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—_$J_—$— — CURRICULOS DE HISTORIA E POLITICAS PUBLICAS: OS PROGRAMAS DE HISTORIA DO BRASIL NA ESCOLA SECUNDARIA, ——_$$$_$_— Katia Abud" Os curriculos e programas constituem o instrumento mais podero- so de intervengao do Estado no ensino, o que significa sua interferénci: em iiltima instancia, na formagao da clientela escolar para o exercicio da cidadania, no sentido que interessa aos grupos dominantes. Através dos programas divulgam-se as concepgdes cientificas de cada discipli- na, o estado de desenvolvimento em que as ciéncias de referéncia se encontram e, ainda, que diregdo devem tomar ao se transformar em sa- ber escolar. Nesse processo, o discurso do poder se pronuncia sobre a educagio e define seu sentido, forma, finalidade e contetido e estabele- ce, sobre cada disciplina, 0 controle da informagao a ser transmitida e da formagao pretendida. Assim, a burocracia estatal legisla, regulamen- tae controla o trabalho pedagégico (CHAUN). ‘Mas o curriculo enquanto texto oficial apresenta outras faces. Tem sido 0 veiculo ideal para a disseminacdo do discurso do poder ¢ para a difusio da ideologia entendida como uum corpus de representagdes e normas que fixam ¢ preservam de an- emi que e como se deve pensar, agire sentir, coma finalidade de produ uma universalidade imogindria daqual depende a eficécia da Nicologia para produvir um imagindrio cole8ivo, no qual os individuos Se localizem. identifiquem-se e assim lepitimem involuntariamente a divisio social, A ideologia deve representar 0 real ¢ a pratica social através de uma Iogica cocrente. (CHAUD *Professora da Faculdade de Educagdo da USP. 28 Os textos oficiais so produzidos considerando-se uma escola ideal, como situagao de trabalho € como local de recursos humanos. Eles njo relativizam a realidade e trabalham com a auséncia de rupturas e resis- téncias. As dificuldades e obstéculos presentes no cotidiano das escolas esto ausentes dos textos. Os curriculos e programas das escolas publi- 3s, Sob qualquer forma que se apresentem (guias, propostas, parmetros), sio produzidos por érgios oficiais, que os deixam marcados com stias tintas, por mais que os documentos pretendam representar 0 conjunto dos professores e os “interesses dos alunos". E por mais que tais grupos reivindiquem participagao na elaboragao de instrumentos de trabalho, ela tem se restringido a leituras e discusses posteriores & sua elaboracio. ‘Mesmo assim, representam uma forma de produgdo de conheci- mento que serd acessfvel maior parte da populacio escolarizada no nivel fundamental. Os curriculos so responsaveis, em grande parte, pela formagio e pelo conceito de Histéria de todos os cidados alfabetiza- dos, estabelecendo, em cooperagdo com a midia, a existéncia de um discurso histérico dominante, que formaré a consciéncia e a meméria coletiva da sociedade Mesmo que as ciéncias de referéncia tenham se transformado ¢ no- vas formas de construgo do conhecimento tenham se fortalecido, o peso das instituigdes ainda € muito forte no sentido de impor as concepgGes dominantes da “hist6ria institucional” que é “a transcrigo de uma neces- sidade, (...) de cada grupo social, de cada instituiga0 que assim justfica e legitima sua existéncia, suas atitudes...” (FERRO, p. 19) porque “a institui- ‘¢4o nao fornece somente uma base social a uma doutrina, ela a determina € a toma possivel, sub-repticiamente” (DE CERTEAU). Nessa perspectiva, 08 curriculos nao poderao ser analisados independentemente dos orgaos que os produziram, pois é “impossivel analisar o discurso hist6rico, inde~ pendentemente da instituigo em fungao da qual ele & organizado em si- Iéncio” (DE CERTEAU). A trajet6ria da Hist6ria como disciplina escolar, no Brasil, nao