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vi TEORIA GERAL DO ESTADO {que deve nortear os espfritos das pessoas e alimentar as esperangas dos povos. Nossos agradecimentos a todos, pelo prestigio ¢ incentivo, Aos estu- antes, que esta obra sirva como uma das chaves que abriréo as iniimeras porlas que precisam ser abertas ou reabertas no estudo e na busca do objet ‘w maior que é a implantagio de um verdadeiro Estado de Direito e de Justiga, Ao meu irmio José Roberto e a meu pai, prematuramente levados de nosso convivio, saudades. Miguel Alfredo Malufe Neto INDICE SISTEMATICO 1 —ESTADOE DIREITO 1. Teoria monistica — 2. Teoria dualistica — 3, Teoria do paralelismo. Il TEORIA TRIDIMENSIONAL DO ESTADO E DO DIREITO 1. Nogio fundamental Ill — DIVISAO GERAL DO DIREITO 1. Direto Natural ¢ Positivo — 2. Dircito piblico ¢ privado — 3. Po- sigGo da Teoria Geral do Estado no quadro geral do Direito IV —TEORIA GERAL DO ESTADO 1. Conceito — 2. Triplice aspecto — 3, Posigio e relago com outras cigncias — 4. Fontes V—NAGAO E ESTADO 1. Conceito de Nagio — 2, Populagio — 3. Povo — 4, Raga — 5, Homogeneidade do grupo nacional — 6, Coneeito de Estado. VI— ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO 1, Populagio — 2. Teriério — 3. Governo Vil — SOBERANIA, 1. Coneeito — 2. Fonte do poder soberano — 3, Teoria da soberania bsoluta do rei — 4. Teoria da soberania popular — 5. Teoria da sobe- rania nacional —6, Teoria da soberania do Estado —7. Escolas aleraa austriaca — 8. Teoria negativista da soberania — 9. Teoria rea- a 0u institucionalista — 10, Limitagées Vill — SOBERANIA E GLOBALIZAGAO 1. Coneeito—2. Blacos econémicas —3, Blocosintergovernamentais — Mercosul — 4, Outros blocos intergovemamentais — 5. Bloco supranaeionall — Unio Europsia IX — NASCIMENTO E EXTINCAO DOS ESTADOS —1 1. Nascimento — 2. Modo origindtio — 3. Modos secundt 4, Confederagio — 5. Federagdo — 6, Unido pessoal — 7. Unido real 29 39 vin THORIA GERAL DO ESTADO ¥. Divisio nacional — 9, Divisio sueessoral — 10, Mods deriva dos. — 11, Colonizayiio — 12, Concessio dos direitos de soberania — 12, Atwsde governo— 14, Desenvolvimento e declinio — 15. Extingao 16, Conguista — 17. Emigra dhs drstos de soberania N__ NASCIMENTO R EXTINCAO DOS ESTADOS — 11 1. Jusiticagdo —2. Principio das nacionalidades — 3, Teoria das fron- {cis naturais — 4. Teoria do equilfbio internacional — 5. Teoria do livre urhitrio dos povos. XI ORIGEM DOS ESTADOS |. Generalidades — 2. Teoria da origem familiar —3, Teoria patiareal 4. Teoria matsiarcal — 5. Teoria da origem patrimonial — 6 Teoria da Forea XII —JUSTIFICACAO DO ESTADO —T { Justficagdes teolbgico-rligiosas — 2, Teoria do direito divino sobrenatural —3. Teoria do direitodivino providencial XIll_JUSTIFICACAO DO ESTADO — 11 |. "Teoriasracionalistas Gusnaturaismo) —2. Hugo Grotius —3. Kant 4 Hobbes — 5. Spinoza —6. Locke XIV —JUSTIFICAGAO DO ESTADO — IIL |. Teoria do contrato social — 2, Jean Jacques Rousseau XV —JUSTIFICAGAO DO ESTADO — IV. 1. Escola histtiea — 2, Edmundo Burke XVI JUSTIFICACAO DO ESTADO — V 1. Puntefsmo — 2. Escola orginica — 3. Neopanteismo XVI —JUSTIFICACAO DO ESTADO — VL 1. Teoria da supremacia de classes — 2. Gumplowice e Oppenheimer 3. Fundamento doutrinario do Estado bolchevista XVIII — JUSTIFICAGAO DO ESTADO — VIL 1.0 Estado como diferenciagio entre governantes © governados — 2. Teoria de Léon Duguit XIX — EVOLUGAO HISTORICA DO ESTADO — 1. A “lei dos trésestados” de Augusto Comte — 2, Classificagio — 3.0 Estado antigo — 4, 0 Estado de Israel XX. BVOLUGAO HISTORICA DO ESTADO — I 1.0 Bstado grego— 2. “Polis” — 3, Platio — 4. Aristteles 18 Beplsio— 19 Ren XXI-— EVOLUCAO HISTORIA DO ESTADO — Il 1.0 Estado romano — 2. Origem — 3. Conecito de “Civita 4, Poder de "Impetiuny” — 5, Consulado — 6, Magistaturas e pro- 6 or B 9 85 87 ou 93 99 105 INDICE SISTEMATICO, magisaturas— 7 Ditadurs— 8, Colegilidade das magisrarras — 9, Principado XXII — EVOLUGAO HISTORICA DO ESTADO — IV 1.0 Estado medieval ¢ suas caracteristicas — 2. © feudalismo. XXIII — FVOLUGAO HISTORICA DO ESTADO —V 1. 0 Estado medieval e a Tgreja romana — 2. Santo Agostinho, Santo ‘Tomés de Aquino e outros doutrinadores XXIV — EVOLUCAO HISTORICA DO ESTADO — VI 1. Das monarquias medievais is monarquias absolutas — 2. A doutri- nna de Maquiavel XXV — EVOLUCAO HISTORICA DO ESTADO — VII 1.0 absolutismo mondrquico — 2. Escritores da Renascenga — 3. John Locke e a reago antiabsolutista XXVI— EVOLUCAO HISTORICA DO ESTADO — VIII 1. O liberalismo na Inglaterra — 2. América do Norte — 3. Franga 4, Declaragiio dos direitos fundamentais do homem XXVIT — A DECADENCIA DO LIBERALISMO_ 1.0 Estado liberal, seus erros ¢ sua decadéncia — 2. A enciclica “Rerum Novanum” — 3. 