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eee EFOVEG KART Oceano Noturno NAO FUT A PRAIA DE ELLSTON sé pelo prazer de sol-e-mar mas pra recuperar uma mente prospera com a cansada. Considerando que nfo conheci alguém na pequena cidade, que chegada dos veranistas em férias ¢ fica deserta durante a maior parte do ano, parecia garantido eu no ser perturbado, Isso me agradou porque cu nao queria ver algo além da arrebentacio das ondas ¢ da extensio da praia durante minha estada temporé Meu longo trabalho de veraneio terminou quando deixei a cidade e 0 grande desenho mural ia. inspirado nela entrara no concurso. Levei o ano todo pra terminar a pintura. Quando limpei a tiltima escova nfo mais relutava cuidat da satide e dormir um pouco. Realmente, durante a semana na praia sé me lembrava de vez em quando do trabalho cujo éxito hé pouco parecia essencial. Ali nfo havia mais a velha preocupagio com a complexidade de mirfades de matizes e cornamentos nem a desconfianca quanto a minha habilidade em interpretar a imagem mental, a transformando, por minha propria habilidade com o jogo de contraste, no rascunho cuidadoso dum esboco. Mas o que depois me aconteceu na orla deserta s6 pode ter brotado numa constituigio mental inquieta por medo e desconfianga. Porque sempre fui investigador, sonhador ¢ perspicaz, em perscrutar ¢ imaginar. E quem pode dizer que uma natureza assim nio abre latentes olhos sensitivos a ignotos mundos leis naturais? Agora, estou tentando contar o que vi, estou consciente de mil limitacées alienantes. Coisas sentidas pela visio interior, como as visdes flamejantes que vém quando vagamos na vacuidade do sono, nos sio mais vividas ¢ significativas do que quando as tentamos associar & realidade. ‘Transcrevas um sonho ¢ cle se desbotara. A tinta com a qual escrevemos parece diluir a base de realidade € por isso no conseguimos delinear a incrivel lembranga. E. como se nossos egos, separados dos lacos objetivos do cotidiano, se divertissem com emogées aprisionadas que sio apressadamente abafadas quando as traduzimos. Em sonhos ¢ vis6es consistem as maiores squecidas ¢ terras mais obscuras criagdes humanas, pois independem de linha ou matiz. Cenas que o mundo dourado infantil pululam na mente dormente, reinando até o despertar os derrotar. Entre cles algo pode ser atingido para gléria ¢ satisfagao de nossos desejos. Algumas imagens de beleza acentuada, suspeitadas, mas ainda veladas, que nos so como o Graal 4 mentalidade mistica sna roda da arte, buscar algum troféu desbotado do mundo medieval. Amoldar estas coi daquele reino intangivel de sombra e diafanidade, requer tanto habilidade quanto meméria. Embora os sonhos estejam em todos nés algumas maos podem pegar essas asas de mariposa sem rasgat. Habilidade que ta narrativa no tem, Se eu pudesse revelaria os eventos indicados que percebi vagamente, como quem perscruta num reino de penumbra ¢ silhuetas fugazes de movimento oculto. Em meu painel que entio se estende, com uma multidao de outros, no edificio ao qual foram planejados, eu me esforcara pra achar uma pista desse mundo-sombra igualmente enganoso ¢ talvez tivera mais sucesso do que terei agora. Minha permanéncia em Ellston era pra esperar o julgamento do concurso. E quando me deram nao sei quantos dias de lazer, me deixando na expectativa, descobri que, apesar dessas fraquezas, que um criador sempre descobre claramente, cu conseguira realmente delincar ¢ colorir alguns fragmentos arrebatados do mundo infinito da imaginagio. As dificuldades do proc minha satide e me trouxeram 4 praia durante esse periodo de espera. Querendo ficar completamente s6, aluguei, pra delicia do dono, incrédulo, um casebre a pouca distancia da aldeia de Ellston, que, por causa da estacio minguante, estava viva, com um agonizante alvorogo de turista, igualmente desinteressante pra mim. A casa, apesar de escurecida pela mar. pintada. Nao era como um satélite da aldeia, mas balancava embaixo dela, na costa, como um so € a tensao resultante minaram, ia, no fora péndulo sob um relégio imével, solitéria numa colina de matagal sobre a areia. Como um solitario animal de estima inescrutaveis sentado diante do mar, suas janclas sujas descortinavam um enorme reino sé de terra, céu e mar. Nao requer muita imaginacio uma natrativa cujos fatos podem ser ampliados e dispostos num mosaico. Pode parecer estranho, mas achei que a pequena casa se sentia solitéria quando a vi. E gostou de mim. Tinha consciéncia de sua natureza insignificante diante do grande mar. Parti no final de agosto ¢ cheguei um dia antes do esperado, encontrando um fargio e dois carregadores que descarregaram a mobilia, comandados pelo dono. Sem saber quanto tempo eu ficaria, quando o furgio partira fiz minha maleta, fechci a porta ( proprictério lamentando muito por cu arranjar uma casa depois de meses num quarto alugado) e desci o matagal da colina na praia. Sendo bem antiquada ¢ com um quarto, a casa requeria pouca explorag&o. Duas janelas em cada lado davam boa iluminacio e, dalguma mancira, uma porta ficara espremida, uma espécie de remendo, na parede contigua a0 oceano. O lugar fora construfdo aproximadamente dez anos antes, mas pot causa da distancia da aldeia de Eliston era dificil alugar até mesmo durante a estagio de veraneio. Sem larcita, estava vazio de outubro até meado na primavera. Embora, de fato, menos de 2km abaixo de Ellston, parecia mais distante. Desde entio uma inclinagdo na costa deixava ver s6 dunas gramadas em direcio a aldeia. Passei o resto do primeiro dia desfrutando sol e 4gua, cuja silenciosa majestade fez esquecer meu labor, o fazendo parecer distante pesado, Era a reacio natural a uma longa preocupagio com habitos estabelecidos. Terminei meu trabalho ¢ minhas férias comecaram. Esse fato, enquanto fagaz, se mostrou em tudo que me cercou naquela tarde de minha chegada, e na mudanga de velhos habitos. Havia um efeito do brilho solar na maré, cujas ondas misteriosamente se curvavam, espalhando borrifos d'4gua. Talvez uma aquarela pudesse retratar a maciga carga de insuportvel luz que atingia a praia onde o mar se misturava com a arcia. Embora 0 oceano tivesse seu préprio matiz foi dominado pelo enorme clarao. Nao havia alguém perto de mim e desfrutei o espetaculo sem ser perturbado. Cada um de meus sentidos foi tocado de modo diferente mas, as vezes, parecia que o rugido do mar estava sincronizado aquele grande brilho ou como se as ondas estiv. z do