interessante notar que pontos dolorosos e medidas não farmacológicas.
de menor tolerância à pressão apresentam níveis
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 89

Figura 2 - Representação esquemática da sensibilização central no corno posterior da medula espinal em


artrose de joelho: alterações neuroplásticas com brotamento neuronal anômalo tanto no gânglio sensitivo
quanto no corno posterior da medula espinal.

Vista anterior

Neurônio de
segunda ordem

Inter neurônio
gabaérgico

Neurônios nociceptivos
(alteração da expressão de canais
iônicos de Na+, K+, Ca++)

Gânglio da raiz dorsal

Aumento da aferência Brotamento axonal Brotamento axonal


excitatória

Vista posterior

Alguns estudos revelam que o uso de antide- quanto à dosagem de 60 ou 120 mg/dia com relação
pressivos está associado à melhora dos sintomas aos efeitos adversos [28].
clínicos na artrose de joelho, incluindo o alívio da dor Deste modo, a vista do melhor conhecimento
e a melhora funcional. De fato, há evidência científica fisiopatológico envolvido na dor decorrente da ar-
sugerindo que a duloxetina, um analgésico de ação trose refratária de joelho associada a alterações
central, na dosagem de 60 ou 120 mg/dia durante significantes em áreas corticais associadas com o
13 semanas reduz a dor e melhora o estado funcional processamento afetivo e emocional, é fundamental
de pacientes com artrose de joelho [28]. Há relato de reduzir ou até mesmo impedir a amplificação dos sin-
náusea (24,8% no grupo duloxetina e 6,3% no grupo tomas causados pela contínua ativação destas áreas.
placebo) e fatiga [28]. Parece não haver diferença
90 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

Referências imaging evidence supporting the presence of central


sensitization in a cohort of osteoarthritis patients.
Arthritis Rheum 2009;61(9):1226-34.
1. Altman R, Asch E, Bloch D, Bole G, Borenstein 16. Creamer P, Hunt M, Dieppe P. Pain mechanisms
D, Brandt K et al. Development of criteria for in osteoarthritis of the knee: effect of intraarticular
the classification and reporting of osteoarthritis: anaesthetic. J Rheumatol 1996;23:1031-6.
classification of osteoarthritis of the knee. Arthritis 17. Farrell M, Gibson S, McMeeken J, Helme R. Pain
Rheum 1986;29:1039-49. and hyperalgesia in osteoarthritis of the hands. J
2. Felson DT. Osteoarthritis: new insights. Part Rheumatol 2000;27:441-7.
2: treatment approaches. Ann Intern Med 18. Kosek E, Ordeberg G. Lack of pressure pain modulation
2000;133:726-37. by heterotropic noxious conditioning stimulation in
3. Doherty M. Pain in Osteoarthritis. In: Giamberardino patients with osteoarthritis before, but not following,
MA, ed. Pain 2002 – An updated review: refresher surgical pain relief. Pain 2000;88:69-78.
course syllabus. Seattle: IASP Press; 2002. p.51-7. 19. Bajaj P, Bajaj P, Graven-Nilsen T, Arendt-Nielsen
4. American College of Rheumatology Subcommittee L. Osteoarthritis and its association with muscle
on Osteoarthritis Guidelines. Recommendations for hyperalgesia: an experimental controlled study. Pain
medical management of osteoarthritis of the hip and 2001;93:107-14.
knee: 2000 update. Arthritis Rheum 2000;43:1905- 20. Shah JP, Phillips TM, Danoff JV, Gerber LH. An in-
15. vivo microanalytical technique for measuring the
5. Imamura M, Imamura ST, Kaziyama HHS, Targino local milieu of human skeletal muscle. J Appl Physiol
RA, Hsing WT, Souza LPM et al. Impact of nervous 2005;99:1977–84.
system hyperalgesia on pain, disability, and quality of 21. Shah JP, Danoff JV, Desai MJ, Parikh S, Nakamura
life in patients with knee osteoarthritis: a controlled LY, Phillips TM, et al. Biochemicals associated with
analysis. Arthritis Rheum 2008;59(10):1424-31. pain and inflammation are elevated in sites near to
6. Woolf CJ. Pain: moving from symptom control toward and remote from active myofascial trigger points.
mechanism –specific pharmacologic management. Arch Phys Med Rehabil 2008;89:16–23.
Ann Intern Med 2004;140: 441-51. 22. Schadrack J, Neto FL, Ableitner A, Castro-Lopes
7. Staud R. Are tender point injections beneficial: the JM, Willoch F, Bartenstein P et al. Metabolic activity
role of tonic nociception in fibromyalgia. Curr Pharm changes in the rat spinal cord during adjuvant
Des 2006;12:23-7. monoarthritis. Neuroscience 1999;94:595–605.
8. Staud R, Spaeth M. Psychophysical and neurochemical 23. Kulkarni B, Bentley DE, Elliott R, Julyan PJ, Boger E,
abnormalities of pain processing in fibromyalgia. CNS Watson A et al. Arthritic pain is processed in brain
Spectr 2008;13(3 Suppl 5):12-7. areas concerned with emotions and fear. Arthritis
9. Woolf CJ, Salter MW. Neural plasticity: increasing the Rheum 2007;56:1345–54.
gain in pain. Science 2000;288(5472):1765-9. 24. Clauw DJ, Witter J. Pain and rheumatology: thinking
10. Staud R, Cannon RC, Mauderli AP, Robinson ME, outside the joint. Arthritis Rheum 2009;60(2):321-4.
Price DD, Vierck Jr CJ. Temporal summation of 25. Fischer AA, Imamura M, New concepts in the
pain from mechanical stimulation of muscle tissue diagnosis and management of musculoskeletal pain.
in normal controls and subjects with fibromyalgia In: Lennard TA, editor. Pain procedures in clinical
syndrome. Pain 2003;102:87–95. practice. 2nd ed. Philadelphia: Hanley & Belfus;
11. Abeles AM, Pillinger MH, Solitar BM, Abeles M. 2000. p.213-29.
Narrative review: the pathophysiology of fibromyalgia. 26. Fischer AA, Imamura M, Dubo H, O´Young BJ, Cassius
Ann Intern Med 2007;146:726-34. DA. Spinal segmental sensitization: diagnosis and
12. Lawson K. Treatment options and patient perspectives treatment. In: O’Young BJ, Young MA, Steins SA,
in the management of fibromyalgia: future trends. eds. Physical Medicine and Rehabilitation Secrets. 3
Neuropsychiatr Dis Treat 2008;4:1059-71. ed. Philadelphia: Mosby & Elsevier; 2007. p.610-25.
13. Gracely RH, Petzke F, Wolf JM, Clauw DJ. Functional 27. Hoheisel U, Mense S, Simon DG. Appearance of new
magnetic resonance imaging evidence of augmented receptive fields in rat dorsal horn neurons following
pain processing in fibromyalgia. Arthritis Rheum noxious stimulation of skeletal muscle. Neurosci Lett
2002;46:1333-43. 1993;153:9-12.
14. Giesecke T, Gracely RH, Grant MA, Nachemson A, 28. Chappell AS, Ossanna MJ, Liu-Seifert H, Iyengar
Petzke F, Williams DA, Clauw DJ. Evidence of augmented S, Skljarevski V, Li LC, Bennett RM, Collins H.
central pain processing in idiopathic chronic low back Duloxetine, a centrally acting analgesic, in the
pain. Arthritis Rheum 2004;50:613-23. treatment of patients with osteoarthritis knee pain:
15. Gwilym SE, Keltner JR, Warnaby CE, Carr AJ, Chizh a 13-week, randomized, placebo-controlled trial. Pain
B, Chessell I, Tracey I. Psychophysical and functional 2009;146(3):253-60.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 91

Livros
Lisa Sanders, Todo paciente tem uma história para
contar, Editora Jorge Zahar, 2010, 328 p.

Ouvidos atentos

por Daniel Martins de Barros É pouco provável, a esta altura dos acontecimentos, que haja al-
gum profissional da saúde que não conheça o médico Gregory House.
É aquele médico brilhante, cujo raciocínio clínico só é menos aguçado
do que sua verve sarcástica. Relação médico-paciente ou empatia são
conceitos ausentes em sua prática, e como o ex-presidente do clube
Vasco da Gama, parece considerar a ética “coisa de filósofo”[1].
O que talvez poucas pessoas saibam é que a verdadeira pessoa
por trás desse homem sem coração é uma médica que tenta ser justa-
mente o contrário do personagem que inspirou. Lisa Sanders iniciou sua
carreira profissional como repórter, cobrindo a área da saúde, antes de
decidir estudar medicina. Após sua especialização em clínica geral teve
a oportunidade, graças à sua habilidade de transitar com desenvoltura
entre o universo médico e jornalístico, de escrever uma coluna no The
New York Times Magazine, a qual batizou de Diagnosis. Passou, com
isso, a colecionar casos que eram verdadeiros mistérios, com históricos
confusos, daqueles que fazem profissionais da saúde se confundirem
com detetives. O sucesso foi tanto que inspirou produtores de televisão
americanos a criar o seriado House.
Em seu livro recente, Todo paciente tem uma história para contar
(Jorge Zahar, 2010) a Sanders resolveu investigar o processo diagnósti-
co, desde o contato inicial entre médico e paciente – momento revestido
de grandes significados e emoções contraditórias – até a última palavra
– literalmente – dos patologistas.
Após escrever sobre tantos casos complexos, ela deu um passo
atrás, tentando entender como se chega àquele momento final, no qual
um nome é estabelecido para a condição clínica do paciente. Para per-
correr esse caminho teve que investigar como se obtém a história clínica
Daniel Martins de Barros é médico de um doente; como se realiza o seu exame (e como ele deveria ser
psiquiatra formado pela Univer- realizado, duas realidades muito distintas); de que maneira os exames
sidade de São Paulo (USP), editor- complementares, fetiches da medicina moderna tanto para médicos
assistente da Neurociências, e como para pacientes, ajudam e atrapalham o diagnóstico; o paradoxo
trabalha desde 2002 no Instituto de de, apesar de confiarmos tanto na tecnologia, os médicos termos tanta
Psiquiatria do Hospital das Clínicas resistência em usar as novas ferramentas da tecnologia da informação;
da Faculdade de Medicina da USP, até chegar ao ponto culminante da relação médico-paciente, quando
onde também é membro do Núcleo um diagnóstico tem que ser formulado em termos técnicos na cabeça
de Psiquiatria Forense e Psicologia do médico e transmitido de forma compreensível para o paciente leigo.
Jurídica Esse é um momento delicado na comunicação, e especialmente quan-
do há más notícias a serem transmitidas, o níveis de estresse sobe a
Correspondência: dan_barros@ ponto de ser detectado em alterações dos batimentos cárdiacos, quer
yahoo.com.br os profissionais seja novatos, quer experientes [2].
92 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

Talvez seja para se proteger desse desgaste, e sem se manter numa nostalgia dos bons tempos
tão bem descrito pela Dra. Sander, que o Dr. House do estetoscópio, mostra que existem aspectos do
se negue a ter qualquer compaixão pelas pessoas. velho exame físico aprendido nas escolas médicas
O grande mérito do seriado, no entanto, está na que são absolutamente inúteis diante das novas
pergunta que ele propõe: o que é melhor, um mé- evidências científicas. Sua proposta conciliadora é
dico ético ou que resolva o problema? Num estudo não desprezar a Medicina clássica em favor de uma
recente, após avaliar o conteúdo de 46 episódios corrida tecnológica nem ignorar que a ciência avança,
de séries médicas (House e Grey´s Anatomy), foram e algumas coisas ficam superadas com o tempo.
detectadas 179 problemas éticos, como não obter o Todo paciente tem uma história para contar é
consentimento para transplante de órgãos e sonegar um livro que, nos lembrando da verdade simples de
de informações para o paciente [3]. seu título, nos leva a prestar mais atenção no que
A resposta não é simples, porque, como mostra dizem aqueles que nos procuram em busca de ajuda.
o livro de Lisa Sanders, mesmo os médicos mais
competentes têm limitações na hora de resolver Referências
os problemas. Mas, mais do que isso, a questão é
pertinente porque muitos médicos vêm trocando a 1. Folha de São Paulo, 02 de novembro de 2008,
página E3.
comunicação pela tecnologia – assim como faz House
2. Brown R, Dunn S, Byrnes K, Morris R, Heinrich
– mas isso, ainda como comprovam os dados do livro, P, Shaw J. Doctors’ stress responses and poor
muitas vezes mais atrapalha do que ajuda na busca communication performance in simulated bad-news
pelo diagnóstico, não tendo sido inventado ainda consultations. Acad Med 2009; 84(11):1595-602.
um aparato tecnológico à altura da boa e velha con- 3. Czarny M, Faden R, Sugarman J. (2010). Bioethics
and professionalism in popular television medical
versa. Sanders tem coragem de ir adiante, contudo, dramas Journal of Medical Ethics 2010;36(4):203-6.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 93

Artigo original

Síndrome do coração partido e transtorno


de estresse pós-traumático
Broken heart syndrome and post-traumatic stress disorder
Vera Lemgruber*, Patrícia Tasca**, Luiz Augusto Candau***, Sandra Oliveira****,
Isabella Fallavena****, Vera Lúcia Silva****, Fabiana Levi*****

Em memória da psicóloga, também vítima oculta da violência,


Cleyde Prado Maia Ribeiro, falecida subitamente em 2008, mãe da
adolescente Gabriela, morta no Metrô da cidade do Rio de Janeiro em
2003, que trocou seu luto pela luta.

*Médica psiquiatra e psicóloga,


Chefe do Setor de Psicoterapia do Resumo
Serviço de Psiquiatria da Santa Introdução: Este estudo tem como objetivo investigar a incidência de Transtorno de
Casa de Misericórdia do Rio de Estresse Pós-Traumático (TEPT) e sua correlação com o aumento de distúrbios cardiovas-
Janeiro - SCMRJ, **Psicóloga, culares crônicos em mães que perderam seus filhos por morte violenta ou por desapare-
cimento. Material & Métodos: O estudo compara um Grupo Experimental integrado por 11
Coordenadora Administrativa da
mulheres que tiveram filhos mortos de forma violenta ou desaparecidos com um Grupo
Formação em Psicoterapia Focal no
Controle composto de 10 mulheres que não sofreram esse tipo de problema, através
Setor de Psicoterapia do Serviço de da aplicação do questionário CAPS (Clinician Administered Postraumatic Stress Disorder
Psiquiatria da SCMRJ e psicóloga Scale), eletrocardiograma e medidas de pulso e pressão. Os dados do estudo referem-se
voluntária do Programa de Avaliação à frequência de casos em diferentes categorias, sendo então necessária a utilização de
Pós Trauma - PAPT, ***Médico escalas de medidas de tipo nominal: testes não-paramétricos Qui-Quadrado e o U-teste
de Mann-Whitney. Resultados: Houve maior incidência de TEPT no Grupo Experimental
Cardiologista, Voluntário do PAPT,
em relação ao Grupo Controle e uma diferença de magnitude dos valores encontrados na
****Psicólogas Voluntárias do escala CAPS entre o dois grupos, ambas altamente significantes. Foi também verificada
PAPT, *****Estudante de Psicolo- maior incidência de alterações cardíacas no Grupo Experimental do que no Controle.
gia, Voluntária do PAPT Conclusão: A presença de TEPT e de problemas cardíacos sugere que o luto materno
extremo pela perda de filho por morte violenta ou desaparecimento, como uma metáfora,
poderia ser considerado uma “Síndrome do Coração Partido”.
Correspondência: Vera Lemgruber,
Av. Visconde de Pirajá, 547, conj.
Palavras-chave: transtorno de estresse pós-traumático, morte violenta, desaparecimento,
1016 Ipanema 22410-003 Rio de
doenças cardíacas.
Janeiro RJ, E-mail: veralemgruber@
psicoterapiafocal.com.br
94 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

Abstract
Introduction: The aim of this study was to investigate the post-traumatic stress disorder
(PTSD) incidence in mothers who experienced the loss of a child by violent death or
disappearance and to correlate it with the possibility of an increase of cardiac disease.
Material & Methods: Analyzing the results of CAPS Scale Questionnaire (Clinician Ad-
ministered Post-traumatic Stress Disorder Scale), ECG and measurements of pulse and
blood pressure, an experimental group of 11 mothers who lost their child by violent death
or disappearance was compared to a control group composed of 10 women that did not
experience this type of event. The data obtained referred to the frequency of cases in
different categories, therefore, being nominal scales of measurement, the non-parametric
tests Chi Square and Mann-Whitney U-test were used. Results: Was observed a higher
incidence of PTSD in the experimental group compared to the control group and a differ-
ence between the magnitudes of the values obtained by these two groups on the CAPS
scale. Both results are highly significant. There was also a higher incidence of cardiac
diseases in the experimental group compared to the control group. Conclusion: The
presence of PTSD and cardiac disease suggests that the extreme suffering of a mother
who loses a child by violent death or disappearance, as a metaphor, could be called a
“Broken-Heart Syndrome”.

Key-words: post-traumatic stress disorder, violent death, disappearance, cardiac disease.

Introdução PAPT– através das parcerias com o Centro de Estudos


de Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido
Violência urbana em todos os seus aspectos Mendes (CESeC), com a Fundação para Infância e
representa evidente ameaça à integridade física e à Adolescência – SOS Crianças Desaparecidas (FIA)
sensação de segurança da população. A crescente e com a Defensoria Pública do Estado do RJ - foi
incidência desses eventos nas grandes metrópoles elaborado projeto de pesquisa com o objetivo de
transformou a questão em um problema de Saúde investigar a incidência de TEPT neste tipo de perda
Pública [1]. Em um levantamento de comorbidades, traumática e também o aumento de distúrbios car-
realizado nos EUA em 1995, evidenciou-se que víti- diovasculares crônicos.
mas de violência, tanto as diretas como as indiretas Os números da violência vêm crescendo vertigi-
(familiares, testemunhas, etc), correm risco de 60% nosamente no Rio de Janeiro na última década. No
de desenvolver algum transtorno emocional, enquan- ano 2000 foram mortas 3.306 pessoas em todo o
to que na população geral essa porcentagem reduz-se Estado. As estatísticas apontam que a violência é
a 20%. Também foi estimada uma prevalência de maior principalmente nas regiões mais pobres da
aproximadamente 1 a 4% de Transtorno de Estresse cidade. Moradores da Zona Norte ou Oeste da cidade
Pós-Traumático (TEPT) na população geral [2]. Estudo têm 18 vezes mais chances de serem assassinados
epidemiológico realizado em 2001, também nos EUA, do que moradores da Zona Sul. Nos bairros do Leme
constatou que apesar de a maioria das vítimas de e Copacabana foram mortas 17 pessoas no ano de
violência não chegar a desenvolver TEPT, observa- 2004; já na região de Rocha Miranda e Acari, foram
se um crescimento na ocorrência desta reação em 617 pessoas assassinadas [4]. Segundo Relatório do
pessoas que são expostas a esse tipo de evento Estado e do Município do Rio de Janeiro, realizado entre
embora não tenha havido um aumento proporcional os anos de 1991 e 2006 sobre pessoas desaparecidas
dos recursos de intervenção precoce nessa área [3]. e homicídios dolosos, houve um aumento vertiginoso
Com objetivo de oferecer atendimento à popu- no número de casos de desaparecimento, tendo sido
lação sócio-economicamente menos favorecida do registrados 2.616 desaparecimentos em 1991 e, em
Rio de Janeiro, o Serviço de Psiquiatria da SCMRJ 2006, os desaparecimentos chegaram a 4.562 [5].
criou em abril de 2007 o Programa de Atendimento De acordo com pesquisa realizada em 2005,
Pós-Trauma (PAPT), para promoção e realização de intitulada As vítimas ocultas da violência no município
assistência psicológica, psiquiátrica e jurídica às do Rio de Janeiro, a hipótese de as mulheres serem
vítimas, diretas e indiretas, de traumas e violência mais suscetíveis ao TEPT foi testada utilizando-se
urbana. Visando um melhor atendimento à população dados qualitativos e quantitativos na comparação
de mães que perderam seus filhos por morte violenta entre sintomas do trauma e percepções sobre o sig-
ou por desaparecimento, que foram encaminhadas ao nificado da perda de entes queridos. A amostra foi
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 95

retirada de uma lista dos parentes de pessoas que as doenças cardiovasculares são a principal causa de
sofreram morte violenta do Instituto Médico Legal morte no mundo, especialmente entre as mulheres,
da cidade do Rio de Janeiro e era composta por 425 constando como responsáveis por 32% da causa do
mulheres (62%) e 265 homens (38%). Os resultados total de mortes das mulheres e por 27% do total das
revelaram que 54% das mulheres e 41% dos homens mortes dos homens em 2004 [11]. De acordo com
tiveram o cotidiano alterado depois da morte de pa- a escala de gravidade dos estressores da American
rente/amigo. Verificou-se que as mulheres sempre Psychiatric Association (APA), morte de cônjuge é
se mostraram mais afetadas do que os homens nas classificada como sendo um estressor agudo de nível
diversas modalidades da variável considerada nesse extremo enquanto morte de filho corresponderia a um
levantamento como intimamente correlacionada com nível considerado catastrófico [12]. O sentimento de
a ocorrência de sintomas de TEPT - o contato que o luto pela perda de vínculos afetivos importantes tem
entrevistado teve com o cadáver (se fez o reconheci- sido reconhecido há algum tempo, de forma intuitiva,
mento do cadáver; se viu, mas não reconheceu; ou porém a potencial ação letal desse tipo de perda foi
se nem viu nem reconheceu) [6]. demonstrada em 1959, quando foi feito um dos pri-
Estudo recente realizado pela Escola de Saúde meiros estudos empíricos sobre o aumento de taxas
Pública de Harvard, com quase dois mil homens que de mortalidade de viúvos [13]. O efeito das emoções
serviram como militares e moravam em Boston e humanas no desenvolvimento das doenças cardíacas
estavam inscritos no Programa de Estudo do Envelhe- passou a ser mais especificamente pesquisado na
cimento de Veteranos, mostrou que indivíduos com década de 60, a partir dos estudos de Framingham
altos níveis de TEPT têm alto risco de desenvolver [14] e, hoje, já é de domínio público o conhecimento
doenças cardiovasculares [7]. Pesquisa realizada na de que a saúde física do ser humano depende de uma
Universidade John Hopkins (EUA) em 2005 compro- série de fatores, inclusive os emocionais e sociais.
vou que as pessoas podem responder ao estresse Estudos neurocientíficos vêm demonstrando
emocional repentino liberando adrenalina e outras que o sistema central de estresse está alterado no
substâncias químicas na corrente sanguínea [8]. A TEPT, provocando hipersecreção de CRH (hormônio
chamada Síndrome do Coração Partido (Broken Heart liberador da corticotrofina), desregulando o Sistema
Syndrome), apesar de bastante rara, atinge mais Nervoso Autônomo e o Eixo HHS (Hipotálamo/Hipófi-
frequentemente as mulheres e está relacionada à se/Supra-Renal) [15]. Pela exacerbação mantida de
história de estresse grave recente, físico ou mental, catecolaminas, a ativação do sistema de estresse
e é precipitada pela descarga excessiva de cateco- interfere nas funções neurovegetativas, aumen-
laminas. Também chamada de “balonamento apical tando a atividade cardiovascular e metabólica. Por
transitório do ventrículo esquerdo”, essa patologia foi consequência, os principais parâmetros fisiológicos
descrita originalmente no Japão no início dos anos 90 de hiper-estimulação do Sistema Nervoso Autônomo
como cardiopatia “Takotsubo” (Armadilha de Polvo) (SNA), frequência cardíaca, pressão arterial e respos-
porque suas imagens no cateterismo cardíaco asse- ta de sudorese, são também exacerbados [16]. As
melham-se às armadilhas usadas pelos pescadores alterações fisiológicas produzidas pelo estresse po-
para apanhar polvos [9]. A explicação para o fato dem ter repercussões negativas de forma crônica no
estaria no excesso de liberação de catecolaminas sistema cardiovascular, em especial sobre a função
que impediria a contração da inervação da ponta do miocárdica, o que indica a possibilidade de o TEPT
coração. Os sintomas simulam os de infarto agudo influir de forma crônica no Sistema Cardiovascular.
do miocárdio, com dor torácica típica e alterações Portanto, o TEPT soma-se aos demais fatores de
eletrocardiográficas, sendo necessária uma avaliação risco que podem gerar hipertensão arterial e todo
por cineangiocoronariografia para distinguir entre um cortejo de doenças afins, aumentando assim o
essas duas condições na fase aguda, que também risco de doenças cardíacas crônicas.
se diferenciam pelo fato de a Síndrome do Coração
Partido não apresentar elevação substancial das Material & métodos
enzimas cardíacas e seus níveis de catecolaminas
séricas serem marcadamente superiores (2 a 3 vezes O estudo avalia a diferença entre um Grupo Ex-
maiores) aos dos pacientes com infarto do miocárdio perimental (integrado por mulheres que tiveram filhos
clássico [10]. mortos de forma violenta ou desaparecidos) e um
Segundo o amplo estudo realizado pela OMS Grupo de Controle (composto de mulheres que não
sobre o impacto mundial das doenças, verifica-se que sofreram esse tipo de problema) todas residentes
96 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

na cidade do Rio de Janeiro. O objetivo do estudo foi cada sujeito da amostra, sendo os dados analisados
averiguar a incidência de TEPT relacionado a esse e avaliados pelo cardiologista voluntário do PAPT.
tipo de trauma e também correlacioná-lo a uma maior
incidência de problemas cardíacos crônicos. Amostragem
O Comitê de Ética para Pesquisa da SCMRJ apro-
vou o projeto de estudo em 08/10/2007. Todas as A amostra constou de 21 mulheres de baixa
participantes do referido estudo foram informadas e renda, de faixa etária entre 20 a 55 anos, residentes
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclareci- no Rio de Janeiro. Todas foram matriculadas no Hos-
do sobre o estudo ao qual estavam sendo submetidas. pital Geral da SCMRJ, passaram por uma entrevista
psiquiátrica de rotina no Serviço de Psiquiatria antes
Instrumentos de participarem do estudo em pauta e foram informa-
das sobre o estudo que iriam participar, assinando o
A primeira etapa do estudo constou de aplicação respectivo termo de consentimento informado.
da escala CAPS (Clinician Administered Postraumatic As onze mulheres que formaram o grupo ex-
Stress Disorder Scale). Trata-se de uma entrevista perimental eram mães de filhos assassinados em
semi-estruturada especificamente direcionada para chacinas ou mortos de forma violenta (encaminhadas
avaliação do TEPT, desenvolvida nos EUA e traduzida pela Defensoria Pública do Estado ou participantes
e adaptada ao Brasil pela Escola Paulista de Medicina- do Projeto de Apoio a Familiares de Vítimas de Cha-
UNIFESP [17]. A escala CAPS foi aplicada por psicólogo cinas do CESeC), ou desaparecidos (cadastradas
do PAPT/SCMRJ em cada sujeito de ambos os grupos no Programa SOS Crianças Desaparecidas da FIA).
da amostra. O paciente que apresenta pontuação igual As demais dez mulheres do grupo de controle não
ou superior a 60 pontos, de acordo com as normas da haviam passado por nenhum trauma equivalente. Os
escala CAPS, é considerado como portador de TEPT. dados referentes a cada participante do estudo são
Na segunda etapa foram realizados eletrocardiogra- listados na Tabela I.
mas e aferidas medidas de pulso e pressão arterial de

Tabela I - Grupo experimental.


Idade Est. Civil Encami- N. de N. de Resultado ECG PA PA Pulso
nhado por filhos filhos CAPS Deit. em
vivos mortos pé
1. 44 Casada FIA 2. masc. 1. fem. 71 Bloq. Divisional 150/ 160/ 72 bpm
Desapare- Antero Superior 110 110
cida Esq. do feixe
de HIS (HBAE),
ausência de
outras
alterações
Evento traumático: No dia 21 de novembro de 2002, filha caçula, de 4 anos, saiu de casa na companhia de seu irmão
de 14 anos, para ir ao mercado. No caminho de volta, a menina foi abordada por um homem que a pediu que o acom-
panhasse, pois ele lhe daria uma cesta básica. Desde este dia, nenhuma denúncia apresentou pistas concretas sobre
seu paradeiro.
Sintomas: 1 - Ansiedade, 2 - Depressão, 3 - Isolamento, 4 - Obesidade.
2. 54 Casada CESeC 1. 1. 83 Alteração da 150/ 150/ 53
masc. masc. repolarização 90 90 bpm
ventricular em
parede inferior,
sobrecarga arte-
rial esquerda.
Evento traumático: Em abril de 2003, filho de 19 anos saiu para ir à casa de um amigo que morava perto de sua
residência. No trajeto foi baleado por policiais.
Sintomas: 1 - Falta de concentração, 2 - Déficit de memória, 3 - Depressão, 4 - Apatia, 5 - Hipertiroidismo, 6 - Hip-
ertensão-lesão coronariana (internação de 6 dias no CTI).
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 97

Idade Est. Civil Encami- N. de N. de Resultado ECG PA PA Pulso


nhado por filhos filhos CAPS Deit. em
vivos mortos pé
3. 42 Solteira CESeC 1. fem. 1. masc. 110 Normal 110/ 100/ 86
80 80 bpm

Evento traumático: No dia 6 de janeiro de 2000, filho de 16 anos, estudante, foi atropelado quando andava de bicicleta
próximo de sua residência, atingido por um carro conduzido por um Juiz que não prestou socorro, abandonando o local
do acidente.
Sintomas: 1 - Estado de choque (“fora do ar”) por 3 anos, 2 - Agressividade.
4. 50 Solteira CESeC 1. masc. 1. masc. 70 Depressão dis- 120/ 110/ 72
1. fem. creta da 80 70 bpm
onda T. em
parede antero-
lateral (SVE?)
Evento traumático: Em agosto de 2007, filho mais novo de 16 anos, estudante e jogador de futebol, foi atingido e
morto dentro de casa por uma bala perdida.
Sintomas: 1 - Ansiedade, 2 - Tristeza.
5. 33 Separada FIA 1. masc. 1. fem. 99 Normal 110/ 120/ 76
Desaparec. 70 80 bpm

Evento traumático: Desaparecimento da filha em Angra dos Reis, em 20/06/2005. Estava residindo com o pai, quando
um homem a abordou ao sair de casa e a levou à força.
Sintomas: 1 - Angustia, 2 - Desespero, 3 - Sentimento de fracasso, 4 - Culpa, 5 - Agressividade.
6. 45 Casada Defensoria 1. masc. 2. masc. 80 Sobrecarga 140/ 130/ 68 bpm
Pública 1. fem. leve ventrículo 100 90
esquerdo.
Evento traumático: Dois filhos assassinados, 18 e 20 anos, em 07/01/2004, quando estavam na boca de fumo da
comunidade onde moravam.
Sintomas: 1 - Obesidade, 2 - Angustia, 3 - Irritabilidade, 4 – Depressão, 5 - Dor nos pés, 6 - Hipertensão, 7 - Ansie-
dade, 8 - Isolamento, 9 - Evitação.
7. 49 Separada Defensoria 2.masc. 1. masc. 88 Normal 120/ 120/ 72
Pública 70 65 bpm
Evento traumático: Assassinato do filho em março de 2008, quando se dirigia a uma festa rave da sua comunidade.
Sintomas: 1 - Ansiedade, 2 - Depressão, 3 - Dificuldade de relacionamento com o marido.
8. 45 Casada CESeC 1. fem. 2. masc. 88 Normal 120/80 110/75 72
bpm

Evento traumático: No final de 2006, seus filhos de 13, 18 anos, o sobrinho e um amigo foram assassinados e jogados
dentro de um poço após a saída de um evento numa casa de show na zona norte do Rio.
Sintomas: 1 - Ao receber a notícia, “ficou em estado de choque”. 2 - Entrava em desespero quando alguém da família
saia de casa.
9. 46 Casada CESeC 1.fem. 1. masc. 111 Bloqueio 150/ 150/90 64 bpm
completo no 90
ramo direito
do feixe de
HISS
Evento traumático: Assassinato do filho, 16 anos, em 21/11/2002. O adolescente foi abordado por 9 policiais ao voltar
da casa de um amigo, onde estudava depois da aula. Levou um tiro no peito à queima roupa e foi deixado no mato na
própria comunidade onde reside.
Sintomas: 1 - Relata ter “obstrução numa veia do coração”(sic) prévia ao incidente e posteriormente ter “angina e
hipertensão”(sic), 2 - Memória ruim, 3 - Choro fácil, 4 - Medo da solidão, 5 - Ansiedade, 6 - Angustia, 7 - Raiva.
98 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

Idade Est. Civil Encami- N. de N. de Resultado ECG PA PA Pulso


nhado por filhos filhos CAPS Deit. em
vivos mortos pé
10 47 Casada Defensoria 2. masc. 1. masc. 84 Alteração 120/ 120/ 68 bpm
Pública difusa discre- 90 95
ta da onda T
Evento traumático: Filho foi assassinado no dia 2 de julho de 2007, perto da comunidade onde mora. Já havia sido
indiciado por comercialização de drogas.
Sintomas: 1 - Ansiedade, 2 - Hipertensão, 3 - Falha de memória, 4 - Isolamento social.
11 42 Casada CESeC 1. fem. 1. masc. 45 Normal 110/80 120/ 64
80 bpm
Evento traumático: Relata que policiais teriam escolhido aleatoriamente pessoas para matar como represália a mem-
bros do trafico. O filho foi morto voltando para casa de bicicleta. Soube primeiro da morte de outras crianças e achou
que seu filho estava dormindo na casa do amigo. Mas depois teria visto sua foto no jornal como manchete da chacina
de 30 pessoas.
Sintomas: Sente-se muito triste e com saudade do filho, mas não interrompeu suas atividades anteriores. Sem alter-
ação de apetite e sono.

Tabela II - Grupo de controle.


Idade Estado N. de N. de Resultado ECG PA de- PA em Pulso
Civil filhos filhos CAPS itado pé
vivos mortos
1. 50 solteira 1 0 29 Normal 130/90 140/90 84bpm
2. 47 Casada 5 0 05 Normal 120/70 120/80 68bpm
3. 37 Solteira 3 0 47 Normal 130/90 140/90 61bpm
4. 34 Casada 4 0 31 Normal 110/70 120/80 64bpm
5. 48 Casada 1 0 51 Normal 140/90 140/90 76bpm
6. 42 Casada 3 0 53 Normal 120/85 120/80 76bpm
7. 47 Casada 2 0 63 Bloqueio divisional 130/80 120/80 75bpm
antero-superior de
feixe de HISS(HBAE)
8. 52 Casada 1 0 63 Depressão discreta 130/86 140/90 76bpm
da onda T em parede
lateral
9. 34 Solteira 0 0 51 Normal 120/80 110/75 70bpm
10. 45 Casada 1 0 20 Normal 110/70 100/70 68bpm

Os dados do estudo referem-se à frequência de fisiológicas produzidas pelo TEPT poderem aumentar
casos em diferentes categorias (número de casos o risco de problemas cardíacos, a hipótese desse
em que TEPT está presente ou ausente e número de trabalho é que a presença desse tipo de problemas
casos com ou sem alteração no exame cardiológico). seja maior nas mulheres do Grupo Experimental do
A escala de medida utilizada é, pois, do tipo nominal. que nas do Grupo Controle.
Em função de a patologia TEPT apresentar baixa Para testar as hipóteses nulas: A - “Não existe
prevalência na população geral, a hipótese de trabalho diferença em incidência de TEPT entre o grupo expe-
é que as mães do Grupo Experimental, que passaram rimental e o de controle” e, B - “Não existe diferença
pelo trauma da perda de filho por morte violenta ou de- em exame cardiológico com ou sem alteração entre
saparecimento, teriam alta probabilidade de apresentar o grupo experimental e o de controle”, foi utilizado
sintomatologia de TEPT, enquanto as do Grupo Controle, o teste estatístico não-paramétrico Qui-quadrado.
que não teriam passado por esse tipo de trauma, teriam Na verificação da diferença de magnitude dos va-
baixa probabilidade de apresentar TEPT. lores obtidos no Grupo Experimental e no de Controle,
Como as doenças cardíacas apresentam alta em relação aos resultados de cada paciente dos dois
prevalência na população mundial, especialmente na grupos na pontuação obtida na escala CAPS, utilizou-
feminina, e devido à possibilidade de as alterações se o teste não-paramétrico U de Mann-Whitney.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 99

Resultados e discussão patologia é muito alta – 90,9 % das mães do Grupo


Experimental tiveram resultados no CAPS acima do
Os dados obtidos estão apresentados nas Ta- nível de corte indicativo de TEPT (60 pontos).
belas III e IV. O Grupo Experimental, de fato, além de apre-
sentar uma incidência muito maior de TEPT do que
Tabela III - Diferença entre a magnitude dos valores o Grupo de Controle, teve uma média muito mais
obtidos no CAPS para o Grupo Controle e Grupo elevada na pontuação da escala CAPS (Grupo Ex-
Experimental. perimental = 84,45 pontos e Grupo de Controle =
Resultados do CAPS 41,3 pontos). A diferença entre o dois grupos, em
Grupo Controle Grupo Experimental termos de magnitude dos valores encontrados na
1. 29 1. 71 escala CAPS foi testada pelo teste não-paramétrico
2. 05 2. 83 U de Mann-Whitney, sendo 104,0 o valor de U, com
3. 47 3. 110 nível de p < 0,001, altamente significante. Esse dado
4. 31 4. 70 corrobora a presença marcante de TEPT nas mães
5. 51 5. 99 que passaram pelo estresse da perda de filho por
6. 53 6. 80 morte violenta ou desaparecimento.
7. 63 7. 88 Em relação à patologia cardiológica, a análise
8. 63 8. 88 dos dados cardiológicos indica uma maior tendência
9. 51 9. 111 no Grupo Experimental de apresentar sintomas de
10. 20 10. 84 problemas cardíacos, em relação ao Grupo de Con-
11. 45 trole, com nível de significância estatística p = 0,05.
Teste U de Mann-Whitney = 104,0. p < 0,001. Alta- No grupo de controle, apenas 20% das mulheres
mente significante. tiveram resultados alterados na avaliação cardioló-
gica, sendo exatamente essas duas as que também
Tabela IV - Frequência de ocorrência de TEPT e de apresentaram resultados no CAPS que ultrapassavam
alterações cardiológicas. os 60 pontos estabelecidos como nível de corte indi-
Grupos TEPT Presente TEPT Ausente Total cativo de TEPT (ambas com escore 63). Importante
Experim. 10 1 11 ressaltar que, apesar de as mulheres do Grupo de
Controle 2 8 10 Controle não terem sido submetidas ao mesmo tipo
Ambos 12 9 21 de estressor traumático avaliado nesse estudo, há
Qui-quadrado = 10,75. Hipótese Nula rejeitada p < possibilidade de que elas, por serem moradoras das
0,001. Altamente significante bilateralmente. mesmas comunidades que as do Grupo Experimental
– comunidades que, além de carentes, apresentam
Grupos Com alteração Sem Alteração Total alto nível de violência - tenham passado por outro
Experim. 6 5 11 tipo de estressor violento em suas vidas.
Controle 2 8 10 A “Síndrome do Coração Partido” no âmbito da
Ambos 9 12 21 medicina não é uma expressão simbólica e sim uma
Qui-quadrado = 2,65. Hipótese Nula rejeitada. p = 0,05. patologia específica, embora bastante rara. Por outro
Significante unilateralmente. lado, a expressão “coração partido” remete à idéia
de término de relacionamento amoroso, à “dor de
A análise estatística dos dados mostra uma cotovelo” ou à perda de algum tipo de vínculo afetivo
alta significância (p < 0,001) bilateral entre os dois importante, por isso, a tristeza pela perda de alguém
grupos na diferença de incidência de TEPT. Das onze amado é muitas vezes representada metaforicamen-
participantes do Grupo Experimental, dez apresentam te pela expressão “Coração Partido”. A análise dos
resultado acima da linha de corte diagnóstico de 60 dados encontrados nesse estudo de correlação entre
pontos na escala CAPS. Na escala de gravidade dos perda de filho de forma violenta ou desaparecimento
estressores da APA a morte de filho foi classificada e presença de TEPT e problemas cardíacos sugere
no nível considerado catastrófico. A alta presença que esse luto materno extremo poderia, como uma
de sintomas de TEPT através da escala CAPS pare- metáfora, ser chamada de “Síndrome do Coração
ce indicar que, quando o trauma da perda de filho Partido”, como representação simbólica dessa
ocorre devido à morte violenta ou desaparecimento, enorme dor.
a probabilidade de uma mãe apresentar esse tipo de
100 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

Conclusão 2. Kessler RC et al. Post-traumatic stress disorder in


the National Comorbidity Survey. Arch Gen Psychiatry
1995;52(12):1048-60.
3. Breslau N. The epidemiology of post-traumatic stress
No livro The Broken Heart, escrito na década de disorder: what is the extent of the problem? J Clin
70, é feita uma analogia pertinente àquela época, Psychiatry 2001;62 (Suppl 17):16-22.
4. Silva JS. Juventude, favelas e os grandes meios
quando estava sendo iniciada a cirurgia de transplan-
de comunicação; 2005. [citado 2007 Jul 07].
te de coração. Disse o autor do livro: “O processo Disponível em URL: http://www.fazendomedia.com/
de reparação de um “coração partido” pela perda novas/educação 151105.htm.
de alguém amado pode apresentar mais desafios 5. Universidade Cândido Mendes. Centro de Estudos
de Segurança e Cidadania. Pessoas desaparecidas e
terapêuticos do que as necessárias para se realizar
homicídios dolosos no estado e no município do Rio
uma cirurgia de transplante cardíaco” [18]. Mesmo de Janeiro - 1991/2006; 2007. [citado 2007 Jul 07].
sabendo desse desafio, foi criado no PAPT um tra- Disponível em URL: http://www.ucamcesec.com.br/
balho de Grupo Terapêutico Focal direcionado para est_seg_evol.php.
tratamento de vítimas de TEPT e todas as integrantes 6. Soares G, Miranda D. As vítimas ocultas da violência
na Cidade do Rio de Janeiro. Coleção Segurança e
do Grupo Experimental foram convidadas a participar Cidadania. Civilização Brasileira; 2006.
com atendimento gratuito. Esse trabalho de grupo 7. Kubzansky L et al. PTSD may increase heart disease
ainda se encontra em andamento e as pacientes in older men. Arch Gen Psychiatry 2007;64:109-16.
participantes têm apresentado bom aproveitamen- 8. Wittstein IS et al. Neurohumoral features of
myocardial stunning due to sudden emotional stress.
to. É importante ressaltar também que, embora a New Engl J Med 2005;352(10):539-48.
maioria das pacientes tenha preferido seguir com o 9. Tsuchihashi K et al. Transient left ventricular apical
acompanhamento cardiológico prévio ao estudo, para ballooning without coronary artery stenosis: a novel
todas as pacientes que apresentaram alterações heart syndrome mimicking acute myocardial infarction.
Angina Pectoris-Myocardial Infarction Investigations
nos exames, foi oferecido atendimento gratuito na in Japan. J Am Coll Cardiol 2001;38(1):11-8.
Enfermaria de Cardiologia do Dr. Cantídio Drumond 10. Lemos AET, Junior Araujo AL, Lemos MT et al.
Neto, Chefe da Comissão de Ética do Hospital Geral Broken-heart syndrome (Takotsubo syndrome) Arq
da SCMRJ. Bras Cardiol 2008;90(1):e1-e3.
11. WHO. The Global Burden of Disease; 2004 update.
[citado 2009 Jul 25]. Disponível em URL: http://
Agradecimentos www.who.int.
12. APA (American Psychiatric Association). Manual
Agradecemos ao Professor-Doutor da Universida- Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.
DSM-IV-TR. Porto Alegre: Artmed; 2003.
de Estadual da Califórnia em Fresno, EUA, Professor
13. Kraus AS, Lillienfeld AM. Some epidemiologic
Aroldo Rodrigues, pela pronta, eficiente e competente aspects of the high mortality rate in the young
colaboração com a análise estatística dos dados do widowed group. J Chronic Dis 1959;10:207-17.
estudo. Também à Técnica de Enfermagem, Sta. 14. The Framingham Heart Study. Habits and Coronary
Judith Pacífico Valadares, agradecemos pela dispo- Heart Disease, Public Health Service Publication nº
1515. Washington DC: U.S. Government Printing
nibilidade e cuidado no atendimento das pacientes Office; 1966.
referidas para avaliação cardiológica. E, especial- 15. Mello MF et al. Tratamento farmacológico. In
mente, agradecemos ao Pesquisador, Membro da Mello MF et al., eds. Transtorno de estresse pós-
Academia Brasileira de Ciências e da Academia traumático: diagnóstico e tratamento. São Paulo:
Manole; 2006.
Nacional de Medicina, Doutor Marcello A. Barcinski, 16. Lyon A et al. Stress (Takotsubo) cardiomyopathy
pela orientação na elaboração desse estudo. – a novel pathophysiological hypothesis to explain
catecolamine-induced acute myocardial stunning.
Referências Nat Clin Pract Cardiovasc Med 2008;5(1):22-9.
17. Blake DD et al. Clinician-administered PTSD scale for
DSM-IV (CAPS-DX). Current and lifetime diagnostic
1. Costa e Silva JA, Lemgruber V. Violência urbana e o
version. 1997. Tradução de Mariana Cadrobbi São
conceito de estresse pós-traumático. Inf Psiquiatr
Paulo: Pupo & Miguel Roberto Jorge; 2004.
1994;13(2):44-7.
18. Lynch J. The broken heart: medical consequences of
loneliness. New York: Basic Books; 1977.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 101

Artigo original

Reabilitação vestibular e seu efeito


no equilíbrio, na marcha e na qualidade
de vida, de pacientes com vertigem posicional
paroxística benigna
Effect of vestibular rehabilitation in the balance,
gait and quality of life in patients with benign paroxysmal
positional vertigo
Rodrigo Leme de Souza*, Fernanda Torraca de Oliveira*, Denise P. Costa Vieira*,
Cristiane Soncino Silva, D.Sc.**, Arnaldo José Godoy, D.Sc.***,
Antonio M. Claret M. Aquino, D.Sc****, Luciane Ap. Pascucci Sande de Souza, D.Sc.*****

*Fisioterapeuta, Especialista em Resumo


Fisioterapia Neuromuscular pela A Vertigem Posicional Paroxística Benigna (VPPB) se caracteriza por vertigem, desequilí-
Universidade de Ribeirão Preto/ brio, desorientação, nistagmo, zumbidos, reações parassimpáticas, tensão muscular,
SP – UNAERP, **Fisioterapeuta, risco aumentado de quedas e desvios na marcha. O objetivo deste estudo foi avaliar a
eficácia de um programa de reabilitação vestibular (RV) utilizando o protocolo de Cawthorne
Docente convidada do Curso de
e Cooksey simplificado, sobre o equilíbrio, a marcha e a qualidade de vida de portado-
Especialização em Fisioterapia da res de VPPB. 5 sujeitos portadores de VPPB foram submetidos a avaliações pré e pós
Universidade de Ribeirão Preto – RV, com a escala de equilíbrio de Berg (EEB), escala de marcha adaptada de Herdman,
UNAERP, ***Médico neurologista, questionário de qualidade de vida (DHI). A RV foi aplicada durante 1 mês, 3 vezes por
Docente da Universidade da Cidade semana e duração de 1 hora. As atividades foram baseadas no protocolo de Cawthorne
de São Paulo – UNICID, ****Médi- e Cooksey. A RV foi efetiva na melhora do quadro clínico, fato comprovado em todas as
medidas utilizadas. Os resultados mostram que a EEB aumentou em média de 49,9 ±
co Otorrinolaringologista, Docente
3,8 para 54,4 ± 2,6, considerando a escala de marcha, 78% das questões avaliadas
do Curso de Medicina da Universi- mostraram evolução e o DHI melhorou de 53,4 ± 23 para 4,8 ± 5,8. Conclusão: O proto-
dade de Ribeirão Preto – UNAERP, colo de Cawthorne e Cooksey proporcionou melhora satisfatória da marcha e qualidade
*****Fisioterapeuta, Docente da de vida dos portadores de VPPB estudados.
Graduação do Curso de Fisioterapia
da Universidade Federal do Triângu- Palavras-chave: vertigem, reabilitação vestibular, qualidade de vida, marcha.
lo Mineiro – UFTM

Correspondência: Rodrigo Leme de


Abstract
Benign Paroxysmal Positional Vertigo (BPPVs) is a common cause of vertigo, imbalance,
Souza, Rua Profa. Joaquina Alves dizziness, incoordination, nystagmus, tinnitus, parasympathic responses, muscular ten-
Furtado, 181 Santa Marta 38061- sions, high risk of falls, and gait unsteadiness. The purpose of this study was to evaluate
200 Uberaba MG, Tel: (34) 3075- the efficacy of the vestibular rehabilitation program (VRP) using the simplified Cawthorne
2424/9943-5222, E-mail: roleme@ e Cooksey protocol on balance, gait and the quality of life in patients with BPPVs. Five
gmail.com subjects with BPPVs participated in this study and were assessed before and after the
102 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

VRP, using the Berg´s Balance Scale (BBS), the Herdman´s gait scale, audiometry,
and the Diziness Handcap Inventory (DHI). The subjects underwent the program for a
month with three weekly sessions lasting one hour each. The program was based on the
Cawthorne and Cooksey protocol. The program was effective for the studied subjects,
improving their general condition, which was confirmed by all assessment scales. Average
results showed that BBS scores increased from 49.9 ± 3.8 to 54.4 ± 2.6. Considering
Herdman`s Scale, seventy eight percent of the responses showed improvement, and the
DHI scores decreased from 53.4 ± 23 to 4.8 ± 5.8; Therefore, the Cawthorne-Cooksey
protocol satisfactorily improved BPPVs patients´s gait and quality of life.

Key-words: vertigo, vestibular rehabilitation program, quality of life, gait.

Introdução utilizada e já foi testada quanto à sua validade e


confiabilidade [6]. De acordo com Ribeiro e Pereira
A estimulação excessiva ou o mau funciona- [7], a EEB é uma escala de desempenho que examina
mento do sistema vestibular podem ocasionar uma as habilidades funcionais do equilíbrio. Outros testes
diversidade de sintomas como vertigem ou tontura, como os passos de Fukuda e a manobra Dix Hallpi-
desequilíbrio, desorientação espacial, nistagmo, ke se tornaram referência na avaliação dos sinais/
zumbidos, reações parassimpáticas (náuseas, sintomas que acompanham as vestibulopatias [1,2].
êmeses, aceleração do ritmo cardíaco e respiratório, As análises quantitativa e qualitativa da marcha não
sudorese, etc). Outros sintomas secundários podem têm sido muito exploradas nas vestibulopatias [1].
surgir, como: estado tensional na cervical, desvios As manifestações clínicas que acompanham
da cabeça e olhos e diminuição do tônus muscular as vestibulopatias a execução plena das atividades
homolateral. Como consequências, podem ocorrer cotidianas, incluindo habilidade de cuidado pessoal
quedas e desvios da marcha. Estes sintomas causam e tarefas instrumentais, podendo afetar o relaciona-
ainda desconforto, fadiga, cefaléia, dificuldade de mento familiar, social e profissional. A insegurança
concentração e até mesmo distúrbios de memória física gerada pelas vestibulopatias pode conduzir
[1-3]. a insegurança psíquica, irritabilidade, ansiedade,
Este quadro clínico emerge de déficits funcionais depressão e frustração, causando um declínio na
nos sistemas vestíbulo-ocular e vestíbulo-espinhal e qualidade de vida [8-10]. A possibilidade de se dispor
dos resultados da combinação sensorial incorreta. de um instrumento capaz de estabelecer um perfil
O sinal vestibular anormal entra em conflito com os detalhado do paciente vertiginoso sobre o quanto sua
sinais normais, fornecidos pelos sistemas visual e qualidade de vida encontra-se alterada, levou muitos
somatossensorial. Tal conflito sensorial produz os pesquisadores a elaborar questionários e a testá-los,
sintomas relacionados à percepção incorreta do para tentar criar parâmetros de avaliação da QV. Em
movimento [2]. Dentre as doenças que podem aco- 1990, Jacobson e Newman [11] elaboraram e valida-
meter o sistema vestibular, existem as disfunções ram um questionário específico para a tontura que foi
vestibulares periféricas (DVPs), que atingem estru- posteriormente adaptado culturalmente: o Diziness
turas localizadas na porção petrosa do osso cortical Handicap Inventory (DHI), que avalia a autopercepção
temporal (canais semicirculares, sáculo, utrículo, dos efeitos incapacitantes impostos pela tontura.
células ciliadas). Sua etiologia é muito variada e Após uma avaliação cuidadosa do paciente com
inclui: infecções, traumatismos e envelhecimento, VPPB, inicia-se o estabelecimento de objetivos e a
entre outros. E dentre estes tipos de DVPs, a forma seleção de abordagens de tratamento. Existem di-
mais prevalente é conhecida como vertigem posicio- versas opções de tratamento, sendo as principais a
nal paroxística benigna (VPPB) [4,5]. medicamentosa, a cirúrgica e a reabilitação vestibular
Vários métodos de avaliação têm sido propos- (RV) [1]. A RV é um programa de exercícios físicos
tos para auxiliar na investigação das VPPBs. Dentre utilizado nas pessoas que apresentam distúrbios do
eles, destaca-se a análise detalhada do equilíbrio sistema vestibular, de origem periférica ou central,
e da marcha e também o impacto das VPPBs na independente de sua etiologia. Os exercícios de RV
qualidade de vida (QV) dos portadores [4]. A escala estimulam o sistema vestibular e visam potenciali-
de equilíbrio de Berg (EEB) tem sido mundialmente zar a neuroplasticidade do sistema nervoso central
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 103

(SNC), com o intuito de promover a recuperação tratamento, assinando um termo de consentimento


fisiológica do equilíbrio corporal [8,12-15]. formal e esclarecido, obedecendo às normas do Co-
Existem vários protocolos já explorados na literatu- mitê de Ética em Pesquisa da Instituição - (Processo
ra, dentre eles o de Cawthorne e Cooksey, que aplicado n. 044/2005). Destes 11, apenas 5 participaram de
por 2 meses resultou na cura de 17% dos pacientes todo o estudo. A Tabela I apresenta as informações
estudados, melhora considerável em 67%, manutenção destes sujeitos que concluíram o estudo.
do quadro em 12% e regressão em apenas 4% [16].
Outros estudos com protocolos distintos observaram Tabela I - Distribuição dos sujeitos de acordo com
resultados ainda mais motivadores, com melhora de até idade e sexo.
80% dos pacientes [17-19]. O protocolo de Cawthorne Pacientes Idade (anos) Sexo
e Cooksey busca a recuperação do equilíbrio estático 1 80 M
e dinâmico restaurando também a orientação espacial 2 67 F
através de movimentos cefálicos, tarefas que exigem 3 64 F
a coordenação óculo-cefálica e movimentos globais, 4 72 M
possibilitando que o indivíduo restabeleça sua rotina de 5 64 F
vida saudável, controlando seus sintomas [7,20,21].
Partindo dessas considerações o objetivo do pre- A avaliação audiométrica foi utilizada como
sente estudo foi avaliar a eficácia da aplicação de um auxiliar na avaliação diagnóstica da amostra. É uma
programa de RV utilizando o protocolo simplificado de análise quantitativa da audição e detecta alterações
Cawthorne e Cooksey, sobre o equilíbrio, a marcha e no ouvido externo e/ou médio (perdas auditivas con-
a qualidade de vida de portadores de VPPBs. dutivas), do ouvido interno, do VIII nervo e das vias
auditivas (perdas neurossensoriais) e mistas [4]. A
Material e métodos avaliação audiométrica tonal e timpanometria em
cabine acústica foi realizada por uma fonoaudióloga,
Casuística com audiômetro AD28 Interacoustics e os resultados
obtidos pelos sujeitos podem ser vistos na Tabela II.
Para responder ao objetivo proposto nesta Os sujeitos foram avaliados antes e após um
pesquisa de caráter descritivo foi utilizada análise programa de RV utilizando: escala de equilíbrio de
qualitativa onde foram avaliados 24 pacientes Berg (EEB) [6,7], teste específico para equilíbrio
com diagnóstico de DVPs. Destes, 11 pacientes (manobra Dix Hallpike, prova dos passos de Fukuda)
obedeciam aos critérios de inclusão: idade igual ou [1], escala de marcha adaptada de Herdman [19], e
superior a quarenta anos, queixa vertiginosa, diag- questionário de qualidade de vida (Dizziness Handi-
nóstico de VPPB determinada pela avaliação médica cap Inventory - DHI) [11]. A RV foi realizada no período
neurológica, otorrinolaringológica e fisioterapêutica, de 12 sessões, frequência de 3 vezes por semana,
ausência de outras doenças e, que concordaram em com duração de 1 hora.
não utilizar medicamentos antivertiginosos durante o

Tabela II - Distribuição dos sujeitos de acordo com o resultado da audiometria.


Reflexo Acústico Timpanome-
Pacientes Idade Audiometria tonal Diagnóstico provável
Contralateral (OD/OE) tria (Tipo)
DS 80 PANS moderada, plana, +/+ A bilateral Presbiacusia
bilateral
SRSQ 67 PA mista OD moderada a +/- Ad/OD não Presbiacusia + cicatriz
severa/PANS moderada a realizado
aguda OE
MAS 64 PANS bilateral moderada a +/+ A bilateral Presbiacusia
severa em agudos
DVG 72 PANS bilateral moderada OD, -/+ A bilateral Presbiacusia
leve OE
MPM 64 PANS leve em 6 kHz bilateral +/+ A bilateral Presbiacusia
PA – perda auditiva; NS – neurossensorial; OD – orelha direita; OE – orelha esquerda, + - presente; - - ausente
104 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

Escala de equilíbrio de Berg Programa de Reabilitação Vestibular

A EEB consiste em 14 tarefas comuns nas AVDs, Foram realizadas 12 sessões numa frequência
tendo pontuação máxima de 56, com alternativas de 3 vezes por semana e duração de 1 hora. Além
que variam de 0 a 4 pontos. Um resultado de 45 a disso, os pacientes receberam uma cartilha para
56 indica uma probabilidade baixa das quedas, mas realizar os exercícios em seus domicílios nos outros
uma pontuação igual ou abaixo de 36 se relaciona a dias. Todos os exercícios foram retirados do protocolo
100% de risco de quedas [6]. de Cawthorne e Cooksey [20]. Dez exercícios eram
feitos em decúbito dorsal envolvendo movimentos
Manobra Dix Hallpike e Prova dos passos de verticais, horizontais e convergentes dos olhos e da
Fukuda cabeça, de forma lenta e rápida. Dois exercícios na
posição sentada com movimentos de cabeça, cintura
A manobra de Dix Hallpike é realizada com o escapular, tronco e membros, outros dois passando
paciente sentado na maca. Inicialmente sua cabeça de sentado para a postura em pé e voltando para sen-
é virada 45 para o lado a ser avaliado, em seguida tado. Todas as atividades eram repetidas 20 vezes.
o paciente é instruído a ir para trás, deitando brus- E, ao final de cada sessão, eram feitas caminhadas
camente enquanto o terapeuta segura a cabeça do associando movimentos horizontais e verticais de
paciente pendente por no mínimo 20 a 30 segundos cabeça por cinco minutos e, subir e descer um lance
e observa a presença de nistagmo e/ou tontura. de escada com 15 degraus.
Retorna-se o paciente à posição sentada, manten-
do a cabeça do mesmo lado e observa o nistagmo Resultados
novamente. Os resultados são: positivo objetivo =
ocorrência de nistagmo e vertigem; positivo subjetivo Observando a caracterização dos sujeitos que
= ocorrência apenas de vertigem; negativo = não participaram do estudo (Tabelas I e II), é possível
ocorre nistagmo nem vertigem [4]. Já a prova dos afirmar que, apesar de pequeno, é um grupo homo-
passos de Fukuda consiste em manter o paciente gêneo com relação à idade (69,4 ± 6,7 anos) e sexo.
em pé, com os olhos fechados, braços estendidos De modo geral, o quadro clínico destes pacientes
a frente, solicitado a dar 100 passos no local já de- incluía zumbidos, tonturas e náuseas. Os fatores
marcado. A rotação do corpo maior que 45 graus é agravantes eram fechar os olhos, dirigir, realizar
anormal e tende a ocorrer para o lado da lesão [4]. movimentos cefálicos rápidos e stress. Os fatores
de alívio eram: repouso, fazer movimentos lentos
Escala de Marcha Adaptada de Herdman e exercícios corporais gerais. Todos os pacientes
apresentam algum grau de perda auditiva, princi-
Esta escala é composta de 11 testes que explo- palmente em frequências altas, o que é compatível
ram a marcha associada a movimentos de cabeça, com a presbiacusia, que significa lesão auditiva pela
carregando objetos, pulando obstáculos, subindo e idade e vertigem paroxística benigna. Estes sujeitos
descendo escadas, contando em voz alta. Em todos participaram de todo o protocolo e não fizeram uso
os testes é observado se o paciente executa, se sen- da medicação específica.
te tontura durante a tarefa, se a trajetória é reta, se Os dados da EEB, escala de marcha e DHI fo-
existem cambaleios ou desvios para um dos lados. ram obtidos a partir de análise estatística básica,
porcentagem e teste T. Pelos resultados obtidos
Questionário de qualidade de vida (Dizziness com a EEB antes e depois do tratamento, notou-se
Handicap Inventory - DHI) que todos os pacientes melhoraram o equilíbrio (p =
0,043), sendo que 3 deles alcançaram a pontuação
O DHI é uma escala de incapacidade autoperce- máxima, que corresponde a 56 pontos. Porém, é
bida, relacionada à doença vestibular. São fornecidas importante ressaltar que a pontuação inicial destes
25 questões, sendo 7 para aspectos físicos, 9 para sujeitos indicava que não existia alto risco de quedas
o emocional e mais 9 para o funcional. A resposta (48 ± 2). Analisando os testes individualmente, ficou
“sim” vale 4 pontos, “às vezes” vale 2 e “não” clara a dificuldade dos sujeitos em situações que
vale 0. A pontuação total varia de 0 (nenhuma inca- exigiam base estreita (um pé na frente do outro e/ou
pacidade percebida) a 100 (incapacidade máxima apoio unipodal). Estas dificuldades se amenizaram
percebida) [12]. após a RV.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 105

Já, os achados da manobra de Dix Hallpike in- inter-sujeito com relação aos aspectos avaliados,
dicam que 3 dos 5 sujeitos melhoraram, passando revelando que os 3 níveis são afetados de forma
de um quadro objetivo (presença de nistagmo) para distinta nas VPPBs. Após o tratamento houve melhora
subjetivo (apenas sensação de vertigem) ou até de todos os aspectos analisados individualmente (p
atingindo uma resposta normal (sem nistagmo e sem < 0,004) e também no geral (p = 0,000) indicando
vertigem) após o período de RV. Os outros 2 pacien- remissão de sintomas, até mesmo total em 2 casos.
tes mantiveram o resultado. Outro teste clássico
avaliado foi a prova dos passos de Fukuda. Dos 5 Tabela IV - Avaliação da qualidade de vida (DHI) pré
sujeitos avaliados, 4 continuaram tendo uma respos- e pós RV.
ta positiva, indicando ainda presença de desequilíbrio Físico Funcional Emocio- Total
mesmo após o tratamento. Isto pode indicar que a Paciente nal
RV é efetiva na melhora funcional dos portadores de A D A D A D A D
VPPBs, mas eles continuam apresentando resultados 1 28 2 16 0 12 0 56 2
indicativos da presença destes distúrbios. 2 20 0 16 0 22 0 58 0
A escala de marcha adaptada de Herdman 3 28 4 32 6 24 2 84 12
mostrou-se muito sensível na detecção de desequilí- 4 16 2 12 8 20 0 48 10
brios e desvios. Na Tabela III podem ser observados 5 4 0 16 0 0 0 20 0
os resultados de cada indivíduo e o efeito da RV em Média 19,2 1,6 18,4 2,8 15,6 0,4 53,2 4,8
todos os sujeitos e itens avaliados. Todos evoluíram, Dp 10 1,6 7,7 3,8 9,8 0,8 22,9 5,7
apresentando ao final, marcha com trajetória reta, A = avaliação inicial; D = avaliação final
sem cambaleios (p = 0,003) e desvios laterais (p =
0,041), sem queixas de tonturas (p = 0,003) e verti- Discussão
gem (p = 0,000). Considerando as 10 questões e os
5 pacientes, 78% das avaliações mostraram evolução. Associando os resultados sobre as formas de
avaliação utilizadas pode-se concluir que a EEB de-
Tabela III - Avaliação da marcha pré e pos RV. tecta os desequilíbrios, mas em casos de VPPBs não
Pacientes Avaliação Pré RV Avaliação Pós RV se mostra muito sensível. O estudo de Badke, Shea,
VTCD VTCD Miedaner e Grove [22] também mostra que a EEB não
1 9758 1012 foi sensível para detectar as melhorias observadas
2 4462 0000 em pacientes com disfunções vestibulares. Quando
3 4320 0321 combinada com testes específicos (Manobra de Dix
4 4555 0100 Hallpike, Romberg, Prova dos passos de Fukuda) é
5 5747 0333 possível se obter maiores detalhes sobre a gravidade
V = vertigem; T = tontura; C = cambaleios; D = desvios do quadro clínico destes pacientes [22].
Uma escala pouco conhecida e ainda não
A escolha e aplicação do questionário de qualida- explorada nestes pacientes é a escala de Marcha
de de vida (DHI) pode refletir o impacto das VPPBs no adaptada de Herdman. O estudo de Wrisley Marchetti,
aspecto físico, funcional e emocional dos pacientes Kuharsky e Whitney [23] provou a confiabilidade e va-
estudados. A Tabela IV mostra a pontuação obtida em lidade dos dados obtidos com a escala de avaliação
cada aspecto por cada paciente. Houve predomínio funcional da marcha em pacientes com disfunções
da incapacidade moderada, mostrando o quanto as vestibulares. Também Hall, Schubert e Herdman [24]
VPPBs podem limitar a vida dos portadores. encontraram, através do índice dinâmico da marcha,
Com relação aos aspectos físicos, a média inicial melhora na marcha e no risco de quedas em jovens
indicava incapacidade moderada, porém dois sujei- adultos e em menor grau em idosos com disfunções
tos apresentavam incapacidade total. Já no aspecto vestibulares. Embora não existam estudos com a
emocional houve melhores resultados, dois pacien- escala utilizada, os resultados presentes indicam
tes estavam bem abaixo da média e embora ainda que esta ferramenta forneceu informações precisas
exista o impacto das VPPBs, ele é menos evidente. e, podem nortear melhor a elaboração de um trata-
Sobre o aspecto funcional, 3 pacientes apresentavam mento fisioterapêutico com exercícios específicos.
incapacidade moderada, 1 estava abaixo e o outro Este achado complementa o estudo de Whitney,
classificado como gravemente incapacitado. Também Wrisley e Furman [25], que preconiza o uso da escala
foi observado que não existia uma homogeneidade de marcha (índice do andar dinâmico) nas VPPBs.
106 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

O DHI revelou a percepção do sujeito sobre as Conclusão


disfunções e incapacidades produzidas pelas VPPBs.
O uso desta auto-avaliação foi observado por vários O protocolo de Cawthorne e Cooksey aplicado
autores, dentre eles, Segarra-Maegaki e Taguchi [26] no período proposto neste estudo proporcionou um
que destacam a importância deste teste na caracteri- ganho satisfatório na marcha e na qualidade de vida
zação da qualidade de vida em estudos qualitativos. dos portadores de VPPB investigados. As medidas
Estes autores utilizaram o DHI e encontraram remis- utilizadas foram sensíveis a melhora do quadro clíni-
são total dos sintomas em 75% dos pacientes com co, com destaque para a escala de Marcha adaptada
VPPBs que receberam tratamento. de Herdman e para o questionário de qualidade de
Assim, todos os testes e escalas utilizados vida (DHI). São necessários mais estudos com um
neste estudo, puderam caracterizar a população es- número maior de sujeitos utilizando este programa
tudada nos dois momentos. E, nota-se a importância ou adaptações do mesmo e também os instrumentos
de todas no sentido de destacar o efeito, no caso, de medida que foram apresentados neste estudo.
dos exercícios do protocolo de Cawthorne e Cooksey.
Tais exercícios assim como outros que estimulam Referências
o sistema vestibular já foram explorados em vários
estudos que ressaltam seus benefícios em casos de 1. Albernaz PLM. Labirintopatias. Rev Bras Med 2002;
VPPBs e também centrais [27] . 59(12):109-19.
2. Gans RE. Vestibular rehabilitation: critical decision
Várias características deste protocolo merecem
analysis. Semin Hear 2002;23(2):149-59.
destaque: exercícios específicos com movimentos 3. Melzer I, Benjuya N, Kaplanski J. Postural stability in
de olhos e cefálicos; movimentos mais grosseiros the elderly: a comparison between fallers and non-
do corpo para gerar alterações vestibulares; ativi- fallers. Age Ageing 2004;33(6):602-7.
dades de membros e tarefas que podem ser feitas 4. Ganança MM, Caovilla HH, Munhoz MSL, Silva MLG.
Alterações da audição e do equilíbrio corporal no
em grupo. Outro item importante é a progressão que idoso. Rev Bras Med 1999;56(10):995-1011.
ocorre dentro da sessão e ao longo do tratamento, 5. Menon AD, Sakano E, Weckx LL. Consenso sobre
começando pelos exercícios mais fáceis até os mais vertigem. Rev Bras Otorrinolaringol 2000;66(6):9-35.
elaborados e que acabam por exigir mais do sistema 6. Miyamoto ST, Lombardi Junior I, Berg KO, Ramos LR,
Natour J. Brazilian version of the Berg balance scale.
vestibular e de outros sistemas sensoriais e motores. Braz J Med Biol Res 2004;37(9):1411-21.
Porém, é importante destacar que outros protocolos 7. Ribeiro Ados S, Pereira JS. Balance improvement
ou ainda a elaboração de exercícios personalizados and reduction of likelihood of falls in older women
voltados a reabilitação do equilíbrio e da função after Cawthorne and Cooksey exercises. Rev Bras
Otorrinolaringol 2005;71(1): 8-46.
vestibular podem ser tão benéficos quanto os pro- 8. Pedalini MEB, Bittar RSM, Formigoni LG, Cruz
postos por Cawthorne e Cooksey. Por exemplo, Badke OLM, Bento RF, Miniti A. Reabilitação Vestibular
Shea, Miedaner e Grove [22], investigaram exercícios como tratamento da tontura: experiência com 116
individualizados elaborados de acordo com os resul- casos. Arquivos da Fundação Otorrinolaringologia
1999;3(2):74-8.
tados da avaliação e trabalharam estabilização do
9. Paiva AD, Kuhn AMB. Sintomas psicológicos
olhar, equilíbrio, marcha e exercício de habituação. concomitantes à queixa de vertigem em 846
Os pacientes mostraram melhora no equilíbrio, na prontuários de pacientes otoneurológicos do
acuidade visual e na estabilidade na marcha após Ambulatório de Otoneurologia da Universidade
Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina.
11 meses de tratamento. Também Topuz, Topuz,
Rev Bras Otorrinolaringol 2004;70(4):512-5.
Ardic, Sarhus, Ogmen, Ardic [28] que estudaram 125 10. Tusa RJ. Problemas psicológicos e o paciente com
pacientes com DVPs destacam que os exercícios vertigem. In: Herdman SJ. Reabilitação vestibular. 2
supervisionados surtem significativamente melhores ed. São Paulo: Manole; 2002. cap. 14.
efeitos do que exercícios domiciliares orientados. 11. Jacobson GP, Newman CW. The development of the
dizziness handicap inventory. Arch Otolaryngol Head
Eles concluíram que 10 sessões foram suficientes Neck Surg 1990;116(44):424-7.
para obter os resultados finais (após 8 semanas de 12. Ganança FF, Castro ASO, Branco FC, Natour J.
tratamento). Este dado corrobora o presente estudo, Interferência da tontura na qualidade de vida de
onde foram utilizadas 12 sessões supervisionadas e pacientes com síndrome vestibular periférica. Rev
Bras Otorrinolaringol 2004;70(1):94-101.
os resultados foram satisfatórios, sendo que 3 dos 13. Norré ME. Uso racional dos exercícios de reabilitação
5 pacientes tiveram alta. labiríntica nas síndromes vestibulares periféricas.
Acta AWHO 1990;9:121-3.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 107

14. Bittar RSM, Pedalini MEB, Formigon LG. Por que a 22. Badke MB, Shea TA, Miedaner JA, Grove CR.
reabilitação vestibular falha? Arquivos da Fundação Outcomes after rehabilitation for adults with balance
Otorrinolaringologia 2000;4(1):38-40. dysfunction. Arch Phys Med Rehabil 2004;85(2):227-
15. Sociedade Brasileira de otorrinolaringologia. Fórum 33.
sobre vertigem. Rev Bras Otorrinolaringol 2003;69(4) 23. Wrisley DM, Marchetti GF, Kuharsky DK, Whitney SL.
S1:6-36. Reliability, internal consistency, and validity of data
16. Hecker HC, Haug CO, Herndon JW. Treatment of obtained with the functional gait assessment. Phys
the vertiginous patient using Cawthorne’s vestibular Ther 2004;84(10):906-18.
exercises. Laringoscope 1974;84(11):2065-72. 24. Hall CD, Schubert MC, Herdman SJ. Prediction of fall
17. Smith-Wheelock M, Shepard NT, Telian SA. Physical risk reduction as measured by dynamic gait index in
therapy program for vestibular rehabilitation. Am J individuals with unilateral vestibular hypofunction.
Otol 1991;12:218-25. Otol Neurotol 2004;25(5):746-51.
18. Keim RJ, Cook M, Martini D. Balance rehabilitation 25. Whitney S, Wrisley D, Furman J. Concurrent validity of
therapy. Laryngoscope 1992; 102(11):1302-7. the Berg Balance Scale and the Dynamic Gait Index
19. S h e p a r d N T , T e l i a n A S . P r o g r a m m a t i c in people with vestibular dysfunction. Physiother Res
vestibular rehabilitation. Otolaryngol Head Neck Int 2003;8(4):178-86.
Surg1995;112(1):173-81. 26. Segarra-Maegaki JA and Taguchi CK. Study about
20. Whitney SL, Herdman SJ. Avaliação fisioterapêutica da the benefits of vestibular rehabilitation in peripheral
hipofunção vestibular. In: Herdman SJ. Reabilitação vestibular disorders. Pro Fono 2005;17(1):3-10.
vestibular. 2 ed. São Paulo: Manole; 2002. cap. 15. 27. Barbosa MSM, Ganança FF, Caovilla HH, Ganança
21. Silveira SR, Taguvhi CK, Ganança FF. Análise MM. Reabilitação Labiríntica: o que é e como se faz.
comparativa de duas linhas de tratamento para Rev Bras Med Otorrinolaringol 1995;2(1):24-34.
pacientes portadores de disfunção vestibular 28. Topuz O, Topuz B, Ardic FN, Sarhus M, Ogmen
periférica com idade superior a sessenta anos. Acta G, Ardic F. Efficacy of vestibular rehabilitation on
AWHO 2002;21(1). chronic unilateral vestibular dysfunction. Clin Rehabil
2004;18(1):76-83.
108 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

Revisão

A neuroeconomia dos custos decisionais


Neuroeconomics of decision costs
Álvaro Machado Dias

Resumo
Diversos processos cognitivos entram em jogo para que tomemos uma decisão. Uma
tendência recente no campo de estudos dos fenômenos decisionais é a de considerar a
importância de processos pré-conotativos na organização geral das biocomputações en-
volvidas nos modelos mentais dos problemas decisionais. Neste âmbito, adquire especial
importância os cálculos de ‘custos decisionais’, representados pela avaliação pessoal (e
primariamente inconsciente) do grau de investimento necessário para o atingimento de
uma solução ótima ou sub-ótima para o problema, geralmente correlata à maximização
da utilidade esperada. Estudos neuroeconômicos estão atualmente empenhados na
determinação das bases neurobiológicas desta etapa pré-conotativa. Neste sentido,
eles estão lançando nova luz sobre as dinâmicas decisionais e introduzindo avanços
na neurobiologia dos comportamentos complexos. A presente revisão tem por objetivo
apresentar os principais desenvolvimentos deste novo campo, apresentar algumas de
suas mais pronunciadas limitações e discutir algumas perspectivas novas, capazes de
contribuir para estudos futuros.