0 Estado evolucionista XXVII— REACAO ANTILIBERAL 1.0 socialismo ¢ a revolugio russa — 2. O Estado sovictico — 3. Observagbes — 4, Criagao da CEL XXIX — REACAO ANTILIBERAL E ANTIMARXISTA, 1.0 fascism e sua doutina — 2, Organiza do Estado festa 3.0 sistema corporativo XXX — 0 ESTADO NAZISTA ALEMAO 1. O nazismo — 2, 0 racismo alemao, XXXI— OS ESTADOS NOVOS 1.0 totalitarismo do tipo fascista — 2. Turquia — 3. Polonia — 4. Portugal — 5. Brasil — 6. Argentina ‘XXXII —FORMAS DE ESTADO 1. Classificagdes — 2, Estados perfeitos ¢ imperfeitos — 3. Estados simples e compostos — 4, Uniso pessoal — 5. Unido real — 6, Unio incororaia — 7. Conederagio — 8. Ours formas — 9. Impéio britinico XXXII— ESTADO FEDERAL 1. Estado unitirio — 2, Estado federal — 3. Caracteristicas essenciais, do Estado federal — 4, O federalismo nos EEUU da América do Norte Ix 109 1s 9 123 127 131 143 149 153 157 167 x _TEORIA GERAL, BO ESTADO 5.0 problema da soberania no Estado federal — 6, © federais- ino no Bil —7. Federalism organica — 8, Resumo XXXIV. FORMAS DE GOVERNO 1, Chsfeagiessecundérias — 2. Clssificagao essencial de Aristételes ¥ Momirquia ¢ Repiblica — 4. Subdivisdes —— 5. "Re- ferculun” — 6, Plbiscto — 7. Outros insittos XXXV__ PODER CONSTITUINTE 1, Conecitoe natureea— 2, Poder reformador — 3, Poder Consttin- tc instucional ANXVL 0 PREAMBULO NAS CONSTITUICOES 1. Sua significagio XXXVI — CONSTITUIGAO 1, Conceito — 2. Resto histérico do sistema constitucional — X Conteddo substancial — 4. Divisdo formal das Consitigoes — 5, Cartas dogmsticase outorgadas : XXXVIIL— SUPREMACIA DA CONSTITUIGAO 1, Subornagio dali ordindra as principio consttucionais —2. 0 controle da constitacionaldade das eis e dos atos administativs ¥.Sincopes consttucionais (esta de sitio) — 4. As sincopes consti- tweionais no Brasil XNNIX — DIVISAO DO PODER — 2. A doutrina de Montesquieu — 3. Unidade do poder € de dos 6rgos de sua manifestagio XI. DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM 1, Generalidades — 2, Classticagdes — 3. Internacionalizagdo dos di- reitos do homem — 4. Novos dtetos fundamentals — 5. Diritos Sovitis 6, Garanias dos direitos fundamentais X11 — PRINCIPIOS E SISTEMAS FLEITORAIS I. Surgio universal — 2. Voto do analfabeto — 3, Surigio restrito€ censo lo — 4 Sufrégio igualitri e voto de qualidade — 5. Sufrégio ino — 6. oto pablico e volo secreto — 7. Voto como direito ow 8. Eleigao diretae indreta — 9. Sistemas eleitorais 10, Sistema propor sess XL ~ SISTEMA REPRESENTATIVO — I |. Generafidades — 2. Origem e formagao histrica — 3. O sistema ropesentativo na Inglaterra —4, Natireza do mandato— 5. Teoias — 6 Titulardade do mandato no sistema brasileiro — 7. Unicameraidade « bicameralidade — 8, O Senado no Estado federaivo SISTEMA REPRESENTATIVO— Il |. Divisio substancial (sistemas individualista e corporativo) — 2 Divisio formal — 3 Sistema dirtoral. XU 15 183 193 203 27 21 233 m9 INDICE SISTEMATICO. XLIV — SISTEMA REPRESENTATIVO PRESIDENCIALL |. Origem histérica — 2. Critiea — 3. Mecanismo e caracteristicas do presidencialismo — 4. Ministros de Estado — 5. Responsabilidade ¢ “Impeachment” — 6. Durugdo do mandato — 7. Bvolugio do sistema presidencial suas modalidades — $. Comissoesparlamentarcs de inguérito. XLV — SISTEMA REPRESENTATIVO PARLAMENTARISTA 1. Origem histérica — 2. Carster democritico do sistema —3. Meca- nismo do sistema parlamentarista— 4. O Chefe da Nagtio— 5. Execu- tivo colegiado — 6. Responsabilidade politica do Ministério — 7. Pro- ‘cesso da responsabilidade politica — 8. Responsabilidade solidéria — 9, Remodelagio ministerial — 10. Dissolugio do Parlamento — 11 Interdependéncia dos poderes — 12. Parlamentarismo, federa lo e bicameralidade .. XLVI — 0 PARLAMENTARISMO NO BRASIL 1. Resumo histérico — 2, Comentarios — 3. Nova experiéneia no Brasil XLVI — DEMOCRACIA 1. Origem histérica — 2, Conceito — 3, Democracia em sentido for- ‘male substancial... XLVI — DEMOCRACIA E IGUALDADE 1. Resumo histérico — 2. Igualdade em sentido formal e material —3. Desdobramento e conceito social-democritico — 4, Conceito de igualdade econémica XLIX — DEMOCRACIA F LIBERDADE, 1. Divisdes dos direitos de liberdade — 