sol, tio vigorosas ¢ insistentes que o resultado era uma sincronia. Curiosamente vi ninguém tomando banho perto de minha pequena casa quadrada naquela tarde nem nas seguintes, embora a ondulante costa incluisse uma vasta ssem luzindo em v« praia até mais convidativa que a da aldeia onde o atrebentaco era pontilhada de figuras fortuitas. Supus que era por causa da distincia e porque nunca houve outras casas embaixo da cidade. Por que havia essa extensfio sem construgio nao pude imaginar, j4 que muitas habitacdes pululavam junto A costa norte, diante do mar, com ampla vista. Nadei até o fim da tarde e depois de descansar entrei na pequena cidade. A escuridao ocultava o mar quando entrei ¢ fiquei sob a débil iluminacZo duma cidade que nem pressentia a grande mortalha que caia sobre ela. LA estavam as mulheres pintadas e adornadas com bijuteria e homens aborrecidos, que nunca mais seriam jovens. Uma multidao de tolas marionctes empoleiradas na borda do abismal occano. Cegos, pouco dispostos a ver o que cai sobre cles entre a miltipla majestade de mirfades de estrelas ¢ a grandeza do oceano noturno, Caminhei ao longo desse escuro mar ao regressar a meu pobre casebre ¢ foquei minha lanterna no impenetravel vazio. Na auséncia da Lua essa luz fez um grosso feixe através das paredes da maré inquieta ¢ cu sentia uma emocio indescritivel por causa do ruido da 4gua ¢ a percepgio de minha pequenez quando lancei aquele feixe mimasculo nao a um reino imenso em si mesmo, mas apenas 4 borda escura do abismo terreno. Aquele noturno profundo sobre o qual os solitérios navios se moviam na escuridao onde eu nao os podia ver ¢ se afastavam dos murmirios duma irritada multidao. Quando cheguei a minha residéncia principal sabia a ninguém ter encontrado durante 0 passcio no arredor da aldeia, mas persistia a impressao de ter sido acompanhado o tempo todo apenas pelo espirito do mar. Era, pensei, a personificagdo numa forma que nao me foi revelada, mas que se movia silenciosamente além de meu alcance de compreensio. Estava como atores que esperam, em prontidao, atrés do cendrio, as palavras que marcam sua entrada antes de os vermos, ¢, de repente, falam, numa sibita entrada na ribalta. Esse devancio me deu um calaftio, entao peguei minha chave pra entrar no lugar cujas paredes nuas proporcionaram uma sibita sensagio de seguranca. Minha cabana estava isolada da aldeia, como se tivesse vagado na costa e nao conseguido voltar. E ld nada ouvi falar da agitada gritaria quando voltava a cada noite depois da ceia. Eu geralmente ficava uns instantes nas ruas de Ellston mas, as vezes, entrava num lugar porque estava passeando. Havia muitas lojas de raridade e fachadas de teatro cenograficas que atravancam cidades de férias, mas nunca fui a elas. O lugar sé parecia dtil pelos restaurantes. Era surpreendente 0 numero de coisas initeis que as pessoas acham pra fazer. No principio havia uma série de dias ens s. Subi cedo e vio fulgurante céu cinzento prenunciando amanhecer. Uma profecia se cumpriu tendo cu como testemunha, Essas alvoradas cram frias ¢ as cores desfalecem em comparacio ao uniforme splendor diurno que da a todas as horas a qualidade de pélido meio-dia. Aqucla espléndida luz, tio brilhante no primeiro dia, f dias seguintes parecerem uma pagina amarela no livro do tempo. Notei que muitas das pe praia estavam descontentes com 0 sol irregular, enquanto era isso o que eu queria. Depois de cinzentos meses de labuta intelectual a Ietargia induzida por uma vida fisica numa regiao governada pelas coisas simples (vento, luz e Agua) tev em continuar 0 processo de cura gastei todo meu tempo ao ar livre, ao sol. Isso me induziu a um estado imediatamente impassivel e submisso e me deu um sentimento de seguranca contra a noite Como a escuridao é andloga 4 morte a claridade se associa & vitalidade. Pela heranca de ha um milho de anos, quando os homens eram mais intimos com a mic-oceano € quando as criaturas olarado Z OS sda 0% ¢ um efeito instantaneo em mim. Ansioso vor: das quais descendemos se deitavam, languidas, na 4gua rasa ¢ ensolarada, ainda buscamos as coisas primitivas quando estamos cansados € nos saturamos dentro da confortével segutanca como aqueles semi-mamiferos que nfo tiveram de se aventurar tA cedo na terra pantanosa. A monotonia das ondas sossegou € nao tive ocupagio além de testemunhar miriades de caprichos do oceano, Uma mudanca incessante na cor e matiz da 4gua, numa mutacio continua como as sutis expressdes faciais duma pessoa. E percebia isso através de sentidos supra-normais. Quando o mar est revolto, lembrando antigos navios planando sobre 0 abismo, vem, silenciosamente, a nosso coragio a saudade do desvanecido horizonte. Mas quando esquece também esquecemos, Mesmo conhecendo sua vida sempre tem que manter um jeito estranho, como se algo muito grande pra ter forma estivesse espreitando no universo ao qual ele é uma porta. O oceano matutino brilha com uma névoa refletida de nuvem branco-azulada espuma diamantina em expansio e tem os olhos de quem pondera sobre coisas estranhas. Em sua complexa textura, onde corre uma mirfade de peixes coloridos, sustenta alguma grande € preguicosa entidade que logo surgiré dos veneriveis abismos imemoriais ¢ percorrerd a terra. Fiquei contente, durante muitos dias, por ter escolhido a casa deserta que j uma pequena besta nesses arredondados penhascos de areia, Entre as diversdes agradavelmente sem objetivo nutridas por tal vida, fui seguindo a extremidade da maré a longa distancia, onde as ondas deixaram uma umidade, esbogo irregular que tem bordas com espuma evanescente. As s achava curiosos pedacos de concha no lixo crrante do mar. Havia um surpreendente lote de escombro na costa ondulante, diante de meu casebre, e achei que correntes cujos cursos divergem da praia da aldeia devem alcangar aquele ponto. De qualquer modo meus bolsos, quando tinha um, geralmente guardavam um estoque de lixo, a maioria joguei fora uma ou duas horas depois de recolher ¢ queria saber por que o guardara, Porém, uma vez, achei um ossiculo cuja natureza nio pude identificar, mas que nfo pertencia a um peixe e o guardei junto a uma grande conta de metal cujo minucioso desenho entalhado era bastante incomum, que descrevia algo pisciforme contra um fundo moldado de alga em vez dos desenhos florais ou geométricos habituais, ainda claramente legiveis apesar de anos de uso sendo langada na arrebentagiio. Considerando que nunca vi algo