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ISSN 1807-1058
psicologia
PSIQUIATRIA | PSICOSSOMÁTICA | PSICOPEDAGOGIA | NEUROPSICOLOGIA | PSICOTERAPIA
psicologia
PSIQUIATRIA | PSICOSSOMÁTICA | PSICOPEDAGOGIA | NEUROPSICOLOGIA | PSICOTERAPIA
Sobre a educação
Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro
Lombalgia crônica e sensibilização central
Patrick RNAG Stump
O tratamento da dor em pacientes com depressão e ansiedade
Luciana Sarin
Validação das escalas psicométricas PID e escala de procrastinação
Álvaro Machado Dias
Qualidade do sono em portadores de distrofias musculares progressivas
Franciani Rodrigues et al.
Práticas de modificação corporal: patologia e cultura
Miriam Elza Gorender
Tratamento farmacológico da esquizofrenia
Ary Gadelha de Alencar Araripe Neto, Itiro Shirakawa
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neuroYciências
ISSN 1807-1058
psicologia
PSIQUIATRIA | PSICOSSOMÁTICA | PSICOPEDAGOGIA | NEUROPSICOLOGIA | PSICOTERAPIA
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neuroΨciências
psicologia
Sumário
Volume 6 número 1 - janeiro/março de 2010
EDITORIAL
Neurociência e futebol: fatos e mitos, Luiz Carlos de Lima Silveira ..................................................... 3
OPINIÃO
Reserva cognitiva: o novo conceito de plasticidade neural associada
às funções superiores, Álvaro Machado Dias.................................................................................... 14
PERSPECTIVAS
Sensibilização central: ação da NA e 5HT na modulação da dor,
Osvaldo JM Nascimento .................................................................................................................. 16
Vírus como traçadores neuronais, Judney Cley Cavalcante ................................................................ 18
LIVROS
O andar do bêbado – como o acaso determina nossas vidas, Leonard Mlodinow, Zahar, 2009
Jogo no pano...jogo feito, por Givago da Silva Souza ......................................................................... 22
Além de Darwin, Reinaldo José Lopes, Editora Globo, 2009
A mente de Darwin, por Daniel Martins de Barros ............................................................................. 24
ARTIGOS ORIGINAIS
Genética molecular, teorias modernas de aprendizagem, teoria neurocientífica
das emoções e perspectivas para psicoterapia no terceiro milênio, Vera Lemgruber .......................... 26
Diferenças de acuidade visual por três métodos psicofísicos na Tabela ETDRS,
Marcelo Fernandes Costa, Valtenice Cássia Rodrigues Matos França ................................................. 32
Métodos de processamento de dados em eletrofisiologia visual: tutorial em linguagem
MATLAB sobre o uso da transformada de Fourier na análise do potencial
cortical provocado visual, Givago da Silva Souza, Bruno Duarte Gomes,
Luiz Carlos de Lima Silveira............................................................................................................. 39
Iª JORNADA FLUMINENSE SOBRE COGNIÇÃO IMUNE E NEURAL
Os sistemas nervoso e imunitário não conhecem a “realidade externa”,
mas constroem uma realidade própria auto-referencial, Henrique Leonel Lenzi .................................. 50
COMENTÁRIOS
O mosaico e a chave, Luiz Fernando de Souza Passos...................................................................... 57
Comentário, Nelson Monteiro Vaz ................................................................................................... 61
ATUALIZAÇÃO
Introdução à sofrologia, William Bonnet........................................................................................... 63
NORMAS DE PUBLICAÇÃO ....................................................................................................... 74
EVENTOS .................................................................................................................................... 76
2 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
neuroΨciências
psicologia ISSN 1807-1058
Revista Multidisciplinar
Multidissciplin
nar das Ciências do Cérebro
nar
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Carlos Alexandre Netto, UFRGS (Farmacologia)
Cecília Hedin-Pereira, UFRJ (Desenvolvimento)
Daniela Uziel, UFRJ (Desenvolvimento)
Dora Fix Ventura, USP (Neuropsicologia)
Eliane Volchan, UFRJ (Cognição)
João Santos Pereira, UERJ (Neurologia)
Koichi Sameshima, USP (Neurociência computacional)
Leonor Scliar-Cabral, UFSC (Lingüística)
Lucia Marques Vianna, UniRio (Nutrição)
Marco Antônio Guimarães da Silva, UFRRJ/UCB (Fisioterapia e Reabilitação)
Marco Callegaro, Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (Psicoterapia)
Marco Antônio Prado, UFMG (Neuroquímica)
Rafael Linden, UFRJ (Neurogenética)
Rubem C. Araujo Guedes, UFPE (Neurofisiologia)
Stevens Kastrup Rehen, UFRJ (Neurobiologia Celular)
Vera Lemgruber, Santa Casa do Rio de Janeiro (Neuropsiquiatria)
Wilson Savino, FIOCRUZ (Neuroimunologia)
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Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 3
Editorial
Neurociência e futebol:
fatos e mitos
Luiz Carlos de Lima Silveira, Editor
O país do futebol
a esse torneio na sua quarta edição (1950) – eles vamente, a Argentina e o Brasil, os seus dois grandes
se consideravam os criadores desse esporte e os rivais regionais.4 Além disso, os uruguaios foram
melhores no seu exercício. E assim foi até o extra- ainda quartos colocados na Copa de 1954, realizada
ordinário jogo disputado no Estádio de Wembley, na Suíça (derrotados na semifinal pela extraordinária
London, em 25 de novembro de 1953, a primeira Hungria de Puskás e vencidos na disputa do terceiro
derrota inglesa no seu próprio solo. Naquele dia a lugar pela Áustria), e na copa de 1970, realizada no
Hungria de Hidegkuti Nándor, Puskás Ferenc e Boz- México (quando foram derrotados na semifinal pelo
sik József superou o English Team de John Sewell, Brasil e na disputa do terceiro lugar pela Alemanha
Stanley Mortensen e Alfred Ramsey, por 6 x 3 e de Ocidental). Assim, no período de 1924 a 1950, o
uma forma a definitivamente retirar dos ingleses o Uruguai conquistou quatro títulos mundiais que,
direito de serem autointitulados habitantes do “país somados aos oito títulos sulamericanos, merecida-
do futebol” [2]. mente o conferiram a alcunha de “o país do futebol”.
A partir de 1924, o “país do futebol” foi, de fato, O título do Campeonato Sudamericano de Se-
o Uruguai. Quando a Celeste Olímpica conquistou lecciones5 de 1919, disputado no Brasil, e especial-
duas medalhas de ouro, a primeira em 1924, nos mente a excelente participação na Copa do Mundo
Jogos Olímpicos de Paris, e a segunda em 1928, da FIFA de 1938, realizada na França, marcou a
nos Jogos Olímpicos de Amsterdam, o esquadrão entrada do Brasil no cenário do futebol mundial. Em
uruguaio tornou-se a grande sensação desse espor- 1938, fomos eliminados nas semifinais pela Itália e
te. A extraordinária habilidade de seus jogadores vencemos a disputa do terceiro lugar contra a Sué-
encantava o mundo – um pequeno país em termos cia. Na edição seguinte, já no pós-guerra, o Brasil foi
populacionais que podia se orgulhar de possuir o vice-campeão na Copa de 1950 e chegou às quartas
melhor futebol do mundo. O malabarismo entre as de final na Copa de 1954 com uma das melhores
quatro linhas, apresentado pela primeira vez ao seleções já formadas (fomos eliminados na Batalha
mundo pelos uruguaios, tornou-se a característica da de Berna pela Hungria de Puskás). A partir de 1958
escola sulamericana ou latinoamericana, comparti- a história é bem conhecida: campeão em 1958 na
lhada pelos uruguaios com argentinos e brasileiros Copa da Suécia, campeão em 1962 na Copa do
e, nos anos subsequentes, aqui e ali, com ótimas Chile, campeão em 1970 na Copa do México, quarto
equipes chilenas, peruanas, paraguaias, colombia- colocado em 1974 na Copa da Alemanha, terceiro
nas, equatorianas e mexicanas.2 A Celeste Olímpica lugar em 1978 na Copa da Argentina (sendo a única
ganharia ainda a primeira edição da Copa do Mundo equipe invicta entre os quatro finalistas), campeão
de Futebol da FIFA, realizada no Uruguai, em 1930, em 1994 na Copa dos EUA, vice-campeão em 1998
e a quarta, realizada no Brasil, em 1950.3 Nessas na Copa da França e campeão em 2002 na Copa da
duas conquistas o Uruguai venceu na final, respecti- Coréia do Sul e do Japão6. Até 2009, o Brasil obte-
2 Sulamericano não inclui o México, país que tem desfrutado de um notável desenvolvimento do futebol, tendo conquistado a Coupe
de Confédérations de La FIFA (Copa das Confederações da FIFA) de 1999, disputada no próprio México, além de outros títulos
importantes. O futebol mexicano é semelhante em qualidade e arte ao dos países sulamericanos e, com justiça, poderíamos usar
a expressão escola latinoamericana para juntarmos esse grupo de países da América do Sul e América Central.
3 Nas estatísticas dos campeonatos mundiais de futebol, quando somamos os torneios olímpicos de 1908 a 1928 às Copas do
Mundo da FIFA, o Uruguai tem quatro títulos mundiais, sendo três seguidos (1924, 1928 e 1930) – o Uruguai, nesse caso, é o
único verdadeiro tricampeão mundial de futebol!
4 A final contra a Argentina, disputada em Montevideo no dia 30 de julho de 1930, foi um dos jogos mais extraordinários da história do
futebol e terminou com a vitória da Celeste Olímpica por 4 x 2. Na Copa de 1950, não houve propriamente um único jogo final, como
em todas as outras, mas uma disputa em grupo de quatro países (Uruguai, Brasil, Suécia e Espanha) realizada em três rodadas.
Na última rodada, somente Brasil e Uruguai tinham possibilidades de chegar ao título do certame. O Brasil precisava apenas de um
empate e o Uruguai de uma vitória simples para sagrarem-se campeões. O jogo foi disputado em 16 de julho de 1950, no Estádio
do Maracanã, Rio de Janeiro. O resultado, o mais dolorido da história do futebol brasileiro, foi Uruguai 2 x 1, ficando conhecido na
Banda Oriental como maracanazo.
5 Esse foi o primeiro nome do campeonato sulamericano de futebol, organizado pela Confederação Sulamericana de Futebol (CONME-
BOL). A partir de 1975 o torneio passou a denominar-se Copa América. Tento começado em 1916, trata-se do torneio mais antigo
entre seleções nacionais que ainda hoje é disputado.
6 As sete finais de Copa do Mundo jogadas pelo Brasil tiveram os seguintes resultados: Uruguai 2 x 1 Brasil em 1950; Brasil 5 x2
Suécia em 1958; Brasil 3 x 1 Tchecoslováquia em 1962; Brasil 4 x 1 Itália em 1970; Brasil 0 x 0 Itália em 1994 (vencemos na
disputa de penalidades máximas); França 3 x 0 Brasil em 1998; Brasil 2 x 0 Alemanha em 2002. As três disputas de terceiro lugar
que jogamos terminaram assim: Brasil 4 x 2 Suécia em 1938; Polônia 1 x 0 Brasil em 1974; Brasil 2 x 1 Itália em 1978.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 5
ve ainda seis importantes títulos mundiais – Taça feminino, embora não tenha chegado a nenhum título
Independência (Brasil, 1972), Torneio Bicentenário mundial, já começa a fazer história. O Brasil tornou-se
dos EUA (1974), Torneio Bicentenário da Austrália indubitavelmente o “país do futebol”.9
(1988) e três edições da Copa das Confederações Na mitologia nacional e na cosmogonia do bra-
da FIFA (Arábia Saudita, 1997; Alemanha, 2005; sileiro, a evolução do nosso futebol de um magro
África do Sul, 2009) – além de oito campeonatos terceiro posto atrás de Uruguai e Argentina para
sulamericanos e dois campeonatos panamericanos. um reconhecimento universal incontestável ocorreu
A história do futebol brasileiro conta com uma plêiade como se tudo estivesse escrito nos astros desde o
de jogadores extraordinários (limitei a lista arbitraria- começo e fosse esse o nosso destino. Explicar esse
mente a vinte e dois deles): Friedenreich, Domingos comportamento do brasileiro requer certo conheci-
da Guia, Leônidas, Heleno, Jair Rosa Pinto, Zizinho, mento da nossa história, de nossas origens étni-
Ademir Menezes, Nilton Santos, Didi, Djalma Santos, cas, das nossas frustrações e conquistas, e talvez
Julinho, Garrincha, Mazzola, Pelé, Gerson, Ademir até de Neurociência – mas não vamos tentar esse
da Guia, Jairzinho, Rivelino, Tostão, Zico, Falcão e exercício aqui nesse Editorial. Na verdade queremos
Sócrates7, além dos cinco recentes detentores do apresentar três pequenos comentários onde Futebol
título de melhor jogador do ano, conferido pela FIFA e Neurociência se encontram, os quais foram moti-
a partir de 1991: Romário (1994), Ronaldo (1996, vados por três perguntas que todos os admiradores
1997, 2002), Rivaldo (1999), Ronaldinho Gaúcho do futebol fazem e que os neurocientistas poderiam
(2004, 2005) e Kaká (2007). Aos títulos da nossa tentar responder.
seleção, carinhosamente chamada de Canarinho a
partir do uniforme de camisas amarelas, calções Quem foi o melhor jogador brasileiro de todos
azuis e meias brancas com listras verdes e amare- os tempos?
las, utilizado pela primeira vez na Copa do Mundo
da Suíça (1954), somam-se os feitos extraordinários “Se há um Deus que regula o futebol, esse Deus
do Santos Futebol Clube de Pelé e do Botafogo de é, sobretudo, irônico e farsante, e Garrincha foi um de
Futebol e Regatas de Garrincha8. Com uma população seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de
muito maior que a do Uruguai ou da Argentina, popu- todos, nos estádios. Mas, como é também um Deus
lação essa enlouquecida na sua devoção ao futebol, cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade
o Brasil passou a exportar jogadores para os clubes de perceber sua condição de agente divino. Foi um
do mundo inteiro e, inclusive, quando naturalizados, pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro
para as seleções nacionais de vários países. Além a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas
do futebol de campo, o Brasil domina o futebol de voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-
salão e o futebol de areia. E no futebol de campo se de um novo, que nos alimente o sonho.” [3]
7 Paulistas: Arthur Friendenreich (1892-1969), Júlio Botelho (1929-2003), Djalma dos Santos (1929-), José João Altafini (Mazzola,
1938-) e Roberto Rivellino (1946-). Fluminenses: Domingos Antônio da Guia (1912-2000), Leônidas da Silva (1913-2004), Jair Rosa
Pinto (1921-2005), Tomás Soares da Silva (Zizinho, 1921-2002), Nilton Reis dos Santos (1925-), Waldir Pereira (Didi, 1928-2001),
Manoel Francisco dos Santos (Garrincha, 1933-1983), Gerson de Oliveira Nunes (1941-), Ademir da Guia (1942-), Jair Ventura Filho
(Jairzinho, 1944-) e Arthur Antunes Coimbra (Zico, 1953-). Mineiros: Heleno de Freitas (1920-1959), Edson Arantes do Nascimento
(Pelé, 1940-) e Eduardo Gonçalves de Andrade (Tostão, 1947-). Pernambucano: Ademir Marques de Meneses (1922-1996). Cata-
rinense: Paulo Roberto Falcão (1953-). Paraense: Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira (1954-).
8 Garrincha e Pelé foram possivelmente os mais extraordinários jogadores de futebol de todos os tempos – uma dupla invencível.
Garrincha jogou 60 partidas pela Seleção Brasileira entre 1955 e 1966, tendo perdido apenas a última que disputou (Hungria 3 x
1 Brasil, Copa do Mundo da Inglaterra). Pelé jogou 115 partidas pela Seleção Brasileira entre 1957 e 1971. Com Garrincha e Pelé
jogando juntos a Canarinho nunca foi derrotada: foram 40 jogos, 35 vitórias e 5 empates entre 1958 e 1966.
9 Seria a Argentina o “país do futebol”? Essa é uma das questões mais polêmicas que se poderia formular numa roda de fanáticos
pelo futebol, brasileiros ou argentinos. A Argentina dominou ao longo do Século XX boa parte dos confrontos regionais com Uruguai,
Brasil e os demais países latinoamericanos. Embora tenha apenas dois títulos mundiais (Copa do Mundo da Argentina de 1978 e
do México de 1986) e dois vice-campeonatos (Copa do Mundo do Uruguai de 1930 e Copa do Mundo da Itália de 1990), figurando
no ranking histórico da Copa em quarto lugar (atrás de Brasil, Alemanha e Itália), los hermanos ganharam 14 campeonatos sulame-
ricanos (contra 14 de uruguaios e 8 de brasileiros), 1 campeonato panamericano (contra dois dos brasileiros) e 22 Copas Liberta-
dores da América (contra 13 de brasileiros e 8 de uruguaios), torneio este para clubes. Seus jogadores são tão talentosos quanto
brasileiros e uruguaios e também estão espalhados pelos clubes do mundo inteiro. Di Stefano e Maradona estão em qualquer lista
dos melhores do mundo de todos os tempos e Messi é o atual detentor do título de melhor do mundo concedido pela FIFA (2009).
6 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
Zezé Moreira (Afredo Moreira Júnior, 1917- mas sensoriais. Didaticamente costumamos dividir
1998), técnico chamado para assumir a Seleção os sistemas sensoriais do organismo humano em
Brasileira após o maracanazo da Copa do Mundo de cinco sentidos especiais e um sentido geral – essa
1950, e que teve uma excelente carreira à frente divisão é, naturalmente, arbitrária, e sujeita a uma
da Canarinho, conquistando o título da primeira série de senões e discussões que não cabem ser
edição do Campeonato Panamericano de Futebol mencionados aqui [5]. Os sentidos especiais com-
(Chile, 1952), assim como formando uma excelente preendem: a olfação, com uma grande diversidade
seleção que disputou a Copa do Mundo da Suíça de células quimiorreceptivas distribuídas no epitélio
(1954), uma vez foi perguntado numa entrevista olfativo [5,6]; a visão, com quatro tipos de fotorre-
para a televisão quem seria o melhor jogador de ceptores presentes nas camadas externas da retina
futebol brasileiro de todos os tempos. A pergunta [5,7]; a audição, com dois tipos de células ciliadas
procede, pois Seu Zezé, como era chamado pelos mecanorreceptivas situadas no órgão espiral de
jogadores, acompanhou grande parte da história Corti da cóclea [5,8]; o vestibular, com dois tipos
do futebol brasileiro e certamente poderia dar de células ciliadas mecanorreceptivas distribuídas
uma opinião de cátedra sobre o assunto. Zezé nas máculas do sáculo e do utrículo e nas cristas
Moreira sabiamente procurou esquivar-se de uma ampolares dos canais semicirculares [5,9]; e a
resposta categórica. O entrevistador, entretanto, gustação, com diversos tipos de células quimiorre-
insistiu e o pressionou delicadamente, esperando ceptivas localizadas nas papilas gustativas [5,6]. O
possivelmente que Pelé fosse nomeado e ungido sentido geral corresponde à somestesia e depende
por tamanha autoridade naquela entrevista. Final- de uma coleção extremamente diversificada de me-
mente, Zezé Moreira sábia e diplomaticamente fez canorreceptores, termorreceptores, nocirreceptores
para o entrevistador e seus telespectadores uma e quimiorreceptores localizados em praticamente
observação importante. Comentou que vira em atu- todos os tecidos do corpo [5,10].
ação os maiores jogadores brasileiros de futebol ao Como visto acima, a orelha interna é sede de
longo da sua vida – e na conversa surgiram vários dois órgãos dos sentidos: sentido da audição e
nomes sagrados como Friedenreich10, Heleno11 e, sentido vestibular. Os mecanorreceptores vestibu-
naturalmente, Pelé – e que todos eles tinham uma lares são células ciliadas localizadas em regiões
característica comum, um equilíbrio perfeito, pois especializadas do epitélio que reveste o labirinto
esse é um jogo que se joga quase sempre apoiado membranoso, chamadas máculas otolíticas e cristas
num único pé, na maior parte das vezes “o pé ruim”. ampolares. Essas células são estimuladas no caso
Dois importantes fatos da Neurociência foram tra- das máculas e cristas ampolares, respectivamente,
zidos à conversa naquele momento: o papel dos por acelerações lineares ou angulares atuando so-
vários sistemas sensoriais no equilíbrio corporal e bre a cabeça do indivíduo. O mecanismo de trans-
a assimetria funcional cerebral. dução da energia mecânica do estímulo na energia
A informação proveniente do meio ambiente e eletroquímica celular envolve o deslocamento dos
dos diversos compartimentos, órgãos e tecidos do estereocílios presentes na porção apical dessas
corpo chegam ao sistema nervoso através dos siste- células.
10 Arthur Friedenreich ou, simplesmente, Fried, apelidado pelos uruguaios de El Tigre, foi o primeiro grande jogador do futebol brasi-
leiro. Foi com Friedenreich que a Seleção Brasileira obteve o seu primeiro título sulamericano (Brasil, 1919) - ele foi o artilheiro da
competição (junto com Neco) e marcou o gol da vitória contra os uruguaios na decisão, feito que levou as suas chuteiras a ficarem
em exposição na vitrine de um loja de jóias raras no Rio de Janeiro. Sobre ele escreveu o uruguaio Eduardo Hughes Galeano:
“Este mulato de olhos verdes fundou o modo brasileiro de jogar. Rompeu com os manuais ingleses: ele, ou o diabo que se metia
pela planta do seu pé. Friedenreich levou ao solene estádio dos brancos a irreverência dos rapazes cor de café que se divertiam
disputando uma bola de trapos nos subúrbios. Assim nasceu um estilo, aberto à fantasia, que prefere o prazer ao resultado. De
Friedenreich em diante, o futebol brasileiro que é brasileiro de verdade não tem ângulos retos, do mesmo jeito que as montanhas
do Rio de Janeiro e os edifícios de Oscar Niemeyer.” [1]
11 Heleno de Freitas, advogado, boêmio, catimbeiro, boa vida, arrogante, galã, mas um homem de temperamento difícil, quase intra-
tável no relacionamento com os companheiros. Heleno entrou para a história como um dos maiores jogadores do futebol brasileiro
e sulamericano e uma excelente biografia sobre ele foi recentemente publicada por Marcos Eduardo Neves, a qual termina com
as belas palavras de Armando Nogueira (1927-2010), escritor acreano, um dos maiores cronistas esportivos brasileiros, recém
falecido: “Heleno de Freitas, o craque das mais belas expressões corporais que conheci nos estádios, morreu, sem gestos, de
paralisia progressiva, e descansa, hoje, no cemitério de São João Nepomuceno, (cidade) onde nasceu um dia para jogar a própria
vida num match sem intervalo entre a glória e a esperança”.[4]
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 7
Figura 1 - Garrincha (Manoel Francisco dos San- dispostos em três planos perpendiculares entre si,
tos) e Pelé (Edson Arantes do Nascimento) foram um arranjo que permite que os diversos movimen-
possivelmente os mais extraordinários jogadores de tos angulares da cabeça sejam decompostos em
futebol de todos os tempos – uma dupla invencível. movimentos da endolinfa dentro dos canais semicir-
Costuma-se dizer que Garrincha (foto acima [11]) culares, dependendo da orientação desses canais;
foi o maior ponta-direita de todos os tempos e Pelé quando a cabeça sofre aceleração angular, as células
o maior craque de todos os tempos capaz de jogar ciliadas de pelo menos um canal semicircular de um
em todas as posições. Entretanto, aqueles que lado são estimuladas enquanto que as células cilia-
viram Garrincha jogar na Copa do Mundo da FIFA das do canal semicircular correspondente no outro
realizada no Chile (1962), após a contusão de Pelé, lado do corpo são inibidas, devido ao deslocamento
compreenderam que também ali existia um jogador em direções opostas da endolinfa, o que move as
completo, de todas as posições e todas as jogadas, cúpulas gelatinosas e movimenta os estereocílios
capaz de liderar a Canarinho para a sua segunda celulares nelas embebidos.
conquista mundial. Quem o vira jogar no clube de O sistema vestibular envia para o sistema nervo-
sua cidade natal não se surpreendeu: foi lá que ele so central informação sobre a direção da gravidade
aprendeu a jogar e jogava sempre que voltava como e sobre o movimento da cabeça. Essa informação é
ponta-direita, ponta-esquerda, centroavante, ponta- combinada com aquela fornecida pelos receptores so-
de-lança ou meia-armador – um craque completo, mestésicos localizados nas articulações e nas plan-
como Pelé. Assim se explica porque o Brasil nunca tas dos pés, assim como com aquela provida pela
perdeu com os dois em campo! visão, para gerar a percepção que o indivíduo tem
do seu próprio corpo e das forças que nele atuam,
assim como das partes do corpo umas em relação
às outras. Esse “supersentido” do equilíbrio é uma
combinação dos sentidos vestibular, somestésico e
visual que ocorre no córtex cerebral. Além disso, tal
como acontece noutros sistemas sensoriais, uma
parte importante das vias vestibulares é dedicada
a alimentar as respostas motoras, frequentemente
num nível abaixo da consciência.
Assim, considerando-se as diversas ocorrências
que cercam uma criança, tanto sua herança genética
como as influências congênitas e os acometimentos
pós-natais, particularmente as infecções relativamen-
te comuns do ouvido médio e as não tão comuns do
ouvido interno, é perfeitamente compreensível que
se estabeleça ainda muito cedo na vida certa dife-
rença entre elas no que diz respeito ao equilíbrio, à
postura e à habilidade de executar os movimentos.
Diferenças em outras habilidades também ocorrem
entre as pessoas desde tenra idade, como acontece
no desenho, na pintura, na escultura, no uso de ins-
trumentos musicais e em diversos esportes.
Será essa, portanto, a matéria prima – um exce-
lente desempenho do “supersentido” do equilíbrio,
As máculas do sáculo e do utrículo estão em particular do sentido vestibular – a partir do qual
dispostas perpendiculares entre si, de tal forma a surgiram os grandes talentos do futebol, os príncipes
responder otimamente para acelerações lineares em da elegância dos gramados Friendenreich, Heleno,
diferentes planos do espaço. São as máculas que Pelé, Ademir da Guia, Falcão e, inclusive, Garrincha
fornecem a informação necessária para a percepção que apesar de suas decantadas pernas tortas sam-
consciente a todo momento da direção da acelera- bava em campo com maestria sem igual?
ção da gravidade. De maneira semelhante existem Seguindo a linha de raciocínio levantada por Zezé
três canais semicirculares em cada orelha interna, Moreira, os males que ao longo da vida acometem o
8 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
sistema nervoso e, em particular, os vários centros que dores do que a marcação dos impedimentos durante
controlam a postura e o movimento, assim como as vias uma partida. Após o jogo, no dia seguinte ou nas se-
sensoriais que informam esses centros e as vias moto- manas, meses ou anos seguintes, um impedimento
ras que ligam esses centros aos efetores musculares, pode ser assunto de inúmeras rodas de conversa,
podem encurtar ou mesmo interromper abruptamente a matérias escritas e programas de rádio ou televisão
carreira de um atleta do futebol. Lesões que acometam – muitas vezes a marcação de um impedimento erra-
os sistemas visual, vestibular e somestésico podem ter damente ou a não aplicação da lei quando o atacante
consequências funestas para o equilíbrio e a precisão estava em posição irregular altera o resultado de
dos movimentos. Os diversos tipos de degeneração uma partida. E com a facilidade atual de ver e rever
das vias motoras ou das fibras musculares serão vezes sem conta e de diversos ângulos uma mesma
obviamente fatais. Até mesmo doenças não neurais, jogada através das gravações televisivas, o erro fica
mas que acometam tendões, ligamentos, cápsulas documentado e divulgado, os jogadores, técnicos e
articulares e ossos podem comprometer profundamente torcedores da equipe prejudicada não conseguem se
o desempenho do atleta. E, naturalmente, as doenças conformar e as discussões sobre a jogada questio-
do sistema nervoso central que muitas vezes são nada prosseguem indefinidamente. A lei do impedi-
insidiosas, outras vezes de ocorrência súbita. Vários mento foi regulamentada em 1863 juntamente com
processos degenerativos que fazem parte da herança as primeiras regras oficiais da história do futebol
genética do indivíduo podem levar lentamente à morte [12]. A primeira versão dessa regra estabelecia que
neuronal progressiva no córtex cerebral, nos núcleos o atacante, para não estar em posição de impedi-
da base, no cerebelo e nos núcleos motores do tronco mento, precisaria ter pelo menos quatro jogadores
cerebral e medula espinhal, embora seja mais comum a sua frente; mais tarde esse número foi diminuído
que esses processos manifestem-se clinicamente em para três (1866) e, finalmente, para dois (1925);
idades mais avançadas. Por outro lado, neurotóxicos outra alteração importante da regra que perdura até
exógenos podem acometer aguda ou cronicamente em hoje foi feita em 1907 quando se estabeleceu que
qualquer fase da vida promovendo a morte neuronal a infração só ocorresse se o jogador estivesse na
adquirida, como no alcoolismo crônico com sua predi- metade adversária do campo [12].
leção pelo córtex cerebelar. Finalmente, as sequelas O impedimento pode ser marcado pelo juiz prin-
de traumatismos cranianos contraídos dentro e fora cipal ou por um dos bandeirinhas, mas é crença de
do gramado, podem ter repercussões motoras ou todos que o bandeirinha que acompanha o ataque
sensoriais súbitas e, muitas vezes, passarem sem ser esteja em posição privilegiada, muito melhor que a
detectadas até mesmo em exames eletrofisiológicos de qualquer dos outros dois árbitros para assinalar
e de neuroimageamento altamente refinados. Essas a infração. A tarefa parece simples: o bandeirinha
disfunções neurais são sempre inimigas à espreita de precisa verificar no momento em que um atacante
um grande talento esportivo e podem ter efeitos que lança a bola para um companheiro a sua frente se
expliquem o súbito enfraquecer e até mesmo apagar este último está corretamente colocado em relação
definitivo de uma estrela do futebol. aos defensores (como descrito acima). O bandeirinha
precisa olhar o atacante que passa a bola, realizar um
A marcação do impedimento pelo bandeirinha movimento ocular sacádico (ver abaixo) para verificar
é uma tarefa impossível? a posição do atacante que recebe a bola e decidir
se a jogada foi legal. O que somente os cientistas
“Um jogador está em posição de impedimento visuais e poucas pessoas mais sabem é que a exe-
se estiver mais perto da linha do gol do adversário do cução dessa tarefa beira o impossível.
que ambos, a bola e o penúltimo homem da equipe O olho humano é um sistema mecânico altamen-
adversária, a não ser que ele esteja no seu próprio te refinado, sendo dotado dos três graus de liberdade
campo. Um jogador na mesma linha do penúltimo de rotação: o olho roda em torno de seus eixos dor-
homem da equipe adversária é considerado em posi- soventral, látero-lateral e ântero-posterior, havendo
ção legal. Note-se que o último dos dois defensores diversas possibilidades de combinação desses
pode ser tanto o goleiro e outro defensor quanto dois movimentos para satisfazer todas as necessidades
defensores quaisquer.” [12] do olhar [13,14]. Alguns movimentos são lentos e
gradativos, como os movimentos disjuntos dos olhos,
Não há aspecto do futebol que provoque maior que podem ser convergentes ou divergentes e visam
controvérsia entre os jogadores, treinadores e torce- manter a imagem em pontos homólogos da retina.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 9
Pertencem também a essa categoria os movimentos enorme redução da capacidade de detectar ou discri-
conjugados de seguimento de um objeto móvel no minar os estímulos visuais durante a execução dos
campo visual – curiosamente esses movimentos não movimentos sacádicos: um pouco antes do início do
podem ser realizados voluntariamente se não existir movimento, durante a execução deste e um pouco
um alvo a ser acompanhado com o olhar. Outros são depois dele ter terminado, a capacidade visual do
movimentos balísticos, ou seja, são pré-programados indivíduo diminui e ele fica cego para vários aspectos
e, uma vez iniciados, não podem ser interrompidos da cena visual [13,16,17].
ou alterados, sendo chamados de movimentos con- Pouco é conhecido sobre os circuitos neurais
jugados sacádicos. e os mecanismos fisiológicos subjacentes a esse
Todos esses movimentos são realizados por seis fenômeno, mas acredita-se que a sua função é
músculos extrínsecos de cada lado que possuem um poupar o indivíduo de perceber a degradação da
ponto de inserção no globo ocular e outro nas estru- imagem durante a sacada, cuja velocidade supera
turas da órbita ocular: reto superior, reto inferior, reto em grande parte a resolução espaço-temporal do
medial, reto lateral, oblíquo superior e oblíquo inferior processamento visual [13,16,17]. A degradação da
– grosseiramente um par de músculos para cada eixo imagem é observada nas filmagens com películas
de rotação [13-15]. Esses músculos são comandados fotossensíveis de câmaras tradicionais ou com
por motoneurônios situados nos núcleos de três ner- elementos fotossensíveis de câmaras eletrônicas,
vos óculo-motores de cada lado do sistema nervoso quando a velocidade de movimentação da câmara ex-
central: nervo motor ocular comum (III par craniano), cede a resolução temporal do processo de registro da
nervo troclear (IV par craniano) e nervo motor ocular imagem. As sacadas podem variar consideravelmente
externo (VI par craniano). Diversos centros neurais em magnitude entre menos de 1o a 20o de ângulo
no tronco cerebral e cérebro controlam a atividade visual; sua duração é pequena, raramente maior do
desses neurônios e existe um mecanismo refinado que 50 ms; e sua velocidade de pico pode chegar a
para que as contrações dos músculos nos dois 500 graus/s para grandes sacadas [14]. O tempo
olhos sejam simétricas ou assimétricas conforme o de integração do sistema visual humano, derivado
movimento necessário a cada tarefa visual [13,14]. da Lei de Bloch, é cerca de 100 ms; sua resolução
Os movimentos sacádicos são aqueles utilizados temporal, a frequência crítica de fusão, é 50 Hz, o
para explorar uma cena visual, ler um texto e mudar que corresponde a um ciclo de luz e escuro de 20 ms;
a direção do olhar subitamente de um ponto para o o pico da sensibilidade ao contraste temporal para
outro, como é exigido do bandeirinha na verificação estímulos de frequência espacial baixa é cerca de 20
da existência ou não de posição de impedimento por Hz, o que corresponde a um ciclo de 50 ms, mais de
parte de um atacante no futebol [13,14]. Durante os convergente com a Lei de Bloch. Confrontando esses
movimentos oculares sacádicos, ocorre um fenôme- números sobre a resolução temporal do sistema vi-
no chamado supressão sacádica [13,16,17], o qual sual com os parâmetros dos movimentos sacádicos
torna a missão do bandeirinha frequentemente muito oculares, pode-se prever que seria possível detectar
difícil e talvez impossível em muitas situações. durante as sacadas objetos com conteúdo de frequ-
Esse fenômeno foi descrito pela primeira vez ências espaciais baixas, o que poderia provocar um
por B. Erdmann e R. Dodge (1898) ao observarem efeito perturbador para o observador.
durante a realização de um experimento não rela- A supressão sacádica precede o movimento e,
cionado com o tema que um indivíduo nunca via o portanto, é um fenômeno desencadeado pelo próprio
movimento dos próprios olhos [18,19]. A melhor cérebro como parte da preparação para a execução
maneira de entender esse fenômeno é realizar um e a própria execução do movimento. Todavia, existe
experimento relativamente simples. Primeiramente, certa controvérsia sobre que aspectos de uma cena
pedir ao interlocutor que olhe para um e outro olho visual são mais afetados pela supressão sacádica, ou
seu, alternadamente, e verificar que o movimento seja, estímulos breves versus prolongados, estímulos
dos olhos do interlocutor é facilmente visto. Em acromáticos versus cromáticos, frequências espaciais
seguida, substituir o interlocutor por um espelho e altas versus baixas, de tal forma que essa é uma área
olhar para a imagem dos seus próprios olhos, ora um, da psicofísica visual que vem sendo explorada há cem
ora outro; surpreendentemente para quem nunca fez anos [19-21]. Seus mecanismos neurofisiológicos
esse experimento, o movimento dos próprios olhos também têm sido investigados com registro da ativida-
visualizados através de sua imagem no espelho agora de elétrica dos neurônios da via visual e os resultados
não é percebido. A supressão sacádica representa a utilizados para explicar os fenômenos psicofísicos
10 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
[22]. Em experimentos psicofísicos realizados em estará sujeito a cometer aqueles erros que renderão
condições controladas de laboratório, Burr et al. [21] conversas sem fim...
demonstraram que a supressão afeta preferencialmen-
te os aspectos acromáticos e na faixa de frequências Por que Baggio perdeu o penalty?
espaciais baixas, ou seja, atributos comumente con-
siderados como processados preferencialmente na “Nestes últimos anos, ninguém ofereceu aos
via subcortical M e na via de processamento cortical italianos um futebol tão bom, nem tanto assunto
dorsal. Além disso, utilizando mascaramento por con- para conversa. O futebol de Roberto Baggio tem
traste eles sugeriram que a supressão sacádica ocorre mistério: as pernas pensam por sua conta, o pé
em locais situados antes do local de mascaramento, dispara sozinho, os olhos vêem os gols antes que
ou seja, possivelmente no núcleo geniculado lateral aconteçam.” [1]
do tálamo – assim, as camadas de retransmissão de
informação pela via M, as camadas magnocelulares A Copa do Mundo dos EUA (1994) foi decidida
desse núcleo, são um sítio provável para a ocorrência na cobrança de penalidades máximas ou cobrança
desse fenômeno [21]. de penalties para usar a expressão inglesa preferida
Embora seja surpreendente descobrir que uma por muitos brasileiros. Até 1986 e, inclusive, nas
pessoa fica parcialmente cega durante os movimen- conquistas de 1958, 1962 e 1970, a Seleção Brasi-
tos sacádicos, os quais ocupam boa parte do tempo leira utilizou uma formação com três atacantes (ponta
que ela dedica à exploração do meio ambiente com direita, centroavante e ponta esquerda; Garrincha,
a visão, há toda uma série de situações onde um Vavá e Zagalo na final da Copa de 1958), apoiados
observador com visão completamente normal deixa por dois meias (meia direita e meia esquerda; Didi e
de ver ou detectar diversos aspectos de uma cena Pelé) e um volante (Zito) à frente dos quatro zagueiros
visual, seja por um fenômeno sensorial (como em (Djalma Santos, Bellini, Orlando e Nilton Santos),
imagens projetadas sobre o disco óptico), seja por com os dois zagueiros centrais (Bellini e Orlando)
um fenômeno ligado à atenção visual [23]. protegendo diretamente o goleiro (Gilmar). Essa for-
Assim, embora o bandeirinha acerte na maior mação às vezes podia usar um ponta recuado para
parte dos casos, os quais são relativamente fáceis proteger o meio de campo (Zagalo em 1958) ou com
de visualizar, ele está condenado a fracassar nas meiocampistas revezando-se para ocupar o espaço
situações difíceis, seja em virtude da supressão de um ponta na ausência de um especialista da posi-
sacádica, seja porque outros fatores além dela, ção, assim como com um ou dois laterais chegando
tais como o crowding dos elementos presentes na à frente para ajudar o ataque e, inclusive, ocupar o
cena comprometendo a atenção visual, ou mesmo a espaço tradicionalmente destinado aos pontas. A
distância e o simples encobrimento dos elementos partir da derrota de 1982 na Copa do Mundo da FIFA
chaves da cena (o jogador que passa a bola, a bola, realizada na Espanha (Itália 3 x 2 Brasil nas oitavas
o atacante que se desloca para recebê-la e os de- de final) o futebol brasileiro mudou gradativamente,
fensores e suas posições em relação ao atacante) seguindo os ventos mais defensivos que sopram na
conspiram para tornar crítica a tomada de decisão. Europa. Até hoje a Seleção joga com dois atacantes
Somem-se a esses os efeitos complicadores da ve- e quatro homens no meio de campo, não há pontas e
locidade de toda a ação e a própria movimentação seu espaço é ocupado pelos laterais, frequentemente
do bandeirinha no momento em que precisa realizar apenas um de cada vez subindo ao ataque.12 Em
a tarefa: quanto mais habilidosos e rápidos são os 1994, jogando recuado e em contra-ataques velozes,
atacantes em fugir da situação de impedimento ou os a Canarinho chegou à final com a Itália, mas o mar-
defensores em provocá-la, mais vezes o bandeirinha cador não passou de 0 x 0 depois de cento e vinte
12 As “camisas brancas enfunadas pelo vento”, neste ano de 2010, voltaram mais uma vez a alegrar o futebol brasileiro. O novo
Santos FC, treinado pelo paulista Dorival Silvestre Júnior (1962-) e comandado em campo pelo elegante e habilidoso paraense
Paulo Henrique Chagas de Lima (Paulo Henrique Ganso, 1989-), ataca simultaneamente com três atacantes e dois, ou até mesmo
três, meiocampistas apoiados pelos laterais. O resultado são partidas de muitos gols e a renovação da alegria do esporte, em vez
dos soníferos encontros de equipes congestionadas de volantes em seu meio campo que privaram ao longo de décadas o futebol
brasileiro do que ele tem de melhor. Atrevo-me a dizer que o futebol brasileiro vive uma encruzilhada como a que viveu em 1982
– se o Santos FC, que já venceu o Campeonato Paulista deste ano, vencer a Copa do Brasil (onde já é finalista) e o Campeonato
Brasileiro, isso talvez gere uma nova mudança de volta ao futebol alegre e ofensivo do “país do futebol”.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 11
minutos de jogo. A partida e a Copa do Mundo (esta o final de sua execução, com ajustes pelos sistemas
pela primeira vez na sua história) foram decididas na motores de posição, velocidade e aceleração impres-
cobrança de penalties. O último a cobrar foi Roberto cindíveis ao sucesso pretendido.
Baggio, o melhor jogador italiano, que atirou a bola Outros movimentos, entretanto, não podem ser
muito acima da meta defendida por Taffarel. O Brasil monitorados até objetivo pretendido. Eles incluem
explodiu de alívio e alegria e comemorou por dias, uma série de atos ligados à prática esportiva tanto du-
pela quarta vez na sua história, a conquista da Copa rante a fase dinâmica do jogo quanto nos “lances de
do Mundo da FIFA! Por que Baggio perdeu o penalty bola parada”: o saque no voleibol, o saque no tênis
e de forma tão estabanada? e a cobrança de penalty no futebol, para citar alguns
Façamos uma rápida digressão pelas artes exemplos. Esses movimentos são pré-programados e
bélicas. Dois tipos básicos de artilharia podem ser monitorados sensorialmente até o momento em que
usados contra um inimigo distante. Quando se atira a mão (no caso do voleibol), a raquete (no caso do
com canhões, utiliza-se a pré-programação para lan- tênis) ou o pé (no caso do futebol) atingem a bola.
çar os obuses no terreno inimigo; o local de impacto A partir daí a bola segue em trajetória balística na
é registrado e o desempenho é comparado com o direção do alvo. E a precisão do movimento precisa
previsto; são feitas correções nos parâmetros usa- ser corrigida através da repetição vezes sem fim,
dos na pré-programação e repetido o tiro; através de durante os treinamentos, confrontando-se o resultado
sucessivas aproximações o resultado é progressiva- obtido em cada tentativa com o resultado pretendido.
mente melhorado até atingir-se o objetivo desejado Quem já praticou um esporte sabe quantas vezes e
para o bombardeio. Uma situação bastante diferente durante quanto tempo um atleta precisa repetir esses
é o bombardeio com mísseis. Aqui o pré-programa atos motores para aprimorar a sua habilidade natural.
com o qual o míssil inicia sua viagem até o alvo é A execução de um movimento “encomendado”
ajustado durante o vôo, utilizando-se um conjunto de por outras regiões do sistema nervoso depende
sensores de aceleração (acelerômetros) e rotação da interação entre o córtex cerebral, os núcleos
(giroscópios) para calcular sua posição, orientação e da base e o cerebelo. Existem evidências que o
velocidade (direção e velocidade de movimento) – o processamento de informação em várias áreas do
chamado sistema de navegação inercial do míssil córtex cerebral leva à emissão de comandos mo-
[24]. Um elemento importante desse sistema de tores pelas regiões motoras corticais e que então
sensores é o giroscópio, o qual constitui um dos esses comandos são convertidos em programas ou
segredos importantes da tecnologia de construção padrões motores para a efetuação do movimento
de mísseis e lançadores de espaçonaves [25].13 em coordenadas espaço-temporais [26,27]. Esses
Os movimentos realizados por um ser humano programas motores são gerados por estruturas
podem ser descritos fazendo-se um paralelo com subcorticais, situadas no cerebelo e nos núcleos da
os exemplos bélicos acima. Certos movimentos, base, de tal forma que os movimentos rápidos são
como apanhar uma fruta para alimentar-se, são pré- pré-programados pelo cerebelo no que diz respeito
programados e, a partir dessa informação inicial, ao momento e à duração da atividade, enquanto
executados sob intensa retroalimentação sensorial que os núcleos da base exercem papel semelhante
originada em receptores musculares, tendinosos, nos movimentos lentos executados numa gama
articulares, cutâneos, vestibulares e visuais. Tanto de velocidades [26-31]. Finalmente, para aqueles
a pré-programação quanto os ajustes durante a movimentos que necessitam de análise sensorial
execução atuam de um lado sobre a postura, a qual sofisticada dos objetos, os padrões originados pelo
serve de “pano de fundo” sobre o qual o organismo cerebelo e núcleos da base são processados e re-
se move, e de outro no próprio movimento [26,27]. finados posteriormente no córtex cerebral [24-29].
Dessa forma, o movimento de apanhar um objeto O ser humano nasce com uma infraestrutura
é inicialmente programado a partir dos requisitos motora que está escrita em seu genoma [27]. São
estabelecidos e da informação sensorial disponível circuitos neurais que fazem parte da herança gené-
e, então, monitorado pelos sistemas sensoriais até tica comum da espécie e que permitem a execução
13 O giroscópio é um aparelho para medir ou manter a orientação baseado nos princípios da conservação do momento angular, sendo
o mais antigo conhecido aquele construído pelo alemão Johann Bohnenberger em 1817. Os giroscópios são usados em sistemas
de navegação inercial quando as bússolas magnéticas não funcionam (como nos telescópios localizados no espaço) ou não são
suficientemente precisas (como nos mísseis), assim como para a estabilização de veículos aeronáuticos automáticos, ou ainda
para manter a direção de um túnel de mineração [25].
12 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
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14 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
Opinião
Corroborando esta tese, é interessante notar neurônios corticais é parcamente restituída, ao passo
que duas tendências vêm crescendo no âmbito que existem maneiras de se minimizar intencional-
das neurociências, particularmente no que tange à mente os danos causados pela mesma, através da
neuropsiquiatria; uma é a de se enfatizar o papel realização contínua de tarefas intelectualmente desa-
determinante das anormalidades conectivas na fiadoras; vicissitude esta que retroage aos princípios
fisiopatologia de muitos transtornos psiquiátricos, elementares de plasticidade neural, que readquirem
não sendo um fato menor que Friston e Frith [5] sua importância original. No nosso entendimento,
tenham recentemente proposto que a esquizofrenia esta perspectiva não apenas deve ser incorporada
seria uma síndrome desconectiva, a despeito dos privadamente (incentivamos os leitores a jamais
milhares de estudos que a vinculam a perdas locali- abandoná-la), como deve se tornar alvo de políticas
zadas ou gerais de neurônios (para uma discussão, de saúde pública de caráter preventivo, tal como vem
ver [6]). A outra se faz representada pela crescente ocorrendo em relação à alimentação (combate à sub-
influência e instrumentalidade do conceito de re- nutrição e obesidade) e o sexo desprotegido: alguém
serva cognitiva, o qual versa sobre as ‘economias’ já pensou o quanto o estado brasileiro pouparia em
neuronais (i.e., circuitos em redundância, neurônios serviços médicos assistenciais caso respeitasse esta
cuja função é dividida com outros) que os cérebros máxima e investisse mais em educação?
individualmente abarcam e que em parte explicam
porque pessoas sofrendo de condições neurológicas Referências
análogas frequentemente apresentam sintomas de
intensidade diversa. 1. Hebb DO. The organization of behavior, a neuropsy-
chological theory. New York: Wiley; 1949.
Muito significativamente, vem se consolidando
2. Goldstine HH. The computer from Pascal to von Neu-
a crença de que a variável que mais contribui para mann. Princeton: Princeton University Press; 1972.
a determinação da reserva cognitiva não é de or- 3. Abrous DN, Koehl M, Le Moal M. Adult neurogenesis:
dem física (i.e. volume encefálico), mas intelectual: from precursors to network and physiology. Physiol
“Reserva cognitiva é mais do que anatomia cerebral Rev 2005;85(2):523-69.
4. Emsley JG, Mitchell BD, Kempermann G, Macklis JD.
(...) seu fator chave parece ser o nível educacional” Adult neurogenesis and repair of the adult CNS with
[7]; para uma comparação da importância relativa neural progenitors, precursors, and stem cells. Prog
do volume intracraniano em relação à educação, ver Neurobiol 2005;75(5):321-41.
[8]. Acreditamos que seja precisamente por esta via 5. Friston KJ, Frith CD. Schizophrenia: a disconnection
syndrome? Clin Neurosci 1995;3(2):89-97.
que melhor se poderia explicar a relação (ainda pouco 6. Dias ÁM, Queiroz ATL, Maracaja-Coutinho V. Schizo-
esclarecida) entre escassez de estímulos cognitivos phrenia, brain disease and meta-analyses: Integrat-
e cronificação, ao longo dos mais diversos eixos ing the pieces and testing Fusar-Poli’s hypothesis.
nosográficos neuropsiquiátricos e, de sobremaneira, Med Hypotheses 2009;74:142-44.
7. Gunderman RB, Bachman DM. Aging and cognitive
em relação à senilidade. reserve. J Am Coll Radiol 2008;5(5):670-2.
Em conclusão, assinalamos que uma das 8. Staff RT, Murray AD, Deary IJ, Whalley LJ. What pro-
máximas das neurociências é a de que a morte de vides cerebral reserve? Brain 2004;127(5):1191-9.
16 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
Perspectiva
Sensibilização Central:
ação da NA e 5HT na modulação da dor
Osvaldo JM Nascimento
na modulação da dor [3]. Atualmente, a maioria das 5-HT e da NA nas vias inibitórias descendentes da
pesquisas tem sido direcionada para a redução da dor no sistema nervoso central, devido a ligação, por
excitabilidade advinda do nervo periférico, ou do corno exemplo, da duloxetina com os transportadores de
posterior. Como reforçar a auto-inibição neuronal é recaptação da 5-HT e NA.
muito complexo de se explorar, pela razão óbvia que
o SNC é difícil de acessar e as pesquisas avançam Figura 1 - Vias inibitórias da dor [6].
por observações indiretas, geralmente são estudados Ƈ A dor neuropática
mecanismos de determinados grupos de fármacos ou está associada
fármacos específicos. com excitação
Os mecanismos centrais de dor e o processo elevada e
de depressão utilizam os mesmos substratos neu- inibição reduzida
das vias dolorosas
roquímicos, no entanto, deve-se enfatizar que os
ascendentes
antidepressivos têm ação analgésica na ausência
de sintomas depressivos [4]. Os antidepressivos Ƈ As vias descen-
dentes modulam
detém a habilidade de modular a disponibilidade de
os sinais
serotonina (5-HT) e noradrenalina (NA), bloqueando o ascendentes
mecanismo de recaptação de monoaminas, além da
Ƈ NA e 5-HT são
possibilidade de ação bloqueadora sobre os canais neurotransmis-
de Na+ voltagem-dependentes e canais de cálcio sores-chave
voltagem dependentes [5]. Na figura 1 referimos nas vias dolorosas
essas vias inibitórias da dor. Múltiplos mecanismos inibitórias
estão envolvidos no processamento fisiopatológico descendentes
da dor neuropática tais como excitabilidade ectópica Ƈ O aumento da
na área lesada do sistema nervoso, reorganização disponibilidade
estrutural em diferentes níveis das vias sensitivas, de NA e 5-HT
pode promover
sensibilização periférica e central, redução da inibi- inibição central
ção. O circuito neuronal envolvido no processamento da dor
da dor envolve um equilíbrio entre as vias inibitórias -
5-HT NA
e excitatórias. Quando ocorre lesão de nervos perifé-
ricos há redução do controle do processo de inibição Referências
central sobre o corno posterior da medula. 5-HT e NA
estão envolvidas no circuito de modulação da dor, que 1. Fields HL, Basbaum AI. Central nervous system
inclui a amígdala, a substância cinzenta periaquedutal mechanisms of pain modulation. In: Wall PD, Melzack
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(PAG), tegmento pontino dorsolateral (DLPT) e medula
Livingstone; 1999. p.309-29.
rostroventral (RVM). 5-HT e NA liberadas neste circui- 2. Ikeda H, Stark J, Fischer H et al. Synaptic amplifier of
to modificam os sinais de dor no corno posterior da inflammatory pain in the spinal dorsal horn. Science
medula espinhal. 2006;312:1659-62.
Atividade nas vias NA resultam em atividade 3. Chen FY, Tao W, Li YJ. Advances in brain imaging of
neuropathic pain. Chin Med J (Engl). 2008;121(7):653-
inibitória no corno dorsal, enquanto a atividade nas 7.
vias serotoninérgicas no tronco cerebral resulta tanto 4. Besson M, Piguet V, Dayer P et al. New approaches
em atividade excitatória como inibitória. Isso pode, to the pharmacotherapy of neuropathic pain. Rev Clin
em parte, explicar porque os inibidores seletivos de Pharmacol 2008;1:683-93.
5. Jones SL. Descending noradrenergic influences on
recaptação da serotonina não funcionam tão bem pain. Prog Brain Res 1991;88:381-94.
quando usados isoladamente no tratamento da dor 6. Fields HL, Basbaum AI. Central nervous system
neuropática. O aumento da atividade tanto da 5-HT mechanisms of pain modulation. In: Wall PD e
como da NA auxilia no tratamento da dor. A ação Melzack R, eds. Textbook of pain. 4th ed. London:
Churchill Livingstone; 1999. p.310.
inibitória da dor promovida pelos antidepressivos
duais admite-se resultar do aumento da atividade da
18 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
Perspectiva
Resumo
Os vírus vêm sendo utilizados como traçadores transneuronais por muitos anos. Recente-
mente eles têm sido utilizados como vetores de inserção em neurônios de moléculas mar-
cadoras sob controle de promotores. Ao serem expressas, essas moléculas marcadoras
preenchem o citoplasma dando um aspecto de célula de Golgi ao neurônio, permitindo
assim o traçamento de sua projeção anterógrada. A principal vantagem na utilização de
vírus como traçador neuronal anterógrado é o estudo de vias neuronais específicas utili-
zando a inserção de moléculas marcadoras sob controle de promotores que podem ser
“lidos” apenas por células específicas.
Abstract
Viruses have been used as transneuronal tracer for a long time. Recently they have been
used to insert promoters-controlled markers inside the neuronal genetic machinery. When
expressed, those markers fulfill the cytoplasm giving the neurons an aspect of Golgi stain-
ing, allowing them to be traced. The main advantages of use the virus as an anterograde
neuronal tracer is to study specific neuronal pathways using markers controlled by specific
promoters that can be transcripted by specific cells.
no interior de cada neurônio de uma mesma cadeia PHA-L e BDA são ótimas ferramentas para o
perdendo sua efetividade, portanto os vírus podem traçamento neuronal anterógrado, mas apresentam
ser traçados de forma mais satisfatória por uma alguns problemas: ambos mostram, no local da in-
sequência longa de neurônios. jeção, marcação em neurônios que podem não ter
Diferentes vírus podem ser utilizados como transportado o traçador; e, no geral, seus locais de
traçadores transneuronais. Vírus da raiva e o da injeção apresentam um borrão central, o que torna
pseudo-raiva são os mais utilizados como traçadores difícil determinar com precisão quantos e quais neu-
transneuronais retrógrados [1-3], enquanto o vírus do rônios captaram o traçador (Fig. 1c). Em contraste,
herpes (HSV) pode ser utilizado como traçador retró- no local da injeção do vetor viral, apenas neurônios
grado ou anterógrado, dependendo do subtipo [4,5]. que captaram o vetor e encorporaram seu material
A visualização destes vírus é normalmente feita genético apresentam marcação para GFP, por isso
por imunoistoquímica utilizando um anticorpo espe- podemos ver a exata população de neurônios que
cífico para cada vírus [6]. expressa GFP e está apta a transportá-lo (Fig. 1a e
b). Devido à necessidade da maquinaria genética
Evolução para a expressão de GFP, é praticamente impossível
a marcação devido à captação do vírus por fibras
A utilização de vírus como traçador neuronal evo- de passagem, mesmo que estas estejam lesadas.
luiu na última década com a introdução de vírus que Outra vantagem está no fato de que, desde que o
não fazem transferência sináptica. Nesse caso, os vírus não seja tóxico ao neurônio, a expressão de
vírus utilizam outra maquinaria e funcionam apenas GFP pode perdurar por meses, permitindo o traça-
como traçadores anterógrados. Os vírus desta nova mento de longas projeções, enquanto que PHA-L e
geração de traçadores não se replicam na célula, eles BDA são degradados em torno de 5 semanas após
carregam uma sequência genética que, quando aco- injeção [9, 10]. Portanto, o vetor viral pode se tornar
plada ao DNA do neurônio, promove a transcrição e uma boa ferramenta para traçamento em sistemas
tradução de uma molécula específica. Essa sequência nervosos cujo exame só pode ser feito muito tempo
genética é composta basicamente de um promotor depois da injeção, como em alguns animais de grande
que controla uma sequência de DNA que codifica uma porte ou até em humanos voluntários na ocasião de
molécula marcadora. outra cirurgia, permitindo, após a morte “natural” do
Em princípio, esta tecnologia foi utilizada na te- indivíduo, a visualização de uma via traçada por uma
rapia gênica [7,8], introduzindo novas moléculas ou injeção feita meses ou até anos antes.
aumentando a expressão de moléculas pré-existentes
no organismo, mas o advento de moléculas marcado- Tipos de vírus
ras não tóxicas e sem ação neuromediadora, como
a proteína verde fluorescente (GFP), impulsionou a Os principais tipos de vírus utilizados como veto-
utilização desta tecnologia no estudo das projeções res são o lentivírus e o vírus adeno-associado (AAV). O
neuronais. Desta forma, estes vírus funcionam ape- lentivírus possui virulência e necessita de um cuidado
nas como vetores que têm a missão de infectar e especial no transporte, manuseio e armazenamento.
acoplar seu material genético ao material genético O AAV é um tipo de vírus que não carrega nenhuma
do neurônio, daí por diante é a própria maquinaria proteína viral, à exceção da cápsula (que é eliminada
molecular do neurônio que promove a expressão do poucas horas após infecção), por isso não é virulento
marcador. e não ativa processos inflamatórios em demasia [11].
Além disso, AAV tipo 2 infecta apenas neurônios e
Vantagens e desvantagens tem uma taxa de infecção alta [8,12,13].
Figura 1 - Injeção de vetor viral. (A) Neurônios expressando GFP, revelado por imunoperoxidase, após injeção
do vetor viral AAV no núcleo parabraquial. (B) Maior aumento da caixa em A. (C) Injeção de PHAL no núcleo
parabraquial. Note a diferença no aspecto da injeção. Abreviações: bc, pedúnculo cerebelar superior; IC, colí-
culo inferior. Modificado de [11,15].
Perspectivas
A utilização de vírus como traçador ainda engati-
nha no Brasil, pois laboratórios de virologia local não
desenvolvem os vetores a serem utilizados. Além do
mais, os bons resultados trazidos por estudos com
traçadores mais acessíveis como o PHA-L e BDA,
põem em xeque a real necessidade da utilização de
vírus. No entanto, fica claro que, quando se trata de
traçamento de vias específicas ou após longo período
de sobrevida, os vírus se mostram como ferramenta
especial, única e de futuro promissor.
Agradecimentos
célula infectada. Os promotores gerais mais utiliza- Agradecimento a Tanágara Irina de Siqueira Ne-
dos são o CMV (citomegalovírus) e o CBA (chicken ves Falcão pela revisão do texto. JCC é apoiado pela
beta actin). No entanto, podemos gerar promotores FAPERN e CNPq.
que só podem ser “lidos” por neurônios específicos,
tornando tais vírus traçadores específicos. Por exem- Referências
plo, Card et al. [14] utilizaram injeção de lentivírus
que carregava a GFP sob controle de um promotor 1. Cavalcante JC, Canteras NS. Traçadores neuronais
sintético de dopamina-β-hidroxilase (DBH; primeira anterógrados. In: Bittencourt JC, Elias CF, eds. Métodos
em Neurociência. São Paulo: Roca; 2007. p.133-46.
enzima da cadeia de síntese das catecolaminas) para 2. Cavalcante JC; Elias CF. Traçadores neuronais
traçar as projeções do grupamento C1 de neurônios retrógrados. In Bittencourt JC, Elias CF, eds. Métodos
em Neurociência. São Paulo: Roca; 2007. p.115-31.
catecolaminérgicos. Como tal promotor só é lido por 3. Kelly RM, Strick PL. Rabies as a transneuronal tracer
neurônios catecolaminérgicos, apenas este tipo de of circuits in the central nervous system. J Neurosci
neurônio infectado pelo vírus expressou GFP e pode Methods 2000;103:63-71.