2, Liberdades absolutas ¢ rela tivas — 3. A liberdade nas teorias absolutistas — 4. A liberdade na teoria do contrato social — 5. Coneeito individualista — 6. Coneeito social-democritico — 7. Teoria de Gropalli — 8. Liberdade e autori- dade . se : 1, — DEMOCRACIA E ELITES DIRIGENTES 1. Conceito real de democracia — 2. Expresso qualitativa do corpo clitoral — 3. Sclegio de valores — 4. Conse de ete digentee sua responsabilidade hist6rica LI —DEMOCRACIA LIBERAL E DEMOCRACIA SOCIAL, 1. Aspectos da democracia liberal e sua decadéncia — 2. Fundamentos da democracia social — 3, Intervencionismo estatal — 4. As cor- rentes liberais modernas: neoliberalismo e social-liberalismo Lil — PARTIDOS POLITICOS 1. Conceito e natureza — 2, Sistemas partidérios — 3. Classificagio 4. Origem e evolugio histérica — 5. Os partidos politicos brasleiros, 253 283, 289 295 303 ai 315 32 xi TEORIA GERAL DO ESTADO LIL OESTADO E SEU PROBLEMA FINALISTICO, 1.0 Estado como “meio” destinado & realizagio dos fins da comuni- dade 2, Concepedes individualistas ¢ (otalistas — 3. Teoria dos fins intermedirios LIV OHOMEM BO ESTADO 1.0 homem como unidade social e como pessoa humana — 2, Liber- dade © autoridade — 3. Posigdes extremadas e intermediari . LV INDIVIDUALISMO, COLETIVISMO E GRUPALISMO |. Nogies gerais — 2. Espiritualismo e materialismo — 3. Camposi- «es diversas — 4. Anarquismo— 5. Individuatismo racionalista —6, Liberalismo econémico — 7. Coletivismo e correntes socialistas — $. Socialismo marxista,russismo e sua evolucao LVI — SINDICALISMO E CORPORATIVISMO. |. Concepsio grupalista — 2, Origem hist6rica — 3. Formagio do sindicalismo — 4, Concepgao social-democrstica — 5, ldentidade dos {ermos sindicalismo ¢ corporativismo LVI — ESTADO CORPORATIVO |. Conceito doutrinério de corporativismo — 2. Corporativismo de Es {ado e corporativismo associative — 3. Representacio profissional — 4. Trés solugdes estatais: corporativismo maximo, médio © LVI —SOCIALISMO |. Origens doutrinarias do socialismo utépico ou comunismo —2. Karl Marx e o socialismo cientifico — 3. Socialismo e suas variagbes — 4. Socialismo de Estado, comunismo ¢ anarquismo — 5. Principios Tilos6ficos do marxismo LIX —O ESTADO BA FAMILIA |. A familia como unidade integrante do Estado — 2, Teoria grupalista crista — 3. O primado da familia na sociedade — 4, A familia ¢ Estado brasileiro... : LX O ESTADO EA IGREIA 1. A sociedad: prineipios da unidade e da pluralidade — 2. Naturezae uionomia do poder espiritual — 3. A luta entre o Estado e a Igreja (resumo hist6rico) — 4. O Estado do Vaticano — 5. Relagdes entre a Igreja e 0 Estado — 6, Separagio ¢ harmon. LX1— O ESTADO BRASILEIRO 1. Formagio histérica — 2, Territério — 3. Populagio — 4. Formagao Federativa — 5. Evolugio da forma de governo — 6. Resumo hist6ri- 60 da Replica — 7. A Constituigao de 1988 329 331 335 343 37 353 363 367 3m I ESTADO E DIREITO 1. Teoria monistica. 2. Teoria dualistica. 3. Teo- ria do paralelismo. O Estado & wma organizagio destinada a manter, pela aplicagio do Direito, as condigdes universais de ordem social. E 0 Direito é 0 conjunto das condigdes existenciais da sociedade, que ao Estado cumpre assegurar Para o estudo do fendmeno estatal, tanto quanto para a iniciago na ciéncia jurfdica, o primeiro problema a ser enfrentado € 0 das relag’ Estado e Direito. Representam ambos uma realidade tinica? Sao duas reali- dades distintas ¢ independentes? No programa da ciéncia do Estado, este problema nao pode passar sem um esclarecimento preliminar, E sendo tio importante quanto complexo, daremos aqui pelo menos um resumo das cor- rentes que disputam entre sia primazia no campo doutrinério, Nao compor- {a 0 nosso programa mais do que uma orientagio esquemética, para com- preensfio da matéria em suas linhas gerais, servindo como um roteiro para aiores indagages nos dominios da ciéncia juridica. ss entre Dividem-se as opinides em trés grupos doutrinérios, que sio os se- guintes: 1, TEORIA MONISTICA Também chamada do estatismo juridico, segundo a qual o Estado e 0 Direito confundem-se em uma s6 realidade. Os dois fendmenos sunt unum et idem, na expresso usada por Kelsen, Para os monistas s6 existe o direito estatal, pois nao admitem eles a idéia de qualquer regra juridica fora do Estado, O Estado ¢ a fonte nica do Direito, porque quem di vida a Dircito € 0 Estado através da “forga coativa” de que 86 ele dispde. Regra juridica sem coagao, disse Ihering, tradigao em si, um fogo que nfo queima, uma luz que nao ilumina. Logo, como sé existe o Direito emanado do Estado, ambos se confundem em uma s6 realidade. 