assim, julguei que representava um pouco da moda, agora esquecida, dum ano antes, em Ellston, onde semelhante moda passageira era comum. Fiquei |é talvez uma semana, quando o clima comegou a softer mudanga gradual. Cada fase desse escurecimento progressivo foi seguida sutilmente por outta, intensificada, de forma que no fim a atmosfera inteira que me cercava trocara o dia pelo creptisculo. Isso me parecia mais Sbvio numa série de impresses mentais que testemunhei de fato, pois 0 casebre estava deserto sob 0 céu cinzento e, as vezes, uma rajada de vento vinda do oceano trazia umidade. O sol ficou encoberto durante o longo intervalo de nebulosidade, camadas de neblina cinzenta cuja profundidade desconhecida o sol nfo atravessava. Embora pudesse luzit com a velha intensidade sobre aquele véu cnorme, no a podia penetrar. A cada vez a praia cra uma prisioncira numa abébada incolor, como se um pedaco da noite ficasse nela. Embora o vento estivesse recrudescendo ¢ 0 oceano chicoteando em pequenos redemoinhos espirais perto da borda o agitada, senti a agua esfriar de modo que nao pude permanecer tanto quanto queria, Assim adquiri o habito de longos passeios que, quando impossibilitado de nadar, substitufa o exercicio que eu tinha tanto empenho em praticar. Estes passeios cobriram um maior alcance de beita-mat que minha andanga anterior, e desde que a praia se estendia quilémetros wzia sentada como vi além da bulicosa aldeia, fiquei isolado numa area infinita de arcia enquanto anoitecia, Quando isso acontecia eu cortia ao longo da sussurrante beira-mar pra nfio me perder terra adentro. E as vezes, nos passeios tardios, que se tornaram mais frequentes, eu descobria a casa atarracada, que parecia um arauto da aldeia. Inseguro nas ventosas escarpas, um borrio escuro nos matizes mérbidos do pér-do-sol ocednico, era mais que plena luz de qualquer orbe e parecia a minha imaginagio como uma muda face interrogativa me olhando na expectativa dalguma ago. Que o lugar era isolado cu ja disse, o que me agradou no principio, exceto naquele breve entardecer. Quando o Sol declinou num banho de sangue ¢ a escuridao desceu como um borrio informe, expandindo, havia uma presenga estranha: Um espirito, uma personalidade, uma impressio vinda com o vento, 0 céu gigantesco ¢ aquele mar que se divertia enegrecendo as ondas numa praia cada vez mais estranha. Nessas ocasides cu sentia uma intranquilidade sem causa definida, olitaria me fizera, hd muito tempo, me acostumat ao siléncio antigo e antiga expressiio da natureza, Esse receio, que eu no poderia denominar ao certo, no me afetou muito tempo. Mas creio que, o tempo todo, uma consciéncia gradual da imensa solidio do oceano me atrepiou. Uma solidao que sutilmente foi ficando horrivel através de sugestio, pois nunca foi mais que isso, dalguma animagio ou entidade que me impede de estar completamente $6, ‘As ruidosas ¢ amareladas ruas da cidade, com sua curiosa ¢ surreal atividade, estavam longe quando fui até Id pra jantar, desconfiado de minha dibia arte culindria. Mais ¢ mais me deixei dominar pelo irracional sentimento de que deveria voltar & cabana antes do escurecer mas costumava ficar até por volta das 22h. Dirds que tal aco ¢ irracional, que se eu temesse a escuridao de modo tao infantil, a teria evitado completamente. Me perguntards por que nao deixei o lugar desde que a solidio comecou a me deprimir. A tudo isso nao tenho resposta, a menos que qualquer desassossego, qualquer alvoroso distante me informava sobre aspectos de obscurecimento solar, a impaciente maresia ou o manto da escuridao marinha que se estende, enrugado como uma enorme peca de vestuatio, to perto de mim era algo que tinha origem em meu proprio coragio, que s6 se mostrou em momentos passageiros ¢ que nao teve feito persistente em mim, Nos outros dias de luz diamantina, com ondas esportivas que langavam montanhas azuis na orla que se aquecia, a meméria de sombrios caprichos parecia incrivel, contudo s6 uma ou duas horas depois cu poderia experimentar novamente esses caprichos descer a uma regio turva de desespero. Talvez essas emogies fossem apenas uma reflexio do préprio humor do mar, pois a metade do que vemos € colorido pela interpretagdo de nossa mente, muitos de nossos sentimentos so amoldados, de modo muito diferente, através de estimulos externos, fisicos. O mar pode nos ligar a seus muitos humores ¢ nos sussurrar pelo indicio sutil duma sombra ou a cintilagio nas ondas, indicando, desse modo, sua mortificacio ou regozijo. Sempre est se lembrando de coisas antigas mas as recordacdes que no podemos captar nos sio dadas de forma que compartilhemos sua alegtia ou remorso. Considerando que eu no estava fazendo algum trabalho nem vendo algum conhecido, talvez eu fosse suscetivel a seus tons de significado secreto que seria negligenciado por outro, O oceano regeu minha vida durante todo daquele tiltimo verio. Foi o que exigiu como recompensa por ter me curado. Havia afogamento na praia naquele ano. Enquanto sé ouvi falar casualment embora minha natureza s tal € nossa indiferenca a uma morte que nao nos concerne ¢ 4 qual nfo somos testemunha, cu soube que os detalhes cram indigestos. Os que morreram, alguns nadadores de habilidade além da média, as vezes cram achados apés muitos dias ¢ a hedionda vinganca abismal flagelara os corpos putrefatos. Era como se © mar os tivesse arrastado a um covil abismal ¢ os ruminado na escuridao até, satisfeito, os deixar flutuar 4 praia num horrivel estado. Ninguém parecia saber a causa das mortes. A freqiiéncia alarmou os receosos, pois a ressaca em Elston estava fraca e se ficou sabendo nao haver tubardo. Eu nao soube se os corpos mostraram marca de ataque, mas 0 medo duma morte que se move entre as ondas ¢ ataca as pessoas solitdtias no escuro é algo que ‘os homens conhecem e temem. Tém de achar logo uma razfio pra tais mortes, mesmo nfo havendo tubardo. Desde que tubardes cram a nica suspeita ¢ eu no soube dum caso confirmado, os nadadores que continuaram durante o resto da estacdo estavam em guarda contra traigociras em vez de contra algum animal marinho. Realmente, 0 outono nfo acabara hé muito, ¢ algumas pessoas usaram isso como pretexto pra deixar © mat onde os homens foram pegos pela morte, ¢ ficaram na seguranca de terra firme, mesmo onde nem se pode ouvir 0 oceano. Assim agosto terminou ¢ cu estivera na praia muitos dias. Houve uma ameaca de tempestade desde o quarto dia do novo més. No sexto, quando parti a um passeio no vento imide, havia uma massa de nuvem informe, incolor e opressiva sobre 0 encapclado mar pliimbco. O movimento do vento, sem rumo, mas agitado, dava uma sensagao de acidade préxima, uma sugestio de vida nos clementos da tempestade préxima. Almocei em Ellston. Quando o céu parecia a tampa dum grande porta-jéia, me aventurei longe, abaixo da praia, longe da cidade e onde minha casa ja se perdera de vista. Quando © cinza universal ficou manchado como uma carne putrefata pirpura, curiosamente brilhante, apesar do matiz sombrio, pensei estar a varios quildmetros dalgum abrigo. Porém isso nao parecia muito importante, apesar do céu escuro, com o brilho e o desconhecido prodigio eu estava numa estranha disposigao que flamejava num corpo adulto repentinamente alerta ¢ sensivel a0 esboco de formas ¢ significados antes ofuscados. Vagamente me veio uma lembranca sugerida pela semelhanga da cena que cu imaginara quando li uma historia na infincia. Aquele conto, esquecido durante muitos anos, era sobre uma mulher amada pelo rei barba-negra dum reino submerso dum escuro abismo, onde viviam criaturas pisciformes, que foi levada de seu jovem prometido de cabelo dourado por uma criatura sombria coroada com uma aparente mitra sacerdotal e com fei¢io dum macaco seco. O que ficou de lado em minha imaginagio era a imagem de precipicios submersos contra o preto-e-branco daquele reino sem céu. Mas eu esquecera a maior parte da hist6ria e fui recordando inesperadamente vendo o mesmo padrio de precipicio ¢ céu que vi entio. A cena era similar ao que imaginara numa época, agora perdidas ¢ incompletas impressdes guardadas 20 acaso, Sugestdes dessa historia podem ter persistido apés lembrancas frustrantemente incompletas, ¢ em certos valores sugeridos a meus sentidos por cenas cuja importincia atual era frustrantemente pequena. Frequentemente, numa percep¢io momentanca, sentimos que uma paisagem plumosa, por exemplo o vestido duma mulher ao longo da curva duma estrada na tarde owa solidez duma arvore secular contra o céu palido matutino (a situagao, mais que o objeto, é mais significativa) retém algo precioso, um pouco da virtude dourada que temos de pepar. E ainda quando tal cena ou atranjo é visto depois, ou doutro Angulo, achamos ter perdido valor € significado. Talvez seja porque a coisa que vemos néo retém aquela qualidade enganosa, apenas sugere & mente algo muito diferente, que permanece esquecido. A mente, confundida, nao sente completamente a causa de seu raciocinio rapido, se agarra ao objeto que a excita e fica surpresa quando percebe que aquilo nao tem valor. Assim foi quando vi as nuvens parpura, Elas retém a pompa ¢ o mistério dum monastério antigo e se destacam no crepiisculo, mas seu aspecto também era o dos penhascos nos antigos contos de fada. De repente, lembrando essa imagem perdida, eu meio que esperava ver, na frégil espuma suja ¢ entre as ondas que pareciam vertidas dum vidro preto rachado, a figura repugnante da criatura cara- de-macaco que usa uma velha mitra com verdete, surgindo de seu reino nalgum golfo perdido ao qual essas ondas cram o céu. Nao vi alguma criatura imaginaria, mas o vento frio mudou de diregio ¢ cortou 0 céu como uma faca enferrujada, estendida na melancélica unio de nuvem ¢ 4gua apenas um objeto cinzento, como um pedago de madeira flutuante, vagamente langado na espuma, um tanto ao longe. Mas como desapareceu num instante pode nao ter s superficie revolta. Logo achei ter contemplado a tempestade crescer durante muito tempo ¢ unido meu devaneio matinal a sua grandeza, quando uma chuva glacial comegou a cair, deixando uma melancolia mais densa num panorama muito sombrio tendo em vista a hora. Me apressando ao longo da arcia cinzenta, sentia o impacto de gotas frias nas costas e logo minha roupa estava empapada, No principio eu correra, fugindo das gotas incolores cujo padrao se manteve ao longo da praia durante muito tempo num céu eacoberto, mas depois vi que aquele refiigio estava muito distante pra alcancar antes de me molhar, entéo afrouxei o passo ¢ voltei até casa como se tivesse caminhado sob céu claro. Nao tinha motivo pra se apressar, embora eu nao estivesse ocioso como em ocasides anteriores. Sentia o frio da roupa molhada ¢ com a escuridio ¢ o vento ocednico nao ido madeira, mas um toninha vindo a pude reprimir um calafrio. Ainda havia, ao lado do desconforto da chuva, uma alegria oculta no emaranhado purpurino de nuvens ¢ a estimulante reacio do organismo. Num humor que era um misto de prazer triunfante em resistir & chuva, que agora escorria de mim e enchia meus sapatos ¢ bolsos, ¢ da apreciacio estranha desse céu mérbido ¢ dominante que pairara com asas escuras sobre o mar eterno ¢ inconstante, galguei o corredor cinzento da praia de Ellston. Mais rapidamente do que esperara, a atarracada casa surgi no declive, fustigada pela chuva, e todas as ervas daninhas da colina de areia se estorciam sob 0 vento frenético, como se desarraigassem pra se unir ao clemento andarilho. Mar ¢ céu no se alteraram ¢ a cena era a que me acompanharz exceto que ali estava pintado o telhado corcovado que parecia se curvar ao ataque da chuva. Apressei os passos inseguros ¢ fiquei num quarto seco onde, inconscientemente ¢ surpreso em estar live do vento sibilante, suportei durante um momento a Agua irritando cada centimetro de minha pele. Ha duas janelas na frente daquela casa, uma em cada lado, e quase diretamente diante do oceano, que via meio obscurecido pelo manto da chuva ¢ do anoitecer. Diante dessas janelas me vesti cum sortimento variegado de roupa seca nos cabides ¢ numa cadeira abarrotada. Eu era prisioneiro, cercado em todos os lados por um anoitecer anémalo que se infiltrava nalguma hora indefinida sob © manto da tempestade que instigava. Quanto tempo eu estivera no alcance da areia cinzenta molhada ou que horas realmente eram, nao sabia mas, procurando um pouco, encontrei meu reldgio, felizmente deixado em casa, assim evitando a umidade que empapou minha roupa. Pressenti a hora pelos ponteiros vagamente vistos, apenas ligeitamente menos indecifraveis que as figuras circunvizinhas. Em seguida minha v maior na casa que além da janela embacada, ¢ vi que eram 6:45h. Ninguém cstava na praia quando entrei. Naturalmente esperci no ver outro nadador na noite. Mas quando novamente olhei da jancla apareceram figuras borrando a fuligem do imido anoitecer. Contei trés se movendo dalguma maneira incompreensivel e outro perto da casa, que pode ter sido nao uma pessoa, mas um tronco levado pelas ondas, visto que a arrebentacio triturava furiosamente. Fiquei muito surpreso ¢ maravilhado ¢ queria saber a que propésito essas pessoas robustas ficavam ao léu em tal tempestade. Entio pensei que talvez foram pegos, como eu, sem querer, na chuva ¢ se renderam as rajadas timidas. Noutro momento, incitado por uma hospitalidade civilizada que superou meu amor A solidio, fui A porta ¢ surgi, momentaneamente, gesticulando As pessoas, o que me custou outro banho, pois a chuva prontamente me atingiu em exultante fiiria, na pequena varanda. Mas no me viram ou no entenderam, pois nio responderam. Anoiteceu, estavam meio surpresos ou como se esperassem outra agio minha. Havia em sua atitude algo daquele vazio secreto, significando algo ou nada, que a casa se revestiu no mérbido crepasculo. Abruptamente senti que uma coisa sinistra esprcitava sobre essas figuras iméveis que escolheram ficar na noite chuvosa numa praia abandonada por todas as pessoas, € fechei a porta com um rompante de inquietude que, vaidosamente, tentava disfarcar uma emocio mais profunda de pavor, um susto devorador que empocava das sombras de minha consciéncia. Um momento depois cheguei a jancla ¢ parecia nada haver ali fora além da noite portentosa Meio atordoado e moderadamente assustado, como alguém que nio viu algo alarmante, mas esté apreensivo do que pode encontrar na rua escura ¢ é compelido a cruzar logo, decidi que, muito possivelmente, a ninguém vira ¢ que o at escuro me enganara. A aura de isolamento sobre o lugar aumentou naquela noite, mas, fora do panorama, em diregGo ao norte da praia uma centena de casas ascendiam na escuridio chuvosa. Sua turbidez dara ¢ amarcla sobre ruas de vidro polido, como olho-de-boi refletido numa oleosa poca na florcsta. Ainda porque no os podia ver nem localizar em tempo ruim, sendo que nao tinha carro nem outro modo de deixar o plano casebre, exceto entrando na tenebrosa escuridao, percebi, de repente, estar, em todo caso, sozinho com o tenebroso mar que subia e descia, invisivel, incégnito na névoa. E a voz do mar se tornara um gemido rouco, como alguém ferido, que recua sofregamente antes de subir. Espantei a escuridao com uma limpada a 6leo, pois a treva rastejou em minhas janelas, se sentou € me perscrutou vagamente dos cantos, como um animal paciente, ¢ preparei minha comida porque nao queria ir 4 aldeia. A hora parecia inacreditavelmente avancada, entrctanto nao cram 9h quando fui a cama, A escuridio viera cedo, furtivamente, ¢ ao longo do restante de minha permanéncia evasivamente me demorava sobre cada cena e aco que via. Algo estava sereno noite afora, algo sempre indefinido, me dando uma sensago latente, de modo que parecia uma besta que espera 0 sussurro momentineo dum inimigo. Ventou durante horas ¢ jatos do aguacciro fustigaram indefinidamente as desgastadas parede que me protegiam. Houve momento de calmaria, quando ouvi o mar murmurar ¢ podia adivinhar aquelas grandes ondas informes se empurrarem no ganido pilido do vento, arremessando a praia um borrifo salgado. Ainda na mesma monotonia dos elementos inquietos achei uma nota letérgica, um som que me seduziu, depois dum tempo, num sono cinzento e palido como a noite. O mar continuou seu monélogo furioso e o vento sua impertinéncia, mas estavam isolados pela sio penetrou a obscuridade, parede da inconsciéncia ¢ durante instantes o oceano noturno foi expulso duma mente adormecida. A manhi trouxe um sol esmaecido, que os homens veriio quando a Terra for antiga, se 0 homem permanecer. Um sol mais débil que quando encoberto. Um céu moribundo. Eco Tanguido de sua antiga imagem, Febo se esforgava em perfurar as nuvens esfarrapad: quando despertei, em momentos que parecia banhado em ouro no interior noroeste da casa, noutros minguando até ficar s6 uma bola luminosa, como um incrivel brinquedo esquecido no gramado celestial. Depois dum tempo a chuva cadente, que deve ter continuado ao longo da noite anterior, continuou banhando esses vestigios de nuvem purpiirea que eram como os penhascos ocednicos tirados dum antigo conto de fada. Confundindo o sol poente com 0 nascente, aquele dia se fundiu ao anterior, como se a tempestade interveniente nao introduzisse uma longa es se uma longa tarde. Ganhando impulso 0 sol furtivo mostrou toda sua forsa dispersando a antiga névoa, agora rajada como uma janela embagada, ¢ a dominou. O dia ficou azul quando esses filetes fuliginosos se retiraram ¢ 0 isolamento que me cercara antes entrou num vigilante local de retirada, donde nao avangou, mas se encolheu e aguardou. O Sol voltou a seu antigo brilho ¢ o velho resplendor nas ondas, cujas alegres formas azuis se reuniram naquela costa antes da criacao, ¢ se regozijou nao ter visto quando a humanidade foi esquecida no sepulcro do tempo. Influenciado por essas débeis garantias, como quem acredita no sorriso de amizade dum inimigo, abri minha porta. Quando se escancarou uma mancha negra eclodiu em luz e vi a praia lavada, sem rastro, como se nenhuma pegada antes da minha tivesse se impresso na areia lisa. Com um rfpido recobrar do 4nimo seguinte a um periodo de inquicta depressio, senti, numa décil adaptacio ¢ desinimo, que minha propria meméria foi lavada, excluindo toda desconfianca e vestigio de afeccio como medo existencial, da mesma maneira que a sujeira na margem sucumbe & maré cheia e é levada a perder de vista. Havia um odor de grama salobra molhada, como as pginas mofadas dum livro, chegado com um doce odor nascido da quente luz solar em prados campestres, que suportei como uma estimulante bebida, se infiltrando ¢ formigando nas veias como se me transmitissem algo de sua natureza impalpavel, e me fazia flutuar, atordoado, na brisa incerta. E conspirando com essas coisas, 0 sol continuou caindo em mim, como a chuva de ontem, num feixe incessante de dardos luminosos, como se também s e confus SVE suridao no mundo, mas inchasse e b: quisesse esconder isso, suspeitando a presenca abismal que se movia além de minha visio e s6 denunciava por um negligente sussurro no limite de minha consciéncia ou pelo aspecto de vagas figuras que vigiam num oceano vazio. Aqucle sol, uma feroz bola solitaria no remoinho aquatico da imensidao, cra como uma horda de mariposas douradas contra minha face virada a cima. Um gral branco, borbulhante de fogo divino e incompreensivel, me fez reter mil miragens