Palavras-chave: neuroeconomia, tomadas de decisão, custos decisionais, processos


cognitivos, utilidade esperada.

Abstract
Several cognitive processes take part in a decision-making. A recent tendency of the
field of study of decisional phenomena is to consider the importance of pre-connotative
processes in the general organization of the biocomputations that take part in the mental
models of the decisional problems. In this context, special importance has been attributed
to ‘decision costs’, represented by the personal (and mostly unconscious) evaluation
Mestre, PhD, Pesquisador do pro- of the amount of energy necessary to achieve an optimal or suboptimal solution to the
problem, usually correlated with the maximization of expected utility. Neuroeconomic
grama de pós-doutorado do Instituto
studies are currently developing toward the understanding of the neurobiological basis
de Psiquiatria da FMUSP, Bolsista of this pre-connotative stage. In this sense, they are shedding light into the cognitive
Fapesp de Pós-doutorado dynamics of decision-making and introducing new trends in the neurobiology of complex
behavior. The current review aims to introduce the most remarkable developments of this
Correspondência: Lab de Neuroima- new field, present their most pronounced limitations, and discuss some original ideas
that may contribute to future studies.
gem LIM-21, Rua Dr. Ovídio Pires
Campos s/n, São Paulo SP Tel: (11)
Key-words: neuroeconomics, decision-making, decision costs, cognitive processes,
3069-8132, E-mail: alvaromd@usp.br
expected utility.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 109

Introdução so aparelho cognitivo, de dimensões psicológicas/


subjetivas (conflitos interiores, etc) e dos custos
Mais do que nunca, o desenvolvimento neu- operacionais (de tipo cognitivo) envolvidos no pro-
rocientífico encontra-se coadunado às matizes da cesso decisional.
interdisciplinaridade, mediante as quais ciências Tais ‘custos’ se definem como a magnitude
antes tidas como alheias umas às outras definem do investimento necessário para a otimização dos
laços promissores, gerando subprodutos híbridos, resultados [8]. A concepção de que é importante
capazes de avançar conhecimentos que até este incorporá-los às análises do processo de toma-
momento não podiam ser levados à frente [1]. Um das decisão introduz um interessante problema
dos mais vigorosos campos interdisciplinares em de natureza biocomputacional (na interface entre
surgimento neste início de século é a neuroeconomia economia e neurociências), relativo à manifestação
[2], onde o assunto de maior destaque é o processo de processamentos pré-conotativos, avaliativos do
de tomadas de decisão. potencial esforço necessário para se maximizar o
Ainda que todos tenhamos uma ideia sobre o desempenho decisional em determinada conjuntura,
que é uma decisão, não é de todo simples se de- para a subsequente definição de uma estratégia de
finir este conceito a partir de proposições simples, processamento mental da variáveis componentes
elegantes, e ao mesmo tempo capazes de cobrir dos cenários futuros.
todas as suas variantes. Para se levar a cabo esta
tarefa, tornou-se consensual assumir que decisões Desenvolvimento: custos decisionais à luz da
humanas precisam ser concebidas à luz das carac- neuroeconomia
terísticas orgânicas, biocomputacionais, da espécie.
Como assinalou Simon, em artigo clássico, “a tarefa O empenho de um agente decisional, através
é substituir a concepção de racionalidade global do do qual os custos de uma decisão podem ser consi-
homem econômico por um modelo de comportamento derados, é frequentemente referido a um eixo contí-
racional compatível com o acesso à informação e o nuo entre a relutância em investir energia cognitiva
capacidades computacionais realmente possuídas na avaliação de opções (o que dá origem ao que
pelo organismo” [3]. popularmente chamamos de ‘chute’) e o ‘máximo
De acordo com Simon, para caracterizar uma empenho possível’ [9].
decisão precisamos definir um conjunto de condições Desde este eixo, definem-se diferentes estra-
delimitantes, entre as quais se destacam: um con- tégias para o tratamento de escolhas consideradas
junto fechado de opções, relações que determinam ‘difíceis’ por um agente decisional, que por sua vez
consequências diversas e a possibilidade de ordenar irão se remeter a cenários mentais com graus de
as opções por preferência [3,4]. complexidade diversos (para um estudo clássico:
Desde estas condições limitantes, pode-se di- Payne, Bettman e Johnson [10]).
zer que uma decisão é um investimento sobre uma Consideremos o problema ‘para onde viajar no
aparição mental de futuros possíveis, isto é, uma di- feriado’ e as opções ‘praia’, ‘montanha’ e ‘outra ci-
nâmica de processamento informacional que envolve dade’. A opção ‘praia’ se mostra vantajosa aos olhos
o atendimento a cenários hipotéticos. Estes cenários do agente decisional por oferecer a oportunidade
hipotéticos se notabilizam por disporem de represen- de nadar no mar, passear no calçadão e encontrar
tações de objetos que existem ou podem existir no os amigos, ao passo que se mostra desvantajosa
mundo exterior (também chamados de mercadorias em função do custo financeiro envolvido; a opção
ou commodities, independentemente de se tratar montanha se faz vantajosa em função da qualidade
de algo comerciável), enquanto o atendimento em si do ar, da possibilidade de ficar em um bom hotel
notabiliza-se por levar à escolha de uma opção em sem gastar muito e da beleza da paisagem, mas
detrimento das outras (para discussões e revisões desvantajosa em função da distância; e a opção
do conceito: Balleine [5]; Kahneman & Tversky [6]; ‘outra cidade’ se mostra vantajosa por ser perto e de
Tversky & Kahneman [7]). baixo custo, mas desvantajosa pela falta de recursos
Conforme consideramos as decisões desde que já não estejam presentes no dia a dia do agente
um enfoque humano, ‘corporificado’, convergimos decisional. Como as pessoas decidem em função de
à máxima de que a possibilidade de maximizarmos um problema como este?
a eficácia de nossas decisões faz-se tributária das Como demonstrado por Payne, Bettman e Jo-
informações disponíveis, das características de nos- hnson [10,11], o método decisório mais completo,
110 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

demorado e energeticamente dispendioso é o de diversas no que se convencionou chamar ‘controle


se pesar todos os atributos em cada alternativa, cognitivo’, ou ‘inibição top down’ de impulsos ou
atribuindo-lhes um valor e assim delineando um valor tendências contrárias ao processamento biocompu-
para cada alternativa como um todo, que então é tacional de um conjunto de informações extraídas
comparado com o de todas as outras. Este método do ambiente [16-18]. Para colocar esta proposta
se chama regra dos pesos aditivos (WADD). em prática, McGuire e Botvinick [15] consideraram
Um procedimento heurístico que simplifica o a magnitude da ativação de áreas cerebrais envol-
anterior é a chamada regra de equivalência de pesos vidas no processamento executivo da memória de
(EQW), através da qual os atributos são definidos trabalho e resolução de conflitos, sob a premissa
como tendo pesos iguais, enquanto o resto do pro- de que estas funções dimensionariam a avaliação
cedimento permanece semelhante. Em suma, trata- do cálculo subjetivo acurácia/esforço, ao longo de
se de uma forma adequada para contextos em que dois experimentos.
há muitas variáveis em jogo e nenhuma delas é de No primeiro, apresentaram séries decisionais
sobremaneira importante. Já a regra conhecida como estereotipadas, com graus de exigência distintos,
lexicográfica (LEX), sublinha situações de escolha nas envolvendo a comparação entre pares de números e a
quais alguns poucos atributos sejam considerados escolha de um deles (i.e., escolha do número maior;
mais importantes do que os outros, de modo que toda escolha do número que ainda não apareceu na tela).
a análise comparativa subsequente das alternativas Aos participantes era requisitado que reportassem
gire em torno de tais atributos. E assim por diante. a magnitude de sua inclinação para evitar seguir
O uso de estratégias crescentemente simplifi- adiante com um determinado bloco. Finalmente,
cadoras não é, per se, um índice de eficácia deci- correlacionaram a ativação cerebral (sinal BOLD)
sional gradativamente diminuída. Dependendo da durante a execução das tarefas decisionais nos di-
situação, a velocidade da resposta pode ser tão ou ferentes blocos com o grau de dificuldade reportada,
mais importante do que sua acurácia, aumentando circunscrevendo as áreas diferencialmente ativadas
o caráter estratégico das heurísticas mais simples nos blocos mais ‘custosos’. Encontraram assim
e vice e versa. Do mais, é de se ter em vista que que estas são, precisamente, áreas implicadas no
nem sempre o processamento exaustivo de todas controle cognitivo, sobretudo o córtex dorsolateral
as variáveis em um modelo mental da situação in- pré-frontal esquerdo.
tegrador é adequado às capacidades cognitivas do No segundo experimento, os autores separaram
agente decisional (dir-se-ia: alguns problemas são os sujeitos em dois grupos, em função de suas res-
impossíveis para virtualmente qualquer pessoa), pectivas tendências à evitação de decisões custosas,
reforçando a importância do uso de simplificações para assim avaliar a possível existência de padrões
para se atingir o melhor resultado possível. grupais de ativação cerebral diferencial, o que levou
Mas como as pessoas processam a avaliação à conclusão de que os sujeitos que procuram evitar
dos custos projetados em uma decisão, para final- decisões custosas têm maior ativação do córtex
mente chegarem à definição da estratégia simplifi- dorsolateral pré-frontal esquerdo nas situações de
cadora efetivamente escolhida? Nos últimos anos, alta demanda, refletindo o fato de que tais proces-
estudos de inspiração neuroeconômica vêm trazendo samentos envolvem maiores gastos energéticos e,
importantes avanços no estudo desta questão cara doravante, mais esforço.
ao presente artigo (para estudos experimentais de Retomando a premissa de que os estudos sobre
destaque: Floresco, Tse e Ghods-Sharifi, 2008 [12]; as bases neurobiológicas dos custos decisionais
Gan, Walton e Phillips 2010 [13]; Ghods-Sharifi implicam a necessidade de superar dificuldades
e Floresco, 2010 [14]. Para revisão de destaque: metodológicas, é importante termos em vista que
Walton et al. [9]). os custos de uma decisão envolvem mais do que
Há dificuldades metodológicas consideráveis a simplesmente ‘esforço’. Por exemplo, o hiato pro-
serem vencidas nestes estudos e as soluções nem jetado entre a realização da tarefa e a recompensa
sempre possuem caráter indiscutível. Para exempli- (dado um desenho experimental de recompensas
ficar isto, consideremos o mais recente estudo no fixas) revela-se um importante fator na percepção
tema [15], destacado aqui pela sua engenhosidade. de custos. Uma decisão cuja contrapartida benéfica
O estudo pautou-se pela premissa de que os custos para o sujeito é assumida como imediata representa-
decisionais poderiam ser avaliados mediante a men- se na prática como menos custosa do que outra,
suração da participação seletiva de áreas cerebrais cuja contrapartida implica longo hiato temporal [19].
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 111

Isto é parte importante da explicação da conhecida para responder isto dependem de modelos episte-
tendência para se postergar decisões importantes mológicos adequados acerca da estrutura cognitiva
e de longo prazo. do traço em questão, a volição.
Existe um único estudo de inspiração neurobio- De acordo com Goldberg, Ullman e Malach
lógica sobre os custos decisionais agregados pelo [22], uma maneira de se compreender a volição é
hiato à recompensa, o qual foi realizado com ratos pela distinção entre processamentos ‘extrínsecos’,
[8] e concluiu que as redes neurais que implementam relacionados à biocomputação de dados ambien-
os custos determinados pelo esforço e os custos da tais, caracterizado por baixa implicação volitiva; e
expectativa de espera encontram-se dissociados no outro intrínseco, relacionado às intenções e gostos
cérebro de mamíferos. que emergem sem que algo no ambiente em que o
De acordo com os autores, o córtex orbitofrontal sujeito se encontra imerso em um dado momento
é a principal área envolvida no cálculo subjetivo dos tenha se alterado de maneira suficiente para que se
custos atrelados pelo hiato temporal e, portanto, na possa acusar uma demanda desta natureza e que
repressão de comportamentos impulsivos em sentido se caracteriza por ser altamente volitivo.
à satisfação imediata, em detrimento de ganhos mais O segundo tipo, intimamente relacionado com a
elevados ao longo do tempo. Este achado confirma a questão que colocamos, envolve o chamado default
premissa de que o córtex orbitofrontal serve à função mode cerebral, definido como as redes neurais mais
de codificar o valor afetivo de recompensas e, mais ativadas na vigília, quando não estamos engajados
especificamente, de derivar as biocomputações que em nenhuma atividade cognitiva específica (para
associam determinadas comidas a experiências uma introdução: Raichle et al. [23]) e implica de
hedonistas [20]. sobremaneira a ativação parietal inferior [22]. Neste
Forma-se assim parte do complexo sistema para sentido, uma possibilidade é que a existência de
a implementação das biocomputações envolvidas no custos envolvidos na subtração volitiva se caracterize
binômio acurácia/esforço em tomadas de decisão, por uma diminuição ativacional nesta e em outras
o qual certamente precisa incorporar muito mais áreas envolvidas com a volição intrínseca (para uma
componentes. visão abrangente: Karch et al. [24]), com um efeito
Uma ideia que ainda não foi explorada refere-se negativo sobre a expectativa de recompensas do
aos custos agregados à autonomia intencional do agente decisional, enquanto este define o quanto se
agente decisional, em oposição ao processamento dispõe a investir para a maximização dos resultados.
levado a cabo em situações onde há pouco espaço
para a volição. Conclusão
Em 2004, Walton, Devlin e Rushworth [21] de-
monstraram que a monitoração do comportamento Nesta revisão introduzimos um conceito facil-
decorrente de decisões ‘derradeiramente volitivas’ mente operacionável de tomadas de decisão e con-
exibe padrão ativacional inverso daquele apresentado sideramos criticamente a literatura mais pertinente
ao longo de decisões impostas ou sugeridas pelo acerca das bases cognitivas e neurobiológicas do
experimentador. Enquanto decisões derradeiramente cálculo de custos decisionais, com vias ao aprofun-
volitivas implicam aumento do sinal BOLD no córtex damento daquele e, mais amplamente, da neuro-
anterior cingulado e menor atividade orbitofrontal, biologia dos comportamentos complexos. Tal como
decisões seguintes a sugestões do experimentador argumentamos, trata-se de um campo a enfrentar
ativam o padrão inverso. Este dado não apenas desafios muito grandes, posto que os estudos devem
é interessante por si mesmo, como sugere que a dar conta simultaneamente de dificuldades técnicas
volição seja processada como custo, o que se de- e epistemológicas.
duz da afirmação de que o córtex orbitofrontal seja Duas vicissitudes de especial interesse que sa-
uma das áreas de processamento de informações lientamos são as de que os custos de uma decisão
hedonistas [20]. incluem o hiato temporal entre a decisão e a potencial
Porém, como então incorporar os custos inver- consequência da mesma (que para facilitar tratamos
sos, implicados na subtração do livre arbítrio, que como ‘recompensa’) e que a análise dos correlatos
se revela psicologicamente na perspectiva de pouca neurobiológicos destes custos deve considerar que
identificação com a escolha e, comportamentalmen- algumas dimensões podem se revelar associadas à
te, pela perda do tônus motivacional que é típico de diminuição da atividade cerebral, invertendo o para-
quem se sente conduzido? Mais uma vez, hipóteses digma ‘um custo/uma área ativada’.
112 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

Referências 14. Ghods-Sharifi S, Floresco SB. Differential effects on


effort discounting induced by inactivations of the
nucleus accumbens core or shell. Behav Neurosci
1. Dias AM. The foundations of neuroanthropology.
2010;124(2):179-91.
Front Evol Neurosci 2010;2(1):1-2.
15. McGuire JT, Botvinick MM. Prefrontal cortex, cognitive
2. Glimcher PW, Rustichini A. Neuroeconomics:
control, and the registration of decision costs. Proc
the consilience of brain and decision. Science
Natl Acad Sci U S A 2010;107(17):7922-6.
2004;306(5695):447-52.
16. Koechlin E, Ody C, Kouneiher F. The architecture
3. Simon HA. A behavioral model of rational choice. Q J
of cognitive control in the human prefrontal cortex.
Econ 1955;69(1):99-118.
Science 2003;302(5648):1181.
4. Simon HA. From substantive to procedural rationality.
17. MacDonald A, Cohen J, Stenger V, Carter C.
In: Hahn FH, Hollis M, eds. Philosophy and economic
Dissociating the role of the dorsolateral prefrontal
theory. Oxford: Oxford University Press; 1979. p.65-
and anterior cingulate cortex in cognitive control.
86.
Science 2000; 288(5472):1835.
5. Balleine BW. The neural basis of choice and decision
18. Ridderinkhof K, Ullsperger M, Crone E, Nieuwenhuis
making. J Neurosci 2007;27(31):8159-60.
S. The role of the medial frontal cortex in cognitive
6. Kahneman D, Tversky A. prospect theory: an
control. Science 2004;306(5695):443.
analysis of decision under risk. Econometrica
19. Smith BW, Mitchell DGV, Hardin MG, Jazbec S,
1979;47(2):263-91.
Fridberg D, Blair RJR et al. Neural substrates of
7. Tversky A, Kahneman D. Rational choice and the
reward magnitude, probability, and risk during a
framing of decisions. J Bus 1986;59(Supl 4):S251.
wheel of fortune decision-making task. Neuroimage
8. Rudebeck PH, Walton ME, Smyth AN, Bannerman DM,
2009;44(2):600-9.
Rushworth MFS. Separate neural pathways process
20. Kringelbach ML. The human orbitofrontal cortex:
different decision costs. [10.1038/nn1756]. Nat
linking reward to hedonic experience. Nat Rev
Neurosci 2006;9(9):1161-8.
Neurosci 2005;6(9):691-702.
9. Walton ME, Rudebeck PH, Bannerman DM, Rushworth
21. Walton ME, Devlin JT, Rushworth MF. (2004).
MF. Calculating the cost of acting in frontal cortex.
Interactions between decision making and
Ann N Y Acad Sci 2007;1104:340-56.
performance monitoring within prefrontal cortex. Nat
10. Payne J, Bettman J, Johnson E. The adaptive decision
Neurosci 2004: 7(11):1259-65.
maker. effort and accuracy. In: Insights in decision
22. Goldberg I, Ullman S, Malach R. Neuronal correlates of
making: a tribute to Hillel J Einhorn. Chicago:
“free will” are associated with regional specialization
University of Chicago Press; 1990.
in the human intrinsic/default network. Conscious
11. Payne JW, Bettman JR, Johnson EJ. The adaptive
Cogn 2008;17(3):587-601.
decision maker. Cambridge: Cambridge University
23. Raichle ME, MacLeod AM, Snyder AZ, Powers WJ,
Press; 1993.
Gusnard DA, Shulman GL. A default mode of brain
12. Floresco SB, Tse MT, Ghods-Sharifi S. Dopaminergic
function. Proc Natl Acad Sci U S A 2001;98(2):676-
and glutamatergic regulation of effort- and delay-
82.
based decision making. Neuropsychopharmacology
24. Karch S, Mulert C, Thalmeier T, Lutz J, Leicht G,
2008;33(8):1966-79.
Meindl T et al. The free choice whether or not to
13. Gan JO, Walton ME, Phillips PE. Dissociable cost and
respond after stimulus presentation. Hum Brain
benefit encoding of future rewards by mesolimbic
Mapp 2009;30(9):2971-85.
dopamine. Nat Neurosci 2010;13(1):25-7.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 113

Revisão

A terapia cognitivo-comportamental como


co-intervenção no tratamento do transtorno
da compulsão alimentar periódica na obesidade
Cognitive behavioral therapy in obesity
with binge eating disorder
Fernanda Felippelli Cecchini*, Edna Bertini**, Maria Benedicta Martins***,
Frederico Mazzoca Lopes Rodrigues****, Carlos Alberto Monson*****

*Aluna do Curso de Pós-graduação Resumo


Latu Sensu das Faculdades Oswaldo O Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica é frequentemente diagnosticado em
Cruz, **Coordenadora e Professora pacientes obesos. Apesar dos efeitos colaterais observados, o tratamento farmacológico
do Curso de Pós Graduação Latu com a sibutramina é o mais utilizado para auxiliar a perda de peso e redução do apetite.
Sensu em Neurociências Aplicadas Assim a adoção dos recursos da Terapia Cognitivo-Comportamental, em regime de co-
intervenção por abranger técnicas que permitem alteração comportamental frente à
à Saùde e à Educação e Neurociên-
compulsão e a regulação cognitiva das emoções pode aumentar a adesão dos pacientes
cias Aplicadas à Odontologia das às dietas restritivas, ao tratamento farmacológico e à prevenção do reganho de peso
Faculdades Oswaldo Cruz, ***Psi- após o término do tratamento o que se traduz em aumento de assertividade clínica e um
cóloga Especialista em Psicoterapia uso racional de medicamento.
Cognitivo-Comportamental e Medi-
cina Comportamental, Unidade de Palavras-chave: obesidade, transtornos alimentares, psicoterapias, terapia cognitivo-
Medicina Comportamental/UNIFESP, comportamental.

****Doutorando da Universidade
de São Paulo, Professor do Curso
Abstract
de Pós Graduação Latu Sensu em The Binge Eating Disorder is frequently observed in obese patients. The pharmacological
Neurociências Aplicadas à Saùde e treatment with sibutramine is the most commonly used to help weight loss and appetite
à Educação e Neurociências Aplica- reduction. The Cognitive-Behavioral Therapy (CBT), with its techniques for behavioral
das à Odontologia das Faculdades change against the compulsion and cognitive regulation of emotions, increases patient
adherence to restrictive diets, pharmacological treatment and prevention of weight regains
Oswaldo Cruz, *****Doutorando
after the end of the treatment.
do Centro Cochrane do Brasil /
UNIFESP, Coordenador e Professor
Key-words: obesity, eating disorders, psychotherapies, cognitive-behavioral therapy.
do Curso de Pós Graduação Latu
Sensu em Neurociências Aplicadas
à Saúde e à Educação e Neurociên-
cias Aplicadas à Odontologia das
Faculdades Oswaldo Cruz

Correspondência: Maria Benedicta


Martins, E-mail: mariabenedicta.
martins@gmail.com
114 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

Introdução com vistas a se conseguir uma ampla revisão da


literatura pesquisa.
Hoje a obesidade e suas complicações tornaram- Posteriormente esta estratégia de busca foi apli-
se um problema de saúde pública mundial. A cada cada em bases de dados eletrônicas da Biblioteca
dia cresce o número de pessoas com grandes acú- Virtual em Saúde (BVS) e suas sub-bases (LILACS,
mulos de gordura corporal, que resulta em elevada Pub Med / Medline, Cochrane Library, Scielo, IBECS)
prevalência de doenças metabólicas e as crônico- entre 2005 e 2009.
degenerativas como as desordens cardiovasculares Os descritores em saúde utilizados (DeCs/
e o diabete tipo 2. MeSh) foram “obesidade”, “transtornos alimenta-
Com o aumento da complexidade da vida mo- res”, “compulsão alimentar periódica”, “psicote-
derna a partir de uma série de fenômenos sociais rapias”, “psicofarmacologia”, “farmacoterapia” e
denominados genericamente de globalização, hou- “terapia cognitivo-comportamental”.
ve uma aceleração no consumo de carboidratos e Dentre os trabalhos encontrados, os que foram
lipídeos devido não apenas à facilidade e rapidez escolhidos enfocavam diversos tipos de pesquisas
de acessos a alimentos industrializados ricos em clínicas secundárias (revisões da literatura), uma
energia como a uma diminuição de disponibilidade de vez que esta modalidade de estudo tem capacidade
tempo das pessoas, o que compromete a qualidade de analisar pesquisas clínicas primárias de diversos
de vida como um todo. desenhos como os relatos de caso, séries de casos
Isto acaba por produzir nas sociedades em geral e ensaios clínicos controlados, cujos resultados do-
um grande número de indivíduos tanto com síndrome cumentados são obtidos diretamente de pacientes.
metabólica como com aumento de índice de massa O critério de avaliação da qualidade dos estudos
corporal, o que caracteriza em variados graus de recuperados foi de primeiro, a classificá-la segundo
obesidade. o tipo de revisão, em narrativa que são aquelas
Além disso, pesquisas clínicas apontam que indi- que apenas relatam os dados que encontram e
víduos obesos simultaneamente apresentam além do apresentam baixo grau de evidência, já as revisões
Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP), sistemáticas qualitativas são as que tem metodologia
elevada incidência de importantes alterações psico- para análise de dados padronizada e estabelecida
lógicas, como ansiedade, depressão e dificuldades pelo próprio pesquisador o que faz delas com valor
emocionais, e procuram nos alimentos o prazer da mais qualitativo da questão de pesquisa e com pouca
recompensa que normalmente falta no cotidiano de evidência de que seu conteúdo procedimental tenha
suas existências, o que retroativa o processo meta- ampla aplicabilidade, e as revisões sistemáticas
bólico gerador de doenças. quantitativas (Revisões Cochrane), que por possuir
Esta revisão de literatura pesquisou a associação metodologia padronizada e reprodutível desde a for-
da sibutramina com as terapias cognitivo-comporta- mulação da pergunta do estudo até a apresentação
mentais para o tratamento do TCAP, devido a estas dos resultados da análise de dados, possui grau 1-A
técnicas apresentarem possibilidade de auxiliar os de evidência de efetividade, eficiência e segurança
pacientes a alcançarem uma mudança comportamen- (o mais elevado possível), o que pode ajudar na
tal frente à compulsão e a regulação cognitiva das tomada de decisão clínica, aumentando a margem
emoções, o que acaba por produzir uma melhor ade- de assertividade das intervenções essas revisões
são dos mesmos às dietas restritivas, ao tratamento analisam, já que são elaboradas à partir de ensaios
farmacológico e a prevenção do reganho de peso após clínicos randomizados (ECR) de qualidade metodo-
o término do tratamento, uma vez que estas são metas lógica preliminarmente avaliada.
importantes a serem atingidas para que os mesmos
possam atingir desfechos clínicos satisfatórios. Resultados

Material e métodos Apesar do amplo levantamento bibliográfico exe-


cutado, não foi encontrado qualquer estudo capaz de
Com o objetivo de mapear o conhecimento de responder com especificidade a pergunta da presente
maneira a mais ampla possível, foi estabelecida uma revisão: É efetiva, eficiente e segura a adoção dos
pergunta PICD (problema, intervenção, controle, des- recursos das Terapias Cognitivo Comportamentais
fecho) claramente definida, sendo a seguir montada sob forma de co-intervenção à sibutramina para o
uma estratégia de busca abrangente, organizada tratamento do TCAP?
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 115

A estratégia de busca encontrou 31 artigos re- devem ser concentrados tanto na busca quanto na
ferentes à pesquisa clínica secundária, dispostos na identificação e controle do maior número possível de
lista das referências bibliográficas de acordo com os fatores intervenientes nesses fenômenos.
respectivos números abaixo e também classificados Assim o ambiente se revela como um dos fatores
segundo o tipo revisão em: de maior importância, principalmente devido a uma
oferta ilimitada de alimentos baratos, palatáveis,
• Revisões narrativas: [1,3,4,6,7,9,11,12,14,15, práticos, de alta concentração energética, e de
24,25,32,34,35,36,37] qualidade nutricional questionável. Alia-se a isso um
• Revisões sistemáticas qualitativas: sedentarismo crescente, com a prática de atividades
[16,17,18,19,20,27,28,31] físicas cada vez mais dificultadas [4].
• Revisões sistemáticas quantitativas Cochrane: Em 2001, a psiquiatra Nora Volkow [5] observou,
[21, 22, 23, 29,30] por meio de tomografia de emissão de pósitrons,
uma correlação negativa entre IMC e concentração
Objetivo de receptores de dopamina no núcleo accumbens.
Em outras palavras, quanto mais gordo o indivíduo,
Evidências clínicas embasadas por importantes menos a disponibilidade dos receptores dopami-
estudos apontam a que hoje no mundo todo, em nérgicos. Os resultados sugerem que a compulsão
função da gravidade do problema da obesidade, alimentar seria uma forma de compensar a ausência
existe na verdade um abuso na aplicação de medica- de efeito do neurotransmissor.
mentos que anorexígenos, que muitas vezes podem Embora a obesidade não seja um critério diag-
produzem aumento de morbidade e mortalidade, o nóstico para Transtorno da Compulsão Alimentar
que torna extremamente necessário a adoção de Periódica, é uma condição clínica que quase sempre
posição a favor do uso racional de medicamentos. acompanha o quadro. Estudos epidemiológicos su-
O escopo do presente trabalho foi o de elaborar um gerem que, na população, cerca de 3% das pessoas
mapeamento do conhecimento, e logo foi observou-se apresentam Transtorno da Compulsão Alimentar
alta ocorrência de viéses metodológicos importantes Periódica, elevando-se para índices de 7,5% a 46%
na maioria dos estudos recuperados. em amostras clínicas de obesos [1,2].

Obesidade Fatores de regulação alimentar

A obesidade é, basicamente, um transtorno do Vários fatores atuam e interagem na regula-


comportamento que reflete um excesso de consumo ção de alimentos e de armazenamento de energia,
de comida comparado com o dispêndio de energia. É contribuindo para o surgimento e a manutenção da
considerado um distúrbio de múltiplas causas onde obesidade. Entre eles, fatores neuronais, endócrinos,
fatores orgânicos, genéticos, culturais, alimentares, adipocitários e fatores intestinais [6].
o sedentarismo e os fatores emocionais contribuem A ingestão alimentar e o gasto energético são
para o seu desenvolvimento. regulados pela região hipotalâmica. O hipocampo,
O Índice de Massa Corporal (IMC) é até o presen- além de exercer funções essenciais nos processos de
te momento o padrão ouro para o critério para o esta- aprendizagem e memória, e pesquisadores enfatizam
belecimento de diagnóstico diferencial de obesidade o papel destes mecanismos no controle do compor-
adotado pela Organização Mundial da Saúde (OMS/ tamento alimentar. Estudos farmacológicos de fun-
WHO) sendo definido como o peso em quilogramas ções serotoninérgicas e colinérgicas no hipocampo
dividido pela altura ao quadrado, é o indicador mais demonstram existir uma forte evidência de que o
utilizado para a avaliação da obesidade em adultos, aumento da atividade pós-sináptica dos receptores
adolescentes e crianças. serotoninérgicos provoca posteriormente uma redu-
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS/ ção na quantidade de alimento ingerido durante uma
WHO) só na Europa morrem todos os anos cerca de refeição e modifica o padrão de alimentação [6,7].
250 mil pessoas em decorrência dos maus hábitos Os efeitos dos precursores alimentares podem
alimentares. No Brasil, 27 milhões de pessoas está ser suficientes para influenciar o humor e o comporta-
acima do peso e quase 7 milhões são obesos [1-4]. mento em algumas circunstâncias. Os principais neu-
Quando se busca a explicação para tão elevada rotransmissores envolvidos são as aminas terciárias,
incidência global de obesidade, certamente esforços tais como a serotonina, dopamina e noradrenalina.
116 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

O sistema dopaminérgico influencia nos meca- Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica


nismos de eventos prazerosos, o sistema noradrenér- (TCAP)
gico bloqueia a condutância do potássio, diminuindo
a descarga neuronal, processos comportamentais Os transtornos alimentares têm uma etiologia
de atenção e reatividade. É uma das monoaminas multifatorial, ou seja, são determinados por uma di-
que mais influenciam o humor, ansiedade, sono e versidade de fatores que interagem entre si de modo
alimentação junto com a serotonina, dopamina e complexo, para produzir e, muitas vezes, perpetuar
adrenalina. a doença. Os fatores predisponentes são categori-
O sistema serotoninérgico, no Sistema Nervoso zados em três grupos: individual (baixa auto-estima,
Central, exerce forte ação inibitória, e está associada depressão, ansiedade), familiar/hereditário (rigidez,
à hiperpolarização da membrana, causada por um desorganização, faltas de cuidados) e sócio-cultural
aumento na condutância do potássio [7-9]. relacionado com o ideal cultural de magreza [11].
A grelina é secretada por células A/X da mucosa Até o presente momento, o diagnóstico mais
gástrica e é um dos mais importantes sinalizadores pesquisado entre os Transtornos Alimentares Sem
para o início da ingestão alimentar. Além de aumentar Outra Especificação (TASOE) é o Transtorno de Com-
o apetite, também estimula as secreções digestivas pulsão Alimentar Periódica, com critérios já sugeri-
e a motilidade gástrica. O aumento da concentração dos no apêndice B do DSM-IV-TR para investigação
de grelina diminui a ação da leptina, e vice-versa. e possível inclusão entre as categorias principais.
A leptina é um peptídeo secretado pelas células O Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica
adiposas e que desempenham um papel chave na acha-se descrito nos TASOE como “episódios recor-
regulação do apetite e do metabolismo energético. rentes de compulsão alimentar na ausência de uso
Interage com receptores situados na região do de comportamentos compensatórios inadequados
hipotálamo conhecida como centro da saciedade, característicos da Bulimia Nervosa” [12,13]. O TCAP
sinalizando quando já se comeu o suficiente. Em associa-se com frequência a quadros de sintomatolo-
condições normais, o aumento dos depósitos de gia depressiva e ansiosa. Estão presentes na litera-
gordura produz sinais que inibem a ingestão de tura outras características comuns a pacientes com
alimentos, já nos obesos há uma disfunção nessa TCAP, como: ganhar peso rapidamente, fazer dietas
retroação mediada pela leptina [2,6]. constantes sem sucesso, comer mesmo quando não
está com fome, ter sentimento de culpa e vergonha,
Neurobiologia nas emoções etc. O sintoma pode desempenhar diversas funções
na vida do paciente, sendo, muitas vezes, utilizado
Diversos estudos apontam, mesmo com base como forma de defendê-lo de suas dificuldades emo-
em diferentes resultados, que existe uma profunda cionais, podendo agir como calmante ou como meio
integração entre os processos emocionais, cognitivos de satisfação de outras necessidades. Vale ressaltar
e os de manutenção da homeostasia, de modo que sua que os estados emocionais positivos também são
identificação tem grande valia para uma melhor com- gatilhos para compulsão alimentar.
preensão das respostas fisiológicas do organismo ante A associação entre esse transtorno alimentar
as mais variadas situações enfrentadas pelo indivíduo. e a co-morbidade psiquiátrica em obesos tem sido
As emoções mais “primitivas” são hoje muito verificada, encontrando-se uma correlação de riscos
bem estudadas pelas neurociências, e fenômenos altamente significativos entre a presença de com-
como a sensação de recompensa (prazer, satisfa- pulsão alimentar, e outros transtornos psiquiátricos
ção) e de punição (desgosto, aversão), e outras, já como depressão maior, transtornos do pânico e
foi demonstrado que são processados em circuitos outros transtornos de personalidade, indicando que,
encefálicos específicos. quanto maior a compulsão alimentar, maior o com-
Assim o “centro de recompensa” está relaciona- prometimento psíquico. Outras pesquisas salientam
do principalmente com o hipotálamo, já o “centro de ainda a necessidade compulsiva de comer aliada a
punição” é descrito com localização na área cinzenta distúrbios psíquicos, como ansiedade, depressão,
central e estão relacionados com a dopamina que estresse, uma vez que o comer, para muitos obesos,
parece ser fundamental na mediação dos efeitos de parece estar ligado a fatores emocionais que o deter-
recompensa. A tristeza, considerada fisiológica, e a minam e que vão muito além da simples necessidade
depressão, patológica, associam-se à áreas estra- fisiológica de desfazer a fome [14].
tégicas do cérebro, incluindo regiões límbicas [10].
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 117

Tratamento psiquiátrico e farmacológico iônicos, estimulando a bomba de sódio-potássio


de obesos com Transtorno da Compulsão ATPase [17].
Alimentar Periódica A sibutramina diminui a ingestão de carboidratos
e leva também à redução na ingestão de proteínas e
Os pacientes com TCAP são grupos de risco gordura pela inibição da recaptação de serotonina.
para ganho de peso e, à medida que o quadro evolui, Apresenta efeitos cardiovasculares, havendo um
atingem patamares de sobrepeso ou de obesidade. pequeno efeito estimulatório sobre a frequência
Os objetivos do tratamento do TCAP devem incluir a cardíaca e a pressão arterial, devido à inibição da
redução dos episódios, diminuição do peso corporal recaptação da noradrenalina.[20] Embora seja um
para pacientes obesos e melhora da psicopatologia derivado fenetilamínico, apresenta um perfil bastante
associada (sintomas depressivos, ansiosos, altera- diferente e uma tolerabilidade muito maior aos efei-
ções emocionais) preferencialmente com associação tos adversos, sendo os mais comuns: cefaléia, boca
de psicofármacos (antidepressivos e inibidores de seca, constipação, insônia, rinite e faringite [24,25].
apetite) e de psicoterapias, tais como Terapia Cog-
nitivo-Comportamental. Em razão da associação do Problemas da sibutramina
TCAP com obesidade, o uso de um inibidor de apetite
com ação no SNC, como a sibutramina, em regiões Como todo e qualquer medicamento a sibutrami-
que regulam saciedade e o apetite, pode promover na tem reações adversas que geralmente bem tolera-
melhora no quadro clínico relacionado [15]. das, como dor de cabeça, insônia, delírio, parestesia,
Interações positivas da associação: as medi- náuseas, taquicardia, hipertensão, palpitações,
cações aumentam a concentração mental e assim vasodilatação, constipação, sede e secura da boca.
facilitam a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), De acordo com um estudo realizado em pessoas
a TCC aumenta aderência à medicação, ajuda os normotensas com doses acima de 30 mg, foi verifi-
pacientes a melhor compreender e lidar com a do- cado aumento na pressão sistólica de diastólica em
ença, pode facilitar a retirada da medicação quando repouso de 2-3 mmHg e um aumento de 3-7 bpm. nos
desejado e tem efeitos biológicos e pode funcionar batimentos cardíacos. A sibutramina não é contrain-
de comum acordo com a medicação para influenciar dicada para pacientes com hipertensão controlada
anormalidades bioquímicas [13]. e vários estudos mostram que o tratamento num
Revisões realizadas em estudos sobre o trata- período de 12 meses é seguro e eficiente nesses
mento com a sibutramina, evidenciam que o trata- pacientes [18,19].
mento é eficaz em promover a perda de peso em adul- Recentemente o FDA recomendou a suspensão
tos obesos, sendo a mais utilizada em curto prazo, da venda de sibutramina baseando-se em dados do
havendo evidências insuficientes para determinar o estudo SCOUT, que avaliou 10 mil pacientes durante
risco em longo prazo, além disso, a descontinuação 6 anos e apontou riscos de evento cardiovascular
da sibutramina após a perda de peso inicial leva a maior entre os que usavam o remédio [26].
recuperar o peso [16-23].
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)
Sibutramina (5-HT)
Há um pequeno corpo de evidências para efi-
A sibutramina é uma amina terciária que age cácia da Terapia Cognitivo-Comportamental, sendo
inibindo a recaptação de serotonina e noradrenalina necessários mais ensaios para o Transtorno da
central mediada pelos receptores 5-HT 2A/2C e 1, Compulsão Alimentar Periódica. Essa co-intervenção
respectivamente, e aumenta a taxa metabólica pelo é útil quando combinada com outras estratégias,
aumento da função da noradrenalina periférica, para aumentar perda de peso, e reduzir o risco da
mediada pelos receptores 3 e, em menor grau, recuperação do peso após o término do tratamento
de dopamina. Atua inibindo a ingestão alimentar e [21,23,27,31].
eleva a termogênese em alguns indivíduos. Estudos De acordo com Shaw [30] foi nesta época que
de ligação demonstraram a presença de sítios de Lang, Rachman e outros desenvolveram a idéia
ligação de afinidade variável no hipotálamo e em de que um problema psicológico poderia ser com-
outras regiões cerebrais. Os sítios de regulação preendido sob três enfoques diferentes (ou “três
dessas substâncias no hipotálamo é regulado sistemas”) ligados entre si tais como os sistemas
pelo nível de glicose, através de ação nos canais comportamentais, cognitivo/efetivo e fisiológico.
118 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

Posteriormente foram desenvolvidos estudos com para controle de episódios de compulsão alimentar,
pacientes depressivos e evidenciou-se que apesar a modificação de hábitos alimentares, o desenvolvi-
destes realizarem com maior frequência atividades mento de estratégias para adesão ao exercício físico
agradáveis, era comum que avaliassem negativa- e à redução gradual do peso, quando há obesidade
mente tais atividades e o seu desempenho em associada. A TCC sugere, também para estes casos,
realizá-las. Estes fatos chamaram a atenção para a abordagem da auto-estima, a redução da ansiedade
influência dos fatores cognitivos na forma como um associada à aparência e a modificação do sistema
indivíduo reage aos fatores do meio e na constituição de crenças disfuncionais [28].
das psicopatologias, contribuindo assim para que Um dos objetivos do uso das técnicas compor-
muitos terapeutas comportamentais passassem a tamentais é que o paciente possa identificar os estí-
utilizar também conceitos e técnicas cognitivos na mulos que antecedem o comportamento compulsivo,
prática clínica [34]. bem como situações que facilitam a não aderência
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) foi ao tratamento e, consequentemente, seu insucesso
considerada a forma de intervenção psicoterápica [29]. As estratégias cognitivo-comportamentais são
mais investigada no TCAP através de ensaios clí- utilizadas visando a modificação de hábitos prejudi-
nicos randomizados e tem sido crescentemente ciais ao paciente, como: auto monitoramento reali-
utilizada em diversos centros especializados no zado pelo próprio paciente, controle de estímulos,
tratamento dos transtornos alimentares. Ela baseia- resolução de problemas identificando problemas
se no pressuposto de que um sistema disfuncional relacionados ao excesso de peso, auxiliando o pa-
de crenças está associado ao desenvolvimento ciente na perda e manutenção de peso, reestrutu-
e manutenção do TCAP. Consequentemente, a ração cognitiva modificando o sistema de crenças,
modificação de padrões distorcidos de raciocino identificando e corrigindo crenças e pensamentos
e a reestruturação de crenças supervalorizadas disfuncionais com relação ao peso e à alimentação
associadas ao peso e à imagem corporal são focos [36,37].
primários do tratamento, sendo utilizadas várias
técnicas cognitivas com essa finalidade e técnicas Terapia cognitiva
comportamentais para ajudar na modificação dos
hábitos alimentares. A Terapia Cognitiva utiliza o conceito da estru-
Em geral, a TCC também focaliza estratégias tura “biopsicossocial” na determinação e compreen-
para prevenção de recaídas. Em pacientes obesos são dos fenômenos relativos à psicologia humana,
com TCAP, estudos abertos sugerem que a TCC no no entanto constitui-se como uma abordagem que
formato de grupo favorece uma redução da frequência focaliza o trabalho sobre os fatores cognitivos da
da compulsão alimentar, variando entre 80 a 91%. Al- psicopatologia. A teoria cognitiva tem como objeti-
guns estudos controlados randomizados compararam vo de estudo principal a natureza e a função dos
a eficácia da TCC isoladamente com a TCC associada aspectos cognitivos, ou seja, o processamento de
a fármacos. Esses estudos demonstraram reduções informação que é o alto de atribuir significado a algo.
significativas da compulsão alimentar após a Terapia É descrever a natureza de conceitos (resultados de
Cognitivo-Comportamental, sem benefício adicional processos cognitivos) envolvidos em determinada
com o uso de desipramina, fluoxetina ou fluvoxami- psicopatologia de maneira que quando ativados den-
na. Ensaios clínicos descritos sugerem que a TCC tro de contextos específicos podem caracterizar-se
resulta em redução significativa na frequência e da como mal adaptados ou disfuncionais. O objetivo
gravidade da compulsão alimentar. Resulta em uma da Terapia cognitiva seria, ainda, o de fornecer
diminuição significativa da preocupação disfuncional estratégias capazes de corrigir estes conceitos
com a alimentação, peso e forma corporal, além de idiossincrásicos [34].
favorecer uma melhora das atitudes associadas à
alimentação [35]. Terapia comportamental
O programa de TCC para o Transtorno de Compul-
são Alimentar Periódica foi desenvolvido a partir do O desenvolvimento da teoria comportamental
modelo utilizado para a Bulimia Nervosa, tendo sito permitiu o conhecimento a respeito das leis gerais
necessárias algumas adaptações às diferenças entre do comportamento tornando-o mais previsível. Tal
estas duas síndromes. Os objetivos terapêuticos conhecimento é o ponto no qual a terapia compor-
no TCAP incluem o desenvolvimento de estratégias tamental se apóia para o desenvolvimento de sua
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 119

prática clínica. Existem dois tipos de comportamento: Evidências científicas das neurociências para a
o conhecido como “comportamento respondente” Terapia Cognitivo-Comportamental
que tem caráter involuntário e o “comportamento ope-
rante” que tem caráter voluntário. O comportamento Os estudos mostram que a Terapia Cognitivo-
operante é aquele que modifica o ambiente, estando Comportamental tem modelos de tratamento em
sujeito a alterações a partir das conseqüências de vários transtornos mentais com índices elevados de
sua atuação sobre o ambiente. Ou seja, as probabi- eficácia [27]. Esta terapia oferece uma perspectiva
lidades futuras de um operante ocorrer novamente interessante para a integração com o campo da
está na dependência das conseqüências que foram neurociência, uma vez que qualquer intervenção está
geradas por ele. vinculada a um suporte de pesquisa experimental e
A utilização do reforço positivo é mais adequada empírico [28]. O intercâmbio da TCC com a neuroci-
quando se quer promover uma mudança prolongada ência é o diálogo entre mente e cérebro. Podemos
e eficaz do repertório comportamental do indivíduo. considerar que mente e cérebro são integrados e
Frente a um estímulo aversivo, o indivíduo pode emitir interdependentes. Os processos mentais exercem
comportamentos de fuga (evitação do estimulo na influência na plasticidade cerebral em vários níveis
presença deste) ou de esquiva (evitação quando o como celular, molecular e em circuitos neurais [32].
estímulo aversivo ainda não está)[34]. Os processos neurais estão envolvidos com
outros processos fisiológicos como o imune e o
Neurobiologia da regulação emocional: endócrino que por sua vez estão associados à co-
implicação para a terapia cognitivo- municação entre os processos mentais e cerebrais.
comportamental De fato, “mudando sua mente você pode modificar
seu cérebro” [33].
As estratégias de regulação que têm início em Podemos integrar as pesquisas em neurociên-
fases mais precoces do processo de geração da cias às psicoterapias [36]. A pesquisa sobre os circui-
emoção produzem resultados diferentes das que tos neurais dos transtornos mentais tem importante
têm uma atuação mais tardia. Assim, os mecanis- implicação clínica, pois amplia nosso conhecimento
mos comportamentais (suprimir a expressão de um dos mecanismos neurobiológicos subjacentes às
comportamento) e cognitivos (interpretar situações patologias, assim como podem revelar os circuitos
emocionais de forma limitar a resposta emocional neurais associados à melhora dos sintomas em
subseqüente) de regulação da emoção apresentam decorrência do tratamento bem sucedido com TCC.
repercussões diferentes. Consequentemente, estes estudos podem contribuir
A regulação cognitiva da emoção é muito usada para o aumento da eficácia da terapia quer através
na TCC, que pressupõe uma relação entre pensamen- do aperfeiçoamento de novas técnicas quer através
to, emoção e comportamento. De acordo com essa de potencialização com fármacos. Em síntese, a
abordagem terapêutica, as nossas emoções são, compreensão das bases neurobiológicas relaciona-
em grande parte, determinadas pela forma como das ao processo emocional é de grande importância
interpretamos as situações por nós vivenciadas, e para Psicologia [37].
as interpretações dos fatos e situações estão dire-
tamente relacionados às crenças do individuo acerca Conclusão
de si mesmo, do mundo e do futuro. Uma das estra-
tégias comumente empregadas é a da reestruturação Pelo grau de evidência apurado nos resultados
cognitiva, que visa ajudar o paciente a interpretar as obtidos, podemos considerar uma tendência favorá-
situações de modo mais adaptativo, tratando-se de vel a adoção dos recursos da Terapia Cognitivo-Com-
uma técnica cognitiva de regulação da emoção. portamental como co-intervenção no Transtorno da
A regulação emocional focalizada na resposta Compulsão Alimentar Periódica em Obesos tratados
comportamental ou supressão emocional considera com sibutramina por ter sido considerada um recurso
que, após a emoção já ter sido instalada, podemos efetivo, eficiente e seguro.
inibir as respostas emocionais de maneira que as ou- Implicações para a prática: A adoção dos re-
tras pessoas não percebam o que estamos sentindo. cursos da Terapia Cognitivo-Comportamental como
Tal inibição aconteceria sobre os sinais de saída das co-intervenção ao ser recomendada no tratamento
emoções, de modo que o indivíduo não expressasse do Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica em
o que está sentindo [33]. Obesos pode contribuir para o uso racional da sibu-
120 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

tramina reduzindo à exposição da droga, seja pela 6. Halpern ZSC, Rodrigues MDB, Costa RF.
redução do tempo de utilização, seja pela redução Determinantes fisiológicos do controle do peso e
apetite. Rev Bras Psiquiatr 2004;31(4).
da concentração administrada o que pode contribuir 7. Cambraia RPB. Aspectos psicobiológicos do
de maneira importante na minimização da ocorrência comportamento alimentar. Rev Nutr 2004;17(2).
de efeitos colaterais. 8. Katzung BG. Farmacologia básica & clínica. Trad.
Implicações para pesquisa: Evidências obtidas Patrícia Lydie Voeux. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan; 2005. p. 283-93.
em diversos ensaios clínicos randomizados sobre a
9. Williams WA, Potenza MN. Neurobiologia dos
aplicabilidade de diversas modalidades terapêuticas transtornos do controle dos impulsos. Rev Bras
do campo de conhecimento da Medicina Mente-Corpo Psiquiatr 2008;30(Suppl1).
e que foram estudados em vários centros de atenção 10. Antonio VE, Colombo MM, Monteverde DT,
Martins GM, Fernandes JJ, Assis MB, Batista RS.
à saúde visando contribuir para uma Farmacologia
Neurobiologia das emoções. Rev Psiquiatr Clín
Clínica cada vez mais isenta de efeitos colaterais 2008;35(2).
danosos apontam que a Terapia Cognitivo Compor- 11. Morgan CM, Vecchiatti IR, Negrão AV. Etiologia
tamental têm mostrado capacidade de preencher os dos transtornos alimentares: aspectos biológicos,
requisitos, efetividade, eficiência e segurança para psicológicos e sócio-culturais. Rev Bras Psiquiatr
2002;24(Suppl3).
serem utilizados em regime de co-intervenção no 12. Espíndola CB, Blay SL. Bulimia e transtorno da
tratamento de diversas entidades mórbidas. Porém é compulsão alimentar periódica: revisão sistemática e
sabido que estas técnicas também podem apresentar metassíntese. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul 2006;28(3).
riscos de viéses de subjetividade importantes por 13. Nunes MA, Appolinario JC, Galvão AL, Coutinho W.
Transtornos alimentares e obesidade. 2ª ed.Artmed;
parte dos profissionais que as aplicam, o que pode Porto Alegre,31-50. 2006.
interferir no potencial de rendimento das mesmas, 14. Coletty IMS, Junior FBA. Transtorno de compulsão
e consequentemente na modificação de desfechos alimentar periódica e ansiedade em adolescentes
esperados. obesos. Arq Brás Psiquiatr Neurol Med Legal
2005;99(3).
Assim, recomenda-se que estudos sejam imple- 15. Salzano FT, Cordás TA. Tratamento farmacológico
mentados, com o objetivo de contribuir para o uso de transtornos alimentares. Rev Psiquiatr Clín
racional de fármacos, não apenas da sibutramina, 2004;31(4).
como também de outros medicamentos. 16. Arterburn DE, Crane PK, Veenstra DL. The efficacy and
safety of sibutramine for weight loss: a systematic
Também se recomenda que futuros ensaios
review. Arch Intern Med 2004;164(9):994-1003.
clínicos randomizados que pretendam estudar estes 17. Avenell A, Broom J, Brown TJ, Poobalan A, Aucott L,
recursos obedeçam às deliberações conceituais do Stearns SC, Smith WC, Jung RT, Campbell MK, Grant
National Center for Complementary and Alternative AM. Systematic review of the long-term effects and
economic consequences of treatments for obesity
Medicine do National Institute of Health of United
and implications for health improvement. Health
States of America. Technol Assess 2004;8(21):1-194.
18. Haddock CK, Poston WS, Dill PL, Foreyt JP, Ericsson
Referências M. Pharmacotherapy for obesity: a quantitative
analysis of four decades of published randomized
1. Dobrow IJ, Kamenetz C, Devlin MJ. Aspectos clinical trials. Int J Obes 2002;26(2):262-73.
psiquiátricos da obesidade. Rev Bras Psiquiatr 19. Mannucci E, Dicembrini I, Rotella F, Rotella CM.
2002;24(Suppl3). Orlistat and sibutramine beyond weight loss. Nutr
2. Nunes MA, Appolinario JC, Galvão AL, Coutinho W. Metab Cardiovasc Dis 2008;18(5):342-8.
Transtornos alimentares e obesidade. 2ª ed..Artmed; 20. McNeely W, Goa KL. Sibutramine: a review of its
Porto Alegre 251-70, 2006. contribution to the management of obesity. Drugs
3. Grimm O. Armadilhas da obesidade: Mecanismos 1998;56(6):1093-124.
cerebrais que regulam o prazer da alimentação, 21. Oude LH, Baur L, Jansen H, Shrewsbury VA, O’malley
a fome e a sensação da saciedade são muitos C, Stolk RP, Summerbell CD. Interventions for
semelhantes aos que influem na dependência de treating obesity in children. Cochrane Database of
drogas como álcool e cocaína. Mente & Cérebro Systematic Reviews. In: The Cochrane Library, Issue
2007;(169). 3, Art. No. CD001872. DOI: 10.1002/14651858.
4. Matos MIR, Aranha LS, Faria NA, Ferreira SRG, CD001872.pub3.(2005)
Bacaltchuck J, Zanella MT. Binge eating disorder, 22. Padwal RS, Rucker D, Li SK, Curioni C, Lau DCW. Long-
anxiety, depression and body image in grade III term pharmacotherapy for obesity and overweight.
obesity patients. Rev Bras Psiquiatr 2002;24(4). Cochrane Database of Systematic Reviews. In: The
5. Wang GJ, Volkow ND, Logan J, Pappas NR, Wong Cochrane Library, Issue 3, Art. No. CD004094. DOI:
CT, Zhu W et al. Brain dopamine and obesity. Lancet 10.1002/14651858.CD004094.pub4.(2004)
2001;357(9253):354-7. 23. Perkins SSJ, Murphy RRM, Schmidt UUS, Williams C.
Self-help and guided self-help for eating disorders.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 121

Cochrane Database of Systematic Reviews. In: The 30. Shaw KA, O’Rourke P, Del Mar C, Kenardy J.
Cochrane Library, Issue 3, Art. No. CD004191. DOI: Psychological interventions for overweight or obesity.
10.1002/14651858.CD004191.pub3.(2006) Cochrane Database of Systematic Reviews. In: The
24. Halpern A, Monegaglia AP, Oliva ABG, Beyrut M, Cochrane Library, Issue 3, Art. No. CD003818. DOI:
Halpern ZSC, Mancini MC. Experiência clínica com o 10.1002/14651858.CD003818.pub2.
uso conjunto de sibutramina e orlistat em pacientes 31. Tatrow K, Montgomery GH. Cognitive behavioral
obesos. Arq Bras Endocrinol Metab 2000;44(1). therapy techniques for distress and pain in breast
25. Vasques F, Martins FC, Azevedo AP. Aspectos cancer patients: a meta-analysis. J Behav Med
psiquiátricos do tratamento da obesidade. Rev 2006;29(1):17-27.
Psiquiatr Clín 2004;31(4). 32. Bahls SC, Navolar ABB. Terapia Cognitivo-
26. James WPT. The SCOUT study: risk-benefit profile Comportamentais: conceitos e pressupostos
of sibutramine in overweight high-risk cardiovarcular teóricos. Revista Eletrônica de Psicologia 2004;(4).
patients. Eur Heart J Suppl 2005. 33. Knapp P et al. Terapia cognitivo-comportamental na
27. Compton SN, March JS, Brent D, Albano AM, Weersing prática psiquiátrica. Porto Alegre: Artmed; 2004. p.
VR, Curry J. Cognitive-behavioral psychotherapy for 421-9.
anxiety and depressive disorders in children and 34. Brito CLS, Bystronski DP, Mombach KD, Stenzel
adolescents: an evidence-based medicine review. J LM, Repetto G. Obesidade: terapia cognitivo-
Am Acad Child Adolesc Psychiatry 2004; 43(8):930- comportamental. Sociedade Brasileira de
59. Endocrinologia e Metabologia; 2005.
28. Dunn C, Deroo L, Rivara FP. The use of brief 35. Duchesne M, Almeida PEM. Terapia cognitivo-
interventions adapted from motivational interviewing comportamental dos transtornos alimentares. Rev
across behavioral domains: a systematic review. Bras Psiquiatr 2002;24(Suppl3).
Addiction 2001;96(12):1725-42. 36. Mocaiber I, Oliveira L, Pereira MG, Pinheiro WM,
29. Hay PPJ, Bacaltchuk J, Stefano S. Psychotherapy for Ventura PR, Figueira IV, Volchan E. Neurobiologia
bulimia nervosa and binging. Cochrane Database of da regulação emocional: implicações para a terapia
Systematic Reviews. In: The Cochrane Library, Issue cognitivo-comportamental. Psicol Estud 2008;13(3).
3, Art. No. CD000562. DOI: 10.1002/14651858. 37. Porto P, Oliveira L, Volchan E, Mari J, Figueira I,
CD000562.pub4. Ventura P. Evidências científicas das neurociências
para a terapia cognitivo-comportamental. Paidéia
(Ribeirão Preto) 2008;18(41).
122 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

Revisão

Dislexia e hipótese magnocelular


Dyslexia and magnocellular hypothesis
Raquel Tonioli Arantes do Nascimento*, Anna Carolina Cassiano Barbosa, M.Sc.**,
Marcelo Fernandes da Costa, D.Sc.***

Resumo
O presente trabalho é uma atualização teórica sobre Dislexia, abordando seu conceito
e alterações neurobiológicas, trazendo sua classificação dentro do DSM-IV (Diagnostic
and Statistical Manual of Mental Disorders). Traz também uma abordagem na questão
sensorial, no que diz respeito a movimentação ocular, hipótese magnocelular e suas
influências no processo de leitura e escrita.

Palavras-chave: dislexia, transtorno de aprendizagem, movimentação ocular.

*Pedagoga e psicopedagoga pela


Universidade Presbiteriana Macken- Abstract
zie, **Psicóloga pela Universidade This paper is a theoretical actualization about Dyslexia, addressing its concept and neuro-
Católica de Pernambuco, Mestre biological changes, bringing its classification in DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual
e doutoranda em Distúrbios de of Mental Disorders). It also approaches the sensory questions, with respect to eye move-
ment, magnocellular hypothesis and its influence in the process of reading and writing.
Desenvolvimento pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie, ***Depto
Key-words: dyslexia, learning disabilities, eye movement.
Psicologia Experimental, Instituto
de Psicologia, Universidade de São
Paulo e Núcleo de Neurociências
e Comportamento, Universidade
de São Paulo/SP, Conselheiro da
Sociedade Brasileira de Pesquisa
em Visão e Oftalmologia

Correspondência: Raquel Tonioli


Arantes do Nascimento, Rua Barba-
ra Heliodora, 321/14 Vila Romana
05044-040 São Paulo SP, Tel: (11)
3805-2156, E-mail: rtonioli@gmail.
com
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 123

Introdução inicial ou a extensão da palavra, cometendo muitos


erros de substituição semântica; possuem dificulda-
Este artigo procura, através de cada assunto dis- des na armazenagem, recuperação e produção de
cutido, apresentar os conceitos sobre Dislexia, apon- formas faladas – decodificação fônica. Os disléxicos
tando as possíveis causas, bem como os caminhos diseidéticos caracterizam-se por apresentarem uma
a serem desenvolvidos para um acompanhamento leitura lenta, trabalhosa, mas correta, baseada na
psicopedagógico eficiente. decodificação fonética; lêem tanto palavras familiares
Inicialmente, conceituar-se-á este tipo de quanto não familiares, mas apresentam dificuldades
transtornos de aprendizagem, apontando as causas em palavras irregulares. Os disléxicos mistos reúnem
e o contexto na qual está inserido. Em seguida, as dificuldades destes dois tipos e frequentemente
aprofunda-se na conceituação de Dislexia, trazendo, apresentam confusões espaciais [7].
especificamente, a hipótese magnocelular e a movi- Pesquisas atuais mostram que a dislexia está
mentação ocular. caracterizada como um transtorno de manifestações
Dislexia: conceito e alterações neurobiológicas heterogêneas de origem genética e neurológica. No
O termo ‘dislexia’ foi usado pela primeira vez aspecto genético Selikowitz [8] indica que filhos de
em 1887 pelo neurologista alemão R. Berlin em seu pais com problemas de leitura estão significativa-
artigo “Eine Besondere Art von Wortblindheit (Dysle- mente mais propensos a ter eles próprios problemas
xia)”, cuja tradução livre é “Uma forma diferente de de leitura do que filhos de pais sem problemas de
cegueira para palavra (Dislexia)” [1]. No entanto, o leitura; em outro estudo conduzido por La Buda e
termo ‘cegueira para palavra’ foi usado originalmente DeFries [9] foram avaliados 1044 sujeitos de 125
em 1878 para descrever a condição de pacientes famílias com crianças com distúrbios no aprendizado
com lesão cerebral que perderam as habilidades de da leitura e escrita, sendo comparado a um grupo
leitura. Em 1896, o médico inglês Pringle Morgan controle composto por 125 famílias com boas habi-
descreveu uma criança com dificuldade de leitura, lidades de leitura e escrita, confirmando o conceito
nomeando esta dificuldade como ‘cegueira congêni- descrito acima em que o grupo de pais de crianças
ta’, pela qual o déficit encontrava-se na via visual e, com dislexia mostrou desempenho significativamente
portanto, durante algum tempo, a dislexia foi objeto menor que os pais de crianças do grupo controle.
de estudo da oftalmologia [2]. Na América, o conceito Quanto aos aspectos neurológicos, estudos têm
de “Dislexia do Desenvolvimento” foi promovido por demonstrado que áreas cerebrais envolvidas em
Samuel T. Orton em um trabalho publicado em 1937 processos perceptuais, cognição e tarefas metacog-
chamado Reading, Writing and Speech Problems in nitivas estão alteradas, acarretando num conjunto
Children [3]. heterogêneo de manifestações que prejudicam as
A Dislexia do Desenvolvimento é um dos trans- habilidades sensoriais e linguísticas [10]. No déficit
tornos que mais afetam a aprendizagem e, segundo a de linguagem o prejuízo refere-se principalmente à
Associação Internacional de Dislexia, é um transtorno dificuldade de aquisição e automatização das habi-
específico, sendo caracterizado pela dificuldade na lidades de leitura e escrita. Já no déficit sensorial
correta e/ou fluente leitura de palavras, na escrita observam-se alterações no processamento visual
e nas habilidades de decodificação, causando im- ou no processamento auditivo [11]. Durante o de-
pacto na ampliação do vocabulário e conhecimentos senvolvimento embrionário podem ocorrer algumas
gerais, quando se comparam estes indivíduos com anomalias que provoquem disfunções neurais, com-
seus pares de mesma idade, escolaridade e nível de prometendo o desenvolvimento do processamento do
inteligência [4,5]. som, cuja localização cerebral encontra-se na região
Boder [6] descreveu três tipos de dislexia do têmporo-parietal esquerda, responsável pela análise
desenvolvimento: disfonéticos, diseidéticos e mis- da palavra escrita [12,13].
tos, baseado nos tipos de erros produzidos nas Além disso, estudo post-mortem conduzido por
diversas condições de leitura (palavras familiares Livingstone et al. [14] em cérebros de disléxicos reve-
ou não-familiares, longas ou curtas, de alta ou baixa lou diminuição de 30% no tamanho das magnocélulas
frequência). Os disléxicos disfonéticos lêem bem as em camadas do Núcleo Geniculado Lateral (NGL)
palavras que eles conhecem, ou seja, memorizam e sem alteração nas parvocélulas. As implicações
visualmente, mas não lêem nem escrevem palavras dessas alterações encontradas nas magnocélulas e
que encontram pela primeira vez; eles as advinham, seu impacto na leitura dos disléxicos serão abordas
a partir do contexto e de indicações como a letra a seguir.
124 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

Hipótese magnocelular e movimentação ocular substituindo por sacadas para a busca suave quando
os objetos em estavam em movimento. E também
O processo de aquisição da linguagem, seja quando a lesão é unilateral, pode afetar a capacidade
verbal ou escrita, é extenso e envolve a integração de separar o foco de atenção para se deslocar para
de diversas áreas corticais para que este se realize um alvo no campo visual contralateral à lesão [15].
com sucesso. Portanto, quando se inicia um processo
de leitura, primeiramente ocorre o movimento dos Movimentos oculares
olhos, e posteriormente, o processamento pelas
áreas corticais responsáveis [15]. Os movimentos oculares envolvem fixações, que
são pequenas paradas realizadas a fim de melhor
Parvocélulas e magnocélulas captar o estímulo visual, e movimentos sacádicos.
Segundo Rayner [17] pode-se dividir os movimentos
O sistema visual subcortical humano consiste em sacádicos em três categorias: a busca, a conver-
duas vias de camadas paralelas, que são conhecidas gência e o movimento ocular vestibular. A busca de
como via magnocelular ou M e via parvocelular ou P. movimentos oculares ocorre quando os nossos olhos
Neurônios nessas vias têm propriedades fisiológicas seguem um alvo em movimento; a velocidade de
distintas: as células P têm pequenos campos recepti- busca dos movimentos oculares são marcadamente
vos; transmitem o sinal de forma lenta para as áreas mais lentas do que sacadas e, se o alvo está se mo-
corticais, são sensíveis aos diferentes comprimentos vendo rapidamente através de nosso campo visual,
de onda e preferem estímulos de alto contraste e alta que muitas vezes fazem sacadas para alcançar o
resolução espacial; já as células M têm maior campo alvo. A convergência de movimentos oculares ocorre
receptivo; transmitem o sinal de forma rápida para as quando movemos nossos olhos para dentro, em di-
áreas corticais, participam da atenção transitória, têm reção ao outro, a fim de fixar em um objeto próximo.
sensibilidade ao comprimento de ondas largas, prefe- Movimento ocular vestibular ocorre quando os olhos
rem frequências espaciais baixas, e são muito sensíveis giram para compensar a cabeça e movimentos do
ao estímulo de baixo contraste [16]. Tanto os axônios M corpo a fim de manter o mesmo sentido da visão.
e quanto as células ganglionares P são enviados para Anatomicamente, as áreas cerebrais envolvidas
o Núcleo Geniculado Lateral Dorsal do Tálamo e de lá no controle sacádico são: córtex parietal posterior, e
são encaminhados para as camadas do córtex visual V1 córtex frontal pré-motor. E três áreas do lobo frontal
e V2. Estudos têm demonstrado que uma lesão na via participam do processamento sacádico: o campo
M prejudica a sensibilidade ao contraste nos padrões ocular frontal e o campo ocular suplementar são
de gradeamento para baixa frequência espacial e alta ativados durantes todos os tipos de movimentos
frequência temporal. Já as lesões na via P prejudicam sacádicos, e o córtex pré-frontal dorsolateral que
a discriminação de cor e textura. é ativado durante a fixação. O campo ocular frontal
Os neurônios magno têm um amplo campo localiza-se no giro frontal médio, correspondente à
receptivo e conduzem o sinal recebido em alta velo- área 8 de Broadmann; dispara sacadas intencionais
cidade do olho para o Núcleo Geniculado Lateral e (voluntárias) através dos músculos extrínsecos do
posteriormente para o córtex visual; estão envolvi- bulbo do olho, situado no tronco encefálico, que
dos com a análise do movimento dos objetos e na fazem a exploração intencional do ambiente visual;
orientação de ações motoras. Também chamada de recebe aferências corticais, especialmente do córtex
via ‘onde’. Já as parvocélulas conduzem um sinal parietoccipital, campo ocular suplementar e córtex
mais lento, porém de maior duração; tem um campo pré-frontal. O campo ocular suplementar desempenha
receptivo menor e são responsáveis pelo processa- um papel importante nas sequências disparo das
mento de detalhes dos objetos. Também chamada sacadas e no durante os movimentos da cabeça ou
de via ‘o quê’ [1]. do corpo; este campo é uma área oculomotora, situ-
Estudos em macacos concordam com as pes- ada no córtex pré-frontal, separada do campo ocular
quisas realizadas em humanos, e têm demonstrado frontal. O campo ocular parietal é responsável pelas
não encontrar alterações nas movimentações ocu- sacadas reflexas que são guiadas visualmente, cuja
lares quando a lesão acontece na região temporal função é movimentação ocular em resposta a algum
medial; entretanto, a situação é diferente quando a comando; este campo corresponde às áreas 39, 40 e
lesão está na região parietal, pois encontraram difi- 19 de Broadmann. Além dos campos oculares supra-
culdades em executar tarefas de movimento global, citados envolvidos nos disparos das sacadas, outras
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 125

três áreas atuam não diretamente nos disparos, mas de fixação em palavras irregulares, ou seja, palavras
no planejamento, integração e ordem cronológica. O em que a correspondência grafofonêmica não segue
córtex pré-frontal é responsável pelo planejamento nenhuma regra e depende do acesso lexical, como
das sacadas para posições de alvos a serem lem- por exemplo, a palavra /exército/ onde o /x/ tem
brados; o lobo parietal inferior está envolvido na som de /z/. Comparando bons leitores de 4ª série e
integração visuoespacial; e o hipocampo controla alunos universitários durante a leitura de pequenos
a memória de trabalho imediata necessária para a textos, Yokomizo et al. [25] verificaram que as crianças
ordem cronológica das sequências sacádicas [18]. realizaram maior número de fixações e sacadas regres-
sivas, sendo que estas sacadas foram realizadas em
Movimentos oculares e leitura maior número em substantivos, adjetivos e verbos que
são essenciais para a compreensão de um texto; nos
A Dislexia do Desenvolvimento, como dito an- universitários a mudança no padrão é qualitativa uma
teriormente, é um transtorno de leitura [5], onde a vez que continuam realizando sacadas regressivas em
criança tem dificuldade para ler de forma fluente. palavras dessas mesmas categorias.
Historicamente, a Dislexia foi estudada por médicos of- Ainda com bons leitores, Rosa [26] utilizou a
talmologistas, pois acreditava-se no déficit visual como Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua
raiz do problema, sendo responsável pela inversão e (ETCC) a fim de verificar seu efeito na produção de
espelhamento de letras. Posteriormente, detectou-se movimentos sacádicos durante a leitura de palavras.
problemas também na via fonológica, no que diz res- Os resultados obtidos indicaram menor tempo no início
peito à codificação e decodificação, uma vez que estes do primeiro movimento sacádico e menor duração da
sujeitos não conseguem distinguir sons sobrepostos, primeira fixação, como efeito da estimulação catódi-
segmentar palavras e executar nomeação rápida [15]. ca em campo visual frontal à direita, o que levanta a
Inúmeras pesquisas têm sido realizadas com hipótese de que a estimulação cortical pode melhorar
objetivo de se aprofundar no conhecimento das o padrão dos movimentos oculares durante a leitura.
vias visuais e sua relação com a Dislexia. Estudos Em estudo comparando disléxicos e bons lei-
conduzidos com leitores eficientes revelam que as tores, Lukasova [27] verificou que crianças com
fixações ocorrem a cada 7 a 9 letras com duração dislexia lendo palavras em português encontraram
média de 225 milésimos de segundo, extraindo daí mais dificuldades com palavras pouco frequentes
as informações necessárias para a leitura adequa- com aumento no número de fixações e no tempo total
da do texto. Caso a palavra não seja processada das fixações (Figura 1). Este resultado concorda com
de modo adequado uma próxima fixação de maior dados descritos na literatura internacional e parece
duração será realizada no final da palavra [17,19]. indicar que ao se deparar com uma palavra pouco
Em estudo longitudinal conduzido por Boets et frequente na língua, o sujeito perde agilidade na
al. [20] os resultados mostraram que o processa- leitura e aumenta o envolvimento do processamento
mento visual em crianças pré-escolares foi preditor visual para decodificar a palavra [1].
de habilidades ortográficas no ensino fundamental.
Estudos como este indicam que os problemas Figura 1 - Registro dos movimentos oculares du-
sensoriais devem ser precedentes aos problemas rante a leitura de palavras [1].
de leitura e escrita, podendo-se inferir uma relação
causal entre eles [21].
Em leitores disléxicos o padrão de sacadas e
fixações têm se mostrado diferenciado, com maior
número de sacadas regressivas, além de mais e
maiores fixações, sendo que este padrão é encontra-
do dependendo da estrutura da língua a que o sujeito
está submetido, sofrendo influência de variáveis
psicolingüísticas como, regularidade, freqüência e
comprimento da palavra [19,22,23].
No Brasil estudos têm sido conduzidos a fim de
verificar o padrão de movimentação ocular em bons
leitores e disléxicos. Avaliando leitores experientes
Macedo et al. [24] verificaram aumento no tempo
126 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

Conclusão 11. Grikorenko E. Developmental dyslexia: an update


on genes, brain and environments. Journal of Child
Psychology and Psychiatry 2001:1(42):91-125.
A Dislexia do Desenvolvimento é um transtorno 12. Galaburda AM, Cestinick L. Developmental dyslexia.
de leitura que afeta o desempenho do sujeito em Rev Neurol 2003;1:S3-S9.
todos os âmbitos de sua vida. Ao aprofundar os 13. Shastry BS. Developmental Dyslexia: an update.
Journal of Human Genetic 2007;52(5):104-9.
estudos sobre as suas possíveis causas podem-
14. Livingstone MS, Rosen GD, Drislane FW, Galaburda
se aprofundar também quais os mais eficientes AM. Psychological and anatomical evidence for a
caminhos para o desenvolvimento de um trabalho magnocellular defect in developmental dyslexia. Proc
psicopedagógico, procurando compensar o déficit Natl Acad Sci 1991; 88:7943-7.
15. Boden C, Giaschi D. M-Stream deficits and reading-
encontrado neste tipo de transtorno através de outras
related visual processes in developmental dyslexia.
habilidades cognitivas. Psychological Bulletin 2007;133(2):346–66.
Outras pesquisas sobre a hipótese magnocelular 16. Shapley R. Visual sensitivity and parallel retinocortical
e movimentos oculares já estão sendo realizadas, channels. Annu Rev Psychol 1990;41: 635–58.
não apenas para identificação de tempo de leitura e 17. Rayner K. Eye movements in reading and information
processing: 20 years of research. Psychol Bull
número de sacadas, mas também para verificar se 1998;124:372-422.
após intervenção psicopedagógica há melhoria nas 18. Afifi AK, Bergman RA. Neuroanatomia funcional:
vias visuais. texto e atlas. São Paulo: Roca; 2007.
19. Höynä J, Olson RK. Eye fixation paterns among
dyslexic and normal readears: effects of word
Referências legth and word frequency. Journal of Experimental
psychology 1995;21:1430-40.
1. Lukasova K, Barbosa ACC, Rosa ATF, Macedo EC. 20. Boets B, Wouters J, van Wieringen A, De Smedt B,
Paradigmas para a avaliação dos movimentos Ghesquiere P. Modelling relations between sensory
oculares na leitura e seu impacto na compreensão processing, speech perception, orthographic and
da dislexia do desenvolvimento. In: Barbosa T et al., phonological ability, and literacy achievement. Brain
eds. Temas em Dislexia. São Paulo: Artes Médicas; Lang 2008;106(1):29–40.
2009. 21. Laycock R, Crewther SG. Towards an understanding
2. Miles TR, Miles E. Dyslexia: a hundred years on. 2ª of the role of the magnocellural advantage in fluent
ed. Buckingham: Open University Press; 2003. reading. Neuroscience and Biobehavioral Reviews
3. Ellis AW. Leitura, escrita e dislexia – uma análise 2008;32:1494-506.
cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas; 1995. 22. Hutrzler F, Wimmer H. Eye movements of dyslexic
4. Lyon GR. Defining Dyslexia, co-morbidity, teachers, children when reading in a regular orthography. Brain
knowledge of language and reading. Annals of Lang 2004;89(1):235-242.
Dyslexia 2003;53:1-14. 23. De Luca M, Borrelli AJ, Spinelli D, Zaccolotti P.
5. DSM-IV-TR - Manual diagnóstico e estatístico de Reading words and pseudowords: an eye movement
transtornos mentais. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed; study of developmental dyslexia. Brain and Language
2003. 2002;80:617-26.
6. Boder E. Developmental dyslexia: A diagnostic 24. Macedo EC, Lukasova K, Yokomizo JE, Ariente LC,
approach based on the three atypical reading- Koakutu J, Schwartzman JS. Processo perceptuais
spelling pattners. Developmental Medicine and Child e cognitivos na leitura de palavras: propriedades
Neurology 1973;15:663-87. dos movimentos oculares. Psicologia Escolar e
7. Pestun MSV, Ciasca S, Gonçalves VMG. A importância Educacional 2007;11:275-83.
da equipe interdisciplinar no diagnóstico de dislexia 25. Yokomizo JE, Lukasova, K, Fonteles DSR, Macedo
do desenvolvimento. Arq Neuropsiquiatr 2002;60(2- EC. Movimentos sacádicos durante a leitura de
A). textos em crianças e universitários bons leitores. O
8. Selikowitz M. Dislexia e outras dificuldades de Mundo da Saúde 2008;32(2):131-8.
aprendizagem. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. 26. Rosa ATF. Movimentos oculares na leitura de
9. La Buda MC, Defries JC. Genetic etiology of reading palavras: modulação por estimulação transcraniana
disability: evidence from a twin study. In: Pavlidis GT, por corrente contínua. [Dissertação]. São Paulo:
Ed. Perspectives on dyslexia; 1990.p.47-76. Universidade Presbiteriana Mackenzie; 2008.
10. E t c h e p a r e b o r d a M C . L a i n t e r v é n c i o n e m 27. Lukasova K. Alterações fonológicas na dislexia do
los transtornos disléxicos: entrenamiento de desenvolvimento. Distúrbios do Desenvolvimento.
La concincia fonológica. Revista de neurologia [Dissertação]. São Paulo: Universidade Presbiteriana
2003;36(Supl1):S13-S19 Mackenzie; 2007.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 127

Relato de caso

Musicoterapia e reabilitação neuropsicológica:


estudo de caso de paciente
com demência vascular
Music therapy and neuropsychological rehabilitation:
case study of a patient with vascular dementia
Greta Marigo Fragata*, Cléo Monteiro França Correia, M.Sc.**

Resumo
Atualmente percebe-se a importância do trabalho inter e multidisciplinar para o avanço
no entendimento e na prática da reabilitação neuropsicológica (RN), bem como o valor da
participação ativa do paciente em seu processo de melhora. A musicoterapia surge como
uma alternativa de intervenção que corrobora com ambas as proposições. O presente
trabalho tem como objetivo descrever uma experiência musicoterápica que contemplou
os seguintes aspectos da RN: reabilitação cognitiva, psicoterapia, apoio e orientação à
família. EBS, portador de Demência Vascular, participou de 24 atendimentos individuais
de musicoterapia. Simultaneamente, sua principal cuidadora participou de atendimentos
em grupo de musicoterapia, direcionados ao apoio e orientação à família. Os atendi-
mentos individuais ao paciente tiveram foco nos déficits de memória, de linguagem e na
instabilidade emocional e comportamental apresentadas. Neste período de tratamento
*Graduada em Musicoterapia,
verificou-se a melhora da linguagem expressiva, modificações positivas emocionais e
graduanda em Ciência da Formação comportamentais e nenhuma alteração em seu escore no MEEM (Mini-Exame do Estado
pela Universidade Alma Mater Stu- Mental). Os resultados deste estudo foram compatíveis com os de pesquisas anteriores
diorum de Bologna, colaboradora da que também apontaram os efeitos positivos da musicoterapia em pacientes que neces-
rede internacionais de Centros de sitam de adaptação funcional e integração ambiental.
Musicoterapia Benenzon, **Gradu-
ada em Musicoterapia, doutoranda Palavras-chave: reabilitação neuropsicológica, musicoterapia, demência vascular.

em Ciências pela UNIFESP, respon-


sável pelo Serviço de Musicoterapia
do Centro Integrado de Atendimento
Abstract
Currently the importance of the interdisciplinary and multidisciplinary work is perceived for
ao Idoso - CIAI, professora convida- the advance in the agreement and the practice of Neuropsychological Rehabilitation (RN),
da dos cursos de Pós Graduação as well as the value of the patient’s active participation in its process of improvement.
em Musicoterapia da FMU e da The Music Therapy appears as an alternative of intervention that corroborates with both
UNAERP these proposals. The aim of the present work was to describe a music therapy experience
that contemplated the following aspects of the RN: cognitive rehabilitation, psychotherapy,
support and orientation to the family. The patient EBS, had Vascular Dementia and partici-
Correspondência: Greta Marigo
Fragata E-mail: gretafragata@gmail.
com, Cléo Monteiro França Correia,
E-mail: cleomfc@terra.com.br
128 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

pated in 24 individual sessions of music therapy. Simultaneously, your primary caregiver


participated in a group of musical therapy directed to the support and orientation of the
family. The individual sessions to the patient had focused on deficits of memory, language
and in the emotional displays of instability. In this period of the music therapy treatment
was verified a improvement in the expressive language, positive emotional and behavioural
modifications and no alteration in the MMSE (Mini-Mental State Examination) score. The
results of this study had been compatible with the results of previous research that had
also pointed the positive effect of the music therapy in patients who need functional
adaptation and ambient integration.