2 THORIA GERAL BO ESTADO Forum precursores do monismo juridico Hegel, Hobbes e Jean Bodin, nvolvida por Rudolf von thering ¢ John Austin, alcangou esta teoria a sina miixima expressio com a escola téenico-juridica liderada por Jellinek & cont t escola vienense de Hans Kelsen, 2. ‘TEORIA DUALISTICA Também chamada pluralistica, que sustenta serem o Estado ¢ 0 Ditei- to duas realidades distintas, independentes e ineonfundiveis Para os dualistas © Estado nao € a fonte tinica do Direito nem com este se conlunde, O que provém do Estado ¢ apenas uma categoria especial do Dirvito: o diteito positivo, Mas existem também os prineipios de direito natu- ral. as normas de direito costumeiro e as regras que se firmam na consciéncia coletiva, que tendem a adquirir positividade e que, nos casos omissos, 0 Esta- «lo deve acolher para Ihes dar jurisdicidade, Além do Direito ndo-escrto exis- em o Direito candnico, que independe da forga coativa do poder civil, e 0 Dirvito das associagdes menores, que 0 Estado reconhece e ampara AAfirma esta corrente que 0 Direito ¢ criagdo social, nfo estatal. Ele tral, no seu desenvolvimento, as mutagdes que se operam na vida de cada ovo, sob a influéneia das causas éticas, psiquicas, biolégicas, cientificas, condmicas ete. O Diteito, assim, é wm faro social em continua transforma- Gio, A fungao do Estado € a de positivar 0 Diteito isto é, traduzir em nor- tnas escritas os princfpios que se firmam na consciéncia social © dualismo (ou pluralismo), partindo de Gierke e Gurvitch, ganhou terreno com a doutrina de Léon Duguit, 0 qual condenou formalmente a concepcio monista, admitiu a pluralidade das fontes do Direito positivo & demonstrou que as normas juridicas tém sua origem no corpo social Desdobrou-se o pluralismo nas comentes sindicalistas ¢ corporativistas, . principalmente, no institucionalismo de Hauriou e Renard, culminando, final, com a preponderante e vigorosa doutrina de Santi Romano, que lhe dew um alto teor de precisao cientifica, 3. TEORIA DO PARALELISMO Segundo a qual o Estado ¢ 0 Direito sio realidades distintas, porém necessariamente interdependentes. Esta ferveira corrente, procurando solucionar a antitese monismo— pluralism, adotou a concepedo racional da graduagdo da positividade ju- ESTADO I: DIRETTO, 3 ridica, defendica com raro brithantismo pelo eminente mestre de Filosofia do Diteito na Italia, Giorgio Del Vecchio. Reconhece a teoria do pluralismo a existéncia do direito nao-estatal, sustentando que varios centros de determinagao juridica surgem e se desen- volvem fora do Estado, obedecendo a uma graduagao de positividade. So- bre todos estes centros particulares do ordlenamento juridico, prepondera 0 Estado como centro de irradiacao da positividade. O ordenamento juridico do Estado, afirma Del Vecchio, representa aquele que, dentro de todos os ‘ordenamentos juridicos possiveis, se afirma como o “verdadeiramente po- sitivo", em razio da sua conformidade com a vontade social predominante. ‘A teoria do paralelismo completa a teoria pluralista, ¢ ambas se contra- Jem com vantagem & teoria monista. Efetivamente, Estado ¢ Direito sto duas realidades distintas que se completam na interdependéncia, Como de- ‘monstra 0 Prof. Miguel Reale, a teoria do sabio mestre da Universidade de Roma coloca em termos racionais ¢ objetivos o problema das relagSes entre o Estado e 0 Direito, que se apresenta como um dos pontos de partida para 0 desenvolvimento atual do Culturalismo, como mais adiante se esclarece. “Teoria monistica (do estatismo juridico) Teoria dualistica (ou pluralistica) ‘Teoria do paralelisimo Relagdes entre Estado e Direito Na equago dos termos Bstado—Direito € necessério tet sempre em vista esses ts troncos doutrindtios, dos quais emana toda a ramificagaio de teoriusjustificativas do Estado e do Direito, como exporemos em capitulo especial. I TEORIA TRIDIMENSIONAL DO. ESTADO E DO DIREITO 1. Nocao fundamental. 