4. Norgren RB Jr, Lehman MN. Herpes simplex virus
ser traçado. Essa “brincadeira” com a carga genética as a transneuronal tracer. Neurosci Biobehav Rev
é talvez a maior vantagem da utilização de vírus como 1998;22:695-708.
traçador e abre a possibilidade da geração de uma 5. Kuypers HG, Ugolini G. Viruses as transneuronal
tracers. Trends Neurosci 1990;13:71-5.
infinidade de tipos de traçadores específicos.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 21
6. Sita LV, Bittencourt JC. Imunoistoquímica, transgene expression and anterograde tract tracing in
In Bittencourt JC, Elias CF, eds. Métodos em the CNS. Brain Res 1998;793:169-75.
Neurociência. São Paulo: Roca; 2007. p.57-79. 12. Davidson BL, Stein CS, Heth JA, Martins I, Kotin
7. Song S, Wang Y, Bak SY, Lang P, Ullrey D, Neve RL, RM, Derksen TA, Zabner J, Ghodsi A, Chiorini JA.
O’Malley KL, Geller AI. An HSV-1 vector containing Recombinant adeno-associated virus type 2, 4, and 5
the rat tyrosine hydroxylase promoter enhances both vectors: transduction of variant cell types and regions
long-term and cell type-specific expression in the in the mammalian central nervous system. Proc Natl
midbrain. J Neurochem 1997;68:1792-803. Acad Sci U S A 2000;97:3428-32.
8. Kaplitt MG, Leone P, Samulski RJ, Xiao X, Pfaff DW, 13. Kaspar BK, Vissel B, Bengoechea T, Crone S, Randolph-
O’Malley KL, During MJ. Long-term gene expression Moore L, Muller R, Brandon EP, Schaffer D, Verma IM,
and phenotypic correction using adeno-associated Lee KF, Heinemann SF, Gage FH. Adeno-associated
virus vectors in the mammalian brain. Nat Genet virus effectively mediates conditional gene modification
1994;8:148-54. in the brain. Proc Natl Acad Sci U S A 2002;99:2320-5.
9. Gerfen CR, Sawchenko PE. An anterograde 14. Card JP, Sved JC, Craig B, Raizada M, Vazquez J,
neuroanatomical tracing method that shows the Sved AF. Efferent projections of rat rostroventrolateral
detailed morphology of neurons, their axons and medulla C1 catecholamine neurons: Implications for
terminals: immunohistochemical localization of an the central control of cardiovascular regulation. J
axonally transported plant lectin, Phaseolus vulgaris Comp Neurol 2006;499:840-59.
leucoagglutinin (PHA-L). Brain Res 1984;290: 219-38. 15. Bester H, Besson JM, Bernard JF. Organization of
10. Brandt HM, Apkarian AV. Biotin-dextran: a sensitive efferent projections from the parabrachial area to the
anterograde tracer for neuroanatomic studies in rat hypothalamus: a Phaseolus vulgaris-leucoagglutinin
and monkey. J Neurosci Methods 1992;45:35-40. study in the rat. J Comp Neurol 1997;383:245-81.
11. Chamberlin NL, Du B, de Lacalle S, Saper CB.
Recombinant adeno-associated virus vector: use for
22 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
Livros
Leonard Mlodinow, O andar do bêbado – como o
acaso determina nossas vidas, Zahar, 2009, 261 p.
por Givago da Silva Souza O quanto de seu sucesso (ou fracasso) é determinado por seus
próprios méritos (ou deméritos) e quanto dele é explicado pela obra do
acaso? O livro O andar do bêbado: como o acaso determina as nossas
vidas traz um ótimo resumo da história da formação do conhecimento
científico sobre a investigação das incertezas dos eventos, além de
como o acaso pode ser um fator preponderante sobre os acontecimen-
tos diários. O livro foi escrito pelo físico Leonard Mlodinow que ficou
conhecido pelo grande público pela co-autoria do livro Uma nova história
do tempo [1] ao lado do famoso físico inglês Stephen Hawkins.
O livro traz dez capítulos descrevendo a vida e o papel de importan-
tes cientistas na formação de idéias básicas para a compreensão da
formação do conhecimento estatístico, entremeado com fatos da vida
de celebridades como Bill Gates, Steve Jobs, Bruce Willis, entre outros.
Interessantíssimo é o papel dos jogos de azar sobre a formação do
conhecimento estatístico. Cardano, Galileu, Newton, Bernoulli, Lavoisier,
Pascal, Fermat, Laplace foram pesquisadores que de forma direta ou
indireta e por vontade própria ou por encomenda estudaram o que havia
por de trás dos jogos de dados, baralhos, lançamentos de moedas,
roletas e outros jogos comuns à vida européia de seus tempos. Até
esses primeiros estudos, o resultado dos jogos era realmente encara-
do como uma vontade divina. A partir de seus estudos, alguns deles
levaram vantagem sobre seus oponentes e ganharam muito dinheiro,
mas o que importa é que naquela Europa que se livrava da idade média
surgia uma nova matemática e uma nova ciência baseada em um método
replicável que reconhece que as falhas são intrínsecas às medidas e
busca estimar a margem de erro de suas medidas.
Outro ponto importante são as exemplificações de problemas pro-
babilísticos trazidos para discussão com os leitores. Um problema que
gerou grande discussão nos Estados Unidos da América foi um desafio
lançado por uma coluna de revista chamada “Ask Marilyn”. Esta coluna
costumava fazer desafios que envolvessem lógica, estatística e situa-
ções de vida diária aos leitores. O desafio controverso criado pela coluna
Givago da Silva Souza é biólogo, descrevia um programa de tevê, daqueles em que o convidado tem que
Doutor em Neurociências, Instituto escolher uma de três portas para encontrar um prêmio. Depois de feita a
de Ciências Biológicas, Núcleo de escolha, o animador sabendo do que se escondia atrás das portas, abre
Medicina Tropical, Universidade uma delas que obrigatoriamente não apresenta um prêmio e pergunta ao
Federal do Pará, convidado se ele quer mudar sua porta para a outra porta que continua
fechada. A polêmica do desafio é que a coluna “Ask Marilyn” afirma
Correspondência: givagosouza@ que é vantajoso trocar de porta. Os editores da revista que publicava a
yahoo.com.br coluna na época receberam uma enxurrada de cartas, desde anônimos
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 23
1. Bujica foi um centroavante do Clube de Regatas do Flamengo no fim da década de 1980 a início da década de 1990 que subs-
tituiu o atacante Bebeto que fora jogar no Clube de Regatas do Vasco da Gama. No primeiro jogo de Bebeto contra o Flamengo,
Bujica roubou a cena metendo dois gols e obscurecendo a atuação de seu antecessor. Com o passar dos anos a promessa de
artilheiro não vingou.
24 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
Livros
Reinaldo José Lopes, Além de Darwin, Editora Globo, 2009, 232 p.
A mente de Darwin
por Daniel Martins de Barros A mente humana tem um desafio que é, do ponto de vista lógico,
filosófico, neurológico, linguístico ou qualquer outro que se escolha,
uma quase impossibilidade: compreender a si mesma. Alguns acreditam
que o destino das neurociências é, com o tempo, revelar os segredos
últimos da relação corpo-alma; outros, no entanto, são partidários
da frase segundo a qual, se o cérebro fosse simples a ponto de ser
compreensível, nós seríamos simples a ponto de não compreende-lo.
Independentemente de qual das visões esteja correta, não se
pode negar que por si só a busca por entender mais sobre o cérebro e
a mente, quer seja esse objetivo alcançável ou não, vem gerando um
conhecimento que se acumula numa enorme velocidade. Isso tem se
traduzido em novas formas de tratamento para as doenças neurológi-
cas e psiquiátricas, refinamento da capacidade diagnóstica de males
do cérebro e até mesmo redução do preconceito contra os transtornos
mentais, pois conforme a ciência avança, mais esclarecidas e menos
preconceituosas tendem a ser as pessoas (nesse ponto vale comparar
a sociedade norte-americana com a brasileira: o escritor Pete Urley me
disse certa vez que nos Estados Unidos a antipsiquiatria não é mais
um problema, pois o discurso ideológico que dizia serem os doentes
mentais apenas pessoas que “escolheram ser normais de outra manei-
ra” foi derrubado pelas evidencias científicas; confesso que tive inveja).
Na tentativa de explicar o funcionamento mental a psicanálise
dominou o cenário durante muitos anos, reinando quase solitária como
instrumento de investigação do mundo psíquico. Sem querer adentrar
nos debates sobre seus limites e seus acertos, o fato é que, sozinha,
ela não dá conta do recado. Por isso os cientistas têm se voltado, cada
vez mais, para uma outra teoria, apresentada pouco antes, mas que
Daniel Martins de Barros é médico por muito tempo não foi correlacionada à região acima do pescoço:
psiquiatra formado pela Universi- a teoria da evolução darwiniana. Demorou a nos darmos conta disso
dade de São Paulo (USP), editor- provavelmente por conta de nossa visão da mente como substancia
assistente da Neurociências, e etérea e imaterial, uma causa não-causada. Mas no fundo seria óbvio:
trabalha desde 2002 no Instituto de se, como disse o professor Theodosius Dobzhansky, nada em biologia
Psiquiatria do Hospital das Clínicas faz sentido, a não ser à luz da evolução, isso inclui, forçosamente, nosso
da Faculdade de Medicina da USP, cérebro, peça fundamental – para dizer o mínimo – da nossa mente.
onde também é membro do Núcleo O livro Além de Darwin, de Reinaldo José Lopes, mostra um pouco
de Psiquiatria Forense e Psicologia desse caminho.
Jurídica. Não se trata, como o título deixa bem claro, de uma obra sobre
a teoria da evolução como elaborada por Charles Darwin, mas sim de
Correspondência: dan_barros@ suas consequências um século e meio depois as descobertas que ela
yahoo.com.br proporcionou e os refinamentos por quê passou ao ser ela mesma ilu-
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 25
minada por novos conhecimentos científicos. Fruto de correlacionam o funcionamento mental à seleção
seu trabalho como jornalista científico, o livro reúne natural e à genética: pistas sobre o desenvolvimento
textos cujas origens remontam a sua coluna sobre da inteligência vindas desde os céus (corvos são
biologia evolutiva, costurados em seis blocos princi- verdadeiros gênios, para desespero ainda maior de
pais: Parceiros, Mentes, Peças, Elos, Formas e Espe- Poe) e dos mares (os polvos não deixam a desejar,
ranças. Embora os capítulos no interior de cada bloco como suspeitaria Júlio Verne); a função adaptativa
sejam aproximados por alguma afinidade temática, da “carinha de neném”; ou o assustador parasita
os assuntos se sobrepõem ao longo das páginas, que manipula mentes humanas. A verdade é que em
dificultando uma taxonomia precisa desses seres cada um dos relatos há um pouco de nós mesmos se
chamados informações. Senão vejamos: quando revelando ao longo de todo o livro – das controversas
descreve um mamífero cuja sociedade subterrânea teorias sobre o surgimento da religiosidade ou da
é, na maioria dos aspectos, igual à dos insetos so- homossexualidade aos riscos de sermos extintos
ciais, como as abelhas e formigas, estamos falando por nossas próprias ações, o tempo todo Lopes fala
de quê? Etologia? Psicologia animal? Fisiologia dos de pessoas, seres humanos, seja como agentes ou
extremos? E quando adentra os aspectos éticos do como objetos de pesquisas.
trato com grandes primatas, contando sua experiên- A biologia evolutiva logicamente não é a resposta
cia com uma bebê gorila, extremamente semelhante final, até porque não temos certeza sequer sobre
à interação com crianças humanas? Ética? Teoria da as perguntas. Mas não resta dúvida que é uma
mente? Genética comparada? ferramenta importante na caminhada em direção ao
Claro que na seção Mentes há a maior concen- entendimento da mente, seja ele alcançável ou não.
tração de textos versando sobre as pesquisas que
26 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
Artigo original
Resumo
Os estudos neurocientíficos já demonstraram que o processo psicoterapêutico terá sem-
pre seu espaço como meio de ajudar o ser humano a enfrentar seus sofrimentos pessoais.
A partir do inicio do século XXI tornou-se possível a explicação e fundamentação das bases
de um processo psicoterapêutico pelos atuais conhecimentos obtidos com os resultados
das pesquisas em neurociências. Na busca de sistematização dos aspectos técnicos
desse processo, propõe-se que outras abordagens científicas também sejam utilizadas
para a compreensão e sistematização de diversas táticas aplicadas na prática clínica.
Correspondência: vera@psicotera-
piafocal.com.br
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 27
que, favorecidos pelo processo de seleção natural, agregando a Teoria dos Afetos, de Tomkins [15] e
“certos comportamentos e estados mentais adaptati- transformando-o num esquema didático (Figura 1).
vos foram conservados durante o processo evolutivo
dos seres humanos, refletindo no nosso arcabouço Figura 1 - Uso do triângulo do conflito de acordo
genético e no funcionamento neurobiológico de nosso com a teoria dos afetos. Fonte: [1].
cérebro” [13].
Nesse “kit de sobrevivência” incorporado ao sis- Triângulo do conflito Triângulo do Insignt
Defesas Afetos
tema biológico do ser humano encontram-se afetos desadaptativas Inibidores
T C
fundamentais para seu desenvolvimento psicológico..
Self Other
O chamado “amor materno” tem origem em reações
químicas e hormonais específicas, provenientes de
“um imperativo evolucionário que, em milhares de Afetos P
Ativadores
anos, se desenvolveu por seleção natural de modo
a, entre outras coisas, guardar e proteger a prole dos Legenda: T= terapeuta (situações vividas na relação
predadores e da morte por inanição”. Ainda que os com o terapeuta durante o processo de tratamento); C=
estudos tenham mostrado a origem genética e o pa- Current (vida atual, do presente real do paciente); P=
pel de adaptação evolutiva dos afetos na vida do ser passado (situações vividas com figuras no passado do
humano, isso não torna os sentimentos maternais paciente).
menos “nobres”. Afinal, ninguém vai deixar de sofrer
pela perda de uma pessoa amada por saber que o O Triângulo da Pessoa focaliza a maneira como
amor é uma manifestação subjetiva de fenômenos as manifestações desadaptadas dos afetos - origina-
físico-químicos e nem deixar de ter raiva “devido das de experiências passadas e identificadas no Tri-
à revelação científica de que a cólera de todos os ângulo do Conflito - podem ser observadas na relação
sentimentos é um ‘mero’ mecanismo de defesa de com o terapeuta e nas relações interpessoais atuais
que nos ‘dotou’ a evolução” [14]. De acordo com McCullough, a motivação básica
Usando como base a Teoria das Emoções de do comportamento humano integra uma gama variada
S.Tomkins, McCullough propôs ampliar o modelo de reações emocionais Os Afetos Ativadores / Mo-
freudiano de “dupla pulsão”, que coloca os impulsos tivadores representam aqueles afetos normalmente
sexuais e agressivos como motivação básica do despertados na vida diária, que motivam as ações
comportamento humano e incluiu as diversas reações humanas (raiva, tristeza, sentimentos positivos em
emocionais disponíveis no nosso repertório biológico relação ao self, alegria, interesse/curiosidade, etc).
de impulsos e respostas afetivas, classificando-as Os Afetos Inibidores correspondem às respostas
em dois grandes grupos: Afetos Ativadores e Afetos naturais, responsáveis pelas formas adaptativas do
Inibidores. comportamento e fazem parte da herança biológica
McCullough fundamentou a Teoria das Emoções do ser humano para reagir ao estresse e evitar
de Tomkins em resultados de pesquisas empíricas e situações aversivas (medo, culpa, vergonha, etc.).
em exames de imagem funcional da região da amíg- Em condições adversas, onde há dificuldade para a
dala cerebral em mamíferos primários e em seres expressão adaptada dos desejos e/ou necessida-
humanos. Constatou também que a observação de des, os Afetos Inibidores, ao invés de funcionarem
bebês mostrava um quadro bem diferente daquele como uma espécie de “sinal de alerta”, tornam-se
originalmente previsto por Freud: a existência de aversivos, auto-atacantes, causam conflito e geram
sistemas motivacionais surgidos na infância e base- sintomas e/ou comportamentos mal adaptados (pa-
ados em vários outros afetos, além de sexo e raiva, tológicos) É esse desequilíbrio que provoca o conflito
tais como curiosidade, prazer e vínculo (attachment). e faz surgirem os comportamentos desadaptados,
Foi sob a perspectiva neo-darwiniana da Teoria identificados no Pólo das Defesas [2].
Neurocientífica das Emoções que L. McCullough ba- Importante ressaltar que de acordo com a
seou a construção de seu modelo psicoterapêutico, abordagem da Teoria Neurocientífica das Emoções,
identificando os comportamentos desadaptados o desequilíbrio de forças entre os afetos que deve-
resultantes da ação desequilibrada dos Afetos Ativa- riam funcionar como sinais de alerta para inibir a
dores / Motivadores, provocada pelo excesso ou pela expressão dos afetos e respostas naturais é que
falta de ação dos Afetos Inibidores. Ampliou também provoca conflito e patologias. Mas, da mesma forma
a análise psicodinâmica do Triângulo do Conflito que essas associações mal adaptadas ocorreram
30 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
no passado, elas poderão ser alteradas ou refeitas que o diagnóstico psicodinâmico deve sempre ser
através de EECs num processo terapêutico. correlacionado com o diagnóstico nosológico.
Essa articulação foi denominada por Lemgruber
Perspectivas para psicoterapia no Terceiro de “prova dos nove” [17]. Esse esquema serve como
Milênio uma espécie de “fórmula matemática” para compro-
vação didática quanto ao raciocínio diagnóstico e à
Propõe-se algumas outras abordagens científicas avaliação da problemática do paciente. É um recurso
serem acrescidas e utilizadas de forma a ajudar a importante para o terapeuta se sentir seguro quanto
sistematizar o processo terapêutico, tornando-o mais ao estabelecimento do foco e planejamento terapêu-
objetivo e facilitando a compreensão de diversas tico (Figura 2).
estratégias utilizadas em sua prática terapêutica.
Figura 2 - Complementaridade entre os modelos di-
Abordagem geométrica: Transformação do agnósticos psicodinâmico e nosológico. A Prova dos
esquema dos triângulos de interpretação em Nove é uma forma de comprovação didática.
pirâmides, introduzindo a teoria do self
“PROVA DOS NOVE”
Comportamento Disfuncional
Em meados do Séc.XX, um grupo de psica-
nalistas da Clínica Tavistock, em Londres, criou o
esquema dos Triângulos de Interpretação, derivado Classificações nosográficas Triângulo do Conflito
da Teoria Estrutural de Freud (Id, Ego e Super-Ego) CID10 e DSMIV Defesas Ansiedade
e analisado sob a ótica psicanalítica freudiana. Na
década de 70 esse esquema foi designado por D. Abordagem médica: necessidade de
Malan como “Princípio Universal da Psicoterapia diagnóstico e planejamento terapêutico para o
Psicodinâmica” [16]. estabelecimento do foco
Com o objetivo de introduzir a abordagem psica-
nalítica do Self na análise dos dois Triângulos, Mc- É condição sine qua non estabelecer o diagnós-
Cullough alterou a geometria triangular do esquema tico psicodinâmico integrado ao nosológico, logo nas
e transformou-a em piramidal [1]. Nos ápices das primeiras sessões de um trabalho de P. Focal. Para
duas pirâmides passaram a figurar, respectivamen- isso, é fundamental que a anamnese e o exame psí-
te, o conceito de Self no Triângulo do Conflito e o quico sejam feitos já na primeira consulta. Além de
conceito de “Outro”, no Triângulo da Pessoa. (Vide detectar os sintomas psicopatológicos, o terapeuta
figura acima). vai precisar analisar a estrutura de personalidade do
Essa reformulação contribuiu para a valorização paciente e compreender seu psicodinamismo.
do aspecto inter-relacional, tanto na formação da Só assim ele poderá estabelecer suas hipóte-
personalidade do indivíduo e no seu processo de ses sobre o problema apresentado pelo paciente e,
desenvolvimento, como na díade paciente-terapeuta, então, elaborar o FOCO terapêutico. Na P. Focal o
além de enfatizar a necessidade de mudança na pos- conhecimento da gênese dos problemas vai ser, para
tura do terapeuta, no sentido de sugerir uma atitude o paciente, apenas acessório, já para o terapeuta,
mais empática na relação com o paciente. esse será muito importante para o planejamento
das EECs.
Abordagem matemática: correlação entre
os diagnósticos nosológico e psicodinâmico - Abordagem psicopatológica neo-darwiniana:
“Prova dos Nove” o foco do tratamento é o conflito principal do
paciente visando soluções adaptativas para sua
L. McCullough considerou que a maioria dos realidade atual
sintomas, que são detectados na avaliação noso-
lógica e estão dentro dos critérios de definição dos Apenas recentemente é que Darwin deixou de
diagnósticos dos Eixos I e II do DSM-IV, correspondem ficar restrito ao campo das ciências naturais, sendo
aos comportamentos disfuncionais e defensivos. “recuperado” pelas descobertas neurocientíficas e
Esses comportamentos desadaptados, na avaliação re-inserido num contexto mais amplo das ciências
psicodinâmica, são identificados no Pólo da Defesa humanas, podendo a teoria evolucionista darwiniana
do Triângulo do Conflito. Por isso, ressaltou também ser absorvida em outras áreas.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 31
Artigo original
Resumo
Avaliamos a acuidade visual na tabela ETDRS de 50 sujeitos voluntários para verificar o
efeito de três diferentes métodos psicofísicos nos valores medidos desta função. O Método
da Escada, o Método dos Limites e o Método de avaliação tradicional foram aplicados
em ordem aleatória, monocularmente. Um subgrupo foi submetido ao reteste. O Método
da Escada apresenta melhores valores de acuidade visual, com menos variabilidade no
reteste do que o Método dos limites e o Método Tradicional, este que apresenta piores
valores de acuidade e uma variabilidade significante entre o teste e o reteste. Concluí-
mos que apenas a metodologia é capaz de interferir significativamente nos valores de
acuidade medidos. Este resultado reforça a necessidade de se conhecer os princípios
da testagem psicofísica principalmente pelos profissionais clínicos que fazem uso cor-
rente desta metodologia e discrepâncias entre os resultados podem ser erroneamente
atribuídos aos processos de doença.
Abstract
We evaluated the visual acuity of 50 volunteers in the ETDRS acuity chart, to test the
effect of three different psychophysical tests in the acuity values. Random testing of the
Method of the Limits, Staircase and the traditional way of testing visual acuity were done
*Depto Psicologia Experimental,
monocularly. A subgroup was retested. The staircase method had the better visual acuity
Instituto de Psicologia, Universidade values and a lower variability than the Staircase and Traditional methods. This method
de São Paulo e Núcleo de Neuroci- showed a worse visual acuity values and a statistically higher variability in the retest. We
ências e Comportamento, Univer- conclude that the method by itself interfere significantly in the acuity values measured.
sidade de São Paulo/SP, **Depto This result reinforce the necessity of the clinicians to know the principles of the psycho-
physical measurement, since they use routinely and the discrepancies between results
Psicologia Experimental, Instituto
should be, by mistake, considered as a disease process.
de Psicologia, Universidade de São
Paulo/SP
Key-words: psychophysics, visual thresholds, visual acuity, visual performance, spatial
vision.
Correspondência: Marcelo Fernan-
des da Costa, PhD, Dept. Psicologia Introdução
Experimental, Instituto de Psicolo-
gia, Universidade de São Paulo Av. Avaliações de funções visuais realizadas na clínica oftalmológica
Prof. Mello Moraes, 1721, 05508- envolvem a medidas de limiares ou sensibilidades realizadas por méto-
900 São Paulo SP, Tel: (11) 3091 dos psicofísicos, como a acuidade de optotipos de Snellen, acuidade de
4263, E-mail:costamf@usp.br resolução de grades, medidas de sensibilidade ao contraste especial de
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 33
luminância, medidas de sensibilidade no campo visual estudo foi o de mediar a acuidade visual na tabela de
e testes de visão de cores [1]. Tais medidas são utiliza- optotipo utilizando três métodos psicofísicos do dos
das para diagnóstico e/ ou monitoramento de doenças limites e um método da escada modificado.
oftalmológicas como o erro refrativo [2-5], o glaucoma
[6-8], a retinopatia diabética [9-17], toxicidade retiniana Material e métodos
[18-23], ambliopia e alterações da motilidade ocular,
como o estrabismo [3,24-39]. Sujeitos
Os procedimentos e métodos psicofísicos são
extensivamente estudados por psicólogos e pesqui- Avaliamos 50 voluntários (18 homens) com ida-
sadores da visão mas pouco deste conhecimento de variande de 19 a 43 anos (média = 28,1 anos;
básico chega ao medico clínico e aos tecnólogos que DP = 7,2) recrutados entre os funcionários e alunos
realizam diariamente estes testes em suas práticas da Universidade de São Paulo. Todos os sujeitos não
profissionais. apresentavam queixas oftalmológicas e tinham erros
Os métodos psicofísicos foram criados por Gustav refrativos apropriadamente corrigidos com óculos.
Theodor Fechner no século 19 [40], os atualmente Os critérios de inclusão foram: ausência de doenças
conhecidos como métodos psicofísicos clássicos. oftalmológicas e sistêmicas, não ser fumante (consi-
Desde então, muitos outros procedimentos psicofísi- derada como 3 ou mais cigarros por dia) e ausência
cos, conhecidos como métodos adaptativos, tem sido de dicromacia ou tricromacia anômala avaliada pelo
constantemente desenvolvidos (para revisão, veja [41]). teste Farnsworth-Munsell 100 matizes (FM100H).
No entanto, de uma maneira geral, os procedimentos A pesquisa se adere aos termos da Declaração
psicofísicos envolvem a medida de limiar. O limiar é de Helsinki e foi aprovada pelo Comitê de Ética e
definido como a minima diferença de um estímulo Pesquisa local. Consentimento informado foi obtido
que pode ser detectada, em alguma porcentagem pré- de todos os voluntários.
definida de detecção, após uma série de apresentações
variadas de uma determinada dimensão do estímulo. Equipamento
A medida mais utilizada em oftalmologia como
avaliação functional do sistema visual é a Acuidade Acuidade visual foi medida monocularmente
Visual, definida como a recíproca do limiar de se- utilizando-se a tabela logMAR ETDRS (Xenonio Ltd, Bra-
paração especial de elementos do estímulo visual. sil) [42]. A tabela logMAR ETDRS era trasniluminada e
Mesmo para medidas tão simples como a acuidade suspensa em um suporte adequado. A transluminância
visual, três importantes elementos estão modulan- da tabela tinha 100 cd.m-2. Os optotipos apresentavam
do o limiar: o estímulo, com suas características tamanho que variava entre 1,0 (equivalente Snellen
espaciais, temporais e cromáticas; a tarefa a ser de 20/200) e -3,0 (20/10) logMAR na distância de 4
desempenhada pelo sujeito; e o critério de resposta metros. Os passos entre as linhas da tabela apresen-
adotado pelo sujeito para definer o que é resposta, tam uma variação de 0,1 logMAR. Um diferencial desta
isto é, de que forma ele vai responder positivamente tabela é o fato dela apresentar o mesmo número de
para os vários estímulos. Vários métodos adaptati- optotipos (cinco) em todas as linhas.
vos foram desenvolvidos com a intenção de reduzir
a influência destes três componentes da resposta Procedimento
psicofísica, visando uma medida de limiares mais
“limpa”, mais próximas do real limiar. Três métodos psicofísicos foram utilizados para a
Embora o assunto seja motivos de grandes gas- avaliação da Acuidade Visual em todos os voluntários:
tos de energia de pesquisadores e profissionais que medida realizada pelo método tradicional, método dos
desenvolvem testes psicofísicos, poucos clínicos tem limites e método da escada simples. A tarefa dos vo-
ciência de como estes elementos podem interferir na luntários era de identificar a orientação do optotipo E,
resposta dada pelo paciente e, portanto, variações podendo arriscar um palpate quando não tinha certeza
na resposta podem ser erroneamente interpretadas. da orientação. As orientações variavam entre quarto
A tradicional medida da acuidade visual consiste possibilidades: para cima, para baixo, para a direita
em ler leteras emu ma tabela de optotipo, iniciando e para a esquerda. A medida foi realizada monocular-
pelas baixas frequencias espaciais (letras maiores) mente, em apenas um olho, aleatoriamente escolhido.
finalizando na linha de frequencia especial mais lata Os olhos foram ocluídos com um oclusor oftalmológico
que o sujeito consegue ler. Assim, o objetivo deste (Oftam AMP, Brasil) e olhavam a tabela a 4 metros
34 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
de distância. Reteste foi realizado em 13 voluntários iniciou a indicação do estímulo, a letra E, numa série
aleatoriamente escolhidos, no mesmo olho testado an- descendente (ou seja, +1.0 logMAR em direção a -3,0
teriormente, com um intervalo entre sessões de 7 dias. logMAR) até que o participante cometesse um erro.
No método tradicional, o examinador, partindo Neste ponto, a escada foi revertida para a série ascen-
dos optotipos de baixa frequencia especial (1.0 log- dente e a visibilidade do estímulo foi aumentada, isto é,
MAR) aponta progressivamente para optotipos de o examinador indicou uma letra da fileira imediatamente
tamanhos menores a cada 2 acertos em uma mesma anterior até que o participante cometesse um acerto.
linha. A progressão era interrompida na linha em que Neste ponto, a escada foi revertida para a série descen-
o sujeito informava uma resposta errada. O examina- dente e a visibilidade do estímulo foi diminuída, isto é, o
dor voltava para uma linha imediatamente anterior e examinador indicou uma letra da fileira imediatamente
checava quantas letras o voluntário conseguia res- posterior. A medição da acuidade visual terminou quan-
ponder corretamente. A acuidade visual considerada do foram realizadas seis reversões. A acuidade visual
foi o valor correspondente ao desta última linha na foi calculada pela média aritmética de todos os valores
qual o voluntário respondeu corretamente. apresentados após a primeira inversão de cada série.
No Método dos Limites foram realizadas, alterna-
damente, três séries ascendentes e três séries descen- Resultados
dentes de apresentação de estímulos. Nas séries ascen-
dentes, o examinador, inicialmente, apontou uma das Todos os 50 voluntários realizaram as avalições
letras da última fileira (maior acuidade visual) e conforme nos três métodos. Os valores médios de Acuidade
o participante identificasse corretamente a abertura da Visual são: -0,15 logMAR (DP = 0,11) para o método
letra E progredia em direção as fileiras de cima (menor tradicional, -0,19 logMAR (DP = 0,08) para o método
acuidade visual). As séries ascendentes terminavam com dos Limites e -0,23 logMAR (DP = 0,07) para o méto-
um acerto do participante. Nas séries descendentes, o do da escada. Os valores de normalidade definidos
examinador, inicialmente, apontou a letra da primeira pelos Percentis 2,5% e 97,5% são: -0,3 e 0,0, -0,3 e
fileira (menor acuidade visual) e conforme o participante 0,0 -0,3 e -,05 para os métodos Tradicional, Limites
identificasse corretamente a abertura da letra E progredia e Escada, respectivamente.
em direção as fileiras de baixo (maior acuidade visual). A análise univariada da ANOVA para Medidas
As séries descendentes terminavam com um erro do Repetidas mostrou haver diferenças estatísticas
participante. O teste foi finalizado quando as seis séries entre os métodos (F = 30,564, p < 0,001). O teste
foram realizadas. A acuidade visual correspondeu à mé- pos hoc de Tukey HSD mostrou que os valores de
dia aritmética dos limites das séries. O limite de série acuidade obtidos por cada método diferem entre si
correspondeu ao ponto médio numa inversão. com o Método da Escada apresentando as melhores
No Método da Escada o examinador realizou uma acuidades visuais e os Método tradicional os valores
alternação simples de séries descendentes e ascen- mais baixos de acuidade visual (Figura 1).
dentes de apresentação do estímulo. O examinador
Figura 1 - Valores de acuidade obtidos comm três diferentes metodologias são apresentados: método
tradicional, método dos limites e método da escada. No painél da direita temos os valores de media e desvio
padrão para cada uma das medidas. Diferenças estatísticas foram obtidas entre os três métodos. No painél
da esquerda temos os valores individuais dos 50 sujeitos testados.
0,00 X X X -0,10 *
X X
-0,10 X X
X X
X X *
X
X X -0,15
X X
-0,20 X X X
X X
X X
X
X X
X -0,20
-0,30 X X X
-0,40 -0,25
Tradicional Limites Escada Tradicional Limites Escada
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 35
Embora haja diferenças estatísticas entre os Figura 3 - Apresentamos os dados das avaliações
métodos psicofísicos há uma maior similaridade entre repetidas em um subgrupo de pacientes. Observa-
as medidas obtidas com o Método dos Limites e o mos que a variabilidade entre as medidas foi signifi-
Método da Escada, quando estes são comparados cantemente maior no método tradicional do que nos
com o Método Tradicional (Figura 2). métodos dos limites e da escada.
AV (LogMAR)
escada e dos limites apresentam uma maior similari-
-0,10
dade entre os resultados do que quando compara-
dos com o método tradicional de medida. -0,15
0,0 -0,20
AV (LogMAR) - Limites
-0,25
-0,1
-0,30
Tradicional Limites Escada
-0,2
Método
-0,3 Correlações entre as medias teste e reteste
mostraram uma correlação positiva significante para
-0,4 o Método Tradicional (R = 0,72, p = 0,006), para o
-0,4 -0,3 -0,2 -0,1 0,0
Método dos Limites (R = 0,82, p = 0,001) e para o
AV (LogMAR) - Escada
Método da Escada (R = 0,72, p = 0,005)..
0,0
AV (LogMAR) - Tradicional
Discussão
-0,1
A acuidade visual é a medida clínica fundamental
-0,2 da função visual [43], muitas vezes aparecendo como
a única medida functional realizada na prática clínica
-0,3 oftalmológica. Nas últimas décadas, uma importante
quantidade de estudos foram dirigidos para o desen-
-0,4 volvimento de novos métodos de medida, usando
-0,4 -0,3 -0,2 -0,1 0,0 tabelas de optotipos, com o objetivo de obter uma
AV (LogMAR) - Escada maior confiabilidade, maior redução na variabilidade
das medidas, bem como um aumento na precisão
0,0 do resultado (para revisão ver [43]).
AV (LogMAR) - Tradicional
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Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 39
Artigo original
Resumo
A análise de dados em eletrofisiologia rotineiramente necessita de processamentos digi-
tais nos dados provenientes de registros originais. Um processamento muito comum é o
uso de filtros digitais off-line. Uma forma de realizar as filtragens é aplicar a transformada
de Fourier para converter dados do domínio do tempo para o domínio das frequências
temporais e, assim, anular a contribuição de determinadas frequências temporais. Após a
realização da operação inversa e reconstruir os dados no domínio do tempo, a informação
*Biólogo, Doutor em Neurociências, passa a estar de acordo com os objetivos da análise. Pesquisadores e estudantes com
Professor Adjunto, Instituto de Ciên- formações acadêmicas diferentes daquelas das ciências exatas e da computação vêem-
cias Biológicas / Núcleo de Medici- se limitados em utilizar tal ferramenta matemática devido à complexidade dos cálculos
na Tropical, Universidade Federal do e da lógica computacional de algumas linguagens de programação mais convencionais.
Neste trabalho, buscamos introduzir intuitivamente a transformada de Fourier e mostrar
Pará, **Biólogo, Doutor em Neuroci-
códigos em linguagem de programação MATLAB para a aplicação da transformada de
ências, Professor Adjunto, Instituto Fourier para a realização de filtragens digitais em dados de potencial cortical provocado
de Ciências Biológicas, Universidade visual. A linguagem de programação MATLAB é ideal para iniciantes em computação e
Federal do Pará, ***Médico, Doutor matemática devido já haver ferramentas matemáticas previamente prontas e a lógica de
em Biofísica, Professor Associado, programação ser relativamente simples.
Instituto de Ciências Biológicas /
Núcleo de Medicina Tropical, Univer- Palavras-chave: Teoria de Fourier, Filtragem digital de dados, MATLAB, eletrofisiologia,
potencial cortical provocado visual.
sidade Federal do Pará
Abstract
Data analysis in electrophysiology usually needs digital processing of the original data. A
common processing is the usage of off-line digital filters. One way to proceed the filtering
is to apply Fourier Transform to convert the data from the time domain to the temporal
frequency domain in order to remove the specific contribution of some temporal frequen-
cies. After performing the inverse operation and reconstructing the waveform in the time
domain, the information content will be suited to the planned analysis. Researchers and
students without advanced knowledge in mathematics or computer science face difficul-
ties to use this mathematical tool due calculus and programming logic complexities found
in many conventional programming languages. In this work, we intended to intuitively
introduce Fourier Transform e to show programming codes in the MATLAB language that
could be applied to digital filtering of visual evoked potential data. The MATLAB language
is ideal for beginners in computer science and digital processing because it has a pre-
programmed tool dedicated to Fourier Analysis and the programming logic is relatively
easy to understand.
Key-words: Fourier theory, data digital filtering, MATLAB, electrophysiology, visual evoked
cortical potential.
Figura 1 - Soma de cinco funções seno de diferentes Figura 2 - (A) Funções impulso deslocadas e uma
amplitudes, frequências e fase, dando origem a uma função seno (B) obtida pela amostragem de valores
função qualquer. As setas mostram o princípio usado que correspondem à multiplicação da função seno
pela Transformada de Fourier direta (FFT) que cor- pelas funções impulso deslocadas. O parâmetro Ts
responde à decomposição de um sinal em funções é o período de amostragem e nesse caso tem valor
seno e a Transformada Inversa (IFFT) que correspon- fundamental de π / 4 ou 111 milissegundos. Ver
de à síntese das funções seno em uma dada função. texto para mais detalhes.
Os termos FFT e IFFT são explicados no texto. A
1
0,5
0
Ts 2Ts 3Ts 4Ts 5Ts 6Ts 7Ts 8Ts
Tempo (t)
B
Amplitude
1
Amplitude (sen(t))
0,5
6Ts 8π/4
5Ts 6π/4 7π/4 8Ts
5π/4 7Ts
0
π/4 3π/4
Ts 2π/4 3Ts 4π/4
2Ts 4Ts
-0,5
-1
Tempo Tempo (t)
42 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
Seguindo no escrutínio dos termos mais im- é mais bem diferenciada do restante do registro não
portantes da transformada discreta, é importante relacionado à estimulação. No domínio das frequên-
salientar que nos métodos de amostragem existem cias temporais, a resposta de estado estacionário
dois períodos distintos e nem sempre muito bem dife- apresenta maior resolução que as respostas transien-
renciados em textos sobre transformada discreta de tes. A energia da resposta transiente se espalha em
Fourier. Para uma janela temporal que tem um sinal diferentes frequências temporais, enquanto a energia
de período T (no caso da função seno exemplificada da resposta de estado estacionário é concentrada
na figura 2B, T = 2π), define-se também o período em determinadas frequências temporais.
de amostragem ou espaço de amostragem Ts= T / N. O uso da FDT para estudos em eletrofisiologia
No caso da função seno da figura 2B, Ts = π /4 ou visual possibilita a filtragem de frequências temporais
em valor de tempo, os 111 milissegundos já citado. que representem ruído ao sinal, como a frequência
À medida que os pontos são amostrados o período temporal da rede elétrica (60 Hz) ou componente de
Ts vai sendo multiplicado por um fator k, onde k = corrente direta (0 Hz), além de restringir o estudo
0,..., (N - 1), de tal maneira que no quarto ponto de dos dados à frequências que realmente compõem a
amostragem k = 3 e tem-se que 3Ts= 333 milisse- resposta provocada através de filtragens passa-baixa
gundos. Finalmente, em analogia com a frequência ou passa-alta [1-3,6-8].
angular defini-se a frequência de amostragem como
sendo ωn= 2πn/T. Ambiente de programação MATLAB
Um modo rápido e eficiente de se aplicar a trans-
formada discreta de Fourier e sua inversa é usando O ambiente de programação MATLAB foi desen-
um algoritmo para computação rápida e de fácil apli- volvido no final dos anos 1970 por Clever Moler [9]
cação em processamento digital de sinais. Esse al- e tem sido amplamente usada para desenvolvimento
goritmo é usualmente referido como FFT (Fast Fourier de trabalhos técnicos nas mais diferentes áreas
Transform) ou Transformada Rápida de Fourier. A FFT [10,11]. O programa é destinado para a realização
fornece exatamente os mesmos resultados da DFT. de cálculos matriciais, processamento de sinais e
A alteração ocorre tão somente na representação e construção de gráficos. O ambiente MATLAB tem
sua obtenção ocorre basicamente pela modificação matrizes como elemento básico de informação. Di-
da DFT usando propriedades das raízes complexas ferentemente de outras linguagens de programação
da unidade. Essa manipulação é feita com o termo tradicionais, o ambiente MATLAB apresenta uma
2πink / N e não será mostrada aqui. Para detalhes série de ferramentas de processamento de dados
consultar a referência 4. prontas para utilização do usuário e os comandos
Em eletrofisiologia não invasiva são registrados são muito semelhantes àqueles que normalmente
valores de voltagem ao longo do tempo. O uso da DFT utilizamos em expressões algébricas [12]. Esse
possibilita visualizarmos os mesmos dados no domí- aspecto é positivo para pesquisadores que não têm
nio do tempo, no qual os registros são comumente formação mais profunda em matemática e programa-
mostrados, e no domínio das frequências temporais ção de computador utilizarem tal linguagem, pois a
do mesmo registro, ou seja, nos permite estudar a compreensão torna-se facilmente intuitiva.
composição espectral dos dados [2]. Neste artigo descreveremos códigos em ambien-
Em eletrofisiologia visual, os registros podem ser te MATLAB necessários para realizar a transformada
divididos em transiente e de estado-estacionário [5]. de Fourier sobre dados de potencial cortical provo-
A diferença se dá pelo fato da frequência temporal de cado visual afim de posterior construção de filtros
estimulação ser baixa para os registros transientes e digitais sobre esses dados.
permitir que o sistema nervoso visual possa respon-
der ao estímulo e voltar ao nível de atividade anterior Métodos para registro e estimulação
à estimulação, enquanto para os registros de estado
estacionário a frequência de estimulação é alta, o que Estimulação
faz com que o sistema nervoso visual sobreponha
respostas e o sinal do registro no domínio do tempo O estímulo usado foi rede senoidal acromática
fique semelhante a ondas senoidais. No domínio do em um campo quadrado de 5 graus de ângulo visual,
tempo a resposta transiente é mais bem localizada com frequência espacial de 0,4 cpg, luminância mé-
que a resposta do estado estacionário, ou seja, a dia de 40 cd/m2 e contraste de Michelson de 100%.
variação de voltagem do sinal em função do tempo O estímulo foi apresentado com reversão de fase de
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 43
Amplitude (Microvolt)
porais. Para extrair os valores absolutos dos números 10
complexos utilizou-se a função abs( ). O gráfico que
mostra a amplitude de cada harmônico é mostrado 0
na Figura 3B. A matriz Amplitude_Harm é composta
por 1 linha x 1000 colunas. Os dados estão dispostos -10
em ordem crescente de frequência temporal até a
metade do número total de pontos da matriz. Daí em -20
diante, os valores são um espelho dos dados iniciais
da matriz agora em ordem decrescente. Os motivos -300 100 200 300 400 500 600 700 800 900
matemáticos disto estão além dos objetivos deste Tempo (ms)
tutorial. Vale ressaltar que a matriz Amplitude_Harm 5
B
inicia com a amplitude do componente DC e termina 4,5
com a amplitude da frequência temporal 1 Hz da 4
Amplitude (Microvolt)
parte espelho da matriz. Para fins didáticos vamos
3,5
observar apenas as frequências de 0 – 100 Hz (Figura
3
3C e Código 3), mas vale lembrar que além de 100
Hz ainda existem frequências temporais superiores 2,5
a esta em nossos dados. 2
1,5
Código 3 1
0,5
• bar(f,Amplitude_Harm)
00 100 200 300 400 500 600 700 800 900
• xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’);
• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’); Frequências temporais (Hz)
• axis([0 100 0 +5])%Código de ajuste dos 5
C
limites eixos das abcissas e das ordenadas, res- 4,5
pectivamente 4
Amplitude (Microvolt)
3,5
Figura 3 - Dados do potencial cortical provocado 3
visual mostrado no domínio do tempo (A) e no
2,5
domínio das frequências temporais (B-C). (A) Regis-
tro do potencial cortical provocado visual mostrado 2
como variação de diferença de potencial elétrico 1,5
entre dois eletrodos posicionados no escalpo em 1
função do tempo. Os dados do domínio do tempo 0,5
foram submetidos à análise de Fourier. O resultado 0
da análise de Fourier é um conjunto de pares de 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Frequências temporais (Hz)
funções senoidais de diferentes frequências tempo-
rais, amplitudes e fases. Em B, são mostrados os
dados que resultam da aplicação da função fft( ) no Processamento dos dados: filtragens off-line de
MATLAB. A primeira metade da matriz traz as am- harmônicos pares e ímpares
plitudes das frequências temporais, as quais estão O uso de filtragens off-line tem sido muito apli-
ordenadas em ordem crescente iniciando pelo com- cado em estudos com potencial cortical provocado
ponente DC. A segunda metade da matriz traz os visual [1-4]. O Código 4 mostra o algoritmo para
mesmos dados em ordem inversa (dados espelho) fazermos a filtragem dos harmônicos ímpares dos
terminando na amplitude correspondente a 1 Hz. dados carregados anteriormente.
Em C, para fins didáticos restringimos nosso estudo
na visualização dos 100 primeiros harmônicos.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 45
3,5
contribuição de todas as frequências superiores à
3 frequência temporal escolhida, enquanto a filtragem
2,5 passa-alta elimina a contribuição de todas as frequ-
2 ências temporais abaixo de uma frequência temporal
1,5 de referência. O Código 7 traz os algoritmos para
1 realizar filtragem passa-baixa no registro.
0,5
Código 7
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Frequências temporais (Hz) • Fs = 1000;
30
• T = 1/Fs;
B
• L = 1000;
20
• t = (0:L-1)*T;
• NFFT = 2^nextpow2(L);
Amplitude (Microvolt)
10
• Rec = importdata(,Registro.txt‘);
0 • Harm = fft(Rec,NFFT)/L;
• n = length(Harm); %Comando para identificar
-10 a extensão do vetor Harm
• Filtro = 40; %Comando de indicação da frequ-
-20 ência de corte do filtro passa-baixa
• Harm(1,(Filtro+1):1:(n/2)-1) = 0;
-30 %Comando de filtragem dos harmônicos de 41 Hz
0 100 200 300 400 500 600 700 800 900
Tempo (ms) até o fim da primeira metade dos dados
5 • Harm(1,((n+1)-((n/2)+1):1:(n+1) -
C Filtro)) = 0; %Comando de filtragem dos
4,5
harmônicos da parte espelho dos dados referen-
4
tes a frequências superiores a 40 Hz
Amplitude (Microvolt)
3,5
• f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT);
3 • Amplitude_Harm = abs(Harm);
2,5 • bar(f,Amplitude_Harm)
2 • xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’);
1,5 • ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’);
1 • axis([0 100 0 +5])
0,5
A Figura 5A mostra a distribuição espectral
00 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 dos dados após o corte de energia em frequências
Frequências temporais (Hz)
temporais superiores a 40 Hz. A Figura 5B mostra o
30
registro reconstruído usando o mesmo algoritmo do
D
20
Código 5 após a filtragem passa-baixa. O Código 8
mostra o algoritmo para realizar filtragens passa-alta.
Amplitude (Microvolt)
10
Código 8
0
• Fs = 1000;
-10 • T = 1/Fs;
• L = 1000;
-20 • t = 1000*((0:L-1)*T);
• NFFT = 2^nextpow2(L);
-30 • Rec = importdata(‘Registro.txt’);
0 100 200 300 400 500 600 700 800 900
Tempo (ms)
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 47
Amplitude (Microvolt)
rentes da metade espelho dos dados.
3,5
• f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT);
3
• Amplitude_Harm = abs(Harm);
2,5
• bar(f,Amplitude_Harm)
• xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’); 2
3,5
É muito comum realizar filtragens em frequências 3
específicas para principalmente eliminar artifícios da 2,5
influência da rede elétrica. As duas frequências mais 2
comuns de serem filtradas neste tipo de filtragem 1,5
são o componente DC e 60 Hz. No Brasil a frequência
1
da corrente alternada da rede elétrica é de 60 Hz,
0,5
no entanto em outros países pode diferir. A filtragem
00 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
em frequências específicas é denominada filtragem
Frequências temporais (Hz)
notch. O Código 9 mostra os algoritmos para reali- 30
D
zar a filtragem da frequência de 60 Hz, enquanto o
20
Código 10 mostra os passos a seguir para realizar a
filtragem do componente DC do registro.
Amplitude (Microvolt)
10
Amplitude (Microvolt)
• f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT);
• Amplitude_Harm = abs(Harm); 10
• bar(f,Amplitude_Harm)
0
• xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’);
• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’);
-10
• axis([0 100 0 +5])
-20
Código 10
-30
0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000
• Fs = 1000;
Tempo (ms)
• T = 1000/Fs; 2,5
• L = 1000; B
• t = (0:L-1)*T;
2
• NFFT = 2^nextpow2(L);
Amplitude (Microvolt)
• Rec = importdata(,Registro.txt‘);
• Harm = fft(Rec,NFFT)/L; 1,5
• Harm(1,1) = 0; %Comando para zerar a energia
do componente DC, o primeiro elemento do vetor Harm 1
• f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT);
• Amplitude_Harm = abs(Harm); 0,5
• bar(f,Amplitude_Harm)
• xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’); 0
• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’); 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
• axis([0 100 0 +5]) Frequências temporais (Hz)
30
C
No Código 9, resolvemos importar um registro
20
que apresentasse bastante ruído para poder visua-
Amplitude (Microvolt)
p ( )
Agradecimentos
2,5
D
Este trabalho recebeu auxílio do CNPq-PRONEX
2 / FAPESPA / FADESP #2268, CNPq #550671/2007-
Amplitude (Microvolt)
0,5 Referências
1. Souza GS, Gomes BD, Saito CA, da Silva Filho M,
0 Silveira LCL. Spatial luminance contrast sensitivity
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
measured with transient VEP: comparison with
Frequências temporais (Hz)
psychophysics and evidence of multiple mechanisms.
Invest Ophthalmol Vis Sci 2007;7:3396-404.
2. Gomes BD, Souza GS, Rodrigues AR, Saito CA,
Silveira LCL, da Silva Filho M. Normal and dichromatic
color discrimination measured with transient visual
Programação de dados: possíveis erros para evoked potential. Vis Neurosci 2006;23:617-27.
o iniciante em MATLAB 3. da Costa GM, dos Anjos LM, Souza GS, Gomes BD,
Saito CA, Pinheiro MCN, Ventura DF, da Silva Filho M,
Para que os códigos deste artigo possam fun- Silveira LCL. Mercury toxicity in Amazon gold miners:
visual dysfunction assessed by retinal and cortical
cionar corretamente os dados do registro precisam electrophysiology. Environ Res 2008;107:98-107.
estar dispostos em linha. O programador neste 4. Bracewell RN. The Fourier transform and its
primeiro momento deve evitar que o arquivo de tex- applications. New York: McGraw-Hill; 1965, 381 pp.
to apresente cabeçalhos de textos. Uma forma de 5. Tobimatsu S, Celesia GG. Studies of human visual
pathophysiology with visual evoked potentials. Clin
ajustar o arquivo de texto antes de processá-los no Neurophysiol 2006;117:1414-33.
MATLAB, é abrir o arquivo em um programa de plani- 6. Silveira LCL, Picanço-Diniz CW, Oswaldo-Cruz E.
lhas como o Microsoft Excel e apagar tudo que não Contrast sensitivity function and visual acuity of
seja os dados do registro e depois salvar o arquivo opossum. Vision Res 1982;11:1371-7.
7. Silveira, LCL, Heywood CA, Cowey A. Contrast
como arquivo de texto.
sensitivity and visual acuity of the pigmented rat
O arquivo de texto deve estar no mesmo diretório determined electrophysiologically. Vision Res
que aparece descrito na interface superior de entra- 1987;10:1719-31.
da do MATLAB, logo acima do Command Window. O 8. Heywood CA, Silveira LCL, Cowey A. Contrast
sensitivity in rats with increased or decreased
usuário pode escolher o diretório desejado para o
numbers of retinal ganglion cells. Exp Brain Res
programa trabalhar. Caso o arquivo não esteja no 1988;70:513-26.
diretório certo aparecerá uma mensagem de erro??? 9. Mathwork. [citado 2009 nov 04]. Disponível em
Error using ==> importdata at 115 URL:http://www.mathworks.com/company/
Unable to open file. aboutus/founders/origins_of_matlab_wm.html.
10. Vítek S, Hozman J. Modeling of imaging in Matlab.
Por fim, nos códigos de filtragens é necessário Radioengineering 2003;12:55-7.
anular a contribuição energética das frequências 11. White JW, Ruttenberg BI. Discriminant function
desejadas e de suas correspondentes na parte es- analysis in marine ecology: some oversights and
pelho dos dados que retornam da função fft( ). Caso their solutions. Mar Ecol Prog Ser 2007;329:301-5.
12. Hanselman D, Littlefield B. MATLAB 6: Curso
não ocorre exatamente a eliminação da energia das completo. São Paulo: Prentice Hall; 2003. 676 pp.
frequências da forma adequada, quando se realizar a 13. Odom JV, Bach M, Brigell M, Holder GE, McCulloch
transformada inversa para reconstruir o registro após DL, Tormene AP, Vaegan. ISCEV standard for clinical
a filtragem aparecerá a seguinte mensagem: Warning: visual evoked potentials (2009 update). Documenta
Ophthalmologica. [citado 2009 oct 14]. Disponível
Imaginary parts of complex X and/or Y arguments em URL: http://www.iscev.org/standards/index.
ignored. Assim, o usuário deverá voltar às linhas html
relacionadas à anulação da energia dos harmônicos 14. Sannita WG, Conforto S, Lopez L, Narici L.
e avaliar quais frequências estão sendo zeradas e Synchronized 15.0-35.0 Hz oscillatory response
to spatially modulated visual patterns in man.
se elas são correspondentes na primeira parte dos
Neuroscience 1999;89:619–23.
dados e na segunda parte dos dados (espelho).
50 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
1981, por pesquisas sobre a separação e identifica- No artigo intitulado What the frog’s eye tells
ção das funções dos hemisférios esquerdo e direito the frog’s brain [7], os autores demonstraram, com
do cérebro (split-brain). A partir de um experimento grande elegância, que o sistema visual da rã não
surpreendente em salamandra, realizado em 1943, representa a realidade, mas sim a constrói. Isto é “a
Effect of 180 degree rotation of the retinal field on rã fala com o cérebro numa linguagem já altamente
visual motor coordination, [3], Sperry observou que organizada e interpretada em vez de transmitir cópia
a rotação de 180 graus do campo retiniano resultou mais ou menos acurada da distribuição da luz sobre
numa inversão e reversão completa da percepção os receptores”. O que é verdadeiro para a rã devia,
visual claramente manifesta em reações errôneas então, ser transportado também para os humanos,
deliberadas e em várias execuções anormais dire- já que não havia razão para acreditar que o sistema
tamente correlacionadas com a rotação retiniana. nervoso humano fosse construído de forma peculiar
As salamandras têm a capacidade de regeneração para detectar o mundo como ele “realmente” é [8].
e de restituição tissular, que possibilita que um olho Humberto Maturana, naquele momento um jovem
retirado e rotado volte a cicatrizar suas conexões neurofisiologista chileno, também participou do refe-
com a órbita, com regeneração do nervo óptico, rido artigo e passou a utilizá-lo como um trampolim
conectando-se novamente com o cérebro. O animal para o desconhecido. Contrariando a objetividade
recupera a visão, não apresentando diferença entre científica tradicional, ele desenvolveu, de forma
um animal operado e um normal. Maturana reprodu- inovadora, uma nova forma de falar sobre a vida e
ziu o experimento em 1955, quando era estudante sobre a função do observador em descrever sistemas
na Inglaterra e se perguntou: “Em que consiste o fe- vivos [8].
nômeno da cognição? O que é que acontece nestas Tanto o sistema nervoso como o imunitário per-
circunstâncias em que a salamandra normalmente cebem o “quanto” e não o “quê”. Heinz von Foerster
lança sua língua quando há um bichinho em sua fren- [9] chamou a isso de Princípio da codificação não
te? O que é que acontece quando eu, observador, diferenciada. Segundo ele: “Na resposta de uma
ou qualquer observador vejo um bichinho lá, fora da célula nervosa não é a natureza física [o quê] da
salamandra, e a salamandra lança sua língua e o causa da excitação que está codificada. Somente
captura? O que é isto de dizer que há um bichinho é codificada a quantidade [quanto] de intensidade
lá, no momento em que a salamandra lança sua lín- da causa da excitação... Assim como para a retina,
gua?” [4]. Maturana, em seu próprio depoimento, só o mesmo é válido para todas as demais células
veio a compreender o sentido desse experimento em sensoriais, como as papilas gustativas da língua,
1968, portanto 13 anos após reproduzi-lo na Inglater- células táteis ou qualquer tipo dos demais receptores
ra [4,5]. Retirou disso a conclusão forte e definitiva que estão relacionados com sensações tais como
de que a reação da salamandra não é determinada cheiro, calor e frio, som e outros. Todos são ‘cegos’
por algo externo, mas por sua estrutura interna. Em à qualidade da excitação e respondem unicamente
vez de apontar para algo externo, realiza “correlação à quantidade dela. Isto é assombroso, porém não
interna” [6]. Ou seja, Maturana percebeu que desde deve surpreender-nos, já que ‘ali fora’ efetivamente
o momento em que a salamandra joga sua língua não há luz, nem calor, somente existem ondas ele-
para capturar um verme ou larva, estabelece uma tromagnéticas; tampouco há ‘ali fora’ som e música,
correlação interna entre a atividade de uma parte da somente existem flutuações periódicas da pressão
retina e a parte do sistema nervoso motor ou efetor, do ar; ‘ali fora’ não há nem calor, nem frio, somente
que gera o movimento de lançamento da língua. existem moléculas que se movem com maior ou
Segundo Maturana [5], “para o operar do sistema menor energia cinética média. Finalmente, ‘ali fora’,
nervoso da salamandra é indiferente que se tenha com toda a certeza, não há dor.
rotado ou não o olho depois que se restabelece a Uma vez que a natureza física da excitação, isto
conexão retina-cérebro. É para o observador que é, sua qualidade, não intervém na atividade nervosa,
a salamandra aparece apontando com um desvio apresenta-se a seguinte interrogação fundamental:
de 180º, porém ela não aponta. A salamandra faz como nosso cérebro evoca a assombrosa multiplici-
exatamente o mesmo que fazia antes: uma correla- dade deste mundo multicolorido que experimentamos
ção sensório-motora entre a atividade de uma área em todo o momento durante a vigília e, em ocasiões,
particular da retina e o sistema motor da língua e também em sonhos? Aqui reside o ‘problema do
do corpo”. Logo, segundo Maturana [5], o sistema conhecimento’, a busca da compreensão dos pro-
nervoso opera fazendo correlações internas. cessos do conhecimento.”
52 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
Para Von Foerster [9], conhecer não é computar sões; e podemos selecionar uma resposta motora
a realidade, nem computar descrições de uma reali- a partir do elenco disponível no cérebro ou formular
dade, mas sim computar descrições de descrições, uma resposta motora nova, que é uma composição
eliminando a ‘realidade’. Segundo ele, “a realidade desejada e deliberada de ações que pode ir desde
só se apresenta aqui implicitamente como a opera- uma expressão de cólera até abraçar uma criança,
ção de descrições recursivas. Além disso, podemos desde escrever uma carta para o editor até tocar uma
aproveitar a noção de que computando descrições sonata de Mozart ao piano” [13].
não significa nada mais que uma computação... Com esses apetrechos sensoriais e cerebrais
Resumidamente, proponho considerar os processos conseguimos lidar com a “realidade exterior” do
do conhecimento como processos ilimitadamente mesocosmos, não percebendo, sem utensílios ade-
recursivos de cálculo.” quados, o que se passa no micro e macrocosmos.