foi tranqiiila, tanto em relagdo a sua introdugao na grade curricular da esco- la secundéria quanto a elaboragdo de seus programas. A Histéria como disciplina escolar da escola secundaria se efetivou com a criagdo do Colégio D. Pedro TI, no final da regéncia de Araijo Lima, em 1837. ‘A Hist6ria disciplina nao nasceu sozinha, Foi sua irma gémea a Hist6ria académica. No mesmo ano em que foi criado o Colégio D. 29 Pedro II foi criado o Instituto Histérico e Geografico Brasileiro (1HGB), Enquanto aquela escola fora criada para formar os filhos da nobreza da Corte do Rio de Janeiro e prepard-los para o exercicio do poder, cabia a0 THGB construir a genealogia nacional, no sentido de dar uma identida- de & nago brasileira e “formar, através do ensino de Historia, uma cién- cia social geral que (ensinasse) aos alunos, ao mesmo tempo, a diversi- dade das sociedades do passado e o sentido de sua evolugdo” (FURET), Nesse momento, em que o Brasil se estruturava como nagio, apés a Independéncia de 1822, a Hist6ria académica e a Histéria disciplina escolar se confundiam em seus objetivos, pois a nacionalidade era a grande questo posta & sociedade brasileira. As classes dirigentes se atri- buiam 0 direito de escotha do pasado, visto como um caminho percor- rido pela humanidade em diregao ao progresso, iluminado pelo concei- to de nagdo. A Histéria era o estudo das mudangas e, no final do século XIX, era um método cientifico € uma concepgdo de evolugao: ela se desenvolveu buscando o fortalecimento do Estado, conformago mate- rial da nagdo (FURET). A ligacdo entre a duas instituigdes era profunda. Os membros do THGB eram professores do D. Pedro Il. E as resolugdes do IHGB sobre a Historia afetavam grandemente a instituigao escolar, cujos lentes eram responsdveis pela elaborarao dos programas. O Pedro Il e o IHGB re- presentavam, na segunda metade do século XIX, as insténcias de produi- (¢40 de um determinado conhecimento hist6rico, com o mesmo arcabouco conceitual e problematiza;a0. Em 1843, o Instituto Historico perguntou aos seus sécios “Como se deve escrever a Histéria do Brasil?”. A resposta vencedora foi a de Von Martius. Ele afirmava que, para se escrever a Hist6ria do Brasil, devia-se, em primeiro lugar, atentar para a formagao étnica do Brasil ¢ a contribuigao do branco, do negro e do indio para a formagao da po- pulacZo brasileira. Enfatizou o papel dos portugueses no descobrimento e colonizagao, compreendido somente em conexo com suas faganhas maritimas, comerciais e guerreiras. Foi Martius também quem lem- brou que ndo se poderia perder de vista 0 desenvolvimento civil € legislativo e os movimentos do comércio internacional. Apontou para a importancia da transferéncia para o Brasil das instituigdes munici- pais portuguesas e o desenvolvimento que tais instituigdes tiveram Destacou 0 papel dos jesuftas na catequese e na colonizagao e a im- 30 Portancia de se estudar as relagdes entre a Igreja Catélica e a Monar- quia. Mostrou ainda 0 interesse que havia em se conhecer o desenvol- vimento das ciéncias ¢ das artes € os aspectos da vida dos colonos. Para evitar uma possivel regionalizacao, sugeriu que se agrupassem regiées com caracterfsticas semelhantes e hist6rias convergentes (RODRIGUES). ‘As sugestées de Von Martius no tiveram eco somente entre 03 sécios do THGB enquanto pesquisadores da Hist6ria Patria, mas atingi- ram também aqueles que eram lentes do Colégio D. Pedro II. As pro- postas foram 0 sustentéculo dos programas de Hist6ria do Brasil e de compéndios e sinopses, como os de Abreu ¢ Lima e Bellegarde, utiliza- dos com muito sucesso como manuais did Elas permitiam que a Hist6ria, como conhecimento e como disci- plina, atendesse a uma dupla expectativa: ios. or um lado forjava a idéia