1. NOCAO FUNDAMENTAL, ‘Como vimos no esquema antecedente, entre as correntes monistas (ou estatistas), num extremo, € as correntes dualisticas (ou pluralisticas), no outro extremo, estabeleceu-se, modernamente, uma corrente eclética (paralelistica) que se situa numa posigo de relativo equilibrio entre os cita- dos extremos. Acesta posigio central, de equilfbrio, prende-se a concepgio institucional do Estado, que atinge a sua maior expresso na concepeio culturalista do Estado € do Direito, desenvolvida com amplitude e invulgar brilhantismo pelo Prof. Miguel Reale O culturalismo, segundo as palavras do excelso mestre, integra-se no historicismo contemporaneo e aplica, no estudo do Estado e do Direito, os principios fundamentais da axiologia, ou seja, da teoria dos valores em funcdo dos graus da evolugao social. Nessa linha de raciocinio se desenvolve a teoria tridimensional do Es- tado e do Direito, que tende a solucionar, pela clareza metodol6gica, todos 08 conflitos doutrindrios radicais. A realidade estatal, como o Direito, é uma sintese, ou integracdo do “ser” e do “dever ser”; é fato e é norma, pois, €0 FATO integrado na NORMA exigida pelo VALOR a realizar. Em resumo, o Estado nao é apenas um sistema geral de normas, como preten es monistas, nem um fendmeno puramente sociolégi- co, como sustentam as correntes pluralisticas. E uma realidade cultural cons: tituida historicamente em virtude da prépria natureza social do homem, que encontra a sua integragdo no ordenamento juridico. Por essa concepeio tridimensional do Estado e do Direito, afasta-se 0 erro do formalismo técnico-juridico ¢ se compreende o verdadeiro valor da lei e da fungao de governo, 6 THORIA GERAL DO ESTADO. on eleito, o Estado, na concepgto tridimensional, no € somente io Fitica do poder pablico, nem simplesmente a realizagao do fi social, como também ndo se explica s6 pela sua fungio de ‘rgaio produtor ¢ mantenedor do ordenamento jurtdico. F a reunidio harmd- nica desses trés momentos ou fatores, enquanto dialeticamente se compoem ‘na unidude concreta do processo histérico-social, Os trés elementos se con- ina e se completam na integracao da realidade estatal, € nenhum deles, nente, é bastante em si para explicé Portanto, FATO, VALOR e NORMA sao os trés elementos (momen- tos cu fatores) integrantes do Estado como realidade sécio-ética-juridica, como eselarece 0 Prof. Miguel Reale: a) 0 FATO de existir uma relacdo permumente do Poder, com wma discriminacio entre governantes € gover- rnaddos: B) um VALOR ou um complexo de valores, em virtude do qual 0 Poder se exerce; c) um complexo de NORMAS que expressa a mediagao do Poder na atualizagao dos valores da convivéncia social. da convi ‘A caracterizag2o apenas como uma realidade de fato leva fatalmente as solugdes monistas, desde o totalismo de Hobbes ao realismo simplista de Duguit. Atentando-se apenas para 0 aspecto axiolégico, descamba-se para ‘ulealismo platOnico e hegeliano, com 0 endeusamento do poder piblico, Vinalmente, a se considerar o Estado somente pelo prisma da sua finalidade ppurvial de criador ¢ ordenador das normas juridicas, incide-se no erro de dlesprezar a realidade fitico-axiolégica, espraiando-se no campo raso do iaterialismo, no tecnicismo jurfdico, no normativismo Kelseniano ¢ nas lemais solugdes de eardter monista. {A teoria tridimensional do Estado e do Direito visa contornar as im- propriedades dessas solugdes parciais. Correlacionando FATO, VALOR ¢ NORMA, esta teoria retne os elementos essenciais que integram a realida- al, em correspondéncia com o triplice aspecto da Teoria Geral do lado: a) 0 aspecto SOCIOLOGICO, quando estuda a organizacdo estatal como fato social; b) 0 aspecto FILOSOFICO (ou AXTOLOGICO), quando estuda 0 Estado como fendmeno politico-cultural; c) 0 aspecto JURIDICO, «quando encara o Estado como érgio central de positivagao do Direit. Sobre a matéria, que é vasta e de relevante interesse para o estudo da Teoria Geral do Estado, voltaremos a discorret oportunamente, com mais pormenores, nos pontos referentes a Justificagdo do Estado, (0 estudo da Teoria Tridimensional do Estado e do Direito é de suma importincia na formagao da cultura juridica, pelo que indicamos as seguin tes obras do Prof, Miguel Reale: Teoria do Direito e do Estado, Fundamen- 10s do Direito ¢ Teoria Tridimensional do Direit. i DIVISAO GERAL DO DIREITO 1. Direito Natural ¢ Positivo. 2. Direito piiblico ¢ privado. 3. Posicdo da Teoria Geral do Estado no quadro geral do Direito. A exposigdo precedente poe em relevo a impossibilidade de se conceituar a unidade estatal com abstra¢io do Direito. Trata-se de duas re- alidades distintas, interdependentes e inseparaveis. Portanto, inicialmente, ‘vamos fixar o quadro geral da divisio do direto, frisando a posigio da Teo- ria Geral do Estado. 