Os mundos dos bilhões de galáxias e das partículas
Na realidade, o sistema nervoso nunca entra em quânticas não fazem sentido para o nosso mundo.
contato direto com o exterior. Todos os estímulos ex- Como conseqüência da existência de aproximada-
ternos são percebidos por células sensoriais, localiza- mente 20mg de potássio radioativo 40 em nosso or-
das estrategicamente em diferentes partes do corpo, ganismo, emitimos cerca de 20 milhões de neutrinos
que funcionam como detectores do ambiente [10]. por hora e, em direção oposta, somos atravessados,
Por exemplo, existem receptores sensoriais para a cada segundo, por cerca de 50 bilhões dessas partí-
vários tipos de estímulos, tais como os mecanorecep- culas, produzidas em fontes radioativas da Terra [14].
tores (sensíveis a estímulos mecânicos contínuos ou Mas nossos receptores desconhecem essa realidade
vibratórios: estiramento, vibração, pressão, toque), subatômica. Não fazem parte do mundo que criamos
quimioreceptores (sensíveis a estímulos químicos), no cérebro ao vivermos no mesocosmos. Então, cria-
termoreceptores (sensíveis a variações térmicas: mos nosso mundo, que é individual para cada pessoa
calor, frio), fotoreceptores (sensíveis a estímulos e para cada animal dotado de cérebro. Nosso mundo
luminosos) e nocireceptores (sensíveis a diferentes não constitui a imagem de nada: é uma construção,
formas de energia: dor) [11]. A função primordial dos que emerge de uma realidade interna. Não é uma
sistemas sensoriais é traduzir a informação contida ilusão, pois não tem nada a ver com a “realidade
nos estímulos ambientais para a linguagem do siste- externa”. Essa realidade existe independente de nós,
ma nervoso, e possibilitar ao indivíduo utilizar essa por isso não cabe aqui a concepção de solepsismo.
informação codificada nas operações perceptuais ou Admite-se um mundo ontológico que existe e existiu
de controle funcional necessárias em cada momento antes de nós o conhecermos. Mas esse mundo não
[10]. Ainda segundo Lent [10], “o mecanismo de é o nosso mundo. De fato, a “realidade”, que perce-
tradução da ‘linguagem do mundo’ (as formas de bemos externamente a nós, é percebida como uma
energia contidas no ambiente) para ‘ a linguagem construção nossa. Ela é a nossa imagem e não o
do cérebro’ (os potenciais bioelétricos produzidos contrário. Nós somos os criadores e o mundo exter-
pelos neurônios) é semelhante em seus princípios no é a nossa imagem. Parece que nesse sentido a
básicos para todos os receptores, e consiste em Bíblia tinha razão: o criado é a imagem do criador.
duas etapas fundamentais: transdução e codificação. Essa é uma visão construtivista do conhecimento.
A transdução consiste na absorção da energia do es- Segundo von Glasersfeld [15], Giambattista Vico foi
tímulo seguida da gênese de um potencial bioelétrico o primeiro construtivista. Ele escreveu, no início do
lento (o potencial receptor ou potencial gerador). A século XVIII, uma tese denominada De Antiqüíssima
codificação consiste na transformação do potencial Italorum Sapientia, que é o primeiro manifesto cons-
receptor em potenciais de ação”. trutivista, já que, referindo-se ao mundo, ele disse
Para onde vão esses sinais sensoriais tradu- bem claramente que os seres humanos somente
zidos para a linguagem do cérebro? Na realidade podem conhecer o que eles mesmos tem criado. Ele
seguem caminhos determinados pela arquitetura cristalizou isso numa bela fórmula ao expressar que
cerebral, que não cabe aqui especificá-los, pois são Deus é o “artífice do mundo” e o homem “o deus dos
detalhados nos livros de neurociência [10,12]. O artefatos” [15]. O construtivismo não nega a realida-
importante é frisar que, a partir dessas sensações, de, mas sustenta que ninguém pode conhecer uma
o cérebro pode criar imagens e interpretar os sinais realidade independente. Portanto, o construtivismo
sob a forma de conceitos e classificá-los. “Podemos não formula declarações ontológicas e separa bem
adquirir estratégias para raciocinar e tomar deci- a epistemologia da ontologia [15]. Convém destacar
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 53
mais uma vez a noção de “codificação indiferenciada” receptor. Por isso que o termo ‘informação’ carece
de von Foerster [9]: significa que se um neurônio da de sentido nesse contexto. Podemos falar de ‘infor-
retina enviar um sinal “visual” ao córtex cerebral, mação’ relativa a nossas experiências, porém nunca
esse sinal terá a mesma forma dos sinais que provém com relação a algo que se supõe que exista mais
dos ouvidos, nariz (olfato), dos dedos das mãos ou além da nossa interface experiencial...o conhecimen-
dos pés ou de qualquer outra parte do organismo ca- to é construção.” Portanto, a informação é sempre
paz de gerar sinais. Não há entre os sinais nenhuma uma construção [19]. Como disse Varela [20], a
distinção qualitativa; sua freqüência e amplitude são informação não deve ser vista como uma ordem
variáveis, porém não existe nenhum indício qualitativo intrínseca das ‘coisas’, mas como uma ordem que
do que supostamente podem significar [15]. A essa emerge das próprias atividades cognitivas.
observação desconcertante, segundo von Glasersfeld E como é o mundo do sistema imunitário? Cohen
[15], colaborou ainda mais Humberto Maturana et al. [21] considera o sistema imunitário como um sistema
[16], no campo da visão cromática, ao demonstrar cognitivo. Segundo esse autor, a palavra ‘cognição’
que os receptores, que supostamente percebem a cor deriva do Latim cognoscere, que significa conhecer.
vermelha (que os físicos consideram o tipo de ondas Cohen diz que os sistemas cognitivos diferem es-
luminosas que chamamos de “vermelho”), emitem trategicamente de outros sistemas por combinarem
sinais que não diferem em absoluto dos que são emi- três propriedades:
tidos pelos receptores do verde. Se somos capazes a) Podem exercer ou praticar opções; decisões;
de distinguir o vermelho do verde, essas distinções b) Contém dentro deles imagens dos seus ambientes;
forçosamente têm que efetuar-se no córtex; porém imagens internas.
não podem basear-se em meras diferenças quali- c) Usam a experiência para construir e atualizar suas
tativas, porque essas diferenças não existem [16]. estruturas internas e imagens; auto-organização.
Segundo von Glasersfeld [15], vivemos enredados
num paradoxo epistemológico: “Não temos maneira Daniel-Ribeirto & Martins [22] exploraram, com
de chegar ao mundo externo a não ser através de profundidade a idéia de que o sistema imunitário
nossa experiência desse mesmo mundo; e, ao ter conhece através de imagens internas.
essa experiência, podemos cometer os mesmos Assim como o sistema nervoso [23,24], o sis-
erros; por mais que víssemos corretamente, não tema imunitário é um sistema fechado e não tem
teríamos como saber que nossa visão é correta.” contato com o mundo externo. E o eventual contato
Os sistemas autopoéticos, que apresentam que possa ocorrer é processado de uma forma pecu-
auto-organização e autorregulação, como os siste- liar, como veremos a seguir. Assim como o cérebro
mas nervoso e imunitário, são sistemas fechados trabalha com sinais não qualitativos do mundo exte-
do ponto de vista da informação. Para explicar isso, rior, o sistema imunitário também opera com sinais
segundo von Glasersfeld [15], devemos recordar o não qualitativos sobre a complexidade do mundo
que Claude Shannon [17,18] expôs sobre os sinais molecular em que atua. Pode-se dizer que, em parte,
e seus significados, em seu célebre artigo “A teoria as células processadoras de antígenos, operam para
matemática da comunicação” (1948): dois de seus os linfócitos T como os receptores sensoriais para
pontos são suficientes para aclarar os mal-entendi- os neurônios. Imunogenicidade é a propriedade de
dos generalizados acerca do termo “informação”: porções moleculares ou supramoleculares induzirem
1) O significado não se translada do emissor ao uma resposta significativa do sistema imunitário.
receptor; somente se deslocam os sinais; Essas porções moleculares podem corresponder à
2) Os sinais somente são sinais quando alguém pode proteína, lipídeo, carboidrato ou alguma combinação
decodificá-los, e para decodificá-los necessita deles. A porção supramolecular pode ser um vírus,
conhecer seu significado. bactéria ou protozoário. Um imunógeno - molécula
Porém, segundo von Glasersfeld [15], “os sinais exibindo imunogenicidade - é uma substância que pode
que recebemos de nossos sensores e que, segundo desencadear uma resposta específica do sistema
a concepção tradicional, provém do mundo externo, imunitário, enquanto um antígeno - a porção exibindo
como podem ser decodificados? Não sabemos quem antigenicidade - é a substância reconhecida, numa res-
os codificou nesse hipotético mundo externo, nem o posta de memória (recall response), pela maquinaria
que foi codificado; nem sequer conhecemos o código. existente da resposta imunitária adquirida (células T
A única coisa que podemos fazer é contemplar os e anticorpos). Mas de fato, o sistema imunitário re-
sinais desde nosso interior: isto é, desde o lado do conhece epítopos através de seus paratopos (região
54 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
de uma macromolécula, que reconhece um epítopo) que um número limitado de variantes de MHC tem
[25]. Um epítopo para o linfócito B corresponde a a capacidade de se ligar a um conjunto de epítopos
uma região de uma proteína, ou outra macromolécu- curtos derivados do repertório próprio, bem como do
la, reconhecida por anticorpos solúveis ou presos a repertório de proteínas estranhas independentes de
membranas celulares. Podem ser epítopos lineares ou sua origem [35].
descontínuos (quando resíduos reconhecidos estão A maioria dos peptídeos apresentados na
localizados em regiões distantes na seqüência de uma superfície celular origina-se de proteínas próprias
proteína e são aproximados pelo enovelamento tridi- [36] e uma célula apresentadora de antígeno pode
mensional das proteínas). Um epítopo para linfócito expressar em torno de 5 x 105 moléculas de MHC
T se caracteriza por peptídeos curtos presos, por sua ligadoras de peptídeos [37]. Esse quadro já comple-
vez, em moléculas de MHC (Major Histocompatibility xo pode tornar-se ainda mais complexo quando se
Complex) e TCR (T Cell Receptor), formando complexos considera que o sistema imunitário não é um sistema
ternários. Muitos outros co-receptores e moléculas linear, mas sim um sistema adaptativo complexo,
acessórias, além de moléculas de CD4 e CD8, estão como se fosse uma grande máquina, formada por
também envolvidas no reconhecimento por células T. muitos nós interconectados numa grande rede [38-
Esse processo de reconhecimento não é simples e 40,22]. O linfócito B pode funcionar também como
permanece pobremente entendido. uma célula que processa e apresenta antígenos. E
Portanto, epítopos para células B ou T se caracte- nesse processo, perde sua originalidade clonal ao
rizam por seqüências curtas contínuas ou descontínu- apresentar, em sua superfície, uma coleção hetero-
as ou fitas de amino-ácidos [25]. Consequentemente, gênea de peptídeos [41].
o sistema imunitário não consegue “conhecer” o Esses peptídeos, por sua vez, podem interagir
mundo real das moléculas ou das supramoléculas com múltiplos clones de linfócitos T. Os idiotipos e
que apresentam imunogenicidade ou antigenicidade, paratopos das imunoglobulinas originais expressas
pois opera com baixa qualidade de reconhecimento, na superfície de linfócitos B, que dependem da estru-
necessitando também de determinada intensidade tura terciária das regiões V (variáveis), são destruídos
de estímulo para responder. Para que uma célula T durante o processamento. Como consequência, os
seja ativada por uma APC (antigen presenting cell) peptídeos gerados pelo processamento e apresen-
requer pelo mínimo que 100 moléculas de MHC na tação de regiões V não mantém relação direta com
célula apresentadora tenham um peptídeo para o qual paratopos e idiotopos [41].
a célula T responda [26,27]. Estudos têm demons- Ainda segundo Vaz & Faria [41], “do ponto de
trado que aquelas partes do TCR que fazem contato vista conexionista do sistema imunitário, a idéia de
com o complexo MHC-peptídeo sofrem acentuadas uma relação em rede entre os linfócitos e produtos
mudanças conformacionais durante a ligação e essa linfocitários é um aspecto essencial do sistema e
flexibilidade pode contribuir para explicar sua habilida- não um problema. E, deste ponto de vista, a noção
de para se ligar a muitos peptídeos diferentes [28]. de discriminação entre o próprio e o não próprio
Foi demonstrado que as células T podem apresentar torna-se inútil. Conexões idiotípicas existem antes
reações cruzadas com peptídeos que não mostram, da penetração de qualquer material estranho. O
virtualmente, homologias na seqüência [29-31]. De sistema imunitário [como o sistema nervoso] é auto-
fato, um único receptor T pode responder a 1,5 x 106 referencial e o que ele refere em suas operações
peptídeos nonaméricos [32,33]. são os idiotipos nos receptores linfocitários e nas
Então o sistema imunitário apresenta um siste- imunoglobulinas solúveis dispersas pelo corpo. A
ma de reconhecimento profundamente degenerado. ligação de materiais antigênicos a elementos do
Porém essa degeneração, contrariamente ao que sistema imunitário ocorre pela ‘confusão’ desses
se pensa tradicionalmente na imunologia, pode ser materiais com elementos (idiotipos) que o sistema
considerada como um estratagema para otimizar já está utilizando naquele momento. Reconhecimento
as funções de negociação (trade-off) ou de balan- imune não é um reconhecimento do ‘estranho’, mas
ceamento [34]. Por exemplo, assumindo que um é o reconhecimento de similaridades” [42-45].
camundongo tem uma resposta com especificidade Em resumo, o sistema imunitário, assim como
muito restrita (um-para-um) dos receptores TCRs para o sistema nervoso, não consegue “conhecer” uma
seus ligantes, o peso das células T necessárias para realidade externa, mas constrói seu mundo.
realizar tal tarefa seria 70 vezes maior que o peso Araújo Jorge [46] fala sobre a mudança de para-
total do camundongo [32]. Por outro lado, sabe-se digma que ocorreu entre o século XIX e o século XX,
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 55
que vale também para o século atual: “Há hoje certo 4. Maturana H. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo
acordo entre os pesquisadores para diagnosticarem Horizonte; UFMG; 2001. 203 pp.
5. Maturana H. Transformación en la convivência.
como atrator privilegiado do pensamento científico Santiago: JC Sáez; 2004. 283 pp.
e cultural do século XIX (e para não ir mais longe no 6. Demo P. Complexidade e aprendizagem. São Paulo:
passado) a noção de energia. Os processos quími- Atlas; 2002. 195 pp.
cos, físicos, biológicos e mesmo sociais exprimiriam, 7. Lettvin JY, Maturana HR, McCulloch WS, Pitts WH.
What the frog’s eye tells to the frog’s brain. In:
essencialmente, transformações e dissipações de
Corning WC & Balaban, eds. The mind: biological
energia. A técnica do tempo oferecia, aliás, a imagem approaches to its functions, Hoboken, NJ: John Wiley
adequada do mundo: a máquina a vapor. & Sons Inc; 1968. pp. 233-58.
A partir da Segunda Grande Guerra, contudo, a 8. Hayles NK. How we became posthuman – Virtual
bodies in cybernetics, literature, and informatics.
inspiração científica voltou-se dos watts para os bits
Chicago: The University of Chicago Press; 1999.
e, em pouco tempo, o atrator emergente já não era 350 pp.
mais a energia, passando a ser – no século vinte [e 9. von Foerster H. Construyendo uma realidad. In:
no nosso século] – a informação... Ao fazer-se da WatzlawickP: La realidad inventada: Como sabemos
informação conhecimento, porque em parte, se faz lo que creemos saber? Barcelona: Gedisa; 1981.
p.38-56.
da vida informação, desenha-se uma concepção dos 10. Lent R. Cem bilhões de neurônios. São Paulo:
sistemas vivos com um perfil quase humano. E basta Atheneu; 2001. 698 pp.
abrir os livros de biologia molecular para vermos os 11. Kierszenbaum AL. Histology and cell biology: an
biólogos usarem, com o maior à-vontade um vocabu- introduction to pathology. St. Louis: Mosby; 2002.
619 pp.
lário de índole cognitiva: Desde as funções cognitivas 12. Gazzaniga MS, Ivry RB, Mangun GR. Neurociência
das enzimas, ao reconhecimento entre moléculas, à cognitiva: a biologia da mente. Porto Alegre: Artmed;
memória imunológica, à escola do timo, às bactérias 2006. 767 pp.
que – como autênticos sujeitos – hesitam, tomam 13. Damásio AR. O erro de Descartes: emoção, razão e o
cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras;
decisões, até ao desenvolvimento e à evolução 1996. 330 pp.
tratados como processos cognitivos. Quase parece, 14. Andreeta JP, Andreeta ML. Quem se atreve a ter
e vou ironizar, que a biologia se tornou psicologia.” certeza? A realidade quântica e a filosofia. São
Para finalizar, tanto o sistema nervoso, como o Paulo: Mercuryo; 2004. 236 pp.
15. von Glasersfeld E. La construccion del conocimiento.
imunitário são sistemas fechados, que não operam
In: Schnitman DF, ed. Nuevos paradigmas, cultura y
com informações externas, mas só auto-referentes e subjetividad. Buenos Aires: Paidos; 2004. p.115-28.
na lida de acoplamento com o mundo exterior pres- 16. Maturana H, Uribe G, Frenk SG. A biological theory
cindem de uma representação ontológica externa. of relativistic colour coding in the primate retina.
Archivos de Biologia y Medicina Experimentales
O que ambos os sistemas fazem, assim como os
1968(Suppl1):1-30.
demais sistemas do organismo, é tornar a vida dos 17. Shannon CE. The mathematical theory of
seres vivos viável e adequada aos seus propósitos, communication. Bell System Technical Journal
no ato do viver. Afirma von Glasersfeld [47]: “Quem 1948;27:379-423 e 623-656.
tem entendido isso naturalmente não considerará 18. Shanon CE, Weaver W. The mathematical theory of
communication. Chicago University of Illinois Press;
o construtivismo radical como representação ou 1963. 125 pp.
descrição de uma realidade absoluta, senão que o 19. Fourez G. A construção das ciências: as lógicas das
conceberá como um possível modelo de conhecimen- invenções científicas. Lisboa: Instituto Piaget; 2002.
to em seres vivos cognitivos, que são capazes, em 405 pp.
20. Varela FJ. Connaître: lês sciences cognitives,
virtude de sua própria experiência, de construir um tendances et perspectives. Paris: Seuil; 1989
mundo mais ou menos digno de confiança”. 21. Cohen IR. Tending Adam´s garden: evolving the
O importante é viver com olhos de poeta... cognitive immune system. New York:Academic
Press; 2000. 265 pp.
22. Daniel-Ribeiro CT, Martins YC. Imagens internas e
Referências reconhecimento imune e neural de imagens externas:
os caminhos e contextos das redes biológicas de
1. Teixeira JF. Mente, cérebro e cognição. Petrópolis; cognição para a definição da identidade do indivíduo.
Vozes; 2000. 197 pp. Neurociências 2008;4(3):117-48.
2. Alves R. Desfiz 75 anos. Campinas: Papirus; 2009. 23. Maturana HR. La realidad: objetiva o construída?
158 pp. Santiago: Antropos; 1996. 286 pp.
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Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 57
Commentários
O mosaico e a chave
Luiz Fernando de Souza Passos
multiplicação dos linfócitos, com formação de um O linfócito, atrás de uma morfologia única,
clone de especificidade comum, quantitativamente monótona, de mínimas nuances, esconde imensa
suficiente para o combate ao patógeno indutor. Está diversidade funcional (células B, T, NK, Th1, Th2,
fora do escopo deste texto rever toda a fisiologia Th17, Treg, T/B naives, T/B de memória, etc etc)
da imunidade adaptativa, mas vale destacar alguns e diversidade maior ainda em termos de especifi-
aspectos relevantes ao tópico cognição molecular: cidade clonal. Já a diversidade do neurônio, como
célula individual, é paupérrima. Ele conhece apenas
• Na resposta adaptativa há o risco inerente e dois estados funcionais básicos: o não-excitado, ou
iminente de autoimunidade. As células apresen- de repouso, e o excitado, entendendo-se excitação
tadoras de antígeno vivem apresentando, cotidia- como uma despolarização fugaz de membrana que se
namente, autoantígenos resultantes de processos espalha em onda pelo corpo do neurônio e percorre
como remodelamento e apoptose. Em solução axônios e dendritos. Ou tudo, ou nada. O que confere
igualmente engenhosa, linfócitos nascentes com complexidade ao sistema neural é a capacidade de
alta afinidade por autoantígenos são anulados ou associação dos neurônios, determinando a formação
eliminados no timo. Mesmo assim “escapam” de redes físicas em que milhares de células se inter-
linfócitos autorreativos de média afinidade, mas ligam por seus prolongamentos filiformes, formando
que só serão ativados perifericamente se, além do circuitos específicos que, quando ativados, garantem
estímulo peptídico específico, houver coestímulos a riquíssima gama de percepções e a capacidade
deflagrados por ativação de receptores inatos intelectual que é própria e distintiva do ser humano.
(TLRs), alarme fornecido por padrões moleculares Há dualidade também na forma em que a despolari-
exógenos. Linfócitos que reconhecem autoantíge- zação da membrana se inicia. Algumas células são
nos em processos endógenos – que não ativam excitáveis por fenômenos físicos, como luz, som,
PRRs – ignoram o peptídeo apresentado sem força mecânica, que atingindo um limiar quantitativo
coestímulo e permanecem anérgicos. deflagram o movimento iônico através da membrana.
• O reconhecimento do peptídeo e eventual expan- Estão nos chamados “órgãos do sentido”, que cons-
são clonal não são suficientes para definir, por si tituem a verdadeira interface periférica do organismo
só, o tipo de resposta que advirá. Na linhagem de com o meio externo. Outros neurônios, a grande
linfócitos maturados no timo, a resposta efetora maioria, são excitáveis em cadeia por neurotransmis-
pode privilegiar o combate a patógenos intrace- sores sinápticos. Forma-se uma estrutura orgânica,
lulares (Th1), a produção de anticorpos (Th2), a complexa, esquematizada na Figura 1.
convocação de polimorfonucleados (Th17) ou a Tomemos o exemplo da formação da visão na
manutenção/ restauração do estado quiescente retina e sua percepção cerebral. Milhões de células
basal (T-reg). Condicinantes pré-reconhecimento fotorreceptoras atapetam a retina, sensíveis a intensi-
(o tipo de toll-like receptor acionado na reação de dade e ao comprimento (cor) da onda eletromagnética.
alarme) e pós-reconhecimento (o tipo de citocina A imagem compõe-se espacialmente na retina pela
produzido pela célula apresentadora de antígeno) excitação ou não de cada célula fotorreceptora como
determinarão o desenlace do processo. Nuances na composição de um mosaico. Segue-se a transmis-
modulatórias são, portanto, elementos fundamen- são para áreas corticais responsáveis pela visão, onde
tais na performance do sistema imune. cada célula fotorreceptora tem um neurônio correspon-
dente reconstruindo o mosaico retiniano. Diferentes
Voltando à cognição, em última análise o fe- composições do mosaico – diferentes imagens ou fo-
nômeno básico no reconhecimento e identificação tografias do mundo – são entendidas como conceitos
de elementos do meio externo é a interação de ou objetos em nível neuronal superior, materializando
moléculas exógenas com moléculas receptoras do a percepção e gerando a consciência do fato. O mo-
sistema inato ou adaptativo. Complementaridade de saico visual depende de uma composição espacial
átomos (em termos de massa e carga elétrica) entre pré-programada, o que explica os “erros” do camaleão
molécula identificadora e molécula identificada, com que teve seu campo visual rodado experimentalmen-
maior ou menor afinidade, garante o funcionamento e te em 180 graus, citado por Lenzi neste número da
a especificidade do processo. É pertinente, portanto, Neurociências. Na área auditiva, milhares de ruídos e
a famigerada analogia do encontro da chave com a fonemas formam um mosaico acústico, captados por
fechadura, em que perfis absolutamente complemen- células audiossensíveis no aparelho timpânico-coclear,
tares garantem a abertura da porta. e transmitidas a áreas corticais de audição. Mosaicos
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 59
Figura 1
(não-espaciais) de fonemas e sons são identificados a Figura 2 - Georges Seurat, La tour Eiffel (1889)
nível superior e lançados no consciente como palavra,
entonação, fala, música, barulho, que não deixam de
ser objetos ou conceitos. E assim o odor, o paladar e
o tato. Em diversas espécies animais, alguns órgãos
do sentido, e respectivos mosaicos corticais, são
desenvolvidos em maior ou menor grau. É o caso
do olfato nos cães, capazes de farejar inúmeros pro-
dutos químicos e antecipar a chegada do dono sem
vê-lo ou ouvi-lo. É o caso da audição nos quirópteros.
Uma caverna abriga uma colônia de morcegos e suas
paredes estão cobertas de milhares de filhotes. As
“mamães-morcego” saem para o repasto de insetos
ou frutas, e ao voltarem para amamentar os “bebês”
identificam com precisão onde estão exatamente os
seus, através de ecos que mapeiam a caverna, num
prodígio de orientação espacial.
Voltando aos humanos, a capacidade seguinte é
armazenar conceitos-objetos, relacioná-los, associá-
los, gerando memória – de fatos, relatos, histórias,
visões – que poderão voltar à consciência, geralmen-
te puxados por um mote comum. Nos vários níveis
de percepção, há vários níveis de resposta, desde
respostas primitivas como o arco-reflexo álgico e
manifestações instintivas, até respostas elaboradas,
aprendidas, racionais, com maior ou menor conteúdo
de carga emocional.
60 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
A Figura 2 mostra um quadro de Geoges Seurat tológicos. Por que Bach compunha prelúdios e fugas
(1859-1891) mestre pontilhista do neo-impressio- sublimes? Por que Pelé fazia gols merecedores de
nismo francês. A tela, formada por milhares de pon- placas nos estádios? Por que João tem um transtorno
tinhos coloridos, é um mosaico. Não importa cada obcessivo-compulsivo? Por que José é autista? Quais
ponto. Importa o conjunto, percebido como um objeto os fatores de crescimento neurais que influenciam
alto, afilado, em base quadrangular. Exemplifica o a neuroplasticidade? Qual a programação genética
poder semiótico das múltiplas unidades – pontinhos que determina a conexão primária e a migração de
– que formam um mosaico. Da leitura do mosaico, neurônios? Como a selagem e o descerramento de
somos levados a conceitos: uma torre, a torre Eiffel genes por processos epigenéticos, e portanto am-
e nossa memória histórica e afetiva de Paris. bientais, podem alterar essa programação? Como
Uma característica que diferencia o sistema experiências reais podem influenciar a formação de
cognitivo neural do imune é sua instantaneidade. A vias de conectividade e portanto dar base material
despolarização de um circuito constituído, por mais a teorias psicanalíticas? Haverá possibilidade de
complexo que seja, é imediata, o que garante a inte- reinventar a neuroplasticidade, através de terapias
ração em tempo real com o meio ambiente físico e celulares para correção de doenças degenerativas e
social. A cobertura mielínica e a higidez dos canais sequelas de neurotrauma?
iônicos permitem essa rapidez. Já o sistema imune Não há linearidade na resposta neural assim
demanda um lapso maior para responder (7 a 14 dias com na resposta imune. Influências locais parácrinas
na resposta adaptativa, 6 a 12 horas na resposta e autócrinas – citocinas, hormônios, neuropeptídeos,
inata, alguns minutos na resposta IgE). A construção neurotransmissores – desviam a resposta funcional
anatômica é crucial nesse aspecto: os circuitos neu- em sentidos muitas vezes opostos. Aqui a glia sai
rais são pré-formados e fixos, prontos para a fagulha; de uma tradicional obscuridade e ganha destaque
as células imunes são livres, flutuantes, migrantes, como produtora de substâncias neuromodulatórias e
tendo que se encontrar nos linfonodos, voltar aos partícipe maior no cenário neurofisiológico. E advém
tecidos (homing), convocar adjuvantes, preparar o a importância de se conhecer cada sinapse, de cada
endotélio, e mais outras tarefas próprias da meta circuito, seu agonista fisiológico, sua síntese, seu
final que é a inflamação. armazenamento, sua recaptura, seus antagonistas
Em dois outros aspectos o sistema neural se fisiológicos, e receptores de membrana paralelos
assemelha ao imune – a capacidade e a necessidade que inibem ou facilitam a despolarização neuronal.
de amadurecimento para formar o repertório de circui- Essa via conduz inapelavelmente à neurofarmacolo-
tos e de linfócitos; e a capacidade e a necessidade gia, abrindo espaço para intervenções que podem
de moduladores internos para aumentar a diversidade revolucionar a terapia de condições neurológicas e
das respostas. psiquiátricas.
O desenvolvimento de circuitos é tarefa árdua. É Em conclusão, as duas faces da cognição em
o aprendizado natural, psicomotor. É o aprendizado biologia neural e imune – os paradigmas do mosai-
cultivado, social, educativo. São anos de desenvolvi- co e da chave – são totalmente diferentes em sua
mento, até se atingir maturidade suficiente – neural essência, mas contém semelhanças circunstanciais
e imune – que permite a eclosão da puberdade e a que permitem extrapolar experiência de uma área
perpetuação da espécie. Nossa capacidade de formar para a outra, e semear idéias em neurocientistas e
circuitos e mosaicos – neuroplasticidade – é um pro- imunologistas, podendo aumentar nossa capacida-
cesso fisiológico de capital importância, e a formação de de compreensão e levar ao desenvolvimento de
de circuitos com mínimas diferenças pode levar à aplicabilidades que certamente terão alto impacto na
geração de diferentes atitudes, aptidões, personali- saúde e no bem-estar da pessoa humana.
dades, e mesmo comportamentos considerados pa-
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 61
Comentários
Comentário
Nelson Monteiro Vaz
não me vendo
não se vende
não se venda
como construtor das realidades de cada um de nós. que “entender” o que faz. Mas o sistema imune e o
Quase na mesma época surge a fusão das duas sistema nervoso não são sistemas cognitivos, não
perguntas: a pergunta sobre a “percepção” e sobre entendem nada: apenas operam da maneira que
a organização do que é vivo, a admissão que só se operam porque têm a estrutura que têm. Cognitivos
pode entender aquilo que denominamos percepção somos nós, imunologistas, que operamos na lingua-
por um outro entendimento (autopoiético) do viver e a gem como seres humanos, apontando anticorpos e
separação de dois domínios de descrição (que evita linfócitos para outros seres humanos.
a falácia das interações instrutivas). “Em resumo, o sistema imunitário, assim como
(Às vezes me pergunto o que seria esta o sistema nervoso, não consegue “conhecer” uma
pedra”objetiva”, em seu peso, sua frieza, sua cor e realidade externa, mas constrói seu mundo.”
dureza; sem meus olhos, minha mão e meu braço. Este mundo que o sistema imune constroí é estru-
Essa pedra não é nada antes eu faça alguma coisa tural? ou relacional? É um conjunto de células e mo-
que a envolva - então, passa a ser a minha pedra, no léculas? Ou é um conjunto de ações padronizadas,
meu mundo. Que mundo é esse “objetivo” em que eu coerentes consigo mesmas e com sua história? O
me encontraria tão alienado, no qual minha própria mundo do sistema imune é ele próprio? ou é o orga-
mão seria o mais estranho dos objetos?) nismo do qual ele faz parte? Ou são (o conjunto das)
(Numa aula em Florianópolis, em 2006, Jorge as relações entre a estrutura do sistema e a estrutura
Mpodozis tirou do bolso uma chave e perguntou se do organismo? Sistema imune e organismo surgem
faria sentido dizer que ela “contém a informação juntos: só o organismo em seu meio faz sentido (Self
para abrir a porta do quarto no hotel”? Claro que and non-sense).
não, porque se vê que estas ranhuras correspondem
a detalhes da fechadura; uma estrutura realiza a fa- Referências
çanha de abrir a porta. Mas - continuava ele - se eu
tirasse do bolso este cartão magnético e dissesse 1. Lettvin JY, Maturana HR, McCulloch WS Pitts
WH. (1959). What the frog’s eye tells the frog’s
a mesma coisa, vocês talvez concordassem que ele
brain. In: McCulloch WS, ed. Embodiments of mind.
“contém a informação”, entendem? A gente invoca Cambridge, Mass; MIT Press: 1975. p.230-56.
o conceito de “informação” quando não entende o 2. Maturana HR, Uribe G et al. A biological theory of
que se passa!”). relativistic color coding in the primate retina. Arch
“Irun Cohen (2000) propõe que consideremos o Biol y Med Exp 1968;1(Suppl1).
3. Maturana HR. Neurophysiology of Cognition. In:
sistema imunitário como um sistema cognitivo.” Que Garvin P, ed. Cognition: a multiple view. New York:
eu entenda, não há nem nunca houve outra maneira Spartan Books; 1969. p.3-23.
de conceituar a atividade imunológica: ela sempre 4. Gilbert SF, Epel D. Ecological developmental biology:
foi funcional e defensiva, portanto, cognitiva - tem integrating epigenetics, medicine, and evolution.
Sunderland MA: Sinauer; 2009. 496 pp.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 63
Atualização
Introdução à sofrologia
William Bonnet
Introdução
Atualmente, o homem contemporâneo é exposto a situações di-
versas que podem desencadear estresse físico e mental. As represen-
tações mentais que temos de determinadas realidades, muitas vezes
potencializam esse estresse e podem dificultar nossas relações sociais,
afetivas, além de forma de nos relacionarmos com nós mesmos.
A sofrologia é a ciência que busca a compreensão desse estresse
e desenvolve ferramentas capazes de trazer a harmonia entre o corpo
e a mente. Foi desenvolvida em 1960, pelo neuropsiquiatra colombia-
no Afonso Caycedo, tendo como principio fundamental o pensamento
positivo.
Hoje, a sofrologia é utilizada em várias áreas de conhecimento,
principalmente na Europa, onde tem muito sucesso. Na medicina e
psicologia é utilizada como método profilático.
Esse artigo foi produzido a partir do material de estudo da Escola
Francesa de Somatoterapia e Sofrologia, localizada na cidade de Tours,
França e apresenta ao público brasileiro uma introdução aos conceitos
iniciais, definições, métodos, aplicações e práticas da sofrologia.
Histórico
desaparecia quando o paciente vivia novamente a mínio dessa consciência, sendo capaz de modificar
situação traumatizante. Ele é o inventor do conceito o seu conteúdo, assim como, os diferentes estados
de catarse. Sigmund Freud (1856-1939), discípulo e níveis de vigilância, através do autocontrole do
de Charcot criou a psicanálise em 1896. corpo e do espírito.
Em 1932, Johannes Schultz (1884-1970) divul- Caycedo define a consciência segundo três es-
gou seu método de relaxamento, conhecido como tados qualitativos e três níveis quantitativos.
Training autogênico. Trata-se de uma técnica que se
baseia no yoga e na hipnose. A consciência segundo Caycedo
William Reich (1897-1957) inspirou, através dos
seus trabalhos, a vegetoterapia, depois o suporte A consciência apresenta três estados qualitati-
teórico das Somatoterapias. Sua obra originou os vos e três quantitativos. Os três estados qualitativos
conceitos de base da sofrologia. Alexander Lowen são o estado patológico; o estado ordinário; o estado
criou a Bioenergia. sofrônico. Os três níveis quantitativos são: a vigília;
o sono; o nível sofroliminar.
Definição O nível sofroliminar se situa entre a vigília e o
sono. Trata-se de uma zona sensível utilizada para
Interessado pelas técnicas orientais de rela- reforçar a consciência. Segundo Caycedo, o indivíduo
xamento, o neuropsiquiatra colombiano Alfonso pode permanecer nesse estado de consciência co-
Caycedo (1932-), esteve na Ásia para descobrir os mum, se instalar no estado de consciência patológica
diferentes métodos praticados. Suas observações ou então progredir na consciência sofrônica positiva.
permitiram-lhe chegar à seguinte conclusão: todas A escola francesa impôs a tomada de considera-
essas práticas têm em comum “a busca do domínio ção do inconsciente na sofrologia. Em destaque estão
do corpo pelo espírito”. Inspirado por suas formidá- o Dr. Jean Pierre Hubert, o Dr. Jacques Donnars e o
veis descobertas, ele retorna ao Ocidente e cria seu Dr. Roland Cahen.
próprio método de relaxamento, ocidentalizado e
desprovido de todo misticismo. A somatoterapia
O aperfeiçoamento deste método resulta de uma
premissa científica onde cada hipótese de trabalho é Historia e fundamentos da somatoterapia
verificada antes de ser aplicada. Caycedo deu o nome
de Sofrologia a essa nova ciência. Em 1960, ele Vivemos uma época de grande audácia no domí-
fundou a Escola de Sofrologia e deu ao seu método nio das curas, nos garantindo uma fusão espantosa
a seguinte definição: a sofrologia é uma ciência, ou de terapias, muitas das quais podemos achar gra-
melhor, uma Escola científica que estuda a consciên- ça. Porém é mais sensato considerarmos algumas
cia, suas modificações e os meios físicos, químicos dessas terapias com interesse. Esta multiplicação
ou psicológicos que podem modificá-la, com o fim de práticas simplesmente responde à diversidade
terapêutico, profilático ou pedagógico em medicina. da demanda, assim como a particularidade de cada
A palavra Sofrologia vem do grego sos phren terapeuta.
logos onde: sos = harmonia; phren = consciência; O verdadeiro praticante sabe que precisará criar
logos = estudo. uma terapia própria para cada terapeuta e a cada
Portanto, a sofrologia é a ciência do espírito encontro terapêutico; a diferenciação que se fazia,
sereno aplicada à consciência humana. Ela estuda durante muito tempo, espontânea e silenciosa, se
a modificação dos estados de consciência, a modifi- sistematiza agora, se inscreve em um quadro estru-
cação dos níveis de vigilância e os meios de produzir turado.
essas modificações. Existem causas históricas para a eclosão dessas
Para isso, a sofrologia utiliza as técnicas de- novas práticas. A sociedade evolui cada vez mais
nominadas sofrônicas passivas ou ativas, saídas rapidamente, abrindo novos campos aos terapeutas.
da hipnose e da sugestão. Além dos métodos de Quando foi preciso reagir a todas as descobertas
relaxação tradicional como o Training autogênico de recentes na medicina, em técnica e organização, na
Schultz, que são igualmente utilizados. metade do século XIX, no tempo de Claude Bernard,
Desta forma, o indivíduo pode se encarregar foi pela psique, pelo discurso e pelos processos
da sua totalidade psicossomática por uma vivência intra-psíquicos, como fizeram Charcot, Freud ou Pierre
direta da sua própria consciência, alcançando o do- Janet (1859-1947). A época não era ainda do uso do
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 65
corpo. Mesmo Sándor Ferenczi (1873-1933) e Reich como a psicoterapia e a socioterapia, a somatotera-
ainda resistiram e só o reconhecerem 50 anos mais pia pode ser estruturada ou analítica.
tarde, entre as duas guerras. No primeiro caso, o tratamento é curto, visa um
O trabalho em grupo nascia, a aproximação sintoma com um meio bem circunscrito, por exemplo:
franca e aberta do corpo deram-se após a derrota a sexoterapia.
do totalitarismo. No segundo, o tratamento visa o sujeito na sua
Mas agora a grande liberação é a possibilidade globalidade e pode durar anos, utilizando meios
que o homem tem de explorar todas as suas poten- muito mais amplos. A relação com o terapeuta se
cialidades. Enquanto isso, o inconveniente desta torna transferível, mas tudo isso não é elaborado de
geração quase espontânea, reside na denominação maneira formal.
muitas vezes incoerente das terapias. Uma clas- Da mesma forma, uma psicanálise pode perma-
sificação metódica e segura das bases científicas necer estruturada por anos, uma ciência terapêutica
ajudaria provavelmente a situar cada etapa em razão pode ser analítica desde o início.
aos critérios objetivos, respeitando o toque inventivo
pessoal. Com o objetivo de classificação científica das
É nesse estado de espírito que desde 1989, a terapias, nós devemos considerar quatro critérios
somatoterapia tenta se situar. A ciência do corpo em principais:
terapia, que nós podemos chamar somatologia, é a • Primeiro critério: a duração. As terapias estrutura-
ciência do corpo qualitativa. Assim o corpo em terapia das são geralmente curtas, atingindo uma média
não é somente anatômica, biológica e psicológica, de 10 a 15 sessões. As terapias analíticas têm
ele é dotado de uma qualidade suplementar: a vivên- uma duração longa e indeterminada, não definitiva
cia. O nosso corpo vivencia experiências qualitativas de início.
e singulares: cada pessoa vive o novo e original a • Segundo critério: finalidade da terapia. Com
cada instante. efeito, o primeiro tipo de terapia se estrutura em
A somatologia é a ciência desse corpo às vezes torno de um sintoma preciso e termina quando
anatomo-bio-psicológico e vivido em situações. esse sintoma desaparece. Trata-se geralmente de
Como a psicanálise há cem anos dava acesso um sintoma limitado mais funcional que orgânico
à palavra, as somatoterapias abrem hoje o acesso abordável em 10 a 15 sessões precisamente. O
ao corpo para lhe dar a palavra. segundo tipo de terapia contorna o sintoma ime-
A somatoterapia é, com a psicoterapia e a diatamente para analisar o terreno, considerando
socioterapia, uma das três grandes categorias de que somente uma mudança mais geral pode curar,
terapia. Enquanto que a psicoterapia estuda mais isto é, eliminar toda recaída e a transferência do
precisamente os processos psíquicos individuais sintoma.
e a socioterapia estuda a dinâmica relacional, a • Terceiro critério: consideração dos meios utiliza-
somatoterapia trabalha sobre o funcionamento e a dos. Se tomarmos o exemplo da insônia, utiliza-
vivência corporal. mos uma terapia curta, algumas sessões de re-
Essas três vias são interativas e inseparáveis, laxamento, por exemplo, para eliminar o sintoma,
mas a prática conduz cada terapeuta a privilegiar o qual é bem circunscrito. Nós utilizaremos (de
uma ou outra. preferência) uma análise bioenergética de dura-
A somatoterapia reúne em um só termo todas ção indeterminada quando a insônia representa
as terapias corporais e as situa no seu verdadeiro apenas a ponta do iceberg.
lugar. Ela não se interessa pelo corpo plástico, mas • Quarto critério: o tipo da relação terapêutica. Em
transfere toda sua atenção sobre a reatividade do uma terapia estruturada, a relação continua hierar-
corpo às estimulações psíquicas, as obrigações da quizada entre um terapeuta e um paciente, entre
vida social e profissional e a vida afetiva. o que se sabe e o que se aprende, entre aquele
Esse conceito é destinado a introduzir o rigor que pode e aquele que fracassou até o momento,
metodológico e uma nova exigência teórica. entre o professor e o aluno. Porém, não podemos
Desde 1960, teoria e prática do corpo se mul- dizer que esta relação estruturada não é transfe-
tiplicam e hoje necessitam de uma classificação. rível. Existe certamente uma transferência, mas
Essa classificação pode se orientar essencialmente se trata de uma forma imposta de transferência,
para dois pontos. Nós podemos distinguir as terapias desta forma hierarquizada precisamente.
ditas estruturadas e as terapias analíticas. Assim
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corpo. Ao mesmo tempo relaxe suas costas. Relaxe “Meu braço esquerdo está pesado. Meu braço
com sua respiração, com o seu tórax. Ao relaxar esquerdo está muito pesado. Meu braço esquerdo
seu tórax, relaxe um pouco mais suas costas, toda esta a cada vez mais pesado. Eu estou profundamen-
a região lombar, toda sua costa. Este relaxamento te descontraído, profundamente confortável, meus
está agradável. Respire de forma relaxada. Uma dois braços estão pesados”.
respiração calma, agradável e regular.
Agora eu lhe proponho relaxar o cérebro, como Imagine agora um raio de sol projetando-se sobre
se fosse outro músculo. Tente senti-lo como um mús- sua mão direita. Imagine a sua mão direita mais quen-
culo em repouso. Para relaxar seu cérebro imagine te, agradavelmente quente sob este raio de sol. Pense:
uma folha branca sem nada, nenhuma inscrição. Seu
cérebro olha para esta folha e começa a relaxar no “Minha mão está quente. Minha mão direita
mesmo instante. está muito quente. Minha mão direita está agrada-
Relaxe agora as pernas. Comece pelas coxas. velmente quente”
Os músculos profundos, os músculos superficiais.
Os joelhos, os ligamentos dos seus joelhos... Veja-os Outro raio de sol pousa sobre sua outra mão, a
leve, desligados. As panturrilhas, os tornozelos, os li- mão esquerda. Imagine sua mão esquerda quente,
gamentos de seus tornozelos. Dos pés até os dedos. agradavelmente quente. E pense:
Depois de ter relaxado estas partes do corpo,
segmento por segmento, lugar por lugar; reúna estas “Minha mão esquerda está quente. Minha mão
partes do corpo. E muito rapidamente, viva seu cor- esquerda está muito quente. Minha mão esquerda
po como um lugar confortável, agradável, dentro do está agradavelmente quente. Meus braços estão
qual você sente-se bem. É um corpo unitário. Viva a pesados. Minhas duas mãos estão quentes, agra-
energia profunda que esta em você, principalmente davelmente quentes”.
depois de cada expiração.
Você passou uma barreira muscular e, dessa Aprofunde seu relaxamento. Seu coração bate
forma, pode viver um pouco mais profundamente regular e eficazmente. O som das batidas do seu
seu corpo, seu mundo interior. Tome o tempo que próprio coração é agradável. Aceite este som. Viva
for necessário e contrate um diálogo com seu corpo; a escute com seu coração.
tenha um dialogo profundo. E seu corpo responderá. Observe que ao mesmo tempo sua respiração
Seu corpo responderá por diversos fenômenos e é mais eficaz, perfeitamente relaxada, presente...
sensações agradáveis. Aceite esta noção de prazer. Você observa o fluxo ao nível de sua respiração. Eu
Você poderá igualmente captar as sensações neu- proponho que você diga:
tras. Isto é, aquelas que não têm uma verdadeira
importância para você. E até mesmo qualquer outra “Eu sou respiração, eu respiro, tudo respira em
forma de resposta. mim”.
A importância neste estágio privilegiado é viver
profundamente seu corpo, seu meio interior, próprio Você vive essa respiração agradavelmente e
a si mesmo. profundamente.
Aprofunde seu relaxamento. Sob o efeito do re- Imagine um raio de sol no buraco do estomago.
laxamento muscular, observe que seus braços estão Seu raio solar é quente, super quente, agradavel-
pesados. Eles tornam-se progressivamente pesados. mente quente. E este calor aumenta em seu corpo.
Traga sua atenção sobre o seu braço direito, É uma onda que faz bem, agradável. Seu ventre é
sinta-o pesado, mais e mais pesado. E formule quente. Seu ventre se torna quente. Imagine seu
mentalmente: corpo mergulhado em um banho de água quente, a
água agradavelmente quente.
“Meu braço direito está pesado. Meu braço
direito está muito pesado. Meu braço direito está a Todo o seu ser; seu corpo repousado é mergu-
cada vez mais pesado”. lhado nesse banho de água quente.
Imagine seu rosto que emerge desse banho.
Traga sua atenção sobre o outro braço, o braço Imagine um sopro de ar fresco em sua face. Esse
esquerdo. Pense agora: sopro de ar fresco vem de longe. Ele vem do alto, do
mar ou da montanha.
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 69
Deixe vir sobre sua tela mental uma imagem que Você está à escuta do seu corpo, das sensa-
evoca esse sopro de ar fresco. Sua fonte é fresca, ções, das mensagens que ele te endereça, de todas
agradavelmente fresca. as percepções.
E este frescor ativa seu bem estar, sua clarivi- Você está imóvel, os olhos fechados, escutando
dência, sua intuição, sua imaginação, sua presença essa música. Essa música através da qual você vai
a si mesmo. Presença profunda, equilibrada. Nesse logo obter, um grande relaxamento muscular.
momento, seu corpo e seu espírito estão em perfeita Preste atenção na sua respiração. Você não
harmonia. Formule mentalmente: pensa mais em nada. Você respira lentamente, cal-
mamente, sem esforço... E ao mesmo tempo você
“Eu sou harmonia, eu sou energia, eu sou a faz silêncio em você. Você começa a perceber que
vida”. seu corpo relaxa progressivamente, cada vez mais...
Agora deixe vir uma imagem agradável em sua Respire calmamente percebendo o silêncio
mente. Você impregna essa imagem em seu meio am- interior que se instala em você. Seu coração bate
biente. Ela pode ser o mar, o campo, a montanha… calmamente. Sua respiração é sempre lenta, regu-
Olhe essa imagem tranquilamente, agradavel- lar... E você sente que seus músculos abandonam
mente... progressivamente suas contrações.
Essa imagem é ligada ao seu relaxamento. Ela Perceba as sensações e viva plenamente o seu
ocupa toda a área de sua consciência atualmente. corpo. Você esta bem, calmo, repousado.
Essa imagem te será util. Cada vez que você sentir o Seus olhos estão fechados sem contrações. E
estresse tomar conta de você, deixe vir essa imagem você respira lentamente, normalmente. Deixe sua
na sua mente. E logo em seguida, você mergulhará cabeça se apoiar pesadamente. Você relaxa agora
em um estado de relaxamento agradável e calmo. os traços do seu rosto.
Você está bem, muito a vontade, e percebe que Preste atenção na sua face. Relaxe sua face.
poderia prolongar durante um certo tempo seu estado Faça de uma maneira que ela se torne lisa, supri-
de relaxamento. Mas você tem idéia de retomar. Para mindo as rugas de expressão. O mesmo com as
isso, você presta atenção em sua respiração. Princi- sobrancelhas, os olhos, os globos oculares, os
palmente sobre suas inspirações. A cada inspiração, músculos detrás dos olhos. Agora você relaxa as
você encontrará seu nível de vigilância necessário maçãs do rosto. A face externa das maçãs do rosto
à atualidade e seu tônus muscular necessário à em relação com o seu rosto.
atividade. A face interna em relação com sua boca. Relaxe
Quando você tiver a impressão de ter se recu- igualmente o espaço no interior de sua boca. Relaxe
perado suficientemente, você abrirá os olhos e se os dentes. Sua língua é flexível. Relaxe o céu da boca,
espreguiçará profundamente. Você retomará contato sua garganta, sua laringe. Aprecie, sobretudo, esse
com todo o positivo que o cerca. agradável estiramento de toda dobra ao nível do seu
rosto, da fonte e do queixo.
Training autogênico de Schultz Seus braços são esticados de cada lado do
seu corpo. E você pensa em suas mãos. Elas es-
Você feche os olhos e sinta os pontos de apoio tão abertas. Elas repousam naturalmente sobre as
de seu corpo sobre a superfície na qual ele repousa. palmas. Descontraia seus dedos. Suas mãos estão
Sinta sua cabeça bem apoiada, suas costas bem en- descontraídas. Seus dedos repousados. Seus dedos
caixadas ao nível da coluna vertebral, as omoplatas, estão perfeitamente relaxados.
os rins, as nádegas. Verifique todos os músculos do seu corpo.
Sinta os pontos de apoio das suas coxas, das Relaxe-os.
suas panturrilhas, dos seus calcanhares. Os pontos Suas mãos estão descontraídas. E a partir das
de apoio dos seus braços ao nível dos cotovelos, dos suas mãos, você sobe em pensamento ao longo
antebraços, dos punhos, das mãos. E você se deixa dos seus braços. Você sente o torpor, uma energia
invadir por essa música de relaxamento, deixando agradável subir através das suas mãos em direção
de lado todas as distrações exteriores. ao antebraço, depois em seus ombros.
E lentamente, progressivamente a cada expi- Suas costas também se tornam pesadas. Seus
ração, você deixa seu corpo se tornar pesado, se braços estão inertes e suas costas pesadas... E se
abandonando pesadamente. tornam cada vez mais pesadas... Pense nos seus rins
70 Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010
igualmente para relaxá-los. Seus rins estão perfeita- vidade em todo seu corpo. Observe que, após essa per-
mente repousados. Descontraia também seu ventre cepção da gravidade, você tem uma sensação agradável
respirando lentamente, o ventre relaxado, descontraído. de calor que invade seu corpo. Essa sensação resulta
A inércia dos seus rins, do seu ventre, ganha da dilatação dos vasos sanguíneos (vasodilatação).
agora seus quadris, que se apóiam pesadamente.
Seus quadris se tornam pesados como chumbo. Você Formule mentalmente:
está inerte, maravilhosamente bem. Tudo está calmo
e você repousa. Toda parte superior do seu corpo é “Meu braço direito é quente, super quente, cada
inerte, pesada... vez mais quente”.
Agora descontraia os pés, como você fez com as
suas mãos. Sinta suas pernas que repousam lado “Meu braço esquerdo é quente, super quente,
a lado. Relaxe os seus pés. A partir dos seus pés, cada vez mais quente”.
suba os seus pensamentos através das suas pernas.
Relaxe os seus tornozelos, as suas panturrilhas, os “Minha perna direita é quente, super quente,
ligamentos dos seus joelhos, das suas coxas, das cada vez mais quente”.
suas nádegas.
Faça com que seus membros inferiores sejam “Minha perna esquerda é quente, super quente,
completamente inertes, completamente abandona- cada vez mais quente”.
dos. Aliás, agora o abandono tomou conta de todo
o seu corpo. Todos os seus músculos estão agora “Eu sinto essa sensação de calor em todo meu
completamente descontraídos. Seu corpo está corpo”.
pesado. Cada vez mais pesado. Você esta inerte,
abandonado, descontraído. Você agora vai tomar consciência dos batimen-
Seu corpo está cada vez mais descontraído, tos regulares do seu coração; em todo o seu peito.
cada vez mais confortável. Você se descontrai cada Formula mentalmente:
vez mais, principalmente quando expira.
“Meu coração bate calmamente e regularmen-
Primeiro ciclo: ciclo inferior te”.
Você atingiu o nível sofroliminar, graças a esta Agora preste atenção agora na sua respiração.
descontração progressiva. Eu proponho que você Observe que ela é calma e regular. Sinta o ar que
formule mentalmente as sugestões seguintes obser- penetra em seus pulmões e concentre-se na seguinte
vando o que se passa efetivamente no seu corpo. formula:
Formule mentalmente:
“Minha respiração é calma. Eu sou toda a res-
“Meu braço direito é pesado, super pesado, cada piração”.
vez mais pesado”.
Pronuncie, em si mesmo, esta sugestão, em
“Meu braço esquerdo é pesado, super pesado, cada expiração.
cada vez mais pesado”.
Concentre sua atenção sobre os raios solares.
“Minha perna direita é pesada, super pesada, Eles se situam na saída do estômago. Sinta uma
cada vez mais pesada”. sensação de calor que se desprende. E diga men-
talmente:
“Minha perna esquerda é pesada, super pesada,
cada vez mais pesada”. “Os raios solares são quente”.
“Eu sinto essa sensação da gravidade em todo Certamente você sentirá esta sensação de calor
meu corpo”. se difundir em todo o seu corpo.
Tome consciência do relaxamento do seu corpo, Imagine agora um sopro de ar fresco em sua
que se tornou pesado. Perceba essa sensação de gra- face e diga mentalmente:
Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 71
possível, com o intuito tornar sua existência cada 17. Etchelecou B. Comprendre et pratiquer la sophrologie.
vez mais positiva. Paris: Dunod ; 2009.
18. Fernandez L. Le test de L’arbre - un dessin pour
As técnicas aplicadas na sofrologia podem se comprendre et Interpréter. Paris: Éditions in Press;
utilizadas em diversas situações, por qualquer indiví- 2008.
duo que seja apto, no tratamento de doenças, como 19. Freud S. A interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro:
método pedagógico, terapêutico, etc. Atualmente Imago; 2001.
20. Friedman ET. O segredo de Milton - A descoberta do
muitos profissionais de saúde utilizam a sofrologia
poder do agora. Lisboa: Pergaminho; 2009.
como terapia complementar, preparando seus pacien- 21. Galland JS. Si je m’écoutais je m’entendrais:
tes psicologicamente para o tratamento. Éditions de L’Homme; 1990.
Os exercícios de relaxamento em sofrologia são 22. Gimenez JLP. As psicoses do adulto. Lisboa:
Climepsi; 2006.
ferramentas importantes para promover o equilíbrio
23. Goleman D. Emotional intelligence why it can matter
entre o corpo e a mente, reduzindo o estresse e os more than IQ. London: Bloomsbury; 1996.
problemas psicossomáticos. 24. Gray J. Quando Marte e Vénus Chocam, o que fazer
Os métodos da sofrologia estão sendo estu- quando a sua cara metade lhe chega aos nervos.
dados e aprofundados cada vez mais em todo o Lisboa: Pergaminho; 2009.
25. Haar M. Introdução à psicanálise de Freud. Lisboa:
mundo, tendo bastante sucesso na Europa. No Edições 70; 2008.
Brasil, a sofrologia está em fase de implementação. 26. Harriet Lerner PD. Sem medo de viver. Porto; 2007.
Recentemente, vários grupos de estudiosos estão 27. Hartman C. O valor da auto-estima. Prior Velho:
sendo formados com o objetivo de aprofundar a Instituto Missionário Filhas de S.Paulo; 2004.
28. Hay LL. O poder está dentro de si. Rio de Mouro-
aplicabilidade da sofrologia no país. Sintra: Círculo de Leitores; 2008.
29. Husserl E. A ideia da fenomenologia. Lisboa: Edições
Referências 70; 2008.
30. Itoh M. Quero falar-te dos meus sentimentos. Lisboa:
1. Abrezol R. Saber tudo sobre a sofrologia. Loures: Padrões Culturais; 2009.
Edições Técnicas e Científicas (lusodidacta@mail. 31. Kushner HS. Como ultrapassar as desilusões da
telepac.pt) ed.); 2003. vida. Cruz Quebrada; 2008.
2. André FLeC. Como gerir as personalidades difíceis. 32. Lagache D. A psicanálise. Paris: PUF ; 1989.
Lisboa: Instituto Piaget; 1998. 33. Laurens-Berge F. La sophrologie à L’université:
3. André FLeC. A força das emoções, amor, cólera, Éditions du Papillon D’Or ; 2005.
alegria. Cascais: Pergaminho, 2002. 34. Lelord CA. L’estime de soi - s’aimer pour mieux vivre
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A - 10º ano - Cursos Tecnológicos de Acção Socal e 35. Pincherle LT, Barsottini DT, Gonçalves AM.
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Cursos Tecnológicos de acção Social e Desporto. 36. Martín Á. Manual prático de psicoterapia gestalt. Rio
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moderna. São Paulo: Thomson; 2005 espiritual. Mem Martins, Rio de Mouro; 2008
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Dourado; 2007. Viver - Publicações Europa-América; 2009.
54. Weiss BL. Eliminating stress, finding inner peace.
Calrsbad: Hay House; 2003.