prometidas onde uma era concedida. Ao sol pareciam realmente dominios seguros extravagantes, onde, se cu soubesse 0 caminho, poderia vagar nessa estranha exultacdo. Tais coisas surgem de nossa prépria natureza, pois a vida nunca cedeu, um instante, seus segredos, € isso s6 est em nossa interpretacao de suas sugeridas imagens que podemos achat éxtase ou estupidez, de acordo com o humor induzido. Ainda sempre e novamente temos de sucumbir a suas decepcécs, acreditando, durante um momento, que dessa vez podemos encontrar a alegria nepada. E assim a fresca dogura do vento, numa manhi seguinte a treva encantada, cuja maldade me deu mai s6 me sussurrou sobre mistérios intranquilidade que qualquer ameaca a meu corpo, antigos relacionados & terra ¢ sobre prazeres aos quais cra o ladrio porque eu sentia que poderia experimentar s6 uma parte deles. O sol, o vento ¢ aquele odor que os atingia me falavam de festas divinas cujos sentidos sio um milho de vezes mais pungentes que o homem e cujas alegrias um milhio de vezes mais sutis e prolongadas. Essas coisas, indicaram, poderiam ser minhas se eu me entregasse completamente a seu brilhante ¢ ardiloso poder e o Sol, um deus descendo com nua carne celestial, um desconhecido forno todo-poderoso no qual nenhum olho poderia fitar, parecia quase sagrado no brilho de minhas agudas emoges. A atroadora luz etérea que emanava era algo que todos deviam adorar, abismados. O arredio leopardo, em seu inferno verde, deve ter parado um instante pra refletir os raios difusos nas folhas e todas as coisas nutridas pelo Sol devem ter apreciado sua mensagem luminosa em tal dia. Pois quando esta ausente, na longinqua eternidade, 0 mundo estar perdido ¢ na treva contra um irrestrito vazio, Naquela mani na qual compartilhei 0 fogo da vida e em cujo breve momento de prazer estava protegido dos anos vorazes, estava acenando a estranhas coisas cujos esquivos nomes jamais podem ser esctitos. Enquanto caminhava 4 aldeia, admirado de como péde se manter fustigada pela chuva torrencial, vi, ofuscado num reflexo de umidade iluminada pelo sol, que refletia nela como numa vindima madura, um pequeno objeto como uma mio, uns 6m diante de mim, tocado pela espuma abundante. O choque ¢ o desgosto me surpreenderam quando vi que realmente era um pedago de carne podre. Tsso superou minha nova satisfagio ¢ gerou uma chocante suspeita de que poderia ser uma mio. Certamente, nenhum peixe, ou parte, poderia ter aquela aparéncia, pois pensei ter visto dedos pastosos grudados em putrefacio. Virei a coisa com o pé, ndo querendo tocar objeto to sujo, que grudou no couro do sapato, como se agatrado com a forca da corrupsao. A coisa, quase toda deformada, se parecia muito com o que cu temia que fosse, por isso a empurrei com forca a uma onda bravia que a fez perder de vista com um entusiasmo incomum naqueles revoltos recantos do mat. io ‘Talvez cu dey ss¢ ter informado meu achado, mas sua natureza cra muito confusa pruma simples investigacio. Considerando que fora comido em parte por alguma monstruosidade ocednica, ndo pensei ser identificdvel o bastante pra evidenciar uma desconhecida, mas possivel tragédia. Os numerosos afogamentos entraram em minha mente, como também outras coisas doentias, algumas das quais permaneceram como possibilidade. Qualquer fragmento levado pela tempestade, seja de peixe ou dalgum animal semelhante ao homem, nunca falei sobre isso, Afinal de conta no havia prova que nfo foi deformado somente pela putrefacio natural. Aproximei-me da cidade enojado pela presenga de tal objeto na beleza panorimica da praia limpa, mas era horrivelmente tfpico da indiferenga 4 morte numa natureza que mistura podridio com beleza, ¢ talvez. goste mais da podridao. Em Ellston no ouvi falar dalgum recente afogamento ou outro infortinio no mar € nao achei referéncia a isso nas colunas do jornal local, © tinico que li durante minha estada. Fi dificil descrever meu estado mental nos dias seguintes. Sempre suscetivel a emogde mérbidas cuja angiistia sombria poderia ser induzida por coisas exteriores ou que podiam saltar dos abismos de meu préprio espirito, fui tomado por um sentimento que nao era medo, ero ou qualquer coi: era mais uma simples percepgio da abominacio ¢ sordidez subjacente da vida, um sentimento que era um misto da reflexio de minha natureza interior e do resultado de criaturas atraidas por aquela ruina podre que pode ter sido uma mio. semelhante, ma Ne: 's dias minha mente era uma terra de precipicios sombrios e figuras movedicas na escuridao, como o reino antigo insuspeito que os contos de fada me faziam lembrar. Eu sentia, em resumo, agonias de desilusio, a negridao gigantesca deste universo opressivo no qual meus dias ¢ os dias de minha raca eram como nada comparado as estrelas extintas. Um universo no qual cada agio é e até mesmo a emogio de pesar um esforco perdido. As horas passadas tentando recuperar a satide, a satisfagao ¢ o bem-estar fisico se converteram, como se os dias da semana anterior tivessem passado definitivamente, numa indoléncia como a dum homem que j4 ndo se importa em viver. Fui engolfado por um medo comovente ¢ letérgico dalguma destruicio inelutével que seria, eu sentia, o derradeiro édio das estrelas vigilantes ¢ das enormes ondas negras que esperavam esmagar meus ossos. A vinganca de toda a indiferente ¢ horrenda majestade do oceano noturno. Io da treva ¢ inquietude marinha invadira meu coragio, de forma que vivi num tormento irracional e vegetativo. Um tormento ainda mais agudo por causa da sutileza de sua origem e a estranha e preguicosa qualidade de sua existéncia vampirica. Ante meus olhos se estendia a fantasmagoria das nuvens piirpura, a estranha bugiganga prateada, a estagnada espuma ciclica, a solidao dessa casa descampada ¢ 0 ¢s Nao fui mais a aldeia porque parecia apenas uma caricatura dum ser vivo. Como minha prépria alma, estive num mar envolvente € escuro, um mar mais ¢ mais odioso. E entre essas imagens, corrompendo e ferindo, morava uma coisa cujos contornos humanos nao deixava diivida do que era. nio da cidade de fantoches Estas sucintas palavras nfio conseguem expressar a horrenda solidao. Nao o fiz como queria porque estava encravada em meu coragio, que se insinuara dentro de mim e murmurara confidéncias terriveis ¢ desconhecidas de eventos préximos. Nao cra uma loucura: Uma percep¢ao muito clara ¢ simples da treva além desta delicada existéncia, iluminada por um sol momentineo nio mais estavel que nés mesmos. Uma facanha fatil que poucos podem experimentar € nunca conseguem repetit com a mesma vivacidade. Um conhecimento que voltara enquanto cu tiver forca, pelo qual lutarei enquanto puder, com todo o poder restante de meu espirito. Eu nao poderia ganhar um centimetro de solo do universo hostil nem sustentar, durante um instante, o que a vida me confiou. Eu temia a morte enquanto vivia, oprimido por um medo sem nome mas, relutante em deixar a cena da evocaco, esperei um horror consumado se metamorfoscando na imensa regifio além das muralhas da consciéncia. Chegou 0 outono ¢ © que tirei do mar se perdeu de volta. Outono nas praias, um tempo sombrio, nao é marcado por alguma folha escarlate ou outro sinal costumeiro. Um mar assustador, imutvel, mas que transforma o homem. Ali havia s6 um resfriamento da gua, na qual cu ja nfio qucria entrar, seguido do imensidao de neve aguardasse pra cair 1: stadoras ondas. Quando comecasse a cait nunca cessatia, mas continuaria sob o sol branco, amarelo e carmesim e sob aquele tiltimo pequeno rubi que s6 se render & futilidade da noite. A Agua antes amigavel balbuciou significativamente a mim, me mirando com um estranho olhat. Mi scurccimento da mortalha celeste, como se uma ass se a escuridao da cena era um teflexo de minha imaginacao ou se a obscuridade dentro de mim foi causada pelo que se estende ao longe, no sei dizer. Na praia pareceu ter caido sobre mim uma sombra como a dum passaro que voa silenciosamente no alto, um passaro cujos olhos vigilantes nao suspeitamos até a imagem no solo repetir a imagem no céu, ¢ repentinamente contemplarmos aquela coisa que nos sobrevoa e nao percebemos. Era comeco de setembro e a cidade fechou os resortes onde a louca frivolidade governava a falta do que fazer, o temor assombrado vive ¢ onde os fantoches se divertiam em excentricidade de vero. Os fantoches foram embora, com sorriso forgado ou carranca que todos a: depois. Somente cem pessoas ficaram. Novamente as ostentosas fachadas de estuque dos edificios se espalhavam na praia, enfileiradas na orla, impavidas ao vento. Como © més avancava ao dia a0 qual me refiro, eresccu em mim 0 fascinio dum cinzento ¢ infernal amanhecer, em que cu sentia que alguma taumaturgia sombria se completaria. Desde ento eu temia tal taumaturgia menos que um prolongamento de minhas horripilantes suspeitas, menos que a ilus6ria sugestio dalgo monstruoso espreitando atras do grande cendrio. Era com mais expectativa que verdadciro temor que cu aguardava indefinidamente, pois o dia de horror parecia estar chegando. O dia, repito, no final de setembro. Nao tenho certeza se 22 ou 23. Tais detalhes fugiram antes da lembranga desses acontecimentos incompletos que nao deveriam contaminar uma vida disciplinada por causa das sugestdes condeniveis, ¢ $6 sugestées, que contém. Eu sabia a hora duma intuitiva aflicio de espirito, um reconhecimento muito profundo pra cu explicar. Ao longo dessas horas de luz do dia eu ficava na expectativa da noite, impaciente, talvez, de forma que a luz solar passava como o vislumbre dum reflexo na 4gua ondulante, um dia cujos eventos nao me recordo. Durante longo tempo aquela portentosa tempestade langara uma sombra sobre a praia ¢ depois que cu perecbera que a hesitagio nao cra causada por algo tangivel, pois estava esfriando e nfo tinha vontade de retornar tio cedo. Quando chegou um telegrama, guardado durante dois dias no escritério da Unido Ocidental antes de eu ser localizado, tao sumiriam resolvi deixar Eliston, pouco era conhecido meu nome, dizendo que meu desenho ganhara a competigio em primeito lugar, estabeleci uma data pra partir. Essa noticia, que mes recebi com estranha apatia. Parecia alheia a minha realidade, pouco pertinente a mim, dirigida a alguém que no conheco, cuja mensagem recebi de modo acidental. Entretanto foi o que me forcou completar meus planos ¢ ir embora da cabana da praia. Itavam s6 quatro noites pra terminar minha permanéncia quando aconteceu o tiltimo desses eventos cujo significando se estende mais na impressiio sombriamente sinistra que os cerca que ante alguma franca ameaga. A noite caira sobre Ellston ea costa, e uma pilha de pratos sujos atestava tanto minha recente refeigdo quanto minha inatividade. A escuridéo chegou quando me sentei com um cigarro ante a janela de mira-mar, onde se via um liquido que gradualmente enchia © céu, lavando numa lua flutuante, que monstruosamente se elevava. O mar plano que ladeia a arcia cintilante, a auséncia absoluta de arvore, figura ou qualquer tipo de vida ¢ a contemplacio daquela lua alta fez a imensidio de meu ambiente abruptamente claro, Havia s6 algumas estrelas espetadas no céu, como pra acentuar, por sua pequenez, a majestade do orbe lunar e da irrequieta antes teria me afetado fortemente, ¢ voliivel maré. Eu ficara enclausurado ¢ temia ficar diante do mar em tal noite de informe prodigio, mas 0 ouvi murmurar segredos duma incrivel tradicéo. Enfrentando 0 vento vindo de lugar nenhum, que tinha o félego duma estranha palpitacao vital, senti a incorporagao de tudo e de tudo suspeitei, agora ativo nos abismos do céu ou no mundo silencioso sob as ondas. Onde esse mistério virou um antigo pesadelo nao como quem se posta perto dum ser adormecido e sabe que despertara a qualquer momento, me agachei & janela, segurando um cigatro quase no fim, contemplando © luar ascendente. Gradualmente cruzou aquela inesquectvel paisagem um brilho que se intensificou com os lampejos do céu e eu parecia cada vez mais ansioso em ver o que aconteceria. As sombras escoavam desde a praia ¢ cu sentia que todo meu pensamento deveria se fixar nelas quando a suposta coisa chegasse. Onde algum deles permaneceu restou negror ¢ alvura: Até pedacos da escuridao esparramam sob os brutais ¢ brilhantes raios. O infindavel quadro vivo do orbe lunar, agora morto, o que quer que Ihe tenha pasado, ¢ frio como sepulcros inumanos, padece entre a ruina de séculos empocirados, mais velho que os homens, ¢ o mar, ativo, talvez, com alguma vida desconhecida, alguma sensibilidade proibida, me confrontou com uma horrenda vivacidade. Fechei a jancla, em parte por causa duma incitacéo interior mas, principalmente, crcio, como uma pretexto pra desviar momentancamente esse pensamento. Nao ouvi som enquanto a vidraga estava fechada. Minutos pareciam cternidade. Eu esperava, com 0 coragdo temeroso, a cena imével algures, o sinal dalguma vida inefivel. Fis