1. DIREITO NATURAL E POSITIVO 0 Diteito divide-se primeiramente em NATURAL ¢ POSITIVO, Direito Natural é 0 que emana da propria natureza, independente da ‘vontacle do homem (Cicero). F invaridvel no espago e no tempo, insuscetivel de variagio pelas opinides individuais ou pela vontade do Estado (Arist6teles), Ele reflete a natureza como foi criada. E anterior e superior a0 Estado, portanto conceituado como de origem divina. Direito Positivo € 0 conjunto organico das condi volvimento do individuo e da sociedade, dependent da vontade humana ¢ das garantias dadas pela forga coercitiva do Estado (Pedro Lessa). £ o dite toescrito, consubstanciado em leis, decretos, regulamentos, decisses judicié- rias, tratados internacionais etc., variando no espago no tempo, E obra es- sencialmente humana, e, portanto, precéria, falivel e sujeita a imperfeigées. 2. DIREITO PUBLICO E PRIVADO em PUBLICO e PRIVADO. Esta divisio provém do velho Direito Romano, e, segundo a defi lapidar de Ulpiano — publicum jus est quod ad statum romanae spectat; privatum quod ad singulorum uiilitatem pertinet — 0 diteito piblico € 0 0 Direito Positive divide-s 4 THORIA GERAL. DO ESTADO ue regulit as coisas do Estado; 0 direito privady & @ que diz respeito aos interesses particulares, Nestes termos, Alora pessoa (Fis E sujeito de direito pablico o Estado e de direito priva- ou juridica), Kelsen negou fundamento & tradicional divisdo dicotémica dos roma- thos, doutrinando que todo Direito é piblico, em relagio a sua origem e & condigiio de validez: 0 diteito provém sempre do Estado e nao tem cclicdicia sem a forga coativa do poder estatal. O Direito é uno e indivistvel. ‘A natureza das suas normas € que pode visar mais o bem comum ou as ceessidades particulares, Usta teoria monistica, adotada por Kelsen e Jellinek, nao se harmoniza coma realidade. O Estado nao é, absolutamente, a fonte exclusiva do Direi- {o, embora o seja da lei, isto é, de uma categoria espeeifica do Direito—o dircito estatal, Em verdade, 0 Estado nao cria © Direito; apenas verifica os brinepios que os usos e costumes consagram, para traduzi-los em normas cexcritas e dar-Ihes eficdcia extrinseca mediante sangao coercitiva. O legisla- dor, como observou Celice, € antes uma testemunha que certifica, do que tuin obreiro que faz lel Como bem acentuou Pontes de Miranda, 0 Estado é um meio ‘vel, nfo exclusivo, de revelagao das normas juridicas. Fora do E item outros centros de determinacao juridica, relativamente auténo- ‘mos: as igrejas, as autarquias e entidades paraestatais, os clubes ¢ associa- ‘Goes. OS grupos menores em geral, revestidos de capacidade de autodeter- ‘minagio, os quais, sem prejuizo da predomi ‘como fontes geradoras de normas juridicas ‘A despeito das criticas autorizadas de Kelsen, Duguit, Posada, Aubry © Rau, bem como de muitos outros gigantes do pensamento juridico univer- sal, adivisio do Direito em pablico e privado resistiu aos séculos impondo- se a accitagdo das cigncias, incia do poder estatal, atuam ico que o direito piblica eo dreto privado nao se acham separn- «ks por um abismo, como bem observou Fleiner, mas confundi-los numa 86 realidade importaria em subverter uma tradigao quase milenatia, onsagra- th pelo consenso geral dos povos. Convéim ressaltar, enretanto, essa tendéncia do Estado modemo no sentido ct absorgio do direit privado pelo dieito pablico, passand este superintendr, cada vee mais, maior nGinero de relagdes juridicas. uma conseqincia pica da decadéneia do individuaismo edo crescent pest sie das doutrinas do direito social. Tal tendéncia, porém, nao chegard a DIVISAO GERALDO DIRET consagrar a teoria da unidade ¢ indivisibitidade do Direito sem sacrificio dos mais salutares principios democraticos, Foi langada por Gurvitch, ultimamente, a divisio triplice do Direito, sescentando-se o diveito social como terceiro ramo, Defendem-na Le Fur € Girke, enire outros, e, no Brasil, Cesarino Jinior e Sousa Neto. Contratos coletivos de trabalho, legislagao industrial, federalismo econémico, organi- zagio do trabalho, sistema previdenciério etc. formariam esse terceiro ramo, isto é, 0 chamado “direito social”. Todavia, em que pesem os argumentos dos eminentes mestres, a prépria denominagao & um pleonasmo. Todo qualquer direito, seja publico ou privado, ha de ser necessariamente social. O objetivo do bem comum abrange tanto as relages de ordem péiblica como as de ordem privada. O Direito em geral se