Instruções aos autores
Eventos
26 a 28 de agosto
2010 I Congresso I nternacional Adolescência e Violência: Per-
Maio spectivas Clinica, Educacional e Jurídica
24 a 26 de maio Brasília, DF
Knowledge and Pain Informações: www.congressoadolescencia.universa.org.br
Hebrew University, Jerusalem
Setembro
Informações: msecohen@mscc.huji.ac.il
8 a 11 de setembro
Junho XXXIV Congresso Anual da SBNeC
8 a 13 de junho Caxambu, MG
IBNS 19th International Behavioral Neuroscience society Informações: www.sbnec.org.br
Annual Meeting
Outubro
Tanka Village Resort Villasimius, Sardenha, Itália
20 a 23 de outubro
Informações: www.ibnshomepage.org/annualmtg10.htm
XL Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia
9 a 15 de junho
Expo Unimed, Curitiba, PR
22nd IBRO/FIC/NIEHS Neuroscience School: Toxins,
Informações: www.sbponline.org.br/rap.php
Diet, and Neurodegeneration
27 a 30 de outubro
Kinshasa, Democratic Republic of Congo
XXVIII Congresso Brasileiro de Psiquiatria
24 e 25 de junho
Centro de Convenções do Ceará, Fortaleza
First International Conference on Yawning
Informações: http://www.cbpabp.org.br
Faculté de Medecine Paris V Paris, France
Informações: walusinski@baillement.com; Novembro
www.baillement.com 13 a 17 de novembro
Neuroscience 2010
Agosto
Informações: www.sfn.org/
17 a 21 de agosto
I.Congresso Franco-brasileiro sobre Psicanálise, Filiação
e Sociedade
2011
Tema: Adoção:da criança à filiação Julho
Recife Palace Hotel, Recife PE 14 a 19 de julho
Informações: www.unicap.br/congresso_adocao 8th IBRO World Congress
24 a 27 de agosto Florence, Italy
XXIV Congresso Brasileiro de Neurologia Informações: http://www.sfn.org
Riocentro, Rio de Janeiro
Informações: www.rioneuro2010.com.
neurociências
psicologia
Sumário
Volume 6 número 2 - abril/junho de 2010
EDITORIAL
Neurociência no Brasil, Luiz Carlos de Lima Silveira ......................................................................... 83
PERSPECTIVA
Artrose de joelho e sensibilização central: encontrando o melhor
alvo terapêutico, Marta Imamura .................................................................................................... 86
LIVROS
Todo paciente tem uma história para contar, Lisa Sanders, Editora Jorge Zahar, 2010
Ouvidos atentos, por Daniel Martins de Barros ................................................................................. 91
ARTIGOS ORIGINAIS
Síndrome do coração partido e transtorno de estresse pós-traumático,
Vera Lemgruber, Patrícia Tasca, Luiz Augusto Candau, Sandra Oliveira,
Isabella Fallavena, Vera Lúcia Silva, Fabiana Levi ............................................................................. 93
Reabilitação vestibular e seu efeito no equilíbrio, na marcha e na qualidade
de vida, de pacientes com vertigem posicional paroxística benigna,
Rodrigo Leme de Souza, Fernanda Torraca de Oliveira, Denise P. Costa Vieira,
Cristiane Soncino Silva, Arnaldo José Godoy, Antonio M. Claret M. Aquino,
Luciane Ap. Pascucci Sande de Souza ........................................................................................... 101
REVISÕES
Neuroeconomia dos custos decisionais, Álvaro Machado Dias ........................................................ 108
A terapia cognitivo-comportamental como co-intervenção no tratamento
do transtorno da compulsão alimentar periódica na obesidade,
Fernanda Felippelli Cecchini, Edna Bertini, Maria Benedicta Martins,
Frederico Mazzoca Lopes Rodrigues, Carlos Alberto Monson............................................................ 113
Dislexia e hipótese magnocelular, Raquel Tonioli Arantes do Nascimento,
Anna Carolina Cassiano Barbosa, Marcelo Fernandes da Costa ....................................................... 122
RELATOS DE CASO
Musicoterapia e reabilitação neuropsicológica: estudo de caso de paciente
com demência vascular, Greta Marigo Fragata, Cléo Monteiro França Correia ................................... 127
Síndrome do homem do barril, Marco Orsini, Victor Hugo Bastos,
Dionis Machado, Julio Guilherme Silva ........................................................................................... 133
NORMAS DE PUBLICAÇÃO ..................................................................................................... 137
EVENTOS .................................................................................................................................. 139
82 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010
neurociências
psicologia ISSN 1807-1058
Revista
i Multidisciplinar
i isciplin
nar
n ar das Ciências
ê do Cérebro
é
Editor: Luiz Carlos de Lima Silveira, UFPA
Editor associado: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, Fiocruz
Editor-assistente: Daniel Martins de Barros, HC-USP
Presidente do conselho editorial: Roberto Paes de Carvalho, UFF
Conselho editorial
Aniela Improta França, UFRJ (Neurolingüística)
Carlos Alexandre Netto, UFRGS (Farmacologia)
Cecília Hedin-Pereira, UFRJ (Desenvolvimento)
Daniela Uziel, UFRJ (Desenvolvimento)
Dora Fix Ventura, USP (Neuropsicologia)
Eliane Volchan, UFRJ (Cognição)
João Santos Pereira, UERJ (Neurologia)
Koichi Sameshima, USP (Neurociência computacional)
Leonor Scliar-Cabral, UFSC (Lingüística)
Lucia Marques Vianna, UniRio (Nutrição)
Marcelo Fernandes Costa, USP (Psicologia Experimental)
Marco Antônio Guimarães da Silva, UFRRJ/UCB (Fisioterapia e Reabilitação)
Marco Callegaro, Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (Psicoterapia)
Marco Antônio Prado, UFMG (Neuroquímica)
Rafael Linden, UFRJ (Neurogenética)
Rubem C. Araujo Guedes, UFPE (Neurofisiologia)
Stevens Kastrup Rehen, UFRJ (Neurobiologia Celular)
Vera Lemgruber, Santa Casa do Rio de Janeiro (Neuropsiquiatria)
Wilson Savino, FIOCRUZ (Neuroimunologia)
Atlântica Editora
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Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 83
Editorial
Neurociência no Brasil
Luiz Carlos de Lima Silveira, editor
Caxambu (Minas Gerais) [2]. Este ano o congresso Experimental (Instituto de Psicologia, USP). A Escola
ocorrerá fora da FeSBE pela segunda vez, a primeira está sendo apoiada pela SBNeC e BRAVO e realizada
tendo sido em 2008 por ocasião do I Congresso com recursos financeiros concedidos pela CAPES,
IBRO / LARC de Neurociências da América Latina, CNPq, FAPESPA, UFPA-PROPESP / FADESP e BRAVO.
Caribe e Península Ibérica, realizado em Búzios (Rio A Coordenação da Escola está a cargo do Editor desta
de Janeiro). A SBNeC planeja realizar seus próximos coluna, o neurocientista Luiz Carlos de Lima Silveira.
congressos intercaladamente, um ano dentro da A “Escola de Altos Estudos Visão e Disfunções
Reunião Anual da FeSBE, outro ano separadamente. Visuais” apresentará as mais recentes descobertas
A SBNeC congrega cerca de 1500 cientistas de todo dessa área do conhecimento e discutirá as atuais
o país que desenvolvem pesquisa sobre o sistema teorias e hipóteses sobre o funcionamento da visão,
nervoso e é filiada à FeSBE, à Sociedade Brasileira assim como os mecanismos, procedimentos diag-
para o Progresso da Ciência (SBPC) e à International nósticos e tratamentos das disfunções visuais. Nos
Brain Research Association (IBRO); esta última, por quatro cursos e no ciclo de conferências que compo-
sua vez, congrega sociedades de neurociências de rão a Escola será promovida a atualização teórica e
todo o mundo e, através dela, a SBNeC integra uma prática das diversas vertentes do conhecimento que
malha do conhecimento de proporções significativas. constituem a Ciência Visual, incluindo os aspectos
A principal missão da SBNeC é promover a dissemi- morfológicos e funcionais do sistema visual, os méto-
nação do conhecimento relativo aos vários aspectos dos eletrofisiológicos e psicofísicos que são usados
do funcionamento do sistema nervoso, interdiscipli- para analisar o processamento de informação visual
nares por excelência: dos processos moleculares e e os novos procedimentos de avaliar a ocorrência e
subcelulares aos comportamentos integrativos; da o progresso das disfunções visuais.
função normal aos distúrbios e os seus tratamentos; A “Escola de Altos Estudos Visão e Disfunções
das técnicas de estudo e das abordagens empíricas Visuais” compreenderá três semanas de atividades
à construção de modelos teóricos, matemáticos ou distribuídas da seguinte maneira:
computacionais; da ciência básica às aplicações em
diferentes áreas do conhecimento, além de possí- 1) “Curso Morfologia, Função, Psicofísica e Eletro-
veis desdobramentos pedagógicos, éticos, sociais fisiologia do Sistema Visual” ministrado por um
e filosóficos. grupo de docentes-pesquisadores da Universidade
Federal do Pará, 13-15 de setembro de 2010, 24
“Escola de Altos Estudos sobre Visão e horas de aulas teóricas e práticas.
Disfunções Visuais” realizada na Universidade 2) “Curso Tópicos Especiais em Processamento
Federal do Pará (Belém) Espacial e Temporal na Visão Humana Adulta e
em Desenvolvimento”, ministrado por Russell D.
A “Escola de Altos Estudos sobre Visão e Disfun- Hamer (Universidade de São Paulo), 16-18 de
ções Visuais” será realizada de 13 de setembro a 1 setembro, 24 horas de aulas teóricas e práticas.
de outubro na Universidade Federal do Pará, Belém 3) “Curso Efeito do Meio Ambiente Iluminado no De-
(Pará). Ela é uma escola internacional composta por sempenho Visual”, ministrado por Elisa Margarita
curso em quatro módulos e um ciclo de vinte e duas Colombo (Universidade Nacional de Tucumán),
conferências ministrados pelos mais renomados 20-22 de setembro, 24 horas de aulas teóricas
especialistas brasileiros e do exterior, representan- e práticas.
do um grande sobre Ciência Visual que ocorrerá em 4) “Simpósio Internacional sobre Visão e Disfunção
nosso país neste ano [3]. Visual”, 23-26 de setembro, com 22 conferências
A Escola está sendo organizada pelo Programa distribuídas por um total de 24 horas de ativida-
de Pós-graduação em Neurociências e Biologia Ce- des. As conferências serão ministradas por 15
lular, Instituto de Ciências Biológicas, UFPA). Outros docentes-pesquisadores do exterior e 7 docentes-
programas de pós-graduação estão associados à pesquisadores brasileiros: Jay Neitz e Maureen
Escola: Doenças Tropicais (Núcleo de Medicina Tro- Neitz, Universidade de Washington; Barry Bucha-
pical, UFPA), Teoria e Pesquisa do Comportamento nan Lee e Qasim Zaidi, Universidade Estadual de
(Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento, New York; Barbara Leverne Finlay, Universidade de
UFPA), Genética e Biologia Molecular (Instituto de Cornell; Joel Pokorny e Ding Cao, Universidade de
Ciências Biológicas, UFPA), Neurociências e Com- Chicago; Elisa Margarita Colombo, Universidade
portamento (Instituto de Psicologia, USP), Psicologia Nacional de Tucumán; Arne Valberg, Universidade
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 85
Norueguesa de Ciência e Tecnologia; Hao Sun, ao ensino e à aplicação dos conhecimentos sobre
Colégio Universitário Buskerud; Jan Kremers, Uni- visão e disfunções visuais.
versidade de Erlangen-Nürnberg; Valerio Carelli, Na Escola serão discutidos tópicos fundamen-
Universidade de Bologna; Paul Ronald Martin e tais e tradicionais como fotorrecepção, circuitos
Ulrike Grünert, Universidade de Sydney; Trichur retinianos, vias visuais, circuitos corticais, psicofísica
Vidyasagar, Universidade de Melbourne; Dora e eletrofisiologia da visão de cores e da visão de con-
Fix Ventura e Russell D. Hamer, Universidade de trastes. Também serão apresentados trabalhos sobre
São Paulo; Adriana Berezovsky e Solange Rios a visão de primatas platirrínios (primatas neotropicais
Salomão, Universidade Federal de São Paulo; ou primatas do Novo Mundo), a maior parte dos quais
José Luiz Martins do Nascimento, Luiz Carlos de vive na Amazônia, os quais diferem significativamente
Lima Silveira e Manoel da Silva Filho, Universi- dos primatas catarrínios (primatas do Velho Mundo)
dade Federal do Pará. O Symposium celebrará a por apresentarem uma grande variedade de tipos
carreira de dois docentes-pesquisadores que têm de visão. Entre os platirrínios existem espécies que
colaborado com a comunidade de Ciência Visual diurnas ou noturnas, espécies que são naturalmente
de Belém por muitos anos: Barry Buchanan Lee tricromatas, dicromatas ou monocromatas, além
(State University of New York, School of Optome- de várias que exibem polimorfismo nos genes que
try) e Dora Selma Fix Ventura (Universidade de codificam os fotopigmentos, enquanto que todos
São Paulo, Instituto de Psicologia). os catarríneos são naturalmente tricromatas, sem
5) “Curso Avaliação Funcional da Retina e das Vias polimorfismo. Tal variedade tornou esses primatas
Visuais Subcorticais”, ministrado por Jan Kre- um dos focos da pesquisa sobre a visão e eles estão
mers (Universidade de Erlangen-Nürnberg), 27 agora sendo usados para testar terapias gênicas
de setembro a 1 de outubro, 40 horas de aulas que visam a cura da cegueira hereditária ao verde-
teóricas e práticas. vermelho ou daltonismo. Haverá também palestras
dedicadas às deficiências adquiridas da visão de
A escolha da realização da “Escola de Altos Estu- cores de fundo retiniano, por comprometimento das
dos Visão e Disfunções Visuais” em Belém traduz-se vias visuais e originadas por distúrbios localizados
em grande alegria para sua comunidade universitária, nas áreas corticais visuais. Por tudo isso, a Escola
uma vez que tanto a Universidade Federal do Pará será um grande evento da Ciência Visual este ano!
(UFPA) quanto a Universidade do Estado do Pará
(UEPA) estão engajadas no apoio aos grupos de do- Referências
cência e pesquisa em Oftalmologia e Visão. Assim,
a realização da Escola em setembro de certa forma 1. http://www.fesbe.org.br/v5/index.php
2. http://www.sbnec.org.br/site/
dá continuidade e coroa esse trabalho que vem sen-
3. http://www.eaevdv.ufpa.br/eaevdv/indexBR.php
do realizado na UFPA e UEPA, com a presença dos
maiores cientistas mundiais dedicados à pesquisa,
86 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010
Perspectiva
Figura 1 - Representação esquemática das vias nervosas aferentes e eferentes relacionadas à inervação do
joelho com artrose.
Tendão patelar
patologia da dor crônica. Estas novas informações elevados de substância P, calcitonina, bradicicina,
demonstram que alterações funcionais no sistema fator de necrose tumoral, interleucina-1, serotonina
nervoso central e periférico podem desempenhar e norepinefrina quando comparados aos indivíduos
um papel importante na manutenção da dor crônica. saudáveis sem dor espontânea ou sujeitos assinto-
A melhor compreensão dos complexos meca- máticos [20]. Nestes mesmos indivíduos com dor
nismos envolvidos na geração, modulação, ampli- espontânea, áreas distantes do local da dor também
ficação e perpetuação da dor desempenha papel demonstram aumento significante destes mediado-
importante na determinação do melhor esquema res químicos [21].
terapêutico a ser utilizado no tratamento de doentes Sabe-se que tais alterações não ocorrem somen-
com artrose de joelho. O tratamento contemporâneo te na medula espinhal [22], mas também em outras
da dor, por exemplo, fundamenta-se não mais no estruturas do sistema nervoso central. Um estudo pi-
alívio sintomático apenas, como, porém no seu con- loto, por exemplo, já revelou o envolvimento de áreas
trole embasado nos mecanismos fisiopatológicos cerebrais no processamento da dor em um grupo de
envolvidos [6]. doze pacientes com OA do joelho [23]. Os resultados
Recentemente, constatou-se que estímulos mostraram que a dor da artrite estava associada
nociceptivos intensos e persistentes oriundos de ao aumento de atividade no córtex cíngulo, tálamo
tecidos periféricos podem desencadear alterações e amídala; áreas envolvidas com o processamento
neuroplásticas no sistema nervoso central [7,8]. dos aspectos emocionais da dor [23].
Estas alterações incluem o aumento da excitabilidade A presença da sensibilização periférica e central
dos neurônios no corno posterior da medula espinal, em doentes com dor crônica induz alterações neu-
produzindo hiperalgesia, somação temporal da dor e roplásticas adicionais no corno posterior da medula
regulação ascendente. espinal (Figura 2) e em áreas corticais que então
Tais alterações neuroquímicas sugerem que a mantêm e amplificam o quadro doloroso, formando
dor induz e é parcialmente mantida por um estado um ciclo vicioso e sintomas refratários. Neste está-
de sensibilização central [9] no qual o aumento da gio, mesmo a remoção do agente etiológico pode
transmissão da informação nociceptiva permite que não mais ser suficiente para o alívio dos sintomas
neurônios que normalmente não estão envolvidos dolorosos. Faz-se necessário então considerar que
na transmissão da informação dolorosa passam outros fatores, distantes da própria articulação aco-
a fazê-lo. Deste modo, estímulos como dos de metida podem ser os responsáveis pelos sintomas
pressão sobre determinadas partes do corpo que dolorosos e incapacitantes nestes pacientes [5,24],
em voluntários sadios não são interpretados como não apenas do ponto genético [24], mas também da
dolorosos, passam a ser percebidos como tal [5]. sensibilização central [5].
Vale a pena ressaltar que estímulos nociceptivos Neste contexto, o diagnóstico da sensibilização
periféricos podem iniciar e manter o estado da periférica e central é muito importante [25,26], pois
sensibilização central, como já descrito para a quando presente, faz com que neurônios do corno
fibromialgia [7,10-12]. posterior da medula espinal que só seriam ativados
Apesar de ser subjetiva por natureza, sintomas por estímulos nociceptivos, passam agora a ser
dolorosos crônicos podem correlacionar-se com evi- ativados por outros estímulos, incluindo os não no-
dências de neuroimagem que revelam o aumento das ciceptivos, fenômeno amplamente conhecido como
respostas de ativação cerebral [13-15]. alodínea [27]. Isto explica porque nos casos onde
Vários autores já demonstraram o possível a sensibilização central está estabelecida, mínimos
envolvimento da sensibilização central na gênese, estímulos periféricos já são suficientes para manter
manutenção, amplificação e exacerbação dos sin- condição dolorosa incapacitante [8].
tomas dolorosos em doentes com artrose de vários Diante destas evidências emergentes sugerindo
segmentos corporais [15-19]. Assim como em nosso o papel do sistema nervoso central na fisiopatologia
estudo [5], a hiperalgesia tegumentar e profunda já da dor em doentes com artrose de joelho, os alvos
foi observada no antebraço de doentes com rizartro- terapêuticos devem contemplar as estruturas do sis-
se [17] e no músculo tibial anterior de doentes com tema nervoso central, ao invés do tratamento apenas
artrose de joelho [19]. local com analgésicos comuns, antiinflamatórios e
Interessante notar que pontos dolorosos e medidas não farmacológicas.
de menor tolerância à pressão apresentam níveis
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 89
Vista anterior
Neurônio de
segunda ordem
Inter neurônio
gabaérgico
Neurônios nociceptivos
(alteração da expressão de canais
iônicos de Na+, K+, Ca++)
Vista posterior
Alguns estudos revelam que o uso de antide- quanto à dosagem de 60 ou 120 mg/dia com relação
pressivos está associado à melhora dos sintomas aos efeitos adversos [28].
clínicos na artrose de joelho, incluindo o alívio da dor Deste modo, a vista do melhor conhecimento
e a melhora funcional. De fato, há evidência científica fisiopatológico envolvido na dor decorrente da ar-
sugerindo que a duloxetina, um analgésico de ação trose refratária de joelho associada a alterações
central, na dosagem de 60 ou 120 mg/dia durante significantes em áreas corticais associadas com o
13 semanas reduz a dor e melhora o estado funcional processamento afetivo e emocional, é fundamental
de pacientes com artrose de joelho [28]. Há relato de reduzir ou até mesmo impedir a amplificação dos sin-
náusea (24,8% no grupo duloxetina e 6,3% no grupo tomas causados pela contínua ativação destas áreas.
placebo) e fatiga [28]. Parece não haver diferença
90 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010
Livros
Lisa Sanders, Todo paciente tem uma história para
contar, Editora Jorge Zahar, 2010, 328 p.
Ouvidos atentos
por Daniel Martins de Barros É pouco provável, a esta altura dos acontecimentos, que haja al-
gum profissional da saúde que não conheça o médico Gregory House.
É aquele médico brilhante, cujo raciocínio clínico só é menos aguçado
do que sua verve sarcástica. Relação médico-paciente ou empatia são
conceitos ausentes em sua prática, e como o ex-presidente do clube
Vasco da Gama, parece considerar a ética “coisa de filósofo”[1].
O que talvez poucas pessoas saibam é que a verdadeira pessoa
por trás desse homem sem coração é uma médica que tenta ser justa-
mente o contrário do personagem que inspirou. Lisa Sanders iniciou sua
carreira profissional como repórter, cobrindo a área da saúde, antes de
decidir estudar medicina. Após sua especialização em clínica geral teve
a oportunidade, graças à sua habilidade de transitar com desenvoltura
entre o universo médico e jornalístico, de escrever uma coluna no The
New York Times Magazine, a qual batizou de Diagnosis. Passou, com
isso, a colecionar casos que eram verdadeiros mistérios, com históricos
confusos, daqueles que fazem profissionais da saúde se confundirem
com detetives. O sucesso foi tanto que inspirou produtores de televisão
americanos a criar o seriado House.
Em seu livro recente, Todo paciente tem uma história para contar
(Jorge Zahar, 2010) a Sanders resolveu investigar o processo diagnósti-
co, desde o contato inicial entre médico e paciente – momento revestido
de grandes significados e emoções contraditórias – até a última palavra
– literalmente – dos patologistas.
Após escrever sobre tantos casos complexos, ela deu um passo
atrás, tentando entender como se chega àquele momento final, no qual
um nome é estabelecido para a condição clínica do paciente. Para per-
correr esse caminho teve que investigar como se obtém a história clínica
Daniel Martins de Barros é médico de um doente; como se realiza o seu exame (e como ele deveria ser
psiquiatra formado pela Univer- realizado, duas realidades muito distintas); de que maneira os exames
sidade de São Paulo (USP), editor- complementares, fetiches da medicina moderna tanto para médicos
assistente da Neurociências, e como para pacientes, ajudam e atrapalham o diagnóstico; o paradoxo
trabalha desde 2002 no Instituto de de, apesar de confiarmos tanto na tecnologia, os médicos termos tanta
Psiquiatria do Hospital das Clínicas resistência em usar as novas ferramentas da tecnologia da informação;
da Faculdade de Medicina da USP, até chegar ao ponto culminante da relação médico-paciente, quando
onde também é membro do Núcleo um diagnóstico tem que ser formulado em termos técnicos na cabeça
de Psiquiatria Forense e Psicologia do médico e transmitido de forma compreensível para o paciente leigo.
Jurídica Esse é um momento delicado na comunicação, e especialmente quan-
do há más notícias a serem transmitidas, o níveis de estresse sobe a
Correspondência: dan_barros@ ponto de ser detectado em alterações dos batimentos cárdiacos, quer
yahoo.com.br os profissionais seja novatos, quer experientes [2].
92 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010
Talvez seja para se proteger desse desgaste, e sem se manter numa nostalgia dos bons tempos
tão bem descrito pela Dra. Sander, que o Dr. House do estetoscópio, mostra que existem aspectos do
se negue a ter qualquer compaixão pelas pessoas. velho exame físico aprendido nas escolas médicas
O grande mérito do seriado, no entanto, está na que são absolutamente inúteis diante das novas
pergunta que ele propõe: o que é melhor, um mé- evidências científicas. Sua proposta conciliadora é
dico ético ou que resolva o problema? Num estudo não desprezar a Medicina clássica em favor de uma
recente, após avaliar o conteúdo de 46 episódios corrida tecnológica nem ignorar que a ciência avança,
de séries médicas (House e Grey´s Anatomy), foram e algumas coisas ficam superadas com o tempo.
detectadas 179 problemas éticos, como não obter o Todo paciente tem uma história para contar é
consentimento para transplante de órgãos e sonegar um livro que, nos lembrando da verdade simples de
de informações para o paciente [3]. seu título, nos leva a prestar mais atenção no que
A resposta não é simples, porque, como mostra dizem aqueles que nos procuram em busca de ajuda.
o livro de Lisa Sanders, mesmo os médicos mais
competentes têm limitações na hora de resolver Referências
os problemas. Mas, mais do que isso, a questão é
pertinente porque muitos médicos vêm trocando a 1. Folha de São Paulo, 02 de novembro de 2008,
página E3.
comunicação pela tecnologia – assim como faz House
2. Brown R, Dunn S, Byrnes K, Morris R, Heinrich
– mas isso, ainda como comprovam os dados do livro, P, Shaw J. Doctors’ stress responses and poor
muitas vezes mais atrapalha do que ajuda na busca communication performance in simulated bad-news
pelo diagnóstico, não tendo sido inventado ainda consultations. Acad Med 2009; 84(11):1595-602.
um aparato tecnológico à altura da boa e velha con- 3. Czarny M, Faden R, Sugarman J. (2010). Bioethics
and professionalism in popular television medical
versa. Sanders tem coragem de ir adiante, contudo, dramas Journal of Medical Ethics 2010;36(4):203-6.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 93
Artigo original
Abstract
Introduction: The aim of this study was to investigate the post-traumatic stress disorder
(PTSD) incidence in mothers who experienced the loss of a child by violent death or
disappearance and to correlate it with the possibility of an increase of cardiac disease.
Material & Methods: Analyzing the results of CAPS Scale Questionnaire (Clinician Ad-
ministered Post-traumatic Stress Disorder Scale), ECG and measurements of pulse and
blood pressure, an experimental group of 11 mothers who lost their child by violent death
or disappearance was compared to a control group composed of 10 women that did not
experience this type of event. The data obtained referred to the frequency of cases in
different categories, therefore, being nominal scales of measurement, the non-parametric
tests Chi Square and Mann-Whitney U-test were used. Results: Was observed a higher
incidence of PTSD in the experimental group compared to the control group and a differ-
ence between the magnitudes of the values obtained by these two groups on the CAPS
scale. Both results are highly significant. There was also a higher incidence of cardiac
diseases in the experimental group compared to the control group. Conclusion: The
presence of PTSD and cardiac disease suggests that the extreme suffering of a mother
who loses a child by violent death or disappearance, as a metaphor, could be called a
“Broken-Heart Syndrome”.
retirada de uma lista dos parentes de pessoas que as doenças cardiovasculares são a principal causa de
sofreram morte violenta do Instituto Médico Legal morte no mundo, especialmente entre as mulheres,
da cidade do Rio de Janeiro e era composta por 425 constando como responsáveis por 32% da causa do
mulheres (62%) e 265 homens (38%). Os resultados total de mortes das mulheres e por 27% do total das
revelaram que 54% das mulheres e 41% dos homens mortes dos homens em 2004 [11]. De acordo com
tiveram o cotidiano alterado depois da morte de pa- a escala de gravidade dos estressores da American
rente/amigo. Verificou-se que as mulheres sempre Psychiatric Association (APA), morte de cônjuge é
se mostraram mais afetadas do que os homens nas classificada como sendo um estressor agudo de nível
diversas modalidades da variável considerada nesse extremo enquanto morte de filho corresponderia a um
levantamento como intimamente correlacionada com nível considerado catastrófico [12]. O sentimento de
a ocorrência de sintomas de TEPT - o contato que o luto pela perda de vínculos afetivos importantes tem
entrevistado teve com o cadáver (se fez o reconheci- sido reconhecido há algum tempo, de forma intuitiva,
mento do cadáver; se viu, mas não reconheceu; ou porém a potencial ação letal desse tipo de perda foi
se nem viu nem reconheceu) [6]. demonstrada em 1959, quando foi feito um dos pri-
Estudo recente realizado pela Escola de Saúde meiros estudos empíricos sobre o aumento de taxas
Pública de Harvard, com quase dois mil homens que de mortalidade de viúvos [13]. O efeito das emoções
serviram como militares e moravam em Boston e humanas no desenvolvimento das doenças cardíacas
estavam inscritos no Programa de Estudo do Envelhe- passou a ser mais especificamente pesquisado na
cimento de Veteranos, mostrou que indivíduos com década de 60, a partir dos estudos de Framingham
altos níveis de TEPT têm alto risco de desenvolver [14] e, hoje, já é de domínio público o conhecimento
doenças cardiovasculares [7]. Pesquisa realizada na de que a saúde física do ser humano depende de uma
Universidade John Hopkins (EUA) em 2005 compro- série de fatores, inclusive os emocionais e sociais.
vou que as pessoas podem responder ao estresse Estudos neurocientíficos vêm demonstrando
emocional repentino liberando adrenalina e outras que o sistema central de estresse está alterado no
substâncias químicas na corrente sanguínea [8]. A TEPT, provocando hipersecreção de CRH (hormônio
chamada Síndrome do Coração Partido (Broken Heart liberador da corticotrofina), desregulando o Sistema
Syndrome), apesar de bastante rara, atinge mais Nervoso Autônomo e o Eixo HHS (Hipotálamo/Hipófi-
frequentemente as mulheres e está relacionada à se/Supra-Renal) [15]. Pela exacerbação mantida de
história de estresse grave recente, físico ou mental, catecolaminas, a ativação do sistema de estresse
e é precipitada pela descarga excessiva de cateco- interfere nas funções neurovegetativas, aumen-
laminas. Também chamada de “balonamento apical tando a atividade cardiovascular e metabólica. Por
transitório do ventrículo esquerdo”, essa patologia foi consequência, os principais parâmetros fisiológicos
descrita originalmente no Japão no início dos anos 90 de hiper-estimulação do Sistema Nervoso Autônomo
como cardiopatia “Takotsubo” (Armadilha de Polvo) (SNA), frequência cardíaca, pressão arterial e respos-
porque suas imagens no cateterismo cardíaco asse- ta de sudorese, são também exacerbados [16]. As
melham-se às armadilhas usadas pelos pescadores alterações fisiológicas produzidas pelo estresse po-
para apanhar polvos [9]. A explicação para o fato dem ter repercussões negativas de forma crônica no
estaria no excesso de liberação de catecolaminas sistema cardiovascular, em especial sobre a função
que impediria a contração da inervação da ponta do miocárdica, o que indica a possibilidade de o TEPT
coração. Os sintomas simulam os de infarto agudo influir de forma crônica no Sistema Cardiovascular.
do miocárdio, com dor torácica típica e alterações Portanto, o TEPT soma-se aos demais fatores de
eletrocardiográficas, sendo necessária uma avaliação risco que podem gerar hipertensão arterial e todo
por cineangiocoronariografia para distinguir entre um cortejo de doenças afins, aumentando assim o
essas duas condições na fase aguda, que também risco de doenças cardíacas crônicas.
se diferenciam pelo fato de a Síndrome do Coração
Partido não apresentar elevação substancial das Material & métodos
enzimas cardíacas e seus níveis de catecolaminas
séricas serem marcadamente superiores (2 a 3 vezes O estudo avalia a diferença entre um Grupo Ex-
maiores) aos dos pacientes com infarto do miocárdio perimental (integrado por mulheres que tiveram filhos
clássico [10]. mortos de forma violenta ou desaparecidos) e um
Segundo o amplo estudo realizado pela OMS Grupo de Controle (composto de mulheres que não
sobre o impacto mundial das doenças, verifica-se que sofreram esse tipo de problema) todas residentes
96 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010
na cidade do Rio de Janeiro. O objetivo do estudo foi cada sujeito da amostra, sendo os dados analisados
averiguar a incidência de TEPT relacionado a esse e avaliados pelo cardiologista voluntário do PAPT.
tipo de trauma e também correlacioná-lo a uma maior
incidência de problemas cardíacos crônicos. Amostragem
O Comitê de Ética para Pesquisa da SCMRJ apro-
vou o projeto de estudo em 08/10/2007. Todas as A amostra constou de 21 mulheres de baixa
participantes do referido estudo foram informadas e renda, de faixa etária entre 20 a 55 anos, residentes
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclareci- no Rio de Janeiro. Todas foram matriculadas no Hos-
do sobre o estudo ao qual estavam sendo submetidas. pital Geral da SCMRJ, passaram por uma entrevista
psiquiátrica de rotina no Serviço de Psiquiatria antes
Instrumentos de participarem do estudo em pauta e foram informa-
das sobre o estudo que iriam participar, assinando o
A primeira etapa do estudo constou de aplicação respectivo termo de consentimento informado.
da escala CAPS (Clinician Administered Postraumatic As onze mulheres que formaram o grupo ex-
Stress Disorder Scale). Trata-se de uma entrevista perimental eram mães de filhos assassinados em
semi-estruturada especificamente direcionada para chacinas ou mortos de forma violenta (encaminhadas
avaliação do TEPT, desenvolvida nos EUA e traduzida pela Defensoria Pública do Estado ou participantes
e adaptada ao Brasil pela Escola Paulista de Medicina- do Projeto de Apoio a Familiares de Vítimas de Cha-
UNIFESP [17]. A escala CAPS foi aplicada por psicólogo cinas do CESeC), ou desaparecidos (cadastradas
do PAPT/SCMRJ em cada sujeito de ambos os grupos no Programa SOS Crianças Desaparecidas da FIA).
da amostra. O paciente que apresenta pontuação igual As demais dez mulheres do grupo de controle não
ou superior a 60 pontos, de acordo com as normas da haviam passado por nenhum trauma equivalente. Os
escala CAPS, é considerado como portador de TEPT. dados referentes a cada participante do estudo são
Na segunda etapa foram realizados eletrocardiogra- listados na Tabela I.
mas e aferidas medidas de pulso e pressão arterial de
Evento traumático: No dia 6 de janeiro de 2000, filho de 16 anos, estudante, foi atropelado quando andava de bicicleta
próximo de sua residência, atingido por um carro conduzido por um Juiz que não prestou socorro, abandonando o local
do acidente.
Sintomas: 1 - Estado de choque (“fora do ar”) por 3 anos, 2 - Agressividade.
4. 50 Solteira CESeC 1. masc. 1. masc. 70 Depressão dis- 120/ 110/ 72
1. fem. creta da 80 70 bpm
onda T. em
parede antero-
lateral (SVE?)
Evento traumático: Em agosto de 2007, filho mais novo de 16 anos, estudante e jogador de futebol, foi atingido e
morto dentro de casa por uma bala perdida.
Sintomas: 1 - Ansiedade, 2 - Tristeza.
5. 33 Separada FIA 1. masc. 1. fem. 99 Normal 110/ 120/ 76
Desaparec. 70 80 bpm
Evento traumático: Desaparecimento da filha em Angra dos Reis, em 20/06/2005. Estava residindo com o pai, quando
um homem a abordou ao sair de casa e a levou à força.
Sintomas: 1 - Angustia, 2 - Desespero, 3 - Sentimento de fracasso, 4 - Culpa, 5 - Agressividade.
6. 45 Casada Defensoria 1. masc. 2. masc. 80 Sobrecarga 140/ 130/ 68 bpm
Pública 1. fem. leve ventrículo 100 90
esquerdo.
Evento traumático: Dois filhos assassinados, 18 e 20 anos, em 07/01/2004, quando estavam na boca de fumo da
comunidade onde moravam.
Sintomas: 1 - Obesidade, 2 - Angustia, 3 - Irritabilidade, 4 – Depressão, 5 - Dor nos pés, 6 - Hipertensão, 7 - Ansie-
dade, 8 - Isolamento, 9 - Evitação.
7. 49 Separada Defensoria 2.masc. 1. masc. 88 Normal 120/ 120/ 72
Pública 70 65 bpm
Evento traumático: Assassinato do filho em março de 2008, quando se dirigia a uma festa rave da sua comunidade.
Sintomas: 1 - Ansiedade, 2 - Depressão, 3 - Dificuldade de relacionamento com o marido.
8. 45 Casada CESeC 1. fem. 2. masc. 88 Normal 120/80 110/75 72
bpm
Evento traumático: No final de 2006, seus filhos de 13, 18 anos, o sobrinho e um amigo foram assassinados e jogados
dentro de um poço após a saída de um evento numa casa de show na zona norte do Rio.
Sintomas: 1 - Ao receber a notícia, “ficou em estado de choque”. 2 - Entrava em desespero quando alguém da família
saia de casa.
9. 46 Casada CESeC 1.fem. 1. masc. 111 Bloqueio 150/ 150/90 64 bpm
completo no 90
ramo direito
do feixe de
HISS
Evento traumático: Assassinato do filho, 16 anos, em 21/11/2002. O adolescente foi abordado por 9 policiais ao voltar
da casa de um amigo, onde estudava depois da aula. Levou um tiro no peito à queima roupa e foi deixado no mato na
própria comunidade onde reside.
Sintomas: 1 - Relata ter “obstrução numa veia do coração”(sic) prévia ao incidente e posteriormente ter “angina e
hipertensão”(sic), 2 - Memória ruim, 3 - Choro fácil, 4 - Medo da solidão, 5 - Ansiedade, 6 - Angustia, 7 - Raiva.
98 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010
Os dados do estudo referem-se à frequência de fisiológicas produzidas pelo TEPT poderem aumentar
casos em diferentes categorias (número de casos o risco de problemas cardíacos, a hipótese desse
em que TEPT está presente ou ausente e número de trabalho é que a presença desse tipo de problemas
casos com ou sem alteração no exame cardiológico). seja maior nas mulheres do Grupo Experimental do
A escala de medida utilizada é, pois, do tipo nominal. que nas do Grupo Controle.
Em função de a patologia TEPT apresentar baixa Para testar as hipóteses nulas: A - “Não existe
prevalência na população geral, a hipótese de trabalho diferença em incidência de TEPT entre o grupo expe-
é que as mães do Grupo Experimental, que passaram rimental e o de controle” e, B - “Não existe diferença
pelo trauma da perda de filho por morte violenta ou de- em exame cardiológico com ou sem alteração entre
saparecimento, teriam alta probabilidade de apresentar o grupo experimental e o de controle”, foi utilizado
sintomatologia de TEPT, enquanto as do Grupo Controle, o teste estatístico não-paramétrico Qui-quadrado.
que não teriam passado por esse tipo de trauma, teriam Na verificação da diferença de magnitude dos va-
baixa probabilidade de apresentar TEPT. lores obtidos no Grupo Experimental e no de Controle,
Como as doenças cardíacas apresentam alta em relação aos resultados de cada paciente dos dois
prevalência na população mundial, especialmente na grupos na pontuação obtida na escala CAPS, utilizou-
feminina, e devido à possibilidade de as alterações se o teste não-paramétrico U de Mann-Whitney.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 99
Artigo original
VRP, using the Berg´s Balance Scale (BBS), the Herdman´s gait scale, audiometry,
and the Diziness Handcap Inventory (DHI). The subjects underwent the program for a
month with three weekly sessions lasting one hour each. The program was based on the
Cawthorne and Cooksey protocol. The program was effective for the studied subjects,
improving their general condition, which was confirmed by all assessment scales. Average
results showed that BBS scores increased from 49.9 ± 3.8 to 54.4 ± 2.6. Considering
Herdman`s Scale, seventy eight percent of the responses showed improvement, and the
DHI scores decreased from 53.4 ± 23 to 4.8 ± 5.8; Therefore, the Cawthorne-Cooksey
protocol satisfactorily improved BPPVs patients´s gait and quality of life.
A EEB consiste em 14 tarefas comuns nas AVDs, Foram realizadas 12 sessões numa frequência
tendo pontuação máxima de 56, com alternativas de 3 vezes por semana e duração de 1 hora. Além
que variam de 0 a 4 pontos. Um resultado de 45 a disso, os pacientes receberam uma cartilha para
56 indica uma probabilidade baixa das quedas, mas realizar os exercícios em seus domicílios nos outros
uma pontuação igual ou abaixo de 36 se relaciona a dias. Todos os exercícios foram retirados do protocolo
100% de risco de quedas [6]. de Cawthorne e Cooksey [20]. Dez exercícios eram
feitos em decúbito dorsal envolvendo movimentos
Manobra Dix Hallpike e Prova dos passos de verticais, horizontais e convergentes dos olhos e da
Fukuda cabeça, de forma lenta e rápida. Dois exercícios na
posição sentada com movimentos de cabeça, cintura
A manobra de Dix Hallpike é realizada com o escapular, tronco e membros, outros dois passando
paciente sentado na maca. Inicialmente sua cabeça de sentado para a postura em pé e voltando para sen-
é virada 45 para o lado a ser avaliado, em seguida tado. Todas as atividades eram repetidas 20 vezes.
o paciente é instruído a ir para trás, deitando brus- E, ao final de cada sessão, eram feitas caminhadas
camente enquanto o terapeuta segura a cabeça do associando movimentos horizontais e verticais de
paciente pendente por no mínimo 20 a 30 segundos cabeça por cinco minutos e, subir e descer um lance
e observa a presença de nistagmo e/ou tontura. de escada com 15 degraus.
Retorna-se o paciente à posição sentada, manten-
do a cabeça do mesmo lado e observa o nistagmo Resultados
novamente. Os resultados são: positivo objetivo =
ocorrência de nistagmo e vertigem; positivo subjetivo Observando a caracterização dos sujeitos que
= ocorrência apenas de vertigem; negativo = não participaram do estudo (Tabelas I e II), é possível
ocorre nistagmo nem vertigem [4]. Já a prova dos afirmar que, apesar de pequeno, é um grupo homo-
passos de Fukuda consiste em manter o paciente gêneo com relação à idade (69,4 ± 6,7 anos) e sexo.
em pé, com os olhos fechados, braços estendidos De modo geral, o quadro clínico destes pacientes
a frente, solicitado a dar 100 passos no local já de- incluía zumbidos, tonturas e náuseas. Os fatores
marcado. A rotação do corpo maior que 45 graus é agravantes eram fechar os olhos, dirigir, realizar
anormal e tende a ocorrer para o lado da lesão [4]. movimentos cefálicos rápidos e stress. Os fatores
de alívio eram: repouso, fazer movimentos lentos
Escala de Marcha Adaptada de Herdman e exercícios corporais gerais. Todos os pacientes
apresentam algum grau de perda auditiva, princi-
Esta escala é composta de 11 testes que explo- palmente em frequências altas, o que é compatível
ram a marcha associada a movimentos de cabeça, com a presbiacusia, que significa lesão auditiva pela
carregando objetos, pulando obstáculos, subindo e idade e vertigem paroxística benigna. Estes sujeitos
descendo escadas, contando em voz alta. Em todos participaram de todo o protocolo e não fizeram uso
os testes é observado se o paciente executa, se sen- da medicação específica.
te tontura durante a tarefa, se a trajetória é reta, se Os dados da EEB, escala de marcha e DHI fo-
existem cambaleios ou desvios para um dos lados. ram obtidos a partir de análise estatística básica,
porcentagem e teste T. Pelos resultados obtidos
Questionário de qualidade de vida (Dizziness com a EEB antes e depois do tratamento, notou-se
Handicap Inventory - DHI) que todos os pacientes melhoraram o equilíbrio (p =
0,043), sendo que 3 deles alcançaram a pontuação
O DHI é uma escala de incapacidade autoperce- máxima, que corresponde a 56 pontos. Porém, é
bida, relacionada à doença vestibular. São fornecidas importante ressaltar que a pontuação inicial destes
25 questões, sendo 7 para aspectos físicos, 9 para sujeitos indicava que não existia alto risco de quedas
o emocional e mais 9 para o funcional. A resposta (48 ± 2). Analisando os testes individualmente, ficou
“sim” vale 4 pontos, “às vezes” vale 2 e “não” clara a dificuldade dos sujeitos em situações que
vale 0. A pontuação total varia de 0 (nenhuma inca- exigiam base estreita (um pé na frente do outro e/ou
pacidade percebida) a 100 (incapacidade máxima apoio unipodal). Estas dificuldades se amenizaram
percebida) [12]. após a RV.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 105
Já, os achados da manobra de Dix Hallpike in- inter-sujeito com relação aos aspectos avaliados,
dicam que 3 dos 5 sujeitos melhoraram, passando revelando que os 3 níveis são afetados de forma
de um quadro objetivo (presença de nistagmo) para distinta nas VPPBs. Após o tratamento houve melhora
subjetivo (apenas sensação de vertigem) ou até de todos os aspectos analisados individualmente (p
atingindo uma resposta normal (sem nistagmo e sem < 0,004) e também no geral (p = 0,000) indicando
vertigem) após o período de RV. Os outros 2 pacien- remissão de sintomas, até mesmo total em 2 casos.
tes mantiveram o resultado. Outro teste clássico
avaliado foi a prova dos passos de Fukuda. Dos 5 Tabela IV - Avaliação da qualidade de vida (DHI) pré
sujeitos avaliados, 4 continuaram tendo uma respos- e pós RV.
ta positiva, indicando ainda presença de desequilíbrio Físico Funcional Emocio- Total
mesmo após o tratamento. Isto pode indicar que a Paciente nal
RV é efetiva na melhora funcional dos portadores de A D A D A D A D
VPPBs, mas eles continuam apresentando resultados 1 28 2 16 0 12 0 56 2
indicativos da presença destes distúrbios. 2 20 0 16 0 22 0 58 0
A escala de marcha adaptada de Herdman 3 28 4 32 6 24 2 84 12
mostrou-se muito sensível na detecção de desequilí- 4 16 2 12 8 20 0 48 10
brios e desvios. Na Tabela III podem ser observados 5 4 0 16 0 0 0 20 0
os resultados de cada indivíduo e o efeito da RV em Média 19,2 1,6 18,4 2,8 15,6 0,4 53,2 4,8
todos os sujeitos e itens avaliados. Todos evoluíram, Dp 10 1,6 7,7 3,8 9,8 0,8 22,9 5,7
apresentando ao final, marcha com trajetória reta, A = avaliação inicial; D = avaliação final
sem cambaleios (p = 0,003) e desvios laterais (p =
0,041), sem queixas de tonturas (p = 0,003) e verti- Discussão
gem (p = 0,000). Considerando as 10 questões e os
5 pacientes, 78% das avaliações mostraram evolução. Associando os resultados sobre as formas de
avaliação utilizadas pode-se concluir que a EEB de-
Tabela III - Avaliação da marcha pré e pos RV. tecta os desequilíbrios, mas em casos de VPPBs não
Pacientes Avaliação Pré RV Avaliação Pós RV se mostra muito sensível. O estudo de Badke, Shea,
VTCD VTCD Miedaner e Grove [22] também mostra que a EEB não
1 9758 1012 foi sensível para detectar as melhorias observadas
2 4462 0000 em pacientes com disfunções vestibulares. Quando
3 4320 0321 combinada com testes específicos (Manobra de Dix
4 4555 0100 Hallpike, Romberg, Prova dos passos de Fukuda) é
5 5747 0333 possível se obter maiores detalhes sobre a gravidade
V = vertigem; T = tontura; C = cambaleios; D = desvios do quadro clínico destes pacientes [22].
Uma escala pouco conhecida e ainda não
A escolha e aplicação do questionário de qualida- explorada nestes pacientes é a escala de Marcha
de de vida (DHI) pode refletir o impacto das VPPBs no adaptada de Herdman. O estudo de Wrisley Marchetti,
aspecto físico, funcional e emocional dos pacientes Kuharsky e Whitney [23] provou a confiabilidade e va-
estudados. A Tabela IV mostra a pontuação obtida em lidade dos dados obtidos com a escala de avaliação
cada aspecto por cada paciente. Houve predomínio funcional da marcha em pacientes com disfunções
da incapacidade moderada, mostrando o quanto as vestibulares. Também Hall, Schubert e Herdman [24]
VPPBs podem limitar a vida dos portadores. encontraram, através do índice dinâmico da marcha,
Com relação aos aspectos físicos, a média inicial melhora na marcha e no risco de quedas em jovens
indicava incapacidade moderada, porém dois sujei- adultos e em menor grau em idosos com disfunções
tos apresentavam incapacidade total. Já no aspecto vestibulares. Embora não existam estudos com a
emocional houve melhores resultados, dois pacien- escala utilizada, os resultados presentes indicam
tes estavam bem abaixo da média e embora ainda que esta ferramenta forneceu informações precisas
exista o impacto das VPPBs, ele é menos evidente. e, podem nortear melhor a elaboração de um trata-
Sobre o aspecto funcional, 3 pacientes apresentavam mento fisioterapêutico com exercícios específicos.
incapacidade moderada, 1 estava abaixo e o outro Este achado complementa o estudo de Whitney,
classificado como gravemente incapacitado. Também Wrisley e Furman [25], que preconiza o uso da escala
foi observado que não existia uma homogeneidade de marcha (índice do andar dinâmico) nas VPPBs.
106 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010
14. Bittar RSM, Pedalini MEB, Formigon LG. Por que a 22. Badke MB, Shea TA, Miedaner JA, Grove CR.
reabilitação vestibular falha? Arquivos da Fundação Outcomes after rehabilitation for adults with balance
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108 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010
Revisão
Resumo
Diversos processos cognitivos entram em jogo para que tomemos uma decisão. Uma
tendência recente no campo de estudos dos fenômenos decisionais é a de considerar a
importância de processos pré-conotativos na organização geral das biocomputações en-
volvidas nos modelos mentais dos problemas decisionais. Neste âmbito, adquire especial
importância os cálculos de ‘custos decisionais’, representados pela avaliação pessoal (e
primariamente inconsciente) do grau de investimento necessário para o atingimento de
uma solução ótima ou sub-ótima para o problema, geralmente correlata à maximização
da utilidade esperada. Estudos neuroeconômicos estão atualmente empenhados na
determinação das bases neurobiológicas desta etapa pré-conotativa. Neste sentido,
eles estão lançando nova luz sobre as dinâmicas decisionais e introduzindo avanços
na neurobiologia dos comportamentos complexos. A presente revisão tem por objetivo
apresentar os principais desenvolvimentos deste novo campo, apresentar algumas de
suas mais pronunciadas limitações e discutir algumas perspectivas novas, capazes de
contribuir para estudos futuros.
Abstract
Several cognitive processes take part in a decision-making. A recent tendency of the
field of study of decisional phenomena is to consider the importance of pre-connotative
processes in the general organization of the biocomputations that take part in the mental
models of the decisional problems. In this context, special importance has been attributed
to ‘decision costs’, represented by the personal (and mostly unconscious) evaluation
Mestre, PhD, Pesquisador do pro- of the amount of energy necessary to achieve an optimal or suboptimal solution to the
problem, usually correlated with the maximization of expected utility. Neuroeconomic
grama de pós-doutorado do Instituto
studies are currently developing toward the understanding of the neurobiological basis
de Psiquiatria da FMUSP, Bolsista of this pre-connotative stage. In this sense, they are shedding light into the cognitive
Fapesp de Pós-doutorado dynamics of decision-making and introducing new trends in the neurobiology of complex
behavior. The current review aims to introduce the most remarkable developments of this
Correspondência: Lab de Neuroima- new field, present their most pronounced limitations, and discuss some original ideas
that may contribute to future studies.
gem LIM-21, Rua Dr. Ovídio Pires
Campos s/n, São Paulo SP Tel: (11)
Key-words: neuroeconomics, decision-making, decision costs, cognitive processes,
3069-8132, E-mail: alvaromd@usp.br
expected utility.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 109
Isto é parte importante da explicação da conhecida para responder isto dependem de modelos episte-
tendência para se postergar decisões importantes mológicos adequados acerca da estrutura cognitiva
e de longo prazo. do traço em questão, a volição.
Existe um único estudo de inspiração neurobio- De acordo com Goldberg, Ullman e Malach
lógica sobre os custos decisionais agregados pelo [22], uma maneira de se compreender a volição é
hiato à recompensa, o qual foi realizado com ratos pela distinção entre processamentos ‘extrínsecos’,
[8] e concluiu que as redes neurais que implementam relacionados à biocomputação de dados ambien-
os custos determinados pelo esforço e os custos da tais, caracterizado por baixa implicação volitiva; e
expectativa de espera encontram-se dissociados no outro intrínseco, relacionado às intenções e gostos
cérebro de mamíferos. que emergem sem que algo no ambiente em que o
De acordo com os autores, o córtex orbitofrontal sujeito se encontra imerso em um dado momento
é a principal área envolvida no cálculo subjetivo dos tenha se alterado de maneira suficiente para que se
custos atrelados pelo hiato temporal e, portanto, na possa acusar uma demanda desta natureza e que
repressão de comportamentos impulsivos em sentido se caracteriza por ser altamente volitivo.
à satisfação imediata, em detrimento de ganhos mais O segundo tipo, intimamente relacionado com a
elevados ao longo do tempo. Este achado confirma a questão que colocamos, envolve o chamado default
premissa de que o córtex orbitofrontal serve à função mode cerebral, definido como as redes neurais mais
de codificar o valor afetivo de recompensas e, mais ativadas na vigília, quando não estamos engajados
especificamente, de derivar as biocomputações que em nenhuma atividade cognitiva específica (para
associam determinadas comidas a experiências uma introdução: Raichle et al. [23]) e implica de
hedonistas [20]. sobremaneira a ativação parietal inferior [22]. Neste
Forma-se assim parte do complexo sistema para sentido, uma possibilidade é que a existência de
a implementação das biocomputações envolvidas no custos envolvidos na subtração volitiva se caracterize
binômio acurácia/esforço em tomadas de decisão, por uma diminuição ativacional nesta e em outras
o qual certamente precisa incorporar muito mais áreas envolvidas com a volição intrínseca (para uma
componentes. visão abrangente: Karch et al. [24]), com um efeito
Uma ideia que ainda não foi explorada refere-se negativo sobre a expectativa de recompensas do
aos custos agregados à autonomia intencional do agente decisional, enquanto este define o quanto se
agente decisional, em oposição ao processamento dispõe a investir para a maximização dos resultados.
levado a cabo em situações onde há pouco espaço
para a volição. Conclusão
Em 2004, Walton, Devlin e Rushworth [21] de-
monstraram que a monitoração do comportamento Nesta revisão introduzimos um conceito facil-
decorrente de decisões ‘derradeiramente volitivas’ mente operacionável de tomadas de decisão e con-
exibe padrão ativacional inverso daquele apresentado sideramos criticamente a literatura mais pertinente
ao longo de decisões impostas ou sugeridas pelo acerca das bases cognitivas e neurobiológicas do
experimentador. Enquanto decisões derradeiramente cálculo de custos decisionais, com vias ao aprofun-
volitivas implicam aumento do sinal BOLD no córtex damento daquele e, mais amplamente, da neuro-
anterior cingulado e menor atividade orbitofrontal, biologia dos comportamentos complexos. Tal como
decisões seguintes a sugestões do experimentador argumentamos, trata-se de um campo a enfrentar
ativam o padrão inverso. Este dado não apenas desafios muito grandes, posto que os estudos devem
é interessante por si mesmo, como sugere que a dar conta simultaneamente de dificuldades técnicas
volição seja processada como custo, o que se de- e epistemológicas.
duz da afirmação de que o córtex orbitofrontal seja Duas vicissitudes de especial interesse que sa-
uma das áreas de processamento de informações lientamos são as de que os custos de uma decisão
hedonistas [20]. incluem o hiato temporal entre a decisão e a potencial
Porém, como então incorporar os custos inver- consequência da mesma (que para facilitar tratamos
sos, implicados na subtração do livre arbítrio, que como ‘recompensa’) e que a análise dos correlatos
se revela psicologicamente na perspectiva de pouca neurobiológicos destes custos deve considerar que
identificação com a escolha e, comportamentalmen- algumas dimensões podem se revelar associadas à
te, pela perda do tônus motivacional que é típico de diminuição da atividade cerebral, invertendo o para-
quem se sente conduzido? Mais uma vez, hipóteses digma ‘um custo/uma área ativada’.
112 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010
Revisão
****Doutorando da Universidade
de São Paulo, Professor do Curso
Abstract
de Pós Graduação Latu Sensu em The Binge Eating Disorder is frequently observed in obese patients. The pharmacological
Neurociências Aplicadas à Saùde e treatment with sibutramine is the most commonly used to help weight loss and appetite
à Educação e Neurociências Aplica- reduction. The Cognitive-Behavioral Therapy (CBT), with its techniques for behavioral
das à Odontologia das Faculdades change against the compulsion and cognitive regulation of emotions, increases patient
adherence to restrictive diets, pharmacological treatment and prevention of weight regains
Oswaldo Cruz, *****Doutorando
after the end of the treatment.
do Centro Cochrane do Brasil /
UNIFESP, Coordenador e Professor
Key-words: obesity, eating disorders, psychotherapies, cognitive-behavioral therapy.
do Curso de Pós Graduação Latu
Sensu em Neurociências Aplicadas
à Saúde e à Educação e Neurociên-
cias Aplicadas à Odontologia das
Faculdades Oswaldo Cruz
A estratégia de busca encontrou 31 artigos re- devem ser concentrados tanto na busca quanto na
ferentes à pesquisa clínica secundária, dispostos na identificação e controle do maior número possível de
lista das referências bibliográficas de acordo com os fatores intervenientes nesses fenômenos.
respectivos números abaixo e também classificados Assim o ambiente se revela como um dos fatores
segundo o tipo revisão em: de maior importância, principalmente devido a uma
oferta ilimitada de alimentos baratos, palatáveis,
• Revisões narrativas: [1,3,4,6,7,9,11,12,14,15, práticos, de alta concentração energética, e de
24,25,32,34,35,36,37] qualidade nutricional questionável. Alia-se a isso um
• Revisões sistemáticas qualitativas: sedentarismo crescente, com a prática de atividades
[16,17,18,19,20,27,28,31] físicas cada vez mais dificultadas [4].
• Revisões sistemáticas quantitativas Cochrane: Em 2001, a psiquiatra Nora Volkow [5] observou,
[21, 22, 23, 29,30] por meio de tomografia de emissão de pósitrons,
uma correlação negativa entre IMC e concentração
Objetivo de receptores de dopamina no núcleo accumbens.
Em outras palavras, quanto mais gordo o indivíduo,
Evidências clínicas embasadas por importantes menos a disponibilidade dos receptores dopami-
estudos apontam a que hoje no mundo todo, em nérgicos. Os resultados sugerem que a compulsão
função da gravidade do problema da obesidade, alimentar seria uma forma de compensar a ausência
existe na verdade um abuso na aplicação de medica- de efeito do neurotransmissor.
mentos que anorexígenos, que muitas vezes podem Embora a obesidade não seja um critério diag-
produzem aumento de morbidade e mortalidade, o nóstico para Transtorno da Compulsão Alimentar
que torna extremamente necessário a adoção de Periódica, é uma condição clínica que quase sempre
posição a favor do uso racional de medicamentos. acompanha o quadro. Estudos epidemiológicos su-
O escopo do presente trabalho foi o de elaborar um gerem que, na população, cerca de 3% das pessoas
mapeamento do conhecimento, e logo foi observou-se apresentam Transtorno da Compulsão Alimentar
alta ocorrência de viéses metodológicos importantes Periódica, elevando-se para índices de 7,5% a 46%
na maioria dos estudos recuperados. em amostras clínicas de obesos [1,2].
