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unesp ” Canone e valor estético em uma teoria autoritéria da literatura Author(s): Jaime Ginzburg Reviewed work(s): Source: Revista de Letras, Vol. 44, No. 1, Lugares Institucionais da Literatura (Jan. - Jun., 2004), pp. 97-111 Published by: UNESP Universidade Estadual Pauli Stable URL: htip:/www. Accessed: 06/03/2012 11:11 Julio de Mesquita Filho Your use of the ISTOR archive indicates your acceptance of the Terms & Conditions of Use, available at http://www. jstor.ongpagerinfo/about/potivies/terms.jsp. ISTOR is a not-for-profit service that helps scholars, researchers, and students discover, use, and build upon a wide range of content in a trusted digital archive, We use information technology and tools to increase productivity and facilitate new forms of scholarship. For more information about ISTOR, please contact support @jstor.org. UNESP Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho is collaborating with JSTOR to digitize, preserve and extend access to Revista de Letras. bitp:/iwwwjstor.ong CANONE E VALOR ESTETICO EM UMA TEORIA AUTORITARIA DA LITERATURA, Jrime GINZBURG' + RESUMO: Este artigo procura examinar dias de Harold Bloom, em especial, dentro de sua teoria do cinone, a abordagem da autonomia estética. Além disso, procura elaborar implicagdes da difusio de suas idfias em cursos de letras no Brasil © foco da abordagem consiste cm identificar no pensamento de Bloom elementos de autoritarismo, {que se associam a uma concepyio eltista de formagio do leitor. + PALAVRAS-CHAVE: Cinone; valor, Harold Bloom; teoria da literatura. E muito importante o debate sobre a funcio da Teoria da Literatura nos cursos de graduario ¢ pés-graduacio em Letras. Embora seja comum encontrar disciplinas da area nos curticulos, estamos longe do consenso quanto ao papel atribuido a elas. De modo geral, admite-se que o ensino de Teoria da Literatura seja wokado pars formasio em capacidades de andlee inerpeagio textos. (© percurso destinado & formagio pode variar muito. Uma anfase bastante conhecida ¢ © ensino de categorias de andlise extramural, Entram em pauta também figuras de linguagem clementos de retdrica. Outra énfase comum esta na tipologia textual e nateoria dos géneros, com herangas hegelianas A leitura de programas universitirios de graduacio em Letras permite observar ainds, no campo denominado de Teoria da Literatura, a inclusio de elementos bisicos de periodizagio ltersvia ‘Além disso, em alguns casos, existe um interesse por ensinar autores consagrados da area, dentro de uma sistematizagio que, em geral, se define como estudo de comentes tedricas. ‘A rea, porranto, abarea desde um papel propriamente instrumental € metodolégico, como se cumprisse a funcio de, através de procedimentos convencionais, ensinar a ler com rigor, até " Departamento de Letras Clisscas e Vernivulas ~ Universidade de Sto Paulo {05508-600 ~ Sig Paulo ~ SP. E-mail: ginzburg.@ usp be Revs de Lets, Sie Paulo, 45 (11-97 111, 2008 ” uum papel de apresentasio ¢ estudo de conceitos, voltados para investigasio de diversos elementos, como a lteraredade, 0 processo criaivo, 0 estilo e a recepsio. Entre os elementos que podem ser examinados em cursos universitérios de Teoria da Literatura, esti 0 zilor. Os estudantes devem saber distinguir uma boa obra lterdria de uma obra sem interesse, um autor relevante de um nome sem importincia. Deve {azé-lo nio aleatoriamente ou por impulso emocional, mas com base em argumentos fundamentados em um conhecimento seguro. 