Key-words: neuropsychological rehabilitation, music therapy, and vascular dementia.

Introdução A musicoterapia nestes casos tem a possibilida-


de de evocar e treinar habilidades específicas, como
A reabilitação neuropsicológica (RN) abrange a linguagem musical e a memória musical, que mui-
diversos tipos de intervenções não farmacológicas, tas vezes estão preservadas. Assim, frequentemente
como a reabilitação cognitiva, a psicoterapia, o pacientes com demências associadas a problemas
trabalho com familiares, o estabelecimento de um graves de afasia são encaminhados à musicoterapia,
ambiente terapêutico e o trabalho de ensino protegido pois sua compreensão para a música é algo notável.
com os pacientes (Prigatano apud Celestino) [1]. Para Do ponto de vista neurológico, isso é possível
que todos estes aspectos sejam contemplados se porque além de haver relação entre a linguagem
faz necessária uma equipe inter ou multidisciplinar, verbal e a musical, as estruturas envolvidas nestes
podendo envolver médicos, psicólogos, fonoaudió- processamentos são funcionalmente autônomas [5].
logos, psicopedagogos, terapeutas ocupacionais e Deste modo um paciente que não consegue falar
fisioterapeutas. Porém, há também uma nova disci- pode estar apto a cantar. Com relação à memória,
plina que pode contribuir com a RN: a Musicoterapia. o mesmo ocorre, pois alguns subsistemas também
Esta especialidade faz uso de métodos e técni- funcionam independentemente de outros e em geral
cas específicas, essencialmente sonoro musicais, a memória musical, bem como a memória remota,
para alcançar diversos objetivos terapêuticos e, está preservada.
comumente, promove uma participação mais ativa Silva e Tomaz [6] sugerem que diferentes
do paciente, o que é de suma importância para sua formas de treino cognitivo contribuem para a RN,
reabilitação. pela capacidade de plasticidade neuronal que ain-
Segundo Gainza [2] a musicoterapia é uma forma da persiste no idoso, mesmo nos que apresentam
de psicoterapia que acredita no potencial da música síndromes demênciais. Por esta razão observa-se
enquanto objeto transcendente, particularmente mo- que esta forma de intervenção musicoterápica pode
bilizador, carregado de significações e produtor de compensar e estimular as habilidades residuais e
bem estar e de prazer, fatores estes que contribuem deficitárias da linguagem e da memória de forma
para a criação de um bom vínculo terapêutico e a não geral, além de promover o bem estar psicológico
resistência do paciente quanto à terapia. do paciente.
Prigatano apud Gouveia et al. [3] aponta que, O presente trabalho tem por objetivo demons-
além da autopercepção em relação à deficiência, trar como alguns aspectos da RN foram trabalhados
as habilidades verbais também são preditores de através da musicoterapia, em um caso de um pa-
sucesso da reabilitação. Contudo, no trabalho com ciente com Demência Vascular (DV). O estudo de
pacientes com demências, as funções cognitivas caso descrito considerou aspectos da reabilitação
de julgamento, raciocínio e linguagem podem estar cognitiva, da psicoterapia e o trabalho com familiares
prejudicadas. deste paciente.
Por estes e outros fatores, como o prejuízo de
memória, que é o evento clínico de maior magnitude, Métodos
o trabalho de RN com estes pacientes se torna um
desafio. Discute-se, inclusive, sobre a substituição do Descrição do caso
termo reabilitação pelo termo intervenção, uma vez
que a restauração completa das funções deterioradas EBS, sexo masculino, 83 anos, natural de Per-
seria inalcançável [4]. nambuco, baixa escolaridade, alfaiate aposentado,
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 129

casado. Sem estudo formal de música, tocava cla- verificar outras habilidades correntes dissociadas
rinete e compunha letras de músicas. Previamente das habilidades verbais.
saudável. Aos 73 anos de idade, sofreu um AVC A ACM tem origem em um estudo acerca dos
(acidente vascular encefálico) isquêmico com sequela perfis musicais desenvolvido por Kenneth Bruscia e
motora à direita e posteriormente foi diagnosticado é constituída de seis escalas que verificam diferentes
como portador de Demência Vascular isquêmica sub- graus de integração, variabilidade, tensão, congru-
cortical [7], tendo as características comuns deste ência, saliência e autonomia nas escolhas instru-
quadro clínico: alterações emocionais e comporta- mentais e produção sonoro musical do paciente. As
mentais, sintomas cognitivos - déficit de memória e escalas são preenchidas pelo musicoterapeuta (MT)
de linguagem, associados a sinais e sintomas moto- de acordo com a observação de diversos momentos
res - parkinsonismo, apraxia de marcha e alterações de interação sonoro musical entre ele e o paciente.
em funções executivas As escalas têm 5 graus, sendo que os três graus do
Reside com a esposa e uma das filhas e neces- meio se estabelecem dentro do espectro ordinário de
sita de auxílio para algumas atividades de vida diária. expressão musical e os dois graus das extremidades
Após o AVC fez acompanhamento fonoaudiólogo e são desvios extremos da normalidade.
fisioterapêutico, obtendo algumas melhoras. Da mesma forma que considera- se o nível
Demonstrou progressão acelerada da doença de sócio-educacional para verificar o escore no MEEM,
acordo com os resultados obtidos no MEEM [8] em considera-se o treinamento musical prévio para veri-
um intervalo de três meses, com escore inicial de ficar o resultado da ACM.
21/30 e depois de 19/30. Sendo o primeiro avaliado
pelo neurologista e o segundo pela musicoterapeuta, Programa musicoterapêutico
no início do atendimento.
Em 2008, frequentou o serviço de Neurologia do O programa musicoterapêutico desenvolvido foi
Comportamento e participou de 24 atendimentos in- fundamentado na abordagem holística da RN, que
dividuais de musicoterapia, duas vezes por semana, aborda os aspectos cognitivos e motivacionais e afe-
durante três meses, com duração de 50 minutos. tivos de forma integrada, levando em consideração
Sua esposa, e principal cuidadora, participou de um a experiência e o contexto social do paciente [11].
grupo de musicoterapia de apoio e orientações à O programa foi desenvolvido após triagem, anam-
família, que ocorria simultaneamente ao atendimento nese e avaliações (MEEM e ACM) e considerou, por-
do paciente. tanto, toda a biografia e peculiaridades do paciente.
Os atendimentos individuais e em grupo foram Dentre os aspectos da intervenção psicossocial,
conduzidos por profissionais graduados em musico- ou da psicoterapia, visou-se a autopercepção do
terapia e supervisionados por uma profissional da paciente sobre sua dificuldade, a promoção de um
mesma área, doutoranda em ciências. As avaliações ambiente seguro para sua livre expressão e descarga
foram realizadas por estes mesmos profissionais. emocional, motivação pessoal, aumento da auto-
Os objetivos gerais dos atendimentos individu- estima e incentivo à sua reintegração social.
ais, dos quais EBS participou, foram: estabilizar ou Dentre os aspectos da reabilitação cognitiva foi
retardar a velocidade dos sintomas associados à priorizado o treino da memória musical e autobio-
progressão da doença, melhorar sua linguagem ex- gráfica e o treino da linguagem expressiva, falada
pressiva e aumentar suas possibilidades de comuni- e cantada. A orientação espacial e temporal e as
cação, treinar sua memória e melhorar seu estado de habilidades motoras foram trabalhadas com menos
humor. Outros objetivos, relacionados aos sintomas ênfase.
e sinais motores apresentados pelo paciente, seriam As estratégias compensatórias, que visaram a
focados posteriormente, contudo não foi possível, maior funcionalidade do paciente, foram trabalhadas
tendo em vista sua saída do programa. principalmente no grupo de musicoterapia, direciona-
dos ao apoio e orientação à família.
Avaliação As intervenções foram realizadas por meio
das seguintes técnicas interativas e receptivas
Considerando-se que seria possível obter uma de musicoterapia descritas por Bruscia [10,12]:
maior precisão diagnóstica foi utilizada a combinação Empatia, Procedimento, Estruturação, Escuta para
do MEEM com a Avaliação do Comportamento Musi- Estimulação, Reminiscência e Apreciação Musical.
cal (ACM) [9, 10]. Desta forma foi também possível Os instrumentos utilizados foram: chocalho, tambor
130 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

médio, pandeiro, violão, flauta e teclado pequeno 5 - Fechamento, autopercepção e motivação: Breve
(com extensão de duas oitavas e meia). momento em que o paciente e a MT comentavam
Os atendimentos individuais transcorram nos sobre o atendimento e sobre o desempenho de
seguintes moldes: ambos. A MT despedia-se lembrando de que o
trabalho continuaria no próximo encontro.
1- Orientação temporal e espacial, autopercepção
e motivação: A MT cumprimentava o paciente, Resultados
oferecendo um momento para que ele se ex-
pressasse verbalmente (mesmo que de forma No início dos atendimentos o escore do paciente
quase ininteligível). Recordavam conjuntamente no MEEM foi de 19/30 e após três meses perma-
a música trabalhada no último atendimento, o neceu o mesmo, demonstrando uma estabilidade
motivo e importância destes encontros duas temporária de suas funções cognitivas.
vezes por semana. Na ACM inicialmente observou-se quatro aspec-
2 - Memória musical, memória autobiográfica e tos, dos seis mensurados, com desvios extremos de
discussão: Audição de música, selecionada normalidade: Integração - Extremamente Diferenciado,
pela MT, tendo em vista o histórico musical do Variabilidade - Rígido, Saliência - Controlando Extrema-
paciente (técnica de Reminiscência e Apreciação mente e Autonomia - Resistente. Considera-se este
musical). O paciente era encorajado a cantar com resultado agravado uma vez que o paciente tem co-
a gravação e a comentar brevemente sobre suas nhecimento musical prévio e os desvios apresentados
lembranças em relação ao artista, à música, não podem ser atribuídos a ausência de familiaridade
sensações e vivências (técnica de Escuta para Es- com a expressão e instrumentos musicais.
timulação). À medida que a linguagem do paciente No término do programa todos os aspectos
se tornou mais inteligível, passaram a discutir estavam dentro dos padrões de normalidade, como
também sobre o conteúdo da letra das canções. mostram as escalas de 1 a 6. Os seguintes graus,
3 - Livre expressão, descarga emocional, treino de que inicialmente estavam dentro da normalidade, não
habilidades motoras: Improvisação e interação sofreram alterações: Tensão - Cíclico e Congruência
musical, com instrumentos eleitos pelo pacien- - Congruente.
te, dentre os disponíveis. A princípio a execução Houve também uma nítida melhora na inteligi-
musical se dava de forma livre, se desenvolvendo bilidade e expressividade da linguagem oral, com
sempre em torno da idéia musical proposta pelo melhora da articulação, entonação e volume das
paciente (técnica de Empatia). Aos poucos, a MT palavras, inicialmente nas canções e posteriormente
buscou orientá-lo no manuseio dos instrumentos, na fala.
para que pudesse trabalhar algumas habilidades As dinâmicas musicais envolvendo a voz desen-
motoras, como por exemplo, a coordenação de volveram a tonicidade, precisão e funcionalidade dos
mão direita e esquerda (técnica de Procedimento). órgãos fonoarticulatórios. O paciente passou a se
Ajudando-o também a organizar o ritmo, a melodia comunicar de forma mais efetiva, o que aumentou
e forma musical, sustentando um ou mais destes sua confiança, independência e interação social.
elementos (técnica de Estruturação).
4 - Memória musical e treino das habilidades da Discussão
linguagem: O paciente era encorajado a lembrar
de suas composições musicais. Frequentemente A melhora apresentada na ACM mostrou que em
se lembrava das letras, porém não da melodia pouco tempo o paciente criou um bom vínculo com
ou ritmo das canções (técnica de Reminiscência a terapeuta, se integrou ao trabalho, se tornou mais
musical). A MT escrevia as canções juntamente flexível e autônomo, contribuindo com as propostas.
com o paciente, tentando adequar um melhor Estas mudanças são reflexos também das melhoras
ritmo para a métrica da letra, um contorno positivas emocionais e comportamentais observadas
melódico com intervalos de alturas breves e e referidas pelos familiares.
tonalidade apropriada para a voz do paciente. A Os resultados obtidos no MEEM indicaram es-
música recomposta era cantada pelo paciente e tabilidade cognitiva, o que é um resultado positivo,
tocada pela MT, repetidas vezes. A MT orientava tendo em vista que a DV é uma doença degenerativa
o paciente quanto às articulações e entonações progressiva e que os sintomas clínicos destes pa-
das palavras (técnica de Procedimento). cientes tendem a aumentar.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 131

Escalas 1 - 6. Avaliação do Comportamento Musical (realizada antes e depois do programa desenvolvido).


Escala 1 - Graus de Integração
Depois Antes
Indiferenciado Fusionado Integrado Diferenciado Extremamente
diferenciado
Escala 2 - Graus de Variabilidade
Antes Depois
Rígido Estável Variável Contrastante Aleatório

Escala 3 - Graus de Tensão


Antes/Depois
Hipotenso Calmo Cíclico Tenso Hipertenso

Escala 4 - Graus de Congruência


Antes/Depois

Não comprometido Congruente Centrado Incongruente Polarizado

Escala 5 - Graus de Saliência


Depois Antes

Recuando Conformando Contribuindo Controlando Extremamente


controlado
Escala 6 - Graus de Autonomia
Depois Antes
Dependente Seguidor Parceiro Líder Resistente

A melhora na linguagem expressiva foi um as- e realizar avaliações com um intervalo maior, de pelo
pecto considerável, uma vez que outras abordagens menos 6 meses entre elas.
terapêuticas rapidamente alcançam os primeiros re- O estudo relatou um programa desenvolvido
sultados referidos, mas revelam também dificuldade especialmente para este paciente, e buscou ve-
com a evolução desta função. rificar e tornar mais conhecidos alguns aspectos
Acredita-se que as melhoras, verificadas em que podem ser trabalhados na musicoterapia e que
neste curto período de tempo, estão relacionadas contribuem para a RN. Entretanto, a área de atuação
ao programa musicoterapêutico desenvolvido, pois do musicoterapeuta é abrangente, coexistindo dife-
neste mesmo período não houve nenhuma outra rentes abordagens, com uma grande variedade de
intervenção não farmacológica, a medicação do pa- técnicas e opções que podem ser mais adequadas
ciente já estava estabelecida há algum tempo e não a outros casos.
sofreu alterações. Estes resultados foram compatíveis com os de
Foi de suma importância também a cooperação pesquisas anteriores que também apontaram os
dos familiares, em especial da esposa, que participou efeitos positivos da musicoterapia em pacientes que
do grupo de musicoterapia de apoio e orientação à necessitam de adaptação funcional e de integração
família, levando para seu contexto e ambiente domés- ambiental [13-15].
tico, estratégias de compensação e de estimulação. Apesar disso, para o maior reconhecimento
Contudo, para se manter a estabilidade ou retar- desta forma de intervenção, novas pesquisas, não
dar a velocidade dos sintomas associados a DV, o só qualitativas mas também quantitativas, com
trabalho necessariamente precisaria ser continuado, propostas passíveis de replica e grupo controle, são
prolongando ao máximo a independência funcional necessárias.
do paciente.
EBS não pôde mais frequentar os atendimentos Conclusão
de musicoterapia e por isso pode-se dizer que este é
apenas um recorte de um programa musicoterapêu- A musicoterapia demonstrou ser uma área hibri-
tico ideal. Se continuado o programa deveria sofrer da do conhecimento, trabalhando simultaneamente
alterações de acordo com as mudanças do paciente com intervenções psicossociais e treino de funções
132 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

cognitivas, com possibilidade também de atuação 4. Abrisqueta-Gomez J. Reabilitação neuropsicológica:


em grupos de apoio e de orientação à família e o caminho das pedras”. In: Abrisqueta-Gomez J,
Santos FH. Reabilitação Neuropsicológica: da teoria
cuidadores. Portanto pode contribuir com a RN de à prática. São Paulo: Artes Médicas; 2006.
pacientes com demências, empregando avaliações 5. Muszkat M, Correia CMF, Campos SM. Música e
usuais da área da saúde e avaliações próprias para neurociências. Rev Neurociências 2000;8(2):70-5.
a comprovação de seus resultados. 6. Silva SL, Tomaz BAC. Reabilitação neuropsicológica
da memória em idosos. In: Abrisqueta-Gomez J,
Por haver ênfase na escuta e considerar toda for-
Santos FH. Reabilitação neuropsicológica: da teoria
ma de expressão uma possibilidade de reconhecimen- à prática. São Paulo: Artes Médicas; 2006.
to dos conteúdos internos dos pacientes, a motivação 7. Smid J, Nitrini R, Bahia VS, Caramelli P. Clinical
e o engajamento dos mesmos nos atendimentos pode characterization of vascular dementia: retrospective
evaluation of an outpatient sample. Arq Neuropsiquiatr
ser aumentada. Bem como, por utilizar essencialmente
2001;59:390-3.
a música, presente em todas as culturas e históricos 8. Folstein MF, Folstein SE, Mchugh PR. “Mini Mental
pessoais, o estabelecimento de uma boa comunica- State” a pratical method for granding the cognitive
ção, de criação de um bom vínculo terapêutico e de state of patients for the clinician. J Psychiatr Res
um ambiente seguro podem ser efetivados. 1975;12(3):189-98.
9. Aldridge D, Aldridge G. Two epistemologies: music
E por fim, pode- se dizer que a musicoterapia therapy and medicine in the treatment of dementia.
é capaz de reforçar a identidade destes pacientes, The Arts in Psychotherapy 1992;19:243-55.
que aos poucos vai sendo esquecida, mas que é 10. Bruscia KE. Modelos de improvisación em
primordial para a manutençao da saúde psíquica de musicoterapia. Vitória-Gasteiz: Agruparte; 1999.
11. Abrisqueta-Gomez J, Santos FH. Reabilitação
todo ser humano. neuropsicológica: da teoria à prática. São Paulo:
Artes Médicas; 2006.
Referências 12. Bruscia KE. Definindo Musicoterapia. Rio de Janeiro:
Enelivros; 2000.
1. Celestino FKS. Enfrentamento, qualidade de vida, 13. Svansdottir HB, Snaedal J. Music therapy in moderate
estresse, ansiedade e depressão em idosos and severe dementia of Alzheimer’s type: a case-
demenciados e seus cuidadores: avaliações e control study. Int Psychogeriatr 2006;18(4):613-21.
correlações [Dissertação]. Brasília: Universidade de 14. Pacchetti C et al. Active music therapy in
Brasília; 2009. Parkinson’s disease: an integrative method for
2. Gainza VH. La musica como salida para el aislamiento. motor and emotional rehabilitation. Psychosom Med
In: Benenzon RO. La Nueva Musicoterapia. Buenos 2000;62:386-93.
Aires: Lúmen; 2008. 15. Koger SM, Chapin K, Brotons M. Is music therapy an
3. Gouveia P et al. Metodologia em reabilitação effective intervention for dementia? a meta-analytic
neuropsicológica de pacientes com lesão cerebral review of literature. J Music Ther 1999;36(1):2-15.
adquirida. Rev Psiq Clín 2001;28(6):295-9.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 133

Relato de caso

Síndrome do homem do barril


Man in the barrel syndrome
Marco Orsini*, Victor Hugo Bastos, D.Sc.**, Dionis Machado***,
Julio Guilherme Silva, D.Sc.****, Enrique Covarrubias*****

Resumo
A Síndrome do homem do barril refere-se a um quadro de fraqueza muscular braquial
bilateral, de predomínio proximal, que dificulta ou impossibilita os pacientes na execução
de habilidades funcionais relacionadas à elevação dos membros superiores. Desde
sua descrição, inúmeros casos de pacientes com essa síndrome foram relatados, cuja
*Graduando em Medicina ,Univer-
etiopatogenia difere daquela descrita inicialmente. Apresentamos o caso de um homem,
sidade do Grande Rio, Doutorando negro, 41 anos, que há aproximadamente 4 anos, começou a apresentar um quadro
em Neurologia/Neurociências - de fraqueza muscular localizado somente em terço proximal dos membros superiores,
HUAP – UFF, Professor Titular de impossibilitando-o na execução de determinadas atividades quotidianas. A eletroneuro-
Reabilitação Neurológica – ESEHA, miografia revelou sinais de desnervação simétrica, de predomínio proximal em membros
**Fisioterapeuta, Professor Adjunto superiores; correlação eletro-clínica foi sugestiva de neurôniopatia. Recebeu, meses
depois, o diagnóstico de Amiotrofia Espinhal Progressiva.
da Universidade dos Vales do Jequi-
tinhonha e Mucuri - Diamantina/MG,
Palavras-chave: doença do neurônio motor, amiotrofia espinhal progressiva.
***Fisioterapeuta, Doutoranda em
Saúde Mental (IPUB/UFRJ), Profes-
sora Substituta da Universidade dos Abstract
Vales do Jequitinhonha e Mucuri The Man in the Barrel Syndrome refers to a picture of bilateral brachial muscular weakness,
- Diamantina/MG, ****Professor with proximal predominance, that complicates or incapacitates the patients in the execu-
Colaborador do Mestrado em Ciên- tion of functional abilities related to the elevation of the upper limbs. Since its description,
innumerable cases of patients with this syndrome had been related, whose etiology differs
cias da Reabilitação (UNISUAM) e
of that initially described. We report the case of a man, black, 41 years old, who began
Professor Adjunto, Departamento de to present, 4 years ago, a muscular weakness located only in third proximal of the upper
Anatomia (UFF/RJ), *****Médico, limbs, incapacitating the execution of some daily activities. The electroneuromyography
Professor da Disciplina de Farmaco- revealed signs of symmetrical denervation, with predominance in in the proximal part of
logia, Universidade do Grande Rio the upper limbs; correlation electro-clinical was suggestive of neuronopathy. Received,
months later, the diagnosis of Progressive Muscular Atrophy.

Correspondência: Marco Orsini, Rua


Key-words: motor neuron disease, progressive muscular atrophy.
Professor Miguel Couto, 322/1001
Jardim Icaraí 24230-240 Niterói RJ,
Tel: (21) 8125-7634, E-mail: orsini-
marco@hotmail.com
134 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

Introdução de desnervação crônica e simétrica, de predomínio


proximal em membros superiores; correlação eletro-
A Síndrome do Homem do Barril (SHB) é carac- clinica sugestiva de neuronopatia. A ressonância
terizada pela paresia bilateral da porção proximal magnética da medula espinhal não apontou sinais
dos membros superiores [1]. Tal nomenclatura foi de atrofia. Recebeu, meses depois, o diagnóstico de
proposta por Sage [2] em 1983, considerando que AEP (Forma Esporádica do Adulto). As (Fotos 1 e 2)
estes pacientes parecem permanecer enclausurados demonstram o acentuado grau de atrofia em nosso
em um barril, sendo capazes de movimentar somen- paciente no terço distal dos membros superiores
te as porções distais dos membros superiores [3]. (vista anterior) e no membro superior direito (vista
Originalmente foi atribuída a infartos cerebrais na lateral), respectivamente.
zona entre as artérias cerebral anterior e média, na
área correspondente ao homúnculo motor do seg- Quadro 1 - Paresia em Miótomos Específic
mento proximal das extremidades superiores [2]. Lado Lado
Músculos
Posteriormente, outros processos patológicos loca- Esquerdo Direito
lizados no córtex cerebral, ponte, células do corno C5 – Deltóide 2 1
anterior da medula cervical e nos nervos periféricos C5 – Bíceps Braquial 3 3
também foram descritos como podendo causar tal C5 – Redondo Menor 4 3
condição [4,7]. Descrevemos o caso de um paciente C6 – Extensor Radial do Carpo 4 4
com diagnóstico de Amiotrofia Espinhal Progressiva C7 – Tríceps Braquial 4 4
(AEP) com quadro de fraqueza muscular restrita ao C8 – Flexores dos Dedos 5 5
terço proximal dos membros superiores compatível T1 – Interósseos Dorsais e
5 5
com a SHB. Palmares
L2 – Iliopsoas 5 5
Relato de caso L3 – Quadríceps 5 5
L4 – Tibial Anterior 5 5
MMR, homem, negro, 41 anos, técnico de infor- L5 – Extensor Longo do Hálux 5 5
mática, relata que há aproximadamente 4 anos co- S1 – Flexores Plantares 5 5
meçou a apresentar um quadro de fraqueza muscular
localizado em terço proximal dos membros superio- Foto 1 - Acentuado Grau de Atrofia em Terço Proxi-
res. Após 2 anos de evolução da doença, tornou-se mal dos Membros Superiores. (Vista Anterior).
praticamente impossibilitado de realizar movimentos
de elevação dos braços e, consequentemente, em
executar diversas atividades funcionais como vestuá-
rio, alimentação e higiene. Atualmente, considera que
a patologia encontra-se estabilizada, devido não apre-
sentar novos prejuízos de função e, principalmente,
por não perceber novas regiões comprometidas pela
fraqueza muscular. O exame neurológico realizado no
dia 03/04/2008 revelou fraqueza em determinados
grupamentos musculares dos membros superiores
(Quadro 1), apontando para um comprometimento
significativo das células motoras da ponta anterior
da medula espinhal em miótomos específicos. Os
reflexos biciptal e estiloradial estavam abolidos e
os demais normais. A sensibilidade apresentava-se
normal, assim como a integridade dos núcleos de ner-
vos cranianos. A eletroneuromiografia revelou sinais
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 135

Foto 2 - Acentuado Grau de Atrofia em Terço Proxi- freqüentemente possuem quadro clínico semelhante
mal do Membro Superior Direito. (Vista Lateral). a ELA. Paresia e atrofia muscular focal e assimétrica
nas extremidades é a forma de apresentação usual
da AEP. A atrofia muscular proximal, característica da
SHB conforme a apresentada por nosso paciente, é
menos comum na AEP do que na ELA [18-20].

Conclusão
Este caso ilustra que doenças restritas aos neu-
rônios motores inferiores, como a AEP, pode mimeti-
zar a SHB, uma entidade usualmente descrita como
sendo causada por uma lesão encefálica isquêmica.

Referências
1. Wahl CC. “Man-in-the-Barrel” syndrome
after endoscopic sinus surgery. Anesth Analg
1998;87:1196-8.
Discussão 2. Sage JL. `Man-in-the-barrel syndrome’ after cerebral
hypoperfusion: clinical description, incidence, and
prognosis. Ann Neurol 1983;14:131.
A SHB é um termo originalmente utilizado para
3. Larrondo FJ, Mery V, Mellado P et al. Síndrome
descrever pacientes com quadro de paralisia flácida del “hombre en el barril”. Reporte de un caso e
nos membros superiores causada por infartos cere- revisión de la literatura. Revista Chilena de Medicina
brais após parada cardiorespiratória ou cirúrgias car- Intensiva, 2004;19(1):21-3.
díacas. No entanto, atualmente evidências apontam 4. Crisostomo EA, Suslavich FJ. Man-in-the-barrel
syndrome associated with closed head injury. J
que tal síndrome pode ocorrer em doenças agudas Neuroimaging 1994;4:116–7.
e crônicas do neurônio motor superior e inferior 8. 5. Wilck EJ, Gerard PS, Keilson M, Bashevkin M,
Estas podem se apresentar inicialmente como uma Lieberman J. Symmetrical cerebral metastasis
paresia bilateral do membro superior antes de se de- presenting with bilateral upper extremity weakness. J
Neuroimaging 1996;6:254–6.
senvolver um comprometimento motor generalizado 6. Moore AP, Humphrey PR. Man-in-the-barrel syndrome
[9]. As doenças do neurônio motor são caracterizadas caused by cerebral metastases. Neurology
por deterioração progressiva dos neurônios motores 1989;39:1134-5.
superior e inferior, no trato córtico-espinhal, tronco 7. Alberca R, Iriarte LM, Rasero P, Villalobos F. Brachial
diplegia in central pontine myelinolysis. J Neurol
cerebral e corno anterior da medula espinhal. Não 1985;231:345-6.
há testes patognomônicos para o diagnóstico, porém 8. Vainstein G, Gordon C, Gadoth N. HTLV-1 Associated
as características clínicas, patológicas eletrofisioló- motor neuron disease mimicking “Man-in-the-Barrel”
gicas, genéticas, e imunológicas podem auxiliar no syndrome. J Clin Neuromuscul Dis 2005;6(3):127-
31.
diagnóstico. A apresentação, fenótipos clínicos, e
9. Katz S, Wolfe GI, Andersson PB, Saperstein DS,
prognóstico são variados e podem em alguns casos Elliott JL, Nations SP et al. Brachial amyotrophic
provocar dúvidas devido a distribuição atípica e prog- diplegia: a slowly progressive motor neuron disorder.
nóstico incerto [10,11], como no presente estudo. Neurology 1999;53:1071.
10. Winhammar J, Rowe D, Henderson R, Kiernan MC.
A AEP refere-se a um quadro restrito aos neu-
Assessment of disease progression in motor neuron
rônios motores inferiores. As primeiras descrições disease. Lancet Neurol 2005;4:229-38.
desta desordem geralmente são creditadas a Aran 11. Van den Berg-Vos RM, Visser J, Franssen H. Sporadic
[12] e Duchenne [13] no início do século XIX. Algum lower motor neuron disease with adult onset:
tempo depois, Charcot e Joffroy [14] distinguiram dua classification of subtypes. Brain 2003;126(5):1036-
47.
formas de doença do neurônio motor, agora consi- 12. Aran FA. Recherches sur une maladie non encore
deradas como Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) e décrite du système musculaire. Arch Gen Med
AEP. Estimativas mais recentes apontam que de 4 1850;24:5–35.
a até 33 % dos casos de doença do neurônio motor 13. Duchenne GBA. Recherches faites à l’orde des
galvanisine sur l’état de la contractilité et de la
se apresentam como uma desordem exclusiva do sensibilité électromusculaires dans les paralysies des
neurônio motor inferior [15-17]. Pacientes com AEP membres supérieurs. CR Acad Sci 1849;29:667–70.
136 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010

14. Charcot JM, Joffroy A. Deux cas d’atrophie musculaire 18. Verma A, Bradley WG. Atypical motor neuron disease
progressive. Arch Physiol Norm Pathol 1869;2:354– and related motor syndromes. Semin Neurol
67. 2001;21(2):177-87.
15. Tan E, Lynn DJ, Amato AA, Kissel JT, Rammohan KW, 19. Orsini M, Catharino AM, Catharino FM, Mello MP,
Sahenk Z et al. Immunosuppressive treatment of Freitas MR, Leite MA, Nascimento OJ. Man-in-the-
motor neuron syndromes: attempts to distinguish a barrel syndrome, a symmetrical proximal brachial
treatable disorder. Arch Neurol 1994;51:194–200. amyotrophic diplegia related to motor neuron
16. Mortara P, Chio A, Rosso MG, Leone M, Schiffer diseases: a survey of nine cases. Rev Assoc Med
D. Motor neuron disease in the province of Turin, Bras 2009;55(6):712-5.
Italy, 1996-1980: survival analysis in an unselected 20. Alpert JN. Transient attacks of man-in-the-barrel
population. J Neurol Sci 1984;66:165–73. syndrome. South Med J 2010;103(1):72-3.
17. Norris F, Shepherd R, Denys E et al. Onset, natural
history and outcome in idiopathic adult motor neuron
disease. J Neurol Sci 1993;118:48–55.
Instruções aos autores

A revista Neurociências é uma publicação com periodicidade 3. Revisão


bimestral e está aberta para a publicação e divulgação de artigos São trabalhos que expõem criticamente o estado atual
científicos das várias áreas relacionadas às Neurociências. do conhecimento em alguma das áreas relacionadas às neu-
Os artigos publicados em Neurociências poderão também rociências. Revisões consistem necessariamente em síntese,
ser publicados na versão eletrônica da revista (Internet) assim análise, e avaliação de artigos originais já publicados em
como em outros meios eletrônicos (CD-ROM) ou outros que revistas científicas. Todas as contribuições a esta seção que
surjam no futuro. Ao autorizar a publicação de seus artigos na suscitarem interesse editorial serão submetidas a revisão por
revista, os autores concordam com estas condições. pares anônimos.
A revista Neurociências assume o “estilo Vancouver” (Uni- Formato: Embora tenham cunho histórico, revisões não
forme requirements for manuscripts submitted to biomedical expõem necessariamente toda a história do seu tema, exceto
journals) preconizado pelo Comitê Internacional de Diretores de quando a própria história da área for o objeto do artigo. O texto
Revistas Médicas, com as especificações que são detalhadas deve conter um resumo de até 200 palavras em português e
a seguir. Ver o texto completo em inglês desses Requisitos outro em inglês. O restante do texto tem formato livre, mas
Uniformes no site do International Committee of Medical Journal deve ser subdividido em tópicos, identificados por subtítulos,
Editors (ICMJE), www.icmje.org, na versão atualizada de outubro para facilitar a leitura.
de 2007 (o texto completo dos requisitos está também disponível, Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada
em inglês, no site de Atlântica Editora em pdf). e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 25.000 car-
Submissões devem ser enviadas por e-mail para o editor acteres, incluindo espaços.
(artigos@atlanticaeditora.com.br). A publicação dos artigos é Figuras e Tabelas: mesmas limitações dos artigos originais.
uma decisão dos editores, baseada em avaliação por revisores Referências: Máximo de 100 referências.
anônimos (Artigos originais, Revisões, Perspectivas e Estudos
de Caso) ou não. 4. Perspectivas
Como os leitores da Neurociências têm formação muito Perspectivas consideram possibilidades futuras nas
variada, recomenda-se que a linguagem de todos os artigos várias áreas das neurociências, inspiradas em acontecimen-
seja acessível ao não-especialista. Para garantir a unifor- tos e descobertas científicas recentes. Contribuições a esta
midade da linguagem dos artigos, as contribuições às várias seção que suscitarem interesse editorial serão submetidas
seções da revista podem sofrer alterações editoriais. Em todos a revisão por pares.
os casos, a publicação da versão final de cada artigo somente Formato: O texto das perspectivas é livre, mas deve iniciar
acontecerá após consentimento dos autores. com um resumo de até 100 palavras em português e outro
em inglês. O restante do texto pode ou não ser subdividido
1. Editorial e Seleção dos Editores em tópicos, identificados por subtítulos.
O Editorial que abre cada número da Neurociências Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada
comenta acontecimentos neurocientíficos recentes, política e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 10.000 car-
científica, aspectos das neurociências relevantes à sociedade acteres, incluindo espaços.
em geral, e o conteúdo da revista. A Seleção dos Editores traz Figuras e Tabelas: máximo de duas tabelas e duas figuras.
uma coletânea de notas curtas sobre artigos publicados em Referências: Máximo de 20 referências.
outras revistas no bimestre que interessem ao público-alvo
da revista. Essas duas seções são redigidas exclusivamente 5. Estudo de caso
pelos Editores. Sugestões de tema, no entanto, são bem- São artigos que apresentam dados descritivos de um ou
vindas, e ocasionalmente publicaremos notas contribuídas mais casos clínicos ou terapêuticos com características semel-
por leitores na Seleção dos Editores. hantes. Contribuições a esta seção que suscitarem interesse
editorial serão submetidas a revisão por pares.
2. Artigos originais Formato: O texto dos Estudos de caso deve iniciar com um
São trabalhos resultantes de pesquisa científica apre- resumo de até 200 palavras em português e outro em inglês.
sentando dados originais de descobertas com relação a O restante do texto deve ser subdividido em Introdução, Apre-
aspectos experimentais ou observacionais. Todas as contri- sentação do caso, Discussão, Conclusões e Literatura citada.
buições a esta seção que suscitarem interesse editorial serão Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada
submetidas a revisão por pares anônimos. e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 10.000 car-
Formato: O texto dos artigos originais é dividido em Re- acteres, incluindo espaços.
sumo, Introdução, Material e métodos, Resultados, Discussão, Figuras e Tabelas: máximo de duas tabelas e duas figuras.
Conclusão, Agradecimentos e Referências. Referências: Máximo de 20 referências.
Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada
e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 25.000 6. Opinião
caracteres (espaços incluídos), e não deve ser superior a 12 Esta seção publicará artigos curtos, de no máximo uma
páginas A4, em espaço simples, fonte Times New Roman página, que expressam a opinião pessoal dos autores sobre
tamanho 12, com todas as formatações de texto, tais como temas pertinentes às várias Neurociências: avanços recentes,
negrito, itálico, sobre-escrito, etc. O resumo deve ser enviado política científica, novas idéias científicas e hipóteses, críticas
em português e em inglês, e cada versão não deve ultrapas- à interpretação de estudos originais e propostas de interpre-
sar 200 palavras. A distribuição do texto nas demais seções tações alternativas, por exemplo. Por ter cunho pessoal, não
é livre, mas recomenda-se que a Discussão não ultrapasse será sujeita a revisão por pares.
1.000 palavras. Formato: O texto de artigos de Opinião tem formato livre,
Tabelas: Recomenda-se usar no máximo seis tabelas, no e não traz um resumo destacado.
formato Excel ou Word. Texto: Não deve ultrapassar 3.000 caracteres, incluindo
Figuras: Máximo de 8 figuras, em formato .tif ou .gif, com espaços.
resolução de 300 dpi. Figuras e Tabelas: Máximo de uma tabela ou figura.
Referências: Máximo de 50 referências. Referências: Máximo de 20 referências.
7. Resenhas animais estão de acordo com as normas vigentes na
Publicaremos resenhas de livros relacionados às Neuro- Instituição e/ou Comitê de Ética responsável;
ciências escritas a convite dos editores ou enviadas espon- (7) telefones de contato do autor correspondente.
taneamente pelos leitores. Resenhas terão no máximo uma
página, e devem avaliar linguagem, conteúdo e pertinência do 2. Página de apresentação
livro, e não simplesmente resumi-lo. Resenhas também não A primeira página do artigo traz as seguintes informações:
serão sujeitas a revisão por pares. - Seção da revista à que se destina a contribuição;
Formato: O texto das Resenhas tem formato livre, e não - Nome do membro do Conselho Editorial cuja área de concen-
traz um resumo destacado. tração melhor corresponde ao tema do trabalho;
Texto: Não deve ultrapassar 3.000 caracteres, incluindo - Título do trabalho em português e inglês;
espaços. - Nome completo dos autores;
Figuras e Tabelas: somente uma ilustração da capa do - Local de trabalho dos autores;
livro será publicada. - Autor correspondente, com o respectivo endereço, telefone
Referências: Máximo de 5 referências. e E-mail;
- Título abreviado do artigo, com não mais de 40 toques, para
8. Cartas paginação;
Esta seção publicará correspondência recebida, neces- - Número total de caracteres no texto;
sariamente relacionada aos artigos publicados na Neurociências - Número de palavras nos resumos e na discussão, quando
Brasil ou à linha editorial da revista. Demais contribuições devem aplicável;
ser endereçadas à seção Opinião. Os autores de artigos even- - Número de figuras e tabelas;
tualmente citados em Cartas serão informados e terão direito - Número de referências.
de resposta, que será publicada simultaneamente.
Cartas devem ser breves e, se forem publicadas, poderão 3. Resumo e palavras-chave
ser editadas para atender a limites de espaço. A segunda página de todas as contribuições, exceto Opiniões
e Resenhas, deverá conter resumos do trabalho em português
9. Classificados e em inglês. O resumo deve identificar, em texto corrido (sem
Neurociências Brasil publica gratuitamente uma seção subtítulos), o tema do trabalho, as questões abordadas, a
de pequenos anúncios com o objetivo de facilitar trocas e metodologia empregada (quando aplicável), as descobertas ou
interação entre pesquisadores. Anúncios aceitos para publi- argumentações principais, e as conclusões do trabalho.
cação deverão ser breves, sem fins lucrativos, e por exemplo Abaixo do resumo, os autores deverão indicar quatro
oferecer vagas para estágio, pós-graduação ou pós-doutorado; palavras-chave em português e em inglês para indexação do
buscar colaborações; buscar doações de reagentes; oferecer artigo. Recomenda-se empregar termos utilizados na lista dos
equipamentos etc. Anúncios devem necessariamente trazer DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) da Biblioteca Virtual
o nome completo, endereço, e-mail e telefone para contato da Saúde, que se encontra em http://decs.bvs.br.
do interessado.
4. Agradecimentos
Agradecimentos a colaboradores, agências de fomento
PREPARAÇÃO DO ORIGINAL e técnicos devem ser inseridos no final do artigo, antes da
Literatura Citada, em uma seção à parte.
1. Normas gerais 5. Referências
1.1 Os artigos enviados deverão estar digitados em proces- As referências bibliográficas devem seguir o estilo Van-
sador de texto (Word), em página A4, formatados da seguinte couver. As referências bibliográficas devem ser numeradas
maneira: fonte Times New Roman tamanho 12, com todas as com algarismos arábicos, mencionadas no texto pelo número
formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobrescrito, entre parênteses, e relacionadas na literatura citada na ordem
etc. em que aparecem no texto, seguindo as seguintes normas:
1.2 Tabelas devem ser numeradas com algarismos romanos, Livros - Sobrenome do autor, letras iniciais de seu nome,
e Figuras com algarismos arábicos. ponto, título do capítulo, ponto, In: autor do livro (se diferente
1.3 Legendas para Tabelas e Figuras devem constar à parte, do capítulo), ponto, título do livro (em grifo - itálico), ponto,
isoladas das ilustrações e do corpo do texto. local da edição, dois pontos, editora, ponto e vírgula, ano da
1.4 As imagens devem estar em preto e branco ou tons de impressão, ponto, páginas inicial e final, ponto.
cinza, e com resolução de qualidade gráfica (300 dpi). Fotos Exemplo:
e desenhos devem estar digitalizados e nos formatos .tif 1. Phillips SJ, Hypertension and Stroke. In: Laragh JH,
ou .gif. Imagens coloridas serão aceitas excepcionalmente, editor. Hypertension: pathophysiology, diagnosis and manage-
quando forem indispensáveis à compreensão dos resultados ment. 2nd ed. New-York: Raven press; 1995. p.465-78.
(histologia, neuroimagem, etc.)
Todas as contribuições devem ser enviadas por e-mail Artigos – Número de ordem, sobrenome do(s) autor(es),
para o editor (artigos@atlanticaeditora.com.br). O corpo do letras iniciais de seus nomes (sem pontos nem espaço), ponto.
e-mail deve ser uma carta do autor correspondente à editora, Título do trabalha, ponto. Título da revista ano de publicação
e deve conter: seguido de ponto e vírgula, número do volume seguido de dois
(1) identificação da seção da revista à qual se destina a pontos, páginas inicial e final, ponto. Não utilizar maiúsculas
contribuição; ou itálicos. Os títulos das revistas são abreviados de acordo
(2) identificação da área principal das Neurociências onde o com o Index Medicus, na publicação List of Journals Indexed in
trabalho se encaixa; Index Medicus ou com a lista das revistas nacionais, disponível
(3) resumo de não mais que duas frases do conteúdo da no site da Biblioteca Virtual de Saúde (www.bireme.br). Devem
contribuição (diferente do resumo de um artigo original, ser citados todos os autores até 6 autores. Quando mais de
por exemplo); 6, colocar a abreviação latina et al.
(4) uma frase garantindo que o conteúdo é original e não foi Exemplo:
publicado em outros meios além de anais de congresso; Yamamoto M, Sawaya R, Mohanam S. Expression and
(5) uma frase em que o autor correspondente assume a localization of urokinase-type plasminogen activator receptor
responsabilidade pelo conteúdo do artigo e garante que in human gliomas. Cancer Res 1994;54:5016-20.
todos os outros autores estão cientes e de acordo com o
envio do trabalho;
(6) uma frase garantindo, quando aplicável, que todos os Todas as contribuições devem ser enviadas por e-mail para:
procedimentos e experimentos com humanos ou outros artigos@atlanticaeditora.com.br
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 139

Eventos
2010 Outubro
20 a 23 de outubro
Agosto
XL Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia
17 a 21 de agosto
Expo Unimed Curitiba, PR
I.Congresso Franco-brasileiro sobre Psicanálise, Filiação
Informações: http://www.sbponline.org.br/rap.php
e Sociedade
27 a 30 de outubro
Tema: Adoção:da criança à filiação
XXVIII Congresso Brasileiro de Psiquiatria
Recife Palace Hotel, Recife, PE
Centro de Convenções do Ceará, Fortaleza, CE
Informações: www.unicap.br/congresso_adocao
Informações: http://www.cbpabp.org.br
24 a 27 de agosto
XXIV Congresso Brasileiro de Neurologia Novembro
Riocentro, Rio de Janeiro, RJ 13 a 17 de novembro
Informações: www.rioneuro2010.com. Neuroscience 2010
26 a 28 de agosto Informações: www.sfn.org/
I Congresso I nternacional Adolescência e Violência: Per-
spectivas Clinica, Educacional e Jurídica 2011
Brasília, DF Julho
Informações: http://www.congressoadolescencia.uni-
14 a 19 de julho
versa.org.br
8th IBRO World Congress
Setembro Florence, Italy
8 a 11 de setembro Informações: http://www.sfn.org
XXXIV Congresso Anual da SBNeC
Caxambu, MG
Informações: www.sbnec.org.br
neurociências
psicologia
Sumário
Volume 6 número 3 - julho/setembro de 2010

EDITORIAL
Luz e depressão, Jean-Louis Peytavin............................................................................................. 143

OPINIÃO
Sobre a educação, Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro ............................................................................ 144

PERSPECTIVA
Lombalgia crônica e sensibilização central, Patrick RNAG Stump .................................................... 147
O tratamento da dor em pacientes com depressão e ansiedade, Luciana Sarin ............................... 152

ENTREVISTA
Aripiprazole e o risco cardiometabólico, John Newcomer ................................................................ 157

ARTIGOS ORIGINAIS
Validação das escalas psicométricas PID e escala de procrastinação,
Álvaro Machado Dias .................................................................................................................... 162
Qualidade do sono em portadores de distrofias musculares progressivas,
Franciani Rodrigues, Diuli Gross Hoffmann, Juliana Meller, Mayara de Souza Darolt,
Rodolfo Savaris Amboni, Thayse Silvestri Cruz, Gaspar Giappa, Lisiane Tuon .................................... 167

REVISÃO
Aspectos relevantes da integração sensorial: organização cerebral,
distúrbios e tratamento, Natalia Molleri, Mariana Pimentel de Mello,
Marco Orsini, Dionis Machado, Juliana Bittencourt, André Luiz Menezes da Silva,
Victor Hugo Bastos ....................................................................................................................... 173

ATUALIZAÇÕES
Práticas de modificação corporal: patologia e cultura, Miriam Elza Gorender .................................. 180
Tratamento farmacológico da esquizofrenia, Ary Gadelha de Alencar Araripe Neto,
Itiro Shirakawa ............................................................................................................................. 184

NORMAS DE PUBLICAÇÃO ..................................................................................................... 194

EVENTOS .................................................................................................................................. 196


142 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

neurociências
psicologia ISSN 1807-1058

Revista Multidisciplinar das


d Ciências
Ciê i do d Cérebro
Cé b
Editor: Luiz Carlos de Lima Silveira, UFPA
Editor associado: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, Fiocruz
Editor-assistente: Daniel Martins de Barros, HC-USP
Presidente do conselho editorial: Roberto Paes de Carvalho, UFF

Conselho editorial
Aniela Improta França, UFRJ (Neurolingüística)
Carlos Alexandre Netto, UFRGS (Farmacologia)
Cecília Hedin-Pereira, UFRJ (Desenvolvimento)
Daniela Uziel, UFRJ (Desenvolvimento)
Dora Fix Ventura, USP (Neuropsicologia)
Eliane Volchan, UFRJ (Cognição)
João Santos Pereira, UERJ (Neurologia)
Koichi Sameshima, USP (Neurociência computacional)
Leonor Scliar-Cabral, UFSC (Lingüística)
Lucia Marques Vianna, UniRio (Nutrição)
Marcelo Fernandes Costa, USP (Psicologia Experimental)
Marco Antônio Guimarães da Silva, UFRRJ/UCB (Fisioterapia e Reabilitação)
Marco Callegaro, Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (Psicoterapia)
Marco Antônio Prado, UFMG (Neuroquímica)
Rafael Linden, UFRJ (Neurogenética)
Rubem C. Araujo Guedes, UFPE (Neurofisiologia)
Stevens Kastrup Rehen, UFRJ (Neurobiologia Celular)
Vera Lemgruber, Santa Casa do Rio de Janeiro (Neuropsiquiatria)
Wilson Savino, FIOCRUZ (Neuroimunologia)

Neurociências é publicado com o apoio de:


SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento)
Presidente: Marcus Vinícius C. Baldo
www.sbnec.org.br

Atlântica Editora
e Shalon Representações
Praça Ramos de Azevedo, 206/1910 Editor executivo
Centro 01037-010 São Paulo SP E-mail: atlantica@atlanticaeditora.com.br Dr. Jean-Louis Peytavin
www.atlanticaeditora.com.br jeanlouis@atlanticaeditora.com.br
Atendimento Editor assistente
(11) 3361 5595 /3361 9932 Guillermina Arias
E-mail: assinaturas@atlanticaeditora.com.br guillermina@atlanticaeditora.com.br
Diretor Direção de arte
Assinatura Antonio Carlos Mello Cristiana Ribas
1 ano (4 edições ao ano): R$ 160,00 mello@atlanticaeditora.com.br cristiana@atlanticaeditora.com.br

Todo o material a ser publicado deve ser enviado para o seguinte endereço de e-mail:
artigos@atlanticaeditora.com.br
Atlântica Editora edita as revistas Fisioterapia Brasil, Fisiologia do Exercício, Enfermagem Brasil e Nutrição Brasil
I.P. (Informação publicitária): As informações são de responsabilidade dos anunciantes.
© ATMC - Atlântica Multimídia e Comunicações Ltda - Nenhuma parte dessa publicação pode ser reproduzida,
arquivada ou distribuída por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia ou outro, sem a permissão escrita do
proprietário do copyright, Atlântica Editora. O editor não assume qualquer responsabilidade por eventual prejuízo a
pessoas ou propriedades ligado à confiabilidade dos produtos, métodos, instruções ou idéias expostos no material
publicado. Apesar de todo o material publicitário estar em conformidade com os padrões de ética da saúde, sua
inserção na revista não é uma garantia ou endosso da qualidade ou do valor do produto ou das asserções de seu
fabricante.
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 143

Editorial

Luz e depressão
Jean-Louis Peytavin

A descoberta da melatonina alterou definitiva- entre as várias disciplinas: a dor lombar pode se tra-
mente a pesquisa sobre o sono e o ciclo vigília-sono, tar por medicamentos antidepressivos, o que poderia
mesmo se esse avanço não resultou até hoje em apli- ser explicado pelo mecanismo da “sensibilização
cações práticas significativas (a melatonina, como central”. Este trabalho de Patrick Stump (USP) é
medicamento, não tem ainda grandes indicações, completado por um artigo de Luciana Sarin (Unifesp)
pelo menos oficialmente). Mas vários resultados sobre as relações complexas entre dor e depressão.
recentes mostraram a importância e a complexidade Publicamos um trabalho exaustivo, devido a Ary
das pesquisas nessa área. Gadelha de Alencar Araripe Neto e Itiro Shirakawa
Por exemplo, um estudo realizado por pesqui- (Unifesp) sobre o tratamento farmacológico atual da
sadores da Ohio State University, apresentado na esquizofrenia e seus efeitos adversos, como a sín-
reunião anual de 2011 da Sociedade para a Neuro- drome metabólica e os distúrbios hormonais. O risco
ciência [1], mostrou que a luz durante a noite, por cardiometabólico dos antipsicóticos é também o ob-
mais fraca que seja, produz alterações no hipocampo jeto da entrevista do Dr John Newcomer (Washington
e pode desempenhar um papel fundamental nos University School of Medicine, St. Louis, Missouri),
transtornos depressivos. A experiência foi feita em especialista reconhecido do tratamento antipsicótico
hamsters, mas, segundo os pesquisadores, pode- e de suas eventuais complicações.
ria explicar os sintomas depressivos em pessoas Não podemos citar aqui todos os trabalhos
que dormem com a televisão ligada. Na ausência publicados nesta edição, mas queria insistir sobre
de outras alterações biológicas, a modificação da a atualidade do trabalho de Miriam Elza Gorender
secreção da melatonina, dependente da luz, seria (UFBA) que trata das patologias contemporâneas de
uma explicação plausível. modificação corporal, desde a cirurgia plástica até
Outra pesquisa vindo de Bélgica e Canadá [2] a procura do corpo perfeito.
mostra que quando o assunto é relacionar luz e emo-
ções, não se trata de qualquer luz: o comprimento de Referências
onda tem a sua importância e a luz azul seria mais
conveniente para lidar com as emoções. Nos países 1. Bedrosian TA, Fonken LK, Walton JC, Haim A, Nel-
son RJ. Dim light at night provokes depression-like
da Europa, por exemplo, onde a qualidade da luz
behaviors and reduces CA1 dendritic spine density in
varia entre o verão e o inverno, a quantidade de luz female hamsters. Psychoneuroendocrinology 2011
azul diminui significativamente durante os meses de Feb 1.
inverno, o que poderia ser um mecanismo adicional 2. Vandewalle G, Schwartz S, Grandjean D, Wuillaume
para explicar a depressão sazonal. C, Balteau E, Degueldre C, Schabus M, Phillips C, Lu-
xen A, Dijk DJ, Maquet P.Spectral quality of light mo-
Nesta edição de Neurociências e Psicologia, dulates emotional brain responses in humans. Proc
propomos também trabalhos que estão na fronteira Natl Acad Sci U S A. 2010 Nov 9;107(45):19549-54.
144 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

Opinião

Sobre a educação
Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro

Este texto é parte do Discurso de Posse de Cláudio Tadeu Daniel-


Ribeiro, editor associado de Neurociências, como Membro Titular (Ca-
deira 87, Patrono João Baptista de Lacerda) na Academia Nacional de
Medicina, 31 de agosto de 2010.

... É antiga usança acadêmica que o recipiendário também aborde,


em sua fala, um assunto de interesse da Academia, como a Saúde
Pública, a prática clínica, a ética médica ou a investigação científica.
Envolvido na vida Acadêmico-Científica desde o meu primeiro ano de
formado, há 33 anos, poderia optar por discorrer sobre algum dos temas
que afligem Cientistas e Líderes de Instituições Públicas de Pesquisa:
políticas de avaliação do desempenho acadêmico-científico baseadas
no impacto dos periódicos científicos em que publicamos, organização
das Instituições de Pesquisa, estruturação do processo de produção de
conhecimento moderno, a hiperespecialização e a formação de jovens
pesquisadores...
Tenho a sorte de pertencer a uma Instituição que, mesmo não
estando imune aos problemas ligados a essas questões, é um Oásis
na realidade Nacional, Sul-Americana e do Hemisfério Sul. Uma história
singela, entretanto, vivida durante a travessia da temporada de minha
candidatura, me impressionou de maneira tão marcante, que fez nascer
em mim o desejo de tratar do tema que acho que esteja por trás dela.
*Médico e Doutor em Biologia Optei, assim por falar sobre a Educação fundamental e do respeito
Humana, Pesquisador Titular da Fio- às regras em nosso País. Explico como tomei tal decisão. Passei o fim
cruz e do CNPq, Cientista do nosso de semana que precedeu o prazo final para entrega do currículo e da
Estado da Faperj e Coordenador do monografia trabalhando com minha leal secretária Cláudia Castro em
Centro de Pesquisa, Diagnóstico e meu Laboratório de Pesquisas no campus da Fiocruz.
Treinamento em Malária da Fiocruz. Na manhã de sábado, entrei apressado no Prédio, e não vi cair do
bolso do paletó dobrado em meus braços, minha carteira de dinheiro
Correspondência: Prof. Dr. Cláudio e documentos. Instantes depois, batia à porta do Laboratório o zela-
Tadeu Daniel-Ribeiro, Laboratório dor do prédio acompanhado de um funcionário da jardinagem, para a
de Pesquisas em Malária, Instituto devolverem a mim. Antes de retomar meu trabalho, ditei uma carta ao
Oswaldo Cruz – Fiocruz, Av. Brasil Chefe de Serviço dos protagonistas do episódio fazendo comentários
4365, Pavihão Leônidas Deane – 5º elogiosos sobre a, esperada e natural embora progressivamente rara,
andar 21045-900 Rio de Janeiro idoneidade deles.
RJ, Telefax (21) 3865-8145, E-mail: Dias depois, encontraria um dos funcionários na entrada do pré-
ribeiro@ioc.fiocruz.br dio. Saudou-me e disse que havia sido chamado pelo seu superior
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 145

que lhe havia mostrado a minha carta e o elogiado. episódio, a falta de respeito mais basal às regras
Confessou-me que, apesar de ter trabalhado com o de conduta e civilidade, o desprezo pela vida, e as
mesmo afinco e dedicação na Fiocruz todos os dias deficiências graves na estrutura de uma Instituição
dos últimos muitos anos, nunca havia recebido uma que deveria ser o baluarte da disciplina, da ética e
carta de elogio, e que aquele era, sem dúvidas, o da moralidade.
dia mais feliz da vida dele. Assim que fui eleito e Durante a campanha que realizei na fase que
experimentei uma emoção sem precedentes pensei precedeu minha eleição, entregava nas visitas que
em nossas felicidades, a minha e a de meu colega fiz aos Senhores Acadêmicos, um artigo sobre a
Luciano Faceiro, competente e dedicado funcionário formação e utilização de imagens nos processos
dos jardins, vivenciadas em um dos dias (para dizer cognitivos. Durante sua redação, sentimos a neces-
o mínimo) mais felizes de nossas vidas. sidade de melhor formular as bases de uma idéia que
Não tenho a menor idéia de se a amplitude e a batizaríamos de “a pré-história da imaginação”. Como
intensidade de nossos sentimentos eram compará- transitávamos em uma área em que não éramos
veis (se é que é assim que se mede felicidade), mas especialistas, acabamos estudando alguns aspectos
pensei que fossem possivelmente de natureza muito da paleoantropologia.
distintas. Se escolho falar da educação e se começo Pois bem, quero evocar aqui algumas informa-
este tópico do meu discurso vos narrando este acon- ções antes de vos apresentar uma conclusão que,
tecimento é porque considero que ela teria mudado para tornar curta uma longa história, foi uma muito
a dimensão da expectativa e mesmo da natureza do grande surpresa para nós! Talvez o mais importante
dia mais feliz da vida de meu colega. marcador exclusivo de nossa linhagem evolucionária
Vimos, nas últimas semanas, notícias as- seja a marcha bipedálica. Nenhuma outra caracterís-
sustadoras estampadas nas seções policiais dos tica isolada é tão marcante de nossa ancestralidade
principais jornais. Opto por me fixar em uma delas hominídea quanto o fato de nos deslocarmos em
e vos apresentar uma série de acontecimentos la- duas pernas. Tal característica do Homo sapiens está
mentáveis e surpreendentes, no limite do crível, que presente em nossos ancestrais mais antigos, como o
correspondem a diferentes facetas de um mesmo Australopithecus afarensis (a Lucy) que tem de 3,2 a
triste evento. Terão que me perdoar pelos sentimen- 3,7 milhões de anos de idade; o mais recentemente
tos de indignação que causarei aos senhores. Dois descoberto Ardipithecus ramidus (o Ardi), que reco-
jovens amigos, um deles filho de uma famosa atriz loca nosso ancestral comum com os chimpanzés a
de televisão, brincam, tarde da noite, andando de 4,4 milhões de anos; e mesmo no Sahelanthropus
skate em um túnel temporariamente interditado em tchadensis, que tem cerca de sete milhões de anos
uma auto-estrada na cidade do Rio de Janeiro; um e sobre o qual há evidências de que, embora conser-
grupo de jovens, que faz no mesmo horário um pega vasse a capacidade de subir em árvores, tornou-se
de carros desrespeitando a sinalização e a própria apto a caminhar por distâncias cada vez maiores.
interdição de tráfico naquele ponto, atropela um dos Refiro-me agora a um outro aspecto da antropo-
jovens, abandonando o local sem prestar socorro à logia, na qual dizer que “o homem é o único animal
vítima que vem a falecer; um grupo de policiais pára inteiramente dependente de sua cultura” é um lugar
o carro seriamente avariado pelo atropelamento e comum. Aludo ao capítulo que se convencionou cha-
exige uma propina para liberá-lo, mas, ao saber do mar de “as crianças selvagens” que, abandonadas,
acidente, aumenta o valor da propina solicitada; o pai acabaram vivendo privadas do convívio com adultos
do motorista do carro envolvido no crime se prepara da nossa espécie, às vezes com animais. Surpreen-
para pagá-la, mas volta atrás; o capitão da Polícia deu-me sobremaneira concluir que nem o caráter ou
Militar que julgava dias depois os policiais militares comportamento bipedal, para o qual desenvolvemos,
envolvidos na corrupção é autuado nove horas após, por cerca de sete milhões de anos, uma estrutura ós-
por furto e formação de quadrilha por ter sido preso sea adequada, é instintivo o bastante para prescindir
com mais 10 pessoas roubando fios de uma opera- do componente educativo do convívio com adultos da
dora telefônica. espécie organizado em sociedade. As irmãs Amala e
Penso que esta sucessão inimaginável de acon- Kamala, perdidas em muito tenra idade na Índia do
tecimentos que, como dezenas de outros que ocor- início do século passado e encontradas vivendo com
rem a cada dia em nosso entorno, pode ser tomada cães selvagens, se deslocavam de quatro!
como exemplo, revela de forma caricatural a ausência Os Senhores já sabem onde quero chegar: o
de limites por parte dos diferentes protagonistas do homem precisa aprender até para ser humano, ao
146 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

contrário das abelhas, ou dos lobos, que nascem É lugar comum a comparação que começou a
sabendo praticamente o que tem que fazer, mas ser feita entre Brasil e Coréia do Sul nos anos 60
não farão mais do que isso. Podem até aprender em um estudo do Banco mundial. Para mim deixou
pela observação, mas não ensinam o que apren- de ser um chavão depois que estive lá, aliás, junto
dem. Só o homem transmite a cultura. Nada é, com o Acadêmico José Rodrigues Coura, e consta-
portanto, mais importante e vital para ele do que o tamos cidades limpas, ricas, com gente educada e
que chamamos de sua educação. Assim, costumo vestida convenientemente, carros bonitos na rua e
dizer que “organizarmo-nos em sociedade é nosso um shopping como não vi em nenhum outro lugar do
maior atributo e também nosso maior requisito”. mundo no aeroporto de Seul.
A educação transforma o animal Homo sapiens no Um Coreano médio passa hoje mais tempo na
homem, é a interface entre nossa animalidade e Escola do que um Europeu. Colocada junto com Brasil
nossa humanidade, e Gana no estudo dos anos 1960, a Coréia do Sul
Quando o visitei, o Acadêmico Pedro Sampaio superou o Brasil, apontado na época como País do
perguntou-me: - “Você acha, como Rousseau, que o futuro, em vários indicadores incluindo a renda per
homem é bom e a Sociedade o corrompe ou, como capta e número de patentes. O Brasil liderava o grupo
Kant, que ele é mau ou rude e a Sociedade o detém?” e tinha o dobro da renda per capta da Coréia (US$
Acho, Acadêmico Sampaio, que o homem é, em 350 nossos versus US$ 170 deles). Hoje os números
seu estado primitivo inicial, um animal que carece do se inverteram e a deles é três vezes a nossa (US$
contato com indivíduos adultos de sua espécie para 24.000 deles vs. menos de US$ 7.000 nossos).
desenvolver sua humanidade. Tanto Victor, o menino As razões são simples: um brutal investimento
selvagem, na França, Kaspar Hauser, o da Alemanha, em educação. O que nem todos sabem é que na
as meninas lobas Kamala e Amala, da Índia e até a Coréia há cinco universidades nacionais de educação
mocinha encontrada recentemente em uma floresta que formam professores para o ensino fundamental.
na Tailândia, mesmo recolocados em um ambiente Elas têm um vestibular extremamente disputado e
social e familiar revelaram-se incapazes de desenvol- recrutam seus estudantes entre os 5% melhores...
ver pensamento abstrato e expressar sentimentos. do secundário. Esses vão ser professores no ensi-
Então educar é começar cedo. Priorizemos de for- no fundamental. O número de vagas abertas nelas
ma sem precedente o reforço às Escolas Municipais corresponde ao planejamento para o número de
e o Ensino Básico no nosso País. Como cientista e professores necessários para quatro ou cinco anos
Professor Orientador de cursos de Doutorado em uma depois, por isso quem consegue entrar nessas uni-
Instituição de Pesquisa do porte da Fiocruz aprecio versidades tem emprego praticamente assegurado
o Sistema Francês que trata da Educação em dois e também a garantia de bom salário. O ordenado
Ministérios: o da Educação, para os Ensinos Básico inicial de professores de ensino fundamental lá é,
e Fundamental, e o do Ensino Superior e da Pesquisa em média, maior do que os salários iniciais de ou-
para o Ensino Universitário e a Pesquisa. tras profissões graduadas. Não parece muito com a
nossa realidade...
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 147

Perspectiva

Lombalgia crônica e sensibilização central


Patrick RNAG Stump

Definição das lombalgias

E clássico dizer que a lombalgia é mais um sintoma do que uma


doença. Isto quer dizer que para todas as lombalgias devemos encon-
trar uma patologia subjacente, bastaria fazer o diagnostico e instituir o
tratamento apropriado. Atualmente na maioria dos casos não é possí-
vel identificar o mecanismo fisiopatológico. A experiência e a literatura
mostram que a etiologia é confirmada em menos de 20% dos casos [1].
A lombalgia mecânica comum exprime um quadro álgico na região
lombar que pode se apresentar na forma de lombalgia e lombociatalgia
[1]. A lombalgia é qualquer dor lombar que não se irradia além da prega
glútea e a lombociatalgia é definida como uma dor lombar com irradiação
para os membros inferiores na topografia inervada por L5 e S1. Quando
de instalação aguda é denominada de lumbago e quando o quadro algico
ultrapassar os 3 meses de lombalgia crônica. O diagnóstico de lombal-
gia mecânica comum exclui todas as lombalgias secundárias a uma
causa orgânica reconhecida como tumor, infecção, afecção reumática
inflamatória ou metabólica [1].

Epidemiologia

Todos os estudos epidemiológicos são de difícil conclusão pelo fato


da ausência de causa específica. São fundamentados mais sobre a quei-
xa do paciente do que sobre uma real doença. A lombalgia crônica tornou
se um diagnóstico cômodo para certos pacientes que estão atualmente
inválidos por razão socioeconômicas, profissionais ou psicológicos.
Numerosos estudos demonstram que de 70 a 80 % da população
apresenta uma dor lombar em um momento da sua vida [2]. A prevalência
anual da lombalgia na população adulta situa-se em torno de 15 a 45 %
com uma media de 30 % [2]. Nos Estados Unidos, a lombalgia é a causa
mais comum de limitação das atividades da população com menos de
45 anos. É a segunda causa de consulta médica, a quinta causa de
internação hospitalar e a terceira causa de cirurgia [3]. A prevalência da
Medico fisiatra do Instituto Lauro lombalgia aumenta progressivamente até a idade de 65 anos e diminui
De Souza Lima, Medico fisiatra do a seguir sem que se conheçam as razões.
grupo de dor da neurocirurgia do
HCFMUSP
148 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

Aspectos sócio-econômicos gias na qual a dor é influenciada pelos movimentos da


coluna. As patologias mais frequentes são: fissuração
A evolução dos pacientes com lombalgia é de aneurisma da aorta, dissecação da aorta, tumores
habitualmente excelente, pois 90 % ou mais curam da pelve ou renal, adenopatias paravertebrais malig-
com menos de 3 meses. Somente de 6 a 8 % dos nas. Nestas patologias os métodos de imagem do
pacientes continuam sofrendo após 3 meses de abdômen e pelve permitem evidenciar anormalidades
uma lombalgia aguda ou subaguda, no entanto esta inaccessíveis à palpação, ausculta ou toque [12].
população é responsável por 70 a 80 % dos custos B - Lombalgias associadas a patologias que
das lombalgias em termos da perda de dias traba- afetam diretamente a coluna lombar. Neste caso
lhados e indenizações [4,6]. Para estes pacientes a urgência está na determinação da etiologia in-
a lombalgia torna-se uma invalidez importante que fecciosa. As infecções que comprometem a coluna
leva ao absenteísmo [3] elevando os custos da lombar são a espondilodiscite, mais raramente as
previdência social. espondilites isoladas ou epidurites. Elas ocorrem
Várias publicações demonstram bem a impor- geralmente em pacientes predispostos (transplan-
tância dos custos indiretos em relação aos custos tados, imunodeprimidos, operados, pos-parto,
diretos nas lombalgias [5-8]. São considerados dependentes químicos). Atualmente a ressonância
custos indiretos os dias parados remunerados com magnética é o exame indicado caso a radiografia
auxilio doença, aposentadoria por invalidez, perdas não for conclusiva. As lombalgias febris podem
de produtividade e perda de oportunidade de novo ocorrer sem infecção quando da localização óssea
emprego. Os custos indiretos se situam entre 62 a da doença de Hodgkin e dos linfomas não Hodgkin.
93 % dos custos totais das lombalgias [6,7]. Em adulto jovem as lombalgias de ritmo inflamatório
nos remetem a pensar em: espondiloartropatias
Diagnóstico e quadro clínico reumáticas, neurinomas e outros tumores intra
raquidianos, osteoma osteiode e osteoblastoma.
Na maioria dos casos a lombalgia é um sin- Assim como as metástases vertebrais e o mieloma
toma e não uma doença, e em apenas 10 a 20 % na faixa etária de 50 anos [12].
nas lombalgias agudas e 10 a 45 % nas lombalgias
crônicas o sintoma pode ser imputado a uma lesão Lombalgias de horário mecânica
anatômica definida [9,10]. Portanto, o tratamento
será sintomático na maioria dos casos. Também denominada de lombalgia comum, é
Em primeiro lugar, o procedimento diagnóstico a mais frequente das lombalgias, não apresentam
deve ser dirigido no sentido de afastar as patologias elementos clínicos relevantes e preocupantes. As
mais graves onde o retardo do mesmo é prejudicial dores apresentam um ritmo estritamente mecânico.
para o paciente [11]. A anamnese e o exame clínico As dores pioram com o passar do dia e melhoram
permitem se não um diagnostico anatômico preciso, com o repouso.
mas classificar lombalgia dentro de um quadro noso-
lógico. A primeira etapa é determinar no interrogatório Lombalgias de horário mista inflamatório e
o caráter inflamatório ou mecânico das dores. No mecânica
entanto esta classificação não é perfeita, pois certas
dores podem ter iniciadas com um ritmo mecânico Certo numero de lombalgias apresenta caracte-
e passar para um ritmo inflamatório ou misto, cons- rísticas mecânicas antes de se tornarem inflamató-
tituindo armadilhas diagnósticas. rias notadamente no curso das patologias tumorais
benignas ou malignas [12].
Lombalgias de horário inflamatório O diagnostico definitivo de uma lombalgia crô-
nica requer:
O caráter inflamatório é definido pelo horário • Uma anamnese precisa da sintomatologia, loca-
noturno da dor que acorda o paciente na segunda lização, características, fatores desencadeantes
parte da noite, obrigando o a se levantar, com trava- de piora e de melhora das dores, assim como o
mento matinal de longa duração. A dor inflamatória grau de incapacidade do paciente.
nos remete a dois grupos de patologias: • Um exame clínico músculo-esquelético e neuro-
A - Lombalgias sintomáticas de etiologia extra- lógico rigoroso pesquisando sinais de sofrimento
coluna lombar. Neste grupo encontramos as patolo- radicular associado.
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 149

As imagens devem confirmar a impressão cli- O neurônio primário ao entrar na substancia cin-
nica quanto à estrutura anatômica comprometida. zenta do corno posterior da medula faz sinapse com
É necessário manter uma atitude “crítica” frente a o segundo neurônio que está na origem dos tratos as-
imagens radiológicas que não têm relação com o cendentes (espino-talámico e espino-reticulo-talámico
quadro clínico. Quando o conjunto dos elementos é entre outros). Estes levarão o estimulo nociceptivo
concordante um diagnostico anatômico pode ser pro- para o córtex cerebral onde pode ser interpretado ou
posto. Todavia em mais de 50 % dos casos nenhum não como dor, pois ira sofrer várias interferências,
diagnostico de lesão é factível [12]. modulando o no seu trajeto [14].
No corno posterior da medula o segundo neu-
Sensibilização periférica rônio é também chamado de neurônio convergente
por três motivos:
A característica da dor crônica, independente da • Ele recebe impulsos nociceptivos vindos tanto
sua etiologia ou dos seus mecanismos, é perder a das estruturas superficiais quanto somáticas ou
sua função protetora e tornar se uma síndrome clinica das vísceras fato este que explica a dor referida.
por si só com um comprometimento importante da Exemplo: no infarto do miocárdio o paciente
qualidade de vida do paciente. refere, além da dor torácica, dor no antebraço
A lombalgia crônica não pode diferir de qualquer esquerdo.
dor crônica no que tange aos mecanismos periféricos • Ele recebe da periferia, além dos impulsos noci-
e centrais de sensibilização neural que ocorrem após ceptivos, os não nociceptivos. Estes últimos têm a
estímulos nociceptivos constantes por um longo perí- capacidade de inibir a transmissão dos impulsos
odo de tempo, culminando com alterações plásticas nociceptivos “fechando a porta” Melzack. Esta
dos neurônios. propriedade é usada pelas técnicas analgésicas
O sistema de detecção dos estímulos dolorosos na como a massagem, a estimulação elétrica trans-
periferia é constituído de nociceptores ligados a fibras cutânea TENS.
nervosas (neurônio primário) finas amielínicas ou pouco • Ele recebe também impulsos vindos dos centros
mielinizadac, as fibras C e A respectivamente. O corpo superiores, do tronco cerebral, via tratos descen-
celular destes neurônios encontra se no gânglio da raiz dentes, impulsos estes que podem ser facilitado-
dorsal e penetram no corno posterior da medula onde res ou inibidores modulando a passagem impulso
faz sinapse com um segundo neurônio [13,14]. nociceptivo para o córtex.
Várias substâncias são liberadas em função de
lesões dos tecidos no intuito de repará-los. Estas A passagem dos impulsos pela sinapse é
substâncias chamadas de “sopa inflamatória”, que complexa e mediada por neurotransmissores e
contem íons H+ e K+, bradicinina, serotonina, hista- neuromoduladores dos quais abordaremos somente
mina, adrenalina, citocinas, prostaglandinas, subs- os principais para compreensão da clinica e do trata-
tancia P, VIP (peptídeo vaso ativo intestinal), CGRP mento da dor. Os neurotransmissores que veiculam
(peptídeo derivado do gene da calcitonina) entre os impulsos entre os aferentes nociceptivos primá-
outros, podem ativar ou sensibilizar os nociceptores rios e os neurônios nociceptivos da medula são os
presentes na área lesada. Nesta condição existe uma aminoácidos excitatórios (aspartato, glutamato) e os
dor espontânea agravada por estímulos de qualquer neuropeptídios (substancia P, CGRP, VIP etc). Além
natureza denominada de hiperalgesia primaria, que de seu papel na transmissão normal dos impulsos no
desaparece com a cura da lesão [14]. caso da manutenção de um trem de impulsos noci-
ceptivos sustentados dos aferentes primários, estas
Sensibilização central substâncias estão na origem da hipersensibilidade
dos neurônios convergentes que nada mais é que
Um segundo e importante processo está en- a sensibilização central, cuja expressão clínica é a
volvido na dor inflamatória é a hiperexcitabilidade hiperalgesia secundária. (dor ao redor e a distancia
dos neurônios da medula espinal aos impulsos da lesão) [14]. Caso o trem de impulso se mantiver
oriundos da articulações e músculos. Woolf & Wall por um tempo prolongado o mesmo pode mudar a
[15] e Sluka [16] demonstraram que a semelhança plasticidade do neurônio espinal e deixar alterações
dos aferentes cutâneos com as fibras aferentes de irreversíveis.
tecidos profundos é particularmente capaz de induzir A modulação da passagem dos impulsos noci-
a sensibilização central. ceptivos da periferia para o segundo neurônio, no
150 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

corno posterior da medula é realizada por um siste- grande heterogeneidade. As várias publicações
ma complexo de impulsos oriundos da periferia por [17,18] que procuraram objetivar a eficácia, baseada
neurônios não nociceptivos que liberam na sinapse em evidências, das medicações antiinflamatórias e
do segundo neurônio aminoácidos inibitórios tais analgésicas e outras modalidades terapêuticas no
como a glicina e o acido gama-hidroxibutírico GABA. tratamento das lombalgias crônicas encontraram
Assim, como pelo sistema inibitório descendente dificuldades devido a metodologia dos diversos es-
que, oriundo do tronco do encéfalo, atua sobre o tudos publicados: heterogeneidade dos pacientes
interneurônio, liberando serotonina (5-HT), noradre- (lombalgias agudas ou crônicas associadas ou não
nalina (NA), e dopamina [13,14]. Também participa a dor radicular), duração dos tratamentos (injeção
da modulação dos impulsos nociceptivos no corno única ou tratamento de várias semanas), critérios
posterior a presença de encefalinas e dinorfinas de inclusão e modalidades de randomização mal
que são opióides endógenos (endorfinas) assim especificados. Outros fármacos tais como antide-
como as colicistoquininas que inibem a ação das pressivos tricíclicos, recaptadores duais anticon-
endorfinas. vulsivantes e morfínicos fracos (codeína, tramadol)
O equilíbrio entre o sistema facilitador que são recomendados em consensos para o tratamento
permite a passagem do impulso nociceptivo e do das lombalgias crônicas. Recentemente Skljarevski
sistema inibitório que modula a passagem do mesmo et al. [18], em um estudo duplo cego randomizado
permite que a interpretação do impulso nociceptivo com 267 pacientes portadores de lombalgia crônica,
seja adequada. comparando a duloxetina nas dosagens de 20, 60 e
Várias estruturas cerebrais estão implicadas na 120 mg/dia em dose única com placebo durante 13
decodificação do impulso nociceptivo para eventual- semanas, demonstraram que a duloxetina foi superior
mente ser interpretada como dor. Estas estruturas na melhora da intensidade media da dor em 24 horas
são interligadas e têm um papel específico na análise da 3a à 11a semana, porem o efeito não se manteve
e integração participando de um ou outro componen- nas duas ultimas semanas. A duloxetina mostrou-
te da experiência dolorosa, entre as quais o córtex se também superior nos resultados dos objetivos
somatosensorial que intervém na decodificação, secundários de qualidade de vida mensurados pelos
identificação e localização do estimulo nociceptivo, o Roland-Morris Disability Questionnaire (RMDQ-24),
girus cingulus e a insula que têm um papel na atenção Patient’s Global Impressions of Improvement (PGI-I),
no estado de alerta e as emoções, o tronco cerebral Brief Pain Inventory (BPI), alem de se mostrar segura
que ativa os controles descendentes moduladores e bem tolerada.
e a reação ao estresse, assim como para o córtex O diagnostico e a terapêutica continuam essen-
frontal que controla o comportamento [14]. cialmente práticos na maioria das lombalgias crôni-
Há vários sistemas de controle e modulação dos cas. O mais frequente é que o médico e o paciente
impulsos nociceptivos em todos os níveis do sistema têm o desejo de chegar a uma explicação orgânica
nervoso. O controle segmentar na medula é o mais dos sintomas, lembrando que o diagnostico lesional
conhecido e estudado. O mesmo tipo de controle é difícil e somente tem interesse se levar a uma
ocorre no tálamo. Múltiplos controles descendentes conduta terapêutica especifica ou a tratamentos cuja
oriundos do córtex, cujos mecanismos ainda não são relação custo/beneficio seja favorável.
bem elucidados, atuam em estruturas cerebrais de O importante é manter em mente que, indepen-
situação inferiores [14]. dentemente da eficácia da medicação, o tratamento
O termo controle se aplica tanto a atividade da lombalgia crônica não se limita a prescrição de
facilitadora quanto inibidora do impulso nociceptivo fármacos. A abordagem terapêutica da lombalgia
oriundo do tronco encéfalico destinado a medula crônica é multidisciplinar, incluindo a medicina fí-
espinal. sica, a acupuntura, a reabilitação, a psicoterapia e
programas de educação [20].
Tratamento com medicação analgésica nas
lombalgias crônicas Referências
Apesar do uso indiscriminado de medicações 1. Inserm. expertise collective. Lombalgies en milieu
professionnel quels facteurs de risque et quelle
analgésicas e antiinflamatórias não-esteroides (AI-
prévention ? Paris: Inserm; 2000.
NEs), poucos estudos avaliaram a eficácia destes 2. Cherkin DC et al. An international comparison of back
fármacos nas lombalgias crônicas, devido a sua surgery rates. Spine 1994;19:1201-6.
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 151

3. Nordin M, Anderson GBJ, Pope MH. Musculoskeletal 13. Schaible HG. Basic mechanisms of deep somatic
disorders in the workplace; principles and practice. pain. In: McMahon SB, Koltzemburg M, eds. Wall and
St Louis; Mosby; 1997. p.253-68. Melzack textbook of pain. 5th ed. London: Elsevier
4. Andersson GBJ. The epidemiology of spinal disorders, Churchill Livingstone; 2006. p. 621-33.
In: Frymoyer JW, ed. The adult spine: principles and 14. Schaible HG. Neuronal mechanism of joint pain.
practice, 2nd ed. Philadelphia: Lippincott-Raven; In: Castro-Lopes J, ed. Current topics in pain: 12th
1997. p.93-141. Congress of Pain IASP Press. Seattle; 2009. p.115-
5. Andersson GBJ. Epidemiological features of chronic 37.
low-back pain. Lancet 1999;354:581-5. 15. Woolf CJ, Wall PD. Relative effectiveness of C
6. Hillman M, Wright A, Rajaratnam G, Tennant A, primary afferent fibres of different origins in evoking
Chamberlain MA. Prevalence of low back pain in aprolonged facilitation on flexor reflex in the rat. J
the community: implications for service provision Neurosci 1986;6:1433-42.
in Bradford UK. J Epidemiol Community Health 16. Sluka KA. Stimulation of deepsomatic tissue with
1996;50:347-52. capsaicin produces long-lasting mechanical allodynea
7. Linton SJ. Prevention with special reference to chronic and hypoagesia that depend on early activation of the
musculoskeletal disorders. In: Gatchel RJ, Turk DC. cAMP pathway. J Neurosci 2002;22:4687-93.
Psychosocial factors in pain: critical perspectives. 17. Blotman F, Treves R, Bannwarth B et al. Le
New York: Guilford Press; 1999. p.374-89. traitement des lombalgies chroniques. Rev Rhum
8. Praemer A, Furnes S, Rice DP. Musculoskeletal 1994;61(S4):S51-S64.
conditions in the United States. Rosemont: AAUS; 18. Schofferman J. Long-term opioid therapy for
1992. p.1-99. severe refractory lumbar spine pain. Clin J Pain
9. Bernard TN, Kirkaldy-Willy WH. Recognizing specific 1999;15(2):136-40.
characteristics of non specific low back pain. Clin 19. Skljarevski V, Ossanna M, Liu-Seifert H, Zhang Q,
Orthop 1987;217:266-80. Chappell A, Iyengar S, Detke M, Backonja M. A
10. Nachemson AL. Advances in low back pain. Clin double-blind, randomized trial of duloxetine versus
Orthop 1985;200:266-78. placebo in the management of chronic low back pain.
11. Amor B, Dougados M. Orientation générale du Eur J Neurol 2009;16(9):1041-8.
diagnostic des lombalgies. Rev Prat 1986;36:705- 20. Coutaux A. Antalgiques et lombalgie chronique,
10. médicaments et neurostimulation transcutanée. In :
12. Poiraudeau S, Lefevre Colau MM, Fayad F, Rannou La douleur lombaire. Paris: Conception A Éditorial;
F, Revel M. Lombalgies. Encyclopédie Médico- 2001. p.101-22.
Chirurgicale 2004;15-840-C-10.
152 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

Perspectiva

O tratamento da dor em pacientes com


depressão e ansiedade
Luciana Sarin

Introdução
A dor é o sintoma mais comum da medicina e a relação entre
dor e depressão é bastante complexa. A depressão pode ser ao
mesmo tempo causa e consequência de sintomas físicos dolorosos,
pois áreas cerebrais semelhantes regulam o humor e os aspectos
afetivos da dor [1]. Assim sendo, a associação entre depressão,
ansiedade e dor é frequente, uma interfere e agrava a outra e vice
e versa. Estudos epidemiológicos demonstraram que a prevalência
de sintomas físicos dolorosos está aumentada em pacientes com
transtornos de humor e de ansiedade [2-4]. A presença de dor e/
ou sintomas físicos nesses pacientes resulta em maior dificuldade
para o reconhecimento da depressão [5] e pior evolução do quadro
depressivo, devido à dificuldade de procura de tratamento especiali-
zado e da baixa eficácia do tratamento antidepressivo nos sintomas
dolorosos, entre outros fatores [2-4]. A presença de sintomas so-
máticos na depressão influencia não apenas a evolução do quadro
depressivo, mas também é preditiva do aumento da mortalidade de
doenças clínicas comórbidas [6].
A recíproca é verdadeira, pois é muito comum que sintomas
depressivos acompanhem a dor crônica. A prevalência de transtorno
depressivo maior em pacientes com dor crônica situa-se em torno de
30 a 50% [7], uma taxa muito maior do que aquela encontrada na
população. Em torno de 2/3 de pacientes com dor persistente (lom-
balgia, dor pélvica, osteoartrite, fibromialgia) apresentam história de
transtorno depressivo [8].
A presença dessas comorbidades pode, portanto, comprometer a
resposta ao tratamento. Sua identificação precoce e uso da terapêutica
adequada são muito importantes para que a remissão completa da
Médica Assistente do Programa depressão seja atingida e com isso ocorra melhora na qualidade de
de Distúrbios Afetivos e Ansiosos vida dos pacientes e redução do impacto sócio-econômico causado
(PRODAF), Universidade Federal de pela doença.
São Paulo (UNIFESP)
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 153

Por que perguntar sobre dor ao avaliar meses [4]. Aproximadamente 45% das pessoas com
pacientes deprimidos? transtorno de ansiedade (sem depressão) apresen-
taram também sintomas físicos dolorosos, enquanto
Sintomas dolorosos são extremamente fre- que apenas 28% dos indivíduos sem transtorno de
quentes entre pacientes deprimidos. Bair et al. [9] ansiedade relatavam algum sintoma doloroso. Sexo
observaram taxas em torno de 65% de sintomatologia feminino e idade mais alta também foram preditores
dolorosa nesta população. Outro estudo do mesmo da presença de sintomas físicos dolorosos.
grupo demonstrou que dois terços dos indivíduos
de uma amostra de 573 pacientes deprimidos na A comorbidade entre Transtorno Depressivo
atenção primária apresentavam sintomas dolorosos. Maior, Transtorno de Ansiedade e Transtorno
A severidade da dor foi considerada um forte preditor Somatoforme
de ausência de resposta aos inibidores seletivos de
recaptação da serotonina, concluindo que um melhor Cada uma dessas condições está associada a
reconhecimento desse subgrupo de pacientes e o um prejuízo funcional e incapacitação para o trabalho,
tratamento visando a remissão da sintomatologia além de custos econômicos elevados. Em torno de
dolorosa podem aumentar as taxas de remissão um terço dos pacientes com transtorno somatoforme
do quadro depressivo [10]. Demyttenaere et al. [3], apresenta comorbidade com transtorno de ansiedade
demonstraram em estudo multicêntrico (N = 21.425) e transtorno depressivo, enquanto que ansiedade e
que sintomas físicos dolorosos foram relatados por depressão ocorrem concomitantemente em mais de
29% de indivíduos que não apresentavam episódio 50% dos casos [14]. A sobreposição desses diagnós-
depressivo e em 50% daqueles com depressão, ticos deve-se, em parte, ao fato deles partilharem cri-
isto é, um em cada dois indivíduos com depressão térios diagnósticos como alterações do sono, perda
apresentavam queixa dolorosa, evidenciando assim de energia, prejuízo da concentração e também ao
a alta prevalência da dor em pacientes deprimidos. fato da presença de uma dessas condições serem
O estudo FINDER [11], um estudo observacional fator de risco para a ocorrência da outra. Em um
que investigou a qualidade de vida de 3.468 pacien- estudo multicêntrico, Löwe et al. [15] avaliaram em
tes deprimidos. Mais da metade dessa população 2.092 pacientes de atenção primária a prevalência
(56,3%) apresentava dor moderada a severa e 53% dessas três síndromes individualmente e a frequên-
desses pacientes apresentavam interferência da dor cia da comorbidade entre elas, assim como o prejuízo
na vida diária no início do estudo. Após seis meses funcional causado por dada uma dessas condições
de seguimento essas proporções caíram para 32,5% e pela sobreposição das mesmas. A comorbidade
e 28,1%, respectivamente. Escores iniciais altos de ocorreu em mais de 50% dos casos, demonstrando
sintomas somáticos não dolorosos foram fortemente que a co-ocorrencia entre as síndromes é a regra e
associados à severidade da dor e maior interferência não a exceção, e a falta de identificação desse fato
da dor na vida diária, assim como idade mais elevada, pode ter sérias implicações em termos de resposta
desemprego, maior número de episódios anteriores ao tratamento e consequente prejuízo funcional do
e maior duração do episódio atual. indivíduo.

Transtornos de ansiedade e sintomas físicos Tratamento


dolorosos
Bases neurobiológicas do tratamento da
A presença de sintomas dolorosos não é espe- comorbidade dor e depressão
cífica dos quadros depressivos, mas também ocorre A dor é uma experiência multidimensional que
frequentemente (cerca de 35%) nos pacientes com pode ser transformada de um processo adaptativo em
transtornos de ansiedade sem depressão [12]. A recí- um estado patológico. A transmissão da dor envolve
proca é verdadeira, isto é, pacientes com dor crônica estímulos periféricos e centrais e a percepção doloro-
tendem a apresentar maior frequência de transtornos sa é modulada pelas vias descendentes que podem
de ansiedade, como ansiedade generalizada e pâni- ter um efeito inibidor ou facilitador dessa percepção.
co, do que a população geral [13]. A relação entre O estímulo doloroso persistente atua simultanea-
sintomas físicos dolorosos e ansiedade foi investi- mente como um gatilho do aumento da facilitação da
gada em estudo multicêntrico realizado em 6 países dor e redução na inibição da dor. Nas vias modulató-
na Europa (ESEMeD), em 21.425 adultos durante 12 rias descendentes, serotonina (5-HT) e noradrenalina
154 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

(NA), que são dois importantes neurotransmissores superior aos ISRS [17]. Os antidepressivos de ação
envolvidos em dor e depressão, regulam a sinalização dual aumentam e mantêm a atividade da via inibitória
vinda das regiões corticais para a área periaquedutal descendente bulboespinhal, que está comprometida
cinzenta [16]. Alem disso, 5-HT e NA também regulam nas condições de dor crônica.
a sinalização da dor no corno dorso lateral da medula A presença de sintomas físicos e dolorosos
espinhal (Figura 1). A NA inibe a sinalização da dor na depressão reduzem as chances dos pacientes
nas vias inibitórias descendentes, enquanto que alcançarem remissão, como foi demonstrado por
5-HT pode tanto inibir como facilitar a percepção da Leuchter et al. [18] no estudo STAR*D. Na primeira
dor, nas vias descendentes. Talvez por esse motivo etapa desse estudo, 2.876 pacientes foram tratados
os ISRS usados em monoterapia não apresentem com citalopram, de 20 a 60 mg/dia, a critério clínico,
eficácia no tratamento da dor neuropática e mostrem durante 14 semanas. Cerca de 80% dos participantes
menor eficácia no controle de sintomas dolorosos apresentavam sintomas físicos dolorosos, sendo que
que acompanham os quadros depressivos em geral. 25% deles queixavam-se de dor diária.
Nessa população, alem da presença de dor,
Figura 1 - Papel da 5HT e NA nas vias descenden- fatores sócio-demográficos tais como sexo femini-
tes de dor. no, também constituíram-se como fatores de risco
para baixas taxas de remissão. Em termos de ca-
Corte frontal racterísticas clínicas, as baixas taxas de remissão
do cérebro associaram-se com depressão ansiosa (Tabela I).

Tabela I - Características sócio-demográficas e clíni-


cas de acordo com a severidade da dor (modificado
de Leuchter et al. [18]).
Dor Ausente Leve Moderada Grave
576 1003 758 539
N = 2.876
(20%) (34%) (26%) (18%)
Mesencéfalo HAM-D
21.8 20.7 22.7 24.7
Inicial
Medula Sexo Feminino 63.7 62.3 67.9 70.1
rostroventral Depressão
Ansiosa (N = 181 395 480 474
1530)
Remissão
184 292 202 112
Citalopram
Medula
espinhal
O tempo para remissão ser atingida foi mais
precoce nos pacientes sem sintomas físicos doloro-
5-HT sos do que naqueles com a presença desse tipo de
NA
sintoma. Quanto mais intensa a dor, maior o tempo
Fonte: grupo de Telemedicina - USP para que a resposta e remissão fossem atingidas.
A presença desses sintomas indicou claramente um
Todos antidepressivos apresentam eficácia subtipo de depressão mais resistente ao tratamento
semelhante quando a sintomatologia física ou com ISRS (Figura 2).
dolorosa está presente? A duloxetina é o antidepressivo dual que foi
O papel da serotonina e noradrenalina na de- mais estudado quanto à eficácia no tratamento de
pressão é amplamente reconhecido, assim como o dor, sendo que sua ação analgésica independe da
papel dessas monoaminas na regulação dor. Apesar ação antidepressiva. Fishbain et al. [19] analisaram
do tratamento da depressão por si só aliviar a dor, seis estudos placebo controlados com duloxetina
o efeito analgésico dos antidepressivos não é de- em 900 pacientes com transtorno depressivo maior
pendente da atividade antidepressiva. Os agentes e neuropatia diabética. O efeito analgésico ocorreu
duais, que são medicações que atuam em serotonina antes do efeito antidepressivo e não houve corre-
e noradrenalina, apresentam um efeito analgésico lação entre a curva de resposta antidepressiva e o
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 155

efeito analgésico, indicando que o efeito analgésico a chance de recuperação completa do paciente. Além
independe do antidepressivo e vice versa. disso, os sintomas dolorosos afetam negativamente
o funcionamento ocupacional e social dos pacientes.
Figura 2 - Taxas de remissão com tratamento com Os achados discutidos neste artigo demonstram a
citalopram e a presença de dor [18]. necessidade dos profissionais envolvidos nessa
4% área estarem alerta para a identificação dessa co-
7% morbidade tão frequente, para que estes pacientes
recebam um tratamento efetivo. O tratamento da
10% associação de dor e depressão deve ser agressivo e
visar à remissão dos sintomas, pois quando a dor é
tratada aumenta a chance da remissão ser atingida.
7% A literatura atual demonstra que os antidepressivos
de ação dual são aqueles que apresentam maiores
72% evidências de ação analgésica, sendo, portanto, o
tratamento mais adequado para os pacientes que
apresentem sintomas físicos dolorosos associados
a depressão e/ou ansiedade.
Sem remissão Remissão com
dor moderada
Remissão sem dor Remissão com Referências
dor severa
Remissão com
dor leve 1. Giesecke T, Gracely RH, Williams DA, Geisser ME,
Petzke FW, Clauw DJ. The relationship between
Perahia et al. [20] estudaram pacientes deprimi- depression, clinical pain, and experimental pain
dos que não responderam (ou responderam apenas in a chronic pain cohort. Arthritis and Rheum
2005;52:1577–84.
parcialmente aos inibidores seletivos de recaptação
2. Ohayon MM, Schatzberg AF. Using chronic pain
de serotonina (ISRS) e se beneficiaram da substi-
to predict depressive morbidity in the general
tuição pela duloxetina, com redução dos sintomas population. Arch Gen Psychiatry 2003;60:39-47.
físicos dolorosos, tais como dor, cefaléia e lombal- 3. Demyttenaere K, Bonnewyn A, Bruffaerts R, Brugha
gia. Um estudo aberto, com uma pequena amostra T, De Graaf R, Alonso J. Comorbid painful physical
de pacientes deprimidos (N = 30) com comorbidade symptoms and depression: prevalence, work loss,
como cefaléia primária (enxaqueca crônica, cefaléia and help seeking. J Affect Disord 2006;92,:185-93.
tensional ou ambas) mostrou que a melhora da dor 4. Demyttenaere K, Bonnewyn A, Bruffaerts R, De Graaf
e da depressão foi significativa desde a primeira R, Haro JM, Alonso J. Comorbid painful physical
semana de tratamento e manteve-se ao longo das symptoms and anxiety: prevalence, work loss and
oito semanas do estudo [21]. help-seeking. J Affect Disord 2008;109:264–72.
Fava et al. [22] estudaram os efeitos antidepres- 5. Kirmayer LJ, Robbins JM, Dworkind M, Yaffe MJ.
Somatization and the recognition of depression and
sivos nos sintomas físicos dolorosos e a remissão
anxiety. Am J Psychiatry 1993;150:734-41.
da depressão em 495 pacientes deprimidos tratados
6. Schiffer AA, Pelle AJ, Smith ORF, Widdershoven JW,
com duloxetina ou placebo. A redução nos escores Hendriks EH, Pedersen SS. Somatic versus cognitive
de dor aumentou a probabilidade da remissão ser symptoms of depression as predictors of all-cause
atingida. A remissão foi mais frequente naqueles mortality and health status in chronic heart failure. J
pacientes cuja melhora da dor ocorreu nas primeiras Clin Psychiatry 2009;70:1667-73.
duas semanas de tratamento, sugerindo que quando 7. Banks SM, Kerns RD. Explaining hight rates of
a dor melhora a chance da remissão ser atingida é depression in chronic pain: a diathesisstress
maior. framework. Psych Bull 1996;119:95-110.
8. Katon W, Sullivan MD. Depression and chronic
Conclusão medical illness. J Clin Psychiatry 1990;51(suppl
6):3-11.
9. Bair MJ, Robinson RL, Katon W, Kroenke K.
Existe uma relação recíproca entre sintomas
Depression and pain comorbidity. Arch Intern Med
físicos dolorosos e depressão. A presença desses
2003;163:2433-45.
sintomas não apenas retarda o tempo para que a re- 10. Bair MJ, Robinson RL, Eckert GJ, Stang PE, Croghan
missão do quadro seja atingida, como também reduz RW, Kroenke K. 2004. Impact of pain on depression
156 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

treatment response in primary care. Psychosom Med studies on pain relief with antidepressants: a
2004;66:17-22. structured review. Pain Med 2000;1:310-6.
11. Demyttenaere K, Reed C, Quail D et al. Presence 18. Leuchter AF, Husain MM, Cook IA, Trivedi MH,
and predictors of pain in depression: Results from Wisniewski SR, Gilmer WS, Luther JF, Fava M,
the FINDER study. J Affect Disord 2010;125:53-60. Rush AJ. Painful physical symptoms and treatment
12. Sartorius N, Ustun TB, Costa e Silva JA, Goldberg outcome in major depressive disorder: a STAR*D
D, Lecrubier Y, Ormel J, Von Korff M, Wittchen HU. (Sequenced Treatment Alternatives to Relieve
An international study of psychological problems in Depression) report. Psychol Med 2010;40:239-51.
primary care: preliminary report from the World Health 19. Fishbain DA, Detke MJ, Wernicke J et al. The
Organization collaborative project on psychological relationship between antidepressant and analgesic
problems in general health care. Arch Gen Psychiatry responses: findings from six placebo-controlled
1993;50:819-24. trials assessing the efficacy of duloxetine in patients
13. Härter MC, Conway KP, Merikangas KR. Associations with major depressive disorder. Curr Med Res Opin
between anxiety disorders and physical illness. Eur 2008;24:3105-15.
Arch Psychiatry Clin Neurosci 2003;253:313-20. 20. Perahia DG, Quail D, Desaiah D, Montejo AL,
14. Kessler RC, Berglund P, Demler O et al. The Schatzberg AF. Switching to duloxetine in selective
epidemiology of major depressive disorder: results serotonin reuptake inhibitor non- and partial-
from the National Comorbidity Survey Replication responders: effects on painful physical symptoms of
(NCS-R). JAMA 2003;289:3095-105. depression. J Psychiatr Res 2009;43(5):512-8.
15. Löwe B, Spitzer RL, Williams JBW, Mussell M, 21. Volpe FM. An 8-week, open-label trial of duloxetine
Schellberg D, Kroenke K. Depression, anxiety and for comorbid major depressive disorder and chronic
somatisation in primary care: syndrome overlap headache. J Clin Psychiatry 2008;69(9):1449-54.
and functional impairment. Gen Hosp Psychiatry 22. Fava M, Mallinckrodt C, Detke M et al. The effect
2008;30:191-9. of duloxetine on painful physical symptoms in
16. Fields HL. Neurotransmitters in nociceptive modulatory depressed patients: do improvements in these
circuits. Annu Rev Neurosci 1991;14:219-45. symptoms result in higher remission rates? J Clin
17. Fishbain DA, Cutler RB, Rosomoff HL et al. Evidence- Psychiatry 2004;65:521-30.
based data from animal and human experimental
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 157

Entrevista

Aripiprazole e o risco cardiometabólico


Prof. Dr. John Newcomer

Os medicamentos antipsicóticos melhoraram significativamente o


tratamento e o controle das grandes doenças psiquiátricas, mas as al-
terações metabólicas dependentes das doenças e dos tratamentos são
hoje preocupantes. Estima-se que a esperança de vida dos pacientes
psiquiátricos com transtornos graves é reduzida de 25 a 30 anos, em
razão da altíssima prevalência de doenças cardiovasculares e de diabe-
tes nessa população, decorrentes do estilo de vida, do sedentarismo,
do tabagismo e dos efeitos adversos dos tratamentos.
Uma das opções possíveis para diminuir a incidência da obesidade,
da síndrome metabólica e das complicações cardiovasculares é o uso
de medicamentos que não favorecem o ganho de peso e a resistência
à insulina, primeiro passo antes da instalação do diabetes.
Neste sentido, o Dr. John Newcomer realizou o primeiro estudo
de grande escala, randomizado e duplo-cego, para avaliar o efeito da
substituição da olanzapina por aripiprazole sobre o peso e os marcado-
res metabólicos como a taxa de triglicérides. Nas páginas seguintes, o
Dr. John Newcomer comenta os resultados deste estudo e as soluções
disponíveis para diminuir o risco cardiometabólica nesta população.
Aripiprazole é um dos mais recentes antipsicóticos atípicos e é
indicado no tratamento da esquizofrenia, dos transtornos esquizoafeti-
vos, dos transtornos bipolares e outras doenças psiquiátricas severas.
Uma das suas características e de não favorecer o ganho de peso, que
é um dos efeitos adversos principais de todas as gerações anteriores
de medicamentos antipsicóticos.

Neurociências - Quais são os principais distúrbios metabólicos obser-


vados com os tratamentos antipsicóticos?
Dr John W. Newcomer, psiquiatra, é
professor de Psiquiatria, Psicologia Dr. John Newcomer - Os pacientes com transtornos psiquiátricos graves
e Medicina da Washington University apresentam uma prevalência muito elevado de todos os fatores de risco
School of Medicine, St. Louis, Mis- metabólicos para as doenças cardiovasculares e o diabetes. Os fatores
souri. Ele realizou inúmeros estudos de risco chave, que foram identificados pelo Framingham Study, por
clínicos pelo National Institutes of exemplo, são o sobrepeso, hipertensão, hiperglicemia, dislipidemia e
Health (NIH) e o National Institute of o tabagismo.
Mental Health (NIMH).
158 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

Estudo multicêntrico, randomizado, duplo-cego, dos efeitos de


aripiprazole em indivíduos com sobrepeso com diagnóstico de
Esquizofrenia ou Transtorno Esquizoafetivo que estiveram em uso de
olanzapina
A multicenter, randomized, double-blind study of the effects of aripiprazole in overweight
subjects with schizophrenia or schizoaffective disorder switched from olanzapine

Newcomer JW, Campos JA, Marcus RN, Breder C, Berman RM, Kerselaers W, L´italien GJ, Nys M, Carson WH,
McQuade RD, Department of Psychiatry, Psychology and Medicine, Washington University School of Medicine, St.
Louis, Missouri

J Clin Psychiatry 2008;69(7):1046-56

Objetivo: Os transtornos mentais severos são dos com aripiprazole vs. olanzapina (11,1% vs.
associados a risco aumentado de mortalidade 2,6%; p = 0,038), e um menor percentagem de
cardiovascular relacionada à obesidade, o que paciente tratados por aripiprazole apresentaram
aumenta o interesse para estratégias de redução um ganho de peso significativo (2,5% vs. 9,1%;
de risco ligado ao peso e aos lípides plasmáticos, p = 0,082). A média das alterações do colesterol
incluído o uso de agentes antipsicóticos com risco total de jejum e do HDL-colesterol na semana 16
metabólico baixo. Este estudo multicêntrico, rando- foi significativamente diferente entre aripiprazole
mizado, duplo-cego comparou os efeitos metabó- e olanzapina, sem efeitos significativos sobre as
licos de aripiprazole vs. olanzapina em indivíduos taxas de glicemia. A média do escores do questio-
com esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo e nário Impressão Global de Melhora Clínica (Clinical
com sobrepeso, que foram tratados anteriormente Global Impressions-Improvement - CGI-I) foi de “sem
por olanzapina. Método: No total, 173 pacientes alteração” até “melhora mínima”. Os escores de
com esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo, objetivos de CGI-I foram estatisticamente melhores
de acordo com as definições do DSM-IV-TR, foram com olanzapina (média ± DP = 3,09 ± 0,16) vs.
randomizados para receber aripiprazole (n = 88) aripiprazole (média ± DP = 3,74 ± 0,15; p < 0,001),
ou olanzapina (n = 85) durante 16 semanas em e mais pacientes descontinuaram aripiprazole (N
um estudo realizado de março de 2004 a agosto = 32/88; 36%) do que olanzapina (N = 22/85;
de 2006. Os objetivos primários e secundários 26%). Conclusão: Melhoras significativas do peso
foram a observação da alteração média do peso e dos lípides observadas após descontinuação
e dos níveis dos triglicérides de jejum, a partir da do tratamento com olanzapina e substituição por
linha de base. Resultados: Na semana 16, o peso aripiprazole ocorreram com evidência limitada de
diminuiu significativamente no grupo aripiprazole efeitos psiquiátricos negativos, em comparação
vs. olanzapina (-1,8 kg vs. +1,41 kg; p < 0,001). com a continuação do tratamento com olanzapina.
Diferenças significativas nas taxas de triglicérides Os resultados sugerem que o valor potencial da
foram observadas com aripiprazole (diminuição) substituição terapêutica envolvendo medicamentos
vs. olanzapina (aumento) em todos os controles antipsicóticos específicos pode ser considerado
laboratoriais. A perda significativa de peso (  para reduzir o risco cardiovascular nesta população
7% dos pacientes) foi maior em pacientes trata- de pacientes.
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 159

A incidência desses fatores de risco é muito Neurociências - Quais foram o desenho e os objetivos
elevada em pacientes psiquiátricos. A razão é multi- deste estudo?
fatorial, mas uma razão importante é o fato que os
pacientes psiquiátricos têm um acesso reduzido aos Dr. John Newcomer - Sabemos que vários medica-
cuidados médicos par causa da orientação terapêuti- mentos antipsicóticos podem favorecer o ganho de
ca. Em outras palavras, o tratamento da doença psi- peso, entre outros a olanzapina, enquanto que antip-
quiátrica é privilegiado nestes pacientes, geralmente sicóticos atípicos, como aripiprazole, têm nenhuma
por boas razões, mas no detrimento das outras doen- influência ou uma influência limitada sobre o peso e
ças que eles podem apresentar. No Brasil, como nos os lípides sanguíneos, como já foi demonstrado em
Estados Unidos, o sistema e saúde é fragmentado. vários estudos observacionais. Nosso objetivo, neste
O sistema psiquiátrico é separado do sistema geral trabalho, foi de realizar o primeiro estudo multicên-
de saúde, e o paciente catalogado como psiquiátrico trico e duplo-cego, com pacientes randomizados e
não é rastreado, observado, acompanhado como o duração total de 16 semanas, para observar o efeito
paciente com doenças comuns. da substituição de medicamentos sobre os fatores
Por exemplo, as doenças cardiovasculares são metabólicos que favorecem o ganho de peso e os
responsáveis de 36% da mortalidade nos Estados distúrbios lipídicos.
Unidos, contra 50% nas décadas anteriores. Esta No total foram selecionados 173 pacientes
diminuição não é tão o fato da melhora da preven- com esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo,
ção ou dos cuidados primários do que da melhora diagnosticados há mais de 10 anos e tratados por
do diagnóstico e dos cuidados intensivos. Mas si olanzapina durante 6 anos em média. O índice de
consideramos apenas a população dos pacientes massa corporal (IMC) da maioria dos pacientes era
com transtornas mentais graves como esquizofrenia, superior a 30 kg/m2.
depressão, transtorno bipolar, ou seja 5 a 10% da Os pacientes foram randomizados em 2 grupos,
população, esta população perde 25 a 30 anos de e receberam uma dose diária de 15 mg de aripipra-
esperança de vida, não por causa de suicídio, como zole durante 2 semanas, pois ajustada entre 10 e
se acredita, mas por morte precoce em decorrência 30 mg/dia durante as 14 semanas seguintes. Os
de doenças cardiovasculares. pacientes do grupo olanzapina continuaram o trata-
Outro exemplo característica é o tabagismo. Mui- mento anterior.
tos esforços foram feitos para diminuir o tabagismo Os objetivos primários do estudo foram do com-
na população geral, e a taxa de fumantes, que era parar o efeito de aripiprazole vs. olanzapina sobre o
de 50% foi reduzida a 25% aproximativamente. Mas peso a partir da linha de base até a 16ª semana.
estima-se que 50 a 80% dos pacientes psiquiátricos O segundo objetivo foi comparar as alterações nos
são fumantes e consumem 34 a 44% de todos os níveis de triglicérides de jejum. O terceiro objetivo era
cigarros vendidos nos Estados-Unidos. comparar a segurança, a tolerabilidade e a eficácia
Em psiquiatria, muitos pacientes têm uma de aripiprazole vs. olanzapina.
prevalência elevada de fatores de risco como obe-
sidade, dislipidemia, hipertensão, hiperglicemia,
que, adicionados ao tabagismo, aumentam o risco Neurociências - O seu estudo mostra a melhora dos
de doenças cardiovasculares. As pessoas com níveis de triglicérides e de colesterol em pacientes
esquizofrenia apresentam com muita freqüência tratados por aripiprazole. Em que isso é importante
uma constelação específica de fatores de risco a prática clínica?
cardiovasculares ligados à resistência à insulina,
chamada de síndrome metabólica, que aumenta Dr. John Newcomer - O efeito o mais significativo do
ambos os riscos de doenças cardiovasculares e de tratamento com aripiprazole foi a redução de peso
diabetes. Os níveis de triglicérides de jejum são um de 1,8 kg após 16 semanas, contra um ganho de
marcador habitual da resistência à insulina. Temos peso de 1,41 kg no grupo tratado com olanzapina. A
assim um aumento significativo de obesidade, de redução de peso foi ainda maior quando o tratamento
diminuição da tolerância à glicose e de diabetes anterior com olanzapina foi superior a 6 meses.
tipo 2 na população dos pacientes esquizofrênicas, O segundo objetivo, que foi o efeito sobre os
condições que podem aumentadas pelo uso de triglicérides, mostrou também uma redução signi-
tratamentos antipsicóticos. ficativa e rápida da taxa de triglicérides – a partir
da 4ª semana – com diminuição de 14,46% na 16ª
160 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

semana em relação a linha de base, versus aumento Neurociências - Quais são as dificuldades que você
de 5,29% no grupo tratado por olanzapina. Como encontra na substituição de tratamento?
no caso do peso, a melhora da taxa de triglicérides
foi maior nos pacientes com tratamento prolongado Dr. John Newcomer - Isso é a questão importante,
com olanzapina. que interessa todos os psiquiatras. Podemos con-
Podemos observar um efeito positivo sobre o cordar sobre a diminuição do risco cardiometabólico,
colesterol, com aumento significativo do HDL-C e mas a questão chave é saber se o tratamento é tão
diminuição do LDL-C no grupo aripiprazole. O efeito eficaz sobre o transtorno mental. Nesta população
sobre a glicemia de jejum, a insulina de jejum, a de pacientes, a substituição de medicamentos não
glicemia de 2h pós-prandial é neutro nos dois casos. é fácil, porque são tratamentos continuados por
Isso é importante porque a elevação dos trigli- muitos anos, e já foi observado que os pacientes
cérides é considerada como um marcador precoce que seguem um tratamento de longa duração com
do diabetes, anterior aos distúrbios biológicos e o mesmo medicamento aderem melhor do que os
metabólicos do diabetes. que trocam de tratamento, independentemente do
medicamento envolvido. A decisão deve ser tomada
em função do risco inerente ao transtorno psiquiátrico
Neurociências - Qual é a vantagem de substituir o e ao risco metabólico.
tratamento antipsicótico, ao invés de continuar o Em nosso estudo, acompanhamos a substitui-
mesmo medicamento associado ao tratamento da ção de medicamento pelo escore do Clinical Global
dislipidemia? Impressions-Improvement (CGI-I), que mostra que,
para a maioria dos pacientes, a substituição de
Dr. John Newcomer - Em frente do risco muito tratamento está avaliada com impressão “sem alte-
elevado de doença cardiovascular ou de diabetes ração” ou “alteração mínima”, o que significa que a
nesta população a risco elevado, temos teoricamente substituição é geralmente aceita sem dificuldades.
diferentes opções. A primeira seria de incentivar a Enfim, a olanzapina é mais sedativa do que o ari-
dieta alimentar e o exercício físico, a segunda é de piprazole, o que pode em alguns pacientes modificar
acrescentar um tratamento da dislipidemia a base de a reação ao tratamento e os sintomas da doença.
estatinas ou de fibratos, por exemplo. Neste último A substituição de medicamento necessita às vezes
caso, deveríamos considerar os efeitos adversos a adição de um tratamento de curta duração a base
potenciais do tratamento da dislipidemia e as dificul- de benzodiazepinas, para melhorar a sedação, se
dades de adesão. Se o objetivo é diminuir o risco precisar.
cardiometabólico, entre a opção de acrescentar um
tratamento da dislipidemia ou reduzir o risco com a
substituição do tratamento antipsicótico, a última Neurociências - Quais são os estudos atualmente em
opção é preferível. desenvolvimento para avaliar os distúrbios metabóli-
Enfim devemos considerar o risco de diabetes. cos em psiquiatria?
Neste ponto de vista o tratamento com aripiprazole
é favorável. O estudo foi realizado em pacientes Dr. John Newcomer - As grandes associações médi-
com IMC elevado, mas sem diabetes, e por uma cas, como American Diabetes Association, American
duração limitada a 16 semanas. Efetivamente os Psychiatric Association, American Association of
dois tratamentos não alteraram significativamente Clinical Endocrinologists ou The North American
a glicemia, a insulinemia ou a glicemia pós-prandial. Association for the Study of Obesity, já concluiram
Não é surpreendente, na medida que os pacientes, que os antipsicóticos podem agravar o risco para
no estádio de resistência à insulina, conseguem obesidade, diabetes e dislipidemia e sugeriram que
manter a taxa normal de glicemia por hipersecre- este risco deve ser considerado no momento da de-
ção compensatória de insulina. Mas o tratamento cisão de tratar. Os resultados atuais fornecem uma
antipsicótico é um tratamento de longa duração e base experimental para um consenso, pelo qual os
o risco diabético aumenta com a continuação do pacientes tratados por medicamentos antipsicóticos
tratamento. que desenvolvem um ganho de peso significativo, ou
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 161

hiperglicemia ou dislipidemia, deveriam trocar para com esquizofrenia ou transtornos esquizoafetivos,


um tratamento com risco menor. O estudo Compari- nos quais a substituição de medicamentos poderia
son of Antipsychotics for Metabolic Problems (CAMP) ser indicada, baseando-se no risco identificado de
está atualmente em desenvolvimento e vai estudar a doença cardiovascular apesar do controle adequado
eficiência de diferentes antipsicóticos em pacientes dos sintomas psiquiátricos.
162 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

Artigo original

Validação das escalas psicométricas PID


e escala de procrastinação
Validity of the psychometric scales PID and procrastination
Álvaro Machado Dias

Resumo
Contexto: No Brasil, o campo de estudos em tomadas de decisão é incipiente, o que
de certo modo se relaciona à falta de instrumentos para a prospecção de tendências
decisionais individuais. Objetivo: Traduzir e validar uma escala de estilo decisional e outro
de procrastinação, tradicionalmente utilizadas para a avaliação de padrões decisionais.
Material e Métodos: Os instrumentos escolhidos foram as escalas Preference for Intuition
and Deliberation (PID, Betch, 2008) e Procrastination Scale, (PS, Frost e Show, 1993),
que foram traduzidas e aplicadas em uma população de estudantes universitários, sem
histórico psiquiátrico, para a subsequente análise comparativa da consistência interna,
em relação a versões existentes, bem como para testar a correlação entre o desempenho
nas duas escalas. Resultados: A análise de consistência (Alpha de Chronbach) se mostrou
em ambos os casos coerente com resultados publicados em outras línguas (respectiva-
mente: 0,74 e 0,72) e a correlação entre elas foi baixa (0,03), sugerindo a importância
da aplicação de ambas para um mapeamento destas tendências.

Palavras-chave: escalas psicométricas, validação, escala de procrastinação, estilo deci-


sional, intuição, razão, tomadas de decisão.

Abstract
Context: In Brazil, the field of decision-making is still incipient and this has to do with the
lack of psychometric instruments to prospect individual decisional tendencies. Objectives:
To translate and validate a decisional style scale and a procrastination scale, commonly
used in the evaluation of decisional tendencies. Material & Methods: The selected instru-
ments are Preference for Intuition and Deliberation (PID, Betch, 2008) and Procrastination
Scale, (PS, Frost e Show, 1993), which were translated and applied to a cohort of graduate
students, with no psychiatric records, for comparative analysis of internal consistence
in relation to the available versions, as well as to evaluate the correlation between the
two. Results: The consistence analysis (Chrombach Alpha) revealed in both cases to be
in accordance with that of the original languages (respectively: 0.74 and 0.72), while the
correlation between the two was found to be low (0.03), suggesting that both should be
applied together in order to map decisional tendencies.
Professor Adjunto da UNIFESP, Pós-
doc do Instituto de Psiquiatria da Key-words: psychometric scales, validation, procrastination scale, decisional style, intu-
USP, Lab de Neuroimagem LIM-21 ition, reasoning, decision-making.

Correspondência: Rua Dr. Ovídio Pi-


res Campos s/n, São Paulo, Brasil.
Tel: (11) 3069-8132, E-mail: alva-
romd@usp.br, alvaromd@unifesp.br
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 163

Introdução Experimento 3

No Brasil, o campo de estudos em tomadas de Correlação entre as escalas.


decisão ainda é incipiente e carece de instrumentos
psicométricos consistentes. Visando contribuir para Material e métodos
a satisfação desta demanda, traduzimos, aplicamos
e analisamos a consistência interna da Escala de A aplicação destas escalas envolveu a partici-
Preferência por Intuição ou Deliberação (Preference pação voluntária e não remunerada de 60 estudan-
for Intuition and Deliberation, PID) [1,2] e da Escala tes de psicologia, medicina, física e engenharia da
de Procrastinação (Procrastination Scale) [3] de Frost Universidade de São Paulo, com idades entre 18 e
& Shows. 35 anos. A amostra foi balanceada igualmente entre
A primeira escala se propõe a avaliar a dispo- as diferentes faculdades, no intuito de evitar vieses
sição relativa das pessoas para usar processos relativos às características particulares associadas
mentais analíticos e intuitivos em tomadas de deci- aos interesses acadêmicos representados.
são, respectivamente representativos de tratamento Os participantes foram submetidos a uma breve
hipotético-dedutivo aos dados de um problema, en- entrevista prévia, em que se investigou: número de
quanto a segunda se refere ao uso de imediatismos, horas de sono insuficiente na noite anterior (definido
fundamentalmente baseados em experiências afeti- como < 5), uso de drogas recreacionais (crônico ou nos
vas. Em nosso ponto de vista, esta pode representar três dias anteriores ao experimento), uso de medicação
uma estratégica contribuição para se traçar um perfil psiquiátrica e histórico neurológico e psiquiátrico. Estas
do estilo decisional de um sujeito, a qual não versa dimensões nos serviram como critério de exclusão.
sobre a maximização da capacidade decisional (já
que nada assegura que, em termos gerais, qualquer Consistência interna
dos eixos seja superior ao outro), mas sobre o ‘estilo’
cognitivo do mesmo. A medida foi avaliada a partir do Alpha de Crom-
Já a escala de procrastinação de Frost e Shows bach, matematicamente determinado pela seguinte

( (
N 2
expressão: α = N ™ i =1 σYi
(1993) versa sobre uma vicissitude diretamente im- 1– 2
N –1 σX ,
plicada na maximização do investimento decisional
(conforme excessiva procrastinação representa um onde N é o número de itens, σ 2X é a variância da
2
gasto inútil de energia), podendo servir de instrumen- pontuação total observada no teste e σYi é a variân-
to diagnóstico de tendências irracionais em contexto cia do componente i ǁ ^12N} , ǁ ^12N} ou seja,
2 2 2
clínico e não clínico. σY 1 , . σY 2, ... . σY N .
Para o cálculo do Alpha de Cronbach foi utilizado
Objetivos o software estatístico SPSS 16.0 (‘Statistical Packa-
ge for Social Sciences’, 1988).
Experimento 1
Tradução
a) Análise de consistência da versão traduzida da
Escala PID integral. As versões em língua portuguesa das escalas
b) Análise de consistência da versão traduzida da foram elaboradas a partir das versões em língua
Escala PID, com relação à dimensão ‘Intuitiva’ inglesa. A tradução foi supervisionada pelo Prof. Dr.
(Intuition). John Manuel Monteiro (americano bilíngue), chefe do
c) Análise da consistência interna da versão tra- Departamento de Antropologia da Unicamp.
duzida da Escala PID, com relação à dimensão
‘Deliberativa’ (Deliberation). Análise de consistência da versão traduzida
da Escala PID
Experimento 2
Número de questões: 16
Análise de consistência da versão traduzida da
‘Escala de Procrastinação’ (Procrastination Scale). Características gerais da escala
A escala é composta por 16 itens centrais e
2 itens opcionais relativos a padrões de tomadas
164 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

de decisão “crônicos” (patológicos). Considerando Gráfico 1 - Escores divididos em faixas de ocorrência.


que a população-alvo declarou não possuir histórico 40.00%
psiquiátrico, restringimo-nos a aplicação da forma 35.00%
composta pelos itens de tipo “não-crônico”. 30.00%
Esta aplicação seguiu o modelo indicado por 25.00%
Betsch [2], que divide a aplicação em itens intuitivos 20.00%
15.00%
e deliberativos. No apêndice do capítulo 14, pagina
10.00%
246 da obra supramencionada, lê-se: 5.00%
Deliberativo - 1,3,6,7,10,11,13,14 e 16 e 0.00%
Intuitivo - 2,4,5,8,9,12 e 15 28-35 36-43 44-51 52-59 60-67

Análise estatística Nos experimentos a seguir, o procedimento foi


Inicialmente foi feito o cálculo do Alpha de Cron- análogo.
bach para os seguintes itens:
1) questões referentes ao padrão deliberativo (deli- Questionário 1b - Classes de desempenho
beration); PID-Intuitivo
2) questões que dizem respeito ao padrão intuitivo
(intuition) e Neste gráfico, restringimos os dados para a
3) questionário completo. análise do caráter intuitivo, a partir do desempenho
dos participantes. Para tanto, dividimos os dados do
Resultados desempenho na PID em sete classes, de modo que
as frequências relativas referentes a cada uma delas
1a. Teste total: Na versão original da escala fossem claramente representadas.
não há relato de cálculo para o Alpha de Cronbach.
Nós encontramos 0,74 para a versão em língua Gráfico 2 - Escores encontrados, divididos em faixas
portuguesa. de ocorrência.
1b. Padrão intuitivo: Betsch [2] encontrou para
30.00%
o Alpha de Cronbach o valor entre 0,76 e 0,81 na
25.00%
versão no idioma alemão e 0,77 na versão em língua
inglesa. Encontramos 0,74 para a versão em língua 20.00%
portuguesa, o que habilita o uso da escala neste 15.00%
idioma. 10.00%
1c. Padrão deliberativo: Betsch [2] encontrou 5.00%
para o Alpha de Cronbach o valor entre 0,76 e 0,79
0.00%
na versão no idioma alemão e 0,74 na versão em 15-18 19-22 23-26 27-30 31-34 35-38 39-42
língua inglesa. Encontramos 0,74 para a versão em
língua portuguesa, o que igualmente habilita o uso Classes de desempenho PID-Deliberativo
da escala neste idioma.
Neste caso, os dados do experimento foram
Questionário 1a – Classes de desempenho do divididos em seis classes e suas respectivas frequên-
teste total cias relativas expressadas no eixo vertical do gráfico.

Procuramos dividir os dados do desempenho na Gráfico 3 - Escores encontrados.


PID em classes, de modo a representar as frequên- 40.00%
cias relativas referentes a cada uma delas. 35.00%
No experimento acima, o número de inter- 30.00%
valos k foi determinado pela regra de Sturges: 25.00%
, com 20.00%
n = 60 temos k = 7. Tomando a amplitude dos dados, 15.00%
temos o valor 38. Dividindo-o por k, encontramos o 10.00%
número de classes igual a cinco. 5.00%
0.00%
10-13 14-17 18-21 22-25 26-29 30-33
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 165

Análise de consistência da versão traduzida Anexo: escalas traduzidas


da escala de procrastinação
PID
Número de questões: 15
Teste PID: “Por favor, responda às seguintes
Resultados perguntas sobre sua vida em geral. Suas respostas
devem corresponder ao modo como você geralmente
O Alpha de Cronbach é definido como aceitável toma decisões. Circule o número que mais fidedigna-
acima de 0,70 e nós encontramos 0,72 para esta mente representa a sua opinião: 1 significa que você
versão, o que habilita sua utilização em Língua Por- discorda muito, 5 significa que você concorda muito.
tuguesa.
1. Antes de tomar de decisões eu primeiramente as
Questionário 2 - Classes de Desempenho repasso mentalmente.
Procrastinação 1 2 3 4 5
2. Eu ouço atentamente aos meus sentimentos mais
Neste gráfico, são apresentadas as seis classes profundos.
nas quais os dados do experimento foram classi- 1 2 3 4 5
ficados e suas respectivas frequências relativas 3. Antes de tomar decisões eu geralmente penso
expressadas pelo eixo vertical do gráfico na análise sobre os objetivos que quero atingir.
dos dados obtidos. 1 2 3 4 5
4. Em relação à maioria das decisões, acredito que
Gráfico 4 - Escores encontrados. faça sentido me basear completamente nos pró-
prios sentimentos.
50.00% 1 2 3 4 5
5. Eu não gosto de situações que demandam que
40.00%
eu me baseie em minha intuição.
30.00% 1 2 3 4 5
20.00% 6. Eu tenho meu ego em boa estima.
10.00%
1 2 3 4 5
7. Eu prefiro fazer planos detalhados do que deixar
0.00% as coisas fluírem.
21-28 29-36 37-44 45-52 53-60 61-68
1 2 3 4 5
Análise de correlação 8. Eu prefiro tirar conclusões baseadas em meus
sentimentos, meu conhecimento da natureza
Em relação à correlação entre os desempenhos humana e minha experiência de vida.
obtidos nas subescalas da PID e na Escala de Pro- 1 2 3 4 5
crastinação, verificamos que esta é de 0,032 para 9. Meus sentimentos tomam grande importância em
PID-I e Procrastinação; e 0,155 para PID-D e Procras- minhas decisões.
tinação. Já a correlação entre a PID-total e a Escala 1 2 3 4 5
de Procrastinação é de 0,117. 10.Eu sou perfeccionista.
1 2 3 4 5
Conclusão 11.Eu penso sobre uma decisão de maneira particu-
larmente cuidadosa se eu tenho que justificá-la.
A correlação máxima entre os diversos escores 1 2 3 4 5
de PID e o escore de Procrastinação foi menor do que 12.Quando se trata de confiar nas pessoas, eu
0,16, indicando uma correlação muito fraca entre os geralmente me baseio mais em minhas reações
testes. Em termos psicométricos, isto significa que espontâneas do que em aspectos factuais.
para traçar o perfil decisional de um sujeito devemos, 1 2 3 4 5
no mínimo, aplicar ambas as escalas, posto que o 13.Quando tenho um problema, eu primeiramente
desempenho em uma nada especifica em relação ao analiso os fatos e detalhes, antes de decidir.
desempenho na outra. 1 2 3 4 5
166 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

14.Eu penso antes de agir. 10.Eu fico ansioso quando tomando decisões.
1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
15.Eu prefiro pessoas emocionais. 11.Eu geralmente me preocupo com a possibilidade
1 2 3 4 5 de fazer a escolha errada.
16.Eu penso mais sobre meus planos e objetivos do 1 2 3 4 5
que a maioria das pessoas. 12.Depois de eu escolher algo, eu frequentemente
1 2 3 4 5 percebo que escolhi a coisa errada.
1 2 3 4 5
Escala de indecisão de Frost e Show 13.Eu geralmente atraso tarefas por dificuldade em
definir o que fazer primeiro.
1. Eu tento evitar tomar decisões. 1 2 3 4 5
1 2 3 4 5 14.Eu tenho dificuldades com tarefas, porque tenho
2. Eu sempre sei exatamente o que quero dizer. dificuldade em priorizar o que é mais importante.
1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
3. Eu acho fácil tomar decisões. 15.Tenho a impressão que decidir as coisas mais
1 2 3 4 5 triviais tomam um bom tempo.
4. Eu tenho dificuldades em planejar meu tempo 1 2 3 4 5
livre.
1 2 3 4 5 Referências
5. Eu gosto de estar na posição de poder tomar
decisões. 1. Betsch C. Präferenz für Intuition und Deliberation.
Inventar zur Erfassung von affekt- und
1 2 3 4 5
kognitionsbasiertem Entscheiden (Preference for
6. Uma vez que eu tome uma decisão, eu me sinto Intuition and Deliberation (PID): An inventory for
consideravelmente confiante de que foi a certa. assessing affect- and cognition-based decision-
1 2 3 4 5 making). Zeitschrift für Differentielle und Diagnostiche
7. Quando escolhendo pratos de um menu, eu ge- Psychologie 2004;25:179-97.
2. Betsch T. The nature of intuition and its neglect
ralmente tenho dificuldades em escolher o que in research on judgment and decision making. In:
quero. Plessner H, Betsch C, Betsch T, eds. Intuition in
1 2 3 4 5 judgment and decision making. New York: Lawrence
8. Eu geralmente tomo decisões rapidamente. Erlbaum Associates; 2008. p. 3-22.
3. Frost RO, Heimberg RG, Holt CS, Mattia JI,
1 2 3 4 5 Neubauer AL. A comparison of two measures of
9. Quando eu tomo uma decisão, paro de me preo- perfectionism. Personality and Individual Differences
cupar com o assunto. 1993;14(1):119-26.
1 2 3 4 5
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 167

Artigo original

Qualidade do sono em portadores de distrofias


musculares progressivas
Sleep quality in patients with progressive muscular dystrophy
Franciani Rodrigues*, Diuli Gross Hoffmann**, Juliana Meller**, Mayara de Souza Darolt**,
Rodolfo Savaris Amboni**, Thayse Silvestri Cruz**, Gaspar Giappa***, Lisiane Tuon, D.Sc.***

Resumo
As Distrofias Musculares Progressivas (DMP) são doenças genéticas que se caracterizam
por fraqueza muscular progressiva. Os portadores de DMP apresentam deformidades
do tronco gerando um comprometimento pneumo-funcional que levam a um sono não
reparador. O estudo teve como objetivo avaliar a qualidade do sono em Portadores de
Distrofias Musculares Progressivas. Foram avaliados 23 portadores de DMP de ambos
os sexos. As avaliações foram realizadas em 2009 e 2010. Para análise dos distúrbios
do sono foi utilizado o questionário Pittsburgh Sleep Quality Index – PSQI. Na avaliação
da Qualidade do Sono verifica-se que os pacientes tiveram uma tendência mínima ao
declínio da média do PSQI sugerindo uma melhora na qualidade do sono no ano de 2010.
Porém, estes pacientes apresentaram uma tendência maior no ano de 2009 a uma má
qualidade do sono, pois de acordo com o PSQI os escores maiores que 5 são considera-
dos sono ruim. Evidencia-se que os portadores de distrofias musculares progressivas
tiveram alterações na qualidade do sono.

Palavras-chave: distúrbios do sono, avaliação da qualidade do sono, doenças genéticas.


*Fisioterapeuta, Residente do
Programa Residência Multiprofissio-
nal em Atenção Básica/Saúde da Abstract
Família de Universidade do Extremo Progressive Muscular Dystrophy (PMD) are genetic diseases characterized by progressive
muscular weakness. Patients with PMD have deformities of the trunk causing a pneumo-
Sul Catarinense, UNESC, Criciúma/
functional impairment leading to non-restorative sleep. The aim of this study was to evaluate
SC, **Fisioterapeuta pela Universi-
the sleep quality in patients with PMD. We evaluated 23 patients with PMD of both sexes.
dade do Extremo Sul Catarinense, The evaluations were performed between 2009 and 2010. For analysis of sleep disorders
Criciúma/SC, ***Laboratório de we used the questionnaire Pittsburgh Sleep Quality Index – PSQI. In the evaluation of the
Fisiopatologia Clínica Integrativa Sleep Quality we can verify that patients had a small tendency to decline in the average
do Exercício, Programa de Pós- of PSQI suggesting a improvement in the sleep quality of this patients in 2010, however,
this patients showed a greater tendency in 2009 to a bad sleep quality, because according
Graduação em Ciências da Saúde,
to the Index of Pittsburg Sleep Quality scores greater than 5 are considered a bad sleep.
Unidade Acadêmica de Ciências da Becomes evident that patients with PMD had alterations in sleep quality.
Saúde, Universidade do Extremo Sul
Catarinense, Criciúma/SC Key-words: sleep disorders, sleep quality assessement, genetic diseases.

Correspondência: Profa. Dra. Lisiane


Tuon, Laboratório de Fisiopatologia
Clínica Integrativa do Exercício,
PPGCS, UNASAU, Universidade do
Extremo Sul Catarinense 88806-000
Criciúma SC, E-mail: ltb@unesc.net
168 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

Introdução com diagnóstico médico de Distrofia Muscular Pro-


gressiva, confirmado através de biópsia muscular e
O acometimento de uma unidade motora, sendo teste de DNA.
esta composta por neurônio medular, raiz nervoso, Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética
nervo periférico, junção mioneural e músculo, leva ás em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade
doenças neuromusculares [1,2]. Devido à existência do Extremo Sul Catarinense - UNESC/SC com número
de inúmeras formas de Doenças Neuromusculares, 712/2007. Após a aprovação do projeto foi realizada
destacam-se como as mais comuns as Distrofias uma reunião com os participantes da ASCADIM (As-
Musculares Progressivas e a Atrofia Muscular Es- sociação Sul Catarinense de Familiares e Portadores
pinhal [3]. de Distrofias Musculares Progressivas) e todos os
As Distrofias musculares progressivas abrangem indivíduos que aceitaram participar do estudo assi-
um grupo de doenças de caráter hereditário com naram um Termo de consentimento livre esclarecido.
comprometimento grave, progressivo e irreversível da Os pacientes que não possuem estado cognitivo
musculatura esquelética [3]. Ou seja, são caracteriza- suficiente e/ou não estarem lúcidos, orientados e
das pela degeneração progressiva do tecido muscular. comunicativos (LOC), e que apresentaram diagnóstico
A herança dessas distrofias pode ser autossômica de Atrofia Muscular Espinhal e Polineuropatia foram
recessiva e ligada ao X, no entanto existem formas não excluídos. Ao final, a amostra foi composta por 23
identificadas. Entre as mais comuns estão a Distrofia indivíduos de ambos os sexos.
Muscular do tipo Duchenne (DMD), Distrofia Muscular Foram realizadas 02 avaliações, sendo a pri-
do tipo Becker (DMB), Distrofia Muscular do tipo Cin- meira realizada em abril de 2009 e a segunda em
turas (DMC), Distrofia Miotônica de Steinert (DMS) e abril de 2010. Para avaliar a qualidade de Sono foi
Distrofia Muscular Fascio-Escápulo-Umeral (FSH) [4,5]. utilizado o Índice da qualidade do sono de Pittsburgh
Nesses indivíduos ocorrem alterações no tronco, (PSQI) e para análise da Funcionalidade o Índice
devido à fraqueza muscular, resultando em deformi- de Barthel.
dades da caixa torácica e desvios da coluna vertebral, O Índice da qualidade do sono Pittsburgh (PSQI)
as quais evoluem para a diminuição da complacência é um questionário de auto-avaliação usado para ava-
da parede torácica. Isso resulta em diminuição da liar a qualidade do sono e os distúrbios que ocorrem
função do diafragma, e desenvolvimento de uma em relação ao mês anterior, realizado através de 19
escoliose não só em nível torácico, mas também de perguntas sendo calculado por 7 componentes (Quali-
uma cifoescoliose prejudicando a função cardiorres- dade Subjetiva do Sono, Duração do Sono, Eficiência
piratória e a postura do tronco [6]. do Sono, Distúrbios do Sono, Uso de Medicação para
Devido a esse comprometimento progressivo da Dormir, Disfunções Diárias). Os componentes são
função pulmonar, os indivíduos em questão irão so- pontuados de 0 a 3, com escore final total entre 0 e
frer alterações significativas na qualidade do sono. E 21 pontos. É considerado que quanto maior o valor
os mesmos podem reclamar por apresentar um sono do escore total, menor será a qualidade do sono dos
ruim, devido à hipoventilação noturna e a interrupção participantes [12].
do sono, ocasionados pela fraqueza muscular severa Para avaliação da funcionalidade foi utilizado
[7,8]. O sono é considerado como decisivo para os o Índice de Barthel Modificado, onde os mesmos
humanos, ocorrendo assim, uma relação forte entre foram classificados como independente para aque-
os distúrbios do sono e as doenças. Esses distúr- les que apresentaram pontuação entre 80 a 100
bios do sono são diferenciados conforme a idade pontos, semi-independentes quando a pontuação
que o indivíduo apresenta, principalmente quando se encontra entre 60 a 79 pontos, parcialmente
correlacionado com a insônia. Começam a surgir dependentes para os que apresentam de 40 a 59
já na infância, evoluindo para a vida adulta [9,10]. pontos, muito dependentes quando se refere de 0 a
O objetivo deste estudo é avaliar a qualidade do 39 pontos, e quanto aos demais que se encontram
sono dos pacientes portadores de Distrofias Muscu- numa pontuação abaixo de 20 pontos são totalmente
lares Progressivas. dependentes [13].
Os dados foram analisados pelo Programa de
Material e métodos Estatística SPSS 17.0 for Windows. Para comparar
os achados entre os anos avaliados foi utilizado o
Esta pesquisa foi um estudo observacional de Teste T de Student para amostras pareadas.
corte transversal [11]. Foram incluídos 23 pacientes
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 169

Resultados • Componente 2 - Latência do Sono: A média deste


componente no ano de 2009 foi de 0,70 (DP ±
A amostra do presente estudo foi composta por 1,15) e no ano de 2010 foi de 0,70 (DP ± 0,97).
23 pacientes de ambos os sexos, com média de • Componente 3 - Duração do Sono: A média deste
26 anos (DP  12,67), 56,52% do sexo feminino e componente no ano de 2009 foi de 0,39 (DP ±
43,48% do sexo masculino. Dentre os participantes, 0,78) e no ano de 2010 foi de 0,30(DP ± 0,63).
21,74% eram portadores de Distrofia Muscular de Houve diferença estatisticamente significativa
Cinturas, 21,74% de Distrofia Muscular de Duchenne quando comparado este componente entre o ano
(DMD), 56,52% de Distrofia Miotônica de Steinert de 2009 e 2010 (*p < 0,05).
(Tabela I). • Componente 4 - Eficiência do Sono: A média deste
componente no ano de 2009 foi de 0,30 (DP ±
Tabela I - Características dos pacientes. 0,88) e no ano de 2010 foi de 0,09 (DP ± 0,42).
Pacientes • Componente 5 - Distúrbios do Sono: A média des-
Variável te componente no ano de 2009 foi de 1,26 (DP ±
(n = 23)
Patologia (%) 0,81) e no ano de 2010 foi de 1,04(DP ± 0,71).
DMC 21,74 Houve diferença estatisticamente significativa
DMD 21,74 quando comparado este componente entre o ano
DMS 56,52 de 2009 e 2010 (**p < 0,01).
Sexo (%) • Componente 6 - Uso de Medicação para dormir: A
Feminino 56,52 média deste componente no ano de 2009 foi de
Masculino 43,48 0,35 (DP ± 0,93) e no ano de 2010 foi de 0,35
Idade (DP ± 0,93).
Média 26 • Componente 7 - Disfunções Diárias: A média des-
DP 12,67 te componente no ano de 2009 foi de 0,65 (DP ±
DMD = Distrofia Muscular de Cinturas; DMD = Distro- 0,88) e no ano de 2010 foi de 0,65 (DP ± 0,93).
fia Muscular de Duchenne; DMS = Distrofia Miotônica
de Steinert. Método Estatístico Empregado: Análise de A Figura 2 mostra a média do Escore Total do
Frequências do Software SPSS. PSQI avaliado em 2009 e 2010. Verifica-se que os
pacientes no ano de 2009 obtiveram como média
A Figura 1 mostra a média dos 07 Componentes no PSQI total de 4,65 pontos (DP ± 3,98), em 2010
do PSQI avaliados em 2009 e 2010. tiveram como média 4,04 pontos (DP ± 2,40). Houve
diferença significativa na comparação de 2009 e
Figura 1 - Componentes do PSQI dos anos 2009 e 2010 (*p < 0,05).
2010.
Figura 2 - Média do PSQI total.
Média e DP Componentes do PSQI

2,50
Média e Desvio Padrão do PSQI

2,00 12
**
1,50
1,00 *
8
*
0,50
0,00
C1 C2 C3 C4 C5 C6 C7 4

1ª Avaliação 2ª Avaliação
0
Legenda: C: Componentes. Método estatístico empregado:
1ª Avaliação 2ª Avaliação
Test T de Student para amostras pareadas.
Legenda: PSQI: Índice da Qualidade do Sono de Pitts-
• Componente 1 - Qualidade Subjetiva do Sono: A burgh. Método estatístico empregado: Test T de Student
média deste componente no ano de 2009 foi de para amostras pareadas.
1,04 (DP ± 0,82) e no ano de 2010 foi de 0,91
(DP ± 0,73).
170 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

A Tabela II mostra as características habituais do Distrofias Musculares Progressivas tiveram uma


sono, tendo como resultados as seguintes medianas melhora na 2ª avaliação nos seguintes componen-
no ano de 2009: horário de deitar às 22 h, horário tes: Qualidade Subjetiva do Sono, Duração do Sono,
de despertar às 07 h, duração do sono de 8h20min, Eficiência do Sono e Distúrbios do Sono.
e sobre a eficiência do sono 95%. E no ano de 2010 Estes pacientes possuem uma redução no
teve como resultados as seguintes medianas: horário número de horas dormidas e na eficiência do sono,
de deitar às 22 h, horário de despertar às 07h30min, pois durante a noite despertam frequentemente. Esta
duração do sono de 9h10min, e sobre a eficiência fragmentação do sono resulta em sonolência diurna ex-
do sono 94,38%. cessiva. Muitas vezes esta disfunção não é evidente,
manifestando-se de outras maneiras como: sonolência
Tabela II - Características habituais do sono do ano diurna excessiva, cansaço e fadiga, cefaléia matinal,
de 2009 e 2010. alterações do humor e déficit de atenção [15-20].
Características habituais 2009 2010 As queixas de sono não reparador e fadiga são
do sono Mediana Mediana significativas em pacientes com Distrofia Musculares,
Horário de deitar 22h 22h pois noites mal dormidas podem gerar dor e rigidez.
Horário de despertar 7h 7h30min Esses pacientes apresentam uma prolongada latên-
Duração do sono 8h20min 9h10min cia, diminuição de horas e eficiência do sono, além
Eficiência do sono 95% 94,38% do aumento da vigília durante o mesmo [21].
Considera-se que à duração média de sono que
A Figura 3, mostra em relação à funcionalidade, um adulto necessita é entorno de 7,5 horas, sendo
em 2009 a média foi de 78,43 (DP ± 25,57) e no necessário ter uma quantidade certa de sono para
ano de 2010 foi de 76,00 (DP ± 26,82). No ano de manter um nível aceitável de alerta [22].
2009 dos pacientes avaliados 60,9% independen- Em relação à Média do Escore do PSQI dos anos
tes; 21,7% Muito Dependente; 4,3% Parcialmente; de 2009 e 2010, pode-se observar através destes
Dependente e 13,0% Semi Independente e no ano de achados que os pacientes tiveram uma tendência
2010 os pacientes avaliados apresentaram: 60,9% mínima ao declínio da média do PSQI sugerindo uma
Independente; 8,7% Muito Dependente; 21,7% Par- melhora na qualidade do sono no ano de 2010. Po-
cialmente Dependente e 8,7% Semi Independente. rém, estes pacientes apresentaram uma tendência
Dos pacientes avaliados 26,9% são cadeirantes e maior no ano de 2009 a uma má qualidade do sono,
73,91% não cadeirantes. pois de acordo com o Índice da Qualidade do Sono de
Pittsburg os escores maiores que 5 são considerados
Figura 3 - Média do escore total do Índice de Bar- ruins e os pacientes apresentaram como média do
thel. escore de 4,65 pontos (DP ± 3,98) no ano de 2009
e 4,04 pontos (DP ± 2,40) no ano de 2010.
Média e DP - Funcionalidade

80
Os distúrbios respiratórios do sono são comuns
79
nos pacientes portadores de Distrofias Musculares
78 Progressivas como a apnéia obstrutiva do sono e
77 * hipoventilação. Uma má qualidade do sono destes
76 pacientes reduz a sua qualidade de vida [23,24].
75 Pacientes com fraqueza da musculatura respi-
74 ratória predispõe-se um alto risco de desenvolver
hipercapnia e hipoxemia durante o sono. Outros
1ª Avaliação 2ª Avaliação distúrbios respiratórios do sono é uma importante
Legenda: Houve diferença estatisticamente significativa causa da morbidade e mortalidade desses pacientes.
quando comparado os anos avaliados. Método estatístico Nos casos mais graves os pacientes também podem
empregado: Test T de Student para amostras pareadas. ter hipoventilação alveolar enquanto acordado, o
que pode levar a uma progressiva hipercapnia e em
última instância, para insuficiência respiratória. Nos
Discussão pacientes com DMD além dessas alterações pode
ocorrer dessaturações no sono REM [25-28].
Em relação à avaliação dos componentes do Na DMD o controle central da respiração pode
PSQI, observa-se que os pacientes portadores de ser normal, e como a polissonografia para avaliar o
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 171

estado cardiorrespiratório pode demonstrar o primei- sugerindo uma melhora na qualidade do sono destes
ro sinal de fraqueza muscular respiratória e apnéia pacientes quando comparado com 2009. Ressalta-se
obstrutiva durante o sono REM [23,29-32]. que estes pacientes no ano de 2009 tiveram uma ten-
Durante o sono o déficit muscular se agrava, dência maior a uma má qualidade do sono, pois nos
sobretudo quando se encontra em decúbito ventral escores maiores que 5 considera-se um sono ruim.
ou dorsal [33]. Outra alteração que se nota nesses É de extrema importância para estes pacientes
pacientes é a hipoventilação, seguida de fraqueza a avaliação da Qualidade do Sono associada às
muscular progressiva, e conforme a doença evolui alterações respiratórias. A fisioterapia atua nas
ocorre hipoxemia e hipercapnia, gerando assim, uma Distrofias Musculares Progressivas agindo sobre a
qualidade de sono ruim [34]. progressão da doença evitando uma evolução rápida,
Em relação às características habituais do sono trabalhando assim tanto na parte motora quanto
no qual engloba: horário de deitar, horário de desper- na respiratória, dando ênfase nas alterações que o
tar, duração e eficiência do sono, verifica-se que no indivíduo apresenta, para que o mesmo possa ter
ano de 2010 houve um aumento na mediana do horá- uma boa qualidade de sono e de vida.
rio de deitar e o horário de despertar, logo, evidencia-
se que os pacientes permaneceram mais tempo na Conclusão
cama. Em relação à mediana da duração do sono
destes pacientes houve um aumento de horas dormi- Este estudo mostrou a relação da Qualidade
das entre as 2 avaliações. No entanto, este número do Sono dos Portadores de Distrofias Musculares
de horas dormidas não é um sono contínuo, pois eles Progressivas. Evidencia-se que estes pacientes
despertam no meio da noite devido aos distúrbios do tiveram alterações na Qualidade do Sono entre os
sono como pesadelos, necessidade de ir ao banheiro, anos avaliados.
movimentos bruscos, apnéia, entre outros. Quanto à
eficiência do sono houve um declínio na 2ª avaliação. Referências
Autores afirmam que os portadores de Distrofia
Musculares apresentam um sono não reparador. Nor- 1. Reed UC. Doencas neuromusculares . J Pediatr
2002;78(supl1):89-103.
malmente vão dormir cedo e mesmo permanecendo
2. Ansved T. Muscular dystrophies: influence of physical
de 8 a 10 horas na cama, despertam exaustos, pois conditioning on the disease evolution. Current Opinion
seu sono REM é quase totalmente banido. O sono in Clinical Nutrition and Metabolic Care 2003;6:435-9.
REM é responsável pelo sono restaurador e repousan- 3. Torricelli RE. Actualizacion em distrofias musculares.
te. E ao acontecer uma interrupção do sono nesses Rev Neurol 2004;39:960-871.
4. Schara U, Mortier W. Neuromuscular diseases 2:
pacientes é normal que os mesmos apresentem muscular dystrophies. Nervenarzt 2005;76:238-9.
despertares noturno [21,35,36]. 5. Stokes M. Neurologia para fisioterapeutas. Sao
Para se obter um melhor entendimento das alte- Paulo: Premier; 2000.
rações do sono avaliou-se também a funcionalidade 6. Otsuka MA, Boff a CFB, Vieira AAM. Distrofias
musculares. Fisioterapia aplicada. Revinter; 2005.
através do Índice de Barthel apresentado na Tabela 7. Bourke SC, Gibson GJ. Sleep and breathing
II e o uso ou não da cadeira de rodas. Pode-se obser- neuromuscular disease. Eur J Respir 2002;19:1194-
var que houve um declínio da funcionalidade destes 201.
pacientes entre os anos avaliados, onde, em 2009 a 8. Feasson L, Camdessache JP, El Mandhi L, Calmes P,
Millet GY. Fatigue and neuromuscular diseases. Ann
média foi de 78,43 (DP ± 25,57) e no ano de 2010 Readapt Med Phys 2006;49(6):375-84.
foi de 76,00 (DP ± 26,82). Pode-se observar que 9. Corrêa K, Ceolim MF. Qualidade do sono em pacientes
os pacientes independentes mantiveram-se, muito idosos com patologias vasculares periféricas. Rev
dependentes diminuíram, parcialmente dependentes Esc Enferm USP 2008;42(1):12-8.
10. Nunes MG. Distúrbios do sono. J Pediatr 2002;78(1).
aumentaram e semi-dependentes diminuíram.
11. Vieira S, Hossne WS. Metodologia científica para a
Pacientes portadores de distrofias musculares área de saúde. Rio de Janeiro:Campus; 2001. p.192
progressivas tendem a uma queda da funcionalidade 12. Buysse DJ, Martica LS, Patrick J et al. Relationships
e qualidade de vida com o passar dos anos, em es- Between the Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI),
Epworth Sleepiness Scale (ESS), and Clinical/
pecial os portadores de DMD, por desenvolverem de-
Polysomnographic Measures in a Community Sample.
generação muscular progressiva, seguida de fraqueza Journal of Clinical Sleep Medicine 2008;4:(6).
muscular global e limitações incapacitantes [37]. 13. Cid-Kuzafa J, Damian-Moreno J. Valoracion de la
A qualidade do sono destes pacientes teve discapacidad fisica: El Indice de Barthel. Rev Esp
uma diminuição na média do PSQI no ano de 2010 Salud Publica 1997;71:127-37.
172 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

14. Azeredo CAC. Fisioterapia Respiratória Moderna. 4ª 26. Bourke SC, Gibson GJ. Sleep and breathing in
ed. São Paulo: Manole; 2002. neuromuscular disease. Eur J Respir 2002;19:1194-
15. Barthlen GM. Nocturnal respiratory failure as 201.
an indication of noninvasive ventilation in the 27. Guilleminault C, Stoohs R, Quera-Salva MA. Sleep-
patient with neuromuscular disease. Respiration related obstructive and nonobstructive apneas and
1997;64(Suppl. 1):35-8. neurologic disorders. Neurology 1992;42:53–60.
16. David WS, Bundlie SR, Mahdavi Z. Polysomnographic 28. Culebras A. Sleep disorders and neuromuscular
studies in amyotrophic lateral sclerosis. J Neurol Sci disease. Semin Neurol 2005;25(1):33-8.
1997;152(Suppl 1):S29–35. 29. Phillips MF, Steer HM, Soldan JR et al. Daytime
17. Ferguson KA, Strong MJ, Ahmad D et al. Sleep somnolence in myotonic dystrophy. J Neurol
disordered breathing in amyotrophic lateral sclerosis. 1999;246:275–82.
Chest 1996;110:664–9. 30. Rubinsztein JS, Rubinsztein DC, Goodburn S, Holland
18. Hukins CA, Hillman DR. Daytime predictors of sleep AJ. Apathy and hypersomnia are common features of
hypoventilation in Duchenne muscular dystrophy. Am myotonic dystrophy. J Neurol Neurosurg Psychiatry
J Respir Crit Care Med 2000;161:166–70. 1998;64:510–5.
19. Redding GJ, Okamoto GA, Guthrie RD et al. Sleep 31. Jolry CJ, Seymoura J, Warda K, Luoc YM, Polkeyd MI,
patterns in non ambulatory boys with Duchenne Moxham J. Increased load on the respiratory muscles
muscular dystrophy. Arch Phys Med Rehabil in obstructive sleep apnea. Elsevier; 2010.
1985;66:818–21. 32. Manni R, Zucca C, Galimberti CA, Ottolini A, Cerveri
20. Himanshu D, Jeffery M. Sleep in patients with I, Bruschi C et al. Nocturnal sleep and oxygen
respiratory muscle weakness. Sleep Med Clin balance in Duchenne muscular dystrophy. A clinical
2008;3:541-50. and polygraphic 2-year follow-up study. Eur Arch
21. Slutzky LC. Fisioterapia respiratória nas enfermidades Psychiatry Clin Neurosci 1991;240:255–7.
neuromusculares. Rio de Janeiro: Revinter; 1997. 33. Newson DJ. The respiratory sistem in muscular
22. Bear MF, Connors BW, Paradiso MA. Neurociências: dystrophy. Brit Med Bull 1980; 36(2):135-8.
desvendando o sistema nervoso. 2ª ed. São Paulo: 34. Smith PE, Caverley PM, Eduwards RH. Hypoxemia
Artmed; 2002. during sleep in Duchenne muscular dystrophy. Am
23. Stradling JR, Davies RJO. Sleep 1: obstructive Rev Respir Dis 1988;137:884-8.
sleep apnea/hypopnea syndrome: definitions, 35. Barbe F. Quera-Salva MA et al. Sleep-Related
epidemiology, and natural history. Thorax respiratory disturbances in patients with Duchenne
2004;59:73-8. Muscular Dystrophy. Eur Respir J 1994;7:1403-8.
24. Alves RSC, Resende MBD, Skomro ROS, Souza FJFB, 36. Hukins C. A. Hillman D. R. Daytime predictors of
Reed UC. Sleep and neuromuscular disorders in hypoventilation in Duchenne Muscular Dystrophy. Am
children Sleep Medicine Reviews 2009;13:133-148. J Respir Crit Care Med 2000;161:166-170.
25. Smith PE, Calverley PM, Edwards RH. Hypoxemia 37. Darabas KC, Comim CM, Tuon L. Análise da
during sleep in Duchenne Muscular Dystrophy. Am funcionalidade e qualidade de vida em pacientes
Rev Respir Dis 1998;137:884-8. portadores de doenças neuromusculares. Fisioter
Bras 2009;10(4):241-7.
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 173

Revisão

Aspectos relevantes da integração sensorial:


organização cerebral, distúrbios e tratamento
Sensorial integration: cerebral organization,
disturbances and treatment
Natalia Molleri*, Mariana Pimentel de Mello**, Marco Orsini***, Dionis Machado, M.SC.****,
Juliana Bittencourt*****, André Luiz Menezes da Silva******, Victor Hugo Bastos, D.Sc.*******

Resumo
Objetivo: Apresentar uma base neurocientífica breve dos processos cerebrais envolvidos
no registro, modulação e integração dos estímulos sensoriais assim como a relevância da
integração sensorial no desenvolvimento infantil. Material e Métodos: Busca nas bases
de dados Bireme, SciELO e Pubmed, no período de 1990 a 2010, com as seguintes
palavras-chave: integração sensorial, desenvolvimento infantil, distúrbios sensoriais e as
respectivas em inglês. Resultados: A integração sensorial (IS) é um modelo de referência
baseado em extensa pesquisa do desenvolvimento infantil normal e anormal. A terapia
auxilia a no tratamento de crianças com distúrbios de integração sensorial proporcionando-
as desenvolver diversas capacidades. Conclusão: Estudos mostram a importância dos
estímulos multissensoriais na melhora de respostas motoras e comportamentais. Desde
a década de 70, pesquisas e práticas clínicas comprovam a Terapia de Integração Senso-
rial no tratamento de dispraxias e problemas de modulação em indivíduos sem lesão do
*Terapeuta Ocupacional, Pós-gra- SNC, ou seja, que apresentam Disfunção de Integração Sensorial.
duada em neurociência e apren-
dizagem, UFRJ, **Fisioterapeuta, Palavras-chave: desenvolvimento infantil, transtornos do desenvolvimento infantil,
Mestranda em Neurociências, UFF, dispraxia.
***Doutorando em Neurociências
pela UFF e Graduando em Medicina,
UNIGRANRIO, **** 4Professora Abstract
Objective: To present a brief neuroscientific base of the cerebral processes involved in
substituta da Universidade Federal
the register, modulation and integration of the sensorial stimuli as well as the relevance
dos Vales do Jequitinhonha e Mucu-
of the sensorial integration in the child development. Material & Methods: Search in the
ri, Diamantina/MG, *****Fisiotera- Bireme, SciELO and Pubmed databases, in the period between 1990 and 2010 with the
peuta, mestranda em saúde mental following keywords: sensorial integration, child development, sensorial disturbances and
(IPUB/UFRJ), ****** Educador the respective ones in Portuguese. Results: The sensorial integration (SI) is a model of
Físico e Fisioterapeuta, Mestrando reference based on extensive research of the normal and abnormal child development. The
therapy helps in the treatment of infants with sensorial integration disturbances providing
em Motricidade Humana UCB- RJ ,
the development of diverse capacities. Conclusion: Studies point the importance of the
*******Fisioterapeuta, Professor multi sensorial stimuli in the improvement of motor and behavioral answers. Since the
Adjunto da Universidade Federal dos decade of 70, researches and clinical practices verify the effectiveness of the Sensorial
Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Integration Therapy in the treatment of dyspraxias and modulation problems in patients
Diamantina/MG without injury of the CNS, that is, with Sensory Integration Dysfunction.

Correspondência: Victor Hugo Key-words: child development, developmental disabilities, dyspraxia.

Bastos, Tel: (38) 3532-1245 /


3532-1238, E-mail: victorhvbastos@
yahoo.com.br
174 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

Introdução material recente (últimos 2 anos) sobre o tema em


questão.
A maioria da população é familiar com os cin-
co sentidos: visão, audição, tato, olfato e paladar, A Integração Sensorial no Sistema Nervoso
contudo não estão familiarizados com outros dois Central
sistemas sensoriais: vestibular e proprioceptivo [1].
O sistema vestibular é responsável pela sensação Os processos mentais humanos ocorrem por
de movimento e posicionamento da cabeça. Já o meio da participação conjunta de grupos de estru-
sistema proprioceptivo permite reconhecer a locali- turas cerebrais, cada uma participando de maneira
zação espacial do corpo, sua posição e orientação, particular para a organização desse sistema fun-
a força exercida pelos músculos e a posição de cada cional. Luria [6] descreveu três unidades cerebrais
parte do corpo em relação às demais [2]. Por meio funcionais, cuja participação se torna necessária
de tais sistemas que captamos as informações do em qualquer tipo de atividade mental: a unidade
meio (seja externo ou interno), as processamos e para regular tono ou a vigília; a unidade para obter,
interpretamos. Contudo pode haver falhas nesses processar e armazenar as informações que chegam
processos tanto no registro, modulação ou resposta do meio externo; e uma unidade para programar, re-
(ou integração) sensorial [3]. gular e verificar a atividade mental. Em 1949, Moruzzi
As causas dos distúrbios de aprendizagem e al- et al. [7] verificaram que há uma estrutura nervosa
terações de comportamento nem sempre são eviden- particular no tronco cerebral com ramificações para
tes. Tais problemas geralmente estão relacionados o diencéfalo, capaz de desempenhar papel regulador
à inadequação da integração sensorial no cérebro do estado do córtex cerebral, alternando seu tono e
da criança causando dificuldades na aprendizagem mantendo seu estado de vigília. Essa estrutura ficou
escolar em crianças antes brilhantes e alterações conhecida como formação reticular. Com a descrição
comportamentais em crianças com pais e criação da formação reticular, a primeira unidade funcional
ótimas [4]. Além disso, essas crianças podem ter cerebral foi descoberta: um aparelho de manutenção
dificuldades em interpretar imagens, sons, sensa- e regulação do estado de alerta em concordância com
ções táteis e de movimento sendo possível que se as reais solicitações do organismo [6].
irritem com luzes fortes, barulho, ou quando tocadas A segunda unidade funcional do cérebro, cuja
ou movidas inesperadamente [5]. Neste trabalho função primária é a recepção, a análise e o armazena-
será apresentada uma base neurocientífica breve mento das informações, localiza-se sobre a superfície
dos processos cerebrais envolvidos no registro, convexa dos hemisférios, incluindo as regiões visual
modulação e integração dos estímulos sensoriais (occipital), auditiva (temporal) e sensorial (parietal). A
assim como a relevância da integração sensorial no base desta unidade é formada pelas áreas primárias
desenvolvimento infantil. ou de projeção do córtex, cujos neurônios sofreram
grau tão elevado de diferenciação que, naturalmente,
Material e métodos preservam a sua especificidade modal restrita. Cir-
cundando as áreas primárias, encontram-se as áreas
A pesquisa foi realizada por meio de busca secundárias, ou áreas de associação unimodal [8],
nas bases de dados Bireme, SciELO e Pubmed, no áreas estas que convertem a projeção somatotópica
período de 1990 a 2010, com as seguintes palavras- dos impulsos em sua organização funcional. Estudos
chave: integração sensorial, desenvolvimento infantil, comprovaram que a atividade gnóstica humana nunca
distúrbios sensoriais e as respectivas em inglês. A ocorre vinculada a uma única modalidade isolada (vi-
revisão bibliográfica tem como foco os processos são, audição, tato), a percepção é um procedimento
cerebrais de integração de estímulos sensoriais complexo e cabe as zonas terciárias, ou áreas de
de crianças entre 0 e 7 anos de idade, de ambos associação sensória multimodal [9], possibilitar que
sexos, sem distinção de classe social que apre- esses vários grupos de analisadores funcionem em
sentem desenvolvimento normal ou disfunções em concerto, integrando as informações e convertendo-
seu desenvolvimento. O estudo limita-se a observar as em pensamento abstrato, que sempre ocorre sob
crianças com desenvolvimento normal ou disfunção forma de esquemas internos e também na memoriza-
de integração sensorial excluindo-se da pesquisa ção e armazenamento da experiência organizada [6].
aquelas com sequelas neurológicas ou transtornos A recepção, codificação e armazenamento de
de ordem psiquiátrica. Ressalta-se a raridade de informações constituem apenas um dos aspectos
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 175

dos processos cognitivos humanos. Outro de seus de promover a redução do intervalo entre a ativação
aspectos é a organização da atividade consciente. sensorial/motora no colículo superior [19,20], estí-
Esta tarefa vincula-se ao terceiro dos sistemas fun- mulos multissensoriais podem acelerar as respostas
cionais, responsável pela programação, regulação e comportamentais [21,22].
verificação e suas estruturas localizam-se nas regiões A magnitude de informações ambientais e de
anteriores dos hemisférios, anteriormente ao giro pré demandas comportamentais que um animal experien-
central. O córtex pré-frontal é então regulador da ati- cia após o nascimento é de difícil mensuração. Em
vidade e comportamento, modificando-os de acordo muitas espécies, como na espécie humana, estas
com as intenções e planos complexos do homem dificuldade são diminuídas por uma mãe atenciosa
formulados com o auxílio da fala [6]. que tem a responsabilidade de cuidar e nutrir sua
cria. Contudo, conforme o bebê cresce e tende a pas-
O Colículo Superior e a Síntese de sar menos tempo com sua mãe, ele precisa começar
Informações Sensoriais a lidar com os desafios ambientais que lhe serão
apresentados [23]. Esta transição gradual rumo a
O colículo superior é uma região do sistema ner- independência depende em muito do desenvolvi-
voso central (SNC) que localizada na superfície dorsal mento da habilidade cerebral de usar informações
do mesencéfalo (teto mesencefálico) e dá origem multisensoriais para iniciar respostas adaptativas
ao feixe teto-espinhal. O colículo superior, um dos [24]. Baseado nisto pode-se imaginar um indivíduo
núcleos do teto, recebe aferências multissensoriais com dificuldades de integrar informações multissen-
(visuais, auditivas e somestésicas) e por isso suas soriais: quanto ele perderia do mundo? Quanto suas
fibras motoras participam das reações de orientação respostas seriam aquém do esperado? Suas reações
sensório-motora, isto é, as que posicionam os olhos diante das situações seriam adequadas?
e a cabeça em relação aos estímulos que provêm A Disfunção da Integração Sensorial (DIS) é a
do meio ambiente [10]. Os neurônios do colículo inabilidade de processar determinada informação
superior têm a habilidade de sintetisar informações recebida pelos sistemas. Quando uma criança tem
de diferentes modalidades sensoriais, resultando no DIS, pode ser incapaz de responder a determinada
aumento ou diminuição, de suas atividades. Essa informação sensorial, para planejar e organizar
capacidade fisiológica está diretamente relacionada automaticamente. A DIS é uma desorganização de
a mudanças nas respostas atencionais e de orieta- entrada e da saída da informação. O desenvolvimen-
ção [11]. O resultado mais comum da integração de to da teoria de integração melhor explica a relação
modalidades específicas é o aumento, sendo ainda entre comportamento e funcionamento neural,
que a resposta a estímulos multisensoriais é maior especialmente o processo da integração sensorial.
que a dos estímulos unisensoriais e, as vezes, su- Resultado de pesquisas, combinado a experiências
perior a sua soma aritimética [12]. Este argumento clínicas com crianças em idade escolar, juntamente
se torna ainda mais forte quando as informações de com os trabalhos da Dra. Ayres em integração sen-
uma única modalidade sensorial são fracas [13-15]. sorial e distúrbios sensoriais integrativos, acabaram
Sabe-se ainda que o tempo de resposta é inver- por criar novos métodos de avaliação e de interven-
samente proporcional a quantidade de informação ção terapêuticas [25]. Ayres sugere que a criança
apresentada em um único canal sensorial e que a com déficits motores e problemas de Integração
quantidade de informação adquirida por um neurônio Sensorial de fundo pode ser tratada influenciando
aumenta gradualmente com o tempo. Paralelamente a integração neurofisiológica através do controle do
supõe-se que um estímulo multissensorial possa an- comportamento sensório-motor. A ênfase encontra-
tecipar respostas quando comparado a um estímulo se no desenvolvimento da capacidade de perceber,
unissensorial [16]. Apesar do estímulo sensorial lembrar, e planejar movimentos motores. Com tal
evocar a resposta inicial nos neurônios do colículo capacidade, o desempenho acadêmico e outras ta-
superior, é uma posterior descarga de fundo motor refas são facilitados. Contudo, deve ser enfatizado
que desencadeia o movimento para adquirir o estí- que os déficits motores vistos nas crianças com
mulo [17,18]. Com isso, entende-se que a resposta distúrbios de aprendizagem e Disfunções de Inte-
ao estímulo sensorial inicia uma cascata de eventos gração Sensorial são resultados de problemas no
que resulta na emissão de um comando motor e processamento de impulsos sensoriais [26]. Assim,
que o tempo necessário para alcançar seu fim de- a Terapia de Integração Sensorial é diferente, porque
pende da magnitude do evento inicial. Então, além os tipos de problemas abordados usando procedi-
176 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

mentos de integração sensorial são primariamente integração sensorial é o dos transtornos invasivos
distúrbios no processamento sensorial. O princípio do desenvolvimento (ex: autismo) [30,31], déficit
central da terapia é fornecer e controlar a entrada de atenção com hiperatividade [32] e distúrbios de
de estímulos sensoriais, especialmente o estímulo aprendizagem [4], entre outros. Cabe lembrar que a
do sistema vestibular, das articulações, músculos Teoria de Integração Sensorial vem explicar proble-
e pele de tal forma que a criança espontaneamente mas de aprendizagem e comportamento, em espe-
forma as respostas adaptativas que integram todas cial, problemas associados à incoordenação motora
as sensações. A ênfase está em aumentar o pro- e pobre modulação sensorial que não podem ser
cessamento de informações sensoriais dentro do justificados por anormalidades ou danos no SNC [33].
sistema nervoso. A terapia tem melhores resultados A DIS pode apresentar-se através de dois gran-
quando a criança quer estímulos [27]. des campos, individual ou conjuntamente: pobre
modulação e pobre práxis. Práxis define-se pela
Integração Sensorial habilidade de executar tarefa motora incluindo a
ideação, o planejamento e a execução [34]. Para
A integração sensorial é um processo que ter uma dispraxia de integração sensorial é preciso
envolve organizar sensações do corpo e ambiente que haja déficits no processamento de uma ou mais
para o uso [4,28]. A integração sensorial começa modalidades sensoriais. Dispraxias podem incluir os
no útero ao passo que o cérebro do bebê sente os déficits da integração bilateral e sequenciamento:
movimentos do corpo da mãe. Para que este bebê como o próprio nome diz, os indivíduos com esta
se desenvolva, engatinhe e ande, uma quantidade condição tem dificuldades em usar os dois lados
enorme de integração sensorial deve acontecer no de seu corpo de maneira coordenada, e o sequen-
seu SNC, e tudo isso acontece no primeiro ano de ciamento refere-se à capacidade antecipatória de
vida [4]. planejar sequências de movimentos (como quando
O processo de integração sensorial acontece lhe é lançada uma bola e é preciso calcular distân-
em 5 estágios [28]: cia e velocidade desta bola para a interceptação
• Primeiro: Registro sensorial - é o reconhecimento adequada). Tem sua base no fraco processamento
da sensação; dos estímulos vestibulares, proprioceptivos e visuais
• Segundo: Orientação e atenção - é a atenção [33]. Outro caso é a somatodispraxia: indivíduos
seletiva específica ao estímulo; com somatodispraxia têm dificuldades em traduzir
• Terceiro: Interpretação - é o significado da sensa- a informação sensorial em tarefa motora. Ela pode
ção. Este componente é cognitivo uma vez que se manifestar em dificuldades na motricidade global,
interpretamos a sensação à luz da experiência fina ou oral ou na combinação entre elas. A maioria
e aprendizados anteriores, além de atribuirmos dos indivíduos têm dificuldades no processamento
caráter emocional às sensações; tátil e proprioceptivo [35].
• Quarto: Organização da resposta - organizada A habilidade de lidar e organizar reações às
cognitiva, afetiva e motoramente; sensações de maneira adequada e adaptativa é a
• Quinto: Execução da reposta - o último estágio da modulação sensorial. Este processo ocorre tanto a
integração sensorial e o único que pode ser dire- nível neurofisiológico quanto a nível comportamental
tamente observado. Isso trás fundamentos para (que será melhor ilustrado pelos perfis sensoriais)
se pensar nos comportamentos resultantes dos e é melhor explicado como sendo um limiar para o
processos de integração sensorial e nas bases input sensorial [36]. Dependendo de como o sistema
sensoriais da auto regulação. processa a informação, os indivíduos tendem a apre-
sentar hiporresponsividade ou hiperresponsividade
Disfunção de Integração Sensorial à sensação. Um indivíduo que é hiporresponsivo
apresenta falhas na reação aos estímulos. Suas
A DIS é um diagnóstico relativamente incomum respostas são pobres e lentas. Para esses indivíduos
fora do círculo dos Terapeutas Ocupacionais e o é preciso muito input sensorial para que um limiar
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders de excitabilidade seja atingido e gere uma resposta
(DSM-IV) não contempla esse tipo de diagnóstico comportamental. Indivíduos que são hiperresponsi-
[29]. Contudo, a DIS está relacionada com um gran- vos aos inputs sensoriais reagem rápida, forte e, em
de número de condições diagnósticas do DSM-IV. O geral, negativamente aos estímulos por terem baixo
grupo mais comum a coexistir com as disfunções de limiar de excitabilidade [37].
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 177

A combinação entre o limiar de excitabilidade rearranjos nos circuitos neurais relacionados às fun-
e a resposta comportamental a ele, nos fornece ções perceptivas, motoras e cognitivas da criança.
quatro tipos de perfis. No primeiro encontra-se um Fazer esta idéia funcionar com a criança disfuncional
alto limiar de excitabilidade e uma resposta passiva requer um terapeuta experiente e uma ampla sala
do indivíduo (ou hiporresponsividade), consequente- com muitos equipamentos simples, porém especiais.
mente um déficit no registro sensorial. No segundo, Quando o terapeuta está fazendo o seu trabalho
vemos também um alto limiar, contudo a resposta é eficientemente a criança está organizando o seu
ativa, ou seja, o indivíduo vai em busca de estímulo, sistema nervoso e parece simplesmente brincar [4].
criando possibilidades de maior input sensorial. No Existem algumas formas de intervenção em se
terceiro perfil, encontramos um baixo limiar e uma tratando de hiper e hiporresponsividade sensorial.
resposta passiva, o que acarreta na hiperesponsivi- Uma delas envolve fornecer tipos e qualidades dife-
dade ao estímulo. Já no quarto, há um baixo limiar de rentes de estímulos. Primeiro, identifica-se o tipo de
excitabilidade com resposta ativa, que é perceptível informação sensorial mais adequada àquele paciente
pelo indivíduo evitar o estímulo [38]. (seja ela tátil, vestibular, proprioceptiva, etc). Após
Para se formular um plano de tratamento indivi- a exposição a um ambiente e experiências ricas
dualizado para a disfunção de integração sensorial, naquela, ou naquelas, especialidades, recomenda-
é preciso identificar os padrões de modulação e se a variação da intensidade, duração, ritmo e fre-
entender se o indivíduo está se comportando de quência dos estímulos [41]. Outras características
acordo com, ou para compensar o seu limiar de são específicas da Terapia de Integração Sensorial,
excitabilidade. A alteração do comportamento pode tais como: participação ativa do indivíduo no trata-
expressar-se em 4 grandes áreas: Alerta, Atenção, mento, uma vez que acredita-se que o indivíduo vai
Afeto e Ação. O alerta refere-se à habilidade de em busca de sua auto-regulação; Atividade dirigida
manter e fazer transições entre os estados de sono ao paciente; Tratamento individualizado segundo
e desperto; atenção é a habilidade de focar em um a idade, transtorno, estágio do desenvolvimento e
determinado estímulo ou tarefa; afeto refere-se ao resposta do indivíduo; Atividades com propósito que
componente emocional do comportamento; e ação exigem respostas adaptativas; Estimulação senso-
é a habilidade de engajar-se em um comportamento rial como parte das atividades, dando-se ênfase à
que gere respostas adaptativas [39]. estímulos vestibulares e proprioceptivos; Melhoria
do processamento e organização neurológica por
Intervenção meio do desenvolvimento de habilidades; Tratamento
por um terapeuta ocupacional formado em técnicas
A Terapia Ocupacional foi originalmente aplicada específicas de integração sensorial. Apesar de terem-
a indivíduos com deficiências motoras e comporta- se alguns parâmetros baseados na neurociência de
mentais a fim de promover respostas adaptativas que como e quanto alguns tipos de sensação podem
melhorassem seu desempenho. Alguns terapeutas afetar o SNC, a maioria dos efeitos varia de acordo
modificaram essas técnicas e passaram a aplicá-las com o indivíduo. Atualmente sabe-se da efetividade
em crianças com problemas de integração sensorial. das associações de terapias com estímulos senso-
Tais procedimentos vêm sendo desenvolvidos desde riais em crianças portadoras de paralisia cerebral
1960 e vem ganhando cada vez mais conhecimento [42]. Sendo assim é essencial o monitoramento das
do público [4]. O olhar da terapia ocupacional sobre a respostas de cada paciente para que seja oferecida
criança deve considerar as bases teóricas que abor- a melhor intervenção terapêutica possível [5].
dam o processo do desenvolvimento e a relação da
criança com o mundo externo, buscando intermediar Materiais
e facilitar esse encontro e, quando necessário adap-
tar o ambiente para que este ocorra [40]. O terapeuta Os materiais utilizados na terapia são os mais
ocupacional ao utilizar-se da atividade do brincar, que diversos. Variam entre os que fornecem estímulos
é próprio da criança, tem como propósito conduzir à táteis, proprioceptivos, auditivos, olfatórios e ves-
aprendizagem através de experiências novas e pra- tibulares, mas é relevante destacar que a Terapia
zerosas, levando à curiosidade, espontaneidade e à de Integração Sensorial não se limita a estimulação
tomada de decisões [2]. O processo terapêutico pos- de uma única modalidade e sim interessa-se em
sibilita a integração das experiências. O fornecimento promover ambientes e atividades multissensoriais
de estímulos periféricos oferece a possibilidade de instigantes que gerem respostas adaptativas. Neste
178 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

sentido muitos autores contribuem demonstrando 9. Machado A. Neuroanatomia funcional. Atheneu;


experimentalmente que as associações de estímulos 2000.
10. Lent R. Cem Bilhões de Neurônios: conceitos
são eficazes em diversas condições patológicas [43]. fundamentais. Atheneu; 2001.
Os equipamento utilizados na terapia podem ser: 11. Wallace MT. Sensory and multisensory responses in
equipamentos de solo (colchões de ar, bolas suíças, the newborn monkey superior colliculus. J Neurosci
pranchas de equilíbrio, espumas, rolos, rampas, de- 2001;21(22):8886–94.
12. Alvarado JC. Multisensory Versus Unisensory
graus, trampolins); equipamentos suspensos (rolos,
Integration: Contrasting Modes in the Superior
escadas, balanços, cordas, redes), equipamentos Colliculus. J Neurophysiol 2007;97:3193-205.
com rodas (carrinhos e triciclos) e equipamentos 13. Meredith MA, Stein BE. Visual, auditory, and
variados (areia, espuma, bolas de sabão, pesos, somatosensory convergence on cells in superior
colliculus results in multisensory integration. J
tecidos, elásticos, etc).
Neurophysiol 1986;56:640-62.
14. Perrault TJ, Vaughan JW, Stein BE, Wallace MT.
Conclusão Superior colliculus neurons use distinct operational
modes in the integration of multisensory stimuli. J
Estudos neurocientíficos mostram a relevância Neurophysiol 2005;93:2575-86.
15. Stanford TR, Quessy S, Stein BE. Evaluating the
dos estímulos multissensoriais na melhora de res- operations underlying multisensory integration in the
postas motoras e comportamentais. Desde a década cat superior colliculus. J Neurosci 2005;25:6499-508.
de 70, com Ayres, até hoje, com seus seguidores, 16. Rowland BA. Multisensory integration shortens
pesquisas e práticas clínicas comprovam a eficácia physiological response latencies. J Neurosci
2007;27(22):5879-84.
da Terapia de Integração Sensorial no tratamento de 17. Stein BE, Goldberg SJ, Clamann HP. The control of
dispraxias e problemas de modulação em indivíduos eye movements by the superior colliculus in the alert
sem lesão do SNC, ou seja, que apresentam por este cat. Brain Res 1976;118:469-74.
e outros critérios Disfunção de Integração Sensorial. 18. Mays LE, Sparks DL. Dissociation of visual and
saccade-related responses in superior colliculus
Contudo tal classificação ainda não é encontrada na neurons. J Neurophysiol 1980;43:207-32.
Classificação Internacional de doenças (CID-10) e 19. Bell AH, Meredith MA, Van Opstal AJ, Munoz DP.
DSM IV. Com a difusão dos conhecimentos sobre o Crossmodal integration in the primate superior
tema espera-se que a Disfunção de Integração Senso- colliculus underlying the preparation and initiation
of saccadic eye movements. J Neurophysiol
rial seja reconhecida e que gere, assim, diagnósticos
2005;93:3659-73.
precisos e intervenções eficazes funcionalizando a 20. Bell AH, Meredith MA, Van Opstal, AJ, Munoz DP.
qualidade de vida de milhares de indivíduos. Stimulus intensity modifies saccadic reaction
time and visual response latency in the superior
colliculus. Exp Brain Res 2006;174:53-9.
Referências 21. Frens MA, Van Opstal AJ, Van Der Willigen RF. Spatial
and temporal factors determine auditory-visual
1. Brack JC. Learn to move, move to learn: sensorimotor interactions in human saccadic eye movements.
early childhood activity themes. Autism Asperger; Percept Psychophys 1995;57:802-16.
2004. 22. Goldring JE, Dorris MC, Corneil BD, Ballantyne PA,
2. Trombly CA, Radomski MV. Terapia ocupacional para Munoz DP. Combined eye-head gaze shifts to visual
as disfunções físicas. 5 ed. São Paulo: Santos; and auditory targets in humans. Exp Brain Res
2005. 1996;111:68-78.
3. Emmons PG, Anderson LM. Understanding sensory 23. Rosenblatt JS, Turkewitz G, Schneirla TC. Development
dysfunction: learning, development and sensory of home orientation in newly born kittens. Trans NY
dysfunction in autism spectrum disorders, ADHD, Acad Sci 1969;31:231-50.
learning disabilities and bipolar disorder. Jessica 24. Wallace MT. The development of cortical multisensory
Kingsley; 2005. integration. J Neurosci 2006;26(46):11844-9.
4. Ayres JA. Sensory integration and the child: 25. Lampert R. Modelo de integração sensorial. Reabilitar
understanding hidden sensory challenges. Western 1999;2(4):16-23.
Psychological Services; 2005. 26. Umphred DA. Fisioterapia Neurológica. 2 ed. São
5. Kranowitz CS. The out-of-sync child: recognizing and Paulo: Manole; 2008.
coping with sensory processing disorder. Perigee; 27. Michel D, Babey G. Terapia de integração sensorial,
2005. AJ Ayres (apostila). São Paulo; 1997.
6. Luria AR. Fundamentos de neuropsicologia. LTC; 28. Williamson GG, Analzone ME. Sensory integration
1981. and self regulation in infants and toddlers: helping
7. Moruzzi G, Magoun HW. Brain stem reticular very young children interact with their environment.
formation and activacion of the EEG. Eletroenceph Zero to Three; 2001.
Clin Neurophysiol 1949;1. 29. Missiuna C, Polatajko H. Developmental dyspraxia by
8. Kandel ER. Principles of neuroscience. 4ed. McGraw- any other name: are they all just clumsy children? Am
Hill; 2000. J Occup Ther 1995;49:619-27.
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 179

30. Kientz M, Dunn W. A comparison of the performance 37. Lane SJ, Miller LJ, Hanft BE. Towards a consensus
of children with and without autism on the sensory in terminology in sensory integration theory and
profile. Am J Occup Ther 1997;51:530-7. practice. Sensory Integration Special Interests
31. Mcintosh DM. Sensory Modulation disruption, Section Quarterly 2000;23:1-3.
electrodermal responces, and functional behaviors. 38. Fowler S, Johnson H. Sensory stimulation: sensory-
Developmental Medicine and Child Neurology focused activities for people with physical and
1999;31:608-15. multiple disabilities. Jessica Kingsley; 2007.
32. Mulligan S. Sensory integration: analyses of score 39. Analazone M. Sensory contributions to action:
patterns of children with attention disorders on a sensory integrative approach. Zero to Three
sensory integration and praxis tests. Am J Occup 1993;14(2):17-20.
Ther 1996;50,647-54. 40. Teixeira E. Terapia ocupacional na reabilitação física.
33. Bundy AC. Sensory integration: theory and practice. São Paulo: Roca; 2003.
FA Davis; 2002. 41. Oetter P. Sensory motor foundations for human
34. Ryan SE, Sladyk K. Ryan’s Occupational Therapy comunication In: Royeen. Neuroscience foundations
Assistant: Principles, Practice Issues, and of human performance. AOTA; 1991.
Techniques. Slack; 2005. 42. Bumin G, Kavak ST. An investigation of the factors
35. Miller LJ. Sensational kids: hope and help for children affecting handwriting skill in children with hemiplegic
with sensory processing disorder. Putnam Adult; cerebral palsy. Disabil Rehabil 2010;32(8):692-703.
2006. 43. Gilley PM, Sharma A, Mitchell TV, Dorman MF. The
36. McIntosh DM. Overview of the short sensory profile. influence of a sensitive period for auditory-visual
Psychological Corporation; 1999. integration in children with cochlear implants. Restor
Neurol Neurosci 2010;28(2):207-18.
180 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

Atualização

Práticas de modificação corporal:


patologia e cultura
Body modification: pathology and culture
Miriam Elza Gorender, D.Sc.

“Só raramente um psicanalista se sente impelido a pesquisar o


tema da estética... esse ramo geralmente revela-se um campo bastante
remoto, negligenciado na literatura especializada da estética.”
Sigmund Freud

Resumo
Este trabalho procura, através de revisão histórica e análise de conceitos e crenças
culturais e acadêmicas relacionados ao tema, compreender melhor os múltiplos signifi-
cados das técnicas de modificação corporal ao longo do tempo e na atualidade, além
de discutir a influência das dicotomias corpo natural/corpo construído ou de linguagem,
e do conceito de sujeito como uno e transcendente/dividido e fluido.

Palavras-chave: cirurgia plástica, modificação corporal, marcações corporais, identificação,


tatuagem, piercing, corpo artificial.

Abstract
The aim of this paper was, through historical review and analysis of cultural and academic
concepts and beliefs related to the theme, to understand the multiple signifiers attached
to techniques of body modification through time and nowadays, and also to discuss the
influence of the dichotomies natural/artificial body (or body of language), and the notion
of subject as whole and transcendent/fluid and divided.

Key-words: plastic surgery, body modification, body marks, identification, tattoo, piercing,
artificial body.

Psicanalista, presidente do Círculo


Psicanalítico da Bahia, professora
adjunta do departamento de Neuro-
ciências e Saúde Mental da UFBa

Correspondência: miriamgorender@
gmail.com
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 181

Introdução são consideradas como atos de violência realizados


contra o corpo natural. Portanto significam, também,
A prática da modificação corporal, como vista uma injúria à Criação.
pelas ciências da mente e do cérebro na atualidade, Durante muito tempo na sociedade ocidental as
vem sendo associadas a toda uma gama de quadros práticas de modificação corporal para fins estéticos
patológicos principalmente pela psiquiatria, como e sociais se resumiam, de acordo com a idealização
dismorfofobia e auto-mutilação, enquanto que com grega do corpo humano e da representação de be-
frequência nos debates psicanalíticos o rótulo de leza enquanto essência platônica estandartizada, à
‘perverso’ é aplicado a tais práticas. perfuração do lobo da orelha.
Ora, apesar de certamente haver patologias Nas últimas décadas outros procedimentos se
envolvidas em um número de casos, tenho motivos tornaram cada vez mais populares, entre eles o pier-
para pensar que práticas de modificação corporal cing em suas várias formas e as tatuagens. Enquanto
não sejam em si perversas, e pode-se detectar em que estas práticas eram comumente associadas ao
muitos trabalhos uma conotação moral que deveria sado-masoquismo e à perversão e comportamento
ser evitada na lógica da psicanálise ou da neuroci- transgressivo, tem havido uma mudança gradual
ência. A questão é, porque isto ocorre. na forma de considerá-las. Pesquisas mostram que
Interessa aqui não apenas a cirurgia plástica entre os adolescentes, as maiores motivações para
em si, mas o conjunto de práticas de modificação e realização de piercing ou tatuagem são: a procura
marcação corporal no qual esta pode ser inserida, de uma forma de se exprimir personalizada, fazer
incluindo aí piercings, tatuagens e práticas radicais uma prova de coragem e seguir uma moda. Além
vinculadas a culturas primitivas, como os pés de chi- disto, são citados a pressão dos pares e o desejo
nesas e as mulheres-girafa. Os pés de chinesas em de pertencer a um grupo.
forma de bulbo de lótus, considerados antigamente Para os estudantes, a arte corporal é um meio
um marco de beleza feminina, eram quebrados ain- para criar seu próprio ritual de passagem à idade
da na infância ou puberdade, e virados para dentro, adulta, lá onde as sociedades nada haviam previsto
processo acompanhado de dor excruciante, e depois para eles. Na maioria das vezes o uso do piercing
enfaixados diariamente. Hoje em dia há menos de nada tem a ver com um ‘prazer na dor’, mas a dor
400 mulheres com pés enfaixados entre os 1,25 que acompanha o piercing não é mais que um efeito
bilhão de pessoas da China, a maioria delas com secundário – importante – necessário a um ritual de
mais de 80 anos. O que já foi um símbolo erótico passagem bem-sucedido.
de beleza e eleição nos confronta com um costume Destas motivações, a principal é a busca de uma
que subjugava mulheres a um mito de beleza brutal. individualidade, de uma identidade pessoal.
Na Tailândia e na tribo Ndebele da África há as Quanto à cirurgia, o termo cirurgia plástica vem
chamadas ‘mulheres-girafa’. As mulheres dos Pa- do grego plastik, moldar. Vem sendo usado o termo
daung começam a usar anéis metálicos no pescoço cirurgia estética, mais recente que cirurgia cosméti-
antes da puberdade. ca. O termo estética vem ganhando popularidade, já
O número de anéis vai sendo aumentado até que as novas tecnologias permitem a afirmação de
chegar a 5 quilos ou mais de peso, alongando o que os procedimentos para aumento da beleza não
pescoço. Não podem ser retirados sem que o pes- são apenas meramente cosméticos, mas na verda-
coço se parta. de transformam o corpo em um novo e permanente
Nas sociedades primitivas, as marcas corporais objeto artístico. Exemplos seriam a lipoescultura tri-
(a mais das vezes tatuagens) em geral indicavam dimensional ou o aumento de lábios permanente. Há
pertença social, seja como indicador de classe social, também a obra da performer Orlan, que transforma
vinculado à religiosidade ou como rito de passagem cirurgias plásticas realizadas em seu próprio corpo
de um estado a outro da vida. em atos estéticos e artísticos.
Há descrições que indicam que os primeiros Sem a pretensão de ser exaustiva, acredito
Cristãos tatuavam uma cruz em suas faces ou om- que para uma melhor compreensão do assunto é
bros. Mas ao longo do tempo as marcas corporais importante examinar com rigor as motivações e
passaram a ser vistas como um sinal de paganismo. efeitos envolvidos nestas práticas de modificação
Em 787 d.C., em um Concílio das Igrejas realizado corporal, com uma breve discussão dos mesmos. É
em Calcutá, todas as formas de tatuagem foram bom lembrar que os pontos que se seguem podem
proibidas. No entender da Igreja, as marcas corporais ser tomados em uma variedade de entrelaçamentos
182 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

dos campos RSI (real, simbólico e imaginário) que Estranheza. Nestes casos a marca introduz um
modificam e pontuam amplamente seus efeitos. fator de estranheza ao próprio sujeito.
Faz grande diferença se, por exemplo, uma marca é • O próprio corpo como estranho.
tomada em seu valor simbólico, ou como suporte de • Marca como ponto de estranheza. Aqui uma
fantasia. Senão vejamos uma pequena lista: marca, acidental ou auto-infligida, atua como algo
estranho ao corpo, perturbando a imagem corporal
Identificação (por traço). Nestes casos a inten- do sujeito. Este tipo de efeito pode ser sentido
ção da modificação corporal ou marca é estabelecer como prazeroso ou como algo a ser eliminado.
um vínculo entre o corpo marcado e o objeto da • A marca como ponto de familiaridade (ancora-
identificação. gem). A tentativa de subjetivação pela utilização
• com um grupo: como marca de pertença a um da marca como suporte para construção de uma
grupo, indicação de status dentro deste grupo ou narrativa sobre o sujeito. Nossas marcas corpo-
rito de passagem de uma posição social para ou- rais contam algo de nossas histórias. A imposição
tra dentro deste grupo (a passagem à maioridade da marca como história do sujeito, como por
é um dos casos mais comuns). exemplo cicatrizes que nos lembram episódios
• apoio ou oposição a um ideal, que pode ser es- passados.
tético/cultural, racial, político. Como exemplo, • A marca como tentativa de união de externo e
Malysse [2] mostra como a prática do megahair do interno através da perfuração do corpo. Há
(apliques de cabelo natural) pode servir a uma conjecturas, por exemplo, de que práticas de per-
idealização com base racista, quando a intenção furação do corpo funcionem, entre outras coisas,
é tornar o cabelo mais “branco”, embora a prá- como tentativa de ligação do interior e exterior de
tica em si não seja racista. Outro exemplo é a um corpo sentido como estranho e dissociado.
tatuagem da suástica em membros de grupos de A técnica da suspensão por ganchos teve suas
neonazistas. Há também grupos nos quais parte origens há milhares de anos, em rituais religio-
da identificação de seus membros é feita através sos no Sul da Índia, principalmente na província
de marcas específicas, exibidas publicamente ou de Tamil Nadu. Os nativos eram amarrados em
ocultas conforme o caso. troncos de árvores suspensos por artefatos de
• como estigma de criminosos, marginais - algu- bambu espetados e metal ao corpo. A sensação
mas culturas, como a da França no século XVIII, de dor extrema os fazia acreditar que estavam
marcavam transgressores com ferro em brasa, mais próximos das divindades. Mais tarde, no
escarificações, no caso francês com a flor de lis, final do século 19, início do século 20, rituais
símbolo do rei da França. Outro exemplo é o dos dos índios americanos, principalmente do norte e
campos de concentração nazistas, que marcavam do oeste, passaram a ser divulgados por meio de
e identificavam seus prisioneiros com tatuagens fotografias e jornais locais. Utilizando espetos e
numéricas. O imaginário do código de barras, ganchos usados na pesca, os indígenas furavam a
que é cada vez mais frequente em tatuagens por pele, como forma de auto-conhecimento e controle
exemplo, ao mesmo tempo se apresenta como do corpo e das sensações.
marca identificatória e de dessubjetivação. No
campo oposto, há a cirurgia plástica como disfar- A morte e o tempo e sua tentativa de superação.
ce (mudança de fisionomia, com objetivos lícitos Esta é uma das motivações mais conhecidas para a
ou não). Não esquecer, ainda, os casos nos quais realização de cirurgias plásticas, como tentativa de
o inconsciente marca diretamente o real do corpo, rejuvenescimento e negação da passagem do tempo.
como nos portadores de stigmata, cujo exemplo
mais conhecido é o de São Francisco de Assis. O desejo e seu ponto de falta.
Nestes, as chagas de Cristo são reproduzidas, • A eliminação de uma característica que age como
geralmente de forma incompleta, por vezes com barreira ao desejo do outro. Paola Mieli chama
perda de sangue significativa. de punctum, o lugar no corpo sentido pelo sujeito
• Identificação com um outro, não necessáriamente como o ponto onde o olhar do Outro o embaraça,
um outro portador de um ideal estético, incluindo mas isto é na verdade um correspondente, com
o outro especular, como tornar-se parecido ou sinal negativo, ao ponto que atrai o desejo, como
portar uma marca semelhante a um ídolo. o brilho no nariz, glanz auf die Nase de Freud.
Este seria o ponto de partida para, por exemplo,
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 183

os quadros de dismorfofobia. Nestes, o indivíduo criação de um super-homem, paradoxalmente atra-


apresenta severa alteração da imagem corporal vés de uma desumanização, seja pela aproximação
com a crença de possuir um defeito físico impor- com a ‘natureza animal’ ou pela hibridização com a
tante, para a correção do qual busca repetidas máquina. É a metáfora trazida de forma utópica pela
cirurgias plásticas, mesmo com grande risco para pensadora feminista Donna Haraway, em seu “Mani-
sua saúde. Outras formas de patologia relaciona- festo para Ciborgues”, de seres que pela apropriação
das a este tipo de alteração da própria imagem de características tecnológicas poderiam ultrapassar
especular incluem transtornos alimentares como os limites de gênero e do Édipo, prescindindo de uma
anorexia ou o uso de anabolizantes. origem e da necessidade de criação de diferenças.
Todo este debate se apóia, é claro, na crença sobre
Temos, delimitando as formas tomadas pela a existência de um corpo natural, como se fosse
cultura sobre o corpo, certas dicotomias ou pares possível um corpo humano não marcado pela cultura,
operantes. Por exemplo, a oposição interior/exterior, pela linguagem. Os raros casos verdadeiros de bebês
ou a oposição natureza/cultura. Ainda, a subjetivida- criados por animais comprovam como a não-inserção
de que durante muito tempo foi considerada como da linguagem como estruturante do corpo pode ser
única, indivisível e transcendente que dá lugar a um mortífera, uma vez que não conseguem sobreviver por
conceito de uma subjetividade fluida e fragmentária, muito tempo. Somos não apenas corpo, mas corpo
um eu sempre dividido, mutável e fugaz. A oposição construído, e nosso corpo é, sempre, o primeiro e
interno/externa manifesta-se em relação ao corpo último bastião de nossos estilhaços.
também pela idéia de uma beleza interna, que seria Dito isto tudo, convido ao debate. A linha entre
mais ‘verdadeira’ do que a beleza externa. Mas a arte e pathos é por vezes muito fina. Entre dismor-
partir da década de sessenta a questão da aparência fofobia e arte corporal caminhamos, todos, no fio
adquire uma singularidade: a feia é assim porque não de uma navalha.
se ama. Recusar a beleza é sinal de negligência e
deve ser combatido. A falta de beleza é interpretada Referências
como fruto de frustrações, baixa-estima, tornando-se
caso clínico; um problema psíquico. Ou seja, ao final 1. Haraway D. Um manifesto para os cyborgs: ciência,
tecnologia e feminismosocialista na década de
das contas quem vê cara vê coração.
80. In: Buarque de Holanda H, ed. Tendências e
A oposição natureza/cultura apresenta-se de impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio
forma persistente na idéia, já propagada pela Igreja, de Janeiro: Rocco; 1994. p.243-88.
de um corpo natural e verdadeiro frente a um corpo 2. Malysse SR. Extensões do feminino: Megahair,
artificial, superficializado e mentiroso. Esta visão baianidade e preconceito capilar. Disponível em URL:
http://www.studium.iar.unicamp.br/11/megahair/
desemboca na crença, oposta à anterior, de que um Megahair.pdf
sujeito ‘bem-resolvido’ deve aceitar seu corpo tal qual 3. Maurano D. Prefácio. In: Mieli P. Sobre as
é. Não é incomum quando do anúncio, por alguém, manipulações irreversíveis do corpo. Rio de Janeiro:
da realização de uma plástica, o comentário ‘não Contracapa; 2002. Disponível em URL: http://www.
corpofreudiano.com.br/txt19.htm
seria melhor procurar uma terapia’? Há casos que 4. Ribeiro LB. Cirurgia Plástica estética em corpos
certamente demandam algum tipo de tratamento. femininos: a medicalização da diferença. Disponível
Outros, no entanto, evidenciam efeitos da modifica- em URL: http://www.antropologia.com.br/arti/
ção corporal que para aquele sujeito parecem fora do colab/vram2003/a13-lbribeiro.pdf
5. Teixeira DP. Intensidades Corporais e Subjetividades
alcance de uma análise. Pode, por vezes, ser mais Contemporâneas: uma reflexão sobre o movimento
consistente com uma análise que desvele o desejo da Body Modification. [Dissertação]. Rio de Janeiro:
do sujeito, ajudá-lo a decidir-se pelo que deseja, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica do
caso a modificação de seu corpo. Departamento de Psicologia do Centro de Teologia e
Ciências Humanas da PUC-Rio; 2006.
Há ainda permeando a noção de uma dicotomia
entre corpo natural/corpo artificial uma fantasia de
184 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

Atualização

Tratamento farmacológico da esquizofrenia


Ary Gadelha de Alencar Araripe Neto*
Itiro Shirakawa**

Introdução
Em 1952, Jean Delay e Pierre Deniker demonstraram que a clorpro-
mazina era efetiva para o tratamento da esquizofrenia, descobrindo a
primeira medicação eficaz para o controle da doença. Esse fato propiciou
uma verdadeira revolução no tratamento da esquizofrenia, representando
o início da busca pela reabilitação social e funcional dos pacientes e o
fim da era dos grandes hospitais psiquiátricos [1].
A síntese dos vários antipsicóticos de primeira geração e o advento
dos antipsicóticos de segunda geração foram responsáveis pela mu-
dança de paradigma no tratamento da doença, cujo objetivo atual não é
mais somente controlar os sintomas positivos, mas também melhorar
os sintomas negativos e cognitivos para a recuperação funcional e
reinserção social do paciente [2].
Ao longo desse artigo faremos um resumo das atuais recomenda-
ções sobre o tratamento farmacológico da esquizofrenia.

Avaliação inicial

Uma vez confirmado o diagnóstico de esquizofrenia, o algoritmo


do International Psychopharmacholoy Algorithm Program (IPAP) propõe
que na avaliação inicial deve-se investigar algumas situações cuja
presença são determinantes no manejo e escolha da medicação. São
relacionadas 8 situações: existência de risco de suicídio, agitação e/
ou agressividade grave, catatonia ou Síndrome Neuroléptica Maligna,
histórico ou dados que sugiram não-adesão, sintomas depressivos ou
maníacos, abuso de substâncias, sintomas prodrômicos ou primeiro
episódio e histórico de efeitos colaterais a neurolépticos.
O grau de agitação e agressividade, o risco de suicídio e a compre-
ensão do paciente acerca da sua condição (entender que está doente e
*Médico psiquiatra do PROESQ necessita de tratamento) são os itens mais importantes na definição do
Programa de Esquizofrenia da contexto no qual se realizará o tratamento, se em internação hospitalar
Universidade Federal de São Paulo ou regime ambulatorial. Pesa nessa decisão a intensidade em que estas
(UNIFESP), mestrando do Departa- situações se apresentam e uma avaliação do suporte social do paciente,
mento de Psiquiatria da UNIFESP, ou seja, se ele tem pessoas, normalmente familiares, que assumam a
**Professor Titular do Departamen- responsabilidade do seu tratamento. O tratamento em cenário ambula-
to de Psiquiatria da UNIFESP torial ou domiciliar é recomendado, sempre que possível, por minimizar
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 185

a ruptura e a ansiedade para o paciente e para a haloperidol já são suficientes, em alguns pacientes,
família [3]. para promover a ocupação em torno de 65% dos
receptores e gerar resposta clínica. Segundo os
Tratamento agudo pacientes, os sintomas extrapiramidais são os efei-
tos colaterais mais incômodos [7]. Dessa forma, a
O tratamento pode ser dividido em 2 fases com presença de sintomas extrapiramidais não está asso-
duração e objetivos diferentes: a aguda e a de ma- ciada a aumento da resposta, pior, reduz a qualidade
nutenção. A fase aguda dura de semanas a meses de vida dos pacientes e ainda diminui a adesão.
e é definida pela ocorrência de um episódio psicó- A escolha da medicação deverá, sempre que
tico agudo [4]. Nessa fase o objetivo é a remissão possível, ser uma decisão compartilhada pelo mé-
dos sintomas e manejo de situações de risco para dico e paciente, levando em conta os interesses do
o paciente. O conceito de remissão mais usado paciente e a experiência do médico [3]. Permitir que
atualmente é a manutenção de sintomas em um o paciente participe na tomada de decisões aumenta
nível considerado leve (pontuação  3 na PANSS) ou sua percepção sobre a autonomia do tratamento e
inferior em todos os sintomas nucleares da doença é uma forma de aumentar a adesão. Como já foi
por pelo menos 6 meses [5]. Na prática, o objetivo dito anteriormente, os ensaios clínicos não têm de-
é manter o paciente sem sintomas ou num nível que monstrado diferenças em termos de eficácia entre
não interfiram significativamente em sua rotina. os antipsicóticos de segunda geração ou entre estes
O passo inicial do tratamento envolve a escolha e os de primeira geração, à exceção da clozapina
da medicação e a primeira questão é se deve indicar para casos de pacientes refratários [9,11]. Assim, a
inicialmente, um antipsicótico de primeira geração escolha do antipsicótico se baseia no perfil de efeitos
(APG), também chamado de típico, ou um de segunda colaterais mais toleráveis e numa posologia e forma
geração (ASG), ou atípico. Há um consenso entre de administração mais confortáveis para o paciente.
diferentes algoritmos e diretrizes de que se deve A dose de início do tratamento pode variar a de-
dar preferência a um ASG [4]. Essa recomendação pender da situação. A titulação da dose, iniciando-se e
é especialmente válida para pacientes em primeiro aumentando-se de acordo com a resposta terapêutica
episódio psicótico, pois parecem ser mais sensíveis até atingir a dose mínima eficaz seria o esquema ideal
aos sintomas extrapiramidais, principal efeito cola- para se determinar a dose adequada ao paciente, mas
teral aos APG [6]. é pouco factível no contexto normal de tratamento. As-
É preciso enfatizar que essa recomendação sim, mais frequentemente costuma-se definir e atingir
fundamenta-se, principalmente, na questão da tolera- uma dose alvo, normalmente um valor intermediário
bilidade, importante preditor de adesão ao tratamento entre os extremos mínimo e máximo de dosagem para
[7]. Em relação à eficácia, embora os resultados sejam cada antipsicótico, e aguardar a resposta.
conflitantes, vários ensaios clínicos conduzidos recente- Na Tabela I apresentamos as dosagens usuais
mente não foram capazes de evidenciar a superioridade e posologia dos antipsicóticos de segunda geração
dos ASG [8,9]. Dessa forma, não havendo a possibilida- (ASG).
de de prescrição de um ASG de custo mais elevado, a
prescrição de um de APG está corretamente indicada, Tabela I - ASG e suas dosagens terapêuticas.
sendo importante reduzir-se o risco dos sintomas ex- ASG Dose usual Posologia
trapiramidais iniciando o tratamento com doses baixas Clozapina 300 a 600 mg/dia As doses devem ser
(dose-equivalente a 1-4 mg de haloperidol). - excepcionalmente divididas em duas a
A indução de sintomas extrapiramidais é uma até 900 mg/dia três vezes ao dia
situação especialmente importatante. Anteriormente Amissulprida 400 a 800 mg/dia duas vezes ao dia
se considerava que para haver resposta, havia a Risperidona 2 a 8 mg/dia uma ou duas vezes
necessidade de induzir sintomas extrapiramidais. ao dia
Estudos recentes demonstraram, no entanto, que Olanzapina 10 a 20 mg/dia uma ou duas vezes
a taxa de ocupação de receptores dopaminérgicos ao dia
para alcançar resposta ao tratamento gira em torno Ziprasidona 40 a 200 mg/dia duas vezes ao dia
de 65% e que ocupação de receptores acima de 80% Quetiapina 400 a 800 mg/dia duas vezes ao dia
não gera ganho adicional de resposta, associando-se Aripiprazol 15 a 30 mg/dia uma vez ao dia
apenas ao surgimento de sintomas extrapiramidais Paliperidona 6 a 12 mg/dia uma ou duas vezes
[10]. Sabemos atualmente que doses de 2 mg de ao dia
186 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

Para pacientes em primeiro episódio psicótico, parecem predizer melhor a recuperação [13,14]. No
deve-se iniciar com doses mais baixas. Para pacien- entanto, os antipsicóticos têm ação limitada sobre
tes crônicos, deve-se avaliar o histórico anterior de essas dimensões da doença e as intervenções psi-
medicação, resposta e dosagem utilizadas, para es- cossociais têm se demonstrado mais promissoras
timar uma dose alvo, nesses casos, frequentemente na promoção da adaptação social dos pacientes
mais elevada. Embora os efeitos antipsicóticos já [15]. A presença de uma equipe multidisciplinar e a
possam ser observados em poucos dias em alguns possibilidade de intervenções focadas em melhorar
casos, preconiza-se um período de 4 a 6 semanas a sociabilidade, treino de habilidades e resolução de
para decidir sobre a resposta ao tratamento (IPAP). problemas são especialmente úteis aos pacientes
Esse prazo deve ser sempre reavaliado diante de nessa fase da doença. Intervenções psicoeducativas,
situações de risco definidas na avaliação inicial. focadas em esclarecer pacientes e familiares sobre
Por exemplo, a detecção de ideação suicida após a natureza da doença e o porquê do tratamento, são
a introdução da medicação deve ser acompanhada também uma forma simples de melhorar a qualida-
de uma reavaliação do contexto de tratamento e da de de vida dos pacientes e aumentar a adesão ao
medicação. tratamento [15,16].

Tratamento de manutenção Manejo de efeitos colaterais

O tratamento de manutenção inicia-se após A investigação e manejo dos efeitos colaterais


o controle adequado dos sintomas e corresponde também são importantes, pois sua ocorrência está
à fase estável da doença na qual o objetivo do relacionada a uma pior qualidade de vida dos pa-
tratamento deve ser não só manter a remissão cientes e, consequentemente, a uma pior adesão
dos sintomas, mas a melhora na qualidade de [17]. A interrupção da medicação, mesmo que
vida, a reabilitação funcional do paciente, o mo- por poucos dias, é o principal fator relacionado a
nitoramento e manejo dos efeitos colaterais das recaídas psicóticas, aumentando seu risco em até
medicações [12]. 5 vezes [18].
A fim de garantir a manutenção da remissão dos Segundo os pacientes, a ocorrência de efeitos
sintomas, o primeiro passo é verificar e reforçar com colaterais é o principal motivo de interrupção do tra-
o paciente a necessidade de manter-se aderido ao tamento e os que causam maior taxa de descontinu-
tratamento. Após a melhora é comum os pacientes ação da medicação são os sintomas extrapiramidais,
considerarem que já estão curados ou que não pre- o ganho de peso e a disfunção sexual [7,9].
cisam mais manter o tratamento. Essa é a principal Trocar um agente antipsicótico por outro é uma
causa de recaída psicótica. É importante deixar o estratégia de tratamento para reduzir a carga global
paciente e a família cientes do plano de tratamento de efeitos colaterais induzidos por essas medica-
e esclarecer eventuais dúvidas. ções. Nesses casos, antes de se optar pela mudan-
Outra causa importante de não-adesão é a ocor- ça, é preciso uma avaliação cuidadosa, pois o próprio
rência de efeitos colaterais. É importante investigar processo de troca expõe o pacientes a riscos [19].
ativamente sua presença envolvendo o paciente na Segundo os mesmos autores, antes de qualquer de-
tomada de decisão sobre possíveis mudanças no finição de mudança de tratamento, deve-se proceder
regime terapêutico, pesando o risco de remissão e a uma investigação cuidadosa da queixa do paciente e
busca por melhor qualidade de vida [7]. Em relação uma avaliação detalhada de suas possíveis causas,
à dosagem da medicação, recomenda-se manter a tais como sintomas da própria doença e interações
dose mínima eficaz que mantenha os sintomas em medicamentosas
remissão. O manejo específico dos efeitos colaterais Na Tabela II descrevemos as principais vias
mais comuns associados ao uso de antipsicóticos afetadas pelos ASG, os efeitos colaterais relaciona-
será discutido a seguir. dos e um resumo do manejo. Nas seções seguintes
O controle dos delírios ou alucinações embora descrevemos em detalhe os principais efeitos co-
condição necessária, muitas vezes não é suficiente laterais associados aos antipsicóticos: Sintomas
para a recuperação funcional do paciente. A intensida- Extrapiramidais, Sindrome metabólica e Disfunção
de dos sintomas negativos e dos prejuízos cognitivos Sexual/Hiperprolactinemia.
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 187

Tabela II - ASG e seus mecanismos de ação.


Atuação sobre recep- ASG - Afinidade pelos recep- Possíveis efeitos rela- Manejo
tores tores cionados
Bloqueio de receptores Risperidona e Amissulprida > Hiperprolactinemia, dis- Reduzir a dose quando pos-
de Dopamina na via Ziprasidona > Olanzapina > função sexual, galactor- sível
túbero-infundibular Quetiapina, Clozapina e Aripi- réia e ginecomastia Troca de medicação quando
prazol intoleráveis
Bloqueio de receptores Risperidona e Amissulprida > Acinesia Reduzir a dose quando pos-
Dopamina na via nigro- Ziprasidona > Olanzapina > Hipercinesia sível
estriatal Quetiapina, Clozapina e Aripi- Sintomas extra-piramidais Troca para ASG
prazol (SEP) Uso cuidadoso de anticolinérgi-
Discinesia Tardia (DT) cos em SEP
DT: preferir clozapina
Agonista de receptores Olanzapina e Clozapina > Tremores Reduzir a dose quando pos-
M1 (Muscarínicos) Quetiapina > Risperidona > Boca seca sível
Ziprasidona e Aripiprazol Visão turva Administrar medicação à noite
Sonolência Boca seca: tomar goles de
Náusea água, chupar balas dietéti-
cas, escovar os dentes com
frequência
Agonista de receptores Olanzapina e Clozapina > Ganho de peso Orientações sobre alimentação
H1 (Histamínicos) Quetiapina > Ziprasidona > Sonolência e atividade física
Aripiprazol > Risperidona Uso de medicações que pro-
voquem menor ganho de peso
(ziprasidona e aripiprazol)

Agonista a-1 adrenérgico Risperidona>Quetiapina e Clo- Tonturas Orientações para levantar e


zapina> Ziprasidona> Olanzapi- Hipotensão postural mudar de posição devagar
na> Aripiprazol Introdução lenta da medicação
Evitar em idosos
Fontes : [8,41-43].

Sintomas extrapiramidais química e aos impactos sobre a função neurológica


e mesmo quanto à capacidade de induzir SEP [19].
A principal diferença entre os APG e ASG diz Utilizando os dados comparativos disponíveis, os
respeito a capacidade dos APG de induzir a Síndro- ASG podem ser parcialmente classificados segun-
me Extrapiramidal (SEP). Uma metanálise com os do o risco de induzir SEP (excluindo acatisia e a
primeiros ensaios clínicos envolvendo as 2 classes síndrome neurolética maligna), na seguinte ordem:
demonstrou que eram semelhantes em relação à efi- clozapina < quetiapina < olanzapina = ziprasidona
cácia no controle de sintomas positivos e negativos, [22]. Em doses mais altas, a risperidona é classifi-
mas diferiam claramente em relação à propensão de cada como tendo um risco mais alto de SEP que a
desencadear sintomas extrapiramidais [20]. Kapur olanzapina e a ziprasidona, mas esse risco é minimi-
e Seeman [21] revisaram diferentes definições de zado quando se utilizam doses menores. Em geral,
“atipicidade” e verificaram que todos os autores esta classificação está diretamente relacionada ao
concordam que os ASG apresentam menor chance grau de afinidade pelo receptor D2. A alta potência
de induzir sintomas extrapiramidais e aumentos antiserotoninérgica (receptor 5-HT2A) de risperido-
sustentados nos níveis de prolactina. na, clozapina, ziprasidona e olanzapina, mas não de
A SEP inclui manifestações agudas, como a quetiapina, bem como a atividade antimuscarínica
distonia, o parkinsonismo e a acatisia, e tardias, da olanzapina e clozapina, também podem limitar
como a discinesia tardia. Embora o uso do termo a ocorrência de SEP.
“atípico” sugira que sejam um grupo homogêneo, es- Como mencionado anteriormente, a SEP deve
ses agentes variam bastante em relação à estrutura ser evitada, pois além de não trazer benefício adicio-
188 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

nal, ainda piora a qualidade de vida e aumenta o risco Os principais elementos da síndrome metabólica
de não-adesão e, consequentemente, de recaídas induzida por drogas são: ganho de peso e adiposi-
psicóticas. Uma vez identificada, inicialmente deve dade central, que podem ser avaliados pela medida
ser considerada a possibilidade de reduzir a dose da circunferência da cintura ou pelo índice de massa
do antipsicótico em uso. Se isso não for possível, corporal (IMC). Essas medidas estão diretamente
deve-se trocar por outro antipsicótico com menor relacionadas à resistência à insulina, ao risco de
propensão à causá-la. diabetes e às dislipidemias.
O mecanismo de aumento de peso e as subse-
Síndrome metabólica quentes condições de síndrome metabólica causada
por antipsicóticos são um fenômeno multifatorial, que
A síndrome metabólica é um conjunto de fatores inclui efeitos sobre a estimulação do apetite, fatores
de risco de doenças cardiovasculares que incluem genéticos, estilo de vida sedentário e comprometi-
alterações metabólicas associadas à resistência à mento da regulação metabólica. Ao se comparar os
insulina e/ou hiperinsulinemia compensatória [23]. O efeitos metabólicos de diferentes antipsicóticos, as
diagnóstico é feito quando há 3 ou mais dos seguin- diferenças são causadas por afinidades diferenciais
tes critérios: a) aumento da circunferência abdominal pelos receptores 5-HT2c e H1. O maior ganho de peso
(> 40 para homens e >30 para mulheres); b) níveis observado com a clozapina e a olanzapina deve-se à
aumentados de triglicerídeos (> 150 mg/dl); c) HDL sua afinidade por esses receptores. Apesar de seu
baixo (< 40 mg/dL em homens e <50mg/dL em antagonismo 5-HT2c potente, a ziprasidona está
mulheres); d) níveis pressóricos elevados ( 130/85 associada a menos aumento de peso, talvez por
mm Hg); e) glicose de jejum  100 mg/dL [24]. O seu baixo antagonismo H1. O aripiprazol é similar à
diagnóstico de síndrome metabólica está associado ziprasidona, com um baixo perfil de ganho de peso.
a um risco 4 vezes maior de mortalidade por doença Os antipsicóticos atípicos parecem ter também
cardiovascular quando comparado a indivíduos sem uma ação direta na alteração da sensibilidade à
nenhum componente metabólico [25](Klaussen e insulina e/ou da secreção de insulina. Atuariam
cols., 2007). diretamente sobre o transportador de glicose, por
Segundo dados do CATIE [26], pacientes com alterações na via de sinalização de insulina.
esquizofrenia apresentam maior prevalência de Tanto as drogas neuroléticas típicas quanto
síndrome metabólica, afetando cerca de 51,6% das as atípicas afetam os níveis séricos de lipídios em
mulheres e 36% dos homens. Corroborando esses diferentes graus. A olanzapina e a clozapina demons-
dados, a incidência de cardiopatias é significati- traram risco mais elevado de desenvolver disfunção
vamente maior nos pacientes esquizofrênicos que metabólica. A ziprasidona parece ser metabolica-
desenvolvem síndrome metabólica [27]. Esta é uma mente neutra [9). De acordo com as Diretrizes de
das explicações para os pacientes com esquizofre- Consenso da ADA-AP )[28] e do consenso realizado
nia terem uma expectativa de vida 20% menor que no Brasil [29), o peso corporal deve ser reavaliado
a população em geral. De fato, mais de 67% dos nas semanas 4, 8 e 12 após o início ou a troca de
pacientes com esquizofrenia morrem de cardiopa- um antipsicótico e, a partir daí, a cada 3 meses.
tias coronarianas, contra aproximadamente 50% na Um aumento de peso de 5% ou mais em relação ao
população em geral.. peso inicial obriga a implementação de modificações
A obesidade e o diabetes, além de fazerem parte do estilo de vida, com adoção de dieta e prática de
da síndrome metabólica, são fatores independentes atividade física e/ou alternativas terapêuticas, dentre
de risco de morbidade e mortalidade por doença as quais podem-se incluir as estratégias de troca de
cardiovascular. Sua prevalência entre pacientes medicamentos.
com esquizofrenia é quase o dobro da observada Os níveis plasmáticos de glicose de jejum, o
na população geral. O ganho de peso e a obesidade perfil lipídico e a pressão arterial devem ser avaliados
aumentam o risco de comprometimento da saúde a cada 3 meses, no início da terapia antipsicótica e
física, estimulando a não adesão e reduzindo o bem- antes disso em indivíduos que estavam sob alto risco
estar subjetivo. em um momento basal. As disfunções detectadas
Os antipsicóticos típicos, principalmente as feno- em alguns desses parâmetros também podem levar
tiazinas de baixa potência, têm sido associados a um à necessidade de modificar o estilo de vida e/ou
aumento significativo de peso corporal, ao diabetes adotar estratégias de troca da medicação.
e ao aumento dos níveis plasmáticos de lipídios.
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 189

Disfunção sexual e hiperprolactinemia um período mínimo de 4 a 6 semanas com doses


adequadas da medicação (equivalentes a 400mg de
Existem também diferenças entre os antipsicóti- clorpromazina ou 5 mg de risperidona). Deve-se dis-
cos quanto à indução de disfunção sexual: os AP es- tinguir entre a falha de resposta por falta de eficácia
tão mais frequentemente associados as disfunções e a falha por não-adesão ao tratamento, nessa última
sexuais quando comparados aos AS e dentre os ASG, situação não se aplica a definição de refratariedade.
a risperidona e a olanzapina estão mais comumente A clozapina é o antipsicótico indicado para os
associados do que a quetiapina [30). A quetiapina casos refratários, pois vários ensaios clínicos têm
parece ser o antipsicótico menos associado aos demonstrado sua superioridade em relação a outros
efeitos colaterais sexuais. antipsicóticos de segunda e aos de primeira gera-
O aumento da prolactina é mais pronunciado ção [11,31]. Não é indicada como primeira opção
entre os AP. Entre os AS esse aumento costuma ao tratamento devido ao risco de efeitos colaterais
ser transitório e manifestações clínicas são menos graves associados a seu uso, como agranulocitose
freqüentes. e convulsões.
Níveis elevados de prolactina, mesmo quando Efeito colateral mais temido, o risco de agranu-
não levam a disfunção sexual ou galactorréia, devem locitose induzida por clozapina é estimado em 0,8%
ser evitados, pois há evidências que geram prejuízos e não é dose-dependente, afetando seletivamente
a longo prazo. os precursores dos neutrófilos polimorfonucleares
O manejo da disfunção sexual não deve ser da medula óssea, podendo ser revertida sem se-
centrado unicamente na medicação. Deve-se tentar quelas hematológicas se o tratamento for interrom-
determinar qual esfera do funcionamento sexual está pido [32]. Noventa e cinco por cento dos casos de
afetado (desejo, ereção, orgasmo) e quais possíveis agranulocitose ocorrem nos primeiros 6 meses de
fatores poderiam estar relacionados, A própria esqui- tratamento, dos quais 70% ocorrem entre a sexta e
zofrenia pode prejudicar o interesse sexual, numa a 18ª semana [33].
extensão do prejuízo geral dos processos volitivos. A introdução da medicação pode ser feita am-
Além da doença, as suas repercussões psicológicas bulatorialmente, não há necessidade de internação
quanto a fantasias e expectativas geradas nos pa- hospitalar apenas para realizar a troca. O intervalo
cientes podem ser causadores de disfunção sexual. de doses varia entre 300 e 900 mg, sendo que nor-
No diagnóstico diferencial do problema, o fato do malmente doses entre 450 e 600 mg são suficientes
próprio pacient queixar-se é um indicativo que outros para o controle adequado dos sintomas. Inicia-se com
fatores além da esquizofrenia em si podem estar baixas doses e o aumento é gradual, monitorando a
envolvidos. A avaliação das relações temporais e emergência de efeitos colaterais. Devido ao risco de
exames laboratoriais (hiperprolactinemia) podem agranulocitose, recomenda-se a realização de moni-
ajudar a esclarecer a possibilidade das medicações toramento com hemogramas semanais nas primei-
estarem envolvidas. ras 18 semanas de tratamento. Após esse período
Uma vez identificada uma situação de disfunção recomenda-se controlar o hemograma mensalmente.
sexual induzida pela medicação, deve-se discutir com O efeito colateral mais comum é a sedação, para
o paciente as possibilidades de troca. È importante evitá-lo preconiza-se o aumento gradual da dose e ad-
lembrar que a eficácia do tratamento deve ser o ministrar a maior parte da medicação à noite. Parece
objetivo primário. Nada prejudica mais a vida sexual haver desenvolvimento de tolerância a longo prazo.
do paciente que estar psicótico. Se a eficácia está A clozapina é o antipsicótico mais associado
garantida, a opção inicial pode ser a redução da dose a ganho de peso e o manejo desse efeito colateral
da medicação em uso. Se a redução não for suficien- envolve orientação mesmo antes de se introduzir a
te, deve-se optar pela troca por uma medicação com medicação e verficação regular do peso nos primei-
menor risco de indução de disfunção sexual. ros meses após sua introdução. Deve-se estimular
alimentação saudável, atividade física regular e
Esquizofrenia refratária verificar regularmente o peso pois o ganho de peso
está associado a maior morbi-mortalidade.
Existem várias definições de refratariedade, mas O risco de convulsões é dose-dependente
sugerimos a do IPAP que define como refratário ao sendo maior com doses acima de 600mg por dia.
tratamento o paciente que falha na resposta a pelo História prévia de convulsões deve ser investigada,
menos 2 antipsicóticos usados em monoterapia por pois aumenta o seu risco. Se o paciente apresentar
190 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

convulsões sugere-se reduzir a dose e/ou adicionar que isso decorre de nova crise. Os antipsicóticos de
ácido valpróico, o anticonvulsivante mais indicado depósito conferem em relação às preparações orais,
para uso em associação com clozapina. um melhor prognóstico global [39]. Em um estudo
Outro cuidado a ser tomado no uso da clozapina, prospectivo de 1 ano realizado nos Estados Unidos
diz respeito ao risco de interações medicamento- comparando olanzapina, quetiapina, risperidona, zi-
sas. De uma maneira simplificada, medicações que prasidona e aripiprazol orais, haloperidol decanoato
também apresentem risco de agranulocitose ou que e risperidona de longa duração, a risperidona de
sejam sedativas, devem ser evitadas. Incluem-se nes- longa duração esteve relacionada com menor taxa
sas categorias, a carbamazepina, alguns antibióticos, de recaída necessitando internação [40].
alguns imunossupressores e os benzodiazepínicos.
Conclusão
Falta de adesão e antipsicóticos de depósito
O objetivo inicial do tratamento farmacológico é
A falta de adesão é comum em pacientes em o controle dos sintomas psicóticos. Quanto maior o
uso de antipsicóticos. Weiden e Zygmunt [34] verifi- tempo sintomático, maior o prejuízo e pior a evolu-
caram que apenas 50% dos pacientes permanecem ção. Isso implica que as decisões quanto à troca e
parcialmente aderidos 1 ano após a alta hospitalar. aumento de medicação não devem ser postergados.
Em termos de dificuldade para alcançar a adesão Os estudos atuais mostram que os antipsicóticos
desejada, a esquizofrenia perde apenas para tra- sintomáticos, têm ação neurorreguladora. Por outro
tamentos de redução de peso [35]. Esses dados lado, as recaídas têm ação neurotôxica podendo
demonstram a importância do tema, pois a falha levar à cronificação da doença. A não-resposta ao
em seguir o tratamento proposto está diretamente tratamento deve ser acompanhada de uma avaliação
relacionada às exacerbações e internações e a uma crítica das possíveis causas. A não-adesão deve
pior evolução [36]. ser considerada e investigada ativamente. Uma vez
O manejo de uma situação de não-adesão identificada a refratariedade, há uma indicação para
envolve, inicialmente, identificar quais os fatores a introdução de clozapina. Esses princípios básicos
envolvidos: a relação médico, paciente e família, tole- fundamentam a boa prática do manejo farmacológico
rabilidade da medicação para cada indivíduo, prejuízo da esquizofrenia.
cognitivo dificultando seguir esquema terapêutico Embora o controle sintomático seja essencial, não
proposto. A seguir,diferentes estratégias devem ser é o objetivo final do tratamento. A melhoria da qualidade
traçadas de acordo com o problema identificado. de vida deve ser uma condição necessária a ser alcan-
Várias intervenções psicoeducativas e psicossociais çada pelo tratamento. Dessa forma, deve-se considerar
foram testadas, com resultados mais consistentes que o tratamento da esquizofrenia não se resume aos
para abordagens envolvendo a família e modificações aspectos medicamentosos discutidos no presente tex-
ambientais [16,37,38]. to, mas se iniciam com eles e se ampliam na busca da
Com respeito ao tratamento farmacológico, reinserção social e ocupacional dos pacientes.
algumas estratégias e recomendações foram apon-
tadas como forma de melhorar a adesão: regimes de Referências
tratamento menos complexos (uma tomada ao dia ou
medicação injetável de ação prolongada), titulação 1. Rosenbloon M. Chlorpromazine and psychopharma-
cologic revolution. JAMA 2002;287(14):1860-1.
rápida até dose efetiva, minimizar o impacto dos
2. Kane JM. An evidence-based strategy for remission
efeitos colaterais na vida do pacientes, dar instruções in schizophrenia. J Clin Psychiatry 2008;69:25-30.
claras sobre o uso da medicação e selecionar um 3. NICE. National Institute for Clinical Excellence,
antipsicótico com menor probabilidade de induzir sin- Guidance on the User of Newer (Atypical) Antipsychotic
tomas extra-piramidais, ganho de peso ou alteração Drugs for the treatment of schizophrenia; 2002.
4. Falkai P, Wobrock T, Lieberman J, Glenthoj B, Gattaz
nos níveis de prolactina [7]. WF, Möller HJ. WFSBP Task Force on Treatment
Os antipsicóticos de depósito, em especial, são Guidelines for Schizophrenia. World Federation of
um instrumento valioso para o manejo da não-adesão Societies of Biological Psychiatry (WFSBP) Guidelines
A sua aplicação pode ser monitorada pelos profis- for Biological Treatment of Schizophrenia. Part
1: Acute treatment of schizophrenia. World J Biol
sionais de saúde, o que permite mais facilmente Psychiatry 2005 6(3):132-91.
identificar falhas quando estas ocorrem, possibili- 5. Andreasen NC, Carpenter WT, Kane JM, Lasser
tando uma intervenção mais rápida nos casos em RA, Marder SR, Weinberger DR. Remission in
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 191

schizophrenia: proposed criteria and rationale for 19. Weiden PJ, Buckley PF. Reducing the burden of side
consensus. Am J Psychiatry 2005;162:441-9. effects during long-term antipsychotic therapy: the
6. Green AI, Lieberman JA, Hamer RM, Glick ID, Gur role of “switching” medications. J Clin Psychiatry
RE, Kahn RS, et al. Olanzapine and haloperidol in 2007;68:14-23.
first episode psychosis: twoyear data. Schiz Res 20. Leucht S, Pitschel-Walz G, Abraham D, Kissling W.
2006;86:234-43. Efficacy and extrapyramidal side-effects of the new
7. Perkins DO. Predictor of noncompliance in patients generation antipsychotics olanzapine, quetiapine,
with schizophrenia. J Clin Psychiatry 2002;63:1121-8. risperidone and sertindole compared to conventional
8. Kahn RS, Fleischhacker WW, Boter H, Davidson antipsychotics and placebo. A meta-analysis of
M, Vergouwe Y, Keet IPM et al. Effectiveness of randomized clinical trials. Schiz Res 1999;35:51-68.
antipsychotic drugs in firstepisode schizophrenia 21. Kapur S, Seeman P. Does fast dissociation from the
and schizophreniform disorder: an open randomized dopamine D2 receptor explain the action of atypical
clinical trial. Lancet 2008;371:1085-96. antipsychotics? A new hypothesis. Am J Psychiatry
9. Lieberman JA, Stroup TS, McEvoy JP, Swartz S, 2001;158:360-9.
Rosenheck RA, Perkins DO, Keefe RSE, Davis SM, 22. Tandon R, Jibson MD. Extrapyramidal side effects of
Davis CE, Lebowitz B, Severe J, Hsiao JK. Effectiveness antipsychotic treatment: Scope of problem and impact
of antipsychotic drugs in patients with chronic on outcome. Ann Clin Psychiatry 2002;14(2):123-9.
schizophrenia. N Engl J Med 2005;353:1209-23. 23. Newcomer JW. Antipsychotic medications: metabolic
10. Kapur S, Zipursky R, Jones C, Remington G, Houle and cardiovascular risk. J Clin Psychiatry 2007;68:8-
S. Relationship between dopamine D2 occupancy, 13.
clinical response, and side effects: A double-blind 24. Grundy SM, Brewer HB, Cleeman JI, Smith SC,
PET study of first-episode schizophrenia. Am J Lenfant, C. Definition of metabolic syndrome:
Psychiatry 2000;157(4):514-20. report of the National, Heart, Lung and Blood
11. McEvoy JP, Lieberman JA, Stroup TS et al. Effectiveness Institute/American Heart Association conference
of clozapine versus olanzapine, quetiapine and on scientific issues related to definition. Circulation
risperidone in patients with chronic schizophrenia 2004:109:433-8.
who did not respond to prior atypical antipsychotic 25. Klaussen KP, Parving HH, Schaling H, Jensen JS.
treatment. Am J Psychiatry 2006:163:600-10. The association between metabolic syndrome,
12. Falkai P, Wobrock T, Lieberman J, Glenthoj B, Gattaz micoralbuminuria and impaired renal function in the
WF, Möller HJ; WFSBP Task Force on Treatment general population: Impact on cardiovascular disease
Guidelines for Schizophrenia. World Federation of and mortality. J Inter Med. 2007:262(4):470-8.
Societies of Biological Psychiatry (WFSBP) Guidelines 26. McEvoy JP, Meyer JM, Goff DC. Prevalence of the
for Biological Treatment of Schizophrenia. Part 2: metabolic syndrome in patients with schizophrenia:
Long-term treatment of schizophrenia. World J Biol Trials of intervention effectiveness (CATIE) schizophrenia
Psychiatry 2006;7(1):5-40. trial and comparison with national estimates from
13. Matza CS, Buchanan R, Purdon S, Brewster-Jordan J, NHANES III. Schiz Res. 2005;80:19-32.
Zhao Y, Revicki DA. Measuring changes in functional 27. Correll CU, Frederickson AM, Kane JM, Manu P.
status among patients with schizophrenia: The Metabolic syndrome and the risk of coronary heart
link with cognitive impairment. Schiz Bull 2006; disease in 367 patients treated with second-
32(4):666-78. generation antipsychotic drugs. J Clin Psychiatry.
14. Bowie CR, Reichenberg A, Patterson TL, Heaton RK, 2006;67(4):575-83.
Harvey PD. Determinants of real-world functional 28. American Diabetes Association; American Association
performance in Schizophrenia subjects: correlations of Clinical Endocrinologists; North American
with cognitive, functional capacity and symptoms. Am Association for the Study of Obesity. Consensus
J Psychiatry 2006;163(3):418-25. development conference on antipsychotic drugs and
15. Patterson TC, Leeuwenkamp OR. Adjunctive obesity and diabetes. Obes Res 2004;12(2): 362-8.
psychosocial therapies for the treatment of 29. Elkis H, GamaI C, Suplicy H, TambasciaI M, Bressan
schizophrenia. Schiz Res 2008;100:108-19. RA, Lyra R, et al. Brazilian Consensus on second-
16. Velligan DI, Diamond PM, Mintz J, Maples N, Li generation antipsychotics and metabolic disorders.
X, Zeber J, et al. The use of individually tailored Rev Bras Psiquiatr 2008;30(1):77-85.
environmental supports to improve medication 30. Üçok A, Incesu C, Aker T, Erkoç S. Sexual dysfunction
adherence and outcomes in schizophrenia. Schiz Bull in patients with schizophrenia on antipsychotic
2008; 34: 483-93. medication. European Psychiatry 2007;22(5):328-33.
17. Hofer A, Kemmler G, Eder U, Edlinger M, Hummer 31. Kane JM, Honigfeld G, Singer J, et al. Clozapine
M, Feischhacker WW. Quality of life in schizophrenia: for the treatment-resistant schizophrenic. Arch Gen
The impact of psychopathology, attitude toward Psychiatry 1988;45:789-96.
medication and side effects. J Clin Psychiatry 32. Alvir JMJ, Lieberman JA, Safferman AZ, Schwimmer
2004;65:932-9. JL, Schaaf JA. Clozapine-induced agranulocytosis:
18. Robinson D, Woerner MG, Alvir JMJ, Bilder R, incidence and risk factor in United States. N Engl J
Goldman R, Geisle S, Koreen A, Sheitman B, Med 1993;329(3):162-7.
Chakos M, Mayerhoff D, Lieberman JA. Predictors 33. Rocha DMLV, Barbosa Neto JB, Elkis H, Bressan RA.
of relapse following response from a first-episode of Terapêutica com clozapina. In: Bressan RA, Elkis
schizophrenia or schizoaffective disorder. Arch Gen H. Esquizofrenia refratária. São Paulo: Segmento
Psychiatry 1999;56:241-7. Farma; 2007.
192 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

34. Weiden PJ, Zygmunt A. The road back: working with 39. Adams CE, Fenton MKP, Auraishi S, et al. Systematic
severely mentally ill. Medication noncompliance in meta-review of depot antipsychotics drugs for people
schizophrenia, pt.1: assessment. J Prac Psych Behav with schizophrenia. Br J Psychiatry 2001;179:290-9.
Health 1997;3:106-10. 40. Edwards NC, Locklear JC, Rupnow MFT, Diamond RJ.
35. Kane, JM. Review of treatments that can ameliorate Cost effectiveness of long-acting risperidone injection
nonadherence in patients with schizophrenia. J Clin versus alternative antipsychotic agentes in patients
Psychiatry 2006;67(Supl.5):9-14. with schizophrenia in the USA. Pharmacoeconomics
36. L e u c h t S , H e r e s S . E p i d e m i o l o g y , c l i n i c a l 2005; 23 (suppl 1):75-89.
consequences, and psychosocial treatment of 41. Weiden PJ. EPS profiles: the atypical antipsychotics
nonadherence in schizophrenia. J Clin Psychiatry are not the same. J Psyhiatr Pract 2007; 13(1): 13-24.
2006;67(Supl 5):3-8. 42. Lacaz FS, Shirakawa I, Bressan RA. Tratamento
37. Lincoln TM, Wilhelm K, Nestoriuc Y. Effectiveness of farmacológico. In: Malta SMTC, Attux C, Bressan RA.
psychoeducation for relapse, symptoms, knowledge, Esquizofrenia: integração clínico-terapêutica. São
adherence and functioning in psychotic disorders: a Paulo: Atheneu; 2007.
meta-analysis. Schiz Res 2007;96:232-45. 43. Lacaz FS. Adesão ao tratamento farmacológico na
38. Shirakawa I. Esquizofrenia: adesão ao tratamento. esquizofrenia. In: Shirakawa I. Esquizofrenia: adesão
São Paulo: Casa Editorial Lemos; 2007. ao tratamento. São Paulo: Casa Editorial Lemos; 2007.

Auto avaliação
1. São situações que, segundo o algoritmo do IPAP, b) os sintomas extrapiramidais são os efeitos cola-
determinam o manejo e a escolha da medicação, terais menos incômodos
exceto: c) a presença de sintomas extrapiramidais está
a) catatonia associada ao aumento da resposta
b) ausência de risco de suicídio d) a presença de sintomas extrapiramidais relaciona-
c) sintomas maníaco-depressivos se com o aumento da adesão
d) efeitos colaterais a neurolépticos
5. Sobre a escolha da medicação é incorreto afirmar que:
2. São itens que estão entre os mais importantes a) deve ser uma decisão compartilhada por médico
na escolha do tratamento em internação hospitalar e paciente
ou em regime ambulatorial: b) permitir que o paciente participe da tomada de
a) grau de agitação e agressividade decisões diminui sua percepção sobre a autono-
b) risco de suicídio mia do tratamento e é uma forma de aumentar a
c) compreensão do paciente acerca da sua condição adesão
d) todas as opções anteriores c) ensaios clínicos não têm demonstrado diferenças
de eficácia entre antipsicóticos de segunda gera-
3. Sobre o tratamento agudo é correto afirmar, ex- ção ou entre estes e os de primeira geração
ceto: d) a escolha do antipsicótico é baseada no perfil
a) o tratamento pode ser dividido em fase aguda e de efeitos colaterais mais toleráveis, além de
fase de manutenção, com duração e objetivos posologia e forma de administração confortáveis
diferentes para o paciente
b) o conceito de remissão mais usado atualmente
é a manutenção de sintomas em um nível consi- 6. São esquemas adequados para titulação da medi-
derado leve cação, exceto:
c) na prática, o objetivo é manter o paciente com a) definir e atingir uma dose alvo, normalmente um
sintomas que afetem significativamente sua rotina valor intermediário entre os extremos mínimo e
d) há um consenso sobre a prescrição de ASG para máximo de dosagem para cada antipsicótico, e
o tratamento inicial aguardar a resposta
b) doses mais baixas são adequadas para pacientes
4. Sobre a indução de sintomas extrapiramidais é em primeiro episódio psicótico
correto afirmar que: c) em pacientes crônicos, devem ser avaliadas
a) doses de 2 mg de haloperidol já são suficientes, medicação anterior, resposta e dosagem para
em alguns pacientes, para promover a ocupação estimar dose alvo, frequentemente mais elevada
em torno de 65% dos receptores e gerar resposta d) preconiza-se um período de uma a duas semanas
clínica para decidir sobre a resposta ao tratamento (IPAP)
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 193

7. Quanto ao tratamento de manutenção, é correto 9. Sobre a comorbidade entre esquizofrenia e sín-


afirmar que: drome metabólica é incorreto afirmar que:
a) inicia-se após o controle adequado dos sintomas a) pacientes com esquizofrenia apresentam maior
e corresponde à fase estável da doença prevalência de síndrome metabólica
b) deve não apenas manter a remissão dos sinto- b) a síndrome metabólica afeta cerca de 51,6% das
mas, mas melhorar a qualidade de vida, a reabi- mulheres e 36% dos homens
litação funcional do paciente, o monitoramento e c) a incidência de cardiopatias é significativamente
o manejo dos efeitos colaterais das medicações menor nos pacientes com esquizofrenia e que
c) a importância de verificar e reforçar com o pacien- desenvolvem síndrome metabólica
te a necessidade de manter-se em tratamento d) mais de 67% dos pacientes com esquizofrenia
d) todas as respostas anteriores morrem de cardiopatias coronarianas contra
aproximadamente 50% na população em geral
8. Entre os aspectos relacionados com o manejo dos
efeitos colaterais, podemos afirmar que: 10. Quanto ao ganho de peso corporal e aos antip-
a) a ocorrência dos efeitos colaterais está relacio- sicóticos, é correto afirmar que:
nada com melhoria da qualidade de vida dos a) os antipsicóticos típicos, principalmente as feno-
pacientes e, consequentemente, com pior adesão tiazinas de baixa potência, têm sido associados
b) interrupção da medicação, mesmo que por poucos a aumento significativo de peso corporal
dias, é o principal fator relacionado com recaídas b) o maior ganho de peso observado com a clozapina
psicóticas e a olanzapinase deve à sua afinidade com os
c) efeitos colaterais são os principais motivos de receptores 5-HT2c e H1
interrupção do tratamento c) o aripiprazol tem baixo perfil de ganho de peso
d) sintomas extrapiramidais, ganho de peso e disfun- d) todas as respostas anteriores
ção sexual causam maior taxa de descontinuação
da medicação

Respostas: 1. B; 2. D; 3. C; 4. A; 5. B; 6. D; 7. D; 8. A; 9. C e 10. D.
Instruções aos autores

A revista Neurociências é uma publicação com periodicidade 3. Revisão


bimestral e está aberta para a publicação e divulgação de artigos São trabalhos que expõem criticamente o estado atual
científicos das várias áreas relacionadas às Neurociências. do conhecimento em alguma das áreas relacionadas às neu-
Os artigos publicados em Neurociências poderão também rociências. Revisões consistem necessariamente em síntese,
ser publicados na versão eletrônica da revista (Internet) assim análise, e avaliação de artigos originais já publicados em
como em outros meios eletrônicos (CD-ROM) ou outros que revistas científicas. Todas as contribuições a esta seção que
surjam no futuro. Ao autorizar a publicação de seus artigos na suscitarem interesse editorial serão submetidas a revisão por
revista, os autores concordam com estas condições. pares anônimos.
A revista Neurociências assume o “estilo Vancouver” (Uni- Formato: Embora tenham cunho histórico, revisões não
forme requirements for manuscripts submitted to biomedical expõem necessariamente toda a história do seu tema, exceto
journals) preconizado pelo Comitê Internacional de Diretores de quando a própria história da área for o objeto do artigo. O texto
Revistas Médicas, com as especificações que são detalhadas deve conter um resumo de até 200 palavras em português e
a seguir. Ver o texto completo em inglês desses Requisitos outro em inglês. O restante do texto tem formato livre, mas
Uniformes no site do International Committee of Medical Journal deve ser subdividido em tópicos, identificados por subtítulos,
Editors (ICMJE), www.icmje.org, na versão atualizada de outubro para facilitar a leitura.
de 2007 (o texto completo dos requisitos está também disponível, Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada
em inglês, no site de Atlântica Editora em pdf). e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 25.000 car-
Submissões devem ser enviadas por e-mail para o editor acteres, incluindo espaços.
(artigos@atlanticaeditora.com.br). A publicação dos artigos é Figuras e Tabelas: mesmas limitações dos artigos originais.
uma decisão dos editores, baseada em avaliação por revisores Referências: Máximo de 100 referências.
anônimos (Artigos originais, Revisões, Perspectivas e Estudos
de Caso) ou não. 4. Perspectivas
Como os leitores da Neurociências têm formação muito Perspectivas consideram possibilidades futuras nas
variada, recomenda-se que a linguagem de todos os artigos várias áreas das neurociências, inspiradas em acontecimen-
seja acessível ao não-especialista. Para garantir a unifor- tos e descobertas científicas recentes. Contribuições a esta
midade da linguagem dos artigos, as contribuições às várias seção que suscitarem interesse editorial serão submetidas
seções da revista podem sofrer alterações editoriais. Em todos a revisão por pares.
os casos, a publicação da versão final de cada artigo somente Formato: O texto das perspectivas é livre, mas deve iniciar
acontecerá após consentimento dos autores. com um resumo de até 100 palavras em português e outro
em inglês. O restante do texto pode ou não ser subdividido
1. Editorial e Seleção dos Editores em tópicos, identificados por subtítulos.
O Editorial que abre cada número da Neurociências Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada
comenta acontecimentos neurocientíficos recentes, política e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 10.000 car-
científica, aspectos das neurociências relevantes à sociedade acteres, incluindo espaços.
em geral, e o conteúdo da revista. A Seleção dos Editores traz Figuras e Tabelas: máximo de duas tabelas e duas figuras.
uma coletânea de notas curtas sobre artigos publicados em Referências: Máximo de 20 referências.
outras revistas no bimestre que interessem ao público-alvo
da revista. Essas duas seções são redigidas exclusivamente 5. Estudo de caso
pelos Editores. Sugestões de tema, no entanto, são bem- São artigos que apresentam dados descritivos de um ou
vindas, e ocasionalmente publicaremos notas contribuídas mais casos clínicos ou terapêuticos com características semel-
por leitores na Seleção dos Editores. hantes. Contribuições a esta seção que suscitarem interesse
editorial serão submetidas a revisão por pares.
2. Artigos originais Formato: O texto dos Estudos de caso deve iniciar com um
São trabalhos resultantes de pesquisa científica apre- resumo de até 200 palavras em português e outro em inglês.
sentando dados originais de descobertas com relação a O restante do texto deve ser subdividido em Introdução, Apre-
aspectos experimentais ou observacionais. Todas as contri- sentação do caso, Discussão, Conclusões e Literatura citada.
buições a esta seção que suscitarem interesse editorial serão Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada
submetidas a revisão por pares anônimos. e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 10.000 car-
Formato: O texto dos artigos originais é dividido em Re- acteres, incluindo espaços.
sumo, Introdução, Material e métodos, Resultados, Discussão, Figuras e Tabelas: máximo de duas tabelas e duas figuras.
Conclusão, Agradecimentos e Referências. Referências: Máximo de 20 referências.
Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada
e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 25.000 6. Opinião
caracteres (espaços incluídos), e não deve ser superior a 12 Esta seção publicará artigos curtos, de no máximo uma
páginas A4, em espaço simples, fonte Times New Roman página, que expressam a opinião pessoal dos autores sobre
tamanho 12, com todas as formatações de texto, tais como temas pertinentes às várias Neurociências: avanços recentes,
negrito, itálico, sobre-escrito, etc. O resumo deve ser enviado política científica, novas idéias científicas e hipóteses, críticas
em português e em inglês, e cada versão não deve ultrapas- à interpretação de estudos originais e propostas de interpre-
sar 200 palavras. A distribuição do texto nas demais seções tações alternativas, por exemplo. Por ter cunho pessoal, não
é livre, mas recomenda-se que a Discussão não ultrapasse será sujeita a revisão por pares.
1.000 palavras. Formato: O texto de artigos de Opinião tem formato livre,
Tabelas: Recomenda-se usar no máximo seis tabelas, no e não traz um resumo destacado.
formato Excel ou Word. Texto: Não deve ultrapassar 3.000 caracteres, incluindo
Figuras: Máximo de 8 figuras, em formato .tif ou .gif, com espaços.
resolução de 300 dpi. Figuras e Tabelas: Máximo de uma tabela ou figura.
Referências: Máximo de 50 referências. Referências: Máximo de 20 referências.
7. Resenhas animais estão de acordo com as normas vigentes na
Publicaremos resenhas de livros relacionados às Neuro- Instituição e/ou Comitê de Ética responsável;
ciências escritas a convite dos editores ou enviadas espon- (7) telefones de contato do autor correspondente.
taneamente pelos leitores. Resenhas terão no máximo uma
página, e devem avaliar linguagem, conteúdo e pertinência do 2. Página de apresentação
livro, e não simplesmente resumi-lo. Resenhas também não A primeira página do artigo traz as seguintes informações:
serão sujeitas a revisão por pares. - Seção da revista à que se destina a contribuição;
Formato: O texto das Resenhas tem formato livre, e não - Nome do membro do Conselho Editorial cuja área de concen-
traz um resumo destacado. tração melhor corresponde ao tema do trabalho;
Texto: Não deve ultrapassar 3.000 caracteres, incluindo - Título do trabalho em português e inglês;
espaços. - Nome completo dos autores;
Figuras e Tabelas: somente uma ilustração da capa do - Local de trabalho dos autores;
livro será publicada. - Autor correspondente, com o respectivo endereço, telefone
Referências: Máximo de 5 referências. e E-mail;
- Título abreviado do artigo, com não mais de 40 toques, para
8. Cartas paginação;
Esta seção publicará correspondência recebida, neces- - Número total de caracteres no texto;
sariamente relacionada aos artigos publicados na Neurociências - Número de palavras nos resumos e na discussão, quando
Brasil ou à linha editorial da revista. Demais contribuições devem aplicável;
ser endereçadas à seção Opinião. Os autores de artigos even- - Número de figuras e tabelas;
tualmente citados em Cartas serão informados e terão direito - Número de referências.
de resposta, que será publicada simultaneamente.
Cartas devem ser breves e, se forem publicadas, poderão 3. Resumo e palavras-chave
ser editadas para atender a limites de espaço. A segunda página de todas as contribuições, exceto Opiniões
e Resenhas, deverá conter resumos do trabalho em português
9. Classificados e em inglês. O resumo deve identificar, em texto corrido (sem
Neurociências Brasil publica gratuitamente uma seção subtítulos), o tema do trabalho, as questões abordadas, a
de pequenos anúncios com o objetivo de facilitar trocas e metodologia empregada (quando aplicável), as descobertas ou
interação entre pesquisadores. Anúncios aceitos para publi- argumentações principais, e as conclusões do trabalho.
cação deverão ser breves, sem fins lucrativos, e por exemplo Abaixo do resumo, os autores deverão indicar quatro
oferecer vagas para estágio, pós-graduação ou pós-doutorado; palavras-chave em português e em inglês para indexação do
buscar colaborações; buscar doações de reagentes; oferecer artigo. Recomenda-se empregar termos utilizados na lista dos
equipamentos etc. Anúncios devem necessariamente trazer DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) da Biblioteca Virtual
o nome completo, endereço, e-mail e telefone para contato da Saúde, que se encontra em http://decs.bvs.br.
do interessado.
4. Agradecimentos
Agradecimentos a colaboradores, agências de fomento
PREPARAÇÃO DO ORIGINAL e técnicos devem ser inseridos no final do artigo, antes da
Literatura Citada, em uma seção à parte.
1. Normas gerais 5. Referências
1.1 Os artigos enviados deverão estar digitados em proces- As referências bibliográficas devem seguir o estilo Van-
sador de texto (Word), em página A4, formatados da seguinte couver. As referências bibliográficas devem ser numeradas
maneira: fonte Times New Roman tamanho 12, com todas as com algarismos arábicos, mencionadas no texto pelo número
formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobrescrito, entre parênteses, e relacionadas na literatura citada na ordem
etc. em que aparecem no texto, seguindo as seguintes normas:
1.2 Tabelas devem ser numeradas com algarismos romanos, Livros - Sobrenome do autor, letras iniciais de seu nome,
e Figuras com algarismos arábicos. ponto, título do capítulo, ponto, In: autor do livro (se diferente
1.3 Legendas para Tabelas e Figuras devem constar à parte, do capítulo), ponto, título do livro (em grifo - itálico), ponto,
isoladas das ilustrações e do corpo do texto. local da edição, dois pontos, editora, ponto e vírgula, ano da
1.4 As imagens devem estar em preto e branco ou tons de impressão, ponto, páginas inicial e final, ponto.
cinza, e com resolução de qualidade gráfica (300 dpi). Fotos Exemplo:
e desenhos devem estar digitalizados e nos formatos .tif 1. Phillips SJ, Hypertension and Stroke. In: Laragh JH,
ou .gif. Imagens coloridas serão aceitas excepcionalmente, editor. Hypertension: pathophysiology, diagnosis and manage-
quando forem indispensáveis à compreensão dos resultados ment. 2nd ed. New-York: Raven press; 1995. p.465-78.
(histologia, neuroimagem, etc.)
Todas as contribuições devem ser enviadas por e-mail Artigos – Número de ordem, sobrenome do(s) autor(es),
para o editor (artigos@atlanticaeditora.com.br). O corpo do letras iniciais de seus nomes (sem pontos nem espaço), ponto.
e-mail deve ser uma carta do autor correspondente à editora, Título do trabalha, ponto. Título da revista ano de publicação
e deve conter: seguido de ponto e vírgula, número do volume seguido de dois
(1) identificação da seção da revista à qual se destina a pontos, páginas inicial e final, ponto. Não utilizar maiúsculas
contribuição; ou itálicos. Os títulos das revistas são abreviados de acordo
(2) identificação da área principal das Neurociências onde o com o Index Medicus, na publicação List of Journals Indexed in
trabalho se encaixa; Index Medicus ou com a lista das revistas nacionais, disponível
(3) resumo de não mais que duas frases do conteúdo da no site da Biblioteca Virtual de Saúde (www.bireme.br). Devem
contribuição (diferente do resumo de um artigo original, ser citados todos os autores até 6 autores. Quando mais de
por exemplo); 6, colocar a abreviação latina et al.
(4) uma frase garantindo que o conteúdo é original e não foi Exemplo:
publicado em outros meios além de anais de congresso; Yamamoto M, Sawaya R, Mohanam S. Expression and
(5) uma frase em que o autor correspondente assume a localization of urokinase-type plasminogen activator receptor
responsabilidade pelo conteúdo do artigo e garante que in human gliomas. Cancer Res 1994;54:5016-20.
todos os outros autores estão cientes e de acordo com o
envio do trabalho;
(6) uma frase garantindo, quando aplicável, que todos os Todas as contribuições devem ser enviadas por e-mail para:
procedimentos e experimentos com humanos ou outros artigos@atlanticaeditora.com.br
196 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

Eventos
2011
Março 15 a 18 de junho
18 a 20 de março 7º Congresso Brasileiro de Cérebro, Comportamento e
III Simpósio Internacional de Neurotraumatologia Emoções
Minas Centro, Belo Horizonte, MG Gramado, RS
Informações: www.neurotrauma2011.com.br/ Informações: www.cbcce.com.br/

31 de março a 2 de abril 26 a 30 de junho


IV Congresso Internacional de Stress International Workshop on Neuroimmunology
Campinas, SP Varadero Beach, Cuba
Informações: www.estresse.com.br/ Informações: www.immunopharmacologycuba.com

Abril Julho
6 a 9 de abril 14 a 19 de julho
VIII Congresso Brasileiro de Terapias Cognitivas 8th IBRO World Congress
Florianópolis, SC Florence, Italy
Informações: www.cbtc2011.com.br/ Informações: www.sfn.org

6 a 10 de abril Setembro
Neurobiological Basis of Drug Addiction 14 a 17 de setembro
Uspallata, Mendoza, Argentina 14th Interim Meeting WFNS 15th Brazilian Society Neu-
Informações: www.neurotoxicitysociety.org/index. rosurgery Congress of Continuous Education
php?section=28 Porto de Galinhas, PE
Maio Informações: www.wfnsinterimmeeting2011.com.br

24 a 27 de maio Outubro
10ème colloque de la Société des Neurociences 26 a 29 de outubro
Marseille, França XLI Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia
Informações: www.neurosciences.asso.fr/V2/colloques/ Hangar Centro de Convenções da Amazônia, Belém PA
SN11 Informações: www.sbponline.org.br
Junho Novembro
10 a 13 de junho 2 a 5 de novembro
Simpósio Internacional de Morte Celular – International XXIX Congresso Brasileiro de Psiquiatria
Cell Death Symposium 2011 Rio de Janeiro
EcoResort Cheiro de Mato, Mairiporã, São Paulo Informações: www.cbpabp.org.br
Informações: www.unifesp.br/dfarma/cell-symposio/cell-
symp_2011.htm
neurociências
psicologia
Sumário
Volume 6 número 4 - outubro/dezembro de 2010

EDITORIAL
Notícias diárias do cérebro, Jean-Louis Peytavin ............................................................................ 199

OPINIÃO
A união faz a força, Bruno Duarte Gomes ...................................................................................... 200

PERSPECTIVA
Adesão ao tratamento em esquizofrenia: uma estratégia essencial, Itiro Shirakawa ........................ 203
Marcadores biológicos no transtorno bipolar: dano neuronal progressivo,
Marcia Kauer-Sant’Anna................................................................................................................ 210
O NICE Clinical Guideline e o tratamento da dor neuropática, Patrick RNAG Stump .......................... 216

ARTIGOS ORIGINAIS
Depressão em enfoque evolucionário: análise bioinformática,
Álvaro Machado Dias, Rogério Leite Silva ....................................................................................... 219
Efeitos agudos da mobilização passiva cíclica sobre a espasticidade
na paraplegia por traumatismo raquimedular, Antonio Vinicius Soares,
Marcos Antônio dos Anjos, Aline Michelle Busatto,
Angélica Aparecida Alves Bloemer, Mariana Rocha Furtado,
Michelle Bertani Machado, Nilceia Marcelino, Sheron Ritiane Borges ............................................... 227

REVISÃO
Progressive muscular dystrophies and involvement of central nervous system,
Gisiane de Bareta de Mathia, Franciani Rodrigues, Beatriz Naspolini Silvestri,
Gaspar Rogério da Silva Chiappa, Lisiane Tuon............................................................................... 232

NORMAS DE PUBLICAÇÃO ..................................................................................................... 239

EVENTOS .................................................................................................................................. 241


198 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

neurociências
psicologia ISSN 1807-1058

Revista Multidisciplinar das


d Ciências
Ciê i do d Cérebro
Cé b
Editor: Luiz Carlos de Lima Silveira, UFPA
Editor associado: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, Fiocruz
Editor-assistente: Daniel Martins de Barros, HC-USP
Presidente do conselho editorial: Roberto Paes de Carvalho, UFF

Conselho editorial
Álvaro Machado Dias, UNIFESP (Psicologia experimental)
Aniela Improta França, UFRJ (Neurolingüística)
Carlos Alexandre Netto, UFRGS (Farmacologia)
Cecília Hedin-Pereira, UFRJ (Desenvolvimento)
Daniela Uziel, UFRJ (Desenvolvimento)
Dora Fix Ventura, USP (Neuropsicologia)
Eliane Volchan, UFRJ (Cognição)
João Santos Pereira, UERJ (Neurologia)
Koichi Sameshima, USP (Neurociência computacional)
Leonor Scliar-Cabral, UFSC (Lingüística)
Lucia Marques Vianna, UniRio (Nutrição)
Marcelo Fernandes Costa, USP (Psicologia Experimental)
Marco Antônio Guimarães da Silva, UFRRJ/UCB (Fisioterapia e Reabilitação)
Marco Callegaro, Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (Psicoterapia)
Marco Antônio Prado, UFMG (Neuroquímica)
Rafael Linden, UFRJ (Neurogenética)
Rubem C. Araujo Guedes, UFPE (Neurofisiologia)
Stevens Kastrup Rehen, UFRJ (Neurobiologia Celular)
Vera Lemgruber, Santa Casa do Rio de Janeiro (Neuropsiquiatria)
Wilson Savino, FIOCRUZ (Neuroimunologia)

Neurociências é publicado com o apoio de:


SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento)
Presidente: Marcus Vinícius C. Baldo
www.sbnec.org.br

Atlântica Editora
e Shalon Representações
Praça Ramos de Azevedo, 206/1910 Editor executivo
Centro 01037-010 São Paulo SP E-mail: atlantica@atlanticaeditora.com.br Dr. Jean-Louis Peytavin
www.atlanticaeditora.com.br jeanlouis@atlanticaeditora.com.br
Atendimento Editor assistente
(11) 3361 5595 /3361 9932 Guillermina Arias
E-mail: assinaturas@atlanticaeditora.com.br guillermina@atlanticaeditora.com.br
Diretor Direção de arte
Assinatura Antonio Carlos Mello Cristiana Ribas
1 ano (4 edições ao ano): R$ 160,00 mello@atlanticaeditora.com.br cristiana@atlanticaeditora.com.br

Todo o material a ser publicado deve ser enviado para o seguinte endereço de e-mail:
artigos@atlanticaeditora.com.br
Atlântica Editora edita as revistas Fisioterapia Brasil, Fisiologia do Exercício, Enfermagem Brasil e Nutrição Brasil
I.P. (Informação publicitária): As informações são de responsabilidade dos anunciantes.
© ATMC - Atlântica Multimídia e Comunicações Ltda - Nenhuma parte dessa publicação pode ser reproduzida,
arquivada ou distribuída por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia ou outro, sem a permissão escrita do
proprietário do copyright, Atlântica Editora. O editor não assume qualquer responsabilidade por eventual prejuízo a
pessoas ou propriedades ligado à confiabilidade dos produtos, métodos, instruções ou idéias expostos no material
publicado. Apesar de todo o material publicitário estar em conformidade com os padrões de ética da saúde, sua
inserção na revista não é uma garantia ou endosso da qualidade ou do valor do produto ou das asserções de seu
fabricante.
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 199

Editorial

Notícias diárias do cérebro


Jean-Louis Peytavin

O que há de novo no reino do cérebro? Basta Fora desses resultados contraditórios que
abrir os principais jornais e magazines, ligar a tele- engendram mais perguntas do que respostas, pes-
visão, para conferir, todos os dias, inúmeras infor- quisadores procuram saber como o meio ambiente
mações sobre o mundo ainda pouco conhecido de influencia o próprio cérebro e os mecanismos de
nossas redes neurais. memorização. Internet, por exemplo, altera os pro-
No mesmo dia, estamos informados por uma cedimentos antigos da atenção, aprendizagem e
importante fonte de notícias online, que as torradas concentração, o que pode prejudicar o desempenho
são excelentes para a memória, baseando-se na intelectual, segundo a tese defendida por Nicholas
idéia que a glicose é indispensável para o bom fun- Carr [4], opondo-se à opinião geral sobre o papel
cionamento do cérebro, o que é longe de ser uma positivo da informação online.
informação nova... e, o que é mais estranho, que os As neurociências estão saindo pouco a pouco
escores de memória melhoram quando lemos textos do meio acadêmico e apresentam a cada dia infor-
com fontes incomuns ou feias [1]. Também o treina- mações novas, contraditórias, paradoxais, lembrando
mento da memória seria facilitado por uma hora de as discussões e polêmicas, que, há poucas décadas,
navegação ativa na internet, na hora do almoço, o eram reservadas à psicologia e seus diferentes
que deve ser temperado pelo fato que as distrações, correntes.
quer dizer as interferências de informações, são
mais difíceis controlar com a idade: há o risco de Referências
esquecer a tarefa inicial no decorrer da navegação,
o que seria um distúrbio comum não da memória, 1. Diemand-Yauman C, Oppenheimer DM, Vaugham EB.
Fortune favors the bold (and the italicized): effects
mas da atenção [2].
of disfluency on educational outcomes. Cognition
Do outro lado, o álcool favorece o esquecimento, 2011;118(1):111-5.
mas não em todos os casos: um estudo recente mos- 2. Clapp WC, Rubens MT, Sabharwal J, Gazzaley A. De-
tra, ao contrário, que o consumo de álcool aumente a ficit in switching between functional brain networks
memória dos eventos ligados à secreção de dopami- underlies the impact of multitasking on working me-
mory in older adults. PNAS 2011;108(17):7212-7.
na, que são justamente os eventos de prazer como 3. Bernier BE, Whitaker LR, Morikawa H. Previous Etha-
ir para o restaurante ou encontrar amigos (eventos nol Experience Enhances Synaptic Plasticity of NMDA
geralmente ligados ao consumo de álcool). De fato, Receptors in the Ventral Tegmental Area. The Journal
a dopamina liberada pelo consumo de álcool seria of Neuroscience 2011;31(14):5205-12.
4. Carr N. The shallows: what the internet is doing to our
mais um neurotransmissor de aprendizagem do que brains. Norton; 2010.
de prazer [3].
200 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

Opinião

A união faz a força


Bruno Duarte Gomes

No seu comentário acerca do livro de Peter Dayan e L.F. Abbott


Theoretical neuroscience: computational and mathematical modeling
of neural, o neurocientista teórico e estudioso da consciência Christof
Koch faz uma comparação muito curiosa que nos remete a complexidade
aparentemente intransponível acerca do funcionamento de um neurônio
ou par de neurônios: “Sob condições de estabilidade, um buraco negro
macroscópico, tal como o monstro que provavelmente existe no centro
da nossa galáxia, pode ser exatamente descrito por três variáveis: sua
massa, rotação angular e carga. Isso não é uma aproximação sob con-
dições altamente idealizadas, mas descreve o universo real. Contraste
isso com uma única sinapse química caracterizada por uma miríade de
propriedades pré e pós-sinápticas — a probabilidade de liberação de
uma vesícula, seu potencial iônico reverso, número e constantes de
tempo de ativação e inativação dos canais subjacentes ao processo e
por aí vai” [1]. Não só na sinapse química, mas o número de variáveis
que descrevem as variações de potenciais através da membrana de um
único neurônio são de deixar o mais tenaz dos físicos teóricos de cabelos
em pé, se permitem o trocadilho com a figura do Professor Einstein.
Apesar da complexidade, a computação realizada por um único
neurônio já pode ser modelada com precisão considerável e o registro
eletrofisiológico de neurônios individuais demonstrou ser um procedi-
mento fundamental para o entendimento mais básico de qualquer pro-
cesso no sistema nervoso e de como neurônios processam informação
em diferentes áreas. No entanto, há muitas coisas que a atividade de
um único neurônio ou poucos neurônios não explica. Se passarmos dos
princípios básicos de funcionamento e processamento de informação
para o entendimento de correlatos neurais dos sentidos, consciência,
comportamento... Aí um neurônio só “não faz verão”.
Em uma revisão extremamente interessante e de fácil leitura,
Rodrigo Quiroga e Stefano Panzeri relatam os principais procedimentos
Correspondência: Prof. Dr. Bruno e achados na laboriosa tarefa de conseguir informação de populações
Duarte Gomes, Universidade Federal neuronais usando métodos matemáticos de decodificação e aplicação
do Pará, Instituto de Ciências Bioló- dos princípios de teoria da informação [2]. No entanto a análise da res-
gicas - Campus Básico, Rua Augusto posta de grandes grupos de neurônios envolve dois grandes desafios
Corrêa, 1 Belém PA, Tel: (91) 3201- matemáticos: como extrair informações acerca da atividade de cada
6819, E-mail: brunodgomes@yahoo. neurônio a partir da resposta global, e como obter informação objetiva
com.br da resposta global. As vantagens enumeradas pelos autores para es-
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 201

tudar as respostas de grandes grupos de neurônios que se cada neurônio puder ser monitorado quanto
ao invés de um ou poucos neurônios está no fato a sua resposta para um estímulo específico, então
de que a resposta neuronal individual não pode ser a informação de atividade de todos os neurônios
usada para predizer estimulações sensoriais e com- pode levar a uma previsão do estímulo a partir das
portamento. Além do que, os registros unitários pre- respostas de todos os neurônios.
cisam ser promediados no tempo para incrementar Os autores constroem procedimentos mate-
a razão sinal-ruído e isso mascara o processamento máticos baseados em probabilidades envolvendo o
do neurônio em tempo real ao da estimulação. Um Teorema de Bayes e a Teoria de Informação de Shan-
neurônio no córtex visual, por exemplo, nada pode non para relacionar as probabilidades condicionais
informar se uma maçã ou uma laranja está sendo de ocorrência do estímulo dada à resposta P(s|r), e
vista. Nesse caso, uma decodificação da estimulação de ocorrência da resposta dado o estímulo P(r|s). O
não é possível. Os autores explicam que por decodi- teorema de Bayes é na verdade apenas um dentre
ficação, entenda-se a predição de um dado estímulo várias possibilidades de decodificação mas parece
ou comportamento a partir de um padrão específico ser, segundo os autores, um dos mais eficientes.
de resposta neuronal. Em outra frente, a teoria da Esse procedimento usa uma equação muito simples:
informação age indicando o quanto de informação
P(r| s).P(s)
acerca de um estímulo transporta os neurônios de P(s|r) =
P(r)
, onde P(r) = ∑ P(r | s).P(s)
s
uma dada região. Esses métodos são abordagens
que se complementam e atingem resultados impres- Deste modo as probabilidades de ocorrência do
sionantes. Eles conseguem até detalhar como cada estímulo P(s) e da resposta P(r), podem ser relacio-
membro da população neuronal contribui para a re- nadas às probabilidades condicionais P(s|r) e P(r|s).
presentação do estímulo. Antes da aplicação dessas Os dados são colocados em um gráfico chamado de
duas abordagens, os passos são a aquisição dos “matriz de confusão”, onde a quantidade de estímu-
registros corticais através de eletrodos em filamen- los apresentados que puderam ser preditos dada a
tos e uso de algoritmos que identificam os disparos resposta neuronal, pode ser quantificada.
neuronais e os classificam. Em toda análise, dois A incerteza sobre qual estímulo é apresentado
parâmetros são combinados para se tirar conclusões ou a quantidade média de informação obtida com
a respeito de uma correspondência entre padrão cada estímulo apresentado é dada pela relação de
de atividade neuronal e estimulação específica: os Shannon abaixo, que corresponde à entropia na
disparos neuronais e os potenciais de campo locais. distribuição de probabilidades de apresentação do
Sem entrar em detalhes, o primeiro relaciona-se a estímulo. Ou seja, a incerteza sobre que estímulo
informações que saem dos neurônios, e o segundo foi apresentado:
as informações que chegam aos neurônios.
Tomemos como exemplo centenas de eletrodos
H(s) = î ∑ P(s)log P(s)
s 2

inseridos no córtex visual de um macaco tricromata Pulando alguns passos detalhados no manus-
e vamos considerar as características dos disparos crito, através da relação definida acima, se chega à
neuronais quando o animal visualiza a imagem de relação da informação mútua que é dada por:
uma maçã em um monitor. No exato momento em
que a maçã é mostrada ao animal por alguns mi- I(S,R) = ∑ P(s,r)log
s, r
2
P(s, r)
P(s).P(r)
lissegundos, cada neurônio sendo registrado pode
responder mudando o padrão de disparo de três Onde a quantidade fundamental é P(s,r), a pro-
maneiras: 1) Ocorre um aumento na taxa de disparo. babilidade conjunta de ocorrência de uma resposta R
Ou seja, um aumento na frequência; 2) Subconjuntos = r juntamente com um estímulo S = s. Todas essas
de neurônios disparam de modo sincronizado; 3) probabilidades são calculadas empiricamente para
Ocorre uma mudança no padrão temporal de disparo. cada neurônio e é muito importante que as mesmas
Essa mudança não corresponde a uma alteração na sejam estimadas em uma única apresentação do
frequência, mas na localização do disparo no domínio estímulo e só depois sejam computadas todas as
do tempo. É como ter um disparo a cada 250 milis- apresentações, já que os sistema nervoso precisa
segundos antes da estimulação, o que daria uma tirar conclusões sobre que imagem está sendo exi-
frequência de 4 Hz, e após a estimulação o primeiro bida por exemplo, em apenas alguns milissegundos.
disparo ocorre após 500 milissegundos e depois A primeira vista, pode parecer que tanto o deco-
passa a ocorrer a cada 125 milissegundos. O fato é dificador quanto a extrator de informação são muito
202 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

semelhantes já que inclusive no caso de uma análise estudos de populações neuronais na LTM, havia a
Bayesiana, eles são baseados nas mesmas relações suspeita de que essa região continha neurônios
probabilísticas tendo por base a probabilidade con- que respondem mais vigorosamente a imagens de
dicional P(r|s). No entanto, essas duas abordagens objetos e pessoas específicas, sendo importante
guardam diferenças importantes e ao contrário do na identificação precisa dos mesmos [5]. Em outro
manuscrito em questão, que integraliza os resultados trabalho de Quiroga et al. [6], foi usado um algoritmo
de ambas as abordagens, as mesmas foram histori- de decodificação que conseguiu predizer a apre-
camente usadas de modo independente em outros sentação de 32 imagens, baseado na atividade de
estudos de respostas de populações neuronais [3,4]. apenas 19 neurônios registrados simultaneamente.
A diferença pode ser notada quando se analisa O interessante é que foi possível prever que pessoa
que, mesmo quando se tem um decodificador dito ou objeto era mostrado em cada apresentação [6].
ótimo, a quantidade de informação extraída pode Adicionalmente, não foi possível fazer previsões quan-
ser menor do que do que a informação disponível na do diferentes imagens da mesma pessoa ou objeto
resposta neuronal. Isso porque a teoria da informação eram mostradas. Esse parece ser um resultado típico
quantifica o “conhecimento” total sobre o estímulo de estudos de neuroimagem, mas foi conseguido com
apresentado que é obtido com uma única apresen- a ótima resolução temporal e atividade em tempo real
tação do estímulo. A distinção torna-se mais clara que só a abordagem eletrofisiológica pode conseguir.
quando se observa que os neurônios podem fornecer Os autores finalizam o manuscrito chamando a
informação por outras maneiras do que apenas indi- atenção que o campo é bastante promissor e que
car qual o estímulo mais provável que deflagrou sua as predições tornam-se cada vez melhores à medida
atividade. Informação também pode ser fornecida que os procedimentos matemáticos são mais incre-
sobre estímulos improváveis e a inespecificidade da mentados e sistemas de computação mais robustos.
informação fica aparente quando se confronta seus Esses resultados mostram que definitivamente, o
resultados com os do decodificador. Típicos procedi- entendimento de tarefas complexas não pode ser
mentos que são fonte de perda de informação são conseguido com exatidão a partir de ambiguidades
contar o número total de disparos de potenciais de que podem surgir do registro unitário. As técnicas
ação em um dado intervalo de tempo ou não conside- de decodificação e teoria da informação mostram de
rar a fase (seu deslocamento no tempo) de um dado modo muito elegante que a união faz a força entre
conjunto de disparos. Como citado no início desse os neurônios para combinar vários sinais e destes
texto, as frequências de disparo podem permanecer extrair um código específico para cada tarefa. Essa já
inalteradas, mas o padrão temporal pode mudar muito. era uma suposição bastante razoável na neurociên-
Como todo método tem suas limitações, a mar- cia e pode não parecer uma conclusão nova, mas a
gem de erro de todo o processo envolvendo a decodi- possibilidade de entender esse código e usá-lo para
ficação e aplicação da teoria da informação pode ser fazer previsões sobre estimulação e comportamento
grande se suposições erradas forem feitas sobre os é novíssima e avança rápido.
dados de registro. Não se pode, por exemplo, excluir
um dado estímulo como maçã em detrimento de pêra Referências
de imediato sem levar em consideração que pode
existir uma superposição das curvas de respostas 1. Koch C. A lighthouse for neural modeling. Nature
Neurosci 2002;5:195.
ótimas para cada um desses estímulos visuais.
2. Quian Quiroga R. Extracting information from neuro-
Quanto mais variáveis se coloca, mais difícil será nal: information theory and decoding approaches.
tirar conclusões a respeito de uma exclusividade do Nature Rev Neurosci 2009;10:173-85.
código neural para um dado estímulo. Com isso, o 3. Abbott LF. Decoding neuronal firing and modeling
decodificador não considera toda as possibilidades neural networks. Q Rev Biophys 1994;27:291-331.
4. Pouget A, Dayan P, Zemel R. Information processing
de informação transmitida apesar do desempenho with population codes. Nature Rev Neurosci 2000;
do decodificador ser avaliada exaustivamente antes 1: 125-32.
de cada experimento. 5. Quian Quiroga R, Reddy L, Kreiman G, Koch, C, Fried
Com todas as limitações, boas aproximações I. Invariant visual representation by single neurons in
the human brain. Nature 2005;435:1102-7.
foram feitas e os autores oferecem uma coleção de 6. Quian Quiroga R, Reddy L, Koch C, Fried I. Decoding
exemplos de vários estudos. Vou citar um resultado visual inputs from multiple neurons in the human
muito interessante com atividade de neurônios do temporal lobe. J Neurophysiol 2007;98:1997-2007.
lobo temporal medial em humanos (LTM). Antes dos
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 203

Perspectiva

Adesão ao tratamento em esquizofrenia


Uma estratégia essencial
Itiro Shirakawa

Introdução
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), “adesão é a
extensão na qual o comportamento do indivíduo (em termos de ingerir
medicações, seguir ou executar mudanças no estilo de vida) coincide
com o aconselhamento médico ou de saúde” [1].
Apesar deste conceito ser aparentemente simples, a adesão ao
tratamento envolve vários aspectos que merecem consideração.
A primeira dificuldade reside na própria terminologia, em português,
pela qual os autores utilizam o termo “adesão” ou “aderência” de
acordo com suas predileções. Bressan [2], referindo que “adesão é o
ato, processo ou efeito de aderir e aderência é a ação ou efeito de se
manter aderido”, sugere que “adesão ao tratamento se refira à aceita-
ção e ao estabelecimento do tratamento e aderência ao tratamento, à
manutenção do tratamento que já foi estabelecido”.
As dificuldades da adesão e/ou aderência ao tratamento estão
presentes em todas as especialidades médicas. É muito comum o pa-
ciente não tomar a medicação conforme instituída, agravando doenças
agudas como em quadros infecciosos. As dificuldades aumentam ainda
mais em casos de tratamento contínuo, como em diabetes melittus
(DM), hipertensão, alteração da tireoide, enfim, nas doenças funcionais.
Os conhecimentos atuais sobre a esquizofrenia mostram tratar-se
de um transtorno crônico que necessita de manutenção medicamento-
sa por tempo indeterminado, em geral pela vida toda. Como ninguém
gosta de tomar medicação por longo prazo, a questão da adesão ao
tratamento em esquizofrenia é crucial para o êxito desse tratamento.

Fatores que influenciam a adesão

Attux [3] elaborou a Tabela I numa adaptação de um artigo de


Fleischhacker [4].

Professor-titular do Departamento Fatores ligados ao médico


de Psiquiatria da Universidade Fed-
eral de São Paulo/Escola Paulista A adesão ao tratamento em esquizofrenia inicia-se com uma boa
de Medicina (Unifesp/EPM); doutor relação médico/paciente. Para que essa relação tenha êxito o médico
em Psiquiatria pela Unifesp/EPM deve estar atento às “atitudes terapêuticas” referidas por Osório e
204 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

Soar Filho [5]: empatia, continência, capacidade de Ministério Público (MP), com uma previsão do tempo
escutar e curiosidade, humildade, respeito pelas di- de internação. O tratamento com antipsicóticos do
ferenças e capacidade de comunicação, qualidades episódio agudo costuma ser eficaz e controlar o surto
imprescindíveis para o bom exercício da medicina. entre 15 e 30 dias. A internação deve ser manejada
Fica claro que, para uma boa relação médico/pacien- pelo profissional como uma oportunidade de criar um
te, é de se esperar que o médico não tenha o este- bom vínculo com o paciente. Ele deve ter a paciência
reótipo do doutor autoritário, sabe-tudo, narcisista, de explicar ao paciente as razões da internação, que
que prescrevia com letras ininteligíveis e que se irrita compreende o quão incômodo são as vozes e que
diante de qualquer dúvida do paciente. o tratamento farmacológico é imprescindível para
acabar com elas e com as perseguições. Assim que
Tabela I - Fatores ligados à não-adesão. os sintomas positivos estiverem controlados, deve-se
Médico Ambiente Paciente Tratamento negociar a alta, com a promessa da tomada da me-
Má relação Suporte Falta de Efeitos dicação fora do hospital. Nesses 40 anos de prática
médico/pacien- social insight adversos clínica, nenhum paciente internado involuntariamente
te ameaçou-me de qualquer processo após a interna-
Falha na aliança Suporte Desconfiança Posologia ção. Ao contrário, há um primeiro entendimento da
terapêutica financeiro doença, pois graças à medicação as vozes e as
Falha ao expli- Suporte Prejuízo Custo do perseguições diminuem ou cessam.
car a posologia familiar cognitivo tratamento A parte difícil do manejo clínico da adesão inicia-
Idade Uso con- se após a alta hospitalar. A primeira dificuldade
tínuo refere- se ao entendimento da doença pelo paciente
Comorbidade Polifarmácia e pela família. Para os pais, é muito difícil entender
Gênero porque o(a) filho(a) que teve infância e adolescência
Religião normais subitamente, ao final do ensino médio ou
Attux [2] adaptado de Fleischhacker et al. [3]. nos primeiros anos da universidade, apresenta uma
mudança tão brutal do comportamento.
Dentro dessa relação, a adesão ao tratamento O avanço das pesquisas apontando as causas
deve ser trabalhada desde o primeiro episódio. A biológicas da esquizofrenia vem contribuindo para
esquizofrenia, em seu quadro inicial, é difícil de uma melhor compreensão do transtorno e a diminui-
ser entendida pelo paciente e pela sua família. Os ção do estigma a ele relacionado. Mostrar artigos so-
pais não conseguem entender porque o filho que bre a tomografia por emissão de pósitrons (PET scan)
vinha estudando regularmente ou iniciando vida e que tratam do assunto; esclarecer sobre como os
profissional apresenta uma ruptura evidente em medicamentos atuam nas alterações neuroquímicas
seu comportamento. Para o paciente, ocorre uma do cérebro ajudam tanto o paciente quanto seus pais
transformação em seu mundo. “Há algo de novo no a aceitarem a doença.
ar” [6]. Os vizinhos, ao lhe darem bom-dia, “sorriram Mas nem sempre é fácil. Um pai médico-cirurgião
maliciosamente, insinuando que ele é homossexu- famoso em cidade do interior, com uma grande clíni-
al”. O carteiro virou-se para ele e disse “aqui está ca, esperava que o seu primogênito, recém-ingressa-
a correspondência”, insinuando que todos já estão do na faculdade de medicina, viesse sucedê-lo nas
comunicando as suas novas tendências sexuais. suas atividades. Seu filho tinha um físico invejável
Surgem vozes que o acusam, falam dele na terceira e era excelente esportista. Intelectualmente bem
pessoa. Ele vai se isolando, retraindo-se na tentativa dotado, entrara na faculdade sem problemas. Não
de que as insinuações diminuam. Mesmo trancado no era possível ter uma doença “incurável”, de difícil
quarto, as vozes e as insinuações continuam. Sente entendimento para um cirurgião. Foram necessárias
que nem a sua família o protege. Num momento várias entrevistas durante os 20 dias de internação
de desespero, quebra coisas, agride seus próprios para que o cirurgião começasse a entender a doença
familiares etc. psiquiátrica do filho.
É apenas nesse momento que a família se dá Se é difícil para a família entender a doença,
conta da necessidade de procurar ajuda. Na crise essa dificuldade dobra com relação ao indivíduo
aguda, em geral, os pacientes necessitam ser in- que é acometido por ela. A busca da adesão ao
ternados. Essas internações costumam ser involun- tratamento inicia-se pelos esclarecimentos do que
tárias, havendo a necessidade da comunicação ao está acontecendo com o indivíduo. Procuro não dar
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 205

nenhum diagnóstico de chofre. Começo esclarecendo cológico. O conhecimento das evidências genético-
que é uma “psicose”, um estado em que o indivíduo biológicas do transtorno diminue a culpa dos pais
pode começar a ouvir vozes e sentir-se perseguido “por ter falhado na educação do filho”, incentiva o
e entrar em conflito com a realidade. Não é normal portador a entender o transtorno e que ele não é um
ouvir vozes. vagabundo, uma pessoa que não quer fazer nada.
Explico que, em consequência do transtorno, Explicar um transtorno funcional, não-lesional ou
ocorre uma espécie de curto-circuito entre o próprio infeccioso não é fácil. Digo que as únicas doenças
pensamento e a área que distingue as vozes. É como curáveis em medicina são as doenças infecciosas
se ele passasse a ouvir o próprio pensamento e, curáveis, pois existem uma série delas incuráveis. As
como está se sentido perseguido, essas vozes se doenças funcionais são controláveis. O objetivo da
tornam ameaçadoras e o acusam de algo que não fez. medicina é controlar a doença e possibilitar ao indi-
Explico que esses sintomas sempre foram relaciona- víduo conviver com a doença e ter uma qualidade de
dos com esoterismo, com a ideia de que a pessoa vida melhor. Comparar a esquizofrenia com doenças
não se esforça, é preguiçosa ou vítima de um espírito crônicas como DM, hipotireoidismo, hipercolesterole-
ou de “um trabalho” contra ela, mas a psiquiatria mia etc., que exigem tratamento contínuo, por tempo
passou a contar com o diagnóstico por imagem para indeterminado, faz parte da prática de todo psiquiatra
comprovar as alterações neuroquímicas que ocorrem que acompanha pacientes com esquizofrenia.
no cérebro. Essas alterações são funcionais e não Apesar de todos os esclarecimentos, o portador
estruturais, anatômicas. É por isso que tanto a to- de esquizofrenia muitas vezes abandona o tratamen-
mografia computadorizada (TC) quanto a ressonância to farmacológico. É muito difícil aceitar e entender um
magnética (RM) podem ser muitas vezes normais em transtorno mental, uma vez que em surto o sujeito
psiquiatria. É um esclarecimento importante porque faz o que o pensamento lhe determina. Ele não tem
tanto o indivíduo quanto a família não conseguem um afastamento, um olhar de fora que lhe permita
entender a existência de uma doença quando a TC verificar que seu comportamento está inadequado,
e a RM estão normais. Dou detalhes gerais do PET muitas vezes absurdo. Tomar a medicação todos os
scan e de como os diversos medicamentos atuam dias, quando não está mais apresentando algum
no cérebro, promovendo neuroimagens diferentes. sintoma, como ouvir vozes, representa a manutenção
Mostro o trabalho de Andreasen [7], que de- do estigma de que é doente. Ele tem “a certeza de
monstra o comprometimento no circuito córticotála- que está curado”, que vai se esforçar e que não vai
mo- cerebelo-cortical (CTCC), isto é, uma falta de mais ter recaída. É comum, então, que se consiga a
integração de uma extensa área no cérebro, com- adesão ao tratamento só após a terceira ou a quarta
provando a intuição de Bleuler (1911) quando deno- recaída, com a experiência das reagudizações sem
minou a doença de “esquizofrenia” (mente dividida). a medicação. Novos esclarecimentos: a medicação
Em função dessa falta de integração neuroquímica em esquizofrenia é diferente de um remédio para dor
promovida pelos neurotransmissores, cada parte do ou febre. Em um tratamento contínuo não se sente a
cérebro passa a funcionar por si, de forma dividida, ação aguda do remédio, que atua evitando as recaí-
como uma orquestra sem maestro. Por esse motivo das. As recaídas ocorrem só após um a dois meses
a doença compromete várias atividades do indivíduo: da suspensão da medicação porque o seu efeito é
desorganiza o pensamento (“o indivíduo não fala neurorregulador. O efeito desregulador não ocorre
coisa com coisa”) e afeta a percepção (alucinações imediatamente após a suspensão, vai acontecendo
auditivas etc.), a motricidade, a vontade (tendência aos poucos, ao longo do tempo. É necessário, enfim,
ao retraimento e ao isolamento), o pragmatismo trabalhar constantemente a aliança terapêutica para
(comprometimento cognitivo, de entender as situ- minimizar as recaídas e evitar um comprometimento
ações, e executivo, de executar um planejamento maior da doença.
de acordo com o entendimento). Afeta, ainda, as
emoções e os sentimentos (afetividade bizarra, ina- Fatores ligados ao ambiente
dequada, ambivalente) e o timing (tem dificuldade
para estar no lugar certo na hora certa). Os suportes familiar, financeiro e social são
Os trabalhos sobre adesão não evidenciam par- importantes para a adesão ao tratamento.
ticularmente que alguma técnica seja mais relevante, O transtorno mental, em particular a esquizofre-
mas a prática clínica mostra que a conscientização nia, acarreta situações estressantes para o indivíduo
do transtorno ajuda na adesão ao tratamento farma- e seus familiares. Não é fácil conviver com uma
206 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

pessoa com esquizofrenia em surto e fora do surto. a religiosidade de seus membros, mostrar que não
Em surto, o risco de atitudes inusitadas como auto há tratamentos alternativos aos antipsicóticos e que
e heteroagressividade torna a convivência dramática. atrasos na medicação com tratamentos espirituais,
Fora do surto, há a dificuldade da família em lidar florais, vitaminas, meditação etc. só colaboram para a
com o retraimento social, o isolamento e o compro- cronificação dos sintomas. Enquanto o paciente ainda
metimento da higiene e das atividades de vida diária não estiver aderido ao tratamento, a família deve ser
do paciente. orientada a monitorar a tomada da medicação até que
A família não consegue entender o enigma da o paciente se conscientize e a utilize responsavelmen-
doença: por que surgiu, de onde surgiu, o que de- te. A família deve ser informada de que a medicação
sencadeou e o que fazer. Muitas vezes os familiares administrada de forma contínua não constitui uma
apresentam o que a literatura inglesa descreve como dependência química, mas evita recaídas, cronificação
emoções expressas (EE). Famílias de alta EE que da doença e atitudes extremas, como o suicídio.
reagem com hostilidade, críticas e superenvolvimento
emocional provocam recaídas mesmo que o pacien- Tabela II - Objetivos da psicoeducação.
te esteja em manutenção medicamentosa. Então, Garantir aos pacientes e seus familiares a obtenção de
técnicas de orientação e de terapias da família são “competências básicas”
importantes para cuidar dos altos níveis de estresse Facilitar o manejo do transtorno
vivenciados no convívio com a doença [8]. Martini et Promover a participação do paciente no seu tratamento
al. [8] citam Mari e Streiner [9], que mostram que Melhorar o insight do transtorno e a adesão ao trata-
as várias intervenções familiares na esquizofrenia mento
apresentam objetivos semelhantes: Prevenir recaídas
Instrumentalizar pacientes e familiares no manejo de
a) promover uma aliança com os familiares que crise e prevenção de suicídio
cuidam do paciente; Realizar atividades informativas e educativas
b) reduzir a adversidade do ambiente familiar, ou Bäuml et al. [11].
seja, diminuir o clima de sobrecarga emocional
mediante a redução do estresse e do sentimento Em nossa prática, as famílias bem orientadas
de opressão dos familiares; não só entendem as vicissitudes do tratamento da
c) aumentar a capacidade resolutiva de problemas esquizofrenia como colaboram efetivamente para um
familiares; prognóstico melhor.
d) diminuir a expressão de raiva e culpa; Um capítulo à parte refere-se aos pacientes sem
e) manter expectativas de um desempenho exequível família e sem suporte financeiro, que devem ser
por parte do paciente, ou seja, pela manutenção identificados pelos órgãos responsáveis pela saúde
de um balanço adequado entre a promoção de pública, aos quais pensões ou residências abrigadas
melhora no funcionamento do paciente e a supe- abertas são mais adequadas do que hospitalizações
restimulação, que aumenta o risco de recaídas; fechadas. Mesmo para esses casos a adesão deve
f) estabelecer limites apropriados entre o paciente ser trabalhada pela equipe de tratamento.
e seus familiares;
g) determinar mudanças no sistema de crenças e Fatores ligados ao paciente
comportamentos dos familiares [9].
A esquizofrenia é uma doença que tem um
Martini et al. [8] dão ênfase ainda à “psicoedu- prognóstico pior quando se inicia na adolescência.
cação”, termo empregado por Anderson et al. [10] A imaturidade associada à gravidade da doença di-
e usado para descrever um conceito terapêutico ficulta a adesão ao tratamento. A comorbidade com
comportamental que consiste em quatro elemen- álcool e drogas também dificulta a adesão e promo-
tos: instruir o paciente sobre sua doença, treinar a ve recaídas. Com relação ao gênero, e até porque
resolução de problemas, treinar a comunicação e a o prognóstico da doença é melhor nas mulheres, é
autoassertividade. Eles listam como objetivos da psi- mais fácil a adesão ao tratamento por parte delas.
coeducação a Tabela II, retirada de Bäuml et al. [11]. Os pacientes com prejuízo cognitivo importante de-
O conhecimento e o entendimento da doença vem ser monitorados quanto à adesão e expostos a
pelos familiares são aspectos importantes da terapia tratamentos visando a reabilitação cognitiva, como
da família e da psicoeducação. Mesmo respeitando o grupo operativo descrito por Malta [12]. A religio-
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 207

sidade com tendência ao fanatismo leva a recaídas um benzodiazepínico e não aumentar rapidamente o
pelo abandono da medicação diante da assertiva de antipsicótico. Uma dose alta do antipsicótico pode
que “Deus cura as doenças”. acarretar efeitos parkinsonianos que assustam o
O comprometimento da integração com o córtex paciente e os familiares, levando a interrupção da
pré-frontal pode resultar na falta de insight quando medicação e busca de tratamentos alternativos.
nenhum argumento convence o indivíduo da neces- O manejo dos efeitos colaterais e a falta de
sidade da adesão ao tratamento farmacológico. Para resposta razoável em quatro ou oito semanas são
esses, o recurso que resta é o uso de antipsicóticos fatores que devem ser levados em conta para a
injetáveis de ação prolongada, aplicados uma ou mudança da medicação. Na prática clínica, pacien-
duas vezes ao mês, como no caso de um paciente tes que não respondem a um medicamento podem
acompanhado há 26 anos, com várias recaídas e responder a outro de classe diferente. A mudança
reinternações por não aderir ao tratamento farma- da medicação deve ser efetuada antes que a família
cológico via oral. Só se estabilizou ao ser instituída desista do tratamento.
medicação injetável de depósito. Conseguiu concluir Em sua revisão da literatura, Lacaz [13] mostra
a faculdade e não teve mais recaídas. Apesar dos que resposta insatisfatória no início do tratamento
28 anos de acompanhamento psiquiátrico, a falta leva a descontinuação do antipsicótico em taxas
de insight e a não-adesão continuam. Perguntame que variam de 25% a 75%. Esta não-adesão inicial,
quando vai ser a minha próxima viagem aérea. durante os seis primeiros meses, foi observada
Respondo-lhe e ele diz: “tomara que seu avião caia, em um estudo como principal fator isolado de não-
pois assim não precisarei mais tomar as injeções”. adesão ao tratamento como um todo nos períodos
No entanto, comparece mensalmente sem faltas, à subsequentes [13].
consulta, quando lhe é aplicada a injeção. “O estudo Clinical Antipsychotic Trials of Inter-
vention Effectiveness (CATIE), realizado com 1.064
Fatores ligados ao tratamento pacientes que receberam olanzapina (7,5 a 30 mg/d),
quetiapina (200 a 800 mg/d), risperidona (1,5 a 6
Um bom manejo clínico, desde o início, pode mg/d), ziprasidona (40 a 160 mg/d) e perfenazina
resultar numa boa adesão ao tratamento. O médico (8 a 32 mg/d), um aintipsicótico de primeira geração
deve aliar ao conhecimento científico uma boa dose não disponível no Brasil, constatou que 74% dos
de intuição e esmerar-se no seu relacionamento com pacientes descontinuaram o tratamento antes de 18
o paciente. meses. As taxas de descontinuação foram semelhan-
Iniciar o tratamento com doses altas de um an- tes, mas pacientes que receberam olanzapina tende-
tipsicótico típico ou de primeira geração (APG) de alta ram a permanecer mais dias em uso da medicação
potência pode comprometer a adesão ao tratamento quando comparados aos demais grupos. A maioria
de forma irreversível. Um paciente que experimentar, dos pacientes do estudo descontinuou o tratamento
de início, uma grande disforia ou distonia aguda em razão de queixas de ineficácia do tratamento e
pode tornar-se refratário à tomada de qualquer outra intolerância a efeitos adversos” [14].
medicação. A descontinuação do tratamento é uma eventu-
Embora ainda não existam evidências de que os alidade à qual o médico deve estar sempre atento
antipsicóticos atípicos ou de segunda geração (ASG) com relação ao paciente com esquizofrenia. Tomar
sejam mais eficazes em todos os aspectos do que medicação de forma contínua é difícil em qualquer
os APG, eles melhoram as condições do início do doença, e mais ainda em esquizofrenia, quando
tratamento e da adesão. Os ASG produzem menos entra em jogo o estigma de “estar tomando um re-
sintomas extrapiramidais (SEP), são mais toleráveis e médio para a cabeça”. Ressaltar que a interrupção
tornam a adaptação para as doses iniciais mais fácil. da medicação leva a recaída, cuidar da posologia,
Tanto para os APG como para os ASG a dose dos efeitos adversos, avaliar o custo do tratamento
ideal de tratamento deve ser buscada com aumentos e evitar a polifarmácia são medidas que contribuem
gradativos para se evitar a ocorrência de um efeito co- para a adesão ao tratamento.
lateral que inviabilize a continuação do tratamento. É
importante lembrar que todos os antipsicóticos agem Abordagem multiprofissional
lentamente. De início não adianta prescrever doses
altas do medicamento, pois há demora no efeito A evolução dos conhecimentos sobre a esquizo-
antipsicótico. Em caso de agitação deve-se associar frenia demonstra a natureza biológica do transtorno.
208 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

Além das tendências genético-familiares, alterações psicossociais inadequadas, custosas ou prejudi-


neuroquímicas funcionais, fatores ligados ao neu- ciais;
rodesenvolvimento e problemas durante a gravidez 2. é necessário ver o paciente como um agente de
vêm sendo evidenciados na sua gênese. No entanto seu tratamento – a abordagem psicossocial deve
a esquizofrenia é uma doença paradigmática do ser incentivar o paciente a se tornar independente,
humano e acarreta distúrbios em suas relações assumir responsavelmente a medicação e os atos
sociais, com a família e consigo mesmo. É por isso de sua vida;
que, apesar da abordagem médica e a adesão ao 3. atenção constante para a falta de adesão – estar
tratamento farmacológico serem fundamentais, é atento para o recrudescimento dos sintomas que
também imprescindível o atendimento por uma equi- possam comprometer a adesão;
pe multiprofissional. 4. lidar com os sintomas negativos e a falta de
Conforme o estágio do transtorno, o paciente motivação – ajudar o paciente a escolher ativida-
poderá necessitar de terapia ocupacional, psicotera- des que o motivem a romper o retraimento e o
pia, orientação de assistência social, enfermagem, isolamento social;
orientação pedagógica, defesa dos direitos etc. Mas 5. o profissional deve estar sempre bem informado
é importante que todos os profissionais que atuam na sobre a doença – a equipe multiprofissional deve
reabilitação de pacientes portadores de esquizofrenia trabalhar em parceria e estar atenta tanto para as
tenham conhecimento do transtorno, trabalhem como recaídas quanto para as etapas de reabilitação e
parceiros e não como competidores. Uma frase de reinserção social;
um profissional nãomédico, como “será que não dá 6. a importância do tratamento em equipe multipro-
para você tirar os remédios?”, pode inviabilizar anos fissional – cada profissional deve saber colaborar
de tratamento. com o tratamento no momento oportuno e dentro
Segundo Malta [12], a literatura especializada de sua competência profissional;
mostra que as intervenções psicossociais e os 7. criar estratégias para lidar com os déficits cogniti-
grupos de autoajuda favorecem a adesão tanto de vos – a avaliação neuropsicológica pode identificar
pacientes como de familiares, uma vez que os pa- em que área o paciente está carente;
cientes que não aderem à medicação são, em geral, 8. necessidade de lidar com os aspectos sociais
os mesmos que não aderem às intervenções psicos- e culturais da sociedade onde a intervenção é
sociais. Em sua revisão, ele relata que Perkins [15] realizada – lidar com preconceitos como “quem
publicou uma revisão sistemática sobre fatores que toma remédio é doente” ou que o transtorno tem
se associavam para melhorar a adesão do paciente. raízes espirituais ou religiosas;
“Os resultados encontrados creditam melhora na 9. um projeto de tratamento planejado para cada
adesão às terapias cognitivocomportamentais, às paciente, flexível e passível de alterações, de
intervenções psicossociais associadas a melhora do acordo com a evolução do paciente – a equipe não
funcionamento social e menor risco de reinternações deve atuar de forma rígida e planejar as etapas
e ao uso de antipsicóticos de segunda geração, que de tratamento junto com o paciente; todos os pro-
causam menos efeitos colaterais do que os de pri- fissionais têm de colocar como meta a evolução
meira geração, com a percepção de poucos efeitos do paciente e a continuidade do tratamento.
colaterais”.
Malta [12] também descreve sua experiência Conclusão
clínica com grupos operativos (GO) ambulatorial-
mente. Relata que como os GO são centrados nas A adesão na prática clínica é um objetivo a ser
necessidades colocadas pelos próprios pacientes, perseguido durante todo o tratamento. Como toda
permitem abordar os inúmeros aspectos médicos, doença crônica, o acompanhamento psiquiátrico
psicossociais, cognitivos e sociais de uma maneira do paciente portador de esquizofrenia costuma se
educativa e com resultados favoráveis. E resume os estender pela vida toda. Acompanhamos e envelhe-
resultados obtidos com o GO nos itens: cemos junto com o paciente. Então, há necessidade
de muito entendimento e sensibilidade para que a
1. o paciente não é o único responsável pela sua adesão ao tratamento vá se solidificando.
adesão ao tratamento – tanto os médicos podem As informações devem ser dadas, com cautela,
fazer prescrições inapropriadas de antipsicóticos ao longo do tempo. O diagnóstico de esquizofrenia
como os terapeutas podem indicar abordagens deve ser comunicado só quando o vínculo estiver
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 209

bem estabelecido e o paciente tiver condições de 5. Osório CMS, Soar Filho EJ. O médico: sua identidade e suas
transformações.In: Cataldo Neto A, Gaver GJC, Furtado
suportar. As recaídas sintomatológicas, o compro- NR. Psiquiatria para estudantes de medicina. Porto Alegre:
metimento social e vocacional minam as esperanças EDIPUCRS, 2003.
dos pacientes. É preciso sempre procurar uma porta 6. Jaspers K. Psicopatologia geral. Rio de Janeiro: Atheneu;
1987.
aberta, deixar uma saída para ele. As informações 7. Andreasen NA. A unitary model of schizophrenia Bleuler,
sobre transtorno e tratamento são apontada como “fragmented phrene” as schizencephaly. Arch Gen
intervenção eficaz para estimular a adesão. O traba- 1999;56:781-7.
8. Martini LC, Attux C, Bressan RA. Intervenções psicossociais.
lho conjunto multiprofissional é imprescindível. In: Shirakawa I, editor. Esquizofrenia: adesão ao tratamento.
O médico, além de seu papel ligado à medi- São Paulo: Lemos Casa Editorial; 2007. p. 65-86.
9. Mari JJ, Streiner D. An overview of family interventions
cação, deve orientar as etapas evolutivas do trata-
and relapse on schizophrenia: meta-analysis of research
mento. Os outros profissionais, além de diminuir a findings. Psychol Med 1994;24:565-78.
resistência ao medicamento, devem contribuir para a 10. Anderson C, et al. Family treatment of adult schizophrenic:
a psychoeducacional approach. Schizophr Bull 1980;6:490-
ressocialização do paciente e a redução do estigma 505.
que cerca a doença e seu portador. 11. Bäuml J, et al. A basic psychotherapeutic intervention for
patients with schizophrenia and their families. Schizophr
Bull. 2006;32(S1):S1-S9.
Referências 12. Malta SMTC. Tratamento psicológico da adesão. In:
Shirakawa I, editor. Esquizofrenia: adesão ao tratamento.
1. World Health Organization. Adherence to long-term São Paulo: Lemos Editorial; 2007. p. 87-110.
therapies: evidence for action. WHO Library Cataloguing-in- 13. Lacaz FS. Adesão ao tratamento farmacológico na
Publication Data, 2003. esquizofrenia. In: Shirakawa I, editor. Esquizofrenia:
2. Martini lC, Attux C, Bressan RA. Intervenções psicossociais. adesão ao tratamento. São Paulo: Lemos Casa Editorial;
In: Shirakawa I, ed. Esquizofrenia Adesão ao Tratamento. 2007. p. 21-46.
Sao Paulo: Lemos Editorial; 2007. 14. Lieberman JA, et al. Effectiveness of antipsychotic drugs
3. Attux C. Adesão ao tratamento na esquizofrenia. In: in patients with chronic schizophrenia. N Engl J Med
Shirakawa I, editor. Esquizofrenia: adesão ao tratamento. 2005;353(12):1209-23.
São Paulo: Lemos Casa Editorial, 2007. p. 13-20. 15. Perkins DO. Predictors of noncompliance in patients with
4. Fleischhacker WW, Oehl MA, Hummer M. Factors influencing schizophrenia. J Clin Psychiatry 2002;63: 1121-8.
compliance in schizophrenia patients. J Clin Psychiatry.
2003, 64 (suppl 16):10-3.
210 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

Perspectiva

Marcadores biológicos no transtorno bipolar:


dano neuronal progressivo
Marcia Kauer-Sant’Anna, MD, PhD

Introdução
O transtorno bipolar (TB) tem como característica fundamental a
recorrência de episódios de mania e depressão. Classicamente, desde
as descrições de Kraepelin (1921) [1], o TB sempre foi considerado
um transtorno episódico, em que há a remissão dos sintomas entre
os períodos de recorrência; ao contrário da esquizofrenia, em que um
deterioro progressivo era parte central da fenomenologia. No entanto,
estudos recentes sugerem que o curso do TB não é tão benigno quanto
se pensava [2,3]. Evidências consistentes sugerem que o TB também
apresenta alterações progressivas de volume e morfologia cerebral, da
integridade neuronal e da função cognitiva [3-5]. Este declínio cognitivo
em geral leva ao prejuízo funcional e altas taxas de incapacitação [6].
O início dos sintomas frequentemente ocorre no fim da adolescência,
o que aumenta o impacto sobre os anos produtivos do indivíduo [7].
O estudo de biomarcadores tem contribuído muito para o entendi-
mento dessas alterações progressivas no TB. Uma falha nos mecanis-
mos de neuroproteção e a concomitante ativação de dano oxidativo e
mediadores da inflamação podem estar implicados no declínio cognitivo
e clínico observado nestes pacientes [8]. Marcadores biológicos ou bio-
marcadores são medidas quantitativas que fornecem valiosa informação
sobre processos biológicos, atividade da doença ou sobre resposta ao
tratamento (definição do FDA’s Biomarkers Research Group). Ainda que
a etiologia do transtorno bipolar ainda não tenha sido completamente
esclarecida, os estudos em genética, neuroimagem, farmacologia e
neuroquímica avançaram muito no entendimento dos processos fisiopa-
tológicos no TB. Destes, os resultados mais consistentes sugerem que
o TB está associado a: 1) Alterações neuroanatômicas, com estudos de
neuroimagem demonstrando redução da substância cinzenta, redução
do hipocampo e aumento da amígdala; 2) Alterações das neurotrofinas,
em particular, a redução dos níveis de BDNF (Brain Drived Neurotrophic
Factor, Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro); 3) Alterações das
citocinas Inflamatórias, em particular, o aumento do TNF- (Tumoral
Psiquiatra e Professora Adjunta do Necrosis Factor, Fator de Necrose Tumoral); 4) Aumento dos níveis de
Departamento de Psiquiatria e Me- estresse oxidativo, evidenciado pelo aumento dos níveis de peroxidação
dicina Legal, Universidade Federal lipídica. As neurotrofinas e os mediadores da inflamação parecem ter
do Rio Grande do Sul (UFRGS) importante papel no mecanismo de neurodegeneração no TB [9,10].
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 211

Além disso, as alterações neurobiológicas parecem O tempo de intervalo entre os episódios no TB


ocorrer de forma orquestrada no TB, pois a redução parece reduzir progressivamente quanto maior o
dos níveis de BDNF de acordo com o número de epi- número de episódios [16,17], além da resposta ao
sódios ocorre em paralelo com aumento dos níveis tratamento diminuir com múltiplos episódios [18].
de estresse oxidativo e inflamação [2,11] (Figura 1). Ainda, o tempo de início do tratamento com lítio se
mostrou associado à resposta clínica e melhora dos
Figura 1A - Impacto dos episódios de humor em sintomas no TB [19]. Pacientes com mais de 10
pacientes com transtorno bipolar. anos de tratamento apresentaram pior resposta ao
Eutimia Depressão Mania tratamento com lítio.
2 Estresse
oxidativo
(TBARS)* Evidências de dano neuronal e atrofia
0
cerebral
Neurotrofina
(BDNF) *
-2 Estudos demonstram que reduções de volume
Neuroproteção (Níveis séricos de BDNF) * cerebral estão presentes no TB e tem caráter pro-
Inflamação (Níveis séricos de TNF-Į) * gressivo [3]. A atrofia cerebral tem sido atribuída ao
Estresse Oxidativo (Níveis de 3-Nitrotirosina)*
efeito tóxico dos episódios sobre o tecido cerebral
ao longo do tempo. As reduções de volume mais
evidentes estão na substância cinzenta, córtex
Figura 1B - Curso progressivo do transtorno bipolar: pré-frontal e hipocampo [20]. Isso possivelmente
mudança nos biomarcadores. está relacionado a déficits cognitivos de funções
executivas. Em particular, estudos pós-mortem de-
Primeiro Episódio Múltiplos Episódios
monstraram redução do volume glial e das sinapses
2 na região CA1 e CA2 do hipocampo, córtex cingulado
e núcleo accumbens [20,21]. Brauch et al. em um
0 estudo pós-mortem, encontraram uma diminuição na
área glial no córtex temporal de pacientes bipolares
-2 [22]. Além disso, estudos transversais com pacientes
Neuroproteção (Níveis séricos de BDNF) * com múltiplos episódios demonstraram aumento de
Inflamação (Níveis séricos de TNF-Į) *
Estresse Oxidativo (Níveis de 3-Nitrotirosina)* hiperdensidades na substância branca [23], aumento
dos ventrículos [24,25], diminuição do córtex pré-
Curso progressivo do transtorno bipolar frontal [26,27] e diminuição do volume do cerebelo
[28]. Estudos neuropatológicos corroboram esses
O TB está associado a um importante prejuízo achados, demonstrando redução da densidade glial
cognitivo, o qual é mais acentuado durante episódios e neuronal na região pré-frontal [21,29,30].
de humor, mas parece persistir durante a eutimia Além das alterações estruturais, estudos de neu-
[12]. Ainda, o declínio cognitivo no TB se correla- roimagem no TB demonstraram alterações funcionais
ciona com o tempo de doença e com o número de em áreas como córtex pré-frontal, temporal e gânglios
episódios [13]. Esse déficit tem sido associado a da base. Assim, conceitualmente o TB tem sido pro-
um pior funcionamento social e ocupacional [6]. posto como uma patologia complexa, multifatorial e
As principais disfunções relatadas incluem prejuízo relacionada a alterações na plasticidade estrutural
da função executiva e memória declarativa [5,13]. e funcional em neurônio e glia [21,29].
Alterações na atenção, concentração e memória
emocional também foram demonstradas [14]. Ao Alterações da neuroplasticidade:
avaliar crianças que desenvolveriam o transtorno neurotrofinas
bipolar quando adultas, verificou-se que elas não
apresentavam déficit cognitivo pré-mórbido; ao con- Os fatores neurotróficos ou neurotrofinas são
trário, seu desempenho intelectual era discretamente responsáveis pelo crescimento neuronal e o esta-
acima da média populacional [15]. No entanto, no belecimento das conexões sinápticas entre os neu-
primeiro episódio de mania, já é possível identificar rônios. Tais fatores exercem um papel chave sobre
um declínio cognitivo [5] que piora de acordo com o a organização de redes neurais durante os estágios
número de episódios da doença [13]. iniciais do desenvolvimento pós-natal, bem como no
212 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

cérebro adulto [9,10]. O representante das neuro- estudos apontam que o BDNF pode ter um papel de
trofinas mais estudado nos transtornos do humor é proteção ao estresse oxidativo.
o BDNF, o qual desempenha papel fundamental na Além do BDNF, outras neurotrofinas parecem
plasticidade neuronal e neuroproteção [10]. O BDNF estar envolvidas na neuropatofisiologia do transtorno
parece mediar os principais processos dependentes bipolar. Recentemente, estudo mostrou que o NT-3
de estímulo externo, i.e. aprendizado, cognição e sérico apresenta níveis séricos aumentados nos
memória (Quadro 1). episódios agudos de mania e depressão no TB [38].
Tem sido descrito que o NT-3 é temporariamente
Quadro 1 - O papel do BDNF e dos fatores neuro- expresso no lugar do BDNF em algumas populações
tróficos nos transtornos de humor. neuronais, para compensar a perda do BDNF. É pos-
• Neurogênese [1,2] sível que a alteração nas neurotrofinas explique em
• Sobrevida neuronal parte as alterações cognitivas observadas no TB e
• Maturação neuronal (de vias neuronais em desenvolvi- sua progressão. Futuramente, a comparação entre
mento) no adulto [3] TB e outros transtornos e a estudos prospectivos vai
• Plasticidade sináptica [1,2] confirmar o padrão do deterioro e se está associado
• Crescimento dendrítico [3] à alteração das neurotrofinas.
• Essencial para memória de longo prazo [3]
• BDNF parece estar diminuído na mania, depressão, Alterações das citocinas inflamatórias
ansiedade e estresse crônico [5,6]
• A remissão dos sintomas com tratamento parece estar Muitos estudos têm demonstrado que episódios
associada a uma recuperação dos níveis de BDNF [2,7] depressivos e maníacos estão associados a um
aumento dos níveis de citocinas pro-inflamatórias,
Evidências clínicas [31] e experimentais [32] como interleucinas (ILs) 2, IL-6, IL-8 e TNF- [36,39].
revelaram que os níveis de fatores neurotróficos es- Os marcadores inflamatórios parecem ser potenciais
tão alterados no TB. Em pacientes com TB, os níveis mediadores do deterioro no TB. De fato, um estudo
séricos de BDNF estão diminuídos na depressão e na recente demonstrou que TNF- e IL-6 estão aumen-
mania (Figura 1A), correlacionando-se inversamente tados nos estágios iniciais do TB – após primeiro
com a gravidade dos sintomas [31]. Os antidepres- episódio – e ainda mais aumentados nos estágios
sivos e os estabilizadores do humor são capazes tardios – em pacientes com mais de 10 episódios de
de aumentar os níveis séricos de BDNF [32]. O humor [2]. Inversamente, o BDNF estava diminuído
polimorfismo do BDNF – val66met – está associado no estágio tardio, mas não no estágio inicial do TB
à redução do volume do hipocampo em controles (Figura 1B). Além disso, os níveis da citocina antiin-
saudáveis [33]. O mesmo polimorfismo foi associado flamatória IL-10 diminuiu no estágio tardio do TB [2].
ao déficit cognitivo na função executiva em paciente Este e outros estudos indicam que os pacientes
bipolares [34]. Esses resultados sugerem que os com TB estão em um estado pró-inflamatório, que
fatores neurotróficos podem estar envolvidos na pato- piora ao longo do tempo de doença. É possível que
fisiologia dos transtornos do humor e no mecanismo o balanço entre os níveis de citocinas e de BDNF
de ação de agentes terapêuticos. Recentemente, o esteja envolvido na regulação da morte celular [39].
BDNF tem sido sugerido como preditor de resposta Essas alterações no sistema imune também podem
ao tratamento, pois a melhora clínica foi associada estar associados a outros desfechos a longo prazo
à recuperação dos níveis de BDNF em pacientes no TB como doenças cardiovasculares e diabetes
internados em episódio agudo do TB [35]. mellitus [40].
O principal receptor ativado pelo BDNF é o TrKB.
Essa ativação desencadeia rotas de sinalização Aumento do estresse oxidativo e
reconhecidamente anti-apoptóticas [36]. A ligação envelhecimento precoce
do BDNF ao seu receptor ainda possui um papel de
ativar rotas de proteção ao estresse oxidativo [37]. Existem diversas evidenciasevidências mostran-
Um estudo in vitro demostrou que o tratamento com do o envolvimento das espécies reativas do oxigênio
BDNF é capaz de proteger a morte celular induzida (ou radicais livres) em diversas patologias, especial-
por 6-hidroxidopamina, metabólito da auto-oxidação mente nos transtornos neurológicos e psiquiátricos
da dopamina [37], além de promover a ativação da devido à vulnerabilidade do sistema nervoso central
enzima antioxidante superóxido dismutase. Esses ao estresse oxidativo [37]. Estudos têm mostrado
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 213

um aumento dos níveis de estresse oxidativo no TB encurtamento do telômero [44] e redução acelerada
(Figura 1A). A atividade das enzimas antioxidantes do BDNF dependente da idade nos pacientes com
também está alterada em pacientes com TB (supe- TB [45]. O estresse oxidativo é um dos fatores que
róxido dismutase, catalase e glutationa peroxidase). contribuem para encurtamento do telômero. Em
Além disso, os níveis de peroxidação lipídica estão um estudo, pacientes bipolares apresentaram um
fortemente aumentados no TB, dados confirmados padrão de encurtamento do telômero que sugeriu
em recente metaanálise [37]. Ainda mais, alguns um envelhecimento de aproximadamente 10 anos
parâmetros de estresse oxidativo, como a 3-nitroti- a mais do que a idade cronológica [44].
rosina, estão alterados no início do TB e continuam
aumentados após múltiplos episódios, enquanto o Conclusão: relevância clínica
sistema glutationa difere dos controles apenas nos
estágios tardios do TB [42] (Figura 1B). Em suma, cada episódio de mania ou depressão
Reforçando o envolvimento do estresse oxidati- parece estar associado a uma diminuição nos níveis
vo no TB, Sun et al. avaliaram o perfil da expressão de BDNF que são proporcionais a severidade dos
gênica em córtex pré-frontal de pacientes bipolares, sintomas [10]. Cada novo episódio parece aumentar
mostrando que a alteração de expressão mais marca- a vulnerabilidade aos mecanismos neurobiológicos
da foi nos genes regulatórios da cadeia de transporte do próprio transtorno devido a um prejuízo nos fa-
de elétrons, sugerindo uma disfunção mitocondrial, tores neuroprotetores (Figura 2). Ao mesmo tempo,
o que poderia resultar uma produção excessiva de há um aumento do estresse oxidativo e do estado
espécies reativas do oxigênio e conseqüente au- pró-inflamatório. A própria recorrência do episódio
mento do estresse oxidativo [43]. Os radicais livres, agudo parece aumentar a vulnerabilidade do substra-
quando não eliminadas pelas defesas antioxidantes, to neural para o próximo episódio [10,40]. Assim, os
podem causar oxidação de diversas moléculas, tais mecanismos associados ao impacto neurobiológico
como lipídios, proteínas e DNA. Dados preliminares dos episódios de humor parecem estar associados
sugerem que as alterações nos níveis de estresse ao deterioro cognitivo e da saúde em geral destes
oxidativo podem ser parcialmente corrigidas pelo pacientes. O TB está associado, portanto, a um pro-
tratamento [40,42]. cesso neurodegenerativo episódio-dependente [40].
Além disso, há evidência de envelhecimento Finalmente, em estudo recente, a análise combinada
precoce no TB, através de estudos demonstrando de biomarcadores como neurotrofinas, marcadores

Figura 2 - Modelo etiológico do transtorno bipolar.

Ambiente Episódios de Humor


+ - Mania
Genética - Depressão

- Dano Neuronal BDNF Ļ


(Ĺ vulnerabilidade do substrato neural) TNF-αĹ
Redução do Córtex Pré-frontal e do Hipocampo Estresse Oxidativo Ĺ

* Gráficos ilustrativos com valores aproximados (variação em relação à média do grupo controle), baseado em dados de
Cunha et al. [31], Kauer-Sant’Anna et al. [14] e Andreazza et al. [37,42]
214 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

inflamatórios e de estresse oxidativo indicou que role of clinical and cognitive factors. Bipolar Disord
essas alterações estão associadas aos episódios de 2007;9:103-13.
7. Murray CJ, Lopez AD. Global mortality, disability, and
mania e depressão, mas estão quase normalizados the contribution of risk factors: Global Burden of
na eutimia [41]. Isso sugere a possibilidade destas Disease Study. Lancet 1997;349(9063):1436-42.
medidas terem utilidade clínica como indicadores de 8. Kapczinski F, Frey BN, Kauer-Sant’Anna M, Grassi-
atividade de doença no futuro. Oliveira R.Brain-derived neurotrophic factor and
neuroplasticity in bipolar disorder. Expert Rev
O acúmulo de evidências apontando para um
Neurother 20088(7):1101-3.
prejuízo funcional e pior prognóstico associado 9. Duman RS, Monteggia LM. A neurotrophic model
ao número de episódios do TB e ao tempo de do- for stress-related mood disorders. Biol Psychiatry
ença cria a necessidade de oferecer intervenção 2006;59:1116-27.
10. Post RM. Role of BDNF in bipolar and unipolar
precoce aos pacientes que apresentam o estágio
disorder: clinical and theoretical implications. J
inicial desse transtorno. Além disso, com o mesmo Psychiatr Res 2007;41(12):979-90.
racional, a abordagem de populações de alto risco 11. Kapczinski F, Frey BN, Andreazza AC, Kauer-Sant’Anna
e identificação de pródromos também tem grande M, Cunha AB, Post RM. Increased oxidative stress
potencial terapêutico e de preservação funcional. as a mechanism for decreased BDNF levels in acute
manic episodes. Rev Bras Psiquiatr 2008;30(3):243-
Esse conjunto de dados leva a uma reconceitualiza- 5.
ção do TB não apenas como um transtorno neuro- 12. Martinez-Aran A, Vieta E, Reinares M, Colom F,
biológico progressivo, mas como um processo que Torrent C, Sanchez-Moreno J et al. Cognitive function
pode ser evitado ou desacelerado se o tratamento across manic or hypomanic, depressed, and
euthymic states in bipolar disorder. Am J Psychiatry
adequado é instituído prontamente. O entendimento 2004;161(2):262-70.
do caráter progressivo do TB e das alterações nos 13. Torres A, Boudreau YLN: Neuropsychological
biomarcadores tem grande relevância clínica por functioning in euthymic bipolar disorder: A quantitative
ressaltar a necessidade de estratégias preventivas review. Acta Psychiatr Scand Suppl 2007.
14. Kauer-Sant’Anna M, Yatham LN, Tramontina J,
e de profilaxia em longo prazo. Esse entendimento Weyne F, Cereser KM, Gazalle FK, Andreazza AC,
do TB tem o potencial de melhorar o prognóstico ao Santin A, Quevedo J, Izquierdo I, Kapczinski F.
incluir como meta do tratamento do TB não apenas Emotional memory in bipolar disorder. Br J Psychiatry
o controle agudo de sintomas, mas a prevenção do 2008;192(6):458-63.
15. Tiihonen J, Haukka J, Henriksson M, Cannon M,
deterioro progressivo.
Kieseppä T, Laaksonen I, Sinivuo J, Lönnqvist J.
Premorbid intellectual functioning in bipolar disorder
Referências and schizophrenia: results from a cohort study of male
conscripts. Am J Psychiatry 2005;162(10):1904-10.
1. Kraepelin E (1921). Manic Depressive Insanity and 16. Kessing LV, Andersen PK, Mortensen PB. Predictors
Paranoia. Bristol: Thoemmes Press. of recurrence in affective disorder: a case register
2. Kauer-Sant’Anna M, Kapczinski F, Andreazza AC, study. J Affect Disord 1998;49:101-8.
Bond DJ, Lam RW, Young LT, Yatham LN. Brain- 17. Angst et al. Schizophr Bull 1980;6(4):579-85
derived neurotrophic factor and inflammatory markers 18. Swann AC, Bowden CL, Calabrese JR, Dilsaver
in patients with early- vs. late-stage bipolar disorder. SC, Morris DD. Differential effect of number of
Int J Neuropsychopharmacol 2009;12(4):447-58. previous episodes of affective disorder on response
3. Lyoo IK, Sung YH, Dager SR, Friedman SD, Lee JY, to lithium or divalproex in mania. Am J Psychiatry
Kim SJ, Kim N, Dunner DL, Renshaw PF. Regional 1999;156:1264–6.
cerebral cortical thinning in bipolar disorder. Bipolar 19. Franchini L, Zanardi R, Smeraldi E, Gasperini M. Early
Disord 2006;8(1):65-74. onset of lithium prophylaxis as a predictor of good
4. Coryell W, Scheftner W, Keller M, Endicott J, long-term outcome. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci
Maser J, Klerman GL: The enduring psychosocial 1999;249:227–30.
consequences of mania and depression. Am J 20. Campbell, S., & MacQueen, G. An update on regional
Psychiatry 1993;150:720-7. brain volume differences associated with mood
5. Torres IJ, DeFreitas VG, DeFreitas CM, Kauer- disorders. Curr Opin Psychiatry 2006;19(1):25-33.
Sant’Anna M, Bond DJ, Honer WG, Lam RW, Yatham 21. Rajkowska G, Halaris A, Selemon LDReductions
LN. Neurocognitive functioning in patients with in neuronal and glial density characterize the
bipolar I disorder recently recovered from a first dorsolateral prefrontal cortex in bipolar disorder. Biol
manic episode. J Clin Psychiatry 2010;71(9):1234- Psychiatry 2001;49:741-52.
42. 22. Brauch RA, Adnan El-Masri M, Parker JC Jr, El-Mallakh
6. Martinez-Aran A, Vieta E, Torrent C, Sanchez-Moreno RS. Glial cell number and neuron/glial cell ratios in
J, Goikolea JM, Salamero M, Malhi GS, Gonzalez- postmortem brains of bipolar individuals. J Affect
Pinto A, Daban C, Alvarez-Grandi S, Fountoulakis Disord 2006;91(1):87-90.
K, Kaprinis G, Tabares-Seisdedos R, Ayuso-Mateos 23. Altshuler LL. Bipolar disorder: are repeated episodes
JL. Functional outcome in bipolar disorder: The associated with neuroanatomic and cognitive
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 215

changes? Biol Psychiatry 1993;33(8-9):563-5 35. Tramontina JF, Andreazza AC, Kauer-Sant’anna M,
24. Strakowski SM, Wilson DR, Tohen M, Woods BT, Stertz L, Goi J, Chiarani F, Kapczinski F. BDNF serum
Douglass AW, Stoll AL. Structural brain abnormalities levels before and after treatment for acute mania.
in first-episode mania. Biol Psychiatry 1993:33:602- Neurosci Lett 2009;452(2):111-3
9. 36. Brietzke E, Kapczinski F. TNF as a molecular target
25. Roy PD, Zipursky RB, Saint-Cyr JA, Bury A, Langevin in bipolar disorder Prog Neuropsychopharmacol Biol
R, Seeman MV. Temporal horn enlargement is Psychiatry 2008;32(6):1355-61.
present in schizophrenia and bipolar disorder. Biol 37. Andreazza AC, Kauer-Sant’anna M, Frey BN, Bond DJ,
Psychiatry1998;44:418-22. Kapczinski F, Young LT, Yatham LN. Oxidative stress
26. Sax KW, Strakowski SM, Zimmerman ME, DelBello markers in bipolar disorder: a meta-analysis. J Affect
MP, Keck PE Jr, Hawkins JM. Frontosubcortical Disord 2008;111(2-3):135-44.
neuroanatomy and the continuous performance test 38. Fernandes BS, Gama CS, Walz JC, Ceresér KM,
in mania. Am J Psychiatry 1999;156:139-41. Fries GR, Colpo G, Aguiar B, Pfaffenseller B, Kauer-
27. Drevets WC, Ongur D, Price JL. Neuroimaging Sant’anna M, Kapczinski F. Increased neurotrophin-3
abnormalities in the subgenual prefrontal cortex: in drug-free subjects with bipolar disorder during
implications for the pathophysiology of familial mood manic and depressive episodes. J Psychiatr Res
disorders. Mol Psychiatry 1998;3:220-6, 190-1. 2010;44(9):561-5.
28. Strakowski SM, DelBello MP, Zimmerman ME, Getz 39. Kim YK, Jung HG, Myint AM, Kim H, Park SH.
GE, Mills NP, Ret J, Shear P, AdlerCM. Ventricular Imbalance between pro-inflammatory and anti-
and periventricular structural volumes in first- versus inflammatory cytokines in bipolar disorder. J Affect
multiple-episode bipolar disorder. Am J Psychiatry Disord 2007;104:91-5.
2002;159:1841-7. 40. Kapczinski F, Vieta E, Andreazza AC, Frey BN, Gomes
29. Öngur D, Drevets WC, Price JL. 1998. Glial reduction FA, Tramontina J, Kauer-Sant‘anna M, Grassi-Oliveira
in the subgenual prefrontal cortex in mood disorders. R, Post RM. Allostatic load in bipolar disorder:
Proc Natl Acad Sci USA 1998;27:13290-5. implications for pathophysiology and treatment.
30. Benes FM, Kwok EW, Vincent SL, Todtenkopf MS. Neurosci Biobehav Rev 2008;32(4):675-92.
A reduction of nonpyramidal cells in sector CA2 41. Kapczinski F, Dal-Pizzol F, Teixeira AL, Magalhaes PV,
ofschizophrenics and manic depressives. Biol Kauer-Sant‘Anna M, Klamt F, Pasquali MA, Quevedo
Psychiatry 1998;44:88–97. J, Gama CS, Post R. A systemic toxicity index
31. Cunha AB, Frey BN, Andreazza AC, Goi JD, Rosa AR, developed to assess peripheral changes in mood
Goncalves CA, Santin A, Kapczinski F. Serum brain- episodes. Mol Psychiatry 2010;15(8):784-6.
derived neurotrophic factor is decreased in bipolar 42. Andreazza AC, Kapczinski F, Kauer-Sant‘Anna M, Walz
disorder during depressive and manic episodes. JC, Bond DJ, Gonçalves CA, Young LT, Yatham LN.
Neurosci Lett 2006;398:215–9. 3-Nitrotyrosine and glutathione antioxidant system
32. Frey BN, Andreazza AC, Cereser KM, Martins MR, in patients in the early and late stages of bipolar
Valvassori SS, Reus GZ, Quevedo J, Kapczinski disorder. J Psychiatry Neurosci 2009;34(4):263-71.
F. Effects of mood stabilizers on hippocampus 43. Sun X, Wang JF, Tseng M, Young LT. Downregulation
BDNF levels in an animal model of mania. Life Sci in components of the mitochondrial electron
2006;79(3):281-6. transport chain in the postmortem frontal cortex of
33. Szeszko PR, Lipsky R, Mentschel C, Robinson subjects with bipolar disorder. J Psychiatry Neurosci
D, Gunduz-Bruce H, Sevy S et al. Brain-derived 2006;31(3):189-96.
neurotrophic factor val66met polymorphism and 44. Simon NM, Smoller JW, McNamara KL, Maser RS,
volume of the hippocampal formation. Mol psychiatry Zalta AK, Pollack MH, Nierenberg AA, Fava M, Wong
2005;10(7):631-6. KK. Telomere shortening and mood disorders:
34. Rybakowski JK, Borkowska A, Czerski PM, Skibinska preliminary support for a chronic stress model of
M, Hauser J. Polymorphism of the brain-derived accelerated aging. Biol Psychiatry 2006;60(5):432-5.
neurotrophic factor gene and performance on a 45. Yatham LN, Kapczinski F, Andreazza AC, Young LT,
cognitive prefrontal test in bipolar patients. Bipolar Raymond WL, Kauer-Sant’Anna M. Accelerated age-
Disord 2003;5(6):468-72. related decrease in BDNF levels in bipolar disorder.
Int J Neuropsychopharmacol 2009;12(1):137-9.
216 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

Perspectiva

O NICE Clinical Guideline e o tratamento


da dor neuropática
Patrick RNAG Stump

A International Association for the Study of Pain (IASP) define a


dor neuropática como “dor que surge como consequência direta de
doenças que afetam o sistema sômato-sensitivo”. Ela pode surgir
a partir de varias doenças que afetam os sistemas nervoso central
e periférico, como a neuropatia diabética, neuralgia pós-herpética e
neuralgia trigeminal, entre outras. O quadro clínico se caracteriza em
geral por dor em queimação, ardor, choque, continua ou intermitente,
espontânea ou evocada, em áreas com a sensibilidade alterada, com
impacto significativo na qualidade de vida.
Vários fármacos são utilizados no seu controle como os antidepres-
sivos, antiepilépticos (anticonvulsivante), opiáceos e os tratamentos
tópicos com capsaicina e lidocaína.
Em função das dificuldades do médico tratar a dor neuropática
devido ao tratamento ser com frequência difícil, pois é resistente a
muitos fármacos eficazes e/ou devido aos efeitos adversos dos mes-
mos. O uso de mais de um fármaco é uma necessidade frequente,
mas a escolha correta dos mesmos assim como a sequência ideal
para a sua utilização, não é clara. As diversas diretrizes e algoritmos
publicados pecam pela inconsistência quanto a escolha do tratamento
farmacológico. Assim como é feita a titulação, a sequência correta de
medicamentos deve ser aplicada nas doses terapêuticas corretas. As
diretrizes de tratamento da dor neuropática raramente incluem consi-
derações quanto ao custo-eficácia.
O Instituto Nacional de Pesquisa em Saúde do Reino Unido solici-
tou ao centro de Avaliação de Tecnologias em Saúde um estudo que
foi publicado em março 2010 denominado NICE Clinical Guideline 96.

Neurociências - O que é o NICE?

Patrick RNAG Stump - O NICE Clinical Guideline 96 é um documento


desenvolvido e publicado pelo Centro para a Prática Clínica da NICE
(Centre for Clinical Practice at National Institute for Health and Clinical
Excellence), contendo as diretrizes clínicas recomendadas para o tra-
tamento e cuidado de pessoas com doenças e condições específicas
Médico fisiatra do Instituto Lauro de como a dor neuropática no adulto pelo Sistema Nacional de Saúde
Souza Lima, Medico fisiatra do grupo (NHS) da Inglaterra e do País de Gales (Reino Unido). Lembramos que
de dor da neurologia do HCFMUSP o sistema inglês de saúde é totalmente à custa do Estado e a medica-
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 217

ção é reembolsada quando normatizada e prescrita N - Por que um Guideline para Dor neuropática e
pelos profissionais do sistema. sua relevância?

N - Qual é a sua importância com relação à sua PRS - Atualmente é sabido que dor neuropática
rigorosidade e respeito? é subtratada ou mal tratada devido aos múltiplos
mecanismos geradores da mesma, assim como ao
PRS - A Diretriz clinica NICE 96 orienta o tratamen- conceito errado que ainda permea o meio médico
to farmacológico da dor neuropática em adulto que acredita que, uma vês tratada a doença de
nas clínicas de atenção primaria e secundária no base, a dor neuropática ira desaparecer, o que não
ambiente hospitalar ou não, excluindo as clinicas é verdade. A visão da dor neuropática como uma
especializadas em dor. A diretriz NICE Clinical “condição geral”, independentemente da causa sub-
Guideline 96 Neuropathic Pain: the pharmacologi- jacente, é útil e prático para profissionais de saúde
cal management of neuropathic pain in adults in não-especialistas assim como para os pacientes,
non-specialist settings [1] representa a opinião da permitindo uma abordagem da dor enquanto se trata
NICE, que foi obtida após análise cuidadosa das da patologia de base.
evidências disponíveis. Recomenda a sua adoção
na integra pelos profissionais da saúde quando da N - O que este Guideline de Dor Neuropática esta-
sua prática clínica. No entanto, a diretriz não subs- belece?
titui a responsabilidade dos profissionais de saúde
para tomar decisões adequadas às características PRS - O NICE Clinical Guideline 96 estabelece os
individuais de cada paciente. critérios a serem usados, pelos clínicos não espe-
cializados em dor no Reino Unido, para a introdu-
N - Com qual objetivo o NICE estabelece os Guide- ção e titulação de forma hierárquica dos fármacos
lines? licenciados e as suas indicações recomendadas
no tratamento farmacológico da dor neuropática
PRS - O objetivo da diretriz é fornecer recomenda- (março de 2010). A eficácia de cada fármaco foi
ções claras aos profissionais de saúde em ambien- comprovada em estudos clínicos duplo cego, ran-
tes não especializados no tratamento e controle da domizados e multicêntricos, independentemente
dor neuropática. Isso inclui recomendações sobre o de ser ou não licenciados para esta indicação no
encaminhamento adequado e oportuno a serviços Reino Unido (Tabela I).
especializados de dor e/ou serviços em patologia
que possam causar a dor como os de oncologia ou Tabela I
endocrinologia. Amitriptilina Não licenciado para a dor
neuropática
N - Quais os critérios que o NICE utiliza para fazer Duloxetina Licenciado para neuropatia
um Guideline? diabética dolorosa
Imipramina Não licenciado para a dor
PRS - Para todos os fármacos, as recomendações neuropática
são baseadas em evidências clínicas e na sua efi- Lidocaína (tópicos) Licenciado para neuralgia
cácia terapêutica, assim como na relação do custo/ pós-herpética
beneficio em função do bom uso dos recursos do Nortriptyline Não licenciado para a dor
sistema de saúde do Reino Unido. Este fato faz neuropática
repensar que nem sempre o preço da unidade do Pregabalina Licenciado para dor neu-
fármaco mais baixa reflete um tratamento mais ba- ropática central e periférica
rato quando visto como um todo. O custo dos efeitos Tramadol Licenciado para dor mod-
adversos e o impacto da perda de produtividade erada e grave
devem ser acrescidos ao custo total do tratamento, Obs: como a amitriptilina, a imipramina, e a nortripilina
fato este que foi levado em conta neste estudo. não são licenciadas para o tratamento da dor neu-
ropática no Reino Unido, os paciente devem assinar um
termo de consentimento e aprovação ao fazer uso das
mesmas.
218 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

Os critérios escolhidos foram dividir os fár- pode ser prescrito pelo primeiro medico que atende
macos em 3 linhas de tratamentos onde o clinico o paciente. Esta diretriz delimita e ordena quais e
devera sempre optar pela primeira linha e substituir quando os meios farmacológicos devem ser usados.
ou adicionar o fármaco pelos de segunda linha, a Na maioria das dores neuropáticas o clinico tem op-
medida que a analgesia não for satisfatória ou os ção entre duas classe de fármacos: os recaptadores
efeitos adversos não sejam compatíveis com a de serotonina e noradrenalina (duloxetina e antide-
manutenção do fármaco. A terceira linha implica na pressivos triciclicos) e a pregabalina. O tratamento
falha da terapia e recomenda o encaminhamento da neuropatia diabética dolorosa é a única das pa-
do paciente a um centro especializado medicado tologias em que o NICE indica como tratamento de
com o tratamento de segunda linha associada a um primeira linha a duloxetina sem outras opções tera-
opióide fraco enquanto aguarda a consulta. pêuticas. Este fato é baseado nos trabalhos que le-
varam ao licenciamento da molécula no Reino Unido.
N - Qual a relevância/avanço/diferença em relação
a outros Guidelines?
Referência
PRS - O NICE é uma diretriz oficial do sistema de
saúde do Reino Unido que esta dirigida especifica- 1. Neuropathic pain: the pharmacological management
mente para o clínico não especialista em dor. Tem of neuropathic pain in adults in non-specialist
o papel preponderante de mostrar que o tratamento settings. Disponível em: http://www.nice.org.uk/
da dor neuropática não é restrito ao especialista e CG96.
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 219

Artigo original

Depressão em enfoque evolucionário:


análise bioinformática
Depression within an evolutionary framework:
a bioinformatics approach
Álvaro Machado Dias*, Rogério Leite Silva**

Resumo
Apesar do uso de modelos animais da depressão humana não ser novo, o estabeleci-
mento de correlações orgânicas e comportamentais entre humanos e não-humanos vem
se tornando uma questão de crescente interesse. Doravante, fez-se importante a criação
de uma estrutura epistemológica sólida para lidar com os achados recentes. Objetivos:
Este artigo é voltado à definição desta estrutura e ao provisionamento de informações
de interesse, sob enfoque evolucionário. Material e Métodos: O artigo aplica diversas
técnicas inovadoras de pesquisa para atingir o seu objetivo, entre as quais, data mining e
um sistema inédito de varredura do genoma de duas espécies e provisionamento de um
mapa de expressão em tecido nervoso de um variante da serotonina, neurotransmissor
este que representa um dos principais fatores de risco para a depressão.

Palavras-chave: psiquiatria evolucionária, depressão, bioinformática, data mining, mo-


delos animais.

Abstract
Although the use of animal models of depression is not new, the establishment of
organic and behavioral correlations between humans and non-humans has become a
matter of special interest. Therefore it is important to create a solid framework to deal
with the recent experimental findings. This study is addressed to the definition of such a
framework, as well as to the presentation of information of interest within an evolutionary
approach. Material & Methods: The article applies several innovative techniques in order
to achieve its goals, among which data mining and a new method to parse the genome of
*Professor Adjunto da UNIFESP, two species, producing a heatmap of the expression of a core serotonin polymorphism,
Pesquisador do programa de associated with depression risk factors.
pós-doutorado do Laboratório de
Neuroimagem em Psiquiatria LIM21, Key-words: evolutionary psychiatry, depression, bioinformatics, data mining, animal
models.
Instituto de Psiquiatria da Faculdade
de Medicina da Universidade de São
Paulo, **Instituto de Psiquiatria da
Faculdade de Medicina da Universi-
dade de São Paulo

Correspondência: Álvaro Machado


Dias, Rua Dr. Ovídio Pires Campos
s/n, São Paulo SP, Tel: (11) 3069-
8132, E-mail: alvaromd@usp.br,
alvaromd@unifesp.br
220 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

Introdução Tal como sugerido por Houpt, imposta a impos-


sibilidade de se prospectar os meandros da vida
A depressão é um estado de humor diminuído mental de não-humanos, a sondagem por respostas
que se prolonga de maneira transversal às relações deve começar pela evitação de qualquer tipo de
pontualmente estabelecidas com estímulos am- referência à ‘subjetividade’, ‘consciência’ ou ‘ao
bientais de valência negativa. Sua cronificação dá fato de que possuímos linguagem’. Do mais, tal
origem à unidade nosográfica denominada depressão pesquisa deve contemplar os diversos níveis em que
maior, classicamente caracterizada como desordem respostas podem ser colocadas, como por exemplo:
psiquiátrica primariamente relacionada à intensa pressões comuns que poderiam levar à emergência
diminuição do humor e, secundariamente, a outros do traço, genes, anatomia cerebral, neurofisiologia,
sintomas mentais e orgânicos [1], que se espraiam comportamentos, etc.
de alterações neurovegetativas associadas à maior
sensibilidade ao estresse [2], a eventuais déficits de Objetivo
memória de trabalho e raciocínio visuo-espacial [3].
Por força de necessidades práticas, estudos em O presente artigo visa contribuir para a provisão
etiologia e tratamento da depressão são costumeira- de um substrato conceitual e empírico bastante
mente baseados em modelos animais, os quais devem para a caracterização da depressão em outras es-
servir a funções pontuais (o modelo para testagem do pécies. Neste sentido, o artigo busca: 1) Fornecer
papel de um determinado polimorfismo na etiologia da um esquema para a organização da pesquisa no
desordem não é o mesmo usado para o estudo das entroncamento entre psiquiatria e etologia; 2) Deli-
relações entre estresse e depressão, etc). Mormente, near uma aplicação prática e eficaz deste esquema,
desponta a tendência de se aplicar o conceito de de- baseada em metodologias avançadas de pesquisa,
pressão ao diagnóstico e tratamento de não-humanos, entre as quais se destacam o uso de um sistema
o que por sua vez atende a necessidades práticas de reconhecimento de padrões para a prospecção da
inequívocas. Consideremos um exemplo: a Associação literatura (data mining/text mining) e o uso de um
Mata Ciliar é uma organização sem fins lucrativos que sistema de varredura do genoma (de nossa autoria),
trabalha para a preservação de animais selvagens voltado à análise comparativa da expressão de um
(onças e outros felinos), ameaçados de extinção; para dos variantes do principal gene envolvido na depres-
levar a cabo esta tarefa, é preciso que espécimes são, no cérebro de um exemplar de Homo sapiens e
sejam criados em cativeiro com vistas ao incremento um exemplar de Pan troglodytes.
populacional; logo, é fundamental que estes animais
se reproduzam em tais circunstâncias. Neste contex- Material e métodos
to, desponta o fato de que as taxas reprodutivas são
baixas e, sugestivamente, acompanhadas de longos Para atingir os objetivos definidos seguiremos as
períodos de humor deprimido, frequentemente refe- seguintes etapas: 1) Introdução aos sentidos de ‘pla-
renciados como ‘depressão’ pelos cuidadores [4]. nos proximal’ e ‘plano distal’ de correlação e apresen-
A despeito da validade prática da abordagem, tação de um algoritmo criado para facilitar a aplicação
faz-se razoável a colocação da fidedignidade do do modelo conceitual proposto; 2) Apresentação dos
conceito ‘depressão’ em não-humanos em provisó- tópicos mais recorrentes na literatura relativa aos
ria suspensão, até que se especifiquem as bases ‘modelos animais de depressão’, alinhavados atra-
epistemológicas que o tornam - ou não - sustentável. vés de um mapa topológico em três dimensões (data
Como sugeriu Katherine A. Houpt, professora de mining), bem como dos metadados mais recorrentes
comportamento animal da universidade Cornell, em em conjunturas de interesse (excluindo publicações
entrevista concedida para a elaboração do presente pouco relacionadas ao tópico). Nesta seção, ainda
artigo: “(...) é difícil determinar a etiologia em espé- consideraremos uma tabela com os estudos atuais em
cies não verbais” [5]. Doravante, faz-se premente a modelos animais de depressão, divididos em tópicos
necessidade de estratégias bem definidas para que através de princípios de revisão sistemática (cluster
se possa ir ao seio da pergunta: ‘haveria substrato analysis); 3) Revisão de achados pontuais, significa-
bastante para se considerar o conceito de depressão tivos às correlações etiológicas de tipo proximal entre
como potencialmente transversal à espécie huma- humanos e espécies utilizadas como modelos animais
na, ou seria mais razoável assumir que há algo de de depressão’. Esta seção conta com a apresentação,
‘humano demasiado humano’ no seio do conceito’? em primeira mão, dos resultados práticos de um novo
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 221

script (software) para o mapeamento do genoma e mais fortes do que o isomorfismo, ou –nas palavras de
produção de mapas (heatmaps) de expressão relati- McKinney e Bunney [8] – dotados de elos mais fortes
va dos genes. O gene escolhido foi um polimorfismo do que aqueles provisionados pela ‘validade aparente’.
da serotonina e como locus de expressão tomamos Por exemplo: o sistema de sinalização de ataque e
diversos tecidos cerebrais associados à desordem, fuga das lulas é configurado através de uma cascata
no cérebro de humanos (3 pessoas, idade média 34 bioquímica em que o denominador é a sinalização
anos) e chimpanzés (3 espécimes, idade média 15 serotonérgica, mas isto não permite que elejamos a
anos). Trata-se da primeira vez que resultados desta lula como modelo animal de estresse mais adequado
natureza são apresentados em uma revista da América à realidade hominídea (cuja configuração igualmente
do Sul; 4) Revisão de potenciais associações de cará- envolve alta atividade serotonérgica), posto que mui-
ter ‘distal’ entre humanos e outras espécies, através tos aspectos fundamentais desta estão ausentes
de tabela reunindo os principais estudos em causas naquela, tais como a organização estrutural SNC/SNP.
evolucionárias da depressão, discriminados por sua Por fim, é de se ter em mente que, em uma
potencial extensão a outras espécies. era de franca expansão da genômica, modelos de
correlação humanos/não-humanos em plano distal
Resultados se fazem particularmente relevante conforme se
alinhem à prospecção e determinação de achados
Dos planos causais às causas profundas e genéticos comuns a ambas as espécies (e, portanto,
causas de superfície possivelmente herdados de um ancestral comum) e
que estejam relacionados ao traço. Apenas esta con-
A prospecção de correlações entre a depressão junção permite que se afirme: determinado traço (i.e.
humana (entendida como desordem psiquiátrica) depressão) é transversal à especiação hominídea
e fenômenos correlatos em não-humanos (tendo conforme se relaciona primariamente a tal ou qual
como referências os modelos animais de depressão) variável genética, comum a tais espécies, que por
pode-se dar em dois planos: proximal e distal (para sua vez exibem igualmente correlações proximais.
detalhes sobre esta distinção, ver: Mayr [6] e Meyer Logo, deste modelo que propomos destaca-se
[7]). No plano proximal representam-se as causas que que ‘distal’ não quer dizer ‘mais fraca ou mais forte’,
coexistem com o fenômeno: comportamento, vida mas antes ‘mais distante e mais dependente do
psíquica/mental, anatomia e fisiologia cerebral, gené- plano do que se mostra’; afinal, sem um paradigma
tica, epigênese, insultos ao sistema nervoso central evolucionário em mente torna-se impossível a sua
(SNC), etc. Estas por sua vez, podem ser divididas em sondagem, bem como sem uma base de dados
imediatas (i.e. comportamento, funcionamento atual oriunda de validação aparente a servir de referência,
do cérebro) e mediatas (i.e. genética, características não se avança para além da especulação.
estruturai do cérebro, insultos ao SNC). No plano distal Vemos na Figura 1 um algoritmo ilustrativo do
representam-se as causas evolucionárias do traço ou, modelo proposto.
em outras palavras, representam-se as potenciais res-
postas à questão: ‘Haveria indícios de que este traço Figura 1 - Algoritmo contemplando a disposição das
não seja fruto de contingências culturais, variações variáveis que devemos utilizar para comparar ‘Depres-
epigênicas ou mutações recentes? Em caso positivo, são Humana’ aos ‘Modelos Animais de Depressão’.
porque este traço se mantém na espécie?’
Correlações causais profundas
As relações entre os recortes a serem feitos nestes
planos não são de todo triviais e exigem operacionali- Pressões evolucionárias
zação cuidadosa para que se evitem confusões. Para Responsáveis pela
incorporação e manutenção
todos os efeitos, podemos assumir que correlações do traço na espécie
Causas Distais
distais sugerem que dois fenômenos respondam a pres-
Depressão através
sões evolucionárias correlatas ou equivalentes. Esta das espécies
modalidade de correlação é diametralmente oposta à Mediatas Genética, Epigênese,
que se faz estabelecida entre fenômenos biológicos Estrutura do SNC
Causas proximais Insultos orgânicos
que emergem respondendo a pressões evolucionárias
diversas, através de vicissitudes isomórficas. Imediatas Comportamento,
Funcionamento
Também para todos os efeitos, correlações aná- atual do Cérebro
Correlações causais
tomo-fisiológicas e comportamentais demandam elos de superfície
222 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

De acordo com nosso algoritmo (ou ‘modelo’) Figura 2 - Distribuição dos estudos por assuntos.
para que correlações causais profundas se mostrem Estudo de novas
Prospecção dos
sustentáveis em plano distal, é preciso que correla- drogas, análise de
efeitos de antide- 21 refe-
ções proximais também o façam (caso contrário o antidepressivos sobre
pressivos em ratos e rências
argumento evolucionário se reduziria à especulação), cascatas neuroquímicas
camundongos
ao passo que o inverso não se faz obrigatório. Em pouco estudadas
termos equacionais, é de se dizer que em nosso Teste de suspensão
Testes de estresse
sistema se definem matrizes 2X2 dadas pelos planos pela cauda e teste de
em ratos e camun-
de causação, onde a função matricial estabelecida nado forçado em ratos 16 refe-
dongos: manipu-
pelo plano de causação distal está contida no do- e camundongos; foco rências
lação de genes e
mínio da matriz de caráter proximal. Por fim, é de genes. Ênfase em poli-
fisiologia cerebral
se ter em vista que a valia do modelo relaciona-se morfismos 5-HTTLPR
à sua capacidade de dizer algo acerca do potencial Estudos de plasti- Modelos animais de
de achados com alguma capacidade de estabelecer cidade neural no efeitos sobre o hipo- 4 refe-
pontes entre humanos e outras espécies, no âmbito hipocampo através campo: LTP e LTD nos rências
da psiquiatria evolucionária e que isto servirá de mote de modelos animais colaterais de Shaffer
às seções subsequentes. Modelos comporta-
Indução e reversão do
mentais de de- 9 refe-
imobilismo: variações e
Revisão pressão em ratos e
fenomenologia
rências
camundongos
Uma maneira estratégica para se prospectar
a psiquiatria evolucionária aplicada à depressão Abaixo segue a distribuição estatística dos
se desvela dos estudos com modelos animais de metadados principais, quando a matriz é feita tendo
depressão, âmbito no qual a estratégia ideal é a da apenas levando em consideração os modelos expe-
definição de uma visão global acerca da literatura, rimentais (animais) de depressão psiquiátrica em
da qual possamos ponderar: 1) A importância relativa que referências diretas a quaisquer drogas, genes e
destes estudos; 2) As principais linhas de pesquisa; doenças são excluídas:
3) As suas finalidades. Para responder a esta ques- 1. Ratos/camundongos: 25% de ocorrência
tão na prática, propomos o uso de técnicas de data 2. Estresse: 8,3 % de ocorrência
mining/text mining. 3. Receptores: 6,4% de ocorrência
Para tanto, iniciamos com uma busca no Pub- 4. Nado forçado: 5,5% de ocorrência
Med, usando as palavras-chave ‘modelos animais
da depressão’ (“animal models of depression”), Já uma revisão dos estudos em modelos animais
a qual resgata 4765 publicações. Plotando estas de depressão de 2008/2009, revela a existência de
publicações em uma matriz de correlações e anali- 73 publicações no tema, indexadas no PubMed ou
sando a estatística relativa às diversas palavras que ISI. Destas, cinquentas estão organizadas em torno
ocorrem nos documentos destaca-se que muitas das de apenas quatro temas, tal como na tabela abaixo:
publicações indexadas não têm a ver com o tema de
interesse (i.e. depression em Long Term Depression Figura 3 - Tabela de distribuição de estudos por
– LTD). Disto decorre a necessidade de uma revisão tópicos.
detalhada dos metadados faz-se necessária. Este
procedimento aliado à reedição das palavras-chaves
reduz o conjunto de referências diretamente relacio-
nadas a 1200 referências. Destas, 15% estão ma-
joritariamente implicadas com o tema “Receptores
envolvidos na fisiopatologia da depressão”, ao passo
que três grupos de cerca de 9-10% têm os testes de
estresse como fator mais importante.
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 223

Correlações proximais essenciais: análise em R (para maiores detalhes: http://www.r-project.org),


comparativa da expressão do gene da selecionamos para a análise as seguintes sondas:
serotonina no cérebro de Homo sapiens e
Pan Troglodytes Humanos:
• GSM182709 – Hipocampo (HsHipp)
Tal como pudemos ver acima, é de se considerar Homem, 30 anos;
que boa parte do que sabemos sobre a depressão e o Origem do tecido: Autopsia (12 horas após a
efeito de drogas psicoativas se originou de estudos em morte).
modelos animais, diversos dos quais utilizados para a
solução de problemas em bioquímica cerebral. Corre- • GSM182720 – Córtex anterior inferior temporal
lativamente, estudos com macacos revelaram nestes (HsAntInfTemCor)
a possibilidade de variações na oferta de receptores Mulher, 42 anos;
serotonérgicos ‘1a’ em consonância com inibição do Origem do tecido: Cirurgia
humor, o que remonta ao padrão humano e, por exten-
são, às vias neurofisiológicas de atuação da classe de • GSM182704 – Polo-frontal (HsFronPol)
antidepressivos mais utilizada atualmente, os inibidores Mulher, 31 anos
seletivos da recaptação de serotonina. No mesmo sen- Origem do tecido: Autopsia (14 horas após a
tido, o teste de suspensão da cauda em ratos e camun- morte)
dongos permite comparações diretas com o padrão de
resposta clínica à anedonia depressiva em humanos, Chimpanzé:
conforme a administração de inibidores seletivos da • GSM182739 - Hipocampo (PtHipp)
recaptação de serotonina naqueles produz aumento Fêmea, 15 anos;
no número de tentativas e no tempo durante o qual o Origem do tecido: Autopsia (3.5 horas após a
animal luta para se esquivar da situação experimental morte)
[9-11]. No teste de nado forçado, o mesmo padrão de
alteração comportamental pela ingestão de fluoxetina é • GSM182735 - Córtex anterior inferior temporal
observado [12], achado o qual pode estar relacionado ao (PtAntInfTemCor)
fato de que camundongos que recebem doses crônicas Fêmea, 15 anos;
fluoxetina exibem aumento de proteínas sinápticas no Origem do tecido: Autopsia (3.5 horas após a
hipocampo [13]. Por fim, camundongos knock-out para morte)
o gene 5-HTT, que exibem respostas aumentadas ao
estresse e padrão de aprendizado seletivo relativo à • GSM182732 – Polo-frontal (PtFronPol)
exposição a estímulos de valência negativa [14]. Fêmea, 15 anos;
Paralelamente, grande parte do que se sabe Origem do tecido: Autopsia (3.5 horas após a
sobre a genética da depressão analisada in situ, em morte)
humanos, também se associa ao risco representado
pelos polimorfismos do gene da serotonina, tais Resultados
como o 5-HTTLPR [15-20] – para revisão sistemática,
ver Levinson [19]. Neste sentido, considerando que Figura 4a - Expressão do HTR2 no cérebro humano.
a serotonina é neurotransmissor mais fortemente
associado à depressão e desordens associadas e
que seus variantes representam fatores de risco à de-
sordem, nossa proposta para preencher a lacuna de
HsHipp
informações acerca das correlações entre espécies
pauta-se agora pela comparação entre os padrões de
expressão de uma importante variante da serotonina HsAntInfTemCor
no cérebro de humanos e chimpanzé.