Posteriormente foram desenvolvidos estudos com para controle de episódios de compulsão alimentar,
pacientes depressivos e evidenciou-se que apesar a modificação de hábitos alimentares, o desenvolvi-
destes realizarem com maior frequência atividades mento de estratégias para adesão ao exercício físico
agradáveis, era comum que avaliassem negativa- e à redução gradual do peso, quando há obesidade
mente tais atividades e o seu desempenho em associada. A TCC sugere, também para estes casos,
realizá-las. Estes fatos chamaram a atenção para a abordagem da auto-estima, a redução da ansiedade
influência dos fatores cognitivos na forma como um associada à aparência e a modificação do sistema
indivíduo reage aos fatores do meio e na constituição de crenças disfuncionais [28].
das psicopatologias, contribuindo assim para que Um dos objetivos do uso das técnicas compor-
muitos terapeutas comportamentais passassem a tamentais é que o paciente possa identificar os estí-
utilizar também conceitos e técnicas cognitivos na mulos que antecedem o comportamento compulsivo,
prática clínica [34]. bem como situações que facilitam a não aderência
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) foi ao tratamento e, consequentemente, seu insucesso
considerada a forma de intervenção psicoterápica [29]. As estratégias cognitivo-comportamentais são
mais investigada no TCAP através de ensaios clí- utilizadas visando a modificação de hábitos prejudi-
nicos randomizados e tem sido crescentemente ciais ao paciente, como: auto monitoramento reali-
utilizada em diversos centros especializados no zado pelo próprio paciente, controle de estímulos,
tratamento dos transtornos alimentares. Ela baseia- resolução de problemas identificando problemas
se no pressuposto de que um sistema disfuncional relacionados ao excesso de peso, auxiliando o pa-
de crenças está associado ao desenvolvimento ciente na perda e manutenção de peso, reestrutu-
e manutenção do TCAP. Consequentemente, a ração cognitiva modificando o sistema de crenças,
modificação de padrões distorcidos de raciocino identificando e corrigindo crenças e pensamentos
e a reestruturação de crenças supervalorizadas disfuncionais com relação ao peso e à alimentação
associadas ao peso e à imagem corporal são focos [36,37].
primários do tratamento, sendo utilizadas várias
técnicas cognitivas com essa finalidade e técnicas Terapia cognitiva
comportamentais para ajudar na modificação dos
hábitos alimentares. A Terapia Cognitiva utiliza o conceito da estru-
Em geral, a TCC também focaliza estratégias tura “biopsicossocial” na determinação e compreen-
para prevenção de recaídas. Em pacientes obesos são dos fenômenos relativos à psicologia humana,
com TCAP, estudos abertos sugerem que a TCC no no entanto constitui-se como uma abordagem que
formato de grupo favorece uma redução da frequência focaliza o trabalho sobre os fatores cognitivos da
da compulsão alimentar, variando entre 80 a 91%. Al- psicopatologia. A teoria cognitiva tem como objeti-
guns estudos controlados randomizados compararam vo de estudo principal a natureza e a função dos
a eficácia da TCC isoladamente com a TCC associada aspectos cognitivos, ou seja, o processamento de
a fármacos. Esses estudos demonstraram reduções informação que é o alto de atribuir significado a algo.
significativas da compulsão alimentar após a Terapia É descrever a natureza de conceitos (resultados de
Cognitivo-Comportamental, sem benefício adicional processos cognitivos) envolvidos em determinada
com o uso de desipramina, fluoxetina ou fluvoxami- psicopatologia de maneira que quando ativados den-
na. Ensaios clínicos descritos sugerem que a TCC tro de contextos específicos podem caracterizar-se
resulta em redução significativa na frequência e da como mal adaptados ou disfuncionais. O objetivo
gravidade da compulsão alimentar. Resulta em uma da Terapia cognitiva seria, ainda, o de fornecer
diminuição significativa da preocupação disfuncional estratégias capazes de corrigir estes conceitos
com a alimentação, peso e forma corporal, além de idiossincrásicos [34].
favorecer uma melhora das atitudes associadas à
alimentação [35]. Terapia comportamental
O programa de TCC para o Transtorno de Compul-
são Alimentar Periódica foi desenvolvido a partir do O desenvolvimento da teoria comportamental
modelo utilizado para a Bulimia Nervosa, tendo sito permitiu o conhecimento a respeito das leis gerais
necessárias algumas adaptações às diferenças entre do comportamento tornando-o mais previsível. Tal
estas duas síndromes. Os objetivos terapêuticos conhecimento é o ponto no qual a terapia compor-
no TCAP incluem o desenvolvimento de estratégias tamental se apóia para o desenvolvimento de sua
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 119
prática clínica. Existem dois tipos de comportamento: Evidências científicas das neurociências para a
o conhecido como “comportamento respondente” Terapia Cognitivo-Comportamental
que tem caráter involuntário e o “comportamento ope-
rante” que tem caráter voluntário. O comportamento Os estudos mostram que a Terapia Cognitivo-
operante é aquele que modifica o ambiente, estando Comportamental tem modelos de tratamento em
sujeito a alterações a partir das conseqüências de vários transtornos mentais com índices elevados de
sua atuação sobre o ambiente. Ou seja, as probabi- eficácia [27]. Esta terapia oferece uma perspectiva
lidades futuras de um operante ocorrer novamente interessante para a integração com o campo da
está na dependência das conseqüências que foram neurociência, uma vez que qualquer intervenção está
geradas por ele. vinculada a um suporte de pesquisa experimental e
A utilização do reforço positivo é mais adequada empírico [28]. O intercâmbio da TCC com a neuroci-
quando se quer promover uma mudança prolongada ência é o diálogo entre mente e cérebro. Podemos
e eficaz do repertório comportamental do indivíduo. considerar que mente e cérebro são integrados e
Frente a um estímulo aversivo, o indivíduo pode emitir interdependentes. Os processos mentais exercem
comportamentos de fuga (evitação do estimulo na influência na plasticidade cerebral em vários níveis
presença deste) ou de esquiva (evitação quando o como celular, molecular e em circuitos neurais [32].
estímulo aversivo ainda não está)[34]. Os processos neurais estão envolvidos com
outros processos fisiológicos como o imune e o
Neurobiologia da regulação emocional: endócrino que por sua vez estão associados à co-
implicação para a terapia cognitivo- municação entre os processos mentais e cerebrais.
comportamental De fato, “mudando sua mente você pode modificar
seu cérebro” [33].
As estratégias de regulação que têm início em Podemos integrar as pesquisas em neurociên-
fases mais precoces do processo de geração da cias às psicoterapias [36]. A pesquisa sobre os circui-
emoção produzem resultados diferentes das que tos neurais dos transtornos mentais tem importante
têm uma atuação mais tardia. Assim, os mecanis- implicação clínica, pois amplia nosso conhecimento
mos comportamentais (suprimir a expressão de um dos mecanismos neurobiológicos subjacentes às
comportamento) e cognitivos (interpretar situações patologias, assim como podem revelar os circuitos
emocionais de forma limitar a resposta emocional neurais associados à melhora dos sintomas em
subseqüente) de regulação da emoção apresentam decorrência do tratamento bem sucedido com TCC.
repercussões diferentes. Consequentemente, estes estudos podem contribuir
A regulação cognitiva da emoção é muito usada para o aumento da eficácia da terapia quer através
na TCC, que pressupõe uma relação entre pensamen- do aperfeiçoamento de novas técnicas quer através
to, emoção e comportamento. De acordo com essa de potencialização com fármacos. Em síntese, a
abordagem terapêutica, as nossas emoções são, compreensão das bases neurobiológicas relaciona-
em grande parte, determinadas pela forma como das ao processo emocional é de grande importância
interpretamos as situações por nós vivenciadas, e para Psicologia [37].
as interpretações dos fatos e situações estão dire-
tamente relacionados às crenças do individuo acerca Conclusão
de si mesmo, do mundo e do futuro. Uma das estra-
tégias comumente empregadas é a da reestruturação Pelo grau de evidência apurado nos resultados
cognitiva, que visa ajudar o paciente a interpretar as obtidos, podemos considerar uma tendência favorá-
situações de modo mais adaptativo, tratando-se de vel a adoção dos recursos da Terapia Cognitivo-Com-
uma técnica cognitiva de regulação da emoção. portamental como co-intervenção no Transtorno da
A regulação emocional focalizada na resposta Compulsão Alimentar Periódica em Obesos tratados
comportamental ou supressão emocional considera com sibutramina por ter sido considerada um recurso
que, após a emoção já ter sido instalada, podemos efetivo, eficiente e seguro.
inibir as respostas emocionais de maneira que as ou- Implicações para a prática: A adoção dos re-
tras pessoas não percebam o que estamos sentindo. cursos da Terapia Cognitivo-Comportamental como
Tal inibição aconteceria sobre os sinais de saída das co-intervenção ao ser recomendada no tratamento
emoções, de modo que o indivíduo não expressasse do Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica em
o que está sentindo [33]. Obesos pode contribuir para o uso racional da sibu-
120 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010
tramina reduzindo à exposição da droga, seja pela 6. Halpern ZSC, Rodrigues MDB, Costa RF.
redução do tempo de utilização, seja pela redução Determinantes fisiológicos do controle do peso e
apetite. Rev Bras Psiquiatr 2004;31(4).
da concentração administrada o que pode contribuir 7. Cambraia RPB. Aspectos psicobiológicos do
de maneira importante na minimização da ocorrência comportamento alimentar. Rev Nutr 2004;17(2).
de efeitos colaterais. 8. Katzung BG. Farmacologia básica & clínica. Trad.
Implicações para pesquisa: Evidências obtidas Patrícia Lydie Voeux. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan; 2005. p. 283-93.
em diversos ensaios clínicos randomizados sobre a
9. Williams WA, Potenza MN. Neurobiologia dos
aplicabilidade de diversas modalidades terapêuticas transtornos do controle dos impulsos. Rev Bras
do campo de conhecimento da Medicina Mente-Corpo Psiquiatr 2008;30(Suppl1).
e que foram estudados em vários centros de atenção 10. Antonio VE, Colombo MM, Monteverde DT,
Martins GM, Fernandes JJ, Assis MB, Batista RS.
à saúde visando contribuir para uma Farmacologia
Neurobiologia das emoções. Rev Psiquiatr Clín
Clínica cada vez mais isenta de efeitos colaterais 2008;35(2).
danosos apontam que a Terapia Cognitivo Compor- 11. Morgan CM, Vecchiatti IR, Negrão AV. Etiologia
tamental têm mostrado capacidade de preencher os dos transtornos alimentares: aspectos biológicos,
requisitos, efetividade, eficiência e segurança para psicológicos e sócio-culturais. Rev Bras Psiquiatr
2002;24(Suppl3).
serem utilizados em regime de co-intervenção no 12. Espíndola CB, Blay SL. Bulimia e transtorno da
tratamento de diversas entidades mórbidas. Porém é compulsão alimentar periódica: revisão sistemática e
sabido que estas técnicas também podem apresentar metassíntese. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul 2006;28(3).
riscos de viéses de subjetividade importantes por 13. Nunes MA, Appolinario JC, Galvão AL, Coutinho W.
Transtornos alimentares e obesidade. 2ª ed.Artmed;
parte dos profissionais que as aplicam, o que pode Porto Alegre,31-50. 2006.
interferir no potencial de rendimento das mesmas, 14. Coletty IMS, Junior FBA. Transtorno de compulsão
e consequentemente na modificação de desfechos alimentar periódica e ansiedade em adolescentes
esperados. obesos. Arq Brás Psiquiatr Neurol Med Legal
2005;99(3).
Assim, recomenda-se que estudos sejam imple- 15. Salzano FT, Cordás TA. Tratamento farmacológico
mentados, com o objetivo de contribuir para o uso de transtornos alimentares. Rev Psiquiatr Clín
racional de fármacos, não apenas da sibutramina, 2004;31(4).
como também de outros medicamentos. 16. Arterburn DE, Crane PK, Veenstra DL. The efficacy and
safety of sibutramine for weight loss: a systematic
Também se recomenda que futuros ensaios
review. Arch Intern Med 2004;164(9):994-1003.
clínicos randomizados que pretendam estudar estes 17. Avenell A, Broom J, Brown TJ, Poobalan A, Aucott L,
recursos obedeçam às deliberações conceituais do Stearns SC, Smith WC, Jung RT, Campbell MK, Grant
National Center for Complementary and Alternative AM. Systematic review of the long-term effects and
economic consequences of treatments for obesity
Medicine do National Institute of Health of United
and implications for health improvement. Health
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cerebrais que regulam o prazer da alimentação, 21. Oude LH, Baur L, Jansen H, Shrewsbury VA, O’malley
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122 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010
Revisão
Resumo
O presente trabalho é uma atualização teórica sobre Dislexia, abordando seu conceito
e alterações neurobiológicas, trazendo sua classificação dentro do DSM-IV (Diagnostic
and Statistical Manual of Mental Disorders). Traz também uma abordagem na questão
sensorial, no que diz respeito a movimentação ocular, hipótese magnocelular e suas
influências no processo de leitura e escrita.
Hipótese magnocelular e movimentação ocular substituindo por sacadas para a busca suave quando
os objetos em estavam em movimento. E também
O processo de aquisição da linguagem, seja quando a lesão é unilateral, pode afetar a capacidade
verbal ou escrita, é extenso e envolve a integração de separar o foco de atenção para se deslocar para
de diversas áreas corticais para que este se realize um alvo no campo visual contralateral à lesão [15].
com sucesso. Portanto, quando se inicia um processo
de leitura, primeiramente ocorre o movimento dos Movimentos oculares
olhos, e posteriormente, o processamento pelas
áreas corticais responsáveis [15]. Os movimentos oculares envolvem fixações, que
são pequenas paradas realizadas a fim de melhor
Parvocélulas e magnocélulas captar o estímulo visual, e movimentos sacádicos.
Segundo Rayner [17] pode-se dividir os movimentos
O sistema visual subcortical humano consiste em sacádicos em três categorias: a busca, a conver-
duas vias de camadas paralelas, que são conhecidas gência e o movimento ocular vestibular. A busca de
como via magnocelular ou M e via parvocelular ou P. movimentos oculares ocorre quando os nossos olhos
Neurônios nessas vias têm propriedades fisiológicas seguem um alvo em movimento; a velocidade de
distintas: as células P têm pequenos campos recepti- busca dos movimentos oculares são marcadamente
vos; transmitem o sinal de forma lenta para as áreas mais lentas do que sacadas e, se o alvo está se mo-
corticais, são sensíveis aos diferentes comprimentos vendo rapidamente através de nosso campo visual,
de onda e preferem estímulos de alto contraste e alta que muitas vezes fazem sacadas para alcançar o
resolução espacial; já as células M têm maior campo alvo. A convergência de movimentos oculares ocorre
receptivo; transmitem o sinal de forma rápida para as quando movemos nossos olhos para dentro, em di-
áreas corticais, participam da atenção transitória, têm reção ao outro, a fim de fixar em um objeto próximo.
sensibilidade ao comprimento de ondas largas, prefe- Movimento ocular vestibular ocorre quando os olhos
rem frequências espaciais baixas, e são muito sensíveis giram para compensar a cabeça e movimentos do
ao estímulo de baixo contraste [16]. Tanto os axônios M corpo a fim de manter o mesmo sentido da visão.
e quanto as células ganglionares P são enviados para Anatomicamente, as áreas cerebrais envolvidas
o Núcleo Geniculado Lateral Dorsal do Tálamo e de lá no controle sacádico são: córtex parietal posterior, e
são encaminhados para as camadas do córtex visual V1 córtex frontal pré-motor. E três áreas do lobo frontal
e V2. Estudos têm demonstrado que uma lesão na via participam do processamento sacádico: o campo
M prejudica a sensibilidade ao contraste nos padrões ocular frontal e o campo ocular suplementar são
de gradeamento para baixa frequência espacial e alta ativados durantes todos os tipos de movimentos
frequência temporal. Já as lesões na via P prejudicam sacádicos, e o córtex pré-frontal dorsolateral que
a discriminação de cor e textura. é ativado durante a fixação. O campo ocular frontal
Os neurônios magno têm um amplo campo localiza-se no giro frontal médio, correspondente à
receptivo e conduzem o sinal recebido em alta velo- área 8 de Broadmann; dispara sacadas intencionais
cidade do olho para o Núcleo Geniculado Lateral e (voluntárias) através dos músculos extrínsecos do
posteriormente para o córtex visual; estão envolvi- bulbo do olho, situado no tronco encefálico, que
dos com a análise do movimento dos objetos e na fazem a exploração intencional do ambiente visual;
orientação de ações motoras. Também chamada de recebe aferências corticais, especialmente do córtex
via ‘onde’. Já as parvocélulas conduzem um sinal parietoccipital, campo ocular suplementar e córtex
mais lento, porém de maior duração; tem um campo pré-frontal. O campo ocular suplementar desempenha
receptivo menor e são responsáveis pelo processa- um papel importante nas sequências disparo das
mento de detalhes dos objetos. Também chamada sacadas e no durante os movimentos da cabeça ou
de via ‘o quê’ [1]. do corpo; este campo é uma área oculomotora, situ-
Estudos em macacos concordam com as pes- ada no córtex pré-frontal, separada do campo ocular
quisas realizadas em humanos, e têm demonstrado frontal. O campo ocular parietal é responsável pelas
não encontrar alterações nas movimentações ocu- sacadas reflexas que são guiadas visualmente, cuja
lares quando a lesão acontece na região temporal função é movimentação ocular em resposta a algum
medial; entretanto, a situação é diferente quando a comando; este campo corresponde às áreas 39, 40 e
lesão está na região parietal, pois encontraram difi- 19 de Broadmann. Além dos campos oculares supra-
culdades em executar tarefas de movimento global, citados envolvidos nos disparos das sacadas, outras
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 125
três áreas atuam não diretamente nos disparos, mas de fixação em palavras irregulares, ou seja, palavras
no planejamento, integração e ordem cronológica. O em que a correspondência grafofonêmica não segue
córtex pré-frontal é responsável pelo planejamento nenhuma regra e depende do acesso lexical, como
das sacadas para posições de alvos a serem lem- por exemplo, a palavra /exército/ onde o /x/ tem
brados; o lobo parietal inferior está envolvido na som de /z/. Comparando bons leitores de 4ª série e
integração visuoespacial; e o hipocampo controla alunos universitários durante a leitura de pequenos
a memória de trabalho imediata necessária para a textos, Yokomizo et al. [25] verificaram que as crianças
ordem cronológica das sequências sacádicas [18]. realizaram maior número de fixações e sacadas regres-
sivas, sendo que estas sacadas foram realizadas em
Movimentos oculares e leitura maior número em substantivos, adjetivos e verbos que
são essenciais para a compreensão de um texto; nos
A Dislexia do Desenvolvimento, como dito an- universitários a mudança no padrão é qualitativa uma
teriormente, é um transtorno de leitura [5], onde a vez que continuam realizando sacadas regressivas em
criança tem dificuldade para ler de forma fluente. palavras dessas mesmas categorias.
Historicamente, a Dislexia foi estudada por médicos of- Ainda com bons leitores, Rosa [26] utilizou a
talmologistas, pois acreditava-se no déficit visual como Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua
raiz do problema, sendo responsável pela inversão e (ETCC) a fim de verificar seu efeito na produção de
espelhamento de letras. Posteriormente, detectou-se movimentos sacádicos durante a leitura de palavras.
problemas também na via fonológica, no que diz res- Os resultados obtidos indicaram menor tempo no início
peito à codificação e decodificação, uma vez que estes do primeiro movimento sacádico e menor duração da
sujeitos não conseguem distinguir sons sobrepostos, primeira fixação, como efeito da estimulação catódi-
segmentar palavras e executar nomeação rápida [15]. ca em campo visual frontal à direita, o que levanta a
Inúmeras pesquisas têm sido realizadas com hipótese de que a estimulação cortical pode melhorar
objetivo de se aprofundar no conhecimento das o padrão dos movimentos oculares durante a leitura.
vias visuais e sua relação com a Dislexia. Estudos Em estudo comparando disléxicos e bons lei-
conduzidos com leitores eficientes revelam que as tores, Lukasova [27] verificou que crianças com
fixações ocorrem a cada 7 a 9 letras com duração dislexia lendo palavras em português encontraram
média de 225 milésimos de segundo, extraindo daí mais dificuldades com palavras pouco frequentes
as informações necessárias para a leitura adequa- com aumento no número de fixações e no tempo total
da do texto. Caso a palavra não seja processada das fixações (Figura 1). Este resultado concorda com
de modo adequado uma próxima fixação de maior dados descritos na literatura internacional e parece
duração será realizada no final da palavra [17,19]. indicar que ao se deparar com uma palavra pouco
Em estudo longitudinal conduzido por Boets et frequente na língua, o sujeito perde agilidade na
al. [20] os resultados mostraram que o processa- leitura e aumenta o envolvimento do processamento
mento visual em crianças pré-escolares foi preditor visual para decodificar a palavra [1].
de habilidades ortográficas no ensino fundamental.
Estudos como este indicam que os problemas Figura 1 - Registro dos movimentos oculares du-
sensoriais devem ser precedentes aos problemas rante a leitura de palavras [1].
de leitura e escrita, podendo-se inferir uma relação
causal entre eles [21].
Em leitores disléxicos o padrão de sacadas e
fixações têm se mostrado diferenciado, com maior
número de sacadas regressivas, além de mais e
maiores fixações, sendo que este padrão é encontra-
do dependendo da estrutura da língua a que o sujeito
está submetido, sofrendo influência de variáveis
psicolingüísticas como, regularidade, freqüência e
comprimento da palavra [19,22,23].
No Brasil estudos têm sido conduzidos a fim de
verificar o padrão de movimentação ocular em bons
leitores e disléxicos. Avaliando leitores experientes
Macedo et al. [24] verificaram aumento no tempo
126 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010
Relato de caso
Resumo
Atualmente percebe-se a importância do trabalho inter e multidisciplinar para o avanço
no entendimento e na prática da reabilitação neuropsicológica (RN), bem como o valor da
participação ativa do paciente em seu processo de melhora. A musicoterapia surge como
uma alternativa de intervenção que corrobora com ambas as proposições. O presente
trabalho tem como objetivo descrever uma experiência musicoterápica que contemplou
os seguintes aspectos da RN: reabilitação cognitiva, psicoterapia, apoio e orientação à
família. EBS, portador de Demência Vascular, participou de 24 atendimentos individuais
de musicoterapia. Simultaneamente, sua principal cuidadora participou de atendimentos
em grupo de musicoterapia, direcionados ao apoio e orientação à família. Os atendi-
mentos individuais ao paciente tiveram foco nos déficits de memória, de linguagem e na
instabilidade emocional e comportamental apresentadas. Neste período de tratamento
*Graduada em Musicoterapia,
verificou-se a melhora da linguagem expressiva, modificações positivas emocionais e
graduanda em Ciência da Formação comportamentais e nenhuma alteração em seu escore no MEEM (Mini-Exame do Estado
pela Universidade Alma Mater Stu- Mental). Os resultados deste estudo foram compatíveis com os de pesquisas anteriores
diorum de Bologna, colaboradora da que também apontaram os efeitos positivos da musicoterapia em pacientes que neces-
rede internacionais de Centros de sitam de adaptação funcional e integração ambiental.
Musicoterapia Benenzon, **Gradu-
ada em Musicoterapia, doutoranda Palavras-chave: reabilitação neuropsicológica, musicoterapia, demência vascular.
casado. Sem estudo formal de música, tocava cla- verificar outras habilidades correntes dissociadas
rinete e compunha letras de músicas. Previamente das habilidades verbais.
saudável. Aos 73 anos de idade, sofreu um AVC A ACM tem origem em um estudo acerca dos
(acidente vascular encefálico) isquêmico com sequela perfis musicais desenvolvido por Kenneth Bruscia e
motora à direita e posteriormente foi diagnosticado é constituída de seis escalas que verificam diferentes
como portador de Demência Vascular isquêmica sub- graus de integração, variabilidade, tensão, congru-
cortical [7], tendo as características comuns deste ência, saliência e autonomia nas escolhas instru-
quadro clínico: alterações emocionais e comporta- mentais e produção sonoro musical do paciente. As
mentais, sintomas cognitivos - déficit de memória e escalas são preenchidas pelo musicoterapeuta (MT)
de linguagem, associados a sinais e sintomas moto- de acordo com a observação de diversos momentos
res - parkinsonismo, apraxia de marcha e alterações de interação sonoro musical entre ele e o paciente.
em funções executivas As escalas têm 5 graus, sendo que os três graus do
Reside com a esposa e uma das filhas e neces- meio se estabelecem dentro do espectro ordinário de
sita de auxílio para algumas atividades de vida diária. expressão musical e os dois graus das extremidades
Após o AVC fez acompanhamento fonoaudiólogo e são desvios extremos da normalidade.
fisioterapêutico, obtendo algumas melhoras. Da mesma forma que considera- se o nível
Demonstrou progressão acelerada da doença de sócio-educacional para verificar o escore no MEEM,
acordo com os resultados obtidos no MEEM [8] em considera-se o treinamento musical prévio para veri-
um intervalo de três meses, com escore inicial de ficar o resultado da ACM.
21/30 e depois de 19/30. Sendo o primeiro avaliado
pelo neurologista e o segundo pela musicoterapeuta, Programa musicoterapêutico
no início do atendimento.
Em 2008, frequentou o serviço de Neurologia do O programa musicoterapêutico desenvolvido foi
Comportamento e participou de 24 atendimentos in- fundamentado na abordagem holística da RN, que
dividuais de musicoterapia, duas vezes por semana, aborda os aspectos cognitivos e motivacionais e afe-
durante três meses, com duração de 50 minutos. tivos de forma integrada, levando em consideração
Sua esposa, e principal cuidadora, participou de um a experiência e o contexto social do paciente [11].
grupo de musicoterapia de apoio e orientações à O programa foi desenvolvido após triagem, anam-
família, que ocorria simultaneamente ao atendimento nese e avaliações (MEEM e ACM) e considerou, por-
do paciente. tanto, toda a biografia e peculiaridades do paciente.
Os atendimentos individuais e em grupo foram Dentre os aspectos da intervenção psicossocial,
conduzidos por profissionais graduados em musico- ou da psicoterapia, visou-se a autopercepção do
terapia e supervisionados por uma profissional da paciente sobre sua dificuldade, a promoção de um
mesma área, doutoranda em ciências. As avaliações ambiente seguro para sua livre expressão e descarga
foram realizadas por estes mesmos profissionais. emocional, motivação pessoal, aumento da auto-
Os objetivos gerais dos atendimentos individu- estima e incentivo à sua reintegração social.
ais, dos quais EBS participou, foram: estabilizar ou Dentre os aspectos da reabilitação cognitiva foi
retardar a velocidade dos sintomas associados à priorizado o treino da memória musical e autobio-
progressão da doença, melhorar sua linguagem ex- gráfica e o treino da linguagem expressiva, falada
pressiva e aumentar suas possibilidades de comuni- e cantada. A orientação espacial e temporal e as
cação, treinar sua memória e melhorar seu estado de habilidades motoras foram trabalhadas com menos
humor. Outros objetivos, relacionados aos sintomas ênfase.
e sinais motores apresentados pelo paciente, seriam As estratégias compensatórias, que visaram a
focados posteriormente, contudo não foi possível, maior funcionalidade do paciente, foram trabalhadas
tendo em vista sua saída do programa. principalmente no grupo de musicoterapia, direciona-
dos ao apoio e orientação à família.
Avaliação As intervenções foram realizadas por meio
das seguintes técnicas interativas e receptivas
Considerando-se que seria possível obter uma de musicoterapia descritas por Bruscia [10,12]:
maior precisão diagnóstica foi utilizada a combinação Empatia, Procedimento, Estruturação, Escuta para
do MEEM com a Avaliação do Comportamento Musi- Estimulação, Reminiscência e Apreciação Musical.
cal (ACM) [9, 10]. Desta forma foi também possível Os instrumentos utilizados foram: chocalho, tambor
130 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010
médio, pandeiro, violão, flauta e teclado pequeno 5 - Fechamento, autopercepção e motivação: Breve
(com extensão de duas oitavas e meia). momento em que o paciente e a MT comentavam
Os atendimentos individuais transcorram nos sobre o atendimento e sobre o desempenho de
seguintes moldes: ambos. A MT despedia-se lembrando de que o
trabalho continuaria no próximo encontro.
1- Orientação temporal e espacial, autopercepção
e motivação: A MT cumprimentava o paciente, Resultados
oferecendo um momento para que ele se ex-
pressasse verbalmente (mesmo que de forma No início dos atendimentos o escore do paciente
quase ininteligível). Recordavam conjuntamente no MEEM foi de 19/30 e após três meses perma-
a música trabalhada no último atendimento, o neceu o mesmo, demonstrando uma estabilidade
motivo e importância destes encontros duas temporária de suas funções cognitivas.
vezes por semana. Na ACM inicialmente observou-se quatro aspec-
2 - Memória musical, memória autobiográfica e tos, dos seis mensurados, com desvios extremos de
discussão: Audição de música, selecionada normalidade: Integração - Extremamente Diferenciado,
pela MT, tendo em vista o histórico musical do Variabilidade - Rígido, Saliência - Controlando Extrema-
paciente (técnica de Reminiscência e Apreciação mente e Autonomia - Resistente. Considera-se este
musical). O paciente era encorajado a cantar com resultado agravado uma vez que o paciente tem co-
a gravação e a comentar brevemente sobre suas nhecimento musical prévio e os desvios apresentados
lembranças em relação ao artista, à música, não podem ser atribuídos a ausência de familiaridade
sensações e vivências (técnica de Escuta para Es- com a expressão e instrumentos musicais.
timulação). À medida que a linguagem do paciente No término do programa todos os aspectos
se tornou mais inteligível, passaram a discutir estavam dentro dos padrões de normalidade, como
também sobre o conteúdo da letra das canções. mostram as escalas de 1 a 6. Os seguintes graus,
3 - Livre expressão, descarga emocional, treino de que inicialmente estavam dentro da normalidade, não
habilidades motoras: Improvisação e interação sofreram alterações: Tensão - Cíclico e Congruência
musical, com instrumentos eleitos pelo pacien- - Congruente.
te, dentre os disponíveis. A princípio a execução Houve também uma nítida melhora na inteligi-
musical se dava de forma livre, se desenvolvendo bilidade e expressividade da linguagem oral, com
sempre em torno da idéia musical proposta pelo melhora da articulação, entonação e volume das
paciente (técnica de Empatia). Aos poucos, a MT palavras, inicialmente nas canções e posteriormente
buscou orientá-lo no manuseio dos instrumentos, na fala.
para que pudesse trabalhar algumas habilidades As dinâmicas musicais envolvendo a voz desen-
motoras, como por exemplo, a coordenação de volveram a tonicidade, precisão e funcionalidade dos
mão direita e esquerda (técnica de Procedimento). órgãos fonoarticulatórios. O paciente passou a se
Ajudando-o também a organizar o ritmo, a melodia comunicar de forma mais efetiva, o que aumentou
e forma musical, sustentando um ou mais destes sua confiança, independência e interação social.
elementos (técnica de Estruturação).
4 - Memória musical e treino das habilidades da Discussão
linguagem: O paciente era encorajado a lembrar
de suas composições musicais. Frequentemente A melhora apresentada na ACM mostrou que em
se lembrava das letras, porém não da melodia pouco tempo o paciente criou um bom vínculo com
ou ritmo das canções (técnica de Reminiscência a terapeuta, se integrou ao trabalho, se tornou mais
musical). A MT escrevia as canções juntamente flexível e autônomo, contribuindo com as propostas.
com o paciente, tentando adequar um melhor Estas mudanças são reflexos também das melhoras
ritmo para a métrica da letra, um contorno positivas emocionais e comportamentais observadas
melódico com intervalos de alturas breves e e referidas pelos familiares.
tonalidade apropriada para a voz do paciente. A Os resultados obtidos no MEEM indicaram es-
música recomposta era cantada pelo paciente e tabilidade cognitiva, o que é um resultado positivo,
tocada pela MT, repetidas vezes. A MT orientava tendo em vista que a DV é uma doença degenerativa
o paciente quanto às articulações e entonações progressiva e que os sintomas clínicos destes pa-
das palavras (técnica de Procedimento). cientes tendem a aumentar.
Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010 131
A melhora na linguagem expressiva foi um as- e realizar avaliações com um intervalo maior, de pelo
pecto considerável, uma vez que outras abordagens menos 6 meses entre elas.
terapêuticas rapidamente alcançam os primeiros re- O estudo relatou um programa desenvolvido
sultados referidos, mas revelam também dificuldade especialmente para este paciente, e buscou ve-
com a evolução desta função. rificar e tornar mais conhecidos alguns aspectos
Acredita-se que as melhoras, verificadas em que podem ser trabalhados na musicoterapia e que
neste curto período de tempo, estão relacionadas contribuem para a RN. Entretanto, a área de atuação
ao programa musicoterapêutico desenvolvido, pois do musicoterapeuta é abrangente, coexistindo dife-
neste mesmo período não houve nenhuma outra rentes abordagens, com uma grande variedade de
intervenção não farmacológica, a medicação do pa- técnicas e opções que podem ser mais adequadas
ciente já estava estabelecida há algum tempo e não a outros casos.
sofreu alterações. Estes resultados foram compatíveis com os de
Foi de suma importância também a cooperação pesquisas anteriores que também apontaram os
dos familiares, em especial da esposa, que participou efeitos positivos da musicoterapia em pacientes que
do grupo de musicoterapia de apoio e orientação à necessitam de adaptação funcional e de integração
família, levando para seu contexto e ambiente domés- ambiental [13-15].
tico, estratégias de compensação e de estimulação. Apesar disso, para o maior reconhecimento
Contudo, para se manter a estabilidade ou retar- desta forma de intervenção, novas pesquisas, não
dar a velocidade dos sintomas associados a DV, o só qualitativas mas também quantitativas, com
trabalho necessariamente precisaria ser continuado, propostas passíveis de replica e grupo controle, são
prolongando ao máximo a independência funcional necessárias.
do paciente.
EBS não pôde mais frequentar os atendimentos Conclusão
de musicoterapia e por isso pode-se dizer que este é
apenas um recorte de um programa musicoterapêu- A musicoterapia demonstrou ser uma área hibri-
tico ideal. Se continuado o programa deveria sofrer da do conhecimento, trabalhando simultaneamente
alterações de acordo com as mudanças do paciente com intervenções psicossociais e treino de funções
132 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010
Relato de caso
Resumo
A Síndrome do homem do barril refere-se a um quadro de fraqueza muscular braquial
bilateral, de predomínio proximal, que dificulta ou impossibilita os pacientes na execução
de habilidades funcionais relacionadas à elevação dos membros superiores. Desde
sua descrição, inúmeros casos de pacientes com essa síndrome foram relatados, cuja
*Graduando em Medicina ,Univer-
etiopatogenia difere daquela descrita inicialmente. Apresentamos o caso de um homem,
sidade do Grande Rio, Doutorando negro, 41 anos, que há aproximadamente 4 anos, começou a apresentar um quadro
em Neurologia/Neurociências - de fraqueza muscular localizado somente em terço proximal dos membros superiores,
HUAP – UFF, Professor Titular de impossibilitando-o na execução de determinadas atividades quotidianas. A eletroneuro-
Reabilitação Neurológica – ESEHA, miografia revelou sinais de desnervação simétrica, de predomínio proximal em membros
**Fisioterapeuta, Professor Adjunto superiores; correlação eletro-clínica foi sugestiva de neurôniopatia. Recebeu, meses
depois, o diagnóstico de Amiotrofia Espinhal Progressiva.
da Universidade dos Vales do Jequi-
tinhonha e Mucuri - Diamantina/MG,
Palavras-chave: doença do neurônio motor, amiotrofia espinhal progressiva.
***Fisioterapeuta, Doutoranda em
Saúde Mental (IPUB/UFRJ), Profes-
sora Substituta da Universidade dos Abstract
Vales do Jequitinhonha e Mucuri The Man in the Barrel Syndrome refers to a picture of bilateral brachial muscular weakness,
- Diamantina/MG, ****Professor with proximal predominance, that complicates or incapacitates the patients in the execu-
Colaborador do Mestrado em Ciên- tion of functional abilities related to the elevation of the upper limbs. Since its description,
innumerable cases of patients with this syndrome had been related, whose etiology differs
cias da Reabilitação (UNISUAM) e
of that initially described. We report the case of a man, black, 41 years old, who began
Professor Adjunto, Departamento de to present, 4 years ago, a muscular weakness located only in third proximal of the upper
Anatomia (UFF/RJ), *****Médico, limbs, incapacitating the execution of some daily activities. The electroneuromyography
Professor da Disciplina de Farmaco- revealed signs of symmetrical denervation, with predominance in in the proximal part of
logia, Universidade do Grande Rio the upper limbs; correlation electro-clinical was suggestive of neuronopathy. Received,
months later, the diagnosis of Progressive Muscular Atrophy.
Foto 2 - Acentuado Grau de Atrofia em Terço Proxi- freqüentemente possuem quadro clínico semelhante
mal do Membro Superior Direito. (Vista Lateral). a ELA. Paresia e atrofia muscular focal e assimétrica
nas extremidades é a forma de apresentação usual
da AEP. A atrofia muscular proximal, característica da
SHB conforme a apresentada por nosso paciente, é
menos comum na AEP do que na ELA [18-20].
Conclusão
Este caso ilustra que doenças restritas aos neu-
rônios motores inferiores, como a AEP, pode mimeti-
zar a SHB, uma entidade usualmente descrita como
sendo causada por uma lesão encefálica isquêmica.
Referências
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after endoscopic sinus surgery. Anesth Analg
1998;87:1196-8.
Discussão 2. Sage JL. `Man-in-the-barrel syndrome’ after cerebral
hypoperfusion: clinical description, incidence, and
prognosis. Ann Neurol 1983;14:131.
A SHB é um termo originalmente utilizado para
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descrever pacientes com quadro de paralisia flácida del “hombre en el barril”. Reporte de un caso e
nos membros superiores causada por infartos cere- revisión de la literatura. Revista Chilena de Medicina
brais após parada cardiorespiratória ou cirúrgias car- Intensiva, 2004;19(1):21-3.
díacas. No entanto, atualmente evidências apontam 4. Crisostomo EA, Suslavich FJ. Man-in-the-barrel
syndrome associated with closed head injury. J
que tal síndrome pode ocorrer em doenças agudas Neuroimaging 1994;4:116–7.
e crônicas do neurônio motor superior e inferior 8. 5. Wilck EJ, Gerard PS, Keilson M, Bashevkin M,
Estas podem se apresentar inicialmente como uma Lieberman J. Symmetrical cerebral metastasis
paresia bilateral do membro superior antes de se de- presenting with bilateral upper extremity weakness. J
Neuroimaging 1996;6:254–6.
senvolver um comprometimento motor generalizado 6. Moore AP, Humphrey PR. Man-in-the-barrel syndrome
[9]. As doenças do neurônio motor são caracterizadas caused by cerebral metastases. Neurology
por deterioração progressiva dos neurônios motores 1989;39:1134-5.
superior e inferior, no trato córtico-espinhal, tronco 7. Alberca R, Iriarte LM, Rasero P, Villalobos F. Brachial
diplegia in central pontine myelinolysis. J Neurol
cerebral e corno anterior da medula espinhal. Não 1985;231:345-6.
há testes patognomônicos para o diagnóstico, porém 8. Vainstein G, Gordon C, Gadoth N. HTLV-1 Associated
as características clínicas, patológicas eletrofisioló- motor neuron disease mimicking “Man-in-the-Barrel”
gicas, genéticas, e imunológicas podem auxiliar no syndrome. J Clin Neuromuscul Dis 2005;6(3):127-
31.
diagnóstico. A apresentação, fenótipos clínicos, e
9. Katz S, Wolfe GI, Andersson PB, Saperstein DS,
prognóstico são variados e podem em alguns casos Elliott JL, Nations SP et al. Brachial amyotrophic
provocar dúvidas devido a distribuição atípica e prog- diplegia: a slowly progressive motor neuron disorder.
nóstico incerto [10,11], como no presente estudo. Neurology 1999;53:1071.
10. Winhammar J, Rowe D, Henderson R, Kiernan MC.
A AEP refere-se a um quadro restrito aos neu-
Assessment of disease progression in motor neuron
rônios motores inferiores. As primeiras descrições disease. Lancet Neurol 2005;4:229-38.
desta desordem geralmente são creditadas a Aran 11. Van den Berg-Vos RM, Visser J, Franssen H. Sporadic
[12] e Duchenne [13] no início do século XIX. Algum lower motor neuron disease with adult onset:
tempo depois, Charcot e Joffroy [14] distinguiram dua classification of subtypes. Brain 2003;126(5):1036-
47.
formas de doença do neurônio motor, agora consi- 12. Aran FA. Recherches sur une maladie non encore
deradas como Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) e décrite du système musculaire. Arch Gen Med
AEP. Estimativas mais recentes apontam que de 4 1850;24:5–35.
a até 33 % dos casos de doença do neurônio motor 13. Duchenne GBA. Recherches faites à l’orde des
galvanisine sur l’état de la contractilité et de la
se apresentam como uma desordem exclusiva do sensibilité électromusculaires dans les paralysies des
neurônio motor inferior [15-17]. Pacientes com AEP membres supérieurs. CR Acad Sci 1849;29:667–70.
136 Neurociências • Volume 6 • Nº 2 • abril/junho de 2010
14. Charcot JM, Joffroy A. Deux cas d’atrophie musculaire 18. Verma A, Bradley WG. Atypical motor neuron disease
progressive. Arch Physiol Norm Pathol 1869;2:354– and related motor syndromes. Semin Neurol
67. 2001;21(2):177-87.
15. Tan E, Lynn DJ, Amato AA, Kissel JT, Rammohan KW, 19. Orsini M, Catharino AM, Catharino FM, Mello MP,
Sahenk Z et al. Immunosuppressive treatment of Freitas MR, Leite MA, Nascimento OJ. Man-in-the-
motor neuron syndromes: attempts to distinguish a barrel syndrome, a symmetrical proximal brachial
treatable disorder. Arch Neurol 1994;51:194–200. amyotrophic diplegia related to motor neuron
16. Mortara P, Chio A, Rosso MG, Leone M, Schiffer diseases: a survey of nine cases. Rev Assoc Med
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Italy, 1996-1980: survival analysis in an unselected 20. Alpert JN. Transient attacks of man-in-the-barrel
population. J Neurol Sci 1984;66:165–73. syndrome. South Med J 2010;103(1):72-3.
17. Norris F, Shepherd R, Denys E et al. Onset, natural
history and outcome in idiopathic adult motor neuron
disease. J Neurol Sci 1993;118:48–55.
Instruções aos autores
Eventos
2010 Outubro
20 a 23 de outubro
Agosto
XL Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia
17 a 21 de agosto
Expo Unimed Curitiba, PR
I.Congresso Franco-brasileiro sobre Psicanálise, Filiação
Informações: http://www.sbponline.org.br/rap.php
e Sociedade
27 a 30 de outubro
Tema: Adoção:da criança à filiação
XXVIII Congresso Brasileiro de Psiquiatria
Recife Palace Hotel, Recife, PE
Centro de Convenções do Ceará, Fortaleza, CE
Informações: www.unicap.br/congresso_adocao
Informações: http://www.cbpabp.org.br
24 a 27 de agosto
XXIV Congresso Brasileiro de Neurologia Novembro
Riocentro, Rio de Janeiro, RJ 13 a 17 de novembro
Informações: www.rioneuro2010.com. Neuroscience 2010
26 a 28 de agosto Informações: www.sfn.org/
I Congresso I nternacional Adolescência e Violência: Per-
spectivas Clinica, Educacional e Jurídica 2011
Brasília, DF Julho
Informações: http://www.congressoadolescencia.uni-
14 a 19 de julho
versa.org.br
8th IBRO World Congress
Setembro Florence, Italy
8 a 11 de setembro Informações: http://www.sfn.org
XXXIV Congresso Anual da SBNeC
Caxambu, MG
Informações: www.sbnec.org.br
neurociências
psicologia
Sumário
Volume 6 número 3 - julho/setembro de 2010
EDITORIAL
Luz e depressão, Jean-Louis Peytavin............................................................................................. 143
OPINIÃO
Sobre a educação, Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro ............................................................................ 144
PERSPECTIVA
Lombalgia crônica e sensibilização central, Patrick RNAG Stump .................................................... 147
O tratamento da dor em pacientes com depressão e ansiedade, Luciana Sarin ............................... 152
ENTREVISTA
Aripiprazole e o risco cardiometabólico, John Newcomer ................................................................ 157
ARTIGOS ORIGINAIS
Validação das escalas psicométricas PID e escala de procrastinação,
Álvaro Machado Dias .................................................................................................................... 162
Qualidade do sono em portadores de distrofias musculares progressivas,
Franciani Rodrigues, Diuli Gross Hoffmann, Juliana Meller, Mayara de Souza Darolt,
Rodolfo Savaris Amboni, Thayse Silvestri Cruz, Gaspar Giappa, Lisiane Tuon .................................... 167
REVISÃO
Aspectos relevantes da integração sensorial: organização cerebral,
distúrbios e tratamento, Natalia Molleri, Mariana Pimentel de Mello,
Marco Orsini, Dionis Machado, Juliana Bittencourt, André Luiz Menezes da Silva,
Victor Hugo Bastos ....................................................................................................................... 173
ATUALIZAÇÕES
Práticas de modificação corporal: patologia e cultura, Miriam Elza Gorender .................................. 180
Tratamento farmacológico da esquizofrenia, Ary Gadelha de Alencar Araripe Neto,
Itiro Shirakawa ............................................................................................................................. 184
neurociências
psicologia ISSN 1807-1058
Conselho editorial
Aniela Improta França, UFRJ (Neurolingüística)
Carlos Alexandre Netto, UFRGS (Farmacologia)
Cecília Hedin-Pereira, UFRJ (Desenvolvimento)
Daniela Uziel, UFRJ (Desenvolvimento)
Dora Fix Ventura, USP (Neuropsicologia)
Eliane Volchan, UFRJ (Cognição)
João Santos Pereira, UERJ (Neurologia)
Koichi Sameshima, USP (Neurociência computacional)
Leonor Scliar-Cabral, UFSC (Lingüística)
Lucia Marques Vianna, UniRio (Nutrição)
Marcelo Fernandes Costa, USP (Psicologia Experimental)
Marco Antônio Guimarães da Silva, UFRRJ/UCB (Fisioterapia e Reabilitação)
Marco Callegaro, Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (Psicoterapia)
Marco Antônio Prado, UFMG (Neuroquímica)
Rafael Linden, UFRJ (Neurogenética)
Rubem C. Araujo Guedes, UFPE (Neurofisiologia)
Stevens Kastrup Rehen, UFRJ (Neurobiologia Celular)
Vera Lemgruber, Santa Casa do Rio de Janeiro (Neuropsiquiatria)
Wilson Savino, FIOCRUZ (Neuroimunologia)
Atlântica Editora
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Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 143
Editorial
Luz e depressão
Jean-Louis Peytavin
A descoberta da melatonina alterou definitiva- entre as várias disciplinas: a dor lombar pode se tra-
mente a pesquisa sobre o sono e o ciclo vigília-sono, tar por medicamentos antidepressivos, o que poderia
mesmo se esse avanço não resultou até hoje em apli- ser explicado pelo mecanismo da “sensibilização
cações práticas significativas (a melatonina, como central”. Este trabalho de Patrick Stump (USP) é
medicamento, não tem ainda grandes indicações, completado por um artigo de Luciana Sarin (Unifesp)
pelo menos oficialmente). Mas vários resultados sobre as relações complexas entre dor e depressão.
recentes mostraram a importância e a complexidade Publicamos um trabalho exaustivo, devido a Ary
das pesquisas nessa área. Gadelha de Alencar Araripe Neto e Itiro Shirakawa
Por exemplo, um estudo realizado por pesqui- (Unifesp) sobre o tratamento farmacológico atual da
sadores da Ohio State University, apresentado na esquizofrenia e seus efeitos adversos, como a sín-
reunião anual de 2011 da Sociedade para a Neuro- drome metabólica e os distúrbios hormonais. O risco
ciência [1], mostrou que a luz durante a noite, por cardiometabólico dos antipsicóticos é também o ob-
mais fraca que seja, produz alterações no hipocampo jeto da entrevista do Dr John Newcomer (Washington
e pode desempenhar um papel fundamental nos University School of Medicine, St. Louis, Missouri),
transtornos depressivos. A experiência foi feita em especialista reconhecido do tratamento antipsicótico
hamsters, mas, segundo os pesquisadores, pode- e de suas eventuais complicações.
ria explicar os sintomas depressivos em pessoas Não podemos citar aqui todos os trabalhos
que dormem com a televisão ligada. Na ausência publicados nesta edição, mas queria insistir sobre
de outras alterações biológicas, a modificação da a atualidade do trabalho de Miriam Elza Gorender
secreção da melatonina, dependente da luz, seria (UFBA) que trata das patologias contemporâneas de
uma explicação plausível. modificação corporal, desde a cirurgia plástica até
Outra pesquisa vindo de Bélgica e Canadá [2] a procura do corpo perfeito.
mostra que quando o assunto é relacionar luz e emo-
ções, não se trata de qualquer luz: o comprimento de Referências
onda tem a sua importância e a luz azul seria mais
conveniente para lidar com as emoções. Nos países 1. Bedrosian TA, Fonken LK, Walton JC, Haim A, Nel-
son RJ. Dim light at night provokes depression-like
da Europa, por exemplo, onde a qualidade da luz
behaviors and reduces CA1 dendritic spine density in
varia entre o verão e o inverno, a quantidade de luz female hamsters. Psychoneuroendocrinology 2011
azul diminui significativamente durante os meses de Feb 1.
inverno, o que poderia ser um mecanismo adicional 2. Vandewalle G, Schwartz S, Grandjean D, Wuillaume
para explicar a depressão sazonal. C, Balteau E, Degueldre C, Schabus M, Phillips C, Lu-
xen A, Dijk DJ, Maquet P.Spectral quality of light mo-
Nesta edição de Neurociências e Psicologia, dulates emotional brain responses in humans. Proc
propomos também trabalhos que estão na fronteira Natl Acad Sci U S A. 2010 Nov 9;107(45):19549-54.
144 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010
Opinião
Sobre a educação
Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro
que lhe havia mostrado a minha carta e o elogiado. episódio, a falta de respeito mais basal às regras
Confessou-me que, apesar de ter trabalhado com o de conduta e civilidade, o desprezo pela vida, e as
mesmo afinco e dedicação na Fiocruz todos os dias deficiências graves na estrutura de uma Instituição
dos últimos muitos anos, nunca havia recebido uma que deveria ser o baluarte da disciplina, da ética e
carta de elogio, e que aquele era, sem dúvidas, o da moralidade.
dia mais feliz da vida dele. Assim que fui eleito e Durante a campanha que realizei na fase que
experimentei uma emoção sem precedentes pensei precedeu minha eleição, entregava nas visitas que
em nossas felicidades, a minha e a de meu colega fiz aos Senhores Acadêmicos, um artigo sobre a
Luciano Faceiro, competente e dedicado funcionário formação e utilização de imagens nos processos
dos jardins, vivenciadas em um dos dias (para dizer cognitivos. Durante sua redação, sentimos a neces-
o mínimo) mais felizes de nossas vidas. sidade de melhor formular as bases de uma idéia que
Não tenho a menor idéia de se a amplitude e a batizaríamos de “a pré-história da imaginação”. Como
intensidade de nossos sentimentos eram compará- transitávamos em uma área em que não éramos
veis (se é que é assim que se mede felicidade), mas especialistas, acabamos estudando alguns aspectos
pensei que fossem possivelmente de natureza muito da paleoantropologia.
distintas. Se escolho falar da educação e se começo Pois bem, quero evocar aqui algumas informa-
este tópico do meu discurso vos narrando este acon- ções antes de vos apresentar uma conclusão que,
tecimento é porque considero que ela teria mudado para tornar curta uma longa história, foi uma muito
a dimensão da expectativa e mesmo da natureza do grande surpresa para nós! Talvez o mais importante
dia mais feliz da vida de meu colega. marcador exclusivo de nossa linhagem evolucionária
Vimos, nas últimas semanas, notícias as- seja a marcha bipedálica. Nenhuma outra caracterís-
sustadoras estampadas nas seções policiais dos tica isolada é tão marcante de nossa ancestralidade
principais jornais. Opto por me fixar em uma delas hominídea quanto o fato de nos deslocarmos em
e vos apresentar uma série de acontecimentos la- duas pernas. Tal característica do Homo sapiens está
mentáveis e surpreendentes, no limite do crível, que presente em nossos ancestrais mais antigos, como o
correspondem a diferentes facetas de um mesmo Australopithecus afarensis (a Lucy) que tem de 3,2 a
triste evento. Terão que me perdoar pelos sentimen- 3,7 milhões de anos de idade; o mais recentemente
tos de indignação que causarei aos senhores. Dois descoberto Ardipithecus ramidus (o Ardi), que reco-
jovens amigos, um deles filho de uma famosa atriz loca nosso ancestral comum com os chimpanzés a
de televisão, brincam, tarde da noite, andando de 4,4 milhões de anos; e mesmo no Sahelanthropus
skate em um túnel temporariamente interditado em tchadensis, que tem cerca de sete milhões de anos
uma auto-estrada na cidade do Rio de Janeiro; um e sobre o qual há evidências de que, embora conser-
grupo de jovens, que faz no mesmo horário um pega vasse a capacidade de subir em árvores, tornou-se
de carros desrespeitando a sinalização e a própria apto a caminhar por distâncias cada vez maiores.
interdição de tráfico naquele ponto, atropela um dos Refiro-me agora a um outro aspecto da antropo-
jovens, abandonando o local sem prestar socorro à logia, na qual dizer que “o homem é o único animal
vítima que vem a falecer; um grupo de policiais pára inteiramente dependente de sua cultura” é um lugar
o carro seriamente avariado pelo atropelamento e comum. Aludo ao capítulo que se convencionou cha-
exige uma propina para liberá-lo, mas, ao saber do mar de “as crianças selvagens” que, abandonadas,
acidente, aumenta o valor da propina solicitada; o pai acabaram vivendo privadas do convívio com adultos
do motorista do carro envolvido no crime se prepara da nossa espécie, às vezes com animais. Surpreen-
para pagá-la, mas volta atrás; o capitão da Polícia deu-me sobremaneira concluir que nem o caráter ou
Militar que julgava dias depois os policiais militares comportamento bipedal, para o qual desenvolvemos,
envolvidos na corrupção é autuado nove horas após, por cerca de sete milhões de anos, uma estrutura ós-
por furto e formação de quadrilha por ter sido preso sea adequada, é instintivo o bastante para prescindir
com mais 10 pessoas roubando fios de uma opera- do componente educativo do convívio com adultos da
dora telefônica. espécie organizado em sociedade. As irmãs Amala e
Penso que esta sucessão inimaginável de acon- Kamala, perdidas em muito tenra idade na Índia do
tecimentos que, como dezenas de outros que ocor- início do século passado e encontradas vivendo com
rem a cada dia em nosso entorno, pode ser tomada cães selvagens, se deslocavam de quatro!
como exemplo, revela de forma caricatural a ausência Os Senhores já sabem onde quero chegar: o
de limites por parte dos diferentes protagonistas do homem precisa aprender até para ser humano, ao
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contrário das abelhas, ou dos lobos, que nascem É lugar comum a comparação que começou a
sabendo praticamente o que tem que fazer, mas ser feita entre Brasil e Coréia do Sul nos anos 60
não farão mais do que isso. Podem até aprender em um estudo do Banco mundial. Para mim deixou
pela observação, mas não ensinam o que apren- de ser um chavão depois que estive lá, aliás, junto
dem. Só o homem transmite a cultura. Nada é, com o Acadêmico José Rodrigues Coura, e consta-
portanto, mais importante e vital para ele do que o tamos cidades limpas, ricas, com gente educada e
que chamamos de sua educação. Assim, costumo vestida convenientemente, carros bonitos na rua e
dizer que “organizarmo-nos em sociedade é nosso um shopping como não vi em nenhum outro lugar do
maior atributo e também nosso maior requisito”. mundo no aeroporto de Seul.
A educação transforma o animal Homo sapiens no Um Coreano médio passa hoje mais tempo na
homem, é a interface entre nossa animalidade e Escola do que um Europeu. Colocada junto com Brasil
nossa humanidade, e Gana no estudo dos anos 1960, a Coréia do Sul
Quando o visitei, o Acadêmico Pedro Sampaio superou o Brasil, apontado na época como País do
perguntou-me: - “Você acha, como Rousseau, que o futuro, em vários indicadores incluindo a renda per
homem é bom e a Sociedade o corrompe ou, como capta e número de patentes. O Brasil liderava o grupo
Kant, que ele é mau ou rude e a Sociedade o detém?” e tinha o dobro da renda per capta da Coréia (US$
Acho, Acadêmico Sampaio, que o homem é, em 350 nossos versus US$ 170 deles). Hoje os números
seu estado primitivo inicial, um animal que carece do se inverteram e a deles é três vezes a nossa (US$
contato com indivíduos adultos de sua espécie para 24.000 deles vs. menos de US$ 7.000 nossos).
desenvolver sua humanidade. Tanto Victor, o menino As razões são simples: um brutal investimento
selvagem, na França, Kaspar Hauser, o da Alemanha, em educação. O que nem todos sabem é que na
as meninas lobas Kamala e Amala, da Índia e até a Coréia há cinco universidades nacionais de educação
mocinha encontrada recentemente em uma floresta que formam professores para o ensino fundamental.
na Tailândia, mesmo recolocados em um ambiente Elas têm um vestibular extremamente disputado e
social e familiar revelaram-se incapazes de desenvol- recrutam seus estudantes entre os 5% melhores...
ver pensamento abstrato e expressar sentimentos. do secundário. Esses vão ser professores no ensi-
Então educar é começar cedo. Priorizemos de for- no fundamental. O número de vagas abertas nelas
ma sem precedente o reforço às Escolas Municipais corresponde ao planejamento para o número de
e o Ensino Básico no nosso País. Como cientista e professores necessários para quatro ou cinco anos
Professor Orientador de cursos de Doutorado em uma depois, por isso quem consegue entrar nessas uni-
Instituição de Pesquisa do porte da Fiocruz aprecio versidades tem emprego praticamente assegurado
o Sistema Francês que trata da Educação em dois e também a garantia de bom salário. O ordenado
Ministérios: o da Educação, para os Ensinos Básico inicial de professores de ensino fundamental lá é,
e Fundamental, e o do Ensino Superior e da Pesquisa em média, maior do que os salários iniciais de ou-
para o Ensino Universitário e a Pesquisa. tras profissões graduadas. Não parece muito com a
nossa realidade...
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 147
Perspectiva
Epidemiologia
As imagens devem confirmar a impressão cli- O neurônio primário ao entrar na substancia cin-
nica quanto à estrutura anatômica comprometida. zenta do corno posterior da medula faz sinapse com
É necessário manter uma atitude “crítica” frente a o segundo neurônio que está na origem dos tratos as-
imagens radiológicas que não têm relação com o cendentes (espino-talámico e espino-reticulo-talámico
quadro clínico. Quando o conjunto dos elementos é entre outros). Estes levarão o estimulo nociceptivo
concordante um diagnostico anatômico pode ser pro- para o córtex cerebral onde pode ser interpretado ou
posto. Todavia em mais de 50 % dos casos nenhum não como dor, pois ira sofrer várias interferências,
diagnostico de lesão é factível [12]. modulando o no seu trajeto [14].
No corno posterior da medula o segundo neu-
Sensibilização periférica rônio é também chamado de neurônio convergente
por três motivos:
A característica da dor crônica, independente da • Ele recebe impulsos nociceptivos vindos tanto
sua etiologia ou dos seus mecanismos, é perder a das estruturas superficiais quanto somáticas ou
sua função protetora e tornar se uma síndrome clinica das vísceras fato este que explica a dor referida.
por si só com um comprometimento importante da Exemplo: no infarto do miocárdio o paciente
qualidade de vida do paciente. refere, além da dor torácica, dor no antebraço
A lombalgia crônica não pode diferir de qualquer esquerdo.
dor crônica no que tange aos mecanismos periféricos • Ele recebe da periferia, além dos impulsos noci-
e centrais de sensibilização neural que ocorrem após ceptivos, os não nociceptivos. Estes últimos têm a
estímulos nociceptivos constantes por um longo perí- capacidade de inibir a transmissão dos impulsos
odo de tempo, culminando com alterações plásticas nociceptivos “fechando a porta” Melzack. Esta
dos neurônios. propriedade é usada pelas técnicas analgésicas
O sistema de detecção dos estímulos dolorosos na como a massagem, a estimulação elétrica trans-
periferia é constituído de nociceptores ligados a fibras cutânea TENS.
nervosas (neurônio primário) finas amielínicas ou pouco • Ele recebe também impulsos vindos dos centros
mielinizadac, as fibras C e A respectivamente. O corpo superiores, do tronco cerebral, via tratos descen-
celular destes neurônios encontra se no gânglio da raiz dentes, impulsos estes que podem ser facilitado-
dorsal e penetram no corno posterior da medula onde res ou inibidores modulando a passagem impulso
faz sinapse com um segundo neurônio [13,14]. nociceptivo para o córtex.