'Nos tiltimos dez anos, tem ocorrido, em eventos e publicagSes da area, um debate intenso a respeito da nogio de valor. Esse debate indica que 0 estabelecimento de valor exige determinagio de critérios, e nfo apenas o valor em si, mas também os eritérios So passiveis de discussio. Numa observacio fundamental, José Luis Jobim (2002, p. 118) explica que freqientemente nossas opinides sobre obras sio formuladas com base em experigncias anteriores de julgamento. A reflesio sobre histéria da lterstura pode levar, de acordo com 0 autor, a examinar como piiblicos leitores aprovam ou reprovam. autores e obras, com que fundamentos e critérios 0 fazem (p. 129). O conceito de wlor pode ser examinado em aticulgio com a nosio de cizane, O ensino universitévio de atrbuigio de valor nio se faz’ no vazio, mas em meio a um campo de refertncias historicamente firmadas. Encontramos obras ¢ autores consagrados, enumerados em manuais de hiséria ltersria O ensino de Inerstura do ensino médio, especificamente, com sua articulagio com os exames vestibulares, de modo gral reforga uma reveréncia a valores candnicos assumidos institucionalmente pelos programas dos exams. A discussio sistemstica sobre cinone no Brasil, desde a década de 80, incide sobre o problema dos critérios de valor estético Roberto Reis, Bobby Chamberlain e Eduardo Coutinho estio entre os autores responsaveis pela problematizacio dos modelos estéveis, em deiesa de uma reflexéo coletiva constante sobre os crtérios. Coutinho (1996, p. 72) discutiu 0 cariter exchudente da tradicio candnica no Brasil, deixando segmentos culturais em segundo plano. E facil de observar, nesse sentido, a situag3o do cordel, da tradig30 oral, dos registros indigenas. Na perspectiva de Roberto Reis, & necessirio diseutir por que «em nosso cinone “h& poucas mulheres, quase nenhum nio-branco e 36 Revistade Letras, Sio Paulo, $8(1):97 111.200 muito provavelmente escassos membros dos segmentos menos favorecidos da pirimide social” (REIS, 1992, p. 73). Ele observa um vinculo direto entre os sistemas candnicos ea desigualdade social do pais ¢, seguindo Chamberlain (1993, p. 17), haveria uma conexio ent ox etioe de exclu eis «a expend exchio A configuragio do ensino de litestura como reprodugio do none configura um trabalho que nada tem a ver com o ensino da reflexio sobre 0 valor, pelo contritio, o componente reflexivo é abandonado, em favor de uma pura confirmasio esquemética de sistemas de valor que, em muitos casos, no sio conceitualmente discutidos com os estudantes. Estes, desse modo, passam a defender que um auror é bom sem saber por qué, ou sem formular opiniio propria respeito dos critérios de valor. ‘A reprodugio passiva do cinone na formagio de estudantes constitui uma limitagio na expectativa de desenvolvimento de pensamento critic. Para evitar iso, & preciso levar aos estudantes textos de variados niveis de qualidade (CANDIDO, 1995), diversas formas ¢ diferentes temas, para que a maturidade de leitura seja processada com a realizagio de comparagées, cada vez mais riteriosos ¢ exigentes Na discussio sobre o cinone_nos Estados Unidos, um pesquisador de referéncia é Harold Bloom. Vérias de suas obras foram traduzidas para o portugués, ¢ incorporadas ao debate em congressos ¢ publicagSes académicas no Brasil. Entre os principais 1épieos de sua abordagem, est3o a defesa de um papel para a crtica aque esteja desvinculado de projetos de mudanca social, ¢ uma contratiedade 20s movimentos tedrico-crticos associados a ragas, etnias e géncro, (O cinme acidesal pode ser lido como um livro sobre lugar institucional da Teoria da Literwur, pois realiza um tiplo movimento: carscteriza 0 fendmeno lteririo, descrevendo como emtende o objeto de sua investigasioy caracteriza 0 perll do leitor, descrevendo como entende o sujeito do processo analtico- incerpretativo; ¢ caracteriza a experigncia universitiria none: americana, descrevendo © papel institucional da reflexio sobre literatura Os trés aspectos se integram sistematicamente, € freqientemente se reforgam. Griico reconhecido por wabalhos conceituais dedicados 4 interpretasio, como A rgistia de infarcts e Caluls ¢ otis, Harold Resist de Lars, Sio Paul, 4 (1), 97-41, 2008 ~ Bloom se tomou uma figura polémica da drea de estudos lterrios, em razio dos juizos referentes a obras ¢ autores, A controvérsia se ccupa principalmente dos livros O cine acideal ¢ Gétio, ambos dedicados 20 objetivo de relacionar nomes que, segundo seu autor, configurariam os pontos mais altos da produsioliverévia conhecida. © piblico brasileiro foi familisrizado com as idéias do pesquisador, através de entrevistas concedidas a revistas de grande circulagio, como Vgia (em 31.01.2001) ¢ E paar (em 03.02. 