socializou, dando nova forma de «equacdo aos termos “liberdade” c “autoridade”, como fim de restabelecer 0 equilfbrio social prejudicado pelo fracasso do individualismo no campo politico. Voltemos, portanto, & classica divisio dicotémica que & de valor {transcendental para ateoria ea prética da ciéncia juridica, As normas juridi- cas se classificam como de direito piiblico ou privado, segundo a predomi- nncia do intetesse social ou particular. Cada um dos dois ramos fundamenta Virios outros, como se vé no quadro seguinte: do Direito se subdivide em ‘Natural r ternacional i \ \ | | | Consttacional \ ) Administrative JPUHCS —) Ynremo | Penal rege lean | | Processual ow Judicdtio ) | Trabalhista { | Financeiro | { internacional | Privado _| rowan Incluimos aqui apenas os ramos principais do direito pablico interno que formam disciplinas auténomas no curriculo das Faculdades de Direit. to THORIA C Outros ramos, como direito tributério, direito municipal, direito militar, 1 aetondiutico, diteito penitencidrio, direito maritimo, direito escolar , miais recentemente, diteito previdenciério, direito do consumidor, di- reitu do banedrio etc., tendem a adquirir autonomia com a crescente evo- ugaw do Uistado moderno, 3. POSICAO DA TEORIA GERAL DO ESTADO NO QUADRO GERAL DO DIREITO © Dircito Constitucional — ramo principal do direito piblico interno ‘compreende uma parte geral e outra especial A Teoria Geral do Estado & a parte geral do Direito Constitucional, a stil estrutura te6rica, Nao se limita a estudar a organizagao especffica de um dcterminado Estado, de modo conereto, mas abrange os princfpios comuns «© essenciais que tegem a formagio e a onganizagao de todos os Estados e Nagdes, nas suas trés dimensdes: sociolégica, axiolégica ou politica, e normativa ou juridica, Como acentuou Pedro Calmon, a Teoria Geral do ‘tadlo € exatamente a mais sociolégica, a mais hist6rica, a mais varisvel «las esferas reservadas & compreensao do fendmeno da ordem coletiva. Niio é uma disciplina separada, mas integrante, do Direito Constitucio- il. Dai‘ a tendéncia atual de unificagdo das duas eétedras tradicionais, do ccsino juridico, sob a denominacao tinica de Direito Constitucional, com lesdobramento em dois anos no curriculo das Faculdades de Direito: o pri- icity, com predomindneia da parte geral, e 0 segundo, referente ao direito iniblico interno, estendendo-se, naturalmente, ao Direito Constitucional Comparado. IV TEORIA GERAL DO ESTADO 1. Conceito. 2. Triplice aspecto. 3. Posigdo e relacdo com outras ciéncias. 4, Fontes. 1. CONCEITO A Teoria Geral do Estado corresponde & parte geral do Direito Consti- tucional. Nao é uma ramificagdo, mas o préprio tronco deste ramo eminente do direito piblico, dentifica-se esta disciplina com o que se poderia denominar Ciéncia do Estado ou Doutrina do Estado, e, como tal, & tio antiga quanto o proprio Estado, Atestam essa antigidade as obras Repuiblica © As Leis, de Plato; Politica, de Arist6teles; e De republica e De legibus, de Cicero. A matéria politica, sem d6vida, € predominante na Teoria Geral do Estado, decorrendo deste fato as denominagdes de ciéncia politica, scienca politica, science politique e political science, muitas vezes adotadas entre ‘0s povos latinos ¢ ingleses. J4 Arist6teles definia: Politica é a Ciéncia do Estado, Tal confusio, porém, esté rejeitada pelo progresso da cultura huma- na, que trouxe © desdobramento da Ciéncia do Estado em vérios ramos auténomos, tais como o direito internacional, o direito administrativo, a economia politica, a ciéncia das finangas, 0 diteito do trabalho ete, Hoje a velha definigdo aristotélica teria de ser atualizada, como observou o Prof Mario Mazagio: politica é 0 conjunto das ciéncias do Estado, Ademais, a politica é uma ciéneia pratica e de valorizagio, enquanto a ‘Teoria (ciéncia ou doutrina) do Estado € te6rica e nao-valorizadora, como demonstrou amplamente Hermann Heller, teorizador modemo da escola alema, trazendo & colagao o fato de que 0 economismo apolitico do século XIX, limitando-se quase totalmente aos efrculos das ciéncias econdmicas, tem chegado a esvaziar a denominagio de Ciéneia do Estado, ‘Sem embargo do seu contetido parcial de natureza politica, ou mesmo da predominancia da matéria politica, a Teoria Geral do Estado nao objetiva a aplicagio do que é estritamente politico. E uma ciéncia cultural, de fundo 2 THORIA GERAL DO ESTADO icmente sociol6gico, com a finalidaule