de processo hist6rico linear, através da demarcacio de motivos iniciais e conclusivos e, por outro, ela se ofe- Fecia como relato de fatos que aconteceram sem qualquer intervencao do locutor. (SHAPOCHNIK) Através do trabalho de Von Martius configurou-se uma forma de se construir a Hist6ria nacional através da hierarquizagao de alguns fa- tos que deveriam ser centros explicadores, em torno dos quais todo um conjunto de acontecimentos passava a ser referido. A linearidade do processo hist6rico e « distanciamento do locutor, aparentes na listagem premiada de Von Martius, foram apropriados pe- los organizadores/produtores da Hist6ria como disciplina escolar. A re- lagdo dos temas € familiar aos professores de Hist6ria. Incorporados pelo ensino, tornaram-se dominantes e em torno deles gravitavam as variag6es recorrentes, que os mantiveram presentes, até a atualidade nos curriculos, propostas programas escolares, Uma andlise mais detalhada daqueles documentos nos mostra a permanéncia dos temas e das concepgdes que vém norteando os progra- mas, até perfodo bastante recente. O ColégioD. Pedro I continuou como escola-modelo, responsdvel pelos programas e, como tinica escola auto- izada a fornecer o certificado de concluso do curso secundério, até 1931, era responsdvel também pelos exames eliminatérios das discipli- nas que compunham a grade curricular. a1 Até aquela data, varias reformas educacionais foram realizadas, mas nenhuma delas teve a amplitude da Reforma Francisco Campos, ento Ministro da Educagio ¢ Saiide. Ela criou 0 curso seriado e a pro- gramacio unificada para o curso secundério, que passava a ser ministra- do por escolas autorizadas pelo Ministério, em todo 0 territério naci nal. Se os primeiros programas surgiram no momento de construgio da nacionalidade, inseridos na luta pela manuteng’o da Independéncia e criagdo de uma identidade nacional, os historiadores apontam 1930 como um marco da retomada da concepgio de Estado Nacional e da busca de uma identidade para 0 povo brasileiro. Logo apés a Revolucdo de 30 e a reorganizagio do Ministério da Educagao e Satide Piblica, 0 entio Ministro da Educagao do Governo Provis6rio, Francisco Campos, comandou uma profunda mudificagio do sistema educacional no pais. Desde 1925, ano da Reforma Rocha Vaz, os programas de ensino secundério cram formulados pelos professores catedraticos e aprovados pelas congregagdes do Colégio Pedro II e dos estabelecimentos esta- duais de ensino secundério, que haviam obtido a equiparagao aquele aps o cumprimento de uma série de formalidades. As escolas equipara- das deviam adotar, sem nenhuma modificagio, a scriagdio de matérias estabelecida para o Pedro IL, cabendo-Ihes apenas a elaboracao de pro- gramas préprios. A Reforma Francisco Campos estendeu a equiparagio aos colé- ¢gios mantidos pelos municipios, associagdes ou por particulares. Os pro- gramas ¢ métodos de ensino, porém, seriam produzidos pelo préprio Ministério. Eliminava-se desse modo a atribuigdo dos gindsios estaduais de elaborarem seus préprios programas, acentuando a centralizagao uniformizadora do ensino secundario. Paralelamente foi organizado um sistema de inspegao federal do ensino secundério, aprofundando ainda mais 0 controle exercido pelo governo central. Os programas e as respectivas orientagdes metodolégicas foram organizados por comissées formadas pelos drgios publicos educacio- nais e, segundo Guy de Hollanda, sio até hoje desconhecidos os nomes dos que elaboraram os programas de Hist6ria. Neles, o contetido estava disposto por série e procurava abranger a Historia Geral, do Brasil e da América. Tais programas vigoraram até 1942, quando reforma promovida por Gustavo Capanema mudow a gra- 32 de curricular introduzindo uma maior carga