Método HsFronPol

Desenvolvemos um sistema original de mapea-


HTR2C

HTR2A

mento em 2-D da expressão de genes, a partir de scripts


224 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

Figura 4b - Expressão do HTR2 no cérebro de chim- quanto o humor deprimido e mesmo a melancolia são
panzé) respostas comportamentais e mentais amplamente
disseminadas em nossa espécie e que têm como
gatilhos punições e estressores de tipo variados.
Neste sentido, faz-se auto-evidente a suposição de
que tais manifestações (que em si não necessaria-
PtFronPol
mente representam o ‘rasgo na trama vivencial’)
sejam adaptativas e, como tais, que respondam a
PtAntInfTemCor
pressões evolucionárias. Disto decorre a premissa
de que a verdadeira questão que se coloca em
psiquiatria evolucionária é a de se definir até que
Pt Hipp ponto as manifestações que rompem com a trama
vivencial (sendo, pois, pontualmente disfuncionais)
podem ter sido fruto de seleção. Mormente, dado
HTR2A

HTR2C

que a questão que nos move não é exatamente o


substrato evolucionário da depressão, mas sua ex-
Discussão tensão para além dos limites da espécie humana,
interessa-nos saber quais modelos evolucionários
Existem diversos genes associados à depressão e, poderiam sustentar potenciais correlações distais
mesmo sob o prisma de que a desordem está relacio- entre humanos e outras espécies no que tange
nada ao modo como o sistema nervoso é estruturado, etiologia da depressão; ou seja, interessa-nos saber
tampouco se poderia dizer que invariavelmente estamos que hipóteses só fazem sentido para humanos e que
a nos reportar a componentes genéticos. Por exemplo, outras possuem bases mais genéricas e filogenetica-
alterações epigênicas (controlam a expressão do gene) mente extensivas – delineando um ponto de partida
produzem resultados equivalentes a predisposições para potenciais hipóteses especificamente voltadas
genéticas no que tange à depressão [21], mas são a estas correlações distais.
ambientais. Neste sentido, os dados que apresenta- É de se ter em vista que este procedimento in-
mos são limitados tanto do ponto de vista genético, verte o pensamento habitual, bem como é de se ter
quanto do ponto de vista etiológico. Dito isto, é de se em vista que o caráter mais ou menos extensivo de
notar que as variantes selecionadas estão expressas um modelo não diz sobre o seu interesse geral, já
com a mesma intensidade em tecidos cerebrais cru- que nenhum destes modelos foi criado para discutir
cialmente relacionados à patofísica da depressão, em a depressão em outras espécies.
ambas as espécies, o que reforça a possibilidade de
correlações nosográficas e, mais amplamente, suporta Figura 5 - Tabela de estudos em modelos evolucio-
a possibilidade de correlações distais, desde o modelo nários da depressão humana.
epistemológico definido na primeira seção (ver Figura 1). Função dos tra- Aplica-se a outras
Autores
ços depressivos espécies?
Correlações distais entre a depressão Price et al. Evitação de con- A princípio sim, a
psiquiátrica e modelos animais de depressão [23-25] frontos muitas
Abandono de Em termos, de-
Watson e An-
Tal como classicamente definido por Schneider objetivos inalcan- pende de cognição
drews [28]
[22], as doenças psiquiátricas representam rasgos çáveis refinada
na trama vivencial dos sujeitos afetados, ainda que, Interrupção de
Thierry et al.
em sua especificidade, a maioria dos sintomas investimentos Sim, muitas
[32]
possa ser referida a manifestações aceitáveis no impróprios
espectro da normalidade; ou seja, elas exacerbam Fracamente,
Maximização
características que em si não comprazem o sentido Nesse et al. prescinde de
de tomadas de
total da patologia, o qual é delineado pela ruptura [33,34] sistema executivo
decisões
na trama vivencial, que os sintomas provocam, em complexo
sua intensidade e/ou duração.
No caso da depressão, este binômio intensida-
de/duração se faz particularmente significativo con-
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 225

‘Depressão’ é Em tese sim, mas sociais; “A depressão permite a suspensão de aspi-


uma função da não na prática; rações irrealistas (...). A depressão leva os sujeitos
Hagen et al. afetados a ter obter maior aceitação social” [28].
depressão pós- não há evidências
[35] Esta hipótese se mostra especialmente pertinente
parto, que é um para outras espé-
pedido de ajuda cies para primatas masculinos, onde a disputa para se
‘Depressão’ é tornar o chefe (macho alfa) poderia trazer a tona
função da função esta conjuntura; não obstante, faz-se limitada pela
Wolpert [29] Sim, muitas injeção de conhecimento presente na concepção de
da melancolia da
perda intencionalidade e volição subjacente ao conceito de
Depressão é deri- Sim, algumas; ma- ‘aspirações individuais’. Dialogando com Watson e
vada de cacos apresentam Andrews [28], Wolpert [29] argumenta que a depres-
Vieira [26]
comportamentos rituais de submis- são maior é um derivado das reações depressivas
de submissão são territorial de cunho reacional, sob o mote da importância de se
Fruto da sensibi- auto-informar uma determinada perda. Esta hipótese
Impossível de sa-
Akiskal [36] lidade ao sofri- tem as mesmas vantagens potenciais da hipótese
ber; não falseável
mento anterior, com a vantagem de menor atribuição in-
tencional. Reiterando indiretamente a limitação da
Consideremos agora os meandros das hipóteses mesma a espécies organizadas hierarquicamente, ele
potencialmente mais atraentes quanto ao estabele- levanta similaridades aparentes entre a depressão e
cimento de correlações distais. comportamentos que emergem em contexto de per-
Segundo Price et al. [23-25], a função da de- das hierárquicas em macacos [30] e bonobos [31].
pressão se expressaria pela evitação de confrontos Por fim, o que este quadro sugere é que as
disfuncionais através da ritualização do mesmo “(a causas distais da depressão se limitam ao espec-
depressão) é um substituto para a dor real” [24]. tro reacional, principalmente sob o princípio de que
Apesar de potencialmente interessante, esta hipó- a sinalização (ao grupo) de que o indivíduo está
tese não pode ser tomada como leitmotiv de corre- em posição passiva, inofensiva e/ou hierarquica-
lações distais posto que se escora na importância mente desvantajosa é funcional, evitando ataques
da simbolização de algo de si para si mesmo, o que e retaliações mais intensas de outros indivíduos
naturalmente implica um modelo de autoconsciência mais fortes. Esta parece ser a principal via para se
(dir-se-ia de ‘ego’) inapropriado para a discussão. alinhavar o fato de que o estresse crônico em seu
Neste sentido, ela reforça o caráter atraente da caráter reacional-depressivo favorece o imobilismo,
perspectiva diametralmente inversa de Vieira [26], o a diminuição da capacidade de luta/nado/investi-
qual salientou que o caráter ritualístico da depressão mentos energéticos em geral, etc, delineando uma
seria eminentemente territorial, sinalizando ao opo- ponte entre os achados com modelos animais e as
nente mais forte a subserviência (evitando reações hipóteses evolucionárias, abrindo então uma nova
enérgicas). seara para pesquisas no assunto.
Nesta chave, a depressão humana poderia ser
interpretada como uma reação de sujeitos em que Conclusão
são ativados programas de origem filogenética rela-
tivos à ‘desterritorialização/existência em territórios O estabelecimento de correlações entre huma-
ameaçadores’. Esta hipótese se aplica consisten- nos e não-humanos no que tange à etiologia e ma-
temente a espécies hierárquicas, que vivem em nifestação da depressão depende de métodos bem
culturas relativamente complexas, não se aplicando delineados, onde alguns reducionismos se fazem
a muitas outras que já serviram de modelos animais obrigatórios (i.e. não usar argumentos naturalmente
de depressão (e mesmo a espécies próximas como antropocêntricos, prospectar e comparar a expressão
orangotango, que não exibe estrutura hierárquica de fatores de risco mesmo sabendo que a desordem
desta natureza; ver Kaplan & Rogers [27]). não se reduz aos mesmos). Quando isto é realizado,
Em outra chave relevante aos propósitos atuais, percebe-se que as correlações proximais e distais
Watson e Andrews [28] sugerem que a depressão se são várias, mas não se estendem à depressão maior.
relacionaria ao abandono de objetos inalcançáveis, Neste sentido, uma especulação que parece despon-
em associação com a tendência dos sujeitos em tar é a de que a cronificação - caráter fundante do
processo de recuperação de buscar fortalecer laços conceito de depressão maior - seja uma vicissitude
226 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

humana, ao passo que os sintomas depressivos e a Japanese population. Neurosci Lett 1999;263(2-
depressão reacional de maneira mais ampla, tenham 3):205-7.
18. Lazary J, Lazary A, Gonda X, Benko A, Molnar E,
raízes evolucionárias e presença interespecífica. Juhasz G et al. New evidence for the association of
the serotonin transporter gene (SLC6A4) haplotypes,
Referências threatening life events, and depressive phenotype.
Biol Psychiatry 2008;64(6):498-504.
1. Lewis AJ. Melancholia: a clinical survey of depressive 19. Levinson DF. The genetics of depression: a review.
states. J Ment Sci 1934;80(329):277-378. Biol Psychiatry 2006;60(2):84-92.
2. Hamilton JP, Gotlib IH. Neural substrates of increased 20. Serretti A, Mandelli L, Lorenzi C, Smeraldi E. Social
memory sensitivity for negative stimuli in major adjustment could be associated with the serotonin
depression. Biol Psychiatry 2008;63(12):1155-62. transporter gene in remitted patients with mood
3. Stromgren LS. The influence of depression on disorders and healthy subjects. Psychiatry Res
memory. Acta Psychiatr Scand 1977;56(2):109-28. 2005;134(2):191-4.
4. Adania C. Entrevista sobre depressão em animais. 21. Czesak M, Lu J, Stockmeier C, Austin M, Meltzer
Entrevista concedida ao autor; 2008. H, Albert P. DNA methylation at 5-HT1A receptor
5. Houpt KA. Entrevista concedida ao autor; 2008. promoter C(- 1019)G polymorphism CpG sites in
6. Mayr E. O desenvolvimento do pensamento biológico: schizophrenia and depression. J Affect Disord 2008;
UNB; 1998. 107(Suppl 1): S74.
7. Meyer DE-H., C. N. Evolução: o sentido da biologia: 22. Schneider K. Clinical psychopathology. New York:
Unesp; 2005. Grune & Stratton; 1959.
8. McKinney WT Jr, Bunney WE Jr. Animal model of 23. Price J. The dominance hierarchy and the evolution of
depression: I. Review of evidence: implications for mental illness. The Lancet 1967;290(7509):243-6.
research. Arch Gen Psychiatry 1969;21(2):240-8. 24. Price J, Sloman L, Gardner R, Gilbert P, Rohde
9. Cryan JF, Markou A, Lucki I. Assessing antidepressant P. (1997). The social competition hypothesis
activity in rodents: recent developments and future of depression. In: Baron-Cohen S, ed. The
needs. Trends Pharmacol Sci 2002;23(5):238-45. maladapted mind: classic readings in evolutionary
10. Cryan JF, Mombereau C, Vassout A. The tail psychopathology. Hove: Psychology Press; 1997.
suspension test as a model for assessing p.241-53
antidepressant activity: Review of pharmacological 25. Sloman L, Price JS. Losing behavior (yielding
and genetic studies in mice. Neurosci Biobehav Rev subroutine) and human depression: Proximate and
2005;29(4-5):571-625. selective mechanisms. Ethol Sociobiol 1987;8(Suppl
11. Liu X, Peprah D, Gershenfeld HK. Tail-suspension 1):99-109.
induced hyperthermia: a new measure of stress 26. Vieira AB. Etologia e Ciências Humanas. Lisboa:
reactivity. J Psychiatr Res 2003;37(3):249-59. Imprensa Nacional; 1983.
12. Leventopoulos M, Russig H, Feldon J, Pryce CR, 27. Kaplan G, Rogers LJ. Patterns of gazing in orangutans.
Opacka-Juffry J. Early deprivation leads to long-term Int J Primatol 2002;23(3):501-23.
reductions in motivation for reward and 5-HT1A 28. Watson PJ, Andrews PW. Toward a revised
binding and both effects are reversed by fluoxetine. evolutionary adaptationist analysis of depression:
Neuropharmacology 2009;56(3):692-701. the social navigation hypothesis. J Affect Disord
13. O’Leary OF, Wu X, Castren E. Chronic fluoxetine 2002;72(1):1-14.
treatment increases expression of synaptic proteins 29. Wolpert L. Depression in an evolutionary context.
in the hippocampus of the ovariectomized rat: Role Philos Ethics Humanit Med 2008;3:8.
of BDNF signalling. Psychoneuroendocrinology 30. Altmann SA. The structure of primate social
2009;34(3):367-81. communication. In: Altmann SA, ed. Social
14. Holmes A, Murphy DL, Crawley JN. Abnormal comunication among primates. Chicago: Chicago
behavioral phenotypes of serotonin transporter University Press; 1969. p.325-62.
knockout mice: parallels with human anxiety and 31. De Vore I. Primate behavior: field studies of monkeys
depression. Biol Psychiatry 2003;54(10):953-9. and apes. New York: Holt, Renehart & Winston;
15. Caspi A, Sugden K, Moffitt TE, Taylor A, Craig 1965.
IW, Harrington H et al. Influence of life stress on 32. Thierry B, Steru L, Chermat R, Simon P. Searching
depression: moderation by a polymorphism in the waiting strategy: A candidate for an evolutionary model
5-HTT gene. Science 2003;301(5631):386-9. of depression? Behav Neural Biol 1984;41(2):180-9.
16. Hoefgen B, Schulze TG, Ohlraun S, von Widdern O, 33. Nesse RM. Is depression an adaptation? Arch Gen
Höfels S, Gross M et al. The power of sample size Psychiatry 2000;57(1):14-20.
and homogenous sampling: Association between 34. Nesse RM. Natural selection and the elusiveness
the 5-HTTLPR serotonin transporter polymorphism of happiness. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci
and major depressive disorder. Biol Psychiatry 2004;359(1449):1333-47.
2005;57(3):247-51. 35. Hagen EH. The functions of postpartum depression.
17. Kumakiri C, Kodama K, Shimizu E, Yamanouchi N, Evol Hum Behav 1999;20(5):325-59.
Okada SI, Noda S et al. Study of the association 36. Akiskal HS. Dysthymia and cyclothymia in psychiatric
between the serotonin transporter gene regulatory practice a century after Kraepelin. J Affect Disord
region polymorphism and personality traits in a 2001;62(1-2):17-31.
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 227

Artigo original

Efeitos agudos da mobilização passiva cíclica


sobre a espasticidade na paraplegia por
traumatismo raquimedular
Acute effects of passive cyclic mobilization on spasticity
in paraplegia due to spinal cord injury
Antonio Vinicius Soares*, Marcos Antônio dos Anjos**, Aline Michelle Busatto***,
Angélica Aparecida Alves Bloemer***, Mariana Rocha Furtado***, Michelle Bertani Machado***,
Nilceia Marcelino***, Sheron Ritiane Borges***

Resumo
O traumatismo raquimedular é o mecanismo de lesão mais frequente na medula espin-
hal, e quando não fatal, acarreta várias seqüelas, entre elas a espasticidade. O objetivo
desta pesquisa foi analisar os efeitos da técnica de Mobilização Passiva Cíclica (MPC)
sobre a espasticidade e a repercussão na qualidade de vida e funcionalidade segundo
o Perfil de Saúde de Nottinghan (PSN) e pela escala Functional Independence Measure
(FIM), num paciente paraplégico, 38 anos, nível neurológico T1. Neste estudo foi utilizado
um cicloergômetro que permite a MPC dos membros inferiores a partir da movimentação
*Fisioterapeuta, Mestre em Ci- ativa dos membros superiores. O treinamento foi realizado 3 vezes por semana, durante
ências do Movimento Humano, 6 semanas (17 sessões). A Escala de Ashworth Modificada (0 a 4) e a Eletromiografia
de Superfície associada ao Teste do Pêndulo (número de oscilações da perna) foram
Professor-pesquisador do Núcleo de
utilizados no pré e pós-teste como instrumentos de avaliação da espasticidade extensora
Pesquisas em Neuroreabilitação -
dos joelhos. Os resultados demonstraram redução aguda da espasticidade extensora dos
NUPEN da Associação Catarinense joelhos, que durou 12 a 18 horas após cada sessão. Pela Escala de Ashworth Modificada
de Ensino – ACE e do Bom Jesus/ houve redução do grau 3 para o grau 1; No Teste do Pêndulo houve um aumento de 4
IELUSC, **Fisioterapeuta, Mestre para 8 no número de oscilações em cada perna. No registro eletromiográfico coletado
em Neurociências e Comportamen- simultaneamente ao Teste do Pêndulo, houve redução de 49% no membro inferior direito
e 32% no membro inferior esquerdo. Não houve alterações quanto à qualidade de vida
to, Professor-pesquisador do Núcleo
e funcionalidade verificadas pelo PSN e Escala FIM, respectivamente. Novas pesquisas
de Pesquisas em Neuroreabilitação são necessárias para verificar o tempo de retenção dos efeitos sobre a espasticidade e
- NUPEN da Associação Catarinen- os possíveis mecanismos neurofisiológicos envolvidos.
se de Ensino – ACE, Bom Jesus/
IELUSC e UNIVILLE, ***Estagiárias Palavras-chave: mobilização passiva cíclica, espasticidade, paraplegia, traumatismo
do Núcleo de Pesquisas em Neuro- raquimedular.
reabilitação - NUPEN da Associação
Catarinense de Ensino – ACE
Abstract
Traumatic cord injury is the most frequent mechanism of lesion of the spinal cord, and,
Correspondência: Antonio Vinicius
if not fatal, carries a lot of sequels, one of them is spasticity. The aim of this study was
Soares, NUPEN, Núcleo de Pesqui- to analyze the effects of Passive Cyclic Mobilization (PCM) on spasticity and its repercus-
sas em Neuroreabilitação, Faculda- sion on life quality and functionality according to Nottingham Health Profile (NHP) and
de de Fisioterapia da Associação Functional Independence Measure (FIM), on a paraplegic patient, 38, neurological level T1.
Catarinense de Ensino, Joinville SC, A cycle ergometer was used to allow PCM of lower limbs starting from active movement
from upper limbs. This training was held 3 times a week, during 6 weeks (17 sessions).
Tel: (47) 3026-4000, E-mail: a.vini@
Ashworth Modified Scale (0 to 4) was applied and surface electromyography associated
ig.com.br
228 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

to Pendulum Test (number of leg oscillations) were used before and after test as knee
extensors spasticity evaluation instruments. Results showed acute knee extensors spas-
ticity reduction that held over 12 to 18 hours after each session. In Ashworth Modified
Scale the spasticity reduced from grade 3 to grade 1; on Pendulum Test was observed
an enhance from 4 to 8 oscillations in each leg. Electromyographic register made during
pendulum test showed a reduction of 49% on right lower limb and 32% on left lower limb.
No changes could be seen on life quality and functionality measured with NHP and FIM
Scale, respectively. New research is needed to verify retention time of effects on spasticity
and possible neurophysiological mechanisms involved.

Key-words: passive cyclic mobilization, spasticity, paraplegia, spinal cord injury.

Introdução Não foram encontradas pesquisas demonstran-


do os efeitos da MPC sobre a espasticidade em pa-
A lesão medular consiste em um dano de alta cientes paraplégicos. Entretanto, existem pesquisas
incidência tanto no Brasil quanto em outros países. demonstrando os efeitos benéficos com ergômetros
A mais freqüente é o traumatismo raquimedular em indivíduos paraplégicos, observando-se incremen-
(TRM), devido ao seu mecanismo de lesão. O TRM to da condição cardio-respiratória, com repercussões
quando não fatal, gera um alto grau de morbidez, positivas na capacidade funcional e diminuindo
sendo indispensável uma equipe multidisciplinar pela efeitos deletérios como atrofia e osteoporose [8].
complexidade da reabilitação. O prognóstico baseia- Edwards et al. [9] utilizaram a MPC no dedo
se no nível da lesão, mecanismo de trauma, idade, indicador em sujeitos saudáveis e verificaram uma
patologias associadas, qualidade de vida, etc [1]. redução da excitabilidade córtico-motora. Willoughby
Uma das complicações geradas pelo traumatis- et al. [10] estudaram o exercício cíclico de membros
mo raquimedular, decorrente da lesão de motoneu- inferiores em lesados medulares verificando um au-
rônio superior, é a espasticidade. Lance foi quem mento significativo na síntese de proteínas miofibrila-
primeiro definiu a espasticidade, como sendo uma res e decréscimo no nível de ubiquitina responsável
desordem motora, velocidade-dependente que se pela degradação muscular, indicando um provável
caracteriza pela hiperexcitabilidade do reflexo de benefício na minimização da hipotrofia muscular.
estiramento com exacerbação dos reflexos profundos Pela carência de pesquisas envolvendo a utili-
e aumento do tônus muscular, como um componente zação da MPC em pacientes neurológicos, objetivou-
da síndrome do motoneurônio superior [2-6]. Uma se neste estudo analisar os efeitos desta técnica
definição mais atual para espasticidade foi formula- sobre a espasticidade, status de qualidade de vida
da por Pandyan et al. [7] como: “uma desordem no e funcionalidade, na paraplegia por traumatismo
controle sensório-motor, resultante de uma lesão no raquimedular.
motoneurônio superior, apresentando uma ativação
muscular involuntária intermitente ou sustentada”. Material e métodos
Os mecanismos fisiopatológicos da espasticidade
ainda não estão totalmente esclarecidos, mas existe Os instrumentos de pesquisa foram: Protocolo
um consenso que ocorre a perda das influências ini- Padrão de Classificação Neurológica da lesão me-
bitórias descendentes no controle das vias do reflexo dular da ASIA (American Spinal Injury Association),
de estiramento e alterações secundárias à plasticidade Escala de Deficiência da ASIA (Frankel Modificada),
neuronal, que propicia hiperexcitabilidade dos motoneu- Perfil de Saúde de Nottingham (PSN), Escala FIM,
rônios, liberados da modulação supra-segmentar [5]. Teste do Pêndulo, cicloergômetro Ciclomaster Embre-
Neste estudo, a Mobilização Passiva Cíclica ex®, a Escala de Ashworth Modificada – EAM (0-4),
(MPC) foi utilizada como técnica diferencial asso- Eletromiógrafo de Superfície com 4 canais Miotool
ciada à fisioterapia convencional, utilizando-se de 400 da Miotec® e Escala de Esforço Percebido de
um cicloergômetro que permite movimento cíclico Borg Modificada (0 -10).
simultâneo dos quatro membros alternadamente, O experimento foi realizado com um paciente
possibilitando assim o exercício ativo de MMSS e de 38 anos, do sexo masculino, paraplégico (nível
mobilização passiva de MMII. neurológico T1) decorrente de acidente por arma de
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 229

fogo há 3 anos. Sendo classificado como “A” (não A EAM foi utilizada para graduação da espastici-
há função motora ou sensitiva abaixo do nível da dade do músculo quadríceps femoral, com paciente
lesão) segundo a Escala de Deficiência da ASIA. em decúbito dorsal fazendo-se flexão do quadril e
Para as sensibilidades protopática e epicrítica foi joelho passivamente partindo da extensão. A EAM
utilizada a Escala da ASIA, sendo observado Zona foi graduada no início e após treinamento com ciclo-
de Preservação Parcial T3 à esquerda e T2 à direita. ergômetro em todas as sessões.
Espasticidade extensora dos joelhos grau 3 (movi- O tratamento constituiu-se de um período
mento passivo muito difícil em toda amplitude de 15 minutos de aquecimento com exercício ativo livre
movimento) bilateralmente de acordo com a EAM. de membros superiores, uma série de 8 repetições
Todos os procedimentos de avaliação e trata- para: flexão, abdução e adução de ombro, flexão e
mento foram realizados no Laboratório Núcleo de extensão de cotovelo associada a pronação e supi-
Pesquisas em Neuroreabilitação – NUPEN da Asso- nação e alongamento passivo de adutores do quadril,
ciação Catarinense de Ensino, e pelos próprios pes- reto-femoral, iliopsoas, isquiotibiais e tríceps sural.
quisadores. O programa de treinamento constitui-se Posteriormente, o paciente foi submetido a um treina-
de três sessões semanais, com duração aproximada mento com o cicloergômetro Ciclomaster Embreex®
de 60 minutos, por um período de seis semanas, (Figura 1) permanecendo numa velocidade média de
totalizando 17 sessões. O paciente foi submetido 80 rpm e carga inicial zero, por um período de 15
aos procedimentos da pesquisa após esclarecimento minutos progredindo ao longo da sessão conforme
e assinatura do termo de consentimento. evolução clínica do paciente. A sessão foi finalizada
O paciente foi submetido à avaliação da espas- com um período de 3 minutos de resfriamento com
ticidade através da EAM e eletromiografia de super- velocidade decrescente e carga zero.
fície coletada simultaneamente ao teste do pêndulo Em todos os procedimentos de avaliação e
pré-treinamento com cicloergômetro. Fazendo-se 3 treinamento foram monitorados constantemente os
repetições consecutivas do teste. sinais vitais (FC, PA, FR) e o esforço percebido pela
A eletromiografia foi captada com eletrodos de Escala de Borg Modificada (0-10).
superfície aplicados no ventre do músculo reto fe-
moral (centro do ventre), o eletrodo de referência foi Figura 1 - Cicloergômetro Ciclomaster Embreex®
colocado na espinha ilíaca ântero-superior direita. O
sinal eletromiográfico foi processado através de um
software para análise da envoltória, a qual represen-
ta o nível de contração muscular em microvolts ao
longo do tempo. Utilizou-se o valor de pico em RMS
em microvolts (μV).
O teste do pêndulo foi aplicado conforme meto-
dologia preconizada por Texeira-Salmela et al. [11]
simultaneamente a eletromiografia de superfície do
m. reto femoral. A atividade elétrica deste músculo
foi captada no pré e pós-treinamento com MPC.
Observou-se o número de oscilações do membro
inferior a partir da flexão súbita do joelho. O teste
foi realizado com paciente em decúbito dorsal,
com extensão de quadril e joelho, sendo que o
membro inferior examinado foi posicionado com
o joelho fora da maca aproximadamente 5 cm da
borda com suporte do examinador que o deixava
pendente subitamente. A perna contralateral ficou Resultados e discussão
apoiada sobre um banco em posição estática de
flexão de joelho e extensão de quadril para minimizar Os resultados indicam uma redução aguda da
os efeitos de sobrecarga na coluna vertebral. Ao espasticidade, verificada através da Eletromiografia
retirar o apoio, o examinador contou o número de de Superfície, Teste do Pêndulo e EAM.
oscilações que o membro provocou até permanecer Segundo a EAM (0 a 4), graduou-se em 3 no pré-
imóvel novamente. teste, verificando-se uma redução para grau 1 após
230 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

o treinamento durante todas as sessões. Essa re- (15 a 41 minutos). Embora exista relato na literatura
dução foi confirmada por relatos do próprio paciente [13] indicando que em sujeitos normais o aumento
referindo relaxamento dos membros inferiores logo da velocidade na MPC induza uma maior inibição do
que cessado o treinamento com cicloergômetro. reflexo H, conseqüentemente da hiperexcitabilidade
Segundo ele, tais efeitos persistiam por um período da unidade motora, não se pode inferir os mesmos
de no máximo 24 horas. efeitos em pacientes espásticos.
Durante o treinamento com cicloergômetro o
Gráfico I - Eletromiografia de Superfície do Reto- paciente nunca alcançou índices extenuantes de fa-
Femoral realizada em Agosto-Setembro de 2005. diga, em média o índice de esforço máximo percebido
30 pela Escala de Borg Modificada foi graduado numa
intensidade de 7 (muito forte).
20,6 O protocolo de tratamento demonstrou uma
Microvolts (μV)

19
20 redução aguda na espasticidade podendo ser veri-
ficada em todas as sessões de tratamento após a
13
10,6 MPC. O mecanismo dessa redução da espasticidade
10 pode ser devido a uma diminuição da hiperexcitabili-
dade dos motoneurônios alfa, e ainda que, durante
a MPC, estímulos aferentes provenientes de fusos
0 musculares ou receptores cutâneos, façam uma
Direita Esquerda
inibição pré-sináptica, reduzindo excitabilidade das
Pré-Teste Pós-Teste vias eferentes dos motoneurônios alfa, entretanto
mecanismos pós-sinápticos sobre os componentes
viscoelásticos do músculo não devem ser descarta-
No Gráfico I observa-se que o pico máximo de dos [13,14].
atividade elétrica registrada no músculo reto femoral Cheng et al. [14] relataram que no movimento
ao se realizar o teste do pêndulo apresentou redução passivo da perna em indivíduos saudáveis ocorre
de 49% no pós-teste no membro inferior direito e de inibição cruzada velocidade-dependente na perna
32% no membro inferior esquerdo. O pico máximo contralateral que se mantinha estática em extensão,
de atividade elétrica reflete o reflexo de estiramento sugerindo que esta inibição seria decorrente de
quando da primeira queda do membro inferior. Este inibição pré-sináptica dos motoneurônios espinhais
estiramento ocorre quando a perna cai em flexão no durante a ativação de vias centrais generalizadas,
teste do pêndulo, e poderia ser detectado de forma descartando o envolvimento de inputs descendentes
semelhante com a batida do martelo de reflexo, na inibição cruzada tônica. Descargas provenientes
porém, nesse procedimento os resultados poderiam de fusos musculares são responsáveis pela inibição
ser alterados conforme a intensidade da percussão ipsilateral da perna, podendo sugerir uma complexa
feita pelo examinador. transformação do movimento associado ao influxo
A média do número de oscilações dos membros sensorial oriundo da medula ou do cérebro. Re-
inferiores no teste do pêndulo foi no pré-teste de sultados semelhantes foram encontrados por Brooke
4,3 oscilações, aumentando para 8,7 oscilações no et al [15] monitorando o reflexo H no movimento de
pós-teste, em ambos os membros. Esse aumento pedalar reverso dos membros inferiores.
do número de oscilações reflete uma redução da Nesta pesquisa a EAM não possibilitou detectar
espasticidade dos músculos flexores e extensores pequenos graus de flutuações da espasticidade,
do joelho. Para Greve [12] quanto maior a espastici- pois, embora pode se observar a espasticidade
dade, menor o número de oscilações, podendo, em presente em ambos os membros inferiores, havia
graus extremos, o membro permanecer em posição predominância no membro inferior esquerdo, a
de extensão total, ou seja, ficar estático. A oscilação graduação segundo a EAM foi a mesma para dois
no teste do pêndulo é reduzida no músculo espástico, membros inferiores (grau 3).
sendo freada pelos componentes viscoelásticos do A avaliação do tônus muscular se torna difícil
tecido [11]. se apenas uma interpretação subjetiva baseada em
Neste estudo não se observou diferença na gra- movimentos passivos for utilizada. Escalas clínicas,
duação da espasticidade em relação a variações na como a Escala de Ashworth podem não ser sensí-
velocidade (85 a 105 rpm), carga (0 a 60) ou tempo veis suficientes para detectar alterações discretas
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 231

do tônus muscular. O teste do pêndulo e a EMG 5. Mayer N. Clinicophysiologic concepts of spasticity


permitem detectar alterações mínimas no tônus and motor dysfunction in adults with an uuper
motoneuron lesion. In spasticity: etiology, evaluation,
que não seriam possíveis pelo método de Ashworth management and role of botulinum toxin. New-York:
[11]. A correlação entre a EAM e Eletromiografia de We move; 2002.
Superfície demonstrada nesta pesquisa, também já 6. Barnes M. Spasticity: a rehabilitation challenge in the
foi verificada por Sköld [16,17]. elderly. Gerontology 2001;47:295-9.
7. Pandyan AD, Gregoric M, Barnes MP et al.
O programa de treinamento com cicloergômetro
Spasticity: clinical perceptions, neurological realities
não influenciou a qualidade de vida e funcionalidade and meaningful measurement. Disabil Rehabil
do paciente, quando verificadas pelo PSN (14 de 38 2005;27:2-6.
pontos) e Escala FIM (independência total - níveis 8. Nascimento APC. Projeto e Desenvolvimento de
um Cicloergômetro para Membros Superiores e
6 e 7).
Inferiores. [Dissertação] São Carlos: UFScar; 2004.
9. Edwards DJ, Thickbroom, GW. Reduced corticomotor
Conclusão excitability with cyclic passive movement: a study
using transcranial magnetic stimulation. Hum Mov
Os achados encontrados nesta pesquisa su- Science 2002;21:533-40.
10. Willoughby DS, Priest JW, Nelson EM. Expression of
gerem que o programa de treinamento utilizando a the stress proteins, ubiquitin, heat shock protein 72,
MPC em um paciente paraplégico por TRM promoveu and myofibrillar protein content after 12 weeks of leg
redução aguda da espasticidade quando analisada cycling in persons with spinal cord injury. Arch Phys
pela EMG, EAM e Teste do Pêndulo. Med Rehabil 2002;83:649-54.
11. Texeira-Salmela LF et al. Pêndulo: um teste simples
O baixo custo e a segurança na realização dos de medida de espasticidade. Acta Fisiátr 2002;9:63-
procedimentos envolvendo a MPC devem encorajar 70.
pesquisadores e clínicos no uso desta técnica. 12. Greve JMD, Casalis MEP, Barros Filho TEP.
Estudos neurofisiológicos devem ser utilizados Diagnóstico de tratamento da lesão da medula
espinhal. São Paulo: Roca; 2001.
em outras pesquisas envolvendo a MPC, melhorando 13. Miziaszek JE, Cheng J, Brooke JD, Staines WR.
a compreensão dos mecanismos que levam às alte- Moviment-induced modulation of soleus H reflexes
rações observadas e também o tempo de retenção with altered length of biarticular muscles. Brain Res
dos resultados obtidos. 1998;795: 25-36.
14. Cheng J, Brooke JD, Misiaszek JE et al. Crossed
inhibition of the soleus H reflexes during passive
Referências pedalling movement. Brain Res 1998;779:280-4.
15. Brooke JD, Dukelow SP, Adamo KB et al. H-reflex
1. Umphred DA. Fisioterapia neurológica. 2 ed. São modulation during reverse passive pedalling. J
Paulo: Manole; 1994. Electromyogr Kinesiol 1996;6:111-6.
2. Lance JW. Pyramidal and extrapyramidal disorders, In 16. Sköld C et al. Simultaneous ashworth measurements
Shahani DT, ed. Eletromyography in CNS disorders: and electromyographic recordings in tetraplegic
central EMG, Boston: Butterworth; 1984. patients. Arch Phys Med Rehabil 1998;79:959-65.
3. Young R. Spasticity: a review. Neurology 1994;44:12- 17. Sköld C. Spasticity in spinal cord injury: self-
20. and clinically rated intrinsic fluctuations and
4. Meythaler JM. Concept of spastic hypertonia. Phys intervetion-induced changes. Arch Phys Med Rehabil
Med Rehabil Clin 2001;12:725-32. 2000;81:144-9.
232 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

Revisão

Progressive muscular dystrophies


and involvement of central nervous system
Distrofias musculares progressivas
e envolvimento do sistema nervoso central
Gisiane de Bareta de Mathia*, Franciani Rodrigues**, Beatriz Naspolini Silvestri**,
Gaspar Rogério da Silva Chiappa, D.Sc.*, Lisiane Tuon, D.Sc.*

Abstract
The muscular dystrophies (MDs) are an heterogeneous group of inherited disorders char-
acterized by progressive skeletal muscle degeneration. Duchennetype muscular dystrophy,
the Limb Girdle dystrophy, Facioscapulohumeral muscular dystrophy (FSHD) and Myotonic
dystrophy type 1 are the most comum forms of dystrophies. The dystrophinopathies are
X-linked recessive disorders caused by dystrophin deficiency. The dystrophin is a protein
that is located at the inner-cell membrane in both, muscle and brain cells, in association
with a membrane-bound cytoskeletal protein complex known as the dystrophin-associated
proteins, or DAPs. Duchenne muscular dystrophies patients display a range of cognitive
deficits including memory impairments, which have been attributed to the lack of dystrophin
in brain structures involved in cognitive functions, such as the hippocampus and neocortex.

Key-words: dystrophinopathies, dystrophin-associated proteins, cognitive functions.

Resumo
As distrofias musculares (DM) são um grupo heterogêneo de doenças hereditárias
caracterizadas por progressiva degeneração esqueleto-muscular. A distrofia muscular
de Duchenne, a distrofia muscular de cintura, a distrofia muscular fascioscapulohumeral
e a distrofia miotônica de tipo 1 são as formas mais comuns de distrofias. As distro-
finopatias são doenças recessivas ligada ao cromossomo X causadas pela deficiência
de distrofina. A distrofina é uma proteína que se localiza na face interna da membrana
celular das células musculares e cerebrais, em associação com um complexo de proteí-
nas citoesqueletal conhecida como as proteínas associadas à distrofina. Os pacientes
com distrofia muscular de Duchenne apresentam uma variedade de déficits cognitivos,
incluindo déficits de memória, que têm sido atribuídos à falta de distrofina em estruturas
*Physioterapist, Postgraduate Pro- cerebrais envolvidas nas funções cognitivas, tais como o hipocampo e o neo-córtex.

gram in Health Sciences, University


Palavras-chave: distrofinopatias, proteínas associadas à distrofina, funções cognitivas.
of Extreme South of Santa Catarina,
Criciúma/SC, Brazil, **Physiotera-
pist, University of Extreme South of
Santa Catarina

Correspondência: Lisiane Tuon


University of Extreme South of Santa
Catarina 88806-000 Criciúma SC
Brazil, E-mail: ltb@unesc.net
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 233

Introduction subtypes have been identified [8]. Facioscapulohu-


meral muscular dystrophy (FSHD) is a dominantly
The muscular dystrophies (MDs) are an hetero- inherited dystrophy, with a prevalence of 1:20,000
geneous group of inherited disorders characterized [9]. FSHD is characterized by onset of weakness in
by progressive skeletal muscle degeneration. The an initially restricted and characteristic distribution,
clinical presentation of these disorders displays a starting with facial weakness, which is often mild and
broad spectrum of variability such as the degree and symptomatic, and followed sequentially by scapular
distribution of skeletal muscle involvement, cardiac/ fixator, humeral, truncal, and lower-extremity weak-
pulmonary involvement, age of onset, rate of progres- ness. The commonest initial symptom is the difficulty
sion, and mode of inheritance [1]. The diagnosis is to reach above shoulder level, related to weakness
often performed by examination of a muscle biopsy of the scapular fixators. The clinical severity is wide
though in many cases genetic testing can be em- ranging, from asymptomatic individuals to individuals
ployed. Histologically, muscle biopsies may present who are wheelchair – dependent. Extraocular and
with an increased number of myofibers with centrally bulbar muscles are typically spared in FSHD, and
located nuclei, an abnormally large of an enhanced symptomatic respiratory weakness occurs in only
degenerative and regenerative response, and in ad- approximately 1% of affected individuals [10]. FSHD
vanced cases replacement of myofibers with adipose, results from a deletion of a repetitive element on
and connective tissue, in large part due to the loss of 4q35 known as D4Z4. In healthy individuals, the
regenerative potential of dystrophic muscle fibers [2]. D4Z4 repeat consists of 11 to 100 D4Z4 repeats,
The dystrophinopathies are X-linked recessive each 3.3kb in size [11]. Clinical diagnosis of FSHD
disorders caused by dystrophin deficiency. Since the can be made with relative certainty in most patients
discovery of the dystrophin gene and protein over 18 given the distinctive pattern of muscular involvement
years ago [3,4] more than 30 different forms of mus- within the setting of an autosomal dominant family
cular dystrophy have been molecularly identified [5]. history. The diagnosis is confirmed with molecular
Duchennetype muscular dystrophy (also known diagnosis, bypassing the need for muscle biopsy in
as Meryon’s disease) is the commonest form of most instances. Standard molecular testing for FSHD
dystrophy; it is inherited as an X linked recessive demonstrates the presence of a contraction of the
trait and therefore predominantly affects boys. It is D4Z4 repeats in one copy of 4q35 [12].
a serious condition with progressive muscle wasting Myotonic dystrophy type 1 (MD1) is the most
and weakness which causes most boys to start using common muscular dystrophy in adults, affecting
wheelchairs by age 12 and to die in their 20s. Up approximately 1 in 7400.1 Inheritance is autosomal
to a third of boys with Duchennetype dystrophy have dominant and results from a CTG repeat expansion in
some degree of intellectual impairment, and in severe the 3= untranslated region of the MD protein kinase
cases special schooling may have to be considered. gene (DMPK) on chromosome 19q.2. The severity
Beckertype muscular dystrophy is clinically similar of disease is proportional to the size of the expan-
but milder, with onset in the teenage years or early sion. The number of repeats tends to increase from
20s. Loss of the ability to walk may occur later and generation to generation, accounting for the genetic
many individuals with Beckertype dystrophy survive anticipation characteristic of this disease. As with
into middle age and beyond [6]. The Duchenne mus- several other types of muscular dystrophy, disease
cular dystrophy affects approximately 1 in 3500 boys in MD1 is not limited to skeletal muscle. Instead it
whereas Becker muscular dystrophy is milder and is a multisystemic disorder that includes myotonia,
affects 1 in 30000 boys [7]. progressive weakness, muscle wasting, insulin resis-
The limb girdle muscular dystrophy has turned tance, cardiac conduction defects, neuropsychiatric
out to be a clinically and genetically heterogeneous symptoms, gonadal atrophy, and early cataracts [13].
group of conditions. Less than 10% of cases are The dystrophin is a 427-kDa protein responsible for
inherited as an autosomal dominant trait (type 1) and the early onset X-linked genetic disease, Duchenne
are relatively mild. One subtype (1B) may be allelic to muscular dystrophy (DMD).
autosomal EmeryDreifuss dystrophy. All other cases The protein is located at the inner-cell membrane
are inherited as autosomal recessive traits (type 2) in both, muscle and brain cells, in association with a
affecting both males and females; type 2 is often membrane-bound cytoskeletal protein complex known
more severe and resembles Duchennetype dystrophy. as the dystrophin-associated proteins, or DAPs [7].
At least three dominant subtypes and eight recessive Brain dystrophin is enriched in the postsynaptic den-
234 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

sities of pyramidal neurons [14], specialized regions the initial and delayed memory consolidation in the
of the subsynaptic cytoskeletal network that are hippocampus, amygdala and cortical areas. These
critical for synaptic transmission and plasticity. DMD systems regulate the formation of the short-term me-
patients display a range of cognitive deficits including mory separately from long-term memory frequently in
memory impairments, which have been attributed to opposite directions [24,25]. All this considered, the
the lack of dystrophin in brain structures involved in formation of memory involves a series of biochemical
cognitive functions, such as the hippocampus and events in some areas of the central nervous system
neocortex [15]. mainly in the hippocampus [21]. Memory damage
With regard to this review, there is a discussion seems to be directly dependent from processes
about the clinical presentation and underlying pa- likely in the hippocampus and consequently related
thophysiology of the dystrophyn protein complex and to cognitive incapacities [26,27].
cognitive impairment associated with Progressive
muscular dystrophies. Cognitive impairment and progressive
muscular dystrophies
Neurobiological mechanisms of the cognitive
impairment DMD patients suffer from progressive muscle
degeneration, it is well established and their nonpro-
The neurobiological mechanisms that enclose gressive cognitive deficits are not secondary to the
the memory formation and consolidation includes muscular handicap [15]. The progression of muscle
the synthesis of proteins for the consolidation in weakness is very slow in the mutant Dmd mdx mou-
the first hours after acquisition [16]. Studies shows se compared to DMD patients due to compensatory
that levels of mRNA in hippocampus, glycoprotein mechanisms, and only minor motor deficits, if any,
and synthesis of proteins presented two peaks after are detected in the mutants during their first year
the acquisition of new memories: the first one about of life. The available data suggest that the memory
one hour and the second one between three and six impairments cannot be simply attributed to muscle
hours after acquisition, in rats [17,19]. Some studies pathology, and that the memory deficits in mdx mice
in human beings and animals have demonstrated do not progress with age, at least within the first 6
that the formation of the memory is facilitated by months [28]. As such, the absence of dystrophin may
an endogenous modulatory system, mediated for have important consequences for membrane integrity,
the hormone release during the stress and for the ion channel physiology, cellular signal integration and
activation of amygdala. This system is adaptative structural reorganisation of the synapse [29].
in evolutive terms, allowing the reinforcement of
important memories for the survival. In conditions of Oxidative stress
emotional stress, this exactly system can lead the
formation of memories lived and also lasting [20]. In Studies strongly support the notion of the impor-
the initial phase of the consolidation, the modulatory tance of oxidative stress in dystrophinopathies. Free
systems probably regulate processes underlying radical injury to sarcolemma may contribute to changes
neural plasticity, which include activation of NMDA of its integrity [30]. There is an increasing evidence
receptors (N-methyl-D-aspartic acid) in hippocampus, that the degenerative processes in dystrophic muscles
amygdala and other cerebral areas [21]. From three to may be due to oxidative stress. An imbalance of free
six hours after the acquisition, mechanisms involving radicals synthesis and the antioxidant capacity may
beta adrenergic, 5HT-1A (Serotonin Receptor Type A) contribute to the necrotic process [31]. The significan-
and D1/D5-dopaminergic receptors in CA1 region of ce and precise extent of the oxidative stress contri-
dorsal hippocampus, entorhinal cortex and posterior bution is, however, poorly understood. Free radicals
parietal cortex - but not in amygdala, regulate the sto- are produced in the course of different physiological
rage of the long-term memory through the regulation processes. Their action should be limited by several
of adenylate cyclase and, therefore, indirectly by the defense mechanisms [32]. Free radicals are known to
activity of the adenosine monophosphate-activated be responsible for chemical and molecular damage of
protein kinase [22,23]. The transduction signal by DNA, nucleotides, proteins, lipids, carbohydrates and
intracellular signaling pathways, including the protein cell membrane structure [33].
kinase A (PKA), protein kinase C (PKC), and mitogen- The increased action of oxidative stress in
activated protein kinase (MAPK) is also involved in Duchenne’s dystrophy is indicated by:
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 235

1. Increased in excretion of 8-hydroxy-2’-deoxygua- showed the first evidence of oxidative variables and
nosine, indicating oxidative damage of DNA [34]; antioxidants enzymes in the mdx mouse brain tissue.
2. Changes in proteins [35-38], enhanced lipid pero- It seems that the increase in superoxide dismutase
xidation [35,39-41] and induction of antioxidant activity may be playing an important protective role
enzymes [39,40,42]. against oxidative stress injury, paradoxally to the fact
3. Similarities between changes in Duchenne’s dys- that in situations which superoxide dismutase levels
trophy and such conditions as ischemia, exhausti- are increased without a concomitant catalase increa-
ve exercise, and vitamin E deficiency [30,31,43]. se, as seen in our results, the intermediate product
4. Increase in sensitivity of dystrophin-deficient cells hydrogen peroxide may accumulate and generate
to injury from oxidative stress [44]. hydroxyl radicals, which may lead to lipid and protein
5. Lipofuscin accumulation in dystrophic muscle oxidation (damage) [51].
[45]. Further studies are necessary to help elucidating
the possible physiopathology mechanism of oxidative
The brain dystrophin is abundant in the hippo- stress and antioxidants defense in mdx mouse brain.
campus and absent in other subcortical areas [14].
Previous investigations showed that the mutant mdx BDNF
mouse, lacking the full-length dystrophin, exhibits
moderate and task-specific disturbances in learning The neurotrophin brain-derived neurotrophic fac-
and memory [46]. At cellular level, the absence of tor (BDNF) is a member of the neurotrophin family and
dystrophin in mdx mouse causes altered calcium the most widespread growth factor in the brain. BDNF
homeostasis and hippocampal neuronal function has many functions in the adult brain as a regulator
[47], specific alterations of hippocampal long-term of neuronal survival, fast synaptic transmission, and
potentiation, critical for memory formation [48]. In activity-dependent synaptic plasticity [54].
a previous study, it was examined the antioxidant In a study that investigated BDNF protein levels
enzymes status and measured lipid peroxidation of in prefrontal cortex, cerebellum, hippocampus, stria-
both, affected and spared muscles obtained from tum and cortex of dystrophindeficient mdx mouse, as
mdx mice and their control strain counterpart [49]. compared to normal mouse controls [55].
These data suggest that oxidative stress may be This study showed that only striatum presented
constitutively present in mdx muscle, but may not low levels of BDNF compared with mouse control [55].
be the principal pathogenic mechanism. The brain The striatum is highly innervated by BDNF-releasing
is particularly vulnerable to reactive oxygen species synapses. BDNF is delivered to the striatum via ac-
(ROS) production because it metabolizes 20% of total tivity-dependent anterograde release from excitatory
body oxygen and has a limited amount of antioxidant corticostriatal axons. Diminished striatal volumes
capacity [50]. and behavioural abnormalities are characteristic in
In a study that investigated oxidative stress striatal dysfunction caused for alterations in levels of
parameters and enzyme activities in prefrontal, BDNF [56]. The striatum did not present high levels
cerebellum, hippocampus, striatum and cortex of of dystrophin, but it participates of the distribution
dystrophin-deficient mdx mouse, compared to normal of cortical memory together with the cerebellum,
mouse controls [52]. It was demonstrated that mdx through two major cortical afferent pathways. These
mice showed: (1) reduced lipid peroxidation (striatum) pathways relay information from peripheral receptors
and protein peroxidation (cerebellum and prefrontal); and higher cerebral cortical centers, receive afferent
(2) increased superoxide dismutase activity (cere- inputs from the cerebral cortex, striatum, red nucleus
bellum, prefrontal, hippocampus and striatum); and and brainstem reticular formation and send axonal
(3) reduced catalase activity (striatum) [51]. It was afferents via climbing fiber pathways to form sparse
demonstrated that oxidative stress is a potential synaptic contacts at proximal sites on Purkinje cell
pathogenetic factor which may determine the severity dendrites. These two pathways process and relay
of pathological changes in dystrophic muscle [52]. informational signals from the external environment
Evidence has accumulated that oxidative stress may and distributed cortical memory retention and from
play either a primary or secondary role in the dege- internal autonomicrhomeostatic and proprioceptive
nerative process in muscular dystrophy [49]. Ano- sources, respectively [14]. In this regard, the BDNF
ther disease models, such as depression, present function is associated with synaptic function and
altered oxidative stress parameters [53]. This study plasticity [57]. Also, normal BDNF levels in the brain
236 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

are essential to the maintenance of normal learning saries for clarified the aspects involving the CNS and
and memory function by a process referred to as Progressive muscular dystrophies.
synaptic consolidation. Recent studies showed that
reductions in BDNF levels have been reported in a Acknowledgments
number of neurodegenerative diseases or associated
models [58]. However, there are no evidences of how We would like to thank UNESC (Brazil), Human
the dystrophin may be affecting the BDNF levels in Genome Research Center, USP (Brazil) and CNPq
striatum. This study showed the first evidence that (Brazil) that supported the studies of our group that
dystrophin deficiency may be affecting BDNF levels in are cited in this review.
striatum and may be contributing, in part, in memory
storage and restoring [55]. References
Mitocondrial chain 1. Bischoff R. Engel AG, Franzini-Armstrong C, Myology.
New York: McGraw-Hill; 1991.
2. Odom GL, Gregorevic P, Chamberlain JF. Viral-
The impairment in energy production caused mediated gene therapy for the muscular dystrophies:
by mitochondrial dysfunction have present in some Successes, limitations and recent advances.
psychiatric diseases such as dementia, cerebral Biochim Biophys Acta 2007;1772(2):243-62.
ischemia, Alzheimer’s and Parkinson’s diseases, 3. Koenig M, Hoffman EP, Bertelson CJ, Monaco AP,
Feener C, Kunkel LM. Complete cloning of the
all culminating in cognitive impairment. The mito- Duchenne muscular dystrophy (DMD) cDNA and
chondrial respiratory chain is responsible for the preliminary genomic organization of the DMD gene in
oxidative phosphorylation, where more cells obtain normal and affected individuals. Cell 1987;50:509-
energy. Tissues with high-energy demands, such as 17.
4. Hoffman EP, Brown RH Jr, Kunkel LM. Dystrophin: the
the brain, contain a large number of mitochondria, protein product of the Duchenne muscular dystrophy
being therefore, more susceptible to reduction of the locus. Cell 1987;51:919-28.
aerobic energy metabolism [59]. The alteration in 5. Cohn RD, Campbell KP. Molecular basis of muscular
mitochondrial function could decrease ATP production dystrophies. Muscle Nerve 2000;23:1456-71.
6. Emery AEH. The muscular dystrophies. BMJ
and elevate creatine kinase activity, which works as 1998;317(10).
an effective buffering system of cellular ATP levels. 7. Blake JB, Köger S. The neurobiology of Duchenne
It catalyzes the reversible transfer of the phosphoryl muscular dystrophy: learning lessons from muscle?
group from phosphocreatine to ADP, regenerating Trends Neuroscience 2000;23:92-9.
8. Walton JN. Muscular dystrophy: some recent
ATP [60]. Some psychiatric diseases, associated with
advances in knowledge. BMJ 1964;12714.
cognitive impairment, present impairment of energy 9. Padberg GW. Facioscapulohumeral disease [Thesis].
production caused by mitochondrial dysfunction. This Leiden, The Netherlands: University of Leiden; 1982.
study investigated mitochondrial respiratory chain and 10. Wohlgemuth M, van der Kooi EL, van Kesteren
RG, van der Maarel SM, Padberg GW. Ventilatory
creatine kinase (CK) activities in mdx mouse brain. It
support in facioscapulohumeral muscular dystrophy.
was observed, in all brain structures, a decrease in Neurology 2004;63:176-8.
complex I, but not in complex II activities, increases 11. Wijmenga C, Hewitt JE, Sandkuijl LA et al.
in complex III activity in cortex, in complex IV activity Chromosome 4q DNA rearrangements associated
in prefrontal and striatum. CK activity was increased with facioscapulohumeral muscular dystrophy. Nat
Genet 1992;2:26-30.
in hippocampus, prefrontal, cortex and striatum. In 12. Orrell RW, Tawil R, Forrester J, Kissel JT, Mendell
conclusion, the results showed a dysfunction in mi- JR, Figlewicz DA. Definitive molecular diagnosis
tochondrial respiratory chain activity and an increase of facioscapulohumeral dystrophy. Neurology
in creatine kinase activity in the brain of mdx mouse. 1999;52:1822-6.
13. Brook JD, McCurrach ME, Harley HG et al.
This increase in creatine kinase activity can be a Molecular basis of myotonic dystrophy: expansion
protector effect against cellular damage [61]. of a trinucleotide (CTG) repeat at the 3= end of a
transcript encoding a protein kinase family member
Conclusion Cell 1992;68:799-808.
14. Lidov HG, Byers TJ, Watkins SC, Kunkel LM.
Localization of dystrophin to postsynaptic regions
The mechanisms involved in central nervous sys- of central nervous system cortical neurons. Nature
tem in progressive muscular dystrophies patients are 1990;348:725-8.
far from being perfectly understood. Further studies 15. Anderson JL, Head SI, Rae C, Morley JW. Brain
function in Duchenne muscular dystrophy. Brain
involving especially cognitive impairment are neces-
2002;125:4-13.
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 237

16. Quevedo J, Vianna MRM, Roesler R et al. Two 35. Hunter M, Ian S, Mohamed JB. Plasma antioxidants
time windows for anisomycininduced amnesia for and lipid peroxidation products in Duchenne muscular
inhibitory avoidance training in rats: protection from dystrophy. Clin Chim Acta 1986;255:123-32.
amnesia by pretaining but not pre-exposure to the 36. Haycock JW, MacNeil S, Jones PJ, Harris JB, Mantle
task apparatus. Learn Mem 1999;6:600-7. D. Oxidative damage to muscle protein in Duchenne
17. Matthies H. Plasticity in the nervous system: an muscular dystrophy. Neuro Report 1996;8:357-61.
approach to memory research. In: Ajmone-Marsan 37. Haycock JW, MacNeil S, Jones PJ, Harris JB,
C, Matthies H, eds. Neuronal plasticity and memory Mantle D. Differential protein oxidation in Duchenne
formation.New York: Raven Press; 1982. p.1-15. and Becker muscular dystrophy. Neuro Report
18. Rose SPR. Cell-adhesion molecules, glucocorticoids 1998;9:2201-7.
and long-term memory formation. Trends Neurosci 38. Niejrob-Dobroz I, Fidzianska A, Hausmanowa-
1995;18:502-6. Petrusewicz I. Oxidative damage to muscle proteins
19. Alkon DL, Epstein H, Kuzirian A et al. Protein in dystrophinopathies. Acta Myol 2002;21:12-7.
synthesis required for long-term memory is induced 39. Kar NC, Pearson CM. Catalase, superoxide
by PKC activation on days before associate learning. dismutase, glutathione reductase and thiobarbituric
Proc Natl Acad Sci USA 2005;102:16432-7. acide-reactive products in normal and dystrophic
20. Quevedo J, Sant’Anna MK, Madruga M, et al. human muscle. Clin Chim Acta 1979;94:277-80.
Differential effects of emotional arousal in short- and 40. Matkovics B, Laszlo A, Szabo L. A comparative
long-term memory in healthy adults. Neurobiol Learn study of superoxide dismutase, catalase and lipid
Mem 2003;79:132-5. peroxidation in the red blood cells from muscular
21. Izquierdo I, Medina JH. Memory formation: the dystrophy patients and normal controls. Clin Chim
sequence of biochemical events in the hippocampus Acta 1982;118:289-92.
and its connection to activity in other brain structures. 41. Rasgua RJ, Chow CK, Porter JD. Oxidative stress as a
Neurobiol Learn Mem 1997;68:285-316. potential pathogenic mechanism in animal model of
22. Ardenghi P, Barros DM, Izquierdo LA et al. Late and Duchenne muscular dystrophy. Neuromuscul Disord
prolonged memory modulation in entorhinal and 1997;7:379-80.
parietal cortex by drugs acting on the camp/protein 42. Mechler F, Imre S, Dioszeghy P. Lipid peroxidation
kinase. A signaling pathway. Behav Pharmacol and superoxide dismutase activity in muscle and
1997;8:745-51. erythrocytes in Duchenne muscular dystrophy. J
23. Bevilaqua L, Ardenghi P, Schroder N et al. Drugs Neurol Sci 1984; ?
that influence the cyclic adenosine monophosphate/ 43. Irintchev A, Wernig A. Muscle damage and repair
protein kinase. A signaling patway alter memory in voluntarily running mice: strain and muscle
consolidation when given late after training into rat differences. Cell Tissue Res 1987;249:509-21.
hippocampus but not amygdala. Behav Pharmacol 44. Del’Innocenti D, Pieri A, Rosati F, Ramponi G.
1997;8:331-8. Oxidative stress and calcium homeostasis in skin
24. Walz R, Rockenbach IC, Amaral OB et al. MAPK and fibroblasts. IUBMB Life 1999;48:391-6.
memory. Trends Neurosci 1999;22:495. 45. Nakae Y, Stoward PJ, Kashiyama T et al. Early onset
25. Walz R, Roesler R, Quevedo J et al. Time-dependent of lipofiscin accumulation in dystrophin-deficient
impairment of inhibitory avoidance retention in skeletal muscle of DMD patients and mdx mice. J
rats by posttraining infusion of a mitogen-activated Mol Histol 2004;35:489-99.
protein kinase kinase inhibitor into cortical and limbic 46. Vaillend C, Ungerer A. Behavioral characterization
structures. Neurobiol Learn Mem 2000;73:11-20. of mdx3cv mice deficient in C-terminal dystrophins.
26. Squire LR, Zola-Morgan S. The medial temporal lobe Neuromuscul Disord 1999;5:296-304.
memory system. Science 1991;20:1380-6. 47. Mehler MF, Haas KZ, Kessler JA, Stanton PK.
27. Jorrard LD. What does the hippocampus really do? Effect of hypoxia on evoked responses in cerebellar
Behav Brain Res 1995;71:1- 10. Purkinje cells of the mdx mouse. Proc Natl Acad Sci
28. Vaillend C, Rampon C, Davis S, Laroche S. Gene USA 1992;89:2461-5.
control of synaptic plasticity and memory formation: 48. Vaillend C, Rampon C, Davis S et al. Gene control
implications for diseases and therapeutic strategies. of synaptic plasticity and memory formation:
Curr Mol Med 2002;2:613-28. implications for diseases and therapeutic strategies.
29. Mehler MF. Brain dystrophin, neurogenetics and Curr Mol Med 2002;2:613-28.
mental retardation. Brain Res Rev 2000;32:277-307. 49. Ragusa RJ, Chow CK, Porter JD. Oxidative stress as a
30. Murphy ME, Kehrer JP. Oxidative stress and muscular potential pathogenic mechanism in an animal model
dystrophy. Chem Biol Interact 1989;69:101-68. of Duchenne muscular dystrophy. Neuromuscul
31. Mendell JR, Engel WK, Derrer EC. Duchenne Disord 1990;7:379-86.
muscular dystrophy: functional ischemia reproduces 50. Floyd RA. Antioxidants, oxidative stress, and
characteristic lesions. Science 1971;172:1143-5. degenerative neurological disorders. Proc Soc Exp
32. Woodford FP, Withehead TP. Is measuring serum Biol Med 1999;222:236-45.
antioxidant capacity clinically useful. Ann Clin 51. Comim CM, Cassol Jr OJ, Constantino LC et al.
Biochem 1998;35:48-56. Oxidatives variables and antioxidants enzymes
33. Slater TF. Free-radical mechanisms in tissue injury. activities in the mdx mouse brain. Neurochem Int
Biochem J 1984;222:1-15. 2009;55(8):802-5.
34. Rodriguez MC, Tarnopolsky MA. Patients with 52. Niejrob-Dobroz I, Hausmanowa-Petrusewicz I. The
dystrophinopathy show evidence of increased oxidative involvement of oxidative stress in determining
stress. Free Rad Biol Med 2003;9:1217-20. the severity and progress of pathological process
238 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

in dystrophin-deficient muscles. Acta Biol Pol 57. Allen SJ, Dawbarn D. Clinical relevance of the
2005;52:449-52. neurotrophins and their receptors, Clin Sci 2006
53. Lucca G, Comim CM, Valvassori SS et al. Effects of 110:175-91.
chronic mild stress on the oxidative parameters in 58. Egan MF, Weinberger DR,Lu B. Schizophrenia III:
the rat brain. Neurochem Int 2009;54:358-62. brain-derived neurotropic factor and genetic risk. Am
54. Hashimoto K, Shimizu E, Iyo M, Critical role of brain- J Psychiatry 2003;160:1242.
derived neurotrophic factor in mood disorders. Brain 59. Heales SJ, Bolaños JP, Stewart VC, Brookes PS,
Res. Brain Res. Rev 2004;45:104-14. Land JM, Clark JB. Nitric oxide, mitochondria
55. Comim CM, Tuon L, Stertz L, Vainzof M, Kapczinski and neurological disease. Biochim Biophys Acta
F, Quevedo JL. Striatum brain-derived neurotrophic 1999;1410:215-28.
factor levels are decreased in dystrophin-deficient 60. Wyss M, Kaddurah-Daouk R. Creatine and creatinine
mice. Neuroscience Letters 2009; 459:66-8. metabolism. Physiol Rev 2000;3:1108-82.
56. Gokce O, Runne H, Kuhn A, Luthi-Carter R. Short-term 61. Tuon L, Comim CM, Fraga D. Mitochondrial respiratory
striatal gene expression responses to brain-derived chain and creatine kinase activities in mdx mouse
neurotrophic factor are dependent on MEK and ERK brain. Muscle Nerve 2010;41(2):257-60.
activation, PLoS One 2009;4:5292.
Instruções aos autores

A revista Neurociências é uma publicação com periodicidade 3. Revisão


bimestral e está aberta para a publicação e divulgação de artigos São trabalhos que expõem criticamente o estado atual
científicos das várias áreas relacionadas às Neurociências. do conhecimento em alguma das áreas relacionadas às neu-
Os artigos publicados em Neurociências poderão também rociências. Revisões consistem necessariamente em síntese,
ser publicados na versão eletrônica da revista (Internet) assim análise, e avaliação de artigos originais já publicados em
como em outros meios eletrônicos (CD-ROM) ou outros que revistas científicas. Todas as contribuições a esta seção que
surjam no futuro. Ao autorizar a publicação de seus artigos na suscitarem interesse editorial serão submetidas a revisão por
revista, os autores concordam com estas condições. pares anônimos.
A revista Neurociências assume o “estilo Vancouver” (Uni- Formato: Embora tenham cunho histórico, revisões não
forme requirements for manuscripts submitted to biomedical expõem necessariamente toda a história do seu tema, exceto
journals) preconizado pelo Comitê Internacional de Diretores de quando a própria história da área for o objeto do artigo. O texto
Revistas Médicas, com as especificações que são detalhadas deve conter um resumo de até 200 palavras em português e
a seguir. Ver o texto completo em inglês desses Requisitos outro em inglês. O restante do texto tem formato livre, mas
Uniformes no site do International Committee of Medical Journal deve ser subdividido em tópicos, identificados por subtítulos,
Editors (ICMJE), www.icmje.org, na versão atualizada de outubro para facilitar a leitura.
de 2007 (o texto completo dos requisitos está também disponível, Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada
em inglês, no site de Atlântica Editora em pdf). e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 25.000 car-
Submissões devem ser enviadas por e-mail para o editor acteres, incluindo espaços.
(artigos@atlanticaeditora.com.br). A publicação dos artigos é Figuras e Tabelas: mesmas limitações dos artigos originais.
uma decisão dos editores, baseada em avaliação por revisores Referências: Máximo de 100 referências.
anônimos (Artigos originais, Revisões, Perspectivas e Estudos
de Caso) ou não. 4. Perspectivas
Como os leitores da Neurociências têm formação muito Perspectivas consideram possibilidades futuras nas
variada, recomenda-se que a linguagem de todos os artigos várias áreas das neurociências, inspiradas em acontecimen-
seja acessível ao não-especialista. Para garantir a unifor- tos e descobertas científicas recentes. Contribuições a esta
midade da linguagem dos artigos, as contribuições às várias seção que suscitarem interesse editorial serão submetidas
seções da revista podem sofrer alterações editoriais. Em todos a revisão por pares.
os casos, a publicação da versão final de cada artigo somente Formato: O texto das perspectivas é livre, mas deve iniciar
acontecerá após consentimento dos autores. com um resumo de até 100 palavras em português e outro
em inglês. O restante do texto pode ou não ser subdividido
1. Editorial e Seleção dos Editores em tópicos, identificados por subtítulos.
O Editorial que abre cada número da Neurociências Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada
comenta acontecimentos neurocientíficos recentes, política e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 10.000 car-
científica, aspectos das neurociências relevantes à sociedade acteres, incluindo espaços.
em geral, e o conteúdo da revista. A Seleção dos Editores traz Figuras e Tabelas: máximo de duas tabelas e duas figuras.
uma coletânea de notas curtas sobre artigos publicados em Referências: Máximo de 20 referências.
outras revistas no bimestre que interessem ao público-alvo
da revista. Essas duas seções são redigidas exclusivamente 5. Estudo de caso
pelos Editores. Sugestões de tema, no entanto, são bem- São artigos que apresentam dados descritivos de um ou
vindas, e ocasionalmente publicaremos notas contribuídas mais casos clínicos ou terapêuticos com características semel-
por leitores na Seleção dos Editores. hantes. Contribuições a esta seção que suscitarem interesse
editorial serão submetidas a revisão por pares.
2. Artigos originais Formato: O texto dos Estudos de caso deve iniciar com um
São trabalhos resultantes de pesquisa científica apre- resumo de até 200 palavras em português e outro em inglês.
sentando dados originais de descobertas com relação a O restante do texto deve ser subdividido em Introdução, Apre-
aspectos experimentais ou observacionais. Todas as contri- sentação do caso, Discussão, Conclusões e Literatura citada.
buições a esta seção que suscitarem interesse editorial serão Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada
submetidas a revisão por pares anônimos. e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 10.000 car-
Formato: O texto dos artigos originais é dividido em Re- acteres, incluindo espaços.
sumo, Introdução, Material e métodos, Resultados, Discussão, Figuras e Tabelas: máximo de duas tabelas e duas figuras.
Conclusão, Agradecimentos e Referências. Referências: Máximo de 20 referências.
Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada
e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 25.000 6. Opinião
caracteres (espaços incluídos), e não deve ser superior a 12 Esta seção publicará artigos curtos, de no máximo uma
páginas A4, em espaço simples, fonte Times New Roman página, que expressam a opinião pessoal dos autores sobre
tamanho 12, com todas as formatações de texto, tais como temas pertinentes às várias Neurociências: avanços recentes,
negrito, itálico, sobre-escrito, etc. O resumo deve ser enviado política científica, novas idéias científicas e hipóteses, críticas
em português e em inglês, e cada versão não deve ultrapas- à interpretação de estudos originais e propostas de interpre-
sar 200 palavras. A distribuição do texto nas demais seções tações alternativas, por exemplo. Por ter cunho pessoal, não
é livre, mas recomenda-se que a Discussão não ultrapasse será sujeita a revisão por pares.
1.000 palavras. Formato: O texto de artigos de Opinião tem formato livre,
Tabelas: Recomenda-se usar no máximo seis tabelas, no e não traz um resumo destacado.
formato Excel ou Word. Texto: Não deve ultrapassar 3.000 caracteres, incluindo
Figuras: Máximo de 8 figuras, em formato .tif ou .gif, com espaços.
resolução de 300 dpi. Figuras e Tabelas: Máximo de uma tabela ou figura.
Referências: Máximo de 50 referências. Referências: Máximo de 20 referências.
240 Neurociências • Volume 5 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2009

7. Resenhas animais estão de acordo com as normas vigentes na


Publicaremos resenhas de livros relacionados às Neuro- Instituição e/ou Comitê de Ética responsável;
ciências escritas a convite dos editores ou enviadas espon- (7) telefones de contato do autor correspondente.
taneamente pelos leitores. Resenhas terão no máximo uma
página, e devem avaliar linguagem, conteúdo e pertinência do 2. Página de apresentação
livro, e não simplesmente resumi-lo. Resenhas também não A primeira página do artigo traz as seguintes informações:
serão sujeitas a revisão por pares. - Seção da revista à que se destina a contribuição;
Formato: O texto das Resenhas tem formato livre, e não - Nome do membro do Conselho Editorial cuja área de concen-
traz um resumo destacado. tração melhor corresponde ao tema do trabalho;
Texto: Não deve ultrapassar 3.000 caracteres, incluindo - Título do trabalho em português e inglês;
espaços. - Nome completo dos autores;
Figuras e Tabelas: somente uma ilustração da capa do - Local de trabalho dos autores;
livro será publicada. - Autor correspondente, com o respectivo endereço, telefone
Referências: Máximo de 5 referências. e E-mail;
- Título abreviado do artigo, com não mais de 40 toques, para
8. Cartas paginação;
Esta seção publicará correspondência recebida, neces- - Número total de caracteres no texto;
sariamente relacionada aos artigos publicados na Neurociências - Número de palavras nos resumos e na discussão, quando
Brasil ou à linha editorial da revista. Demais contribuições devem aplicável;
ser endereçadas à seção Opinião. Os autores de artigos even- - Número de figuras e tabelas;
tualmente citados em Cartas serão informados e terão direito - Número de referências.
de resposta, que será publicada simultaneamente.
Cartas devem ser breves e, se forem publicadas, poderão 3. Resumo e palavras-chave
ser editadas para atender a limites de espaço. A segunda página de todas as contribuições, exceto Opiniões
e Resenhas, deverá conter resumos do trabalho em português
9. Classificados e em inglês. O resumo deve identificar, em texto corrido (sem
Neurociências Brasil publica gratuitamente uma seção subtítulos), o tema do trabalho, as questões abordadas, a
de pequenos anúncios com o objetivo de facilitar trocas e metodologia empregada (quando aplicável), as descobertas ou
interação entre pesquisadores. Anúncios aceitos para publi- argumentações principais, e as conclusões do trabalho.
cação deverão ser breves, sem fins lucrativos, e por exemplo Abaixo do resumo, os autores deverão indicar quatro
oferecer vagas para estágio, pós-graduação ou pós-doutorado; palavras-chave em português e em inglês para indexação do
buscar colaborações; buscar doações de reagentes; oferecer artigo. Recomenda-se empregar termos utilizados na lista dos
equipamentos etc. Anúncios devem necessariamente trazer DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) da Biblioteca Virtual
o nome completo, endereço, e-mail e telefone para contato da Saúde, que se encontra em http://decs.bvs.br.
do interessado.
4. Agradecimentos
Agradecimentos a colaboradores, agências de fomento
PREPARAÇÃO DO ORIGINAL e técnicos devem ser inseridos no final do artigo, antes da
Literatura Citada, em uma seção à parte.
1. Normas gerais 5. Referências
1.1 Os artigos enviados deverão estar digitados em proces- As referências bibliográficas devem seguir o estilo Van-
sador de texto (Word), em página A4, formatados da seguinte couver. As referências bibliográficas devem ser numeradas
maneira: fonte Times New Roman tamanho 12, com todas as com algarismos arábicos, mencionadas no texto pelo número
formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobrescrito, entre parênteses, e relacionadas na literatura citada na ordem
etc. em que aparecem no texto, seguindo as seguintes normas:
1.2 Tabelas devem ser numeradas com algarismos romanos, Livros - Sobrenome do autor, letras iniciais de seu nome,
e Figuras com algarismos arábicos. ponto, título do capítulo, ponto, In: autor do livro (se diferente
1.3 Legendas para Tabelas e Figuras devem constar à parte, do capítulo), ponto, título do livro (em grifo - itálico), ponto,
isoladas das ilustrações e do corpo do texto. local da edição, dois pontos, editora, ponto e vírgula, ano da
1.4 As imagens devem estar em preto e branco ou tons de impressão, ponto, páginas inicial e final, ponto.
cinza, e com resolução de qualidade gráfica (300 dpi). Fotos Exemplo:
e desenhos devem estar digitalizados e nos formatos .tif 1. Phillips SJ, Hypertension and Stroke. In: Laragh JH,
ou .gif. Imagens coloridas serão aceitas excepcionalmente, editor. Hypertension: pathophysiology, diagnosis and manage-
quando forem indispensáveis à compreensão dos resultados ment. 2nd ed. New-York: Raven press; 1995. p.465-78.
(histologia, neuroimagem, etc.)
Todas as contribuições devem ser enviadas por e-mail Artigos – Número de ordem, sobrenome do(s) autor(es),
para o editor (artigos@atlanticaeditora.com.br). O corpo do letras iniciais de seus nomes (sem pontos nem espaço), ponto.
e-mail deve ser uma carta do autor correspondente à editora, Título do trabalha, ponto. Título da revista ano de publicação
e deve conter: seguido de ponto e vírgula, número do volume seguido de dois
(1) identificação da seção da revista à qual se destina a pontos, páginas inicial e final, ponto. Não utilizar maiúsculas
contribuição; ou itálicos. Os títulos das revistas são abreviados de acordo
(2) identificação da área principal das Neurociências onde o com o Index Medicus, na publicação List of Journals Indexed in
trabalho se encaixa; Index Medicus ou com a lista das revistas nacionais, disponível
(3) resumo de não mais que duas frases do conteúdo da no site da Biblioteca Virtual de Saúde (www.bireme.br). Devem
contribuição (diferente do resumo de um artigo original, ser citados todos os autores até 6 autores. Quando mais de
por exemplo); 6, colocar a abreviação latina et al.
(4) uma frase garantindo que o conteúdo é original e não foi Exemplo:
publicado em outros meios além de anais de congresso; Yamamoto M, Sawaya R, Mohanam S. Expression and
(5) uma frase em que o autor correspondente assume a localization of urokinase-type plasminogen activator receptor
responsabilidade pelo conteúdo do artigo e garante que in human gliomas. Cancer Res 1994;54:5016-20.
todos os outros autores estão cientes e de acordo com o
envio do trabalho;
(6) uma frase garantindo, quando aplicável, que todos os Todas as contribuições devem ser enviadas por e-mail para:
procedimentos e experimentos com humanos ou outros artigos@atlanticaeditora.com.br
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 241

2ª Jornada Fluminense sobre Cognição Imune e Neural


Presidente de honra: Vívian Rumjaneck - UFRJ

Academia Nacional de Medicina (ANM)


Instituto Oswaldo Cruz /FIOCRUZ

Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2011


Local: Auditório Miguel Couto
Academia Nacional de Medicina
Av. General Justo, 365 / 7º andar
20021-130 - Castelo - Rio de Janeiro / RJ

Organização
Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro (Fiocruz, RJ)
José Luiz Martins do Nascimento (UFPA, Belém)

Programa preliminar
MANHÃ
Coordenação: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro (Fiocruz, TARDE
RJ), Luiz Carlos de Lima Silveira (UFPA, Belém) Coordenação: José Luiz Martins do Nascimento
(UFPA, Belém), Marcello Barcinski (INCA, RJ/USP)
8h00 – Recepção e registro de conferencistas e
convidados e boas vindas do 14h30 – Hipótese do centro dinâmico: a hipótese
Presidente da ANM, Professor Pietro Novellino de Edelman para o Substrato Neural da Consciência
8h30 – Imunologia e intencionalidade Luiz Carlos de Lima Silveira
Nelson Vaz (UFMG) 15h10 – O sinal de perigo e a distinção entre o próprio
9h10 – Uma visão neurocognitiva da psicoanálise e o não próprio pelo sistema imune inato
Sidarta Tolledal Gomes Ribeiro (UFRN) Marcello Barcinski (INCA, RJ/USP)
9h50 – Pausa para o café e discussão 15h50 – Psicofármacos para o aprimoramento cog-
nitivo
10h10 – A atividade imunológica natural José Luiz Martins do Nascimento
Alberto Nóbrega (UFRJ)
10h50 – Plasticidade sináptica como substrato da 16h30 – Discussão
cognição neural 17h00 – Chá da Academia Nacional de Medicina
Ricardo Augusto de Melo Reis (UFRJ)
11h30 – A recorrente composição antigênica do 18h00 – A distinção entre o próprio e o não próprio
universo biológico e odesafio da tolerância aos au- pelo sistema imuneespecífico
toantígenos Jorge Kalil (USP)
Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro 18h40 – Consolidação da memória
Ivan Izquierdo (PUC, RS)
12h10 – Discussão
12h30 – Almoço
Informações e Inscrições (vagas limitadas):
Centro de Pesquisa, Diagnóstico e Treinamento em Malária – CPD-Mal
Instituto Oswaldo Cruz / FIOCRUZ. Rio de Janeiro / RJ
Tel: (21) 3865-8145 de 15h00 às 18h00
Email: cognição@ioc.fiocruz.br
242 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010

Eventos
2011
Abril Julho
6 a 10 de abril 14 a 19 de julho
Neurobiological Basis of Drug Addiction 8th IBRO World Congress
Uspallata, Mendoza, Argentina Florence, Italy
Informações: www.neurotoxicitysociety.org/index. Informações: www.sfn.org
php?section=28 Setembro
16 de abril 14 a 17 de setembro
Curso de Neurociências aplicadas à Reabilitação 14th Interim Meeting WFNS 15th Brazilian Society Neu-
São Paulo, SP rosurgery Congress of Continuous Education
Informações: (11) 2376-2071, www.neda-brain.com Porto de Galinhas, PE
Maio Informações: www.wfnsinterimmeeting2011.com.br/
24 a 27 de maio Outubro
10ème colloque de la Société des Neurociences 26 a 29 de outubro
Marseille, França XLI Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia
Informações: www.neurosciences.asso.fr/V2/colloques/ Hangar Centro de Convenções da Amazônia, Belém PA
SN11/ Informações: www.sbponline.org.br/
Junho Novembro
10 a 13 de junho 2 a 5 de novembro
Simpósio Internacional de Morte Celular – International XXIX Congresso Brasileiro de Psiquiatria
Cell Death Symposium 2011 Rio de Janeiro
EcoResort Cheiro de Mato, Mairiporã, São Paulo Informações: www.cbpabp.org.br/
Informações: www.unifesp.br/dfarma/cell-symposio/cell-
symp_2011.htm
15 a 18 de junho
7º Congresso Brasileiro de Cérebro, Comportamento e
Emoções
Gramado, RS
Informações: www.cbcce.com.br/
26 a 30 de junho
International Workshop on Neuroimmunology
Varadero Beach, Cuba
Informações: www.immunopharmacologycuba.com/

Potrebbero piacerti anche