ocidental do quarto mas a Lua era mais luminosa e seus taios azulados invadiram lugares onde a luz da lampada era lnguida. O antigo brilho da redonda ¢ silenciosa orbe se estendia na praia como um leito preparado pros ledes, ¢ esperei, numa atormentada expectativa duplamente agucada pela demora em se concretizar ¢ a incerteza de que a Fora da cabana, uma iluminagio branca sugeria vagas formas espectrais cujos irreais € fantasmagéricos movimentos pareciam escarnecer de minha cegueira, da mesma maneira que onhecidas escarneciam de minha escuta ansiosa, Durante muito tempo fiquei quicto, ei a lumindria numa caixa no canto stranha conclusao acontecet vozes des como se 0 tempo ¢ o badalar de seu grande sino se calassem em sua insignificincia. E nada havia que eu poderia temer: A Lua cinzelada pelas sombras eram antinaturais em sua auséncia de contorno ¢ nada ocultou a meus olhos. A noite silenciosa. Eu sabia que, apesar de minha jancla fechada, todas as estrelas cram sé lamento, escutanda, fixas num céu de sombria majestade. Nenhum movimento meu ou palavra, pois poderia revelar meu apuro ou meu cérebro apavorado, encarcerado em carne, que nao ousou quebrar o siléncio apés toda a tortura sofrida. Como aguardasse a morte ¢ confiante de que nada podia expulsar o perigo interior que confrontei me abaixei esquecendo um cigarto na mao. Um mundo silencioso cintilou além das sujas e baratas janelas e, num canto do quarto, um par de remos sujos, colocado lé antes de minha chegada, compartilhou a vigilia de meu espirito. A lumindtia queimou indefinidamente, com um matiz doentio como a carne dum cadaver. Esbarrando nela de vez em quando, em desesperada distracio, vi muitas bolhas inexplicavelmente rosadas Estranhamente nao havia calor do pavio. E de repente me dei conta que a noite era um corpo nao quente nem frio, mas estranhamente neutro, como se fossem suspensas todas as forcas fisicas ¢ rompid: duma existéncia tranquila. Entéo, num silencioso esguicho que atirou agua prateada a orla, uma linha ondular arrepiou meu coracio. Uma coisa natatéria emergiu além das ondas. A figura poderia ser apenas um cachorro, um ser humano ou algo mais estranho. Nao poderia saber © que vi, talvez no tenha me wvairem na base cheia de querosene. todas as lei preocupado mas, como um peixe deformado, nadou sobre o reflexo das estrelas e mergulhou. Um momento depois emergiu. Entio, estando mais proximo, vi que levava algo no ombro. Eu sabia que no podia ser um animal, e que era um homem ou algo como um homem, chegando & terra vindo do oceano escuro que nadava com uma facilidade espantosa, Enquanto as istia, apavorado ¢ passivo, com o olhar fixo de quem espera a morte, mas sabe que nao a pode evitar, o nadador se aproximar da orla, mas muito ao longe na praia sul pra eu discernir a fisionomia ou caracteristica. Trotava no escuro, com centelhas de espuma enluarada espalhada por scu andar rapido se afastou, se perdendo entre as dunas interiores. Novamente se apoderou de mim um sibito medo que se extinguira antes. Um formigamento gelado me percorreu todo o corpo, mas © quarto cuja janela nao ousei abrir ficou sufocante Pensei que seria horrivel se algo entrasse numa janela aberta. Agora que jé nfo podia ver a figura, sentia que se demorava nalgum lugar nas sombras interiores ou me obscrvava hediondamente dalguma janela que nio vi. E as cada vidraga, temendo me ver a face-a-face com um intruso, mas incapaz de manter essa aterrorizante inspecdo. Mesmo eu vigiando durante horas nada mais tinha na praia Assim a noite passou ¢ com cla comecou a vazar aqucla singularidade. Uma estranheza que emergira como uma bebida mal fermentada dentro duma garrafa, que atingira exatamente o mesmo ponto da costa num breve instante, pausara, meio desnorteada, ¢ prosseguira, levando consigo alguma mensagem desconhecida. Como as estrelas que prometem a revelagao de recordacées terriveis ¢ gloriosas, nos incitam em adoracao ¢ logo nos decepcionam ¢ nada dio, cu ficara espantosamente perto de conhecer um antigo segredo, algo que se aventurou perto dos abrigos humanos e espreitou cautelosamente pouco além da extremidade conhecida. E no fim nada obtive. Eu estava determinado a ter s6 um vislumbre da coisa furtiva, um vislumbre obscurecido pelo véu da ignorincia. Nem posso conecber o que teria descoberto se cu me aproximasse daquele nadador que foi em diego & costa em vez de ao oceano. Nao sei o que poderia ter acontecido se a bebida fermentada passasse pelo gargalo e vertesse uma stibita cascata de revelagao. O oceano noturno retinha tudo © que concedia. Nada mais saber ‘Mas nao sei por que o oceano me fascina tanto, Talvez. nenhum de nés pos problemas, que existem em desafio a toda explicagiio. H4 homens sabios que nao gostam do mar ¢ sua arrebentacio lambendo amarcladas praias. E acham estranho que se ame profundamente 0 interminavel mistério antigo. Creio que ha um assombroso ¢ inescru caprichos do oceano. Esta na melancélica espuma prateada sob o cadaver pegajoso da Lua, paira em cima das ondas silenciosas ¢ eternas que batem em orlas desnudas. Esta 14 quando tudo esta morto, exceto pra formas desconhecidas que deslizam em profundidades sombrias. E quando vejo as temerosas vagas surgindo com forca infinita sinto um éxtase similar ao pavor. De forma que tenho de me humilhar ante esse poderio, j4 que no posso odiar a Agua borbulhante e sua opressiva beleza. Vasto ¢ desolado € 0 oceano, ¢ como todas as coisas vieram dele, assim devem a cle retornar. iim virei meu olhar, ansiosa ¢ freneticamente, sucessivamente, a solver esses ar fascinio em todos os Na profundeza amortalhada do tempo nada reinara na terra, nem movimento haverd, exeeto na Agua eterna, que batera em praias escuras com espuma atroadora. Mas nada permanecera naquele mundo agonizante pra assistir a luz fria da Lua enfraquecida, que rege as marés girando ea granulosa arcia. Sé na profunda margem descansar4 uma espuma estagnada ¢ sc juntara sobre as. conchas ¢ ossos de formas perecidas que moravam na agua. Coisas silenciosas ¢ frouxas langardo ¢ rolario ao longo de orlas vazias ¢ extinguirdo a vida Jenta, Entdo tudo ficard escuro pra, afinal, até mesmo a branca Lua deixar de se refletir nas ondas distantes. Nada permanecerd sobre ou sob a Agua sombria. E até o ultimo milénio, além do perecimento de toda coisas, o mat trovejar4 e se langara ao longo da triste noite. as outras

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