5008) 3 No caso da segunda, realizada por Luis Antonio Giron, Bloom observou que sua percepsio dos pontos altos, com o tempo, foi modificada, Em © cinme andor, havia 26 aucores considerados genie no livro Géaia, foram cem, incluindo literstura oriental, ¢ tum brasileiro, Machado de Assis, Nao obstante, declarou para Veit considerar pemiciosas todas as listas de melhores livros, sugerindo, no sem ironia, recusar inclusive as suas prépriaslistas, Dotado de contradigées internas, 0 pensamento de Bloom foi muito divulgado nos meios académicos nos tiltimas dez anos, sendo incorporado a teses académicas. Raras vezes uma linha de trabalho em ‘teoria litersria despertou tanta inquietagio. Sua imagem 2xadémica inchii, entre outros aspectos, a postura incisiva. Bloom & considerado contrario a movimentos recentes de renovagio da critica lterdria, contra os quais sua posigio, segundo Else R. P. Vieira (2000, p. 13), & de “animosidade”. Sua defesa dos escritores candnicos se tornou um alvo de erkicas por parte de feminisas e rmuiculeurlistas, Em O cine ociceraal, os ataques de Bloom (1995, p. 25) a essas linhas ocome sobretudo no primeiro e no iltimo capitulos. Seu desagrado esti diretamente associado a situago do ensino dos Estados Unidos, em perspectiva institucional, O autor propde que os departamentos "de estudos teririos, na tendéncia contemporanea, reduzirio seu espago drasticamente. Assumirio un. lugar, compara, similar a0 que tém hoje os deparamentos de estudos clissicos. Indignado com a indtisria cukural, Bloom descreve os departamentos de estudos culturais como lugares em que “histérias de quadrinhos de Batman, parques teméticos mérmons, televisio, cinema e rock substuirio Chaucer, Shakespeare, Miton, Wordsworth e Wallace Stevens” (p. 493). Para Leyla Perrone-Moisés (1998, p. 199), as posigdes de Bloom combinam idéias resisemtes com “atitudes conservadoras- reacionarias". Para a autora, Bloom incorre na defesa de valores 90 Revista de Letras, Sho Paulo 44¢1)- 97-111, 2008 angléfilos ¢ na conversio do ciaone em um manifesto de ordem pessoal, No entanto, ela concorda com o autor americano, no que se refere ao modo de encarar os escritores canénicos, cujos projetos lterérios visam a “algo maior e de maior duragio do que © engajamento social imediato” (p. 201). Em 06.08.1995, Bloom concedeu a Arthur Nestrovski uma entrevista, em Nova York, publicada na Folha de Sio Paulo, ¢ incluida na amtologia de Adriano Schwarz. Mentrias do prsente (2003). Bloom descreve a situagio da critica lerivia académica, em special nos Estados Unidos, fazendo uma avaliasio do quadro geral das pesquisas e debates na area. Considera que a critica lteraria esta sendo atingida, pois a academia tem destruido “os padrdes imelectuais¢ estéticos nas ciéncias humanas e sociais, em nome da justica social” (apud SCHWARTZ, 2003, p. 310) Em suas afirmagdes a Nestrovski, lamenta essa destruisio, & afirma que age em seu pals uma Esa do Ressentimento, voltada contra valores artisticos tradicionais. Localiza alunos seus entre os responsiveis pelo problema, Essa Eola estariatrabalhando contra a configurazio do cinone, como conjunto de “escritores ‘homens, borancos ¢ mortos”, associada & preservacio do “sistema econdmico, politico e social” (p. 311). Flarold Bloom aponta dois percursos que se associam O primeiro € © movimento de asio afimmstiva, recuperando valores referentes 4s chamadas minorias sociais. Esse percurso toma grupos historicamente excluidos das decisdes sociais ¢ procura defender seus interesses dentro do campo intelectual. O segundo ¢ a redugio da erica lteriria a um estado quase moro, de acordo com Bloom, em que os departamentos de estudos literrios teriam-se convertido em espagos dedicados a estudos de etn, raga ¢ género (p. 312-313). Oentrevistado reclama do abandono de crtérios estéticos (p. 312) ¢ da falta de conhecimento de literatura por parte de estudiosos de teoria (p. 313). ‘Mais adiante, ao comentar sua propria posisio enquanto critico, define asi mesmo como humorisa ¢ ironist. Prope que O cine axial & um livro engragado, ¢ que os resenhistas nfo perceberam, isso. Apresenta como lema pessoal uma frase atribuida a Groucho Marx, “Eu jamais seria membro de um clube que me aceitasse como membro” (p. 319). evista de Les, Sto Paulo, 4(1)-97 111, 2004 01 Trés autores consagrados sio examinados critcamente. Bloom aponta T. S. Eliot como um “grande poeta, mas um lamentavel rico literdrio”. Caracteriza Eliot como “protofascista” e “fascista do comeso a0 fim” (p. 319). Contesta também Erich Auerbach, definindo Mimesis como um livro “superestimado” (p. 320). E registra que Paul de Man “escondera suas simpatias fascistas de juventude ¢ elas, agora, vieram 3 luz” (p. 323). Em todos. esses pontos, a entrevista reforga as idéias encontradas a0 longo de O cine ccidoatal. No entanto, tendo sido realizada no ano de langamento da edigio brasileira, a entrevista traz um dado importante: um recado 05 keitores brasieiros, Bloom justfica a limitasio de suas escolhas pelo despreparo para lidar com literatura brasileira. Os autores brasleiros nio entraram na lista por esarem “mal representados em tradugio pata o inglés” (p. 314), Embora seja uma passagem ripida, de poucas linhas, essa manifestagio relarviza a percepgio do trabalho de Bloom, que extabelece entio seu campo de interlocusio, priorizando leitores norte-americanos Se Bloom tinha essa percepgio clara, essa consciéneia de limites de seu trabalho, cabe discutir por que manteve no titulo © adjetivo Westen, sugerindo uma abrangéncia que o livro na verdade nio pretende ter. Na perspectiva adotada, a literatura brasileira imegra a percepsio sugerida para a literatura ocidental, apenas na medida em que for bem disponibilizada em tradusées para o inglés. E evidente que essa perspectiva de valoracio nio serve para os estudos brasileiros, nem para os latino-americanos. O fato de que Machado de Assis acabou inchiido em Gério anos depois, sendo autor disponibilizado em tradugio, no altera a prerrogativa equivocada No entanto, para o estudante de Teoria da Lirerseura que leia a edigio brasileira de O cinone oriental, sem conhecer a entrevista de Nestrowski, ¢ facil ter a opiniio de que a literatura brasileira no esti no patamar de valor dos autores curopeus ¢ norte-americanos citados, por no constar no Smbito de um cinone ‘ccideatal montado por Harold Bloom. Conhecendo a entrevista, ficamos com a percepsio de que ela ndo est ali porque no entrou no pireo para competi A questio que se coloca entio é saber se a literatura brasileira deve entrar nessa competisio, ¢ mais do que isso, que competisio é essa, e para que serve. As categorias de Bloom (1995, p. 19) ajudam, a situar esses aspectos. A perspectiva adotada pelo autor & de defesa wor Revista de Letras, Sto Paul, 4(1)-97 111, 2008 da autonomia estética. Ele reconhece que a leitura envolve préticas sociais, mas a relevancia dos textos se estabelece no campo solitario daindividuagio (p. 43). Considere-se as seguintes afirmagSes: (.) © estéico, em minha opiniio, & uma preocupagio mais individual que de sociedace.(.) 3 erica litera, como uma ate, sempre foi ¢ sempre sera um fendmeno elisa. Foi um erro acreditar que a critica lterria podia tomar-se base para a educagio demoeritia ou para melhorias da sociedade.