Várias substâncias são liberadas em função de
lesões dos tecidos no intuito de repará-los. Estas A passagem dos impulsos pela sinapse é
substâncias chamadas de “sopa inflamatória”, que complexa e mediada por neurotransmissores e
contem íons H+ e K+, bradicinina, serotonina, hista- neuromoduladores dos quais abordaremos somente
mina, adrenalina, citocinas, prostaglandinas, subs- os principais para compreensão da clinica e do trata-
tancia P, VIP (peptídeo vaso ativo intestinal), CGRP mento da dor. Os neurotransmissores que veiculam
(peptídeo derivado do gene da calcitonina) entre os impulsos entre os aferentes nociceptivos primá-
outros, podem ativar ou sensibilizar os nociceptores rios e os neurônios nociceptivos da medula são os
presentes na área lesada. Nesta condição existe uma aminoácidos excitatórios (aspartato, glutamato) e os
dor espontânea agravada por estímulos de qualquer neuropeptídios (substancia P, CGRP, VIP etc). Além
natureza denominada de hiperalgesia primaria, que de seu papel na transmissão normal dos impulsos no
desaparece com a cura da lesão [14]. caso da manutenção de um trem de impulsos noci-
ceptivos sustentados dos aferentes primários, estas
Sensibilização central substâncias estão na origem da hipersensibilidade
dos neurônios convergentes que nada mais é que
Um segundo e importante processo está en- a sensibilização central, cuja expressão clínica é a
volvido na dor inflamatória é a hiperexcitabilidade hiperalgesia secundária. (dor ao redor e a distancia
dos neurônios da medula espinal aos impulsos da lesão) [14]. Caso o trem de impulso se mantiver
oriundos da articulações e músculos. Woolf & Wall por um tempo prolongado o mesmo pode mudar a
[15] e Sluka [16] demonstraram que a semelhança plasticidade do neurônio espinal e deixar alterações
dos aferentes cutâneos com as fibras aferentes de irreversíveis.
tecidos profundos é particularmente capaz de induzir A modulação da passagem dos impulsos noci-
a sensibilização central. ceptivos da periferia para o segundo neurônio, no
150 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010
corno posterior da medula é realizada por um siste- grande heterogeneidade. As várias publicações
ma complexo de impulsos oriundos da periferia por [17,18] que procuraram objetivar a eficácia, baseada
neurônios não nociceptivos que liberam na sinapse em evidências, das medicações antiinflamatórias e
do segundo neurônio aminoácidos inibitórios tais analgésicas e outras modalidades terapêuticas no
como a glicina e o acido gama-hidroxibutírico GABA. tratamento das lombalgias crônicas encontraram
Assim, como pelo sistema inibitório descendente dificuldades devido a metodologia dos diversos es-
que, oriundo do tronco do encéfalo, atua sobre o tudos publicados: heterogeneidade dos pacientes
interneurônio, liberando serotonina (5-HT), noradre- (lombalgias agudas ou crônicas associadas ou não
nalina (NA), e dopamina [13,14]. Também participa a dor radicular), duração dos tratamentos (injeção
da modulação dos impulsos nociceptivos no corno única ou tratamento de várias semanas), critérios
posterior a presença de encefalinas e dinorfinas de inclusão e modalidades de randomização mal
que são opióides endógenos (endorfinas) assim especificados. Outros fármacos tais como antide-
como as colicistoquininas que inibem a ação das pressivos tricíclicos, recaptadores duais anticon-
endorfinas. vulsivantes e morfínicos fracos (codeína, tramadol)
O equilíbrio entre o sistema facilitador que são recomendados em consensos para o tratamento
permite a passagem do impulso nociceptivo e do das lombalgias crônicas. Recentemente Skljarevski
sistema inibitório que modula a passagem do mesmo et al. [18], em um estudo duplo cego randomizado
permite que a interpretação do impulso nociceptivo com 267 pacientes portadores de lombalgia crônica,
seja adequada. comparando a duloxetina nas dosagens de 20, 60 e
Várias estruturas cerebrais estão implicadas na 120 mg/dia em dose única com placebo durante 13
decodificação do impulso nociceptivo para eventual- semanas, demonstraram que a duloxetina foi superior
mente ser interpretada como dor. Estas estruturas na melhora da intensidade media da dor em 24 horas
são interligadas e têm um papel específico na análise da 3a à 11a semana, porem o efeito não se manteve
e integração participando de um ou outro componen- nas duas ultimas semanas. A duloxetina mostrou-
te da experiência dolorosa, entre as quais o córtex se também superior nos resultados dos objetivos
somatosensorial que intervém na decodificação, secundários de qualidade de vida mensurados pelos
identificação e localização do estimulo nociceptivo, o Roland-Morris Disability Questionnaire (RMDQ-24),
girus cingulus e a insula que têm um papel na atenção Patient’s Global Impressions of Improvement (PGI-I),
no estado de alerta e as emoções, o tronco cerebral Brief Pain Inventory (BPI), alem de se mostrar segura
que ativa os controles descendentes moduladores e bem tolerada.
e a reação ao estresse, assim como para o córtex O diagnostico e a terapêutica continuam essen-
frontal que controla o comportamento [14]. cialmente práticos na maioria das lombalgias crôni-
Há vários sistemas de controle e modulação dos cas. O mais frequente é que o médico e o paciente
impulsos nociceptivos em todos os níveis do sistema têm o desejo de chegar a uma explicação orgânica
nervoso. O controle segmentar na medula é o mais dos sintomas, lembrando que o diagnostico lesional
conhecido e estudado. O mesmo tipo de controle é difícil e somente tem interesse se levar a uma
ocorre no tálamo. Múltiplos controles descendentes conduta terapêutica especifica ou a tratamentos cuja
oriundos do córtex, cujos mecanismos ainda não são relação custo/beneficio seja favorável.
bem elucidados, atuam em estruturas cerebrais de O importante é manter em mente que, indepen-
situação inferiores [14]. dentemente da eficácia da medicação, o tratamento
O termo controle se aplica tanto a atividade da lombalgia crônica não se limita a prescrição de
facilitadora quanto inibidora do impulso nociceptivo fármacos. A abordagem terapêutica da lombalgia
oriundo do tronco encéfalico destinado a medula crônica é multidisciplinar, incluindo a medicina fí-
espinal. sica, a acupuntura, a reabilitação, a psicoterapia e
programas de educação [20].
Tratamento com medicação analgésica nas
lombalgias crônicas Referências
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Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 151
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152 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010
Perspectiva
Introdução
A dor é o sintoma mais comum da medicina e a relação entre
dor e depressão é bastante complexa. A depressão pode ser ao
mesmo tempo causa e consequência de sintomas físicos dolorosos,
pois áreas cerebrais semelhantes regulam o humor e os aspectos
afetivos da dor [1]. Assim sendo, a associação entre depressão,
ansiedade e dor é frequente, uma interfere e agrava a outra e vice
e versa. Estudos epidemiológicos demonstraram que a prevalência
de sintomas físicos dolorosos está aumentada em pacientes com
transtornos de humor e de ansiedade [2-4]. A presença de dor e/
ou sintomas físicos nesses pacientes resulta em maior dificuldade
para o reconhecimento da depressão [5] e pior evolução do quadro
depressivo, devido à dificuldade de procura de tratamento especiali-
zado e da baixa eficácia do tratamento antidepressivo nos sintomas
dolorosos, entre outros fatores [2-4]. A presença de sintomas so-
máticos na depressão influencia não apenas a evolução do quadro
depressivo, mas também é preditiva do aumento da mortalidade de
doenças clínicas comórbidas [6].
A recíproca é verdadeira, pois é muito comum que sintomas
depressivos acompanhem a dor crônica. A prevalência de transtorno
depressivo maior em pacientes com dor crônica situa-se em torno de
30 a 50% [7], uma taxa muito maior do que aquela encontrada na
população. Em torno de 2/3 de pacientes com dor persistente (lom-
balgia, dor pélvica, osteoartrite, fibromialgia) apresentam história de
transtorno depressivo [8].
A presença dessas comorbidades pode, portanto, comprometer a
resposta ao tratamento. Sua identificação precoce e uso da terapêutica
adequada são muito importantes para que a remissão completa da
Médica Assistente do Programa depressão seja atingida e com isso ocorra melhora na qualidade de
de Distúrbios Afetivos e Ansiosos vida dos pacientes e redução do impacto sócio-econômico causado
(PRODAF), Universidade Federal de pela doença.
São Paulo (UNIFESP)
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 153
Por que perguntar sobre dor ao avaliar meses [4]. Aproximadamente 45% das pessoas com
pacientes deprimidos? transtorno de ansiedade (sem depressão) apresen-
taram também sintomas físicos dolorosos, enquanto
Sintomas dolorosos são extremamente fre- que apenas 28% dos indivíduos sem transtorno de
quentes entre pacientes deprimidos. Bair et al. [9] ansiedade relatavam algum sintoma doloroso. Sexo
observaram taxas em torno de 65% de sintomatologia feminino e idade mais alta também foram preditores
dolorosa nesta população. Outro estudo do mesmo da presença de sintomas físicos dolorosos.
grupo demonstrou que dois terços dos indivíduos
de uma amostra de 573 pacientes deprimidos na A comorbidade entre Transtorno Depressivo
atenção primária apresentavam sintomas dolorosos. Maior, Transtorno de Ansiedade e Transtorno
A severidade da dor foi considerada um forte preditor Somatoforme
de ausência de resposta aos inibidores seletivos de
recaptação da serotonina, concluindo que um melhor Cada uma dessas condições está associada a
reconhecimento desse subgrupo de pacientes e o um prejuízo funcional e incapacitação para o trabalho,
tratamento visando a remissão da sintomatologia além de custos econômicos elevados. Em torno de
dolorosa podem aumentar as taxas de remissão um terço dos pacientes com transtorno somatoforme
do quadro depressivo [10]. Demyttenaere et al. [3], apresenta comorbidade com transtorno de ansiedade
demonstraram em estudo multicêntrico (N = 21.425) e transtorno depressivo, enquanto que ansiedade e
que sintomas físicos dolorosos foram relatados por depressão ocorrem concomitantemente em mais de
29% de indivíduos que não apresentavam episódio 50% dos casos [14]. A sobreposição desses diagnós-
depressivo e em 50% daqueles com depressão, ticos deve-se, em parte, ao fato deles partilharem cri-
isto é, um em cada dois indivíduos com depressão térios diagnósticos como alterações do sono, perda
apresentavam queixa dolorosa, evidenciando assim de energia, prejuízo da concentração e também ao
a alta prevalência da dor em pacientes deprimidos. fato da presença de uma dessas condições serem
O estudo FINDER [11], um estudo observacional fator de risco para a ocorrência da outra. Em um
que investigou a qualidade de vida de 3.468 pacien- estudo multicêntrico, Löwe et al. [15] avaliaram em
tes deprimidos. Mais da metade dessa população 2.092 pacientes de atenção primária a prevalência
(56,3%) apresentava dor moderada a severa e 53% dessas três síndromes individualmente e a frequên-
desses pacientes apresentavam interferência da dor cia da comorbidade entre elas, assim como o prejuízo
na vida diária no início do estudo. Após seis meses funcional causado por dada uma dessas condições
de seguimento essas proporções caíram para 32,5% e pela sobreposição das mesmas. A comorbidade
e 28,1%, respectivamente. Escores iniciais altos de ocorreu em mais de 50% dos casos, demonstrando
sintomas somáticos não dolorosos foram fortemente que a co-ocorrencia entre as síndromes é a regra e
associados à severidade da dor e maior interferência não a exceção, e a falta de identificação desse fato
da dor na vida diária, assim como idade mais elevada, pode ter sérias implicações em termos de resposta
desemprego, maior número de episódios anteriores ao tratamento e consequente prejuízo funcional do
e maior duração do episódio atual. indivíduo.
(NA), que são dois importantes neurotransmissores superior aos ISRS [17]. Os antidepressivos de ação
envolvidos em dor e depressão, regulam a sinalização dual aumentam e mantêm a atividade da via inibitória
vinda das regiões corticais para a área periaquedutal descendente bulboespinhal, que está comprometida
cinzenta [16]. Alem disso, 5-HT e NA também regulam nas condições de dor crônica.
a sinalização da dor no corno dorso lateral da medula A presença de sintomas físicos e dolorosos
espinhal (Figura 1). A NA inibe a sinalização da dor na depressão reduzem as chances dos pacientes
nas vias inibitórias descendentes, enquanto que alcançarem remissão, como foi demonstrado por
5-HT pode tanto inibir como facilitar a percepção da Leuchter et al. [18] no estudo STAR*D. Na primeira
dor, nas vias descendentes. Talvez por esse motivo etapa desse estudo, 2.876 pacientes foram tratados
os ISRS usados em monoterapia não apresentem com citalopram, de 20 a 60 mg/dia, a critério clínico,
eficácia no tratamento da dor neuropática e mostrem durante 14 semanas. Cerca de 80% dos participantes
menor eficácia no controle de sintomas dolorosos apresentavam sintomas físicos dolorosos, sendo que
que acompanham os quadros depressivos em geral. 25% deles queixavam-se de dor diária.
Nessa população, alem da presença de dor,
Figura 1 - Papel da 5HT e NA nas vias descenden- fatores sócio-demográficos tais como sexo femini-
tes de dor. no, também constituíram-se como fatores de risco
para baixas taxas de remissão. Em termos de ca-
Corte frontal racterísticas clínicas, as baixas taxas de remissão
do cérebro associaram-se com depressão ansiosa (Tabela I).
efeito analgésico, indicando que o efeito analgésico a chance de recuperação completa do paciente. Além
independe do antidepressivo e vice versa. disso, os sintomas dolorosos afetam negativamente
o funcionamento ocupacional e social dos pacientes.
Figura 2 - Taxas de remissão com tratamento com Os achados discutidos neste artigo demonstram a
citalopram e a presença de dor [18]. necessidade dos profissionais envolvidos nessa
4% área estarem alerta para a identificação dessa co-
7% morbidade tão frequente, para que estes pacientes
recebam um tratamento efetivo. O tratamento da
10% associação de dor e depressão deve ser agressivo e
visar à remissão dos sintomas, pois quando a dor é
tratada aumenta a chance da remissão ser atingida.
7% A literatura atual demonstra que os antidepressivos
de ação dual são aqueles que apresentam maiores
72% evidências de ação analgésica, sendo, portanto, o
tratamento mais adequado para os pacientes que
apresentem sintomas físicos dolorosos associados
a depressão e/ou ansiedade.
Sem remissão Remissão com
dor moderada
Remissão sem dor Remissão com Referências
dor severa
Remissão com
dor leve 1. Giesecke T, Gracely RH, Williams DA, Geisser ME,
Petzke FW, Clauw DJ. The relationship between
Perahia et al. [20] estudaram pacientes deprimi- depression, clinical pain, and experimental pain
dos que não responderam (ou responderam apenas in a chronic pain cohort. Arthritis and Rheum
2005;52:1577–84.
parcialmente aos inibidores seletivos de recaptação
2. Ohayon MM, Schatzberg AF. Using chronic pain
de serotonina (ISRS) e se beneficiaram da substi-
to predict depressive morbidity in the general
tuição pela duloxetina, com redução dos sintomas population. Arch Gen Psychiatry 2003;60:39-47.
físicos dolorosos, tais como dor, cefaléia e lombal- 3. Demyttenaere K, Bonnewyn A, Bruffaerts R, Brugha
gia. Um estudo aberto, com uma pequena amostra T, De Graaf R, Alonso J. Comorbid painful physical
de pacientes deprimidos (N = 30) com comorbidade symptoms and depression: prevalence, work loss,
como cefaléia primária (enxaqueca crônica, cefaléia and help seeking. J Affect Disord 2006;92,:185-93.
tensional ou ambas) mostrou que a melhora da dor 4. Demyttenaere K, Bonnewyn A, Bruffaerts R, De Graaf
e da depressão foi significativa desde a primeira R, Haro JM, Alonso J. Comorbid painful physical
semana de tratamento e manteve-se ao longo das symptoms and anxiety: prevalence, work loss and
oito semanas do estudo [21]. help-seeking. J Affect Disord 2008;109:264–72.
Fava et al. [22] estudaram os efeitos antidepres- 5. Kirmayer LJ, Robbins JM, Dworkind M, Yaffe MJ.
Somatization and the recognition of depression and
sivos nos sintomas físicos dolorosos e a remissão
anxiety. Am J Psychiatry 1993;150:734-41.
da depressão em 495 pacientes deprimidos tratados
6. Schiffer AA, Pelle AJ, Smith ORF, Widdershoven JW,
com duloxetina ou placebo. A redução nos escores Hendriks EH, Pedersen SS. Somatic versus cognitive
de dor aumentou a probabilidade da remissão ser symptoms of depression as predictors of all-cause
atingida. A remissão foi mais frequente naqueles mortality and health status in chronic heart failure. J
pacientes cuja melhora da dor ocorreu nas primeiras Clin Psychiatry 2009;70:1667-73.
duas semanas de tratamento, sugerindo que quando 7. Banks SM, Kerns RD. Explaining hight rates of
a dor melhora a chance da remissão ser atingida é depression in chronic pain: a diathesisstress
maior. framework. Psych Bull 1996;119:95-110.
8. Katon W, Sullivan MD. Depression and chronic
Conclusão medical illness. J Clin Psychiatry 1990;51(suppl
6):3-11.
9. Bair MJ, Robinson RL, Katon W, Kroenke K.
Existe uma relação recíproca entre sintomas
Depression and pain comorbidity. Arch Intern Med
físicos dolorosos e depressão. A presença desses
2003;163:2433-45.
sintomas não apenas retarda o tempo para que a re- 10. Bair MJ, Robinson RL, Eckert GJ, Stang PE, Croghan
missão do quadro seja atingida, como também reduz RW, Kroenke K. 2004. Impact of pain on depression
156 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010
treatment response in primary care. Psychosom Med studies on pain relief with antidepressants: a
2004;66:17-22. structured review. Pain Med 2000;1:310-6.
11. Demyttenaere K, Reed C, Quail D et al. Presence 18. Leuchter AF, Husain MM, Cook IA, Trivedi MH,
and predictors of pain in depression: Results from Wisniewski SR, Gilmer WS, Luther JF, Fava M,
the FINDER study. J Affect Disord 2010;125:53-60. Rush AJ. Painful physical symptoms and treatment
12. Sartorius N, Ustun TB, Costa e Silva JA, Goldberg outcome in major depressive disorder: a STAR*D
D, Lecrubier Y, Ormel J, Von Korff M, Wittchen HU. (Sequenced Treatment Alternatives to Relieve
An international study of psychological problems in Depression) report. Psychol Med 2010;40:239-51.
primary care: preliminary report from the World Health 19. Fishbain DA, Detke MJ, Wernicke J et al. The
Organization collaborative project on psychological relationship between antidepressant and analgesic
problems in general health care. Arch Gen Psychiatry responses: findings from six placebo-controlled
1993;50:819-24. trials assessing the efficacy of duloxetine in patients
13. Härter MC, Conway KP, Merikangas KR. Associations with major depressive disorder. Curr Med Res Opin
between anxiety disorders and physical illness. Eur 2008;24:3105-15.
Arch Psychiatry Clin Neurosci 2003;253:313-20. 20. Perahia DG, Quail D, Desaiah D, Montejo AL,
14. Kessler RC, Berglund P, Demler O et al. The Schatzberg AF. Switching to duloxetine in selective
epidemiology of major depressive disorder: results serotonin reuptake inhibitor non- and partial-
from the National Comorbidity Survey Replication responders: effects on painful physical symptoms of
(NCS-R). JAMA 2003;289:3095-105. depression. J Psychiatr Res 2009;43(5):512-8.
15. Löwe B, Spitzer RL, Williams JBW, Mussell M, 21. Volpe FM. An 8-week, open-label trial of duloxetine
Schellberg D, Kroenke K. Depression, anxiety and for comorbid major depressive disorder and chronic
somatisation in primary care: syndrome overlap headache. J Clin Psychiatry 2008;69(9):1449-54.
and functional impairment. Gen Hosp Psychiatry 22. Fava M, Mallinckrodt C, Detke M et al. The effect
2008;30:191-9. of duloxetine on painful physical symptoms in
16. Fields HL. Neurotransmitters in nociceptive modulatory depressed patients: do improvements in these
circuits. Annu Rev Neurosci 1991;14:219-45. symptoms result in higher remission rates? J Clin
17. Fishbain DA, Cutler RB, Rosomoff HL et al. Evidence- Psychiatry 2004;65:521-30.
based data from animal and human experimental
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 157
Entrevista
Newcomer JW, Campos JA, Marcus RN, Breder C, Berman RM, Kerselaers W, L´italien GJ, Nys M, Carson WH,
McQuade RD, Department of Psychiatry, Psychology and Medicine, Washington University School of Medicine, St.
Louis, Missouri
Objetivo: Os transtornos mentais severos são dos com aripiprazole vs. olanzapina (11,1% vs.
associados a risco aumentado de mortalidade 2,6%; p = 0,038), e um menor percentagem de
cardiovascular relacionada à obesidade, o que paciente tratados por aripiprazole apresentaram
aumenta o interesse para estratégias de redução um ganho de peso significativo (2,5% vs. 9,1%;
de risco ligado ao peso e aos lípides plasmáticos, p = 0,082). A média das alterações do colesterol
incluído o uso de agentes antipsicóticos com risco total de jejum e do HDL-colesterol na semana 16
metabólico baixo. Este estudo multicêntrico, rando- foi significativamente diferente entre aripiprazole
mizado, duplo-cego comparou os efeitos metabó- e olanzapina, sem efeitos significativos sobre as
licos de aripiprazole vs. olanzapina em indivíduos taxas de glicemia. A média do escores do questio-
com esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo e nário Impressão Global de Melhora Clínica (Clinical
com sobrepeso, que foram tratados anteriormente Global Impressions-Improvement - CGI-I) foi de “sem
por olanzapina. Método: No total, 173 pacientes alteração” até “melhora mínima”. Os escores de
com esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo, objetivos de CGI-I foram estatisticamente melhores
de acordo com as definições do DSM-IV-TR, foram com olanzapina (média ± DP = 3,09 ± 0,16) vs.
randomizados para receber aripiprazole (n = 88) aripiprazole (média ± DP = 3,74 ± 0,15; p < 0,001),
ou olanzapina (n = 85) durante 16 semanas em e mais pacientes descontinuaram aripiprazole (N
um estudo realizado de março de 2004 a agosto = 32/88; 36%) do que olanzapina (N = 22/85;
de 2006. Os objetivos primários e secundários 26%). Conclusão: Melhoras significativas do peso
foram a observação da alteração média do peso e dos lípides observadas após descontinuação
e dos níveis dos triglicérides de jejum, a partir da do tratamento com olanzapina e substituição por
linha de base. Resultados: Na semana 16, o peso aripiprazole ocorreram com evidência limitada de
diminuiu significativamente no grupo aripiprazole efeitos psiquiátricos negativos, em comparação
vs. olanzapina (-1,8 kg vs. +1,41 kg; p < 0,001). com a continuação do tratamento com olanzapina.
Diferenças significativas nas taxas de triglicérides Os resultados sugerem que o valor potencial da
foram observadas com aripiprazole (diminuição) substituição terapêutica envolvendo medicamentos
vs. olanzapina (aumento) em todos os controles antipsicóticos específicos pode ser considerado
laboratoriais. A perda significativa de peso ( para reduzir o risco cardiovascular nesta população
7% dos pacientes) foi maior em pacientes trata- de pacientes.
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 159
A incidência desses fatores de risco é muito Neurociências - Quais foram o desenho e os objetivos
elevada em pacientes psiquiátricos. A razão é multi- deste estudo?
fatorial, mas uma razão importante é o fato que os
pacientes psiquiátricos têm um acesso reduzido aos Dr. John Newcomer - Sabemos que vários medica-
cuidados médicos par causa da orientação terapêuti- mentos antipsicóticos podem favorecer o ganho de
ca. Em outras palavras, o tratamento da doença psi- peso, entre outros a olanzapina, enquanto que antip-
quiátrica é privilegiado nestes pacientes, geralmente sicóticos atípicos, como aripiprazole, têm nenhuma
por boas razões, mas no detrimento das outras doen- influência ou uma influência limitada sobre o peso e
ças que eles podem apresentar. No Brasil, como nos os lípides sanguíneos, como já foi demonstrado em
Estados Unidos, o sistema e saúde é fragmentado. vários estudos observacionais. Nosso objetivo, neste
O sistema psiquiátrico é separado do sistema geral trabalho, foi de realizar o primeiro estudo multicên-
de saúde, e o paciente catalogado como psiquiátrico trico e duplo-cego, com pacientes randomizados e
não é rastreado, observado, acompanhado como o duração total de 16 semanas, para observar o efeito
paciente com doenças comuns. da substituição de medicamentos sobre os fatores
Por exemplo, as doenças cardiovasculares são metabólicos que favorecem o ganho de peso e os
responsáveis de 36% da mortalidade nos Estados distúrbios lipídicos.
Unidos, contra 50% nas décadas anteriores. Esta No total foram selecionados 173 pacientes
diminuição não é tão o fato da melhora da preven- com esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo,
ção ou dos cuidados primários do que da melhora diagnosticados há mais de 10 anos e tratados por
do diagnóstico e dos cuidados intensivos. Mas si olanzapina durante 6 anos em média. O índice de
consideramos apenas a população dos pacientes massa corporal (IMC) da maioria dos pacientes era
com transtornas mentais graves como esquizofrenia, superior a 30 kg/m2.
depressão, transtorno bipolar, ou seja 5 a 10% da Os pacientes foram randomizados em 2 grupos,
população, esta população perde 25 a 30 anos de e receberam uma dose diária de 15 mg de aripipra-
esperança de vida, não por causa de suicídio, como zole durante 2 semanas, pois ajustada entre 10 e
se acredita, mas por morte precoce em decorrência 30 mg/dia durante as 14 semanas seguintes. Os
de doenças cardiovasculares. pacientes do grupo olanzapina continuaram o trata-
Outro exemplo característica é o tabagismo. Mui- mento anterior.
tos esforços foram feitos para diminuir o tabagismo Os objetivos primários do estudo foram do com-
na população geral, e a taxa de fumantes, que era parar o efeito de aripiprazole vs. olanzapina sobre o
de 50% foi reduzida a 25% aproximativamente. Mas peso a partir da linha de base até a 16ª semana.
estima-se que 50 a 80% dos pacientes psiquiátricos O segundo objetivo foi comparar as alterações nos
são fumantes e consumem 34 a 44% de todos os níveis de triglicérides de jejum. O terceiro objetivo era
cigarros vendidos nos Estados-Unidos. comparar a segurança, a tolerabilidade e a eficácia
Em psiquiatria, muitos pacientes têm uma de aripiprazole vs. olanzapina.
prevalência elevada de fatores de risco como obe-
sidade, dislipidemia, hipertensão, hiperglicemia,
que, adicionados ao tabagismo, aumentam o risco Neurociências - O seu estudo mostra a melhora dos
de doenças cardiovasculares. As pessoas com níveis de triglicérides e de colesterol em pacientes
esquizofrenia apresentam com muita freqüência tratados por aripiprazole. Em que isso é importante
uma constelação específica de fatores de risco a prática clínica?
cardiovasculares ligados à resistência à insulina,
chamada de síndrome metabólica, que aumenta Dr. John Newcomer - O efeito o mais significativo do
ambos os riscos de doenças cardiovasculares e de tratamento com aripiprazole foi a redução de peso
diabetes. Os níveis de triglicérides de jejum são um de 1,8 kg após 16 semanas, contra um ganho de
marcador habitual da resistência à insulina. Temos peso de 1,41 kg no grupo tratado com olanzapina. A
assim um aumento significativo de obesidade, de redução de peso foi ainda maior quando o tratamento
diminuição da tolerância à glicose e de diabetes anterior com olanzapina foi superior a 6 meses.
tipo 2 na população dos pacientes esquizofrênicas, O segundo objetivo, que foi o efeito sobre os
condições que podem aumentadas pelo uso de triglicérides, mostrou também uma redução signi-
tratamentos antipsicóticos. ficativa e rápida da taxa de triglicérides – a partir
da 4ª semana – com diminuição de 14,46% na 16ª
160 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010
semana em relação a linha de base, versus aumento Neurociências - Quais são as dificuldades que você
de 5,29% no grupo tratado por olanzapina. Como encontra na substituição de tratamento?
no caso do peso, a melhora da taxa de triglicérides
foi maior nos pacientes com tratamento prolongado Dr. John Newcomer - Isso é a questão importante,
com olanzapina. que interessa todos os psiquiatras. Podemos con-
Podemos observar um efeito positivo sobre o cordar sobre a diminuição do risco cardiometabólico,
colesterol, com aumento significativo do HDL-C e mas a questão chave é saber se o tratamento é tão
diminuição do LDL-C no grupo aripiprazole. O efeito eficaz sobre o transtorno mental. Nesta população
sobre a glicemia de jejum, a insulina de jejum, a de pacientes, a substituição de medicamentos não
glicemia de 2h pós-prandial é neutro nos dois casos. é fácil, porque são tratamentos continuados por
Isso é importante porque a elevação dos trigli- muitos anos, e já foi observado que os pacientes
cérides é considerada como um marcador precoce que seguem um tratamento de longa duração com
do diabetes, anterior aos distúrbios biológicos e o mesmo medicamento aderem melhor do que os
metabólicos do diabetes. que trocam de tratamento, independentemente do
medicamento envolvido. A decisão deve ser tomada
em função do risco inerente ao transtorno psiquiátrico
Neurociências - Qual é a vantagem de substituir o e ao risco metabólico.
tratamento antipsicótico, ao invés de continuar o Em nosso estudo, acompanhamos a substitui-
mesmo medicamento associado ao tratamento da ção de medicamento pelo escore do Clinical Global
dislipidemia? Impressions-Improvement (CGI-I), que mostra que,
para a maioria dos pacientes, a substituição de
Dr. John Newcomer - Em frente do risco muito tratamento está avaliada com impressão “sem alte-
elevado de doença cardiovascular ou de diabetes ração” ou “alteração mínima”, o que significa que a
nesta população a risco elevado, temos teoricamente substituição é geralmente aceita sem dificuldades.
diferentes opções. A primeira seria de incentivar a Enfim, a olanzapina é mais sedativa do que o ari-
dieta alimentar e o exercício físico, a segunda é de piprazole, o que pode em alguns pacientes modificar
acrescentar um tratamento da dislipidemia a base de a reação ao tratamento e os sintomas da doença.
estatinas ou de fibratos, por exemplo. Neste último A substituição de medicamento necessita às vezes
caso, deveríamos considerar os efeitos adversos a adição de um tratamento de curta duração a base
potenciais do tratamento da dislipidemia e as dificul- de benzodiazepinas, para melhorar a sedação, se
dades de adesão. Se o objetivo é diminuir o risco precisar.
cardiometabólico, entre a opção de acrescentar um
tratamento da dislipidemia ou reduzir o risco com a
substituição do tratamento antipsicótico, a última Neurociências - Quais são os estudos atualmente em
opção é preferível. desenvolvimento para avaliar os distúrbios metabóli-
Enfim devemos considerar o risco de diabetes. cos em psiquiatria?
Neste ponto de vista o tratamento com aripiprazole
é favorável. O estudo foi realizado em pacientes Dr. John Newcomer - As grandes associações médi-
com IMC elevado, mas sem diabetes, e por uma cas, como American Diabetes Association, American
duração limitada a 16 semanas. Efetivamente os Psychiatric Association, American Association of
dois tratamentos não alteraram significativamente Clinical Endocrinologists ou The North American
a glicemia, a insulinemia ou a glicemia pós-prandial. Association for the Study of Obesity, já concluiram
Não é surpreendente, na medida que os pacientes, que os antipsicóticos podem agravar o risco para
no estádio de resistência à insulina, conseguem obesidade, diabetes e dislipidemia e sugeriram que
manter a taxa normal de glicemia por hipersecre- este risco deve ser considerado no momento da de-
ção compensatória de insulina. Mas o tratamento cisão de tratar. Os resultados atuais fornecem uma
antipsicótico é um tratamento de longa duração e base experimental para um consenso, pelo qual os
o risco diabético aumenta com a continuação do pacientes tratados por medicamentos antipsicóticos
tratamento. que desenvolvem um ganho de peso significativo, ou
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 161
Artigo original
Resumo
Contexto: No Brasil, o campo de estudos em tomadas de decisão é incipiente, o que
de certo modo se relaciona à falta de instrumentos para a prospecção de tendências
decisionais individuais. Objetivo: Traduzir e validar uma escala de estilo decisional e outro
de procrastinação, tradicionalmente utilizadas para a avaliação de padrões decisionais.
Material e Métodos: Os instrumentos escolhidos foram as escalas Preference for Intuition
and Deliberation (PID, Betch, 2008) e Procrastination Scale, (PS, Frost e Show, 1993),
que foram traduzidas e aplicadas em uma população de estudantes universitários, sem
histórico psiquiátrico, para a subsequente análise comparativa da consistência interna,
em relação a versões existentes, bem como para testar a correlação entre o desempenho
nas duas escalas. Resultados: A análise de consistência (Alpha de Chronbach) se mostrou
em ambos os casos coerente com resultados publicados em outras línguas (respectiva-
mente: 0,74 e 0,72) e a correlação entre elas foi baixa (0,03), sugerindo a importância
da aplicação de ambas para um mapeamento destas tendências.
Abstract
Context: In Brazil, the field of decision-making is still incipient and this has to do with the
lack of psychometric instruments to prospect individual decisional tendencies. Objectives:
To translate and validate a decisional style scale and a procrastination scale, commonly
used in the evaluation of decisional tendencies. Material & Methods: The selected instru-
ments are Preference for Intuition and Deliberation (PID, Betch, 2008) and Procrastination
Scale, (PS, Frost e Show, 1993), which were translated and applied to a cohort of graduate
students, with no psychiatric records, for comparative analysis of internal consistence
in relation to the available versions, as well as to evaluate the correlation between the
two. Results: The consistence analysis (Chrombach Alpha) revealed in both cases to be
in accordance with that of the original languages (respectively: 0.74 and 0.72), while the
correlation between the two was found to be low (0.03), suggesting that both should be
applied together in order to map decisional tendencies.
Professor Adjunto da UNIFESP, Pós-
doc do Instituto de Psiquiatria da Key-words: psychometric scales, validation, procrastination scale, decisional style, intu-
USP, Lab de Neuroimagem LIM-21 ition, reasoning, decision-making.
Introdução Experimento 3
( (
N 2
expressão: α = N i =1 σYi
(1993) versa sobre uma vicissitude diretamente im- 1– 2
N –1 σX ,
plicada na maximização do investimento decisional
(conforme excessiva procrastinação representa um onde N é o número de itens, σ 2X é a variância da
2
gasto inútil de energia), podendo servir de instrumen- pontuação total observada no teste e σYi é a variân-
to diagnóstico de tendências irracionais em contexto cia do componente i ǁ ^12N} , ǁ ^12N} ou seja,
2 2 2
clínico e não clínico. σY 1 , . σY 2, ... . σY N .
Para o cálculo do Alpha de Cronbach foi utilizado
Objetivos o software estatístico SPSS 16.0 (‘Statistical Packa-
ge for Social Sciences’, 1988).
Experimento 1
Tradução
a) Análise de consistência da versão traduzida da
Escala PID integral. As versões em língua portuguesa das escalas
b) Análise de consistência da versão traduzida da foram elaboradas a partir das versões em língua
Escala PID, com relação à dimensão ‘Intuitiva’ inglesa. A tradução foi supervisionada pelo Prof. Dr.
(Intuition). John Manuel Monteiro (americano bilíngue), chefe do
c) Análise da consistência interna da versão tra- Departamento de Antropologia da Unicamp.
duzida da Escala PID, com relação à dimensão
‘Deliberativa’ (Deliberation). Análise de consistência da versão traduzida
da Escala PID
Experimento 2
Número de questões: 16
Análise de consistência da versão traduzida da
‘Escala de Procrastinação’ (Procrastination Scale). Características gerais da escala
A escala é composta por 16 itens centrais e
2 itens opcionais relativos a padrões de tomadas
164 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010
14.Eu penso antes de agir. 10.Eu fico ansioso quando tomando decisões.
1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
15.Eu prefiro pessoas emocionais. 11.Eu geralmente me preocupo com a possibilidade
1 2 3 4 5 de fazer a escolha errada.
16.Eu penso mais sobre meus planos e objetivos do 1 2 3 4 5
que a maioria das pessoas. 12.Depois de eu escolher algo, eu frequentemente
1 2 3 4 5 percebo que escolhi a coisa errada.
1 2 3 4 5
Escala de indecisão de Frost e Show 13.Eu geralmente atraso tarefas por dificuldade em
definir o que fazer primeiro.
1. Eu tento evitar tomar decisões. 1 2 3 4 5
1 2 3 4 5 14.Eu tenho dificuldades com tarefas, porque tenho
2. Eu sempre sei exatamente o que quero dizer. dificuldade em priorizar o que é mais importante.
1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
3. Eu acho fácil tomar decisões. 15.Tenho a impressão que decidir as coisas mais
1 2 3 4 5 triviais tomam um bom tempo.
4. Eu tenho dificuldades em planejar meu tempo 1 2 3 4 5
livre.
1 2 3 4 5 Referências
5. Eu gosto de estar na posição de poder tomar
decisões. 1. Betsch C. Präferenz für Intuition und Deliberation.
Inventar zur Erfassung von affekt- und
1 2 3 4 5
kognitionsbasiertem Entscheiden (Preference for
6. Uma vez que eu tome uma decisão, eu me sinto Intuition and Deliberation (PID): An inventory for
consideravelmente confiante de que foi a certa. assessing affect- and cognition-based decision-
1 2 3 4 5 making). Zeitschrift für Differentielle und Diagnostiche
7. Quando escolhendo pratos de um menu, eu ge- Psychologie 2004;25:179-97.
2. Betsch T. The nature of intuition and its neglect
ralmente tenho dificuldades em escolher o que in research on judgment and decision making. In:
quero. Plessner H, Betsch C, Betsch T, eds. Intuition in
1 2 3 4 5 judgment and decision making. New York: Lawrence
8. Eu geralmente tomo decisões rapidamente. Erlbaum Associates; 2008. p. 3-22.
3. Frost RO, Heimberg RG, Holt CS, Mattia JI,
1 2 3 4 5 Neubauer AL. A comparison of two measures of
9. Quando eu tomo uma decisão, paro de me preo- perfectionism. Personality and Individual Differences
cupar com o assunto. 1993;14(1):119-26.
1 2 3 4 5
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 167
Artigo original
Resumo
As Distrofias Musculares Progressivas (DMP) são doenças genéticas que se caracterizam
por fraqueza muscular progressiva. Os portadores de DMP apresentam deformidades
do tronco gerando um comprometimento pneumo-funcional que levam a um sono não
reparador. O estudo teve como objetivo avaliar a qualidade do sono em Portadores de
Distrofias Musculares Progressivas. Foram avaliados 23 portadores de DMP de ambos
os sexos. As avaliações foram realizadas em 2009 e 2010. Para análise dos distúrbios
do sono foi utilizado o questionário Pittsburgh Sleep Quality Index – PSQI. Na avaliação
da Qualidade do Sono verifica-se que os pacientes tiveram uma tendência mínima ao
declínio da média do PSQI sugerindo uma melhora na qualidade do sono no ano de 2010.
Porém, estes pacientes apresentaram uma tendência maior no ano de 2009 a uma má
qualidade do sono, pois de acordo com o PSQI os escores maiores que 5 são considera-
dos sono ruim. Evidencia-se que os portadores de distrofias musculares progressivas
tiveram alterações na qualidade do sono.
2,50
Média e Desvio Padrão do PSQI
2,00 12
**
1,50
1,00 *
8
*
0,50
0,00
C1 C2 C3 C4 C5 C6 C7 4
1ª Avaliação 2ª Avaliação
0
Legenda: C: Componentes. Método estatístico empregado:
1ª Avaliação 2ª Avaliação
Test T de Student para amostras pareadas.
Legenda: PSQI: Índice da Qualidade do Sono de Pitts-
• Componente 1 - Qualidade Subjetiva do Sono: A burgh. Método estatístico empregado: Test T de Student
média deste componente no ano de 2009 foi de para amostras pareadas.
1,04 (DP ± 0,82) e no ano de 2010 foi de 0,91
(DP ± 0,73).
170 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010
80
Os distúrbios respiratórios do sono são comuns
79
nos pacientes portadores de Distrofias Musculares
78 Progressivas como a apnéia obstrutiva do sono e
77 * hipoventilação. Uma má qualidade do sono destes
76 pacientes reduz a sua qualidade de vida [23,24].
75 Pacientes com fraqueza da musculatura respi-
74 ratória predispõe-se um alto risco de desenvolver
hipercapnia e hipoxemia durante o sono. Outros
1ª Avaliação 2ª Avaliação distúrbios respiratórios do sono é uma importante
Legenda: Houve diferença estatisticamente significativa causa da morbidade e mortalidade desses pacientes.
quando comparado os anos avaliados. Método estatístico Nos casos mais graves os pacientes também podem
empregado: Test T de Student para amostras pareadas. ter hipoventilação alveolar enquanto acordado, o
que pode levar a uma progressiva hipercapnia e em
última instância, para insuficiência respiratória. Nos
Discussão pacientes com DMD além dessas alterações pode
ocorrer dessaturações no sono REM [25-28].
Em relação à avaliação dos componentes do Na DMD o controle central da respiração pode
PSQI, observa-se que os pacientes portadores de ser normal, e como a polissonografia para avaliar o
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 171
estado cardiorrespiratório pode demonstrar o primei- sugerindo uma melhora na qualidade do sono destes
ro sinal de fraqueza muscular respiratória e apnéia pacientes quando comparado com 2009. Ressalta-se
obstrutiva durante o sono REM [23,29-32]. que estes pacientes no ano de 2009 tiveram uma ten-
Durante o sono o déficit muscular se agrava, dência maior a uma má qualidade do sono, pois nos
sobretudo quando se encontra em decúbito ventral escores maiores que 5 considera-se um sono ruim.
ou dorsal [33]. Outra alteração que se nota nesses É de extrema importância para estes pacientes
pacientes é a hipoventilação, seguida de fraqueza a avaliação da Qualidade do Sono associada às
muscular progressiva, e conforme a doença evolui alterações respiratórias. A fisioterapia atua nas
ocorre hipoxemia e hipercapnia, gerando assim, uma Distrofias Musculares Progressivas agindo sobre a
qualidade de sono ruim [34]. progressão da doença evitando uma evolução rápida,
Em relação às características habituais do sono trabalhando assim tanto na parte motora quanto
no qual engloba: horário de deitar, horário de desper- na respiratória, dando ênfase nas alterações que o
tar, duração e eficiência do sono, verifica-se que no indivíduo apresenta, para que o mesmo possa ter
ano de 2010 houve um aumento na mediana do horá- uma boa qualidade de sono e de vida.
rio de deitar e o horário de despertar, logo, evidencia-
se que os pacientes permaneceram mais tempo na Conclusão
cama. Em relação à mediana da duração do sono
destes pacientes houve um aumento de horas dormi- Este estudo mostrou a relação da Qualidade
das entre as 2 avaliações. No entanto, este número do Sono dos Portadores de Distrofias Musculares
de horas dormidas não é um sono contínuo, pois eles Progressivas. Evidencia-se que estes pacientes
despertam no meio da noite devido aos distúrbios do tiveram alterações na Qualidade do Sono entre os
sono como pesadelos, necessidade de ir ao banheiro, anos avaliados.
movimentos bruscos, apnéia, entre outros. Quanto à
eficiência do sono houve um declínio na 2ª avaliação. Referências
Autores afirmam que os portadores de Distrofia
Musculares apresentam um sono não reparador. Nor- 1. Reed UC. Doencas neuromusculares . J Pediatr
2002;78(supl1):89-103.
malmente vão dormir cedo e mesmo permanecendo
2. Ansved T. Muscular dystrophies: influence of physical
de 8 a 10 horas na cama, despertam exaustos, pois conditioning on the disease evolution. Current Opinion
seu sono REM é quase totalmente banido. O sono in Clinical Nutrition and Metabolic Care 2003;6:435-9.
REM é responsável pelo sono restaurador e repousan- 3. Torricelli RE. Actualizacion em distrofias musculares.
te. E ao acontecer uma interrupção do sono nesses Rev Neurol 2004;39:960-871.
4. Schara U, Mortier W. Neuromuscular diseases 2:
pacientes é normal que os mesmos apresentem muscular dystrophies. Nervenarzt 2005;76:238-9.
despertares noturno [21,35,36]. 5. Stokes M. Neurologia para fisioterapeutas. Sao
Para se obter um melhor entendimento das alte- Paulo: Premier; 2000.
rações do sono avaliou-se também a funcionalidade 6. Otsuka MA, Boff a CFB, Vieira AAM. Distrofias
musculares. Fisioterapia aplicada. Revinter; 2005.
através do Índice de Barthel apresentado na Tabela 7. Bourke SC, Gibson GJ. Sleep and breathing
II e o uso ou não da cadeira de rodas. Pode-se obser- neuromuscular disease. Eur J Respir 2002;19:1194-
var que houve um declínio da funcionalidade destes 201.
pacientes entre os anos avaliados, onde, em 2009 a 8. Feasson L, Camdessache JP, El Mandhi L, Calmes P,
Millet GY. Fatigue and neuromuscular diseases. Ann
média foi de 78,43 (DP ± 25,57) e no ano de 2010 Readapt Med Phys 2006;49(6):375-84.
foi de 76,00 (DP ± 26,82). Pode-se observar que 9. Corrêa K, Ceolim MF. Qualidade do sono em pacientes
os pacientes independentes mantiveram-se, muito idosos com patologias vasculares periféricas. Rev
dependentes diminuíram, parcialmente dependentes Esc Enferm USP 2008;42(1):12-8.
10. Nunes MG. Distúrbios do sono. J Pediatr 2002;78(1).
aumentaram e semi-dependentes diminuíram.
11. Vieira S, Hossne WS. Metodologia científica para a
Pacientes portadores de distrofias musculares área de saúde. Rio de Janeiro:Campus; 2001. p.192
progressivas tendem a uma queda da funcionalidade 12. Buysse DJ, Martica LS, Patrick J et al. Relationships
e qualidade de vida com o passar dos anos, em es- Between the Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI),
Epworth Sleepiness Scale (ESS), and Clinical/
pecial os portadores de DMD, por desenvolverem de-
Polysomnographic Measures in a Community Sample.
generação muscular progressiva, seguida de fraqueza Journal of Clinical Sleep Medicine 2008;4:(6).
muscular global e limitações incapacitantes [37]. 13. Cid-Kuzafa J, Damian-Moreno J. Valoracion de la
A qualidade do sono destes pacientes teve discapacidad fisica: El Indice de Barthel. Rev Esp
uma diminuição na média do PSQI no ano de 2010 Salud Publica 1997;71:127-37.
172 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010
14. Azeredo CAC. Fisioterapia Respiratória Moderna. 4ª 26. Bourke SC, Gibson GJ. Sleep and breathing in
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Bras 2009;10(4):241-7.
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 173
Revisão
Resumo
Objetivo: Apresentar uma base neurocientífica breve dos processos cerebrais envolvidos
no registro, modulação e integração dos estímulos sensoriais assim como a relevância da
integração sensorial no desenvolvimento infantil. Material e Métodos: Busca nas bases
de dados Bireme, SciELO e Pubmed, no período de 1990 a 2010, com as seguintes
palavras-chave: integração sensorial, desenvolvimento infantil, distúrbios sensoriais e as
respectivas em inglês. Resultados: A integração sensorial (IS) é um modelo de referência
baseado em extensa pesquisa do desenvolvimento infantil normal e anormal. A terapia
auxilia a no tratamento de crianças com distúrbios de integração sensorial proporcionando-
as desenvolver diversas capacidades. Conclusão: Estudos mostram a importância dos
estímulos multissensoriais na melhora de respostas motoras e comportamentais. Desde
a década de 70, pesquisas e práticas clínicas comprovam a Terapia de Integração Senso-
rial no tratamento de dispraxias e problemas de modulação em indivíduos sem lesão do
*Terapeuta Ocupacional, Pós-gra- SNC, ou seja, que apresentam Disfunção de Integração Sensorial.
duada em neurociência e apren-
dizagem, UFRJ, **Fisioterapeuta, Palavras-chave: desenvolvimento infantil, transtornos do desenvolvimento infantil,
Mestranda em Neurociências, UFF, dispraxia.
***Doutorando em Neurociências
pela UFF e Graduando em Medicina,
UNIGRANRIO, **** 4Professora Abstract
Objective: To present a brief neuroscientific base of the cerebral processes involved in
substituta da Universidade Federal
the register, modulation and integration of the sensorial stimuli as well as the relevance
dos Vales do Jequitinhonha e Mucu-
of the sensorial integration in the child development. Material & Methods: Search in the
ri, Diamantina/MG, *****Fisiotera- Bireme, SciELO and Pubmed databases, in the period between 1990 and 2010 with the
peuta, mestranda em saúde mental following keywords: sensorial integration, child development, sensorial disturbances and
(IPUB/UFRJ), ****** Educador the respective ones in Portuguese. Results: The sensorial integration (SI) is a model of
Físico e Fisioterapeuta, Mestrando reference based on extensive research of the normal and abnormal child development. The
therapy helps in the treatment of infants with sensorial integration disturbances providing
em Motricidade Humana UCB- RJ ,
the development of diverse capacities. Conclusion: Studies point the importance of the
*******Fisioterapeuta, Professor multi sensorial stimuli in the improvement of motor and behavioral answers. Since the
Adjunto da Universidade Federal dos decade of 70, researches and clinical practices verify the effectiveness of the Sensorial
Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Integration Therapy in the treatment of dyspraxias and modulation problems in patients
Diamantina/MG without injury of the CNS, that is, with Sensory Integration Dysfunction.
dos processos cognitivos humanos. Outro de seus de promover a redução do intervalo entre a ativação
aspectos é a organização da atividade consciente. sensorial/motora no colículo superior [19,20], estí-
Esta tarefa vincula-se ao terceiro dos sistemas fun- mulos multissensoriais podem acelerar as respostas
cionais, responsável pela programação, regulação e comportamentais [21,22].
verificação e suas estruturas localizam-se nas regiões A magnitude de informações ambientais e de
anteriores dos hemisférios, anteriormente ao giro pré demandas comportamentais que um animal experien-
central. O córtex pré-frontal é então regulador da ati- cia após o nascimento é de difícil mensuração. Em
vidade e comportamento, modificando-os de acordo muitas espécies, como na espécie humana, estas
com as intenções e planos complexos do homem dificuldade são diminuídas por uma mãe atenciosa
formulados com o auxílio da fala [6]. que tem a responsabilidade de cuidar e nutrir sua
cria. Contudo, conforme o bebê cresce e tende a pas-
O Colículo Superior e a Síntese de sar menos tempo com sua mãe, ele precisa começar
Informações Sensoriais a lidar com os desafios ambientais que lhe serão
apresentados [23]. Esta transição gradual rumo a
O colículo superior é uma região do sistema ner- independência depende em muito do desenvolvi-
voso central (SNC) que localizada na superfície dorsal mento da habilidade cerebral de usar informações
do mesencéfalo (teto mesencefálico) e dá origem multisensoriais para iniciar respostas adaptativas
ao feixe teto-espinhal. O colículo superior, um dos [24]. Baseado nisto pode-se imaginar um indivíduo
núcleos do teto, recebe aferências multissensoriais com dificuldades de integrar informações multissen-
(visuais, auditivas e somestésicas) e por isso suas soriais: quanto ele perderia do mundo? Quanto suas
fibras motoras participam das reações de orientação respostas seriam aquém do esperado? Suas reações
sensório-motora, isto é, as que posicionam os olhos diante das situações seriam adequadas?
e a cabeça em relação aos estímulos que provêm A Disfunção da Integração Sensorial (DIS) é a
do meio ambiente [10]. Os neurônios do colículo inabilidade de processar determinada informação
superior têm a habilidade de sintetisar informações recebida pelos sistemas. Quando uma criança tem
de diferentes modalidades sensoriais, resultando no DIS, pode ser incapaz de responder a determinada
aumento ou diminuição, de suas atividades. Essa informação sensorial, para planejar e organizar
capacidade fisiológica está diretamente relacionada automaticamente. A DIS é uma desorganização de
a mudanças nas respostas atencionais e de orieta- entrada e da saída da informação. O desenvolvimen-
ção [11]. O resultado mais comum da integração de to da teoria de integração melhor explica a relação
modalidades específicas é o aumento, sendo ainda entre comportamento e funcionamento neural,
que a resposta a estímulos multisensoriais é maior especialmente o processo da integração sensorial.
que a dos estímulos unisensoriais e, as vezes, su- Resultado de pesquisas, combinado a experiências
perior a sua soma aritimética [12]. Este argumento clínicas com crianças em idade escolar, juntamente
se torna ainda mais forte quando as informações de com os trabalhos da Dra. Ayres em integração sen-
uma única modalidade sensorial são fracas [13-15]. sorial e distúrbios sensoriais integrativos, acabaram
Sabe-se ainda que o tempo de resposta é inver- por criar novos métodos de avaliação e de interven-
samente proporcional a quantidade de informação ção terapêuticas [25]. Ayres sugere que a criança
apresentada em um único canal sensorial e que a com déficits motores e problemas de Integração
quantidade de informação adquirida por um neurônio Sensorial de fundo pode ser tratada influenciando
aumenta gradualmente com o tempo. Paralelamente a integração neurofisiológica através do controle do
supõe-se que um estímulo multissensorial possa an- comportamento sensório-motor. A ênfase encontra-
tecipar respostas quando comparado a um estímulo se no desenvolvimento da capacidade de perceber,
unissensorial [16]. Apesar do estímulo sensorial lembrar, e planejar movimentos motores. Com tal
evocar a resposta inicial nos neurônios do colículo capacidade, o desempenho acadêmico e outras ta-
superior, é uma posterior descarga de fundo motor refas são facilitados. Contudo, deve ser enfatizado
que desencadeia o movimento para adquirir o estí- que os déficits motores vistos nas crianças com
mulo [17,18]. Com isso, entende-se que a resposta distúrbios de aprendizagem e Disfunções de Inte-
ao estímulo sensorial inicia uma cascata de eventos gração Sensorial são resultados de problemas no
que resulta na emissão de um comando motor e processamento de impulsos sensoriais [26]. Assim,
que o tempo necessário para alcançar seu fim de- a Terapia de Integração Sensorial é diferente, porque
pende da magnitude do evento inicial. Então, além os tipos de problemas abordados usando procedi-
176 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010
mentos de integração sensorial são primariamente integração sensorial é o dos transtornos invasivos
distúrbios no processamento sensorial. O princípio do desenvolvimento (ex: autismo) [30,31], déficit
central da terapia é fornecer e controlar a entrada de atenção com hiperatividade [32] e distúrbios de
de estímulos sensoriais, especialmente o estímulo aprendizagem [4], entre outros. Cabe lembrar que a
do sistema vestibular, das articulações, músculos Teoria de Integração Sensorial vem explicar proble-
e pele de tal forma que a criança espontaneamente mas de aprendizagem e comportamento, em espe-
forma as respostas adaptativas que integram todas cial, problemas associados à incoordenação motora
as sensações. A ênfase está em aumentar o pro- e pobre modulação sensorial que não podem ser
cessamento de informações sensoriais dentro do justificados por anormalidades ou danos no SNC [33].
sistema nervoso. A terapia tem melhores resultados A DIS pode apresentar-se através de dois gran-
quando a criança quer estímulos [27]. des campos, individual ou conjuntamente: pobre
modulação e pobre práxis. Práxis define-se pela
Integração Sensorial habilidade de executar tarefa motora incluindo a
ideação, o planejamento e a execução [34]. Para
A integração sensorial é um processo que ter uma dispraxia de integração sensorial é preciso
envolve organizar sensações do corpo e ambiente que haja déficits no processamento de uma ou mais
para o uso [4,28]. A integração sensorial começa modalidades sensoriais. Dispraxias podem incluir os
no útero ao passo que o cérebro do bebê sente os déficits da integração bilateral e sequenciamento:
movimentos do corpo da mãe. Para que este bebê como o próprio nome diz, os indivíduos com esta
se desenvolva, engatinhe e ande, uma quantidade condição tem dificuldades em usar os dois lados
enorme de integração sensorial deve acontecer no de seu corpo de maneira coordenada, e o sequen-
seu SNC, e tudo isso acontece no primeiro ano de ciamento refere-se à capacidade antecipatória de
vida [4]. planejar sequências de movimentos (como quando
O processo de integração sensorial acontece lhe é lançada uma bola e é preciso calcular distân-
em 5 estágios [28]: cia e velocidade desta bola para a interceptação
• Primeiro: Registro sensorial - é o reconhecimento adequada). Tem sua base no fraco processamento
da sensação; dos estímulos vestibulares, proprioceptivos e visuais
• Segundo: Orientação e atenção - é a atenção [33]. Outro caso é a somatodispraxia: indivíduos
seletiva específica ao estímulo; com somatodispraxia têm dificuldades em traduzir
• Terceiro: Interpretação - é o significado da sensa- a informação sensorial em tarefa motora. Ela pode
ção. Este componente é cognitivo uma vez que se manifestar em dificuldades na motricidade global,
interpretamos a sensação à luz da experiência fina ou oral ou na combinação entre elas. A maioria
e aprendizados anteriores, além de atribuirmos dos indivíduos têm dificuldades no processamento
caráter emocional às sensações; tátil e proprioceptivo [35].
• Quarto: Organização da resposta - organizada A habilidade de lidar e organizar reações às
cognitiva, afetiva e motoramente; sensações de maneira adequada e adaptativa é a
• Quinto: Execução da reposta - o último estágio da modulação sensorial. Este processo ocorre tanto a
integração sensorial e o único que pode ser dire- nível neurofisiológico quanto a nível comportamental
tamente observado. Isso trás fundamentos para (que será melhor ilustrado pelos perfis sensoriais)
se pensar nos comportamentos resultantes dos e é melhor explicado como sendo um limiar para o
processos de integração sensorial e nas bases input sensorial [36]. Dependendo de como o sistema
sensoriais da auto regulação. processa a informação, os indivíduos tendem a apre-
sentar hiporresponsividade ou hiperresponsividade
Disfunção de Integração Sensorial à sensação. Um indivíduo que é hiporresponsivo
apresenta falhas na reação aos estímulos. Suas
A DIS é um diagnóstico relativamente incomum respostas são pobres e lentas. Para esses indivíduos
fora do círculo dos Terapeutas Ocupacionais e o é preciso muito input sensorial para que um limiar
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders de excitabilidade seja atingido e gere uma resposta
(DSM-IV) não contempla esse tipo de diagnóstico comportamental. Indivíduos que são hiperresponsi-
[29]. Contudo, a DIS está relacionada com um gran- vos aos inputs sensoriais reagem rápida, forte e, em
de número de condições diagnósticas do DSM-IV. O geral, negativamente aos estímulos por terem baixo
grupo mais comum a coexistir com as disfunções de limiar de excitabilidade [37].
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 177
A combinação entre o limiar de excitabilidade rearranjos nos circuitos neurais relacionados às fun-
e a resposta comportamental a ele, nos fornece ções perceptivas, motoras e cognitivas da criança.
quatro tipos de perfis. No primeiro encontra-se um Fazer esta idéia funcionar com a criança disfuncional
alto limiar de excitabilidade e uma resposta passiva requer um terapeuta experiente e uma ampla sala
do indivíduo (ou hiporresponsividade), consequente- com muitos equipamentos simples, porém especiais.
mente um déficit no registro sensorial. No segundo, Quando o terapeuta está fazendo o seu trabalho
vemos também um alto limiar, contudo a resposta é eficientemente a criança está organizando o seu
ativa, ou seja, o indivíduo vai em busca de estímulo, sistema nervoso e parece simplesmente brincar [4].
criando possibilidades de maior input sensorial. No Existem algumas formas de intervenção em se
terceiro perfil, encontramos um baixo limiar e uma tratando de hiper e hiporresponsividade sensorial.
resposta passiva, o que acarreta na hiperesponsivi- Uma delas envolve fornecer tipos e qualidades dife-
dade ao estímulo. Já no quarto, há um baixo limiar de rentes de estímulos. Primeiro, identifica-se o tipo de
excitabilidade com resposta ativa, que é perceptível informação sensorial mais adequada àquele paciente
pelo indivíduo evitar o estímulo [38]. (seja ela tátil, vestibular, proprioceptiva, etc). Após
Para se formular um plano de tratamento indivi- a exposição a um ambiente e experiências ricas
dualizado para a disfunção de integração sensorial, naquela, ou naquelas, especialidades, recomenda-
é preciso identificar os padrões de modulação e se a variação da intensidade, duração, ritmo e fre-
entender se o indivíduo está se comportando de quência dos estímulos [41]. Outras características
acordo com, ou para compensar o seu limiar de são específicas da Terapia de Integração Sensorial,
excitabilidade. A alteração do comportamento pode tais como: participação ativa do indivíduo no trata-
expressar-se em 4 grandes áreas: Alerta, Atenção, mento, uma vez que acredita-se que o indivíduo vai
Afeto e Ação. O alerta refere-se à habilidade de em busca de sua auto-regulação; Atividade dirigida
manter e fazer transições entre os estados de sono ao paciente; Tratamento individualizado segundo
e desperto; atenção é a habilidade de focar em um a idade, transtorno, estágio do desenvolvimento e
determinado estímulo ou tarefa; afeto refere-se ao resposta do indivíduo; Atividades com propósito que
componente emocional do comportamento; e ação exigem respostas adaptativas; Estimulação senso-
é a habilidade de engajar-se em um comportamento rial como parte das atividades, dando-se ênfase à
que gere respostas adaptativas [39]. estímulos vestibulares e proprioceptivos; Melhoria
do processamento e organização neurológica por
Intervenção meio do desenvolvimento de habilidades; Tratamento
por um terapeuta ocupacional formado em técnicas
A Terapia Ocupacional foi originalmente aplicada específicas de integração sensorial. Apesar de terem-
a indivíduos com deficiências motoras e comporta- se alguns parâmetros baseados na neurociência de
mentais a fim de promover respostas adaptativas que como e quanto alguns tipos de sensação podem
melhorassem seu desempenho. Alguns terapeutas afetar o SNC, a maioria dos efeitos varia de acordo
modificaram essas técnicas e passaram a aplicá-las com o indivíduo. Atualmente sabe-se da efetividade
em crianças com problemas de integração sensorial. das associações de terapias com estímulos senso-
Tais procedimentos vêm sendo desenvolvidos desde riais em crianças portadoras de paralisia cerebral
1960 e vem ganhando cada vez mais conhecimento [42]. Sendo assim é essencial o monitoramento das
do público [4]. O olhar da terapia ocupacional sobre a respostas de cada paciente para que seja oferecida
criança deve considerar as bases teóricas que abor- a melhor intervenção terapêutica possível [5].
dam o processo do desenvolvimento e a relação da
criança com o mundo externo, buscando intermediar Materiais
e facilitar esse encontro e, quando necessário adap-
tar o ambiente para que este ocorra [40]. O terapeuta Os materiais utilizados na terapia são os mais
ocupacional ao utilizar-se da atividade do brincar, que diversos. Variam entre os que fornecem estímulos
é próprio da criança, tem como propósito conduzir à táteis, proprioceptivos, auditivos, olfatórios e ves-
aprendizagem através de experiências novas e pra- tibulares, mas é relevante destacar que a Terapia
zerosas, levando à curiosidade, espontaneidade e à de Integração Sensorial não se limita a estimulação
tomada de decisões [2]. O processo terapêutico pos- de uma única modalidade e sim interessa-se em
sibilita a integração das experiências. O fornecimento promover ambientes e atividades multissensoriais
de estímulos periféricos oferece a possibilidade de instigantes que gerem respostas adaptativas. Neste
178 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010
30. Kientz M, Dunn W. A comparison of the performance 37. Lane SJ, Miller LJ, Hanft BE. Towards a consensus
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180 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010
Atualização
Resumo
Este trabalho procura, através de revisão histórica e análise de conceitos e crenças
culturais e acadêmicas relacionados ao tema, compreender melhor os múltiplos signifi-
cados das técnicas de modificação corporal ao longo do tempo e na atualidade, além
de discutir a influência das dicotomias corpo natural/corpo construído ou de linguagem,
e do conceito de sujeito como uno e transcendente/dividido e fluido.