hordria as matérias do cam- po das humanidades. Concebidos durante a Era Vargas, 0s programas de Histéria elaborados pelas comissdes constituidas pelo Ministério da Educagao, apés as duas reformas, traziam implicitas as grandes ques- tdes que faziam o pano de fundo das transformagées que se estabele- ciam no perfodo. Em 1931, quando o Ministério da Educagio elaborou o primeiro programa para as escolas secundarias, jé com a seriago unificada, a Historia Geral e do Brasil constitufam uma tinica disciplina: a Historia da Civilizagdo, que era incluida nas cinco séries do curso secundério fundamental, aumentando sua carga horéria, pois até 1930 a Historia Universal e do Brasil constitufam apenas trés das cadeiras obrigat6rias do curso secundario. Gradualmente, por meio de varios atos legais, a Hist6ria do Brasil adquiriu autonomia, quando a Reforma de 1942, de Gustavo Capanema, restabeleceu em carter permanente a separag’o. entre a Hist6ria Geral e a do Brasil, aumentando consideravelmente a carga hordria da disciplina no curso ginasial. Desde as primeiras décadas do século XX, a questao da formagao da nacionalidade ¢ identidade nacional brasileira vinha ocupando espa- gos na producao intelectual e politica do pais. Jé em 1915, Alberto Tor- res indicava a formagao de uma consciéncia nacional como uma das tarefas mais urgentes a ser realizada pelos intelectuais (TORRES). A idéia de desenvolver o sentimento de identidade nacional se espalhou pela sociedade brasileira através da formacdo de associagées, como a Liga de Defesa Nacional, dirigida por Olavo Bilac, da literatura e de publica- ges, como a Revista do Brasil. Fundamentou também movimentos po- liticos, como 0 tenentismo, e movimentos culturais, como o modernismo. Nacionalismo e pensamento autoritério caminhavam juntos no Bra- sil. O liberalismo era apontado como uma idéia exética, que refletia campanhas politicas européias e norte-americanas e que, no Brasil, nao significava nada além do caudilhismo local ou regional (VIANNA) e a. politica era vista como um mecanismo alheio a sociedade e perturbador da ordem (TORRES). A concepeao de realidade e de sociedade, que se originava do nacionalismo e do antiliberalismo, levava & responsa- bilizago do Estado pela formagao da nacionalidade e pela diregdo do Povo, considerado simplesmente como “massas” que deveriam ser gui- adas pelas elites, verdadeiro motor das transformagées pelas quais 0 33 Brasil deveria passar para chegar ao desenvolvimento. Francisco Cam- pos, ideGlogo do autoritarismo, afirmava que “as transformagdes nao se operam pelas agées das mentalidade primitivas, mas pela influéncia das cigncias e das artes, filésofos, pesquisadores, engenheiros, artistas...” (CAMPOS) Outros intelectuais envolvidos com as questées educacionais nao escondiam a crenga na lideranga das elites. Fernando de Azevedo, 0 redator do Manifesto dos Pioneiros da Educaco, no Inquérito sobre a Instrugdo Publica, manifestou sua convicgao na necessidade de se priorizar a educagdo das camadas dirigentes, que deveria anteceder a educagdo do povo. A anterioridade da educagao da elite era necesséria porque ela seria seguida pelas massas (AZEVEDO). Outro educador co- nhecido que deixou bem claras suas convicgdes autoritétias foi Lou- rengo Filho, ao destacar a ligagao entre a politica de seguranga e a polf- tica de educagio, “pois no fundo trata-se de uma tinica e mesma polfti- ca: a dos mais profundos interesses da nagio”. Os interesses do Estado e da Educagao conjugavam-se na medida em que os individuos seriam moldados pela aco e representagdo conservadoras. Os programas de ensino de Hist6ria continham elementos funda- mentais para a formagdio que se pretendia dar 20 educando, no sentido de levé-lo A compreensZo da continuidade hist6rica do povo brasileiro, base do patriotismo, Nessa perspectiva, o ensino de Hist6ria seria um instrumento poderoso na construgao do Estado Nacional, pois traria a luz o passado de todos os brasileiros, e teria “... 0 alto intuito de fortale- cer cada vez mais o espitito de brasilidade, isto &, a formagao da alma e do carter nacional” (Plano Nacional de Educagao, 1936). As listas de contetidos, sua distribuicZo pelas séries da escola se- cundéria, as orientagdes para o trabalho pedagégico elaboradas pelas instituicdes educacionais durante o perfodo Vargas e expressas nas Orien- tages Metodolégicas (parte importante dos Programas) traduziam a preocupacao oficial e as discussdes que perpassavam os meios intelec- tuais brasileiros. Mais do que isso, eram um instrumento ideolégico para a valorizagao de um corpus de idéias, crengas e valores centrados na unidade de um Brasil, num processo de uniformizacao, no qual 0 sentimento de identidade nacional permitisse 0 ocultamento da divisio social ¢ a diregdo das massas pelas elites. 34 O programa de 1931 deixa evidente que isso estava bem claro para os legisladores, que reconheciam que Conquanto pertenga a todas as disciplinas do curso a formagao da consciéncia social do aluno, € nos estudos de Histéria que mais efi cazmente se realiza a educa¢do politica, baseada na clara compreen- so das necessidades de ordem coletiva e no conhecimento das ori gens, dos caracteres ¢ da estrutura das atuais instituigdes politicas e administratives, (HOLLANDA) Em outros trechos, as Instrugdes Metodolégicas de 1931 recomen- dam a conciliagao dos aspectos econdmico, politico e ideolégico. Colaborando com a Geo- grafia, a Hist6ria ministrara conhecimento das relagées existentes en- tre a organizacao econdmica, a forma de produgao, a estrutura social, © Estado, a ordem jurfdica c as diversas express6es da atividade espi- ritual, sem sacrificar qualquer desses varios aspectos & consideracao exclusiva de um ou mais destes, porém, tratando de cada qual segun- do a importancia relativa que tiver na vida do pais e na evolugao geral da humanidade. (HOLLANDA) ‘A mesma preocupagao esta presente nos programas de 1942, que tiveram suas Instrugdes Metodoldgicas expedidas em 1945, Expunham como objetivos do ensino de Histéria a) daraos estudantes a capacidade de compreenderos grandes acon- tecimentos, segundo as condigdes gerais da época em que se verificaram; b)descrever as instituigdes sociais, politic versas épocas, comparando-as entre si: c) esclarecer as diferentes concepgdes de vida de outros povos outras épocas, alargando por essa forma o espitito de tolerancia e de compreensio humana; d) esclarecer e fortalecer os sentimentos de civismo, dos direitos ¢ deveres das novas geragSes para com a patria e a humanidade No entanto, os contetidos distribuidos pelas cinco séries do curso secundério fundamental, ¢ posteriormente diminufdos para quatro séries, demonstram um interesse profundo nas instituigdes administrativas e na formas utilizadas por Portugal para organizar a Colénia, considerado 0 Primeiro momento da formagao do sentimento nacional brasileiro. e econdmicas em di- 35 Os programas eram periodizados fazendo uso das épocas consa- ‘gradas pela historiografia cldssica. No caso da Hist6ria Geral e quanto & Historia do Brasil, a periodizacao era a mesma que o Instituto Histérico e Geografico Brasileiro havia estabelecido a partir das sugest6es de seus sécios, que discutiam como deveria ser escrita a Hist6ria do Brasil. Con- siderando a Historia como a genealogia da nagdo, esta se iniciava com a Historia da formagao de Portugal e os grandes descobrimentos que inclufam 0 Brasil no processo civilizatério. Nas Instrugdes Metodol6- gicas, que acompanhavam os Programas e orientavam os professores para o exercicio de sua pratica pedagégica, destacava-se a importancia da Histéria como um instrumento para 0 desenvolvimento do patriotis- mo e do sentimento nacional. Esse fato fica bastante evidenciado nos livros didéticos publicados de acordo com os programas oficiais, sobre~ tudo nos capitulos que tratavam especificamente da formagao do senti- mento nacional brasileiro. ‘Trés pilares alicergavam a unidade nacional brasileira: unidade étnica, unidade administrativa e territorial e unidade cultural. Os eixos em tomo dos quais os programas se estruturavam tinham significados rela- cionados & formago do Estado Nacional: a formagao do ““povo brasilei- 10”, a organizacao do poder politico e a ocupagao do territ6rio brasileiro, tratamento dispensado pelos programas ¢ pelos livros didaticos a temas que enfatizavam a formagao do sentimento nacional ¢ aos he- +éis que construfram a nagio é sintomético da importancia do assunto, Ao lado da unidade geogréfica, construfda pelos conquistadores portu- gueses em diferentes momentos, em diversas regides da faixa litordnea @ pelos bandeirantes, que levaram poder colonial portugués para as regides do interior, impunha-se a formaco de uma “populagao diferen- te, mesclada, fruto de trés elementos diversos que se aceitaram e se con- fundiram" (TAPAJOS), como ensinavam os livros didaticos. Assim, a Etnografia, onde se enquadravam de acordo com a época os assuntos indigenas, abria, na maior parte das vezes, os volumes de Histéria do Brasil. ‘A busca das origens do povo brasileiro, personificagio da nagio, articula a referéncia a uma comunidade singular, com aspectos que The so caracterfsticos e que se origina de trés outros povos, dos quais a base seria formada pelo portugues, com quem no Brasil teria aportado a civi- lizagdo. O silvicola brasileiro era apresentado ainda com os tragos que 0 36 Romantismo havia the dado — um aspecto herdico de um povo que jé havia desaparecido, a quem os manuais se referiam exclusivamente no passado. “Apreciavam os adornos, (...) € cobriam seu corpo (....) anda- vam nus” (GOMES). Dispensava-se ao indio, um dos vértices do triéngu- lo étnico do Brasil, um tratamento que eliminava a sua existéncia con- temporiinea. O indio, objeto dos livros didéticos, era ainda 0 nativo encontrado pelos portugueses no século XVI, nao o indio degradado pela conguista européia que persistia em sobreviver nos séculos poste- riores. Esse indio ndo poderia ser uma das raizes, mas poderia simboli- Zar as nossas origens, o “bom selvagem”, mitificado nas paginas de José de Alencar, Gongalves Dias e de outros escritores indianistas. Esse “sel- vagem com cédigo de honra medieval, de fisico semelhante ao do ho- ‘mem branco, seria 0 indio de quem os livros didéticos falavam, como se jiitivesse completamente desaparecido e sem nenhuma relagao com seus vilipendiados descendentes contempordneos. O componente de nobreza da nossa formagao viria do indio, que nio teria aceitado a escravidao, que enfrentava bravamente os obstécu- los da floresta e os inimigos. Historiadores de renome, como Alfredo Ellis Jr. (professor catedratico de Histéria do Brasil na USP e autor de livro didatico), afirmavam que no Planalto de Firatininga, onde se loca- liza So Paulo, havia se formado uma ‘“sub-raca superior, a planaltina”, resultante do cruzamento entre portugueses ¢ indios."* Por isso tudo, os livros didéticos, de acordo com a orientagio dos curriculos, dedicavam grande espago aos primeiros habitantes abordando 0 tema inspirados nas linhas das publicagdes do Instituto Histérico e Geografico do Brasil Os textos davam grande importancia as origens dos habitantes da Amé- rica pré-colombiana, a distribuico dos grupos pelo Brasil e ao seu esté- gio cultural no momento do encontro com os portugueses. Procurava-se valorizar a produgao indigena encontrada na pesquisa arqueol6gica, que mais parecia “produto da indiistria adiantadissima de povos civilizados do que artefatos de barbaros” (MAGALHAES). ‘Ao outro elemento formador do brasileiro, o negro, os livros dedi- cavam pouco espaco como objeto de Etnografia/Antropologia. O negro ** Ellis Jr publicou suas pesquisas sobre a formagao da populacao do Planalto de Piratininga num livro intitulado, na primeira edicao, Raga de gigantes e, nas ediges subseqientes, Primeiros troncos paulistas, 37 sempre € tratado como mereadoria, produtora de outras mercadorias. Enquanto ao indio se confere o estatuto de contribuigao racial, 0s livros didaticos salientavam a importancia do africano para a vida econdmica do pafs, mas procuravam mostrar que a negritude estava sendo diluida pela miscigenagao: Em conseqiiéneia da maior robuste7 fisica do elemento curopeu, da imigragio do mesmo, da extingdo do trafico de escravos ha quase um século e do efeito das leis da hereditariedade no crescimento demografico de nosso pais, tem sido cada vez maior o embranque- ‘cimento do nosso povo. (MAGALHAES). Procurava-se encontrar também uma unidade étnica, no caso a bran- ca, para 0 povo brasileiro, tentando transformar a miscigenacdo que nos tomnaria inferiores, dada a maciga presenga do negro, num processo de branqueamento, Enfatizava-se, contudo, a influéncia que os africanos € {ndios tetiam exercido sobre nossa formagao cultural, isto é, na lingua, na culindria e nas “superstigdes”, como os livros chamavam as religides de origem africana, ‘Os eultas de origem africana constitufam um obstéculo para 0 en- tendimento da unidade cultural, cujos pontas de apoio basico se con- centravam na lingua portuguesa, falada em todo © territério, ¢ na reli- gido catélica, Por isso, todos os programas de Historia do Brasil assina- lavam a importancia dos padres da Companhia de Jesus e de algumas outras ordens religiosas catélicas na colonizagao. O programa de 1931 trazia em seqtiéncia dois t6picos destinados a tais assuntos na sua listagem de contetido para a 4 série do curso secundario: “A transmissao da cul- tura européia: injcio da literatura e da arte brasileiras. A Igreja no Bra- sil: sua otganizagao e influéncia; a visitagao do Santo Oficio e a Inquisigdo”. “Os jesuitas e a catequese” era a sexta unidade do progra- ma de Hist6ria do Brasil para a 4* série, elaborado em 1940. Todos os movimentos histéricos que implicaram a expansio da dominagao colonial portuguesa e a implantagiio de uma unidade cultu- ral fundamentada na civilizagao europsia eram apresentados de uma forma altamente positiva pelos programas e textos didaticos, que deram alto valor e grandiosidade & obra de bandeirantes que teriam estendido 0 territ6rio muito além da linha de Tordesilhas. Com isso, teriam sido ctiadas as bases do sentimento nacional fundamentadas na integridade 38 territorial, mantida ap6s a Independéncia, Nesse aspecto os manuais demonstram até um certo ufanismo ao comparar o processo de Indepen- déncia do Brasil ao das Col6nias Espanholas da América, que se frag- ‘mentaram em Varios paises. O destaque dado & administragio colonial portuguesa justificava-se porque tal sistema soubera manter unida toda sua possessi. sa concepgio pragmética da Histéria, como disciplina escolar, servia & formaciio do cidadio ideal para 0 estado centralizado, que tinha como um dos seus objetivos neutralizar o poder das oligarquias regio- nais, formando 0 que concebia como “sentimento nacional brasileiro”. Sentimento este que teria como fundamento a raga, a lingua e a religiao, © um territério com uma tinica administragao. Os programas posteriores & queda de Vargas e A elaboragao da Lei de Diretrizes e Bases da Educagao Brasileira (4.024/61) nao consegui- ram fugir da concepgao pragmatica, que pretendia formar o cidadao nos moldes dos interesses do Estado. A partir de 1961, passou-se aos gover- nos estaduais a atribuigdo de elaborar os programas da escola secundé ria. A LDB representou também a secundarizagdo das chamadas huma- nidades. Produto de uma “americanizagao” do curriculo, promulgada ‘num contexto hist6rico no qual a industrializagao buscava adestrar mao- de-obra para essa mesma indhistria, ela iniciou claramente um processo de tecnizagao da formacio escolar, em oposigao a Lei Capanema, ctiticada como livresca e elitista, que no preparavs o alunado para a vida. Na década de 60, a Historia e também a Geografia perderam um grande espago na grade curricular, embora se mantivessem como disci- plinas auténomas na escola ginasial. A redugo da carga horéria foi fatal para seu ensino pois 0 empobreceu fortemente. Das quatro séries do curso ginasial, somente trés tinham aulas de Histéria e Geografia. Isto porque outras disciplinas mais “iteis” tinham sido incorporadas ao cur- riculo e precisavam de espago. Nas escolas paulistas, nas 1* e 28 séries, do gindsio, deveria se ensinar Histéria do Brasil e na tiltima série a His- t6ria Geral. A Histéria do Brasil Colonial deveria ser objeto do trabalho na I série; 0 Brasil apés 1822 até os dias contempordneos, na 2. Na 4* étie, os programas abrangiam toda a Hist6ria Geral, desde aAntigtida- de até a atualidade, ou melhor, chegava até o final da Segunda Guerra, para guardar a “devida” distancia e objetividade. No curso colegial, a 39 Hist6ria e a Geografia foram substitufdas por Estudos Sociais, perdendo sua autonomia e seu cardter cientifico. Os programas do curso ginasial foram reduzidos a uma listagem factual, na perspectiva da Histéria Politica, seguindo as programagbes antigas. Os valores inculcados neles eram os que predominavam no pés- ‘guerra, como o da pacificagdo e unido entre os povos e as questdes colo- cadas pela Guerra Fria, como a importéncia da democracia liberal ¢ 0 reptidio ao comunismo, ‘A Lei 5.692/91 introduziu grandes e profundas modificagdes no ensino fundamental, excluindo a Hist6ria © a Geografia como discipli- nas independentes no curriculo do recém-criado I grau de oito anos. Cada um dos estados brasileiros buscou solugées proprias para as ques- tdes que a reforma apresentava. De modo geral, rejeitavam-se os Estu- dos Sociais, que pretendiam — tirando da Hist6ria ¢ Geografia seus m todos proprios de produgdo de conhecimento ~ excluir do ensino as pos- sibilidades de critica a realidade brasileira. Os professores buscavam dentro de suas proprias condigdes regionais e através das entidades re- presentativas, como ANPUH e AGB, solugses para a questo do ensino de Historia e Geografia, enfim, recuperado nos anos 80, aps 0 inicio do proceso de redemocratizagao do pais. Os instrumentos para isso foram encontrados em suas préprias escolas, com seus préprios meios. Rediscute-se hoje, ou melhor, elaboram-se, nas instituicdes do po- der central, pardmetros curriculares nacionais ¢ contetidos minimos para todo o pafs. Estamos assistindo a uma retomada da centralizagao da educagdo que alija da discussio os seus principais sujeitos: alunos e professores novamente vistos como objetos incapacitados de construir sua histéria e de fazer, em cada momento de sua vida escolar, seu pré- prio saber. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, F.A educagao piiblica em Sao Paulo: problemas e discusses. Inquérito para 0 estado de So Paulo em 1926, Sio Paulo: Pioneira, 1927. CAMPOS, F. Educagdo e cultura. Rio de Janeiro: J. 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