(..) © que mais me interesa é a fuga ao estético entre tantos de minha profisia (..) Eu proprio insisto em que o eu individual & 0 tinico método ¢ todo «© padrio para a apreensio do valor esético. (BLOOM, 1995, p. 24-31) Exitem dois problemas aniculados. Um é 0 problema institucional - 0 futuro dos estudos literirios nos departamentos universitirios. Outro é 0 problema da funcio da letura e da crtica, que deveriam estar voltadas para autonomia estética, ¢ nio para inzeresses sociais. © valor estético nio é estabelecido, para Bloom, no campo dos conflitos sociais, mas na experiéncia individual. articulacio indica que as mudancas que desagradam Bloom estio ligadas 4 difusio do que ele considera um equivoco epistemoldgico, aalegagio de que 0 conhecimento de literatura tenha fungio social. 5 estudos de etnia, rasa e género, a0 defenderem segmentos sociais com hisérico de opressio nos Estados Unidos, esariam interessados especificamente nessa fungio, abandonando aquilo que Bloom valoriza, o principio da autonomia estética. Esses estudos derrubam © principio de sustentagio dos argumentos de Bloom (p. 45) referentes aos juizos de valor, a “autoridade estética” das obras geniais, “poder” revelado pela’ sua capacidade de interiorizar clementos da tradigio ¢ recritlos com originaidade, conforme a nogio de “ansiedade da influéncia”(p. 16). Esses estudos, a0 romperem com 0 principio de autoridade cesética, rompem também com a autoridade ettica do préprio Bloom, que se sustenta na defendida auto-imagem de leitor privilegiado, capaz, diferentemente de muitos de seus alunos, de distinguir as grandes obras, consagradas com “imortalidade” justa, ca mediocridade, Aeemtrevista de Nestrovski, ao apresentar a observacio dirgida 208 leitores brasileiro, ¢ mais do que uma indicagio de senso de limitagio. Nio é de modo algum um lapso, ou uma falha no projeto Revista de Lets, Si Paulo, 44 (11:97. 141, 2008 os de Bloom. Na verdade essa observagio expressa bem seu fandamento constitutive mais profundo, 0 pensamento autoritario, Seria esperado de um livro com o titulo O cine acideaal, pelo renos, apesar de suas expostas pretensées enciclopédicas,levadas 4 hipérbole ¢ a0 paroxismo em Génia, uma capacidade de delimitagio ‘que mapeasse 0s critérios de incluso e exclusio, Porém,o livro nio faz. esse mapeamento; é publicada uma tradugio no Brasil, destinada a interessados em literatura, ¢ na entrevista Bloom registra que 30 considerou os autores brasileiros. pensamento autoritirio constantemente opera com esse procedimento: elabora concepgées de conhecimento baseadas na generalizagio; estabelece essas concepsées como parimetro de valorizagio para a totalidade da experiéncia, justifica a desvalorizacio ¢ a exclusio de certos elementos com base na ielevincia do que foge 20 padrlo, instituindo um circulo vicioso que reforca seus proprios valores sistematicamente (ADORNO, 1950, 1984). O conjunto de obras que se apresenta como cintone ccidental nio é ocidental; exclui a literatura brasileira e as lteraturas cujos idiomas e sistemas sio desconhecides de Bloom. Isso nio 0 impede de estabelecer, pela semimtica de Water, uma vocagio generalizante para o seu painel. Mais do que isso, nio o impede de invalidar e desautorizar os juizos de colegas que trazem para os departamentos académicos autores representantes de segmentos sociais oprimidos, que nio estio contemplados por sua relacio. Para utilizar uma linguagem adotada por Bloom no seu capitulo 16, voltado a Freud, podemos tentar entender a légica interna do livro com base em um paralelo central, Hii um movimento de afirmasio do ego, uma claborasio narcisica, que produz a impressio, descrta por Perrone-Moisés (1998, p. 199), de que 0 clnone uma manifestagio pessoal, com “opiniées arrogantemente individuais”. A relagio de obras ¢ autores ¢ constituida como espago de manifestagio egéica, campo da exceléncia, enquanto fora desse espaco, na aeridade difusa e perturbadora, move-se a medicridade. O trabalho egdico de delimitasio, procurando impedir a mistura entre a manifestagio egdica, associada 2 um gosto genial, e a akteridade, espago dos gostos mediocres, € um empreendimemto convicto e, pela extensio ¢ persistincia, ‘monumental Junto a este, ha outro movimento, este institucional, em que a afirmagio do ego em Bloom corresponde a um elogio de um perfil ros Revista de Letras, So Paulo, $41): 97 111. 2008, dos departamentos académicos, As transformagdes nas comrentes de pesquisa nos Estados Unidos levaram, diante de Bloom, a incorporar ao discurso corrente o interesse por valores, obras ¢ autores incompativeis com seu campo de exceléncia Assim, no ‘campo insitucional é wavada uma batalha, que inchii a ofensa e a invalidagio de wabalhos de colegas, “ralé académica’. O espago egdico aqui é projetado sobre o perfil dos departamentos, no ensino de literatura. Feministas, marxistas, pesquisador de etnia e raga, entre outros, constituem a akeridade ameasadora que pode renegar a forga do ensino de Inglés, Virias imagens sio elaboradas nesse sentido ~ a critica lterkviamorreu, os depanamentos de estudos.culturais destruiram a vida intelectual, a mediocridade académica distorce 0 papel do ensino universitirio ¢ 0 torna instrumento de mudanga social. Elas reforgam a diferenga entre a projecio egoica, de que a concepgio de Bloom de um departamento de lteratura é correta € 2 imagem degradada das mudangas nas coerentes criticas, em que as concepgées que tém surgido sio erradas e destrutivas. Num caso, 0 “ego” se projeta sobre uma lista de livros, ¢ contraria a “alteridade” mediocre que corresponde aquilo que nio agrada seu gosto. Noutro, o “ego” se projeta sobre um perfil de deparamento académico, ¢ contraria a “alveridade” mediocre que corresponde a outros métodos ¢ procedimentos de leitura, Para quem acompanhar esse duplo movimento, fica bem claro, lendo O cine oidkrtal, que existe uma pata poltica de base. Embora 0 proprio Bloom queira desvincular letura e politica, 30 condenar 0 :marxismo, ele elabora essa pauta minuciosamente, colocando de um lado a ‘are da meméria” da genialidade estéica, de outro a mediocridade; de um lado a exceléncia académica, de outro a incompeténcia. Mediocridade das obras, incompeténcia dos pesquisadores. A sustentasio do cinone € também, para Bloom, sustentagio de um lugar institucional seguro para os estudos literérios, em que a Teoria é delimitada em coeréncia com seus ineresses, Retirar do cinone © principio de autoridade estética é também rstirar dos departamentos a pertingncia do trabalho feito, desviando seu foco para problemas sociais. Ainda dentro da linguagem do capitulo 16 do livro, ¢ possivel dizer que governa 0 livro um profundo narcisismo, que utiliza duas mediagdes para ‘evitar ser abalado: o valor inerente das obras escolhidas, e o valor da modalidade de leitura defendida. O narcisismo penetra a légica do Revista de Lets. So Paulo, 44 (1): 97-111, 2008 ns saber produzido e rigorosamente opera em diresio A delimitacio precisa da incongruéncia entre ego e ateridade. (O trabalho de Harold Bloom se aproxima do que Georg One (1999, p. 10-11) chamou de um cinone autoriévio - um esforgo de conservagio de valores que consolida barreiras sociais, em vez de ampliar 0 acess0 &s obras, Pode ser considerado também como uma contribuigio a polfticas de ensino "a servigo dos valores das classes dominantes”, contribuindo para a legitimagio da desigualdade social (BOURDIEU, 1999, 258). O proprio Bloom admite em sua argumentagio que existe um carkter eltista no trabalho crltico (1995, p. 25), em favor de uma concepsio do valor estético em que valor se associa com autoridade, o que pode ser caracterizado como hheranga do classicismo normativo (COMPAGNON, 2001, p. 