Abstract
The aim of this paper was, through historical review and analysis of cultural and academic
concepts and beliefs related to the theme, to understand the multiple signifiers attached
to techniques of body modification through time and nowadays, and also to discuss the
influence of the dichotomies natural/artificial body (or body of language), and the notion
of subject as whole and transcendent/fluid and divided.
Key-words: plastic surgery, body modification, body marks, identification, tattoo, piercing,
artificial body.
Correspondência: miriamgorender@
gmail.com
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 181
dos campos RSI (real, simbólico e imaginário) que Estranheza. Nestes casos a marca introduz um
modificam e pontuam amplamente seus efeitos. fator de estranheza ao próprio sujeito.
Faz grande diferença se, por exemplo, uma marca é • O próprio corpo como estranho.
tomada em seu valor simbólico, ou como suporte de • Marca como ponto de estranheza. Aqui uma
fantasia. Senão vejamos uma pequena lista: marca, acidental ou auto-infligida, atua como algo
estranho ao corpo, perturbando a imagem corporal
Identificação (por traço). Nestes casos a inten- do sujeito. Este tipo de efeito pode ser sentido
ção da modificação corporal ou marca é estabelecer como prazeroso ou como algo a ser eliminado.
um vínculo entre o corpo marcado e o objeto da • A marca como ponto de familiaridade (ancora-
identificação. gem). A tentativa de subjetivação pela utilização
• com um grupo: como marca de pertença a um da marca como suporte para construção de uma
grupo, indicação de status dentro deste grupo ou narrativa sobre o sujeito. Nossas marcas corpo-
rito de passagem de uma posição social para ou- rais contam algo de nossas histórias. A imposição
tra dentro deste grupo (a passagem à maioridade da marca como história do sujeito, como por
é um dos casos mais comuns). exemplo cicatrizes que nos lembram episódios
• apoio ou oposição a um ideal, que pode ser es- passados.
tético/cultural, racial, político. Como exemplo, • A marca como tentativa de união de externo e
Malysse [2] mostra como a prática do megahair do interno através da perfuração do corpo. Há
(apliques de cabelo natural) pode servir a uma conjecturas, por exemplo, de que práticas de per-
idealização com base racista, quando a intenção furação do corpo funcionem, entre outras coisas,
é tornar o cabelo mais “branco”, embora a prá- como tentativa de ligação do interior e exterior de
tica em si não seja racista. Outro exemplo é a um corpo sentido como estranho e dissociado.
tatuagem da suástica em membros de grupos de A técnica da suspensão por ganchos teve suas
neonazistas. Há também grupos nos quais parte origens há milhares de anos, em rituais religio-
da identificação de seus membros é feita através sos no Sul da Índia, principalmente na província
de marcas específicas, exibidas publicamente ou de Tamil Nadu. Os nativos eram amarrados em
ocultas conforme o caso. troncos de árvores suspensos por artefatos de
• como estigma de criminosos, marginais - algu- bambu espetados e metal ao corpo. A sensação
mas culturas, como a da França no século XVIII, de dor extrema os fazia acreditar que estavam
marcavam transgressores com ferro em brasa, mais próximos das divindades. Mais tarde, no
escarificações, no caso francês com a flor de lis, final do século 19, início do século 20, rituais
símbolo do rei da França. Outro exemplo é o dos dos índios americanos, principalmente do norte e
campos de concentração nazistas, que marcavam do oeste, passaram a ser divulgados por meio de
e identificavam seus prisioneiros com tatuagens fotografias e jornais locais. Utilizando espetos e
numéricas. O imaginário do código de barras, ganchos usados na pesca, os indígenas furavam a
que é cada vez mais frequente em tatuagens por pele, como forma de auto-conhecimento e controle
exemplo, ao mesmo tempo se apresenta como do corpo e das sensações.
marca identificatória e de dessubjetivação. No
campo oposto, há a cirurgia plástica como disfar- A morte e o tempo e sua tentativa de superação.
ce (mudança de fisionomia, com objetivos lícitos Esta é uma das motivações mais conhecidas para a
ou não). Não esquecer, ainda, os casos nos quais realização de cirurgias plásticas, como tentativa de
o inconsciente marca diretamente o real do corpo, rejuvenescimento e negação da passagem do tempo.
como nos portadores de stigmata, cujo exemplo
mais conhecido é o de São Francisco de Assis. O desejo e seu ponto de falta.
Nestes, as chagas de Cristo são reproduzidas, • A eliminação de uma característica que age como
geralmente de forma incompleta, por vezes com barreira ao desejo do outro. Paola Mieli chama
perda de sangue significativa. de punctum, o lugar no corpo sentido pelo sujeito
• Identificação com um outro, não necessáriamente como o ponto onde o olhar do Outro o embaraça,
um outro portador de um ideal estético, incluindo mas isto é na verdade um correspondente, com
o outro especular, como tornar-se parecido ou sinal negativo, ao ponto que atrai o desejo, como
portar uma marca semelhante a um ídolo. o brilho no nariz, glanz auf die Nase de Freud.
Este seria o ponto de partida para, por exemplo,
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 183
Atualização
Introdução
Em 1952, Jean Delay e Pierre Deniker demonstraram que a clorpro-
mazina era efetiva para o tratamento da esquizofrenia, descobrindo a
primeira medicação eficaz para o controle da doença. Esse fato propiciou
uma verdadeira revolução no tratamento da esquizofrenia, representando
o início da busca pela reabilitação social e funcional dos pacientes e o
fim da era dos grandes hospitais psiquiátricos [1].
A síntese dos vários antipsicóticos de primeira geração e o advento
dos antipsicóticos de segunda geração foram responsáveis pela mu-
dança de paradigma no tratamento da doença, cujo objetivo atual não é
mais somente controlar os sintomas positivos, mas também melhorar
os sintomas negativos e cognitivos para a recuperação funcional e
reinserção social do paciente [2].
Ao longo desse artigo faremos um resumo das atuais recomenda-
ções sobre o tratamento farmacológico da esquizofrenia.
Avaliação inicial
a ruptura e a ansiedade para o paciente e para a haloperidol já são suficientes, em alguns pacientes,
família [3]. para promover a ocupação em torno de 65% dos
receptores e gerar resposta clínica. Segundo os
Tratamento agudo pacientes, os sintomas extrapiramidais são os efei-
tos colaterais mais incômodos [7]. Dessa forma, a
O tratamento pode ser dividido em 2 fases com presença de sintomas extrapiramidais não está asso-
duração e objetivos diferentes: a aguda e a de ma- ciada a aumento da resposta, pior, reduz a qualidade
nutenção. A fase aguda dura de semanas a meses de vida dos pacientes e ainda diminui a adesão.
e é definida pela ocorrência de um episódio psicó- A escolha da medicação deverá, sempre que
tico agudo [4]. Nessa fase o objetivo é a remissão possível, ser uma decisão compartilhada pelo mé-
dos sintomas e manejo de situações de risco para dico e paciente, levando em conta os interesses do
o paciente. O conceito de remissão mais usado paciente e a experiência do médico [3]. Permitir que
atualmente é a manutenção de sintomas em um o paciente participe na tomada de decisões aumenta
nível considerado leve (pontuação 3 na PANSS) ou sua percepção sobre a autonomia do tratamento e
inferior em todos os sintomas nucleares da doença é uma forma de aumentar a adesão. Como já foi
por pelo menos 6 meses [5]. Na prática, o objetivo dito anteriormente, os ensaios clínicos não têm de-
é manter o paciente sem sintomas ou num nível que monstrado diferenças em termos de eficácia entre
não interfiram significativamente em sua rotina. os antipsicóticos de segunda geração ou entre estes
O passo inicial do tratamento envolve a escolha e os de primeira geração, à exceção da clozapina
da medicação e a primeira questão é se deve indicar para casos de pacientes refratários [9,11]. Assim, a
inicialmente, um antipsicótico de primeira geração escolha do antipsicótico se baseia no perfil de efeitos
(APG), também chamado de típico, ou um de segunda colaterais mais toleráveis e numa posologia e forma
geração (ASG), ou atípico. Há um consenso entre de administração mais confortáveis para o paciente.
diferentes algoritmos e diretrizes de que se deve A dose de início do tratamento pode variar a de-
dar preferência a um ASG [4]. Essa recomendação pender da situação. A titulação da dose, iniciando-se e
é especialmente válida para pacientes em primeiro aumentando-se de acordo com a resposta terapêutica
episódio psicótico, pois parecem ser mais sensíveis até atingir a dose mínima eficaz seria o esquema ideal
aos sintomas extrapiramidais, principal efeito cola- para se determinar a dose adequada ao paciente, mas
teral aos APG [6]. é pouco factível no contexto normal de tratamento. As-
É preciso enfatizar que essa recomendação sim, mais frequentemente costuma-se definir e atingir
fundamenta-se, principalmente, na questão da tolera- uma dose alvo, normalmente um valor intermediário
bilidade, importante preditor de adesão ao tratamento entre os extremos mínimo e máximo de dosagem para
[7]. Em relação à eficácia, embora os resultados sejam cada antipsicótico, e aguardar a resposta.
conflitantes, vários ensaios clínicos conduzidos recente- Na Tabela I apresentamos as dosagens usuais
mente não foram capazes de evidenciar a superioridade e posologia dos antipsicóticos de segunda geração
dos ASG [8,9]. Dessa forma, não havendo a possibilida- (ASG).
de de prescrição de um ASG de custo mais elevado, a
prescrição de um de APG está corretamente indicada, Tabela I - ASG e suas dosagens terapêuticas.
sendo importante reduzir-se o risco dos sintomas ex- ASG Dose usual Posologia
trapiramidais iniciando o tratamento com doses baixas Clozapina 300 a 600 mg/dia As doses devem ser
(dose-equivalente a 1-4 mg de haloperidol). - excepcionalmente divididas em duas a
A indução de sintomas extrapiramidais é uma até 900 mg/dia três vezes ao dia
situação especialmente importatante. Anteriormente Amissulprida 400 a 800 mg/dia duas vezes ao dia
se considerava que para haver resposta, havia a Risperidona 2 a 8 mg/dia uma ou duas vezes
necessidade de induzir sintomas extrapiramidais. ao dia
Estudos recentes demonstraram, no entanto, que Olanzapina 10 a 20 mg/dia uma ou duas vezes
a taxa de ocupação de receptores dopaminérgicos ao dia
para alcançar resposta ao tratamento gira em torno Ziprasidona 40 a 200 mg/dia duas vezes ao dia
de 65% e que ocupação de receptores acima de 80% Quetiapina 400 a 800 mg/dia duas vezes ao dia
não gera ganho adicional de resposta, associando-se Aripiprazol 15 a 30 mg/dia uma vez ao dia
apenas ao surgimento de sintomas extrapiramidais Paliperidona 6 a 12 mg/dia uma ou duas vezes
[10]. Sabemos atualmente que doses de 2 mg de ao dia
186 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010
Para pacientes em primeiro episódio psicótico, parecem predizer melhor a recuperação [13,14]. No
deve-se iniciar com doses mais baixas. Para pacien- entanto, os antipsicóticos têm ação limitada sobre
tes crônicos, deve-se avaliar o histórico anterior de essas dimensões da doença e as intervenções psi-
medicação, resposta e dosagem utilizadas, para es- cossociais têm se demonstrado mais promissoras
timar uma dose alvo, nesses casos, frequentemente na promoção da adaptação social dos pacientes
mais elevada. Embora os efeitos antipsicóticos já [15]. A presença de uma equipe multidisciplinar e a
possam ser observados em poucos dias em alguns possibilidade de intervenções focadas em melhorar
casos, preconiza-se um período de 4 a 6 semanas a sociabilidade, treino de habilidades e resolução de
para decidir sobre a resposta ao tratamento (IPAP). problemas são especialmente úteis aos pacientes
Esse prazo deve ser sempre reavaliado diante de nessa fase da doença. Intervenções psicoeducativas,
situações de risco definidas na avaliação inicial. focadas em esclarecer pacientes e familiares sobre
Por exemplo, a detecção de ideação suicida após a natureza da doença e o porquê do tratamento, são
a introdução da medicação deve ser acompanhada também uma forma simples de melhorar a qualida-
de uma reavaliação do contexto de tratamento e da de de vida dos pacientes e aumentar a adesão ao
medicação. tratamento [15,16].
nal, ainda piora a qualidade de vida e aumenta o risco Os principais elementos da síndrome metabólica
de não-adesão e, consequentemente, de recaídas induzida por drogas são: ganho de peso e adiposi-
psicóticas. Uma vez identificada, inicialmente deve dade central, que podem ser avaliados pela medida
ser considerada a possibilidade de reduzir a dose da circunferência da cintura ou pelo índice de massa
do antipsicótico em uso. Se isso não for possível, corporal (IMC). Essas medidas estão diretamente
deve-se trocar por outro antipsicótico com menor relacionadas à resistência à insulina, ao risco de
propensão à causá-la. diabetes e às dislipidemias.
O mecanismo de aumento de peso e as subse-
Síndrome metabólica quentes condições de síndrome metabólica causada
por antipsicóticos são um fenômeno multifatorial, que
A síndrome metabólica é um conjunto de fatores inclui efeitos sobre a estimulação do apetite, fatores
de risco de doenças cardiovasculares que incluem genéticos, estilo de vida sedentário e comprometi-
alterações metabólicas associadas à resistência à mento da regulação metabólica. Ao se comparar os
insulina e/ou hiperinsulinemia compensatória [23]. O efeitos metabólicos de diferentes antipsicóticos, as
diagnóstico é feito quando há 3 ou mais dos seguin- diferenças são causadas por afinidades diferenciais
tes critérios: a) aumento da circunferência abdominal pelos receptores 5-HT2c e H1. O maior ganho de peso
(> 40 para homens e >30 para mulheres); b) níveis observado com a clozapina e a olanzapina deve-se à
aumentados de triglicerídeos (> 150 mg/dl); c) HDL sua afinidade por esses receptores. Apesar de seu
baixo (< 40 mg/dL em homens e <50mg/dL em antagonismo 5-HT2c potente, a ziprasidona está
mulheres); d) níveis pressóricos elevados ( 130/85 associada a menos aumento de peso, talvez por
mm Hg); e) glicose de jejum 100 mg/dL [24]. O seu baixo antagonismo H1. O aripiprazol é similar à
diagnóstico de síndrome metabólica está associado ziprasidona, com um baixo perfil de ganho de peso.
a um risco 4 vezes maior de mortalidade por doença Os antipsicóticos atípicos parecem ter também
cardiovascular quando comparado a indivíduos sem uma ação direta na alteração da sensibilidade à
nenhum componente metabólico [25](Klaussen e insulina e/ou da secreção de insulina. Atuariam
cols., 2007). diretamente sobre o transportador de glicose, por
Segundo dados do CATIE [26], pacientes com alterações na via de sinalização de insulina.
esquizofrenia apresentam maior prevalência de Tanto as drogas neuroléticas típicas quanto
síndrome metabólica, afetando cerca de 51,6% das as atípicas afetam os níveis séricos de lipídios em
mulheres e 36% dos homens. Corroborando esses diferentes graus. A olanzapina e a clozapina demons-
dados, a incidência de cardiopatias é significati- traram risco mais elevado de desenvolver disfunção
vamente maior nos pacientes esquizofrênicos que metabólica. A ziprasidona parece ser metabolica-
desenvolvem síndrome metabólica [27]. Esta é uma mente neutra [9). De acordo com as Diretrizes de
das explicações para os pacientes com esquizofre- Consenso da ADA-AP )[28] e do consenso realizado
nia terem uma expectativa de vida 20% menor que no Brasil [29), o peso corporal deve ser reavaliado
a população em geral. De fato, mais de 67% dos nas semanas 4, 8 e 12 após o início ou a troca de
pacientes com esquizofrenia morrem de cardiopa- um antipsicótico e, a partir daí, a cada 3 meses.
tias coronarianas, contra aproximadamente 50% na Um aumento de peso de 5% ou mais em relação ao
população em geral.. peso inicial obriga a implementação de modificações
A obesidade e o diabetes, além de fazerem parte do estilo de vida, com adoção de dieta e prática de
da síndrome metabólica, são fatores independentes atividade física e/ou alternativas terapêuticas, dentre
de risco de morbidade e mortalidade por doença as quais podem-se incluir as estratégias de troca de
cardiovascular. Sua prevalência entre pacientes medicamentos.
com esquizofrenia é quase o dobro da observada Os níveis plasmáticos de glicose de jejum, o
na população geral. O ganho de peso e a obesidade perfil lipídico e a pressão arterial devem ser avaliados
aumentam o risco de comprometimento da saúde a cada 3 meses, no início da terapia antipsicótica e
física, estimulando a não adesão e reduzindo o bem- antes disso em indivíduos que estavam sob alto risco
estar subjetivo. em um momento basal. As disfunções detectadas
Os antipsicóticos típicos, principalmente as feno- em alguns desses parâmetros também podem levar
tiazinas de baixa potência, têm sido associados a um à necessidade de modificar o estilo de vida e/ou
aumento significativo de peso corporal, ao diabetes adotar estratégias de troca da medicação.
e ao aumento dos níveis plasmáticos de lipídios.
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 189
convulsões sugere-se reduzir a dose e/ou adicionar que isso decorre de nova crise. Os antipsicóticos de
ácido valpróico, o anticonvulsivante mais indicado depósito conferem em relação às preparações orais,
para uso em associação com clozapina. um melhor prognóstico global [39]. Em um estudo
Outro cuidado a ser tomado no uso da clozapina, prospectivo de 1 ano realizado nos Estados Unidos
diz respeito ao risco de interações medicamento- comparando olanzapina, quetiapina, risperidona, zi-
sas. De uma maneira simplificada, medicações que prasidona e aripiprazol orais, haloperidol decanoato
também apresentem risco de agranulocitose ou que e risperidona de longa duração, a risperidona de
sejam sedativas, devem ser evitadas. Incluem-se nes- longa duração esteve relacionada com menor taxa
sas categorias, a carbamazepina, alguns antibióticos, de recaída necessitando internação [40].
alguns imunossupressores e os benzodiazepínicos.
Conclusão
Falta de adesão e antipsicóticos de depósito
O objetivo inicial do tratamento farmacológico é
A falta de adesão é comum em pacientes em o controle dos sintomas psicóticos. Quanto maior o
uso de antipsicóticos. Weiden e Zygmunt [34] verifi- tempo sintomático, maior o prejuízo e pior a evolu-
caram que apenas 50% dos pacientes permanecem ção. Isso implica que as decisões quanto à troca e
parcialmente aderidos 1 ano após a alta hospitalar. aumento de medicação não devem ser postergados.
Em termos de dificuldade para alcançar a adesão Os estudos atuais mostram que os antipsicóticos
desejada, a esquizofrenia perde apenas para tra- sintomáticos, têm ação neurorreguladora. Por outro
tamentos de redução de peso [35]. Esses dados lado, as recaídas têm ação neurotôxica podendo
demonstram a importância do tema, pois a falha levar à cronificação da doença. A não-resposta ao
em seguir o tratamento proposto está diretamente tratamento deve ser acompanhada de uma avaliação
relacionada às exacerbações e internações e a uma crítica das possíveis causas. A não-adesão deve
pior evolução [36]. ser considerada e investigada ativamente. Uma vez
O manejo de uma situação de não-adesão identificada a refratariedade, há uma indicação para
envolve, inicialmente, identificar quais os fatores a introdução de clozapina. Esses princípios básicos
envolvidos: a relação médico, paciente e família, tole- fundamentam a boa prática do manejo farmacológico
rabilidade da medicação para cada indivíduo, prejuízo da esquizofrenia.
cognitivo dificultando seguir esquema terapêutico Embora o controle sintomático seja essencial, não
proposto. A seguir,diferentes estratégias devem ser é o objetivo final do tratamento. A melhoria da qualidade
traçadas de acordo com o problema identificado. de vida deve ser uma condição necessária a ser alcan-
Várias intervenções psicoeducativas e psicossociais çada pelo tratamento. Dessa forma, deve-se considerar
foram testadas, com resultados mais consistentes que o tratamento da esquizofrenia não se resume aos
para abordagens envolvendo a família e modificações aspectos medicamentosos discutidos no presente tex-
ambientais [16,37,38]. to, mas se iniciam com eles e se ampliam na busca da
Com respeito ao tratamento farmacológico, reinserção social e ocupacional dos pacientes.
algumas estratégias e recomendações foram apon-
tadas como forma de melhorar a adesão: regimes de Referências
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192 Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010
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São Paulo: Casa Editorial Lemos; 2007. ao tratamento. São Paulo: Casa Editorial Lemos; 2007.
Auto avaliação
1. São situações que, segundo o algoritmo do IPAP, b) os sintomas extrapiramidais são os efeitos cola-
determinam o manejo e a escolha da medicação, terais menos incômodos
exceto: c) a presença de sintomas extrapiramidais está
a) catatonia associada ao aumento da resposta
b) ausência de risco de suicídio d) a presença de sintomas extrapiramidais relaciona-
c) sintomas maníaco-depressivos se com o aumento da adesão
d) efeitos colaterais a neurolépticos
5. Sobre a escolha da medicação é incorreto afirmar que:
2. São itens que estão entre os mais importantes a) deve ser uma decisão compartilhada por médico
na escolha do tratamento em internação hospitalar e paciente
ou em regime ambulatorial: b) permitir que o paciente participe da tomada de
a) grau de agitação e agressividade decisões diminui sua percepção sobre a autono-
b) risco de suicídio mia do tratamento e é uma forma de aumentar a
c) compreensão do paciente acerca da sua condição adesão
d) todas as opções anteriores c) ensaios clínicos não têm demonstrado diferenças
de eficácia entre antipsicóticos de segunda gera-
3. Sobre o tratamento agudo é correto afirmar, ex- ção ou entre estes e os de primeira geração
ceto: d) a escolha do antipsicótico é baseada no perfil
a) o tratamento pode ser dividido em fase aguda e de efeitos colaterais mais toleráveis, além de
fase de manutenção, com duração e objetivos posologia e forma de administração confortáveis
diferentes para o paciente
b) o conceito de remissão mais usado atualmente
é a manutenção de sintomas em um nível consi- 6. São esquemas adequados para titulação da medi-
derado leve cação, exceto:
c) na prática, o objetivo é manter o paciente com a) definir e atingir uma dose alvo, normalmente um
sintomas que afetem significativamente sua rotina valor intermediário entre os extremos mínimo e
d) há um consenso sobre a prescrição de ASG para máximo de dosagem para cada antipsicótico, e
o tratamento inicial aguardar a resposta
b) doses mais baixas são adequadas para pacientes
4. Sobre a indução de sintomas extrapiramidais é em primeiro episódio psicótico
correto afirmar que: c) em pacientes crônicos, devem ser avaliadas
a) doses de 2 mg de haloperidol já são suficientes, medicação anterior, resposta e dosagem para
em alguns pacientes, para promover a ocupação estimar dose alvo, frequentemente mais elevada
em torno de 65% dos receptores e gerar resposta d) preconiza-se um período de uma a duas semanas
clínica para decidir sobre a resposta ao tratamento (IPAP)
Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010 193
Respostas: 1. B; 2. D; 3. C; 4. A; 5. B; 6. D; 7. D; 8. A; 9. C e 10. D.
Instruções aos autores
Eventos
2011
Março 15 a 18 de junho
18 a 20 de março 7º Congresso Brasileiro de Cérebro, Comportamento e
III Simpósio Internacional de Neurotraumatologia Emoções
Minas Centro, Belo Horizonte, MG Gramado, RS
Informações: www.neurotrauma2011.com.br/ Informações: www.cbcce.com.br/
Abril Julho
6 a 9 de abril 14 a 19 de julho
VIII Congresso Brasileiro de Terapias Cognitivas 8th IBRO World Congress
Florianópolis, SC Florence, Italy
Informações: www.cbtc2011.com.br/ Informações: www.sfn.org
6 a 10 de abril Setembro
Neurobiological Basis of Drug Addiction 14 a 17 de setembro
Uspallata, Mendoza, Argentina 14th Interim Meeting WFNS 15th Brazilian Society Neu-
Informações: www.neurotoxicitysociety.org/index. rosurgery Congress of Continuous Education
php?section=28 Porto de Galinhas, PE
Maio Informações: www.wfnsinterimmeeting2011.com.br
24 a 27 de maio Outubro
10ème colloque de la Société des Neurociences 26 a 29 de outubro
Marseille, França XLI Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia
Informações: www.neurosciences.asso.fr/V2/colloques/ Hangar Centro de Convenções da Amazônia, Belém PA
SN11 Informações: www.sbponline.org.br
Junho Novembro
10 a 13 de junho 2 a 5 de novembro
Simpósio Internacional de Morte Celular – International XXIX Congresso Brasileiro de Psiquiatria
Cell Death Symposium 2011 Rio de Janeiro
EcoResort Cheiro de Mato, Mairiporã, São Paulo Informações: www.cbpabp.org.br
Informações: www.unifesp.br/dfarma/cell-symposio/cell-
symp_2011.htm
neurociências
psicologia
Sumário
Volume 6 número 4 - outubro/dezembro de 2010
EDITORIAL
Notícias diárias do cérebro, Jean-Louis Peytavin ............................................................................ 199
OPINIÃO
A união faz a força, Bruno Duarte Gomes ...................................................................................... 200
PERSPECTIVA
Adesão ao tratamento em esquizofrenia: uma estratégia essencial, Itiro Shirakawa ........................ 203
Marcadores biológicos no transtorno bipolar: dano neuronal progressivo,
Marcia Kauer-Sant’Anna................................................................................................................ 210
O NICE Clinical Guideline e o tratamento da dor neuropática, Patrick RNAG Stump .......................... 216
ARTIGOS ORIGINAIS
Depressão em enfoque evolucionário: análise bioinformática,
Álvaro Machado Dias, Rogério Leite Silva ....................................................................................... 219
Efeitos agudos da mobilização passiva cíclica sobre a espasticidade
na paraplegia por traumatismo raquimedular, Antonio Vinicius Soares,
Marcos Antônio dos Anjos, Aline Michelle Busatto,
Angélica Aparecida Alves Bloemer, Mariana Rocha Furtado,
Michelle Bertani Machado, Nilceia Marcelino, Sheron Ritiane Borges ............................................... 227
REVISÃO
Progressive muscular dystrophies and involvement of central nervous system,
Gisiane de Bareta de Mathia, Franciani Rodrigues, Beatriz Naspolini Silvestri,
Gaspar Rogério da Silva Chiappa, Lisiane Tuon............................................................................... 232
neurociências
psicologia ISSN 1807-1058
Conselho editorial
Álvaro Machado Dias, UNIFESP (Psicologia experimental)
Aniela Improta França, UFRJ (Neurolingüística)
Carlos Alexandre Netto, UFRGS (Farmacologia)
Cecília Hedin-Pereira, UFRJ (Desenvolvimento)
Daniela Uziel, UFRJ (Desenvolvimento)
Dora Fix Ventura, USP (Neuropsicologia)
Eliane Volchan, UFRJ (Cognição)
João Santos Pereira, UERJ (Neurologia)
Koichi Sameshima, USP (Neurociência computacional)
Leonor Scliar-Cabral, UFSC (Lingüística)
Lucia Marques Vianna, UniRio (Nutrição)
Marcelo Fernandes Costa, USP (Psicologia Experimental)
Marco Antônio Guimarães da Silva, UFRRJ/UCB (Fisioterapia e Reabilitação)
Marco Callegaro, Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (Psicoterapia)
Marco Antônio Prado, UFMG (Neuroquímica)
Rafael Linden, UFRJ (Neurogenética)
Rubem C. Araujo Guedes, UFPE (Neurofisiologia)
Stevens Kastrup Rehen, UFRJ (Neurobiologia Celular)
Vera Lemgruber, Santa Casa do Rio de Janeiro (Neuropsiquiatria)
Wilson Savino, FIOCRUZ (Neuroimunologia)
Atlântica Editora
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Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 199
Editorial
O que há de novo no reino do cérebro? Basta Fora desses resultados contraditórios que
abrir os principais jornais e magazines, ligar a tele- engendram mais perguntas do que respostas, pes-
visão, para conferir, todos os dias, inúmeras infor- quisadores procuram saber como o meio ambiente
mações sobre o mundo ainda pouco conhecido de influencia o próprio cérebro e os mecanismos de
nossas redes neurais. memorização. Internet, por exemplo, altera os pro-
No mesmo dia, estamos informados por uma cedimentos antigos da atenção, aprendizagem e
importante fonte de notícias online, que as torradas concentração, o que pode prejudicar o desempenho
são excelentes para a memória, baseando-se na intelectual, segundo a tese defendida por Nicholas
idéia que a glicose é indispensável para o bom fun- Carr [4], opondo-se à opinião geral sobre o papel
cionamento do cérebro, o que é longe de ser uma positivo da informação online.
informação nova... e, o que é mais estranho, que os As neurociências estão saindo pouco a pouco
escores de memória melhoram quando lemos textos do meio acadêmico e apresentam a cada dia infor-
com fontes incomuns ou feias [1]. Também o treina- mações novas, contraditórias, paradoxais, lembrando
mento da memória seria facilitado por uma hora de as discussões e polêmicas, que, há poucas décadas,
navegação ativa na internet, na hora do almoço, o eram reservadas à psicologia e seus diferentes
que deve ser temperado pelo fato que as distrações, correntes.
quer dizer as interferências de informações, são
mais difíceis controlar com a idade: há o risco de Referências
esquecer a tarefa inicial no decorrer da navegação,
o que seria um distúrbio comum não da memória, 1. Diemand-Yauman C, Oppenheimer DM, Vaugham EB.
Fortune favors the bold (and the italicized): effects
mas da atenção [2].
of disfluency on educational outcomes. Cognition
Do outro lado, o álcool favorece o esquecimento, 2011;118(1):111-5.
mas não em todos os casos: um estudo recente mos- 2. Clapp WC, Rubens MT, Sabharwal J, Gazzaley A. De-
tra, ao contrário, que o consumo de álcool aumente a ficit in switching between functional brain networks
memória dos eventos ligados à secreção de dopami- underlies the impact of multitasking on working me-
mory in older adults. PNAS 2011;108(17):7212-7.
na, que são justamente os eventos de prazer como 3. Bernier BE, Whitaker LR, Morikawa H. Previous Etha-
ir para o restaurante ou encontrar amigos (eventos nol Experience Enhances Synaptic Plasticity of NMDA
geralmente ligados ao consumo de álcool). De fato, Receptors in the Ventral Tegmental Area. The Journal
a dopamina liberada pelo consumo de álcool seria of Neuroscience 2011;31(14):5205-12.
4. Carr N. The shallows: what the internet is doing to our
mais um neurotransmissor de aprendizagem do que brains. Norton; 2010.
de prazer [3].
200 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010
Opinião
tudar as respostas de grandes grupos de neurônios que se cada neurônio puder ser monitorado quanto
ao invés de um ou poucos neurônios está no fato a sua resposta para um estímulo específico, então
de que a resposta neuronal individual não pode ser a informação de atividade de todos os neurônios
usada para predizer estimulações sensoriais e com- pode levar a uma previsão do estímulo a partir das
portamento. Além do que, os registros unitários pre- respostas de todos os neurônios.
cisam ser promediados no tempo para incrementar Os autores constroem procedimentos mate-
a razão sinal-ruído e isso mascara o processamento máticos baseados em probabilidades envolvendo o
do neurônio em tempo real ao da estimulação. Um Teorema de Bayes e a Teoria de Informação de Shan-
neurônio no córtex visual, por exemplo, nada pode non para relacionar as probabilidades condicionais
informar se uma maçã ou uma laranja está sendo de ocorrência do estímulo dada à resposta P(s|r), e
vista. Nesse caso, uma decodificação da estimulação de ocorrência da resposta dado o estímulo P(r|s). O
não é possível. Os autores explicam que por decodi- teorema de Bayes é na verdade apenas um dentre
ficação, entenda-se a predição de um dado estímulo várias possibilidades de decodificação mas parece
ou comportamento a partir de um padrão específico ser, segundo os autores, um dos mais eficientes.
de resposta neuronal. Em outra frente, a teoria da Esse procedimento usa uma equação muito simples:
informação age indicando o quanto de informação
P(r| s).P(s)
acerca de um estímulo transporta os neurônios de P(s|r) =
P(r)
, onde P(r) = ∑ P(r | s).P(s)
s
uma dada região. Esses métodos são abordagens
que se complementam e atingem resultados impres- Deste modo as probabilidades de ocorrência do
sionantes. Eles conseguem até detalhar como cada estímulo P(s) e da resposta P(r), podem ser relacio-
membro da população neuronal contribui para a re- nadas às probabilidades condicionais P(s|r) e P(r|s).
presentação do estímulo. Antes da aplicação dessas Os dados são colocados em um gráfico chamado de
duas abordagens, os passos são a aquisição dos “matriz de confusão”, onde a quantidade de estímu-
registros corticais através de eletrodos em filamen- los apresentados que puderam ser preditos dada a
tos e uso de algoritmos que identificam os disparos resposta neuronal, pode ser quantificada.
neuronais e os classificam. Em toda análise, dois A incerteza sobre qual estímulo é apresentado
parâmetros são combinados para se tirar conclusões ou a quantidade média de informação obtida com
a respeito de uma correspondência entre padrão cada estímulo apresentado é dada pela relação de
de atividade neuronal e estimulação específica: os Shannon abaixo, que corresponde à entropia na
disparos neuronais e os potenciais de campo locais. distribuição de probabilidades de apresentação do
Sem entrar em detalhes, o primeiro relaciona-se a estímulo. Ou seja, a incerteza sobre que estímulo
informações que saem dos neurônios, e o segundo foi apresentado:
as informações que chegam aos neurônios.
Tomemos como exemplo centenas de eletrodos
H(s) = î ∑ P(s)log P(s)
s 2
inseridos no córtex visual de um macaco tricromata Pulando alguns passos detalhados no manus-
e vamos considerar as características dos disparos crito, através da relação definida acima, se chega à
neuronais quando o animal visualiza a imagem de relação da informação mútua que é dada por:
uma maçã em um monitor. No exato momento em
que a maçã é mostrada ao animal por alguns mi- I(S,R) = ∑ P(s,r)log
s, r
2
P(s, r)
P(s).P(r)
lissegundos, cada neurônio sendo registrado pode
responder mudando o padrão de disparo de três Onde a quantidade fundamental é P(s,r), a pro-
maneiras: 1) Ocorre um aumento na taxa de disparo. babilidade conjunta de ocorrência de uma resposta R
Ou seja, um aumento na frequência; 2) Subconjuntos = r juntamente com um estímulo S = s. Todas essas
de neurônios disparam de modo sincronizado; 3) probabilidades são calculadas empiricamente para
Ocorre uma mudança no padrão temporal de disparo. cada neurônio e é muito importante que as mesmas
Essa mudança não corresponde a uma alteração na sejam estimadas em uma única apresentação do
frequência, mas na localização do disparo no domínio estímulo e só depois sejam computadas todas as
do tempo. É como ter um disparo a cada 250 milis- apresentações, já que os sistema nervoso precisa
segundos antes da estimulação, o que daria uma tirar conclusões sobre que imagem está sendo exi-
frequência de 4 Hz, e após a estimulação o primeiro bida por exemplo, em apenas alguns milissegundos.
disparo ocorre após 500 milissegundos e depois A primeira vista, pode parecer que tanto o deco-
passa a ocorrer a cada 125 milissegundos. O fato é dificador quanto a extrator de informação são muito
202 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010
semelhantes já que inclusive no caso de uma análise estudos de populações neuronais na LTM, havia a
Bayesiana, eles são baseados nas mesmas relações suspeita de que essa região continha neurônios
probabilísticas tendo por base a probabilidade con- que respondem mais vigorosamente a imagens de
dicional P(r|s). No entanto, essas duas abordagens objetos e pessoas específicas, sendo importante
guardam diferenças importantes e ao contrário do na identificação precisa dos mesmos [5]. Em outro
manuscrito em questão, que integraliza os resultados trabalho de Quiroga et al. [6], foi usado um algoritmo
de ambas as abordagens, as mesmas foram histori- de decodificação que conseguiu predizer a apre-
camente usadas de modo independente em outros sentação de 32 imagens, baseado na atividade de
estudos de respostas de populações neuronais [3,4]. apenas 19 neurônios registrados simultaneamente.
A diferença pode ser notada quando se analisa O interessante é que foi possível prever que pessoa
que, mesmo quando se tem um decodificador dito ou objeto era mostrado em cada apresentação [6].
ótimo, a quantidade de informação extraída pode Adicionalmente, não foi possível fazer previsões quan-
ser menor do que do que a informação disponível na do diferentes imagens da mesma pessoa ou objeto
resposta neuronal. Isso porque a teoria da informação eram mostradas. Esse parece ser um resultado típico
quantifica o “conhecimento” total sobre o estímulo de estudos de neuroimagem, mas foi conseguido com
apresentado que é obtido com uma única apresen- a ótima resolução temporal e atividade em tempo real
tação do estímulo. A distinção torna-se mais clara que só a abordagem eletrofisiológica pode conseguir.
quando se observa que os neurônios podem fornecer Os autores finalizam o manuscrito chamando a
informação por outras maneiras do que apenas indi- atenção que o campo é bastante promissor e que
car qual o estímulo mais provável que deflagrou sua as predições tornam-se cada vez melhores à medida
atividade. Informação também pode ser fornecida que os procedimentos matemáticos são mais incre-
sobre estímulos improváveis e a inespecificidade da mentados e sistemas de computação mais robustos.
informação fica aparente quando se confronta seus Esses resultados mostram que definitivamente, o
resultados com os do decodificador. Típicos procedi- entendimento de tarefas complexas não pode ser
mentos que são fonte de perda de informação são conseguido com exatidão a partir de ambiguidades
contar o número total de disparos de potenciais de que podem surgir do registro unitário. As técnicas
ação em um dado intervalo de tempo ou não conside- de decodificação e teoria da informação mostram de
rar a fase (seu deslocamento no tempo) de um dado modo muito elegante que a união faz a força entre
conjunto de disparos. Como citado no início desse os neurônios para combinar vários sinais e destes
texto, as frequências de disparo podem permanecer extrair um código específico para cada tarefa. Essa já
inalteradas, mas o padrão temporal pode mudar muito. era uma suposição bastante razoável na neurociên-
Como todo método tem suas limitações, a mar- cia e pode não parecer uma conclusão nova, mas a
gem de erro de todo o processo envolvendo a decodi- possibilidade de entender esse código e usá-lo para
ficação e aplicação da teoria da informação pode ser fazer previsões sobre estimulação e comportamento
grande se suposições erradas forem feitas sobre os é novíssima e avança rápido.
dados de registro. Não se pode, por exemplo, excluir
um dado estímulo como maçã em detrimento de pêra Referências
de imediato sem levar em consideração que pode
existir uma superposição das curvas de respostas 1. Koch C. A lighthouse for neural modeling. Nature
Neurosci 2002;5:195.
ótimas para cada um desses estímulos visuais.
2. Quian Quiroga R. Extracting information from neuro-
Quanto mais variáveis se coloca, mais difícil será nal: information theory and decoding approaches.
tirar conclusões a respeito de uma exclusividade do Nature Rev Neurosci 2009;10:173-85.
código neural para um dado estímulo. Com isso, o 3. Abbott LF. Decoding neuronal firing and modeling
decodificador não considera toda as possibilidades neural networks. Q Rev Biophys 1994;27:291-331.
4. Pouget A, Dayan P, Zemel R. Information processing
de informação transmitida apesar do desempenho with population codes. Nature Rev Neurosci 2000;
do decodificador ser avaliada exaustivamente antes 1: 125-32.
de cada experimento. 5. Quian Quiroga R, Reddy L, Kreiman G, Koch, C, Fried
Com todas as limitações, boas aproximações I. Invariant visual representation by single neurons in
the human brain. Nature 2005;435:1102-7.
foram feitas e os autores oferecem uma coleção de 6. Quian Quiroga R, Reddy L, Koch C, Fried I. Decoding
exemplos de vários estudos. Vou citar um resultado visual inputs from multiple neurons in the human
muito interessante com atividade de neurônios do temporal lobe. J Neurophysiol 2007;98:1997-2007.
lobo temporal medial em humanos (LTM). Antes dos
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 203
Perspectiva
Introdução
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), “adesão é a
extensão na qual o comportamento do indivíduo (em termos de ingerir
medicações, seguir ou executar mudanças no estilo de vida) coincide
com o aconselhamento médico ou de saúde” [1].
Apesar deste conceito ser aparentemente simples, a adesão ao
tratamento envolve vários aspectos que merecem consideração.
A primeira dificuldade reside na própria terminologia, em português,
pela qual os autores utilizam o termo “adesão” ou “aderência” de
acordo com suas predileções. Bressan [2], referindo que “adesão é o
ato, processo ou efeito de aderir e aderência é a ação ou efeito de se
manter aderido”, sugere que “adesão ao tratamento se refira à aceita-
ção e ao estabelecimento do tratamento e aderência ao tratamento, à
manutenção do tratamento que já foi estabelecido”.
As dificuldades da adesão e/ou aderência ao tratamento estão
presentes em todas as especialidades médicas. É muito comum o pa-
ciente não tomar a medicação conforme instituída, agravando doenças
agudas como em quadros infecciosos. As dificuldades aumentam ainda
mais em casos de tratamento contínuo, como em diabetes melittus
(DM), hipertensão, alteração da tireoide, enfim, nas doenças funcionais.
Os conhecimentos atuais sobre a esquizofrenia mostram tratar-se
de um transtorno crônico que necessita de manutenção medicamento-
sa por tempo indeterminado, em geral pela vida toda. Como ninguém
gosta de tomar medicação por longo prazo, a questão da adesão ao
tratamento em esquizofrenia é crucial para o êxito desse tratamento.
Soar Filho [5]: empatia, continência, capacidade de Ministério Público (MP), com uma previsão do tempo
escutar e curiosidade, humildade, respeito pelas di- de internação. O tratamento com antipsicóticos do
ferenças e capacidade de comunicação, qualidades episódio agudo costuma ser eficaz e controlar o surto
imprescindíveis para o bom exercício da medicina. entre 15 e 30 dias. A internação deve ser manejada
Fica claro que, para uma boa relação médico/pacien- pelo profissional como uma oportunidade de criar um
te, é de se esperar que o médico não tenha o este- bom vínculo com o paciente. Ele deve ter a paciência
reótipo do doutor autoritário, sabe-tudo, narcisista, de explicar ao paciente as razões da internação, que
que prescrevia com letras ininteligíveis e que se irrita compreende o quão incômodo são as vozes e que
diante de qualquer dúvida do paciente. o tratamento farmacológico é imprescindível para
acabar com elas e com as perseguições. Assim que
Tabela I - Fatores ligados à não-adesão. os sintomas positivos estiverem controlados, deve-se
Médico Ambiente Paciente Tratamento negociar a alta, com a promessa da tomada da me-
Má relação Suporte Falta de Efeitos dicação fora do hospital. Nesses 40 anos de prática
médico/pacien- social insight adversos clínica, nenhum paciente internado involuntariamente
te ameaçou-me de qualquer processo após a interna-
Falha na aliança Suporte Desconfiança Posologia ção. Ao contrário, há um primeiro entendimento da
terapêutica financeiro doença, pois graças à medicação as vozes e as
Falha ao expli- Suporte Prejuízo Custo do perseguições diminuem ou cessam.
car a posologia familiar cognitivo tratamento A parte difícil do manejo clínico da adesão inicia-
Idade Uso con- se após a alta hospitalar. A primeira dificuldade
tínuo refere- se ao entendimento da doença pelo paciente
Comorbidade Polifarmácia e pela família. Para os pais, é muito difícil entender
Gênero porque o(a) filho(a) que teve infância e adolescência
Religião normais subitamente, ao final do ensino médio ou
Attux [2] adaptado de Fleischhacker et al. [3]. nos primeiros anos da universidade, apresenta uma
mudança tão brutal do comportamento.
Dentro dessa relação, a adesão ao tratamento O avanço das pesquisas apontando as causas
deve ser trabalhada desde o primeiro episódio. A biológicas da esquizofrenia vem contribuindo para
esquizofrenia, em seu quadro inicial, é difícil de uma melhor compreensão do transtorno e a diminui-
ser entendida pelo paciente e pela sua família. Os ção do estigma a ele relacionado. Mostrar artigos so-
pais não conseguem entender porque o filho que bre a tomografia por emissão de pósitrons (PET scan)
vinha estudando regularmente ou iniciando vida e que tratam do assunto; esclarecer sobre como os
profissional apresenta uma ruptura evidente em medicamentos atuam nas alterações neuroquímicas
seu comportamento. Para o paciente, ocorre uma do cérebro ajudam tanto o paciente quanto seus pais
transformação em seu mundo. “Há algo de novo no a aceitarem a doença.
ar” [6]. Os vizinhos, ao lhe darem bom-dia, “sorriram Mas nem sempre é fácil. Um pai médico-cirurgião
maliciosamente, insinuando que ele é homossexu- famoso em cidade do interior, com uma grande clíni-
al”. O carteiro virou-se para ele e disse “aqui está ca, esperava que o seu primogênito, recém-ingressa-
a correspondência”, insinuando que todos já estão do na faculdade de medicina, viesse sucedê-lo nas
comunicando as suas novas tendências sexuais. suas atividades. Seu filho tinha um físico invejável
Surgem vozes que o acusam, falam dele na terceira e era excelente esportista. Intelectualmente bem
pessoa. Ele vai se isolando, retraindo-se na tentativa dotado, entrara na faculdade sem problemas. Não
de que as insinuações diminuam. Mesmo trancado no era possível ter uma doença “incurável”, de difícil
quarto, as vozes e as insinuações continuam. Sente entendimento para um cirurgião. Foram necessárias
que nem a sua família o protege. Num momento várias entrevistas durante os 20 dias de internação
de desespero, quebra coisas, agride seus próprios para que o cirurgião começasse a entender a doença
familiares etc. psiquiátrica do filho.
É apenas nesse momento que a família se dá Se é difícil para a família entender a doença,
conta da necessidade de procurar ajuda. Na crise essa dificuldade dobra com relação ao indivíduo
aguda, em geral, os pacientes necessitam ser in- que é acometido por ela. A busca da adesão ao
ternados. Essas internações costumam ser involun- tratamento inicia-se pelos esclarecimentos do que
tárias, havendo a necessidade da comunicação ao está acontecendo com o indivíduo. Procuro não dar
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 205
nenhum diagnóstico de chofre. Começo esclarecendo cológico. O conhecimento das evidências genético-
que é uma “psicose”, um estado em que o indivíduo biológicas do transtorno diminue a culpa dos pais
pode começar a ouvir vozes e sentir-se perseguido “por ter falhado na educação do filho”, incentiva o
e entrar em conflito com a realidade. Não é normal portador a entender o transtorno e que ele não é um
ouvir vozes. vagabundo, uma pessoa que não quer fazer nada.
Explico que, em consequência do transtorno, Explicar um transtorno funcional, não-lesional ou
ocorre uma espécie de curto-circuito entre o próprio infeccioso não é fácil. Digo que as únicas doenças
pensamento e a área que distingue as vozes. É como curáveis em medicina são as doenças infecciosas
se ele passasse a ouvir o próprio pensamento e, curáveis, pois existem uma série delas incuráveis. As
como está se sentido perseguido, essas vozes se doenças funcionais são controláveis. O objetivo da
tornam ameaçadoras e o acusam de algo que não fez. medicina é controlar a doença e possibilitar ao indi-
Explico que esses sintomas sempre foram relaciona- víduo conviver com a doença e ter uma qualidade de
dos com esoterismo, com a ideia de que a pessoa vida melhor. Comparar a esquizofrenia com doenças
não se esforça, é preguiçosa ou vítima de um espírito crônicas como DM, hipotireoidismo, hipercolesterole-
ou de “um trabalho” contra ela, mas a psiquiatria mia etc., que exigem tratamento contínuo, por tempo
passou a contar com o diagnóstico por imagem para indeterminado, faz parte da prática de todo psiquiatra
comprovar as alterações neuroquímicas que ocorrem que acompanha pacientes com esquizofrenia.
no cérebro. Essas alterações são funcionais e não Apesar de todos os esclarecimentos, o portador
estruturais, anatômicas. É por isso que tanto a to- de esquizofrenia muitas vezes abandona o tratamen-
mografia computadorizada (TC) quanto a ressonância to farmacológico. É muito difícil aceitar e entender um
magnética (RM) podem ser muitas vezes normais em transtorno mental, uma vez que em surto o sujeito
psiquiatria. É um esclarecimento importante porque faz o que o pensamento lhe determina. Ele não tem
tanto o indivíduo quanto a família não conseguem um afastamento, um olhar de fora que lhe permita
entender a existência de uma doença quando a TC verificar que seu comportamento está inadequado,
e a RM estão normais. Dou detalhes gerais do PET muitas vezes absurdo. Tomar a medicação todos os
scan e de como os diversos medicamentos atuam dias, quando não está mais apresentando algum
no cérebro, promovendo neuroimagens diferentes. sintoma, como ouvir vozes, representa a manutenção
Mostro o trabalho de Andreasen [7], que de- do estigma de que é doente. Ele tem “a certeza de
monstra o comprometimento no circuito córticotála- que está curado”, que vai se esforçar e que não vai
mo- cerebelo-cortical (CTCC), isto é, uma falta de mais ter recaída. É comum, então, que se consiga a
integração de uma extensa área no cérebro, com- adesão ao tratamento só após a terceira ou a quarta
provando a intuição de Bleuler (1911) quando deno- recaída, com a experiência das reagudizações sem
minou a doença de “esquizofrenia” (mente dividida). a medicação. Novos esclarecimentos: a medicação
Em função dessa falta de integração neuroquímica em esquizofrenia é diferente de um remédio para dor
promovida pelos neurotransmissores, cada parte do ou febre. Em um tratamento contínuo não se sente a
cérebro passa a funcionar por si, de forma dividida, ação aguda do remédio, que atua evitando as recaí-
como uma orquestra sem maestro. Por esse motivo das. As recaídas ocorrem só após um a dois meses
a doença compromete várias atividades do indivíduo: da suspensão da medicação porque o seu efeito é
desorganiza o pensamento (“o indivíduo não fala neurorregulador. O efeito desregulador não ocorre
coisa com coisa”) e afeta a percepção (alucinações imediatamente após a suspensão, vai acontecendo
auditivas etc.), a motricidade, a vontade (tendência aos poucos, ao longo do tempo. É necessário, enfim,
ao retraimento e ao isolamento), o pragmatismo trabalhar constantemente a aliança terapêutica para
(comprometimento cognitivo, de entender as situ- minimizar as recaídas e evitar um comprometimento
ações, e executivo, de executar um planejamento maior da doença.
de acordo com o entendimento). Afeta, ainda, as
emoções e os sentimentos (afetividade bizarra, ina- Fatores ligados ao ambiente
dequada, ambivalente) e o timing (tem dificuldade
para estar no lugar certo na hora certa). Os suportes familiar, financeiro e social são
Os trabalhos sobre adesão não evidenciam par- importantes para a adesão ao tratamento.
ticularmente que alguma técnica seja mais relevante, O transtorno mental, em particular a esquizofre-
mas a prática clínica mostra que a conscientização nia, acarreta situações estressantes para o indivíduo
do transtorno ajuda na adesão ao tratamento farma- e seus familiares. Não é fácil conviver com uma
206 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010
pessoa com esquizofrenia em surto e fora do surto. a religiosidade de seus membros, mostrar que não
Em surto, o risco de atitudes inusitadas como auto há tratamentos alternativos aos antipsicóticos e que
e heteroagressividade torna a convivência dramática. atrasos na medicação com tratamentos espirituais,
Fora do surto, há a dificuldade da família em lidar florais, vitaminas, meditação etc. só colaboram para a
com o retraimento social, o isolamento e o compro- cronificação dos sintomas. Enquanto o paciente ainda
metimento da higiene e das atividades de vida diária não estiver aderido ao tratamento, a família deve ser
do paciente. orientada a monitorar a tomada da medicação até que
A família não consegue entender o enigma da o paciente se conscientize e a utilize responsavelmen-
doença: por que surgiu, de onde surgiu, o que de- te. A família deve ser informada de que a medicação
sencadeou e o que fazer. Muitas vezes os familiares administrada de forma contínua não constitui uma
apresentam o que a literatura inglesa descreve como dependência química, mas evita recaídas, cronificação
emoções expressas (EE). Famílias de alta EE que da doença e atitudes extremas, como o suicídio.
reagem com hostilidade, críticas e superenvolvimento
emocional provocam recaídas mesmo que o pacien- Tabela II - Objetivos da psicoeducação.
te esteja em manutenção medicamentosa. Então, Garantir aos pacientes e seus familiares a obtenção de
técnicas de orientação e de terapias da família são “competências básicas”
importantes para cuidar dos altos níveis de estresse Facilitar o manejo do transtorno
vivenciados no convívio com a doença [8]. Martini et Promover a participação do paciente no seu tratamento
al. [8] citam Mari e Streiner [9], que mostram que Melhorar o insight do transtorno e a adesão ao trata-
as várias intervenções familiares na esquizofrenia mento
apresentam objetivos semelhantes: Prevenir recaídas
Instrumentalizar pacientes e familiares no manejo de
a) promover uma aliança com os familiares que crise e prevenção de suicídio
cuidam do paciente; Realizar atividades informativas e educativas
b) reduzir a adversidade do ambiente familiar, ou Bäuml et al. [11].
seja, diminuir o clima de sobrecarga emocional
mediante a redução do estresse e do sentimento Em nossa prática, as famílias bem orientadas
de opressão dos familiares; não só entendem as vicissitudes do tratamento da
c) aumentar a capacidade resolutiva de problemas esquizofrenia como colaboram efetivamente para um
familiares; prognóstico melhor.
d) diminuir a expressão de raiva e culpa; Um capítulo à parte refere-se aos pacientes sem
e) manter expectativas de um desempenho exequível família e sem suporte financeiro, que devem ser
por parte do paciente, ou seja, pela manutenção identificados pelos órgãos responsáveis pela saúde
de um balanço adequado entre a promoção de pública, aos quais pensões ou residências abrigadas
melhora no funcionamento do paciente e a supe- abertas são mais adequadas do que hospitalizações
restimulação, que aumenta o risco de recaídas; fechadas. Mesmo para esses casos a adesão deve
f) estabelecer limites apropriados entre o paciente ser trabalhada pela equipe de tratamento.
e seus familiares;
g) determinar mudanças no sistema de crenças e Fatores ligados ao paciente
comportamentos dos familiares [9].
A esquizofrenia é uma doença que tem um
Martini et al. [8] dão ênfase ainda à “psicoedu- prognóstico pior quando se inicia na adolescência.
cação”, termo empregado por Anderson et al. [10] A imaturidade associada à gravidade da doença di-
e usado para descrever um conceito terapêutico ficulta a adesão ao tratamento. A comorbidade com
comportamental que consiste em quatro elemen- álcool e drogas também dificulta a adesão e promo-
tos: instruir o paciente sobre sua doença, treinar a ve recaídas. Com relação ao gênero, e até porque
resolução de problemas, treinar a comunicação e a o prognóstico da doença é melhor nas mulheres, é
autoassertividade. Eles listam como objetivos da psi- mais fácil a adesão ao tratamento por parte delas.
coeducação a Tabela II, retirada de Bäuml et al. [11]. Os pacientes com prejuízo cognitivo importante de-
O conhecimento e o entendimento da doença vem ser monitorados quanto à adesão e expostos a
pelos familiares são aspectos importantes da terapia tratamentos visando a reabilitação cognitiva, como
da família e da psicoeducação. Mesmo respeitando o grupo operativo descrito por Malta [12]. A religio-
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 207
sidade com tendência ao fanatismo leva a recaídas um benzodiazepínico e não aumentar rapidamente o
pelo abandono da medicação diante da assertiva de antipsicótico. Uma dose alta do antipsicótico pode
que “Deus cura as doenças”. acarretar efeitos parkinsonianos que assustam o
O comprometimento da integração com o córtex paciente e os familiares, levando a interrupção da
pré-frontal pode resultar na falta de insight quando medicação e busca de tratamentos alternativos.
nenhum argumento convence o indivíduo da neces- O manejo dos efeitos colaterais e a falta de
sidade da adesão ao tratamento farmacológico. Para resposta razoável em quatro ou oito semanas são
esses, o recurso que resta é o uso de antipsicóticos fatores que devem ser levados em conta para a
injetáveis de ação prolongada, aplicados uma ou mudança da medicação. Na prática clínica, pacien-
duas vezes ao mês, como no caso de um paciente tes que não respondem a um medicamento podem
acompanhado há 26 anos, com várias recaídas e responder a outro de classe diferente. A mudança
reinternações por não aderir ao tratamento farma- da medicação deve ser efetuada antes que a família
cológico via oral. Só se estabilizou ao ser instituída desista do tratamento.
medicação injetável de depósito. Conseguiu concluir Em sua revisão da literatura, Lacaz [13] mostra
a faculdade e não teve mais recaídas. Apesar dos que resposta insatisfatória no início do tratamento
28 anos de acompanhamento psiquiátrico, a falta leva a descontinuação do antipsicótico em taxas
de insight e a não-adesão continuam. Perguntame que variam de 25% a 75%. Esta não-adesão inicial,
quando vai ser a minha próxima viagem aérea. durante os seis primeiros meses, foi observada
Respondo-lhe e ele diz: “tomara que seu avião caia, em um estudo como principal fator isolado de não-
pois assim não precisarei mais tomar as injeções”. adesão ao tratamento como um todo nos períodos
No entanto, comparece mensalmente sem faltas, à subsequentes [13].
consulta, quando lhe é aplicada a injeção. “O estudo Clinical Antipsychotic Trials of Inter-
vention Effectiveness (CATIE), realizado com 1.064
Fatores ligados ao tratamento pacientes que receberam olanzapina (7,5 a 30 mg/d),
quetiapina (200 a 800 mg/d), risperidona (1,5 a 6
Um bom manejo clínico, desde o início, pode mg/d), ziprasidona (40 a 160 mg/d) e perfenazina
resultar numa boa adesão ao tratamento. O médico (8 a 32 mg/d), um aintipsicótico de primeira geração
deve aliar ao conhecimento científico uma boa dose não disponível no Brasil, constatou que 74% dos
de intuição e esmerar-se no seu relacionamento com pacientes descontinuaram o tratamento antes de 18
o paciente. meses. As taxas de descontinuação foram semelhan-
Iniciar o tratamento com doses altas de um an- tes, mas pacientes que receberam olanzapina tende-
tipsicótico típico ou de primeira geração (APG) de alta ram a permanecer mais dias em uso da medicação
potência pode comprometer a adesão ao tratamento quando comparados aos demais grupos. A maioria
de forma irreversível. Um paciente que experimentar, dos pacientes do estudo descontinuou o tratamento
de início, uma grande disforia ou distonia aguda em razão de queixas de ineficácia do tratamento e
pode tornar-se refratário à tomada de qualquer outra intolerância a efeitos adversos” [14].
medicação. A descontinuação do tratamento é uma eventu-
Embora ainda não existam evidências de que os alidade à qual o médico deve estar sempre atento
antipsicóticos atípicos ou de segunda geração (ASG) com relação ao paciente com esquizofrenia. Tomar
sejam mais eficazes em todos os aspectos do que medicação de forma contínua é difícil em qualquer
os APG, eles melhoram as condições do início do doença, e mais ainda em esquizofrenia, quando
tratamento e da adesão. Os ASG produzem menos entra em jogo o estigma de “estar tomando um re-
sintomas extrapiramidais (SEP), são mais toleráveis e médio para a cabeça”. Ressaltar que a interrupção
tornam a adaptação para as doses iniciais mais fácil. da medicação leva a recaída, cuidar da posologia,
Tanto para os APG como para os ASG a dose dos efeitos adversos, avaliar o custo do tratamento
ideal de tratamento deve ser buscada com aumentos e evitar a polifarmácia são medidas que contribuem
gradativos para se evitar a ocorrência de um efeito co- para a adesão ao tratamento.
lateral que inviabilize a continuação do tratamento. É
importante lembrar que todos os antipsicóticos agem Abordagem multiprofissional
lentamente. De início não adianta prescrever doses
altas do medicamento, pois há demora no efeito A evolução dos conhecimentos sobre a esquizo-
antipsicótico. Em caso de agitação deve-se associar frenia demonstra a natureza biológica do transtorno.
