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O modelo inclusivo parte do pressuposto que o aluno com NEE deve manter-se
na classe regular, embora admita que, sempre que a situação o exija, se possa considerar
um conjunto de opções que levem a um apoio fora da classe regular. É um modelo
aparentemente muito voltado para a defesa dos direitos dos alunos com NEE, para a
criação de igualdade de oportunidades educacionais, eivado, portanto, de um discurso
social. Este discurso coloca o aluno com NEE num contexto onde a sociedade é
responsável pela mudança, sendo que não deverá ser só a sua condição problemática a
ser considerada, mas também, e principalmente, devem ser considerados os ambientes
onde ele interage, uma vez que os aspectos sociais podem alimentar sentimentos
permanentes de incapacidade, criando ao aluno sucessivas situações de desvantagem.
Contudo, quanto a mim, e como educador, precisamente neste caso, dos alunos
com NEE, para além do discurso eminentemente social, que traz consigo o respeito
pelos seus direitos, condição inequívoca numa sociedade democrática, haverá também a
considerar o tipo de respostas educativas que irão ser as mais adequadas às suas
características e necessidades.
Assim sendo, sou da opinião que será uma intersecção de discursos, dos quais
destaco, para além do social, o legislativo e o psicopedagógico, que melhor se
coadunará às necessidades dos alunos com NEE.
Esta intersecção de discursos, que denomino por discurso educacional (Correia,
2002; 2003), tem como objectivo primeiro responder às necessidades específicas de
todos os alunos, designada e principalmente dos alunos com NEE, devendo basear-se
em três parâmetros essenciais que levem o aluno com NEE a responder, sempre que
possível, às solicitações do currículo comum do ano que frequenta, a saber:
1
Por ajustamentos quero dizer um conjunto de acções educativas destinadas a levar o aluno a atingir os
objectivos do currículo comum. Assim, elas não alteram os conteúdos do ensino. Espera-se que o aluno
aprenda a mesma informação que o resto dos seus colegas e seja avaliado da mesma forma, embora se
possa considerar mais tempo para realizar as tarefas, alterar a sequência da informação a apresentar,
mudar o aluno para um local mais sossegado de acordo com a exigência da tarefa a executar, etc. Muitas
das vezes os ajustamentos fazem uso de tecnologias como, por exemplo, calculadoras e computadores.
2
Por adaptações quero dizer modificações ou suplementos ao currículo com o fim de maximizar o
potencial do aluno. Elas podem, assim, alterar os tópicos e conteúdos a leccionar, as sequências
curriculares, etc.
Quanto à componente educativa, ela deve apoiar-se numa avaliação
compreensiva, mais exaustiva e mais completa que a preliminar, que venha permitir
traçar um perfil do aluno com base no seu funcionamento global, nas suas capacidades
e necessidades e nos seus ambientes de aprendizagem e que pressuponha a elaboração
de programações individualizadas que tenham por base a flexibilização curricular,
podendo recorrer-se, neste caso, a adaptações curriculares generalizadas, ao ensino e à
aprendizagem em cooperação e às tecnologias de informação e de comunicação
(Correia, 1997; Fox, 1998; Bauer e Shea, 1999). Nesta fase, e tendo em conta a
planificação, a programação deve poder contar com um conjunto de serviços, muitos
deles especializados, devendo tornar-se, portanto, sempre plural e interdisciplinar.
Finalmente, há ainda uma outra fase a ter em conta, que continua muito
arredada das nossas escolas, que se prende com a preparação dos alunos para o mundo
do trabalho e com a sua inserção na sociedade. Esta fase que denominei de transicional,
diz respeito aos programas que são dirigidos a alunos que não estejam a atingir os
objectivos do currículo comum e que, devido à sua idade (na minha óptica, 14 ou mais
anos) e aos seus problemas, geralmente acentuados, necessitam de um conjunto de
medidas que possam facilitar a sua inserção na sociedade e no mundo laboral. Neste
caso, os programas, habitualmente chamados de programas de transição
individualizados (PTI), não só fazem apelo a adaptações curriculares significativas e
generalizadas e ao ensino e aprendizagem em cooperação (PEI), como também pedem
o envolvimento do aluno em actividades comunitárias, devendo ser-lhe facultada uma
atenção muito especial em termos individuais. Assim, todos os anos a EPEI deve
programar experiências que venham a ajudar o aluno a transitar da escola para as
próximas etapas da sua vida. Estas experiências devem ajudar o aluno a perceber as
suas áreas fortes (capacidades) e as suas necessidades, bem como proporcionar-lhe os
apoios que são necessários para que ele possa vir a experimentar sucesso.