242). Accontribuigio de Henry H. Remak ao debate sobre 0 assunto & importante, por examinar dentro do debate teérico sobre cinone a presenga de uma discussio politica e social, em que os valores literitios esto diretamente articulados com referéncias de perseguigio, preconceito, marginalizagio e exclusio de segmentos sociais. Centrando scu foco na experiéncia nomte-americana, Remak (1997, p. 31-32) observa que os defensores da preservasio dos valores canénicos dentro da universidade nio estio desvinculados de camadas socinis interessadas na preservagio de valores morais radicionais e esruturas sociais hegeménicas. ‘A defesa da autonomia estética sustenta, para Bloom (1995, p. 30), a percepcio de que a observasio das referéncias sociais no debate sobre a literatura é uma redugio desta & ideologia. O mercado aparece em Bloom como o espaco degradante da indistria cultural, como se a delimitagio de valores auténticos fosse independente do problema das relagdes historicas entre a produgio anistica ¢ © mercado, que estabelecem para a arte contemporinea uma situagio. inteiramente diversa. das experiéncias adicionais, como expde Annateresa Fabris (2002, p. 108). © fato de que Bloom constitui um Ocidente sem considerar a experigncia brasileira nfo é a dnica rz4o pela qual sua perspectiva reorica nio serve para os pesquisadores brasileiros, Mais importante € 0 fato de que se trata de uma teoria autoritiia da literatura, que legitima a postura elitsta de ensino, sustentando que é pare da concepsio do fendmeno ltersrio 0 fato de que poucos podem compreendé-bo. me Revistade Letras So Palo, 4 (1):97 111, 2008 © que mais espanta no caso nfo & carkter autoritério do pensamento de Bloom, mas o fato de que ele araca T.S. Eliot e Paul de Man caracterizando-os como fascstas. A acusagio de auroritarismo por parte de um pensador antoritério merece a maior arensio, pois tende a iludir 0 leitor apressado, que pode ver em Bloom, apaixonado por Shakespeare, um grande humanista O que ceorre com a semintica do termo fascismo, quando é utlizado por luma voz que contraria o interesse por valores democriticos? Para Bloom (1995, p. 35), ligar a transformagio social a0 estudo da literatura éinteresse de “ralé académica”. E Lamentivel que, no momento atual alguém que afirma que foi um “erro acreditar que a critica litersria podia tomar-se base para a educagio democritica ou para melhorias da sociedade” (p. 25) possa ser considerado um humanist. Livros como os. recentes Test de inerngo, de Antonio Candido (2002), € Litentiox ¢ sisi, de Alfredo Bosi (2002), situam a reflexio sobre literatura no polo pesto, como campo de conhecimento diretamente vineulado 4 resistucia cultural ¢ 3 conscigncia da opressio e desigualdade social. Ao dewvincular a educagio democritica da critica literiria, Bloom deixa espago para que 0 oposto do pensamento democritico ~ © pensamento autoritiio - ganhe legitimasio. ‘A insergio de Harold Bloom em teses universtirias e currculos de Teoria da Literatura merece ser pensada 4 luz da consideragio das conviegdes do autor, tendo em vista seu peso e impacto na experiéncia académica brasilira e latino-americana. No caso do Brasil, em que 0 processo de formario social tem sido pautado modernizagSes conservadoras, responsiveis por aumento da miseria (FERNANDES, 1974), ¢ a violencia tem um papel constitutive (Scholhammer, In: PEREIRA, 2000), a educagio escolar ¢ universitaria tem servido, de modo geral, a imeresses conservadores, voltados para a manutengio ou acentuacio da desigualdade social (OLIVEIRA, 1983; SCHWARTZMAN, 1983) Uma educagio voltada para a cttica das_modemizagdes conservadoras ¢ a diminuigio do grau de violéncia na experéncia social brasileira exige, entre outros elementos, um aumento, em termos coletivos, da capacidade de desenvolver pensamento criztivo « crtico, que pode ser claborada em poliicas de formacio do letor (Averbuck, In: ZILBERMAN, 1985). Revistas Leta, Sao Paulo. 