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O texto que se segue será construído sobre três teses de HANNAH ARENDT
que retiro das suas Conferências sobre a filosofia política de KANT. Sigo o livro
Juger das Éditions du Seuil , Paris, 1991.
Introdução:
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Tese 1:
KANT não tomava muito a sério os seus escritos de incidência política (p.
22).
Não é difícil tomar por verdadeira tal afirmação. Talvez, porém, com esta
outra redacção: KANT não atribuía grande mérito aos seus escritos sobre a história e
a política. Eles não tinham, de facto, a monumentalidade da Crítica da Razão Pura.
Não lhe impuseram dez anos de penosa meditação, nem ele suou as estopinhas para os
passar ao papel. Não possuem, obviamente, a sistematicidade de uma quarta Crítica.
São textos de circunstância, redigidos "com propósito diverso e também em épocas
diferentes", e que, por conseguinte, não se inscreviam no plano integrador de um livro.
A "novidade e as dificuldades dos seus pontos de vista" não eram tantas que o autor
tivesse que recear, como no caso da primeira Crítica, a raridade dos leitores
competentes. É natural, pois, que KANT, ele próprio, não pretendesse para os seus
opúsculos o reconhecimento que justamente poderia reivindicar para qualquer das
suas grandes obras.
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HANNAH ARENDT recusa a teoria da senilidade, mas nem por isso atribui
grande significado filosófico-político aos opúsculos. Na sua opinião, eles remetem
mais para a filosofia da história do que para a filosofia política e naquele domínio os
mestres são outros, designadamente VICO, HEGEL ou MARX.
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Tese 2:
A simpatia de KANT pela revolução francesa procedia de um puro prazer
contemplativo e de uma satisfação inactiva (p. 33).
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um novo significado que vai buscar à Crítica da Faculdade do Juízo. A partir daí,
arroja-se a escrever em nome do filósofo "a filosofia política que ele não escreveu". E,
assim, KANT torna-se autor póstumo de uma filosofia política centrada no espectador
confortavelmente instalado na vida contemplativa e não, como seria de esperar, no
actor que sacrifica a sua segurança nas contingências e riscos da vida activa. É aquele
- o espectador - e não este - o actor - quem garante aos acontecimentos políticos o seu
eventual valor histórico. Pensa assim HANNAH ARENDT: "o que contou na
Revolução francesa, o que fez dela um acontecimento da história do mundo, um
fenómeno inolvidável, não foram os actos de glória nem as malfeitorias dos actores,
mas as opiniões e a aprovação entusiástica dos espectadores, daqueles que não
estavam comprometidos" (101).
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Não seria diferente a perspectiva kantiana no caso da guerra. Por mais que a
paz seja humanamente desejável, é necessário admitir a sua inevitabilidade no quadro
de uma espécie em formação contínua. HANNAH ARENDT invoca a ambiguidade
irónica do título que KANT deu ao opúsculo que dedicou a esta questão, inspirando-se
na tabuleta de uma estalagem holandesa que sugeria a quietude dos cemitérios. É aí
que a paz eterna realmente existe e o estalajadeiro oferecia as bebidas que
mergulhariam os clientes num estado de adormecimento semelhante. A paz seria a
imobilidade, a estagnação, enfim, a morte. É óbvio que a condenação da guerra pela
razão prática não condiz com a opinião de que a guerra é necessária para desenvolver
os talentos e fazer progredir a espécie. HANNAH ARENDT convida-nos, porém, a
superar a dificuldade tentando compreender que KANT encara a guerra sob duas
perspectivas diferentes e não conciliáveis: a do actor e a do espectador. É apenas da
perspectiva do actor que a prática da violência (guerra ou revolução) deve ser, em
todas as circunstâncias, considerada ilegítima. "O que aqui vemos claramente -
observa ela - é a incompatibilidade entre o princípio segundo o qual se deve agir e
aquele que rege o juízo". Não é possível erigir a guerra num princípio da acção
universal. Por isso, a paz é um dever incondicionado, absolutamente imperativo.
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Mas, fosse isso verdade, isto é, não sofresse KANT com as atrocidades
"visíveis" da guerra, nem por isso o seu juízo corresponderia à natureza do juízo do
gosto porque de modo nenhum lhe seriam indiferentes as vantagens intelectuais
decorrentes da paz. O juízo estético exclui todo o interesse pela existência ou pela
eliminação do objecto, pela sua razão de ser e pelas consequências da sua presença ou
ausência. Só ele coloca o juiz-espectador e o objecto fora do jogo da vida e do
movimento da história, reduzindo o tempo subjectivo ao instante do presente e da
presença.
É dessa ordem o juízo que KANT faz sobre a revolução francesa. Ele não
evoca, anos volvidos, o prazer contemplativo e a satisfação inactiva que lhe causaram
o evento, mas, bem pelo contrário, uma adesão entusiástica, tão entusiástica que nem a
consciência do perigo fazia calar (o texto do Conflito das faculdades está cheio de
sugestões ao tempo de censura que se vivia na Alemanha de Frederico-Guilherme II e
do seu sucessor). Se, como pretende HANNAH ARENDT, as nossas decisões sobre o
que é justo ou injusto repousam sobre a escolha das nossas companhias, esta escolha
não é contudo moralmente arbitrária. KANT escolheu por companhia os espectadores
que, por sua vez, e como ele, decidiram juntar-se em pública manifestação de
solidariedade aos revolucionários que lutavam pela emancipação de todo um povo.
Esses espectadores não estavam directamente envolvidos, não arriscavam aí a vida
nem a liberdade. Encontravam-se na situação ideal de imparcialidade semelhante à de
um juiz no tribunal: sem implicação no caso em diferendo, decidiam-se a favor de
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uma das partes por imperativo da ideia de justiça. HABERMAS diria tratar-se da
"única parcialidade universalizável": a parcialidade a favor da razão.
Tese 3:
É contrário à dignidade humana crer no progresso (p. 117).
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progresso. "Elas encantam qualquer mortal que delas se aproximem. Mas bem louco é
quem pára para escutar os seus cantos. Jamais em casa a mulher e os filhos festejarão
o seu regresso" (Odisseia, XII, 40-45). A persistência na rota da racionalidade
teleológica é então conseguida a troco da repressão da natureza interna.
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Terá sido neste quadro dualista que, segundo HANNAH ARENDT, o autor
do Conflito das faculdades aclamou, depois de consumada com sucesso, uma
revolução que não se atreveria a aprovar antes.
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para benefício dos oprimidos e explorados: “Por piedade, por amor à humanidade,
sede inumanos” (apelo dirigido à Convenção Nacional, Essai sur la révolution, 128).
Seja como for, tenho para mim como inquestionável a necessidade de evitar
que as produções críticas do pensamento possam perder a sua validade perante a força
cruenta dos factos.
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F. Cabral Pinto
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