A programação transicional, para além da interdisciplinaridade, exige também
envolvimento comunitário, sem o qual será difícil atingir os objectivos propostos no
plano de transição, ou seja, ela deve ajudar o aluno a propor um conjunto de objectivos
que se prendam com as suas intenções de trabalho após a sua saída da escola (Germain
e Gitterman, 1996; Correia, 2001).
Finalmente, o modelo de atendimento à diversidade compreende ainda uma
outra componente, denominada de reavaliação, cujo objectivo é o de se verificar se a
programação educacional considerada foi a mais apropriada para responder às
necessidades educativas especiais do aluno ou, se o não foi, conceber um outro tipo de
respostas educativas mais adequadas a essas mesmas necessidades.
O processo
Posto que, na minha óptica, como argumentámos atrás, os alunos com NEE
permanentes têm direito a planificações e programações individualizadas, elaboradas
por um conjunto de profissionais de educação com responsabilidades diversas, no
sentido de se darem respostas adequadas às suas características e necessidades, então é
importante que se considere um processo que tenha em conta esse propósito. Assim
sendo, estou convicto que o processo que leva à adequação dessas respostas educativas
deve aproximar-se, ou mesmo ter por base, um modelo idêntico àquele que apresentei
no ponto anterior e que denominei por modelo de atendimento à diversidade.
Este modelo enfatiza a importância da observação e avaliação do aluno e dos
seus ambientes de aprendizagem, com o fim de se verificar onde se enquadram as suas
características dentro do vasto leque das NEE (identificação) e onde se situam as suas
necessidades, bem como as dos ambientes onde ele interage (conhecimento). A
avaliação torna-se, assim, numa parte integral da identificação e programação para o
aluno com NEE, tendo por meta a recolha de informação pertinente com o fim de se
poderem tomar decisões educacionais consentâneas com as suas capacidades e
necessidades, ou seja, a avaliação tem a ver com um conjunto de procedimentos
destinados a determinar se um aluno tem, ou não, uma discapacidade e qual a natureza
e amplitude de serviços de apoio especializados (serviços de educação especial) de que
esse aluno necessita. Neste contexto, a identificação é o primeiro passo desse conjunto
de procedimentos, entendendo-se como o fenómeno que irá determinar se o aluno é
elegível para receber apoios especializados e em que medida.
Para além da identificação, a avaliação apoia-se em pelo menos mais seis
objectivos (Correia, 1991; Taylor, 1993) que passamos a explicitar sucintamente. O
primeiro, denominado por delimitação e avaliação de programas e estratégias de
ensino (avaliação preliminar), é um dos mais importantes do processo de avaliação,
uma vez que pretende evitar que o aluno com possíveis NEE seja encaminhado para os
serviços de educação especial.
No entender de Correia (1997):
3
Aqui o trabalho em colaboração pode ser fundamental, devendo, em caso afirmativo, congregar os
esforços dos educadores ou professores de turma e de educação especial e de quaisquer outros técnicos
que se julguem necessários, a título consultivo.
avaliação dos seus desempenhos académicos e sociais, através do uso de instrumentos e
técnicas formais e informais; e a elaboração de um programa educativo
individualizado/PEI (Correia, 1993). Este processo deve iniciar-se com o
preenchimento de uma grelha de encaminhamento (referimento) e o envio de uma
notificação aos pais do aluno, solicitando-lhes a sua anuência.
Assim sendo, a avaliação compreensiva, depois de obtida a anuência parental e
a informação sobre o passado do aluno em termos familiares, clínico-
desenvolvimentais e educacionais, denominada por história compreensiva (Correia,
1997), deve incluir a observação de todas as áreas de funcionamento do aluno que se
suspeite estarem directamente ligadas às suas necessidades educativas4. Este processo
deve envolver, portanto, um conjunto de especialistas que devem efectuar a sua
avaliação nas respectivas áreas de especialidade, após a elaboração de um plano de
avaliação conjunto onde estejam discriminadas as áreas a avaliar, os instrumentos a
usar, os elementos que vão proceder às avaliações parciais e as datas de efectuação
dessas mesmas avaliações.
O terceiro objectivo da avaliação prende-se com as decisões a tomar acerca da
classificação e colocação do aluno em determinada modalidade de atendimento. É
nesta fase que os resultados das avaliações efectuadas pelos diversos elementos da
equipa multidisciplinar são analisados com o fim de se determinar da sua elegibilidade
para serviços de apoio especializados. É uma fase determinante, embora a mais
controversa de todas elas, dado que há muitas vezes a necessidade de se classificar5 o
aluno para, assim, o qualificar para os serviços e apoios especializados.
Ainda nesta fase os pais devem ser informados dos resultados da avaliação e, no
caso de o aluno ser considerado elegível para os serviços de educação especial, eles
devem também poder participar na reunião cuja finalidade é a de planificar uma
intervenção que leve à elaboração de um programa educativo individualizado (PEI).
Esta fase constitui o quarto objectivo do processo de avaliação.
A elaboração de um PEI deve apoiar-se na interpretação dos resultados obtidos
na avaliação, devendo ser efectuada por todos os elementos que fizeram parte da equipa
interdisciplinar, e pelos pais, com o propósito de se determinar quais as metas anuais a
4
Assim, poderão considerar-se para avaliação áreas tal como a académica, intelectual, emocional,
motora, de linguagem e perceptivas (auditiva e visual), entre outras.
5
A própria lei não consegue fugir à classificação no que respeita aos serviços de educação especial (ver
Decreto-Lei 319/91, de 23 de Agosto e Decretos-Lei 6/2001, de 18 de Janeiro). Também Kauffman, ao
falar sobre o assunto, afirma, “We cannot speak of difference or special needs without words (labels).”
atingir pelo aluno de acordo com as suas capacidades e necessidades. É ainda
importante, nesta fase, que se tomem decisões quanto à modalidade de atendimento que
melhor se adeqúe às necessidades educativas do aluno, não deixando, no entanto, de se
considerar que a classe regular é o meio menos restritivo onde o aluno, sempre que
possível, deve permanecer.
A avaliação é ainda crucial quanto ao processo de monitorização do
aproveitamento do aluno (avaliação formativa). A preocupação do professor de turma, e
de quaisquer outros profissionais de educação ligados ao aluno, deve prender-se com o
desenvolvimento de novas competências e, se for o caso, com a apropriação de novas
estratégias ou métodos de ensino que permitam levar o aluno a atingir os objectivos
propostos na sua programação educativa individualizada (avaliação processual).
Finalmente, todo o processo deve ser revisto, pelo menos no final de cada ano
lectivo, com o fim de se determinar o caminho a seguir pelo aluno com base nas
competências que ele adquiriu de acordo com os objectivos estabelecidos no PEI
(reavaliação).
Chegados aqui, podemos resumir todo o processo de avaliação a sete etapas
essenciais que vão desde a identificação até à reavaliação, devendo passar por um
conjunto de decisões que digam respeito à avaliação preliminar, avaliação
compreensiva, elegibilidade, elaboração de uma programação educacional
individualizada e avaliação programática para todo o aluno cujas características se
insiram dentro do espectro das NEE.
Um sentido de comunidade
Liderança
Quanto à sua constituição, das equipas de planificação inclusiva devem fazer parte,
pelo menos, um representante do conselho executivo, um educador, um professor
representante de cada ciclo do ensino básico (um professor de cada ano no caso do
ensino secundário), um professor de educação especial e um elemento da associação de
pais. Poderão ainda fazer parte da equipa, sempre que as circunstâncias o justifiquem, um
especialista do foro da psicologia e um aluno, desde que com mais de 16 anos.
No que respeita as equipas de colaboração, elas destinam-se a tomar decisões
iniciais acerca de como responder às necessidades educativas de um aluno, podendo
definir-se como sendo o trabalho conjunto de dois ou mais educadores ou professores e,
até, quando necessário, de vários agentes educativos e de pais, com o intuito de tentar dar
respostas adequadas aos problemas educacionais que se lhes colocam no dia a dia escolar.
A relevância das suas decisões está na forma como trabalham juntos, ou seja, é
importante que todos os elementos envolvidos na equipa de colaboração sintam que o seu
contributo é válido e que se destina a atingir um objectivo pré-determinado, tentar
minimizar ou suprimir os problemas de um aluno antes de o encaminhar para os serviços
de educação especial (Correia, 1997).