44 (1)-97 — 111,200 07 Nos cursos universitirios de Teoria da Literatura, com base nas categorias conceituais e metodologias disponibilizadas, os estudantes de licenciatura em Leteas desenvolvem suas percepyées de como abordar obras Iteririas, ¢, com isso, claboram suas propostas ¢ politicas de leitura, que irio fundamentar suas priticas como professores nos ensinos fundamental e médio. Entendo que é contrivia aos interesses sociais brasileiros uma concepgio de ensino de Teoria da Literatura que proponha Ocinme axcidental como referéncia de autoridade conceitual, modelo ¢ exemplo, Ensinar literatura tendo esse livro de Bloom ou outros similares como critério de verdade pressupde, em termos epistemolégicos e conceituais, admitir a autonomia do valor estético, © descomprometimento da crtca com a sociedade e a concordincia com aaworidade estética do génio. Além disso, adotar O cinone ocdemal, sem a necesstria comtextualizagio, supe conviver com a redugio de feministas, marxistas, pesquisadores imteressados em ragas @ etnias, entre ‘outros, a um estaruto inrelevante, e também com a condenasio de T. S. Eliot, de Man e Auerbach. Na entrevista a Nesrovski, Bloom afirma que faha conhecimento de literatura para ‘pesquisadores de teoria Os defensores do canone encontrario neste ponto, provavelmente, um azgumento forte em favor de Bloom. Mesmo que ele, como tedrico, possa ser posto em diivida, as obras que ele elogia mereceriam aengio. Dentro de seu livro, ele argumenta com a finitude do tempo: todos nés temos de escolher © que ler, no podemos ler tudo, por isso devemos ler 0 que é melhor, o que deve ser relido (p. x. Na perspestiva de Bloom, com a autonomia estética, esse taco de superioridade ¢ inerente A obra. O bom leitor sabera reconhecé-la. Essa percepsio esta imtegrada com a idéia de que a critica é uma atividade de elite, Poucos letores sio suficientemente bons. Obras geniais, kitores perspicazes. A proposa de Bloom (p. 505-541) no é apenas um ataque aos autores ¢ obras que ele considera mediocres, mas também 2 capacidade de leitores em formacio, em uma sociedade massiva, serem capazes de estabelecer juizos. Dai a necessidade de que alguém fasa uma lisa, rotciro do bom e belo. No se deve minimizar, dentre as estratégias de sustentasio do pensamento de Bloom, a observagio que faz de si mesmo, na Jos Revue Lovas $9 Paulo. 44 (1); 97~ 144, 20nd cemreviata, de que & um cdmico. Quando o autor indica que seus resenhistas nfo captaram como o livro & engracado, adota uma esratégia freqiientemente utilizada por pensadores autoritirios: exabelece a expectativa de ser lido como alguém que nio é compreendido. Bloom nio é engragado, GINZBURG, J. Canon and aesthetic vale in an authoritarian theory of literature. Reusta de Letras, Sio Paulo, v44, n.l, p. 97 - 111, 2004, + ABSTRACT: This aide exaninss Harold Bloons ides, specially aeshtis cxconenny We ako daborate on the crsequcnas of its cifison in Brazitan Unters. There is an authori hag in Bloor ve, associated t0 anditst anaption of eadiry + KEYWORDS: Canary aesthetic was Har Blog literary they Referéncias ADORNO, T. The authoritarian personality. Ins _. et al Studies ir _prjuctia, New Yorks Harper 8¢ Brothers, 1950. « Dialétics negitiut. Madrid: Taurus, 1984, AVERBUCK, L. A poesia ¢ a escola. In: ZILBERMAN, R. (Org) Leiers enoise ni scala, Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985. BLOOM, H. Ocinone ocidowal. Sio Paulo: Objetiva, 1995. . Entrevista coneedida a Arthur Nestrovski, In: SCHWARTZ, A. (Org) Menirias do preene, Sio Paulo: Publifotha, 2003. Ginio, Sao Paulo: Objetiva, 2003, BOSI, A. Litexsuurs ¢ nsisténcs. Sio Paulo: Companhia das Letras, 2002, Revista de Lets, Si Paulo, 44 (1) 97 111, 2008 109 BOURDIEU, P. A aunmia dis tras simblias. 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