208 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010
bem estabelecido e o paciente tiver condições de 5. Osório CMS, Soar Filho EJ. O médico: sua identidade e suas
transformações.In: Cataldo Neto A, Gaver GJC, Furtado
suportar. As recaídas sintomatológicas, o compro- NR. Psiquiatria para estudantes de medicina. Porto Alegre:
metimento social e vocacional minam as esperanças EDIPUCRS, 2003.
dos pacientes. É preciso sempre procurar uma porta 6. Jaspers K. Psicopatologia geral. Rio de Janeiro: Atheneu;
1987.
aberta, deixar uma saída para ele. As informações 7. Andreasen NA. A unitary model of schizophrenia Bleuler,
sobre transtorno e tratamento são apontada como “fragmented phrene” as schizencephaly. Arch Gen
intervenção eficaz para estimular a adesão. O traba- 1999;56:781-7.
8. Martini LC, Attux C, Bressan RA. Intervenções psicossociais.
lho conjunto multiprofissional é imprescindível. In: Shirakawa I, editor. Esquizofrenia: adesão ao tratamento.
O médico, além de seu papel ligado à medi- São Paulo: Lemos Casa Editorial; 2007. p. 65-86.
9. Mari JJ, Streiner D. An overview of family interventions
cação, deve orientar as etapas evolutivas do trata-
and relapse on schizophrenia: meta-analysis of research
mento. Os outros profissionais, além de diminuir a findings. Psychol Med 1994;24:565-78.
resistência ao medicamento, devem contribuir para a 10. Anderson C, et al. Family treatment of adult schizophrenic:
a psychoeducacional approach. Schizophr Bull 1980;6:490-
ressocialização do paciente e a redução do estigma 505.
que cerca a doença e seu portador. 11. Bäuml J, et al. A basic psychotherapeutic intervention for
patients with schizophrenia and their families. Schizophr
Bull. 2006;32(S1):S1-S9.
Referências 12. Malta SMTC. Tratamento psicológico da adesão. In:
Shirakawa I, editor. Esquizofrenia: adesão ao tratamento.
1. World Health Organization. Adherence to long-term São Paulo: Lemos Editorial; 2007. p. 87-110.
therapies: evidence for action. WHO Library Cataloguing-in- 13. Lacaz FS. Adesão ao tratamento farmacológico na
Publication Data, 2003. esquizofrenia. In: Shirakawa I, editor. Esquizofrenia:
2. Martini lC, Attux C, Bressan RA. Intervenções psicossociais. adesão ao tratamento. São Paulo: Lemos Casa Editorial;
In: Shirakawa I, ed. Esquizofrenia Adesão ao Tratamento. 2007. p. 21-46.
Sao Paulo: Lemos Editorial; 2007. 14. Lieberman JA, et al. Effectiveness of antipsychotic drugs
3. Attux C. Adesão ao tratamento na esquizofrenia. In: in patients with chronic schizophrenia. N Engl J Med
Shirakawa I, editor. Esquizofrenia: adesão ao tratamento. 2005;353(12):1209-23.
São Paulo: Lemos Casa Editorial, 2007. p. 13-20. 15. Perkins DO. Predictors of noncompliance in patients with
4. Fleischhacker WW, Oehl MA, Hummer M. Factors influencing schizophrenia. J Clin Psychiatry 2002;63: 1121-8.
compliance in schizophrenia patients. J Clin Psychiatry.
2003, 64 (suppl 16):10-3.
210 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010
Perspectiva
Introdução
O transtorno bipolar (TB) tem como característica fundamental a
recorrência de episódios de mania e depressão. Classicamente, desde
as descrições de Kraepelin (1921) [1], o TB sempre foi considerado
um transtorno episódico, em que há a remissão dos sintomas entre
os períodos de recorrência; ao contrário da esquizofrenia, em que um
deterioro progressivo era parte central da fenomenologia. No entanto,
estudos recentes sugerem que o curso do TB não é tão benigno quanto
se pensava [2,3]. Evidências consistentes sugerem que o TB também
apresenta alterações progressivas de volume e morfologia cerebral, da
integridade neuronal e da função cognitiva [3-5]. Este declínio cognitivo
em geral leva ao prejuízo funcional e altas taxas de incapacitação [6].
O início dos sintomas frequentemente ocorre no fim da adolescência,
o que aumenta o impacto sobre os anos produtivos do indivíduo [7].
O estudo de biomarcadores tem contribuído muito para o entendi-
mento dessas alterações progressivas no TB. Uma falha nos mecanis-
mos de neuroproteção e a concomitante ativação de dano oxidativo e
mediadores da inflamação podem estar implicados no declínio cognitivo
e clínico observado nestes pacientes [8]. Marcadores biológicos ou bio-
marcadores são medidas quantitativas que fornecem valiosa informação
sobre processos biológicos, atividade da doença ou sobre resposta ao
tratamento (definição do FDA’s Biomarkers Research Group). Ainda que
a etiologia do transtorno bipolar ainda não tenha sido completamente
esclarecida, os estudos em genética, neuroimagem, farmacologia e
neuroquímica avançaram muito no entendimento dos processos fisiopa-
tológicos no TB. Destes, os resultados mais consistentes sugerem que
o TB está associado a: 1) Alterações neuroanatômicas, com estudos de
neuroimagem demonstrando redução da substância cinzenta, redução
do hipocampo e aumento da amígdala; 2) Alterações das neurotrofinas,
em particular, a redução dos níveis de BDNF (Brain Drived Neurotrophic
Factor, Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro); 3) Alterações das
citocinas Inflamatórias, em particular, o aumento do TNF- (Tumoral
Psiquiatra e Professora Adjunta do Necrosis Factor, Fator de Necrose Tumoral); 4) Aumento dos níveis de
Departamento de Psiquiatria e Me- estresse oxidativo, evidenciado pelo aumento dos níveis de peroxidação
dicina Legal, Universidade Federal lipídica. As neurotrofinas e os mediadores da inflamação parecem ter
do Rio Grande do Sul (UFRGS) importante papel no mecanismo de neurodegeneração no TB [9,10].
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 211
cérebro adulto [9,10]. O representante das neuro- estudos apontam que o BDNF pode ter um papel de
trofinas mais estudado nos transtornos do humor é proteção ao estresse oxidativo.
o BDNF, o qual desempenha papel fundamental na Além do BDNF, outras neurotrofinas parecem
plasticidade neuronal e neuroproteção [10]. O BDNF estar envolvidas na neuropatofisiologia do transtorno
parece mediar os principais processos dependentes bipolar. Recentemente, estudo mostrou que o NT-3
de estímulo externo, i.e. aprendizado, cognição e sérico apresenta níveis séricos aumentados nos
memória (Quadro 1). episódios agudos de mania e depressão no TB [38].
Tem sido descrito que o NT-3 é temporariamente
Quadro 1 - O papel do BDNF e dos fatores neuro- expresso no lugar do BDNF em algumas populações
tróficos nos transtornos de humor. neuronais, para compensar a perda do BDNF. É pos-
• Neurogênese [1,2] sível que a alteração nas neurotrofinas explique em
• Sobrevida neuronal parte as alterações cognitivas observadas no TB e
• Maturação neuronal (de vias neuronais em desenvolvi- sua progressão. Futuramente, a comparação entre
mento) no adulto [3] TB e outros transtornos e a estudos prospectivos vai
• Plasticidade sináptica [1,2] confirmar o padrão do deterioro e se está associado
• Crescimento dendrítico [3] à alteração das neurotrofinas.
• Essencial para memória de longo prazo [3]
• BDNF parece estar diminuído na mania, depressão, Alterações das citocinas inflamatórias
ansiedade e estresse crônico [5,6]
• A remissão dos sintomas com tratamento parece estar Muitos estudos têm demonstrado que episódios
associada a uma recuperação dos níveis de BDNF [2,7] depressivos e maníacos estão associados a um
aumento dos níveis de citocinas pro-inflamatórias,
Evidências clínicas [31] e experimentais [32] como interleucinas (ILs) 2, IL-6, IL-8 e TNF- [36,39].
revelaram que os níveis de fatores neurotróficos es- Os marcadores inflamatórios parecem ser potenciais
tão alterados no TB. Em pacientes com TB, os níveis mediadores do deterioro no TB. De fato, um estudo
séricos de BDNF estão diminuídos na depressão e na recente demonstrou que TNF- e IL-6 estão aumen-
mania (Figura 1A), correlacionando-se inversamente tados nos estágios iniciais do TB – após primeiro
com a gravidade dos sintomas [31]. Os antidepres- episódio – e ainda mais aumentados nos estágios
sivos e os estabilizadores do humor são capazes tardios – em pacientes com mais de 10 episódios de
de aumentar os níveis séricos de BDNF [32]. O humor [2]. Inversamente, o BDNF estava diminuído
polimorfismo do BDNF – val66met – está associado no estágio tardio, mas não no estágio inicial do TB
à redução do volume do hipocampo em controles (Figura 1B). Além disso, os níveis da citocina antiin-
saudáveis [33]. O mesmo polimorfismo foi associado flamatória IL-10 diminuiu no estágio tardio do TB [2].
ao déficit cognitivo na função executiva em paciente Este e outros estudos indicam que os pacientes
bipolares [34]. Esses resultados sugerem que os com TB estão em um estado pró-inflamatório, que
fatores neurotróficos podem estar envolvidos na pato- piora ao longo do tempo de doença. É possível que
fisiologia dos transtornos do humor e no mecanismo o balanço entre os níveis de citocinas e de BDNF
de ação de agentes terapêuticos. Recentemente, o esteja envolvido na regulação da morte celular [39].
BDNF tem sido sugerido como preditor de resposta Essas alterações no sistema imune também podem
ao tratamento, pois a melhora clínica foi associada estar associados a outros desfechos a longo prazo
à recuperação dos níveis de BDNF em pacientes no TB como doenças cardiovasculares e diabetes
internados em episódio agudo do TB [35]. mellitus [40].
O principal receptor ativado pelo BDNF é o TrKB.
Essa ativação desencadeia rotas de sinalização Aumento do estresse oxidativo e
reconhecidamente anti-apoptóticas [36]. A ligação envelhecimento precoce
do BDNF ao seu receptor ainda possui um papel de
ativar rotas de proteção ao estresse oxidativo [37]. Existem diversas evidenciasevidências mostran-
Um estudo in vitro demostrou que o tratamento com do o envolvimento das espécies reativas do oxigênio
BDNF é capaz de proteger a morte celular induzida (ou radicais livres) em diversas patologias, especial-
por 6-hidroxidopamina, metabólito da auto-oxidação mente nos transtornos neurológicos e psiquiátricos
da dopamina [37], além de promover a ativação da devido à vulnerabilidade do sistema nervoso central
enzima antioxidante superóxido dismutase. Esses ao estresse oxidativo [37]. Estudos têm mostrado
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 213
um aumento dos níveis de estresse oxidativo no TB encurtamento do telômero [44] e redução acelerada
(Figura 1A). A atividade das enzimas antioxidantes do BDNF dependente da idade nos pacientes com
também está alterada em pacientes com TB (supe- TB [45]. O estresse oxidativo é um dos fatores que
róxido dismutase, catalase e glutationa peroxidase). contribuem para encurtamento do telômero. Em
Além disso, os níveis de peroxidação lipídica estão um estudo, pacientes bipolares apresentaram um
fortemente aumentados no TB, dados confirmados padrão de encurtamento do telômero que sugeriu
em recente metaanálise [37]. Ainda mais, alguns um envelhecimento de aproximadamente 10 anos
parâmetros de estresse oxidativo, como a 3-nitroti- a mais do que a idade cronológica [44].
rosina, estão alterados no início do TB e continuam
aumentados após múltiplos episódios, enquanto o Conclusão: relevância clínica
sistema glutationa difere dos controles apenas nos
estágios tardios do TB [42] (Figura 1B). Em suma, cada episódio de mania ou depressão
Reforçando o envolvimento do estresse oxidati- parece estar associado a uma diminuição nos níveis
vo no TB, Sun et al. avaliaram o perfil da expressão de BDNF que são proporcionais a severidade dos
gênica em córtex pré-frontal de pacientes bipolares, sintomas [10]. Cada novo episódio parece aumentar
mostrando que a alteração de expressão mais marca- a vulnerabilidade aos mecanismos neurobiológicos
da foi nos genes regulatórios da cadeia de transporte do próprio transtorno devido a um prejuízo nos fa-
de elétrons, sugerindo uma disfunção mitocondrial, tores neuroprotetores (Figura 2). Ao mesmo tempo,
o que poderia resultar uma produção excessiva de há um aumento do estresse oxidativo e do estado
espécies reativas do oxigênio e conseqüente au- pró-inflamatório. A própria recorrência do episódio
mento do estresse oxidativo [43]. Os radicais livres, agudo parece aumentar a vulnerabilidade do substra-
quando não eliminadas pelas defesas antioxidantes, to neural para o próximo episódio [10,40]. Assim, os
podem causar oxidação de diversas moléculas, tais mecanismos associados ao impacto neurobiológico
como lipídios, proteínas e DNA. Dados preliminares dos episódios de humor parecem estar associados
sugerem que as alterações nos níveis de estresse ao deterioro cognitivo e da saúde em geral destes
oxidativo podem ser parcialmente corrigidas pelo pacientes. O TB está associado, portanto, a um pro-
tratamento [40,42]. cesso neurodegenerativo episódio-dependente [40].
Além disso, há evidência de envelhecimento Finalmente, em estudo recente, a análise combinada
precoce no TB, através de estudos demonstrando de biomarcadores como neurotrofinas, marcadores
* Gráficos ilustrativos com valores aproximados (variação em relação à média do grupo controle), baseado em dados de
Cunha et al. [31], Kauer-Sant’Anna et al. [14] e Andreazza et al. [37,42]
214 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010
inflamatórios e de estresse oxidativo indicou que role of clinical and cognitive factors. Bipolar Disord
essas alterações estão associadas aos episódios de 2007;9:103-13.
7. Murray CJ, Lopez AD. Global mortality, disability, and
mania e depressão, mas estão quase normalizados the contribution of risk factors: Global Burden of
na eutimia [41]. Isso sugere a possibilidade destas Disease Study. Lancet 1997;349(9063):1436-42.
medidas terem utilidade clínica como indicadores de 8. Kapczinski F, Frey BN, Kauer-Sant’Anna M, Grassi-
atividade de doença no futuro. Oliveira R.Brain-derived neurotrophic factor and
neuroplasticity in bipolar disorder. Expert Rev
O acúmulo de evidências apontando para um
Neurother 20088(7):1101-3.
prejuízo funcional e pior prognóstico associado 9. Duman RS, Monteggia LM. A neurotrophic model
ao número de episódios do TB e ao tempo de do- for stress-related mood disorders. Biol Psychiatry
ença cria a necessidade de oferecer intervenção 2006;59:1116-27.
10. Post RM. Role of BDNF in bipolar and unipolar
precoce aos pacientes que apresentam o estágio
disorder: clinical and theoretical implications. J
inicial desse transtorno. Além disso, com o mesmo Psychiatr Res 2007;41(12):979-90.
racional, a abordagem de populações de alto risco 11. Kapczinski F, Frey BN, Andreazza AC, Kauer-Sant’Anna
e identificação de pródromos também tem grande M, Cunha AB, Post RM. Increased oxidative stress
potencial terapêutico e de preservação funcional. as a mechanism for decreased BDNF levels in acute
manic episodes. Rev Bras Psiquiatr 2008;30(3):243-
Esse conjunto de dados leva a uma reconceitualiza- 5.
ção do TB não apenas como um transtorno neuro- 12. Martinez-Aran A, Vieta E, Reinares M, Colom F,
biológico progressivo, mas como um processo que Torrent C, Sanchez-Moreno J et al. Cognitive function
pode ser evitado ou desacelerado se o tratamento across manic or hypomanic, depressed, and
euthymic states in bipolar disorder. Am J Psychiatry
adequado é instituído prontamente. O entendimento 2004;161(2):262-70.
do caráter progressivo do TB e das alterações nos 13. Torres A, Boudreau YLN: Neuropsychological
biomarcadores tem grande relevância clínica por functioning in euthymic bipolar disorder: A quantitative
ressaltar a necessidade de estratégias preventivas review. Acta Psychiatr Scand Suppl 2007.
14. Kauer-Sant’Anna M, Yatham LN, Tramontina J,
e de profilaxia em longo prazo. Esse entendimento Weyne F, Cereser KM, Gazalle FK, Andreazza AC,
do TB tem o potencial de melhorar o prognóstico ao Santin A, Quevedo J, Izquierdo I, Kapczinski F.
incluir como meta do tratamento do TB não apenas Emotional memory in bipolar disorder. Br J Psychiatry
o controle agudo de sintomas, mas a prevenção do 2008;192(6):458-63.
15. Tiihonen J, Haukka J, Henriksson M, Cannon M,
deterioro progressivo.
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216 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010
Perspectiva
ção é reembolsada quando normatizada e prescrita N - Por que um Guideline para Dor neuropática e
pelos profissionais do sistema. sua relevância?
N - Qual é a sua importância com relação à sua PRS - Atualmente é sabido que dor neuropática
rigorosidade e respeito? é subtratada ou mal tratada devido aos múltiplos
mecanismos geradores da mesma, assim como ao
PRS - A Diretriz clinica NICE 96 orienta o tratamen- conceito errado que ainda permea o meio médico
to farmacológico da dor neuropática em adulto que acredita que, uma vês tratada a doença de
nas clínicas de atenção primaria e secundária no base, a dor neuropática ira desaparecer, o que não
ambiente hospitalar ou não, excluindo as clinicas é verdade. A visão da dor neuropática como uma
especializadas em dor. A diretriz NICE Clinical “condição geral”, independentemente da causa sub-
Guideline 96 Neuropathic Pain: the pharmacologi- jacente, é útil e prático para profissionais de saúde
cal management of neuropathic pain in adults in não-especialistas assim como para os pacientes,
non-specialist settings [1] representa a opinião da permitindo uma abordagem da dor enquanto se trata
NICE, que foi obtida após análise cuidadosa das da patologia de base.
evidências disponíveis. Recomenda a sua adoção
na integra pelos profissionais da saúde quando da N - O que este Guideline de Dor Neuropática esta-
sua prática clínica. No entanto, a diretriz não subs- belece?
titui a responsabilidade dos profissionais de saúde
para tomar decisões adequadas às características PRS - O NICE Clinical Guideline 96 estabelece os
individuais de cada paciente. critérios a serem usados, pelos clínicos não espe-
cializados em dor no Reino Unido, para a introdu-
N - Com qual objetivo o NICE estabelece os Guide- ção e titulação de forma hierárquica dos fármacos
lines? licenciados e as suas indicações recomendadas
no tratamento farmacológico da dor neuropática
PRS - O objetivo da diretriz é fornecer recomenda- (março de 2010). A eficácia de cada fármaco foi
ções claras aos profissionais de saúde em ambien- comprovada em estudos clínicos duplo cego, ran-
tes não especializados no tratamento e controle da domizados e multicêntricos, independentemente
dor neuropática. Isso inclui recomendações sobre o de ser ou não licenciados para esta indicação no
encaminhamento adequado e oportuno a serviços Reino Unido (Tabela I).
especializados de dor e/ou serviços em patologia
que possam causar a dor como os de oncologia ou Tabela I
endocrinologia. Amitriptilina Não licenciado para a dor
neuropática
N - Quais os critérios que o NICE utiliza para fazer Duloxetina Licenciado para neuropatia
um Guideline? diabética dolorosa
Imipramina Não licenciado para a dor
PRS - Para todos os fármacos, as recomendações neuropática
são baseadas em evidências clínicas e na sua efi- Lidocaína (tópicos) Licenciado para neuralgia
cácia terapêutica, assim como na relação do custo/ pós-herpética
beneficio em função do bom uso dos recursos do Nortriptyline Não licenciado para a dor
sistema de saúde do Reino Unido. Este fato faz neuropática
repensar que nem sempre o preço da unidade do Pregabalina Licenciado para dor neu-
fármaco mais baixa reflete um tratamento mais ba- ropática central e periférica
rato quando visto como um todo. O custo dos efeitos Tramadol Licenciado para dor mod-
adversos e o impacto da perda de produtividade erada e grave
devem ser acrescidos ao custo total do tratamento, Obs: como a amitriptilina, a imipramina, e a nortripilina
fato este que foi levado em conta neste estudo. não são licenciadas para o tratamento da dor neu-
ropática no Reino Unido, os paciente devem assinar um
termo de consentimento e aprovação ao fazer uso das
mesmas.
218 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010
Os critérios escolhidos foram dividir os fár- pode ser prescrito pelo primeiro medico que atende
macos em 3 linhas de tratamentos onde o clinico o paciente. Esta diretriz delimita e ordena quais e
devera sempre optar pela primeira linha e substituir quando os meios farmacológicos devem ser usados.
ou adicionar o fármaco pelos de segunda linha, a Na maioria das dores neuropáticas o clinico tem op-
medida que a analgesia não for satisfatória ou os ção entre duas classe de fármacos: os recaptadores
efeitos adversos não sejam compatíveis com a de serotonina e noradrenalina (duloxetina e antide-
manutenção do fármaco. A terceira linha implica na pressivos triciclicos) e a pregabalina. O tratamento
falha da terapia e recomenda o encaminhamento da neuropatia diabética dolorosa é a única das pa-
do paciente a um centro especializado medicado tologias em que o NICE indica como tratamento de
com o tratamento de segunda linha associada a um primeira linha a duloxetina sem outras opções tera-
opióide fraco enquanto aguarda a consulta. pêuticas. Este fato é baseado nos trabalhos que le-
varam ao licenciamento da molécula no Reino Unido.
N - Qual a relevância/avanço/diferença em relação
a outros Guidelines?
Referência
PRS - O NICE é uma diretriz oficial do sistema de
saúde do Reino Unido que esta dirigida especifica- 1. Neuropathic pain: the pharmacological management
mente para o clínico não especialista em dor. Tem of neuropathic pain in adults in non-specialist
o papel preponderante de mostrar que o tratamento settings. Disponível em: http://www.nice.org.uk/
da dor neuropática não é restrito ao especialista e CG96.
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 219
Artigo original
Resumo
Apesar do uso de modelos animais da depressão humana não ser novo, o estabeleci-
mento de correlações orgânicas e comportamentais entre humanos e não-humanos vem
se tornando uma questão de crescente interesse. Doravante, fez-se importante a criação
de uma estrutura epistemológica sólida para lidar com os achados recentes. Objetivos:
Este artigo é voltado à definição desta estrutura e ao provisionamento de informações
de interesse, sob enfoque evolucionário. Material e Métodos: O artigo aplica diversas
técnicas inovadoras de pesquisa para atingir o seu objetivo, entre as quais, data mining e
um sistema inédito de varredura do genoma de duas espécies e provisionamento de um
mapa de expressão em tecido nervoso de um variante da serotonina, neurotransmissor
este que representa um dos principais fatores de risco para a depressão.
Abstract
Although the use of animal models of depression is not new, the establishment of
organic and behavioral correlations between humans and non-humans has become a
matter of special interest. Therefore it is important to create a solid framework to deal
with the recent experimental findings. This study is addressed to the definition of such a
framework, as well as to the presentation of information of interest within an evolutionary
approach. Material & Methods: The article applies several innovative techniques in order
to achieve its goals, among which data mining and a new method to parse the genome of
*Professor Adjunto da UNIFESP, two species, producing a heatmap of the expression of a core serotonin polymorphism,
Pesquisador do programa de associated with depression risk factors.
pós-doutorado do Laboratório de
Neuroimagem em Psiquiatria LIM21, Key-words: evolutionary psychiatry, depression, bioinformatics, data mining, animal
models.
Instituto de Psiquiatria da Faculdade
de Medicina da Universidade de São
Paulo, **Instituto de Psiquiatria da
Faculdade de Medicina da Universi-
dade de São Paulo
script (software) para o mapeamento do genoma e mais fortes do que o isomorfismo, ou –nas palavras de
produção de mapas (heatmaps) de expressão relati- McKinney e Bunney [8] – dotados de elos mais fortes
va dos genes. O gene escolhido foi um polimorfismo do que aqueles provisionados pela ‘validade aparente’.
da serotonina e como locus de expressão tomamos Por exemplo: o sistema de sinalização de ataque e
diversos tecidos cerebrais associados à desordem, fuga das lulas é configurado através de uma cascata
no cérebro de humanos (3 pessoas, idade média 34 bioquímica em que o denominador é a sinalização
anos) e chimpanzés (3 espécimes, idade média 15 serotonérgica, mas isto não permite que elejamos a
anos). Trata-se da primeira vez que resultados desta lula como modelo animal de estresse mais adequado
natureza são apresentados em uma revista da América à realidade hominídea (cuja configuração igualmente
do Sul; 4) Revisão de potenciais associações de cará- envolve alta atividade serotonérgica), posto que mui-
ter ‘distal’ entre humanos e outras espécies, através tos aspectos fundamentais desta estão ausentes
de tabela reunindo os principais estudos em causas naquela, tais como a organização estrutural SNC/SNP.
evolucionárias da depressão, discriminados por sua Por fim, é de se ter em mente que, em uma
potencial extensão a outras espécies. era de franca expansão da genômica, modelos de
correlação humanos/não-humanos em plano distal
Resultados se fazem particularmente relevante conforme se
alinhem à prospecção e determinação de achados
Dos planos causais às causas profundas e genéticos comuns a ambas as espécies (e, portanto,
causas de superfície possivelmente herdados de um ancestral comum) e
que estejam relacionados ao traço. Apenas esta con-
A prospecção de correlações entre a depressão junção permite que se afirme: determinado traço (i.e.
humana (entendida como desordem psiquiátrica) depressão) é transversal à especiação hominídea
e fenômenos correlatos em não-humanos (tendo conforme se relaciona primariamente a tal ou qual
como referências os modelos animais de depressão) variável genética, comum a tais espécies, que por
pode-se dar em dois planos: proximal e distal (para sua vez exibem igualmente correlações proximais.
detalhes sobre esta distinção, ver: Mayr [6] e Meyer Logo, deste modelo que propomos destaca-se
[7]). No plano proximal representam-se as causas que que ‘distal’ não quer dizer ‘mais fraca ou mais forte’,
coexistem com o fenômeno: comportamento, vida mas antes ‘mais distante e mais dependente do
psíquica/mental, anatomia e fisiologia cerebral, gené- plano do que se mostra’; afinal, sem um paradigma
tica, epigênese, insultos ao sistema nervoso central evolucionário em mente torna-se impossível a sua
(SNC), etc. Estas por sua vez, podem ser divididas em sondagem, bem como sem uma base de dados
imediatas (i.e. comportamento, funcionamento atual oriunda de validação aparente a servir de referência,
do cérebro) e mediatas (i.e. genética, características não se avança para além da especulação.
estruturai do cérebro, insultos ao SNC). No plano distal Vemos na Figura 1 um algoritmo ilustrativo do
representam-se as causas evolucionárias do traço ou, modelo proposto.
em outras palavras, representam-se as potenciais res-
postas à questão: ‘Haveria indícios de que este traço Figura 1 - Algoritmo contemplando a disposição das
não seja fruto de contingências culturais, variações variáveis que devemos utilizar para comparar ‘Depres-
epigênicas ou mutações recentes? Em caso positivo, são Humana’ aos ‘Modelos Animais de Depressão’.
porque este traço se mantém na espécie?’
Correlações causais profundas
As relações entre os recortes a serem feitos nestes
planos não são de todo triviais e exigem operacionali- Pressões evolucionárias
zação cuidadosa para que se evitem confusões. Para Responsáveis pela
incorporação e manutenção
todos os efeitos, podemos assumir que correlações do traço na espécie
Causas Distais
distais sugerem que dois fenômenos respondam a pres-
Depressão através
sões evolucionárias correlatas ou equivalentes. Esta das espécies
modalidade de correlação é diametralmente oposta à Mediatas Genética, Epigênese,
que se faz estabelecida entre fenômenos biológicos Estrutura do SNC
Causas proximais Insultos orgânicos
que emergem respondendo a pressões evolucionárias
diversas, através de vicissitudes isomórficas. Imediatas Comportamento,
Funcionamento
Também para todos os efeitos, correlações aná- atual do Cérebro
Correlações causais
tomo-fisiológicas e comportamentais demandam elos de superfície
222 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010
De acordo com nosso algoritmo (ou ‘modelo’) Figura 2 - Distribuição dos estudos por assuntos.
para que correlações causais profundas se mostrem Estudo de novas
Prospecção dos
sustentáveis em plano distal, é preciso que correla- drogas, análise de
efeitos de antide- 21 refe-
ções proximais também o façam (caso contrário o antidepressivos sobre
pressivos em ratos e rências
argumento evolucionário se reduziria à especulação), cascatas neuroquímicas
camundongos
ao passo que o inverso não se faz obrigatório. Em pouco estudadas
termos equacionais, é de se dizer que em nosso Teste de suspensão
Testes de estresse
sistema se definem matrizes 2X2 dadas pelos planos pela cauda e teste de
em ratos e camun-
de causação, onde a função matricial estabelecida nado forçado em ratos 16 refe-
dongos: manipu-
pelo plano de causação distal está contida no do- e camundongos; foco rências
lação de genes e
mínio da matriz de caráter proximal. Por fim, é de genes. Ênfase em poli-
fisiologia cerebral
se ter em vista que a valia do modelo relaciona-se morfismos 5-HTTLPR
à sua capacidade de dizer algo acerca do potencial Estudos de plasti- Modelos animais de
de achados com alguma capacidade de estabelecer cidade neural no efeitos sobre o hipo- 4 refe-
pontes entre humanos e outras espécies, no âmbito hipocampo através campo: LTP e LTD nos rências
da psiquiatria evolucionária e que isto servirá de mote de modelos animais colaterais de Shaffer
às seções subsequentes. Modelos comporta-
Indução e reversão do
mentais de de- 9 refe-
imobilismo: variações e
Revisão pressão em ratos e
fenomenologia
rências
camundongos
Uma maneira estratégica para se prospectar
a psiquiatria evolucionária aplicada à depressão Abaixo segue a distribuição estatística dos
se desvela dos estudos com modelos animais de metadados principais, quando a matriz é feita tendo
depressão, âmbito no qual a estratégia ideal é a da apenas levando em consideração os modelos expe-
definição de uma visão global acerca da literatura, rimentais (animais) de depressão psiquiátrica em
da qual possamos ponderar: 1) A importância relativa que referências diretas a quaisquer drogas, genes e
destes estudos; 2) As principais linhas de pesquisa; doenças são excluídas:
3) As suas finalidades. Para responder a esta ques- 1. Ratos/camundongos: 25% de ocorrência
tão na prática, propomos o uso de técnicas de data 2. Estresse: 8,3 % de ocorrência
mining/text mining. 3. Receptores: 6,4% de ocorrência
Para tanto, iniciamos com uma busca no Pub- 4. Nado forçado: 5,5% de ocorrência
Med, usando as palavras-chave ‘modelos animais
da depressão’ (“animal models of depression”), Já uma revisão dos estudos em modelos animais
a qual resgata 4765 publicações. Plotando estas de depressão de 2008/2009, revela a existência de
publicações em uma matriz de correlações e anali- 73 publicações no tema, indexadas no PubMed ou
sando a estatística relativa às diversas palavras que ISI. Destas, cinquentas estão organizadas em torno
ocorrem nos documentos destaca-se que muitas das de apenas quatro temas, tal como na tabela abaixo:
publicações indexadas não têm a ver com o tema de
interesse (i.e. depression em Long Term Depression Figura 3 - Tabela de distribuição de estudos por
– LTD). Disto decorre a necessidade de uma revisão tópicos.
detalhada dos metadados faz-se necessária. Este
procedimento aliado à reedição das palavras-chaves
reduz o conjunto de referências diretamente relacio-
nadas a 1200 referências. Destas, 15% estão ma-
joritariamente implicadas com o tema “Receptores
envolvidos na fisiopatologia da depressão”, ao passo
que três grupos de cerca de 9-10% têm os testes de
estresse como fator mais importante.
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 223
Método HsFronPol
HTR2A
Figura 4b - Expressão do HTR2 no cérebro de chim- quanto o humor deprimido e mesmo a melancolia são
panzé) respostas comportamentais e mentais amplamente
disseminadas em nossa espécie e que têm como
gatilhos punições e estressores de tipo variados.
Neste sentido, faz-se auto-evidente a suposição de
que tais manifestações (que em si não necessaria-
PtFronPol
mente representam o ‘rasgo na trama vivencial’)
sejam adaptativas e, como tais, que respondam a
PtAntInfTemCor
pressões evolucionárias. Disto decorre a premissa
de que a verdadeira questão que se coloca em
psiquiatria evolucionária é a de se definir até que
Pt Hipp ponto as manifestações que rompem com a trama
vivencial (sendo, pois, pontualmente disfuncionais)
podem ter sido fruto de seleção. Mormente, dado
HTR2A
HTR2C
humana, ao passo que os sintomas depressivos e a Japanese population. Neurosci Lett 1999;263(2-
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Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 227
Artigo original
Resumo
O traumatismo raquimedular é o mecanismo de lesão mais frequente na medula espin-
hal, e quando não fatal, acarreta várias seqüelas, entre elas a espasticidade. O objetivo
desta pesquisa foi analisar os efeitos da técnica de Mobilização Passiva Cíclica (MPC)
sobre a espasticidade e a repercussão na qualidade de vida e funcionalidade segundo
o Perfil de Saúde de Nottinghan (PSN) e pela escala Functional Independence Measure
(FIM), num paciente paraplégico, 38 anos, nível neurológico T1. Neste estudo foi utilizado
um cicloergômetro que permite a MPC dos membros inferiores a partir da movimentação
*Fisioterapeuta, Mestre em Ci- ativa dos membros superiores. O treinamento foi realizado 3 vezes por semana, durante
ências do Movimento Humano, 6 semanas (17 sessões). A Escala de Ashworth Modificada (0 a 4) e a Eletromiografia
de Superfície associada ao Teste do Pêndulo (número de oscilações da perna) foram
Professor-pesquisador do Núcleo de
utilizados no pré e pós-teste como instrumentos de avaliação da espasticidade extensora
Pesquisas em Neuroreabilitação -
dos joelhos. Os resultados demonstraram redução aguda da espasticidade extensora dos
NUPEN da Associação Catarinense joelhos, que durou 12 a 18 horas após cada sessão. Pela Escala de Ashworth Modificada
de Ensino – ACE e do Bom Jesus/ houve redução do grau 3 para o grau 1; No Teste do Pêndulo houve um aumento de 4
IELUSC, **Fisioterapeuta, Mestre para 8 no número de oscilações em cada perna. No registro eletromiográfico coletado
em Neurociências e Comportamen- simultaneamente ao Teste do Pêndulo, houve redução de 49% no membro inferior direito
e 32% no membro inferior esquerdo. Não houve alterações quanto à qualidade de vida
to, Professor-pesquisador do Núcleo
e funcionalidade verificadas pelo PSN e Escala FIM, respectivamente. Novas pesquisas
de Pesquisas em Neuroreabilitação são necessárias para verificar o tempo de retenção dos efeitos sobre a espasticidade e
- NUPEN da Associação Catarinen- os possíveis mecanismos neurofisiológicos envolvidos.
se de Ensino – ACE, Bom Jesus/
IELUSC e UNIVILLE, ***Estagiárias Palavras-chave: mobilização passiva cíclica, espasticidade, paraplegia, traumatismo
do Núcleo de Pesquisas em Neuro- raquimedular.
reabilitação - NUPEN da Associação
Catarinense de Ensino – ACE
Abstract
Traumatic cord injury is the most frequent mechanism of lesion of the spinal cord, and,
Correspondência: Antonio Vinicius
if not fatal, carries a lot of sequels, one of them is spasticity. The aim of this study was
Soares, NUPEN, Núcleo de Pesqui- to analyze the effects of Passive Cyclic Mobilization (PCM) on spasticity and its repercus-
sas em Neuroreabilitação, Faculda- sion on life quality and functionality according to Nottingham Health Profile (NHP) and
de de Fisioterapia da Associação Functional Independence Measure (FIM), on a paraplegic patient, 38, neurological level T1.
Catarinense de Ensino, Joinville SC, A cycle ergometer was used to allow PCM of lower limbs starting from active movement
from upper limbs. This training was held 3 times a week, during 6 weeks (17 sessions).
Tel: (47) 3026-4000, E-mail: a.vini@
Ashworth Modified Scale (0 to 4) was applied and surface electromyography associated
ig.com.br
228 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010
to Pendulum Test (number of leg oscillations) were used before and after test as knee
extensors spasticity evaluation instruments. Results showed acute knee extensors spas-
ticity reduction that held over 12 to 18 hours after each session. In Ashworth Modified
Scale the spasticity reduced from grade 3 to grade 1; on Pendulum Test was observed
an enhance from 4 to 8 oscillations in each leg. Electromyographic register made during
pendulum test showed a reduction of 49% on right lower limb and 32% on left lower limb.
No changes could be seen on life quality and functionality measured with NHP and FIM
Scale, respectively. New research is needed to verify retention time of effects on spasticity
and possible neurophysiological mechanisms involved.
fogo há 3 anos. Sendo classificado como “A” (não A EAM foi utilizada para graduação da espastici-
há função motora ou sensitiva abaixo do nível da dade do músculo quadríceps femoral, com paciente
lesão) segundo a Escala de Deficiência da ASIA. em decúbito dorsal fazendo-se flexão do quadril e
Para as sensibilidades protopática e epicrítica foi joelho passivamente partindo da extensão. A EAM
utilizada a Escala da ASIA, sendo observado Zona foi graduada no início e após treinamento com ciclo-
de Preservação Parcial T3 à esquerda e T2 à direita. ergômetro em todas as sessões.
Espasticidade extensora dos joelhos grau 3 (movi- O tratamento constituiu-se de um período
mento passivo muito difícil em toda amplitude de 15 minutos de aquecimento com exercício ativo livre
movimento) bilateralmente de acordo com a EAM. de membros superiores, uma série de 8 repetições
Todos os procedimentos de avaliação e trata- para: flexão, abdução e adução de ombro, flexão e
mento foram realizados no Laboratório Núcleo de extensão de cotovelo associada a pronação e supi-
Pesquisas em Neuroreabilitação – NUPEN da Asso- nação e alongamento passivo de adutores do quadril,
ciação Catarinense de Ensino, e pelos próprios pes- reto-femoral, iliopsoas, isquiotibiais e tríceps sural.
quisadores. O programa de treinamento constitui-se Posteriormente, o paciente foi submetido a um treina-
de três sessões semanais, com duração aproximada mento com o cicloergômetro Ciclomaster Embreex®
de 60 minutos, por um período de seis semanas, (Figura 1) permanecendo numa velocidade média de
totalizando 17 sessões. O paciente foi submetido 80 rpm e carga inicial zero, por um período de 15
aos procedimentos da pesquisa após esclarecimento minutos progredindo ao longo da sessão conforme
e assinatura do termo de consentimento. evolução clínica do paciente. A sessão foi finalizada
O paciente foi submetido à avaliação da espas- com um período de 3 minutos de resfriamento com
ticidade através da EAM e eletromiografia de super- velocidade decrescente e carga zero.
fície coletada simultaneamente ao teste do pêndulo Em todos os procedimentos de avaliação e
pré-treinamento com cicloergômetro. Fazendo-se 3 treinamento foram monitorados constantemente os
repetições consecutivas do teste. sinais vitais (FC, PA, FR) e o esforço percebido pela
A eletromiografia foi captada com eletrodos de Escala de Borg Modificada (0-10).
superfície aplicados no ventre do músculo reto fe-
moral (centro do ventre), o eletrodo de referência foi Figura 1 - Cicloergômetro Ciclomaster Embreex®
colocado na espinha ilíaca ântero-superior direita. O
sinal eletromiográfico foi processado através de um
software para análise da envoltória, a qual represen-
ta o nível de contração muscular em microvolts ao
longo do tempo. Utilizou-se o valor de pico em RMS
em microvolts (μV).
O teste do pêndulo foi aplicado conforme meto-
dologia preconizada por Texeira-Salmela et al. [11]
simultaneamente a eletromiografia de superfície do
m. reto femoral. A atividade elétrica deste músculo
foi captada no pré e pós-treinamento com MPC.
Observou-se o número de oscilações do membro
inferior a partir da flexão súbita do joelho. O teste
foi realizado com paciente em decúbito dorsal,
com extensão de quadril e joelho, sendo que o
membro inferior examinado foi posicionado com
o joelho fora da maca aproximadamente 5 cm da
borda com suporte do examinador que o deixava
pendente subitamente. A perna contralateral ficou Resultados e discussão
apoiada sobre um banco em posição estática de
flexão de joelho e extensão de quadril para minimizar Os resultados indicam uma redução aguda da
os efeitos de sobrecarga na coluna vertebral. Ao espasticidade, verificada através da Eletromiografia
retirar o apoio, o examinador contou o número de de Superfície, Teste do Pêndulo e EAM.
oscilações que o membro provocou até permanecer Segundo a EAM (0 a 4), graduou-se em 3 no pré-
imóvel novamente. teste, verificando-se uma redução para grau 1 após
230 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010
o treinamento durante todas as sessões. Essa re- (15 a 41 minutos). Embora exista relato na literatura
dução foi confirmada por relatos do próprio paciente [13] indicando que em sujeitos normais o aumento
referindo relaxamento dos membros inferiores logo da velocidade na MPC induza uma maior inibição do
que cessado o treinamento com cicloergômetro. reflexo H, conseqüentemente da hiperexcitabilidade
Segundo ele, tais efeitos persistiam por um período da unidade motora, não se pode inferir os mesmos
de no máximo 24 horas. efeitos em pacientes espásticos.
Durante o treinamento com cicloergômetro o
Gráfico I - Eletromiografia de Superfície do Reto- paciente nunca alcançou índices extenuantes de fa-
Femoral realizada em Agosto-Setembro de 2005. diga, em média o índice de esforço máximo percebido
30 pela Escala de Borg Modificada foi graduado numa
intensidade de 7 (muito forte).
20,6 O protocolo de tratamento demonstrou uma
Microvolts (μV)
19
20 redução aguda na espasticidade podendo ser veri-
ficada em todas as sessões de tratamento após a
13
10,6 MPC. O mecanismo dessa redução da espasticidade
10 pode ser devido a uma diminuição da hiperexcitabili-
dade dos motoneurônios alfa, e ainda que, durante
a MPC, estímulos aferentes provenientes de fusos
0 musculares ou receptores cutâneos, façam uma
Direita Esquerda
inibição pré-sináptica, reduzindo excitabilidade das
Pré-Teste Pós-Teste vias eferentes dos motoneurônios alfa, entretanto
mecanismos pós-sinápticos sobre os componentes
viscoelásticos do músculo não devem ser descarta-
No Gráfico I observa-se que o pico máximo de dos [13,14].
atividade elétrica registrada no músculo reto femoral Cheng et al. [14] relataram que no movimento
ao se realizar o teste do pêndulo apresentou redução passivo da perna em indivíduos saudáveis ocorre
de 49% no pós-teste no membro inferior direito e de inibição cruzada velocidade-dependente na perna
32% no membro inferior esquerdo. O pico máximo contralateral que se mantinha estática em extensão,
de atividade elétrica reflete o reflexo de estiramento sugerindo que esta inibição seria decorrente de
quando da primeira queda do membro inferior. Este inibição pré-sináptica dos motoneurônios espinhais
estiramento ocorre quando a perna cai em flexão no durante a ativação de vias centrais generalizadas,
teste do pêndulo, e poderia ser detectado de forma descartando o envolvimento de inputs descendentes
semelhante com a batida do martelo de reflexo, na inibição cruzada tônica. Descargas provenientes
porém, nesse procedimento os resultados poderiam de fusos musculares são responsáveis pela inibição
ser alterados conforme a intensidade da percussão ipsilateral da perna, podendo sugerir uma complexa
feita pelo examinador. transformação do movimento associado ao influxo
A média do número de oscilações dos membros sensorial oriundo da medula ou do cérebro. Re-
inferiores no teste do pêndulo foi no pré-teste de sultados semelhantes foram encontrados por Brooke
4,3 oscilações, aumentando para 8,7 oscilações no et al [15] monitorando o reflexo H no movimento de
pós-teste, em ambos os membros. Esse aumento pedalar reverso dos membros inferiores.
do número de oscilações reflete uma redução da Nesta pesquisa a EAM não possibilitou detectar
espasticidade dos músculos flexores e extensores pequenos graus de flutuações da espasticidade,
do joelho. Para Greve [12] quanto maior a espastici- pois, embora pode se observar a espasticidade
dade, menor o número de oscilações, podendo, em presente em ambos os membros inferiores, havia
graus extremos, o membro permanecer em posição predominância no membro inferior esquerdo, a
de extensão total, ou seja, ficar estático. A oscilação graduação segundo a EAM foi a mesma para dois
no teste do pêndulo é reduzida no músculo espástico, membros inferiores (grau 3).
sendo freada pelos componentes viscoelásticos do A avaliação do tônus muscular se torna difícil
tecido [11]. se apenas uma interpretação subjetiva baseada em
Neste estudo não se observou diferença na gra- movimentos passivos for utilizada. Escalas clínicas,
duação da espasticidade em relação a variações na como a Escala de Ashworth podem não ser sensí-
velocidade (85 a 105 rpm), carga (0 a 60) ou tempo veis suficientes para detectar alterações discretas
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 231
Revisão
Abstract
The muscular dystrophies (MDs) are an heterogeneous group of inherited disorders char-
acterized by progressive skeletal muscle degeneration. Duchennetype muscular dystrophy,
the Limb Girdle dystrophy, Facioscapulohumeral muscular dystrophy (FSHD) and Myotonic
dystrophy type 1 are the most comum forms of dystrophies. The dystrophinopathies are
X-linked recessive disorders caused by dystrophin deficiency. The dystrophin is a protein
that is located at the inner-cell membrane in both, muscle and brain cells, in association
with a membrane-bound cytoskeletal protein complex known as the dystrophin-associated
proteins, or DAPs. Duchenne muscular dystrophies patients display a range of cognitive
deficits including memory impairments, which have been attributed to the lack of dystrophin
in brain structures involved in cognitive functions, such as the hippocampus and neocortex.
Resumo
As distrofias musculares (DM) são um grupo heterogêneo de doenças hereditárias
caracterizadas por progressiva degeneração esqueleto-muscular. A distrofia muscular
de Duchenne, a distrofia muscular de cintura, a distrofia muscular fascioscapulohumeral
e a distrofia miotônica de tipo 1 são as formas mais comuns de distrofias. As distro-
finopatias são doenças recessivas ligada ao cromossomo X causadas pela deficiência
de distrofina. A distrofina é uma proteína que se localiza na face interna da membrana
celular das células musculares e cerebrais, em associação com um complexo de proteí-
nas citoesqueletal conhecida como as proteínas associadas à distrofina. Os pacientes
com distrofia muscular de Duchenne apresentam uma variedade de déficits cognitivos,
incluindo déficits de memória, que têm sido atribuídos à falta de distrofina em estruturas
*Physioterapist, Postgraduate Pro- cerebrais envolvidas nas funções cognitivas, tais como o hipocampo e o neo-córtex.
sities of pyramidal neurons [14], specialized regions the initial and delayed memory consolidation in the
of the subsynaptic cytoskeletal network that are hippocampus, amygdala and cortical areas. These
critical for synaptic transmission and plasticity. DMD systems regulate the formation of the short-term me-
patients display a range of cognitive deficits including mory separately from long-term memory frequently in
memory impairments, which have been attributed to opposite directions [24,25]. All this considered, the
the lack of dystrophin in brain structures involved in formation of memory involves a series of biochemical
cognitive functions, such as the hippocampus and events in some areas of the central nervous system
neocortex [15]. mainly in the hippocampus [21]. Memory damage
With regard to this review, there is a discussion seems to be directly dependent from processes
about the clinical presentation and underlying pa- likely in the hippocampus and consequently related
thophysiology of the dystrophyn protein complex and to cognitive incapacities [26,27].
cognitive impairment associated with Progressive
muscular dystrophies. Cognitive impairment and progressive
muscular dystrophies
Neurobiological mechanisms of the cognitive
impairment DMD patients suffer from progressive muscle
degeneration, it is well established and their nonpro-
The neurobiological mechanisms that enclose gressive cognitive deficits are not secondary to the
the memory formation and consolidation includes muscular handicap [15]. The progression of muscle
the synthesis of proteins for the consolidation in weakness is very slow in the mutant Dmd mdx mou-
the first hours after acquisition [16]. Studies shows se compared to DMD patients due to compensatory
that levels of mRNA in hippocampus, glycoprotein mechanisms, and only minor motor deficits, if any,
and synthesis of proteins presented two peaks after are detected in the mutants during their first year
the acquisition of new memories: the first one about of life. The available data suggest that the memory
one hour and the second one between three and six impairments cannot be simply attributed to muscle
hours after acquisition, in rats [17,19]. Some studies pathology, and that the memory deficits in mdx mice
in human beings and animals have demonstrated do not progress with age, at least within the first 6
that the formation of the memory is facilitated by months [28]. As such, the absence of dystrophin may
an endogenous modulatory system, mediated for have important consequences for membrane integrity,
the hormone release during the stress and for the ion channel physiology, cellular signal integration and
activation of amygdala. This system is adaptative structural reorganisation of the synapse [29].
in evolutive terms, allowing the reinforcement of
important memories for the survival. In conditions of Oxidative stress
emotional stress, this exactly system can lead the
formation of memories lived and also lasting [20]. In Studies strongly support the notion of the impor-
the initial phase of the consolidation, the modulatory tance of oxidative stress in dystrophinopathies. Free
systems probably regulate processes underlying radical injury to sarcolemma may contribute to changes
neural plasticity, which include activation of NMDA of its integrity [30]. There is an increasing evidence
receptors (N-methyl-D-aspartic acid) in hippocampus, that the degenerative processes in dystrophic muscles
amygdala and other cerebral areas [21]. From three to may be due to oxidative stress. An imbalance of free
six hours after the acquisition, mechanisms involving radicals synthesis and the antioxidant capacity may
beta adrenergic, 5HT-1A (Serotonin Receptor Type A) contribute to the necrotic process [31]. The significan-
and D1/D5-dopaminergic receptors in CA1 region of ce and precise extent of the oxidative stress contri-
dorsal hippocampus, entorhinal cortex and posterior bution is, however, poorly understood. Free radicals
parietal cortex - but not in amygdala, regulate the sto- are produced in the course of different physiological
rage of the long-term memory through the regulation processes. Their action should be limited by several
of adenylate cyclase and, therefore, indirectly by the defense mechanisms [32]. Free radicals are known to
activity of the adenosine monophosphate-activated be responsible for chemical and molecular damage of
protein kinase [22,23]. The transduction signal by DNA, nucleotides, proteins, lipids, carbohydrates and
intracellular signaling pathways, including the protein cell membrane structure [33].
kinase A (PKA), protein kinase C (PKC), and mitogen- The increased action of oxidative stress in
activated protein kinase (MAPK) is also involved in Duchenne’s dystrophy is indicated by:
Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010 235
1. Increased in excretion of 8-hydroxy-2’-deoxygua- showed the first evidence of oxidative variables and
nosine, indicating oxidative damage of DNA [34]; antioxidants enzymes in the mdx mouse brain tissue.
2. Changes in proteins [35-38], enhanced lipid pero- It seems that the increase in superoxide dismutase
xidation [35,39-41] and induction of antioxidant activity may be playing an important protective role
enzymes [39,40,42]. against oxidative stress injury, paradoxally to the fact
3. Similarities between changes in Duchenne’s dys- that in situations which superoxide dismutase levels
trophy and such conditions as ischemia, exhausti- are increased without a concomitant catalase increa-
ve exercise, and vitamin E deficiency [30,31,43]. se, as seen in our results, the intermediate product
4. Increase in sensitivity of dystrophin-deficient cells hydrogen peroxide may accumulate and generate
to injury from oxidative stress [44]. hydroxyl radicals, which may lead to lipid and protein
5. Lipofuscin accumulation in dystrophic muscle oxidation (damage) [51].
[45]. Further studies are necessary to help elucidating
the possible physiopathology mechanism of oxidative
The brain dystrophin is abundant in the hippo- stress and antioxidants defense in mdx mouse brain.
campus and absent in other subcortical areas [14].
Previous investigations showed that the mutant mdx BDNF
mouse, lacking the full-length dystrophin, exhibits
moderate and task-specific disturbances in learning The neurotrophin brain-derived neurotrophic fac-
and memory [46]. At cellular level, the absence of tor (BDNF) is a member of the neurotrophin family and
dystrophin in mdx mouse causes altered calcium the most widespread growth factor in the brain. BDNF
homeostasis and hippocampal neuronal function has many functions in the adult brain as a regulator
[47], specific alterations of hippocampal long-term of neuronal survival, fast synaptic transmission, and
potentiation, critical for memory formation [48]. In activity-dependent synaptic plasticity [54].
a previous study, it was examined the antioxidant In a study that investigated BDNF protein levels
enzymes status and measured lipid peroxidation of in prefrontal cortex, cerebellum, hippocampus, stria-
both, affected and spared muscles obtained from tum and cortex of dystrophindeficient mdx mouse, as
mdx mice and their control strain counterpart [49]. compared to normal mouse controls [55].
These data suggest that oxidative stress may be This study showed that only striatum presented
constitutively present in mdx muscle, but may not low levels of BDNF compared with mouse control [55].
be the principal pathogenic mechanism. The brain The striatum is highly innervated by BDNF-releasing
is particularly vulnerable to reactive oxygen species synapses. BDNF is delivered to the striatum via ac-
(ROS) production because it metabolizes 20% of total tivity-dependent anterograde release from excitatory
body oxygen and has a limited amount of antioxidant corticostriatal axons. Diminished striatal volumes
capacity [50]. and behavioural abnormalities are characteristic in
In a study that investigated oxidative stress striatal dysfunction caused for alterations in levels of
parameters and enzyme activities in prefrontal, BDNF [56]. The striatum did not present high levels
cerebellum, hippocampus, striatum and cortex of of dystrophin, but it participates of the distribution
dystrophin-deficient mdx mouse, compared to normal of cortical memory together with the cerebellum,
mouse controls [52]. It was demonstrated that mdx through two major cortical afferent pathways. These
mice showed: (1) reduced lipid peroxidation (striatum) pathways relay information from peripheral receptors
and protein peroxidation (cerebellum and prefrontal); and higher cerebral cortical centers, receive afferent
(2) increased superoxide dismutase activity (cere- inputs from the cerebral cortex, striatum, red nucleus
bellum, prefrontal, hippocampus and striatum); and and brainstem reticular formation and send axonal
(3) reduced catalase activity (striatum) [51]. It was afferents via climbing fiber pathways to form sparse
demonstrated that oxidative stress is a potential synaptic contacts at proximal sites on Purkinje cell
pathogenetic factor which may determine the severity dendrites. These two pathways process and relay
of pathological changes in dystrophic muscle [52]. informational signals from the external environment
Evidence has accumulated that oxidative stress may and distributed cortical memory retention and from
play either a primary or secondary role in the dege- internal autonomicrhomeostatic and proprioceptive
nerative process in muscular dystrophy [49]. Ano- sources, respectively [14]. In this regard, the BDNF
ther disease models, such as depression, present function is associated with synaptic function and
altered oxidative stress parameters [53]. This study plasticity [57]. Also, normal BDNF levels in the brain
236 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010
are essential to the maintenance of normal learning saries for clarified the aspects involving the CNS and
and memory function by a process referred to as Progressive muscular dystrophies.
synaptic consolidation. Recent studies showed that
reductions in BDNF levels have been reported in a Acknowledgments
number of neurodegenerative diseases or associated
models [58]. However, there are no evidences of how We would like to thank UNESC (Brazil), Human
the dystrophin may be affecting the BDNF levels in Genome Research Center, USP (Brazil) and CNPq
striatum. This study showed the first evidence that (Brazil) that supported the studies of our group that
dystrophin deficiency may be affecting BDNF levels in are cited in this review.
striatum and may be contributing, in part, in memory
storage and restoring [55]. References
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in prefrontal and striatum. CK activity was increased with facioscapulohumeral muscular dystrophy. Nat
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Instruções aos autores
Organização
Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro (Fiocruz, RJ)
José Luiz Martins do Nascimento (UFPA, Belém)
Programa preliminar
MANHÃ
Coordenação: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro (Fiocruz, TARDE
RJ), Luiz Carlos de Lima Silveira (UFPA, Belém) Coordenação: José Luiz Martins do Nascimento
(UFPA, Belém), Marcello Barcinski (INCA, RJ/USP)
8h00 – Recepção e registro de conferencistas e
convidados e boas vindas do 14h30 – Hipótese do centro dinâmico: a hipótese
Presidente da ANM, Professor Pietro Novellino de Edelman para o Substrato Neural da Consciência
8h30 – Imunologia e intencionalidade Luiz Carlos de Lima Silveira
Nelson Vaz (UFMG) 15h10 – O sinal de perigo e a distinção entre o próprio
9h10 – Uma visão neurocognitiva da psicoanálise e o não próprio pelo sistema imune inato
Sidarta Tolledal Gomes Ribeiro (UFRN) Marcello Barcinski (INCA, RJ/USP)
9h50 – Pausa para o café e discussão 15h50 – Psicofármacos para o aprimoramento cog-
nitivo
10h10 – A atividade imunológica natural José Luiz Martins do Nascimento
Alberto Nóbrega (UFRJ)
10h50 – Plasticidade sináptica como substrato da 16h30 – Discussão
cognição neural 17h00 – Chá da Academia Nacional de Medicina
Ricardo Augusto de Melo Reis (UFRJ)
11h30 – A recorrente composição antigênica do 18h00 – A distinção entre o próprio e o não próprio
universo biológico e odesafio da tolerância aos au- pelo sistema imuneespecífico
toantígenos Jorge Kalil (USP)
Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro 18h40 – Consolidação da memória
Ivan Izquierdo (PUC, RS)
12h10 – Discussão
12h30 – Almoço
Informações e Inscrições (vagas limitadas):
Centro de Pesquisa, Diagnóstico e Treinamento em Malária – CPD-Mal
Instituto Oswaldo Cruz / FIOCRUZ. Rio de Janeiro / RJ
Tel: (21) 3865-8145 de 15h00 às 18h00
Email: cognição@ioc.fiocruz.br
242 Neurociências • Volume 6 • Nº 4 • outubro/dezembro de 2010
Eventos
2011
Abril Julho
6 a 10 de abril 14 a 19 de julho
Neurobiological Basis of Drug Addiction 8th IBRO World Congress
Uspallata, Mendoza, Argentina Florence, Italy
Informações: www.neurotoxicitysociety.org/index. Informações: www.sfn.org
php?section=28 Setembro
16 de abril 14 a 17 de setembro
Curso de Neurociências aplicadas à Reabilitação 14th Interim Meeting WFNS 15th Brazilian Society Neu-
São Paulo, SP rosurgery Congress of Continuous Education
Informações: (11) 2376-2071, www.neda-brain.com Porto de Galinhas, PE
Maio Informações: www.wfnsinterimmeeting2011.com.br/
24 a 27 de maio Outubro
10ème colloque de la Société des Neurociences 26 a 29 de outubro
Marseille, França XLI Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia
Informações: www.neurosciences.asso.fr/V2/colloques/ Hangar Centro de Convenções da Amazônia, Belém PA
SN11/ Informações: www.sbponline.org.br/
Junho Novembro
10 a 13 de junho 2 a 5 de novembro
Simpósio Internacional de Morte Celular – International XXIX Congresso Brasileiro de Psiquiatria
Cell Death Symposium 2011 Rio de Janeiro
EcoResort Cheiro de Mato, Mairiporã, São Paulo Informações: www.cbpabp.org.br/
Informações: www.unifesp.br/dfarma/cell-symposio/cell-
symp_2011.htm
15 a 18 de junho
7º Congresso Brasileiro de Cérebro, Comportamento e
Emoções
Gramado, RS
Informações: www.cbcce.com.br/
26 a 30 de junho
International Workshop on Neuroimmunology
Varadero Beach, Cuba
Informações: www.immunopharmacologycuba.com/