No entanto, caso os problemas do aluno se mantenham, haverá que conhecê-lo
melhor, bem como aos seus ambientes de aprendizagem. Assim sendo, ter-se-á,
possivelmente, de recorrer a um conjunto de serviços de apoio especializados, que
facilitem a elaboração de uma programação educativa individualizada. Neste caso, a
equipa passa a ter responsabilidades claramente definidas, cujo objectivo é o de vir a
facultar ao aluno com NEE uma educação apropriada e a denominar-se de equipa
interdisciplinar, embora prefira chamá-la, como já o disse anteriormente, de equipa de
programação educacional individualizada (EPEI), por julgar que esta designação retira o
estigma clínico que o termo “equipa interdisciplinar” parece conter.
Uma EPEI, para além da programação individualizada, deve preocupar-se, também,
com questões que se relacionem com a permanência do aluno com NEE na sala de aula,
com a prestação de serviços (por exemplo, terapia da fala) dentro ou fora da classe
regular, com o tipo de serviços de educação especial que devem ser prestados e em que
medida e, até, com a troca de informações e o encontrar de soluções sobre quaisquer
problemas que os alunos sem NEE possam apresentar.
Colaboração e cooperação
Formação
Apoios educativos
- Modificar (adequar) o currículo comum para facilitar a aprendizagem da criança com NEE;
- Propor ajuda suplementar e serviços de que o aluno necessite para ter sucesso na sala de aula e fora
dela;
- Alterar as avaliações para que o aluno possa vir a mostrar o que aprendeu;
- Estar ao corrente de outros aspectos do ensino individualizado que possam responder às necessidades
do aluno.
- Trabalhar directamente com aluno com NEE (na sala de aula ou sala de apoio a tempo parcial, se
determinado no PEI do aluno)
QUADRO I
Recursos humanos
Liderança – cujo papel é o de providenciar os meios necessários para a implementação de uma filosofia
inclusiva numa escola e/ou agrupamento de escolas.
Professor de apoio – deve ser responsável pela consecução dos objectivos considerados nas
programações educativas para os alunos com NEE, levando-os a adquirir as respectivas competências
numa área determinada (por exemplo, língua portuguesa, matemática, etc.).
Auxiliar/Assistente de acção educativa – deve ser responsável pelo apoio ao aluno com NEE (de
acordo com o estipulado pelo educador/professor de turma e/ou pelo docente de educação especial), bem
como pelo apoio aos outros alunos da sala de aula.
Docente de educação especial – deve ser responsável pela elaboração e execução de programas
educacionais adequados às características e necessidades dos alunos com NEE, em colaboração com os
outros elementos de uma equipa interdisciplinar.
Técnicos especializados (estão debaixo desta designação os psicólogos, terapeutas, técnicos de serviço
social, médicos e enfermeiros) – devem ser responsáveis pela avaliação e elaboração de intervenções
adequadas para alunos com NEE nas suas áreas de especialidade.
Pares dos alunos com NEE – podem desempenhar um papel preponderante no processo de educação do
aluno com NEE através de tutórias e/ou colaboração regular orientada pelo educador/professor de turma.
Pais – são elementos chave no que diz respeito à elaboração de programações educacionais para alunos
com NEE, providenciando informação respeitante ao desenvolvimento e crescimento do aluno e
identificando, conjuntamente com os outros elementos de uma equipa interdisciplinar, objectivos
pertinentes que permitam ao aluno adquirir competências em áreas determinadas.
Reflexão final
Tendo em conta tudo o que atrás ficou dito, estou ciente que as soluções nem
são simples nem optimistas, uma vez que os alunos com NEE só beneficiam do ensino
ministrado nas classes regulares quando existe uma congruência entre as suas
características, as suas necessidades, as expectativas e atitudes dos professores e os
apoios adequados. Caso contrário, a inclusão destes alunos passa a exclusão funcional,
onde os programas são inadequados ou indiferentes às suas necessidades.
A comunidade educativa deve perceber que a sua atitude face à educação dos
alunos com NEE faz toda a diferença, influenciando, positiva ou negativamente, o seu
desenvolvimento académico, socioemocional e pessoal. Os nossos medos e as nossas
inseguranças não devem restringir ou, até, impedir esse desenvolvimento. Pelo
contrário, devemos munir-nos de convicções que permitam dar aos alunos com NEE as
oportunidades para se desenvolverem, de acordo com as suas capacidades e
necessidades, e, assim, tornarem-se, na medida do possível, em cidadãos atentos,
autónomos e produtivos.
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