preespus de investigara espe- cilica realidad da vida estatal, nas suas mais amplus eonexées. Aspira com- preender o Estado na sua estrutura e fungdes, 0 seu devir histérico e as leneléncias da sua evolugao. A denominagao “Teoria Geral do Estado”, correspondente & palavra lem Allegemeinestaatslehre, tem metecido eriticas, principalmente pelos «que a no encaram como ciéncia autdnoma, sendo indevido 0 qualificativo de geral, Virios autores alemaes, como Heller, preferiram a denominagio simples de “Teoria do Estado” — Staatslehre. E Gropalli, emérito mestre «la Universidade de Mildo, preferiu a denominacao de Doutrina do Estado, suprimindo o adjetivo geral, “por init visto que uma doutrina, pelo sim- piles fato de existir, nfo pode ser sendo geal 2. TRIPLICE ASPECTO A Teoria Geral do Estado, na sua exata conceituagao, compreende um cconjunto de cigncias aplicadas & compreensio do fendmeno estatal, desta- cando-se prineipalmente a Sociologia, a Politica e o Direito. Daf o seu des- dobramento, geralmente aceito, em Teoria Social do Estado, Teoria Politi cu do Estado ¢ Teoria Juridica do Estado. EORIA SOCIAL DO ESTADO, quando analisa a genese ¢ 0 desen- volvimento do fendmeno estatal, em fungdo dos fatores historicos, sociais e ceondmicos; TEORIA POLITICA DO ESTADO, quando justifica as finalidades do overno em razao dos diversos sistemas de cultura; ¢ TEORIA JURIDICA DO ESTADO, quando estuda a estrutura, a perso- nificagdo e o ordenamento legal do Estado, ‘Uma andlise brilhante e objetiva desse triplice aspecto é apresentada pelo Prof. Miguel Reale, acentuando que a Teoria Geral do Estado pressu- poe a Filosofia do Direito e do Estado, mas nao se confunde com ela, Foca- liza amplamente 0 Estado nos seus trés aspectos — material, formal e teo- I6zico — ao mesmo tempo em que analisa o fendmeno do poder como idade social, politica e juridica. Assim nao entendem as correntes monistase estatistas, para as quais a doutrina do Estado se reduz 2 ordem juridica simplesmente, ja que Estado Direito se confundem numa sé realidade. E uma verdade parcial, Quer quanto ao Direito em particular, quer quanto ao Estado em geral, «teoria tridimensional retin as verdades parciais numa verdade integral, oferecendo 0 conceito amplo e exato da Teoria Geral do Estado, TEORIA GERALDO ESTADO B 3. POSICAO E RELACAO COM OUTRAS CIENCIAS Embora se trate de entendimento controvertido, a Teoria Geral do Es- tado néo se subordina a nenhuma das ciéncias gerais. E uma ciéncia em si ‘mesma, revestida de autonomia, tanto mais quando considerada no seu Infplice aspecto — sociol6gico, politico e juridico. Cabe defini-la como ci- éncia geral, como o fez Gropalli, cuja definiga0 merece destaque: “A Doutrina do Estado € a ciéneia geral que, enquanto resume e inte- gra, em uma sintese superior, os principios fundamentais de varias cién- cias sociais, juridicas e politicas, as quais tém por objetivo o Estado consi- derado em relagéo a determinados momentos historicos, estuda o Estado de um ponto de vista unitdrio na sua evolugdo, na sua organizagao, nas suas formas mais tipicas com a intengdo de determinar suas leis formativas, seus fundamentos e seus fins” Reiine pois a Teoria Geral do Estado, numa sintese superior, diversas, cigncias, umas descritivas, como a Hist6ria e a Sociologia, e outras normativas, como a Politica, a Etica, a Filosofia ¢ 0 Direito, Além disso relaciona-se de perto com outras ciéncias auxiliares, das quais recebe valio- S08 subsidios, como a Antropologia, a Biologia, a Geografia, a Estatistica e a Economia Politica. 4, FONTES As fontes de estudo da Teoria Geral do Estado tas e indiretas: As fontes diretas, segundo as explanagdes de Gropalli, compreendem 6 dados da paleontologia e da paleoetnologia, os dados da hist6ria ¢ as instituigdes politicas passadas e vigentes. Os mais antigos documentos que esclarecem o estudo da matéria Sio 0 “Cédigo de Hamurabi, rei da Babilonia 2.300 a.C.), as leis de Manu da india (XII século), 0 “Cédigo da Chis (XI século), as leis de Zaleuco, Charondas e Séton (VII século), as leis de Gortina (V século) ¢ a “Lei das XH Tabuas” (541 a.C. AAs fontes indiretas ou subsidisrias compreendem: a) 0 estudo das so- ciedades animais; b) 0 estudo das sociedades selvagens contemporiineas; & 6) 0 estudo das sobrevivencias. Jassificam em dire- Teoria Social do Estado Teoria Politica do Estado = Teoria Geral do Fstado ria Juridica do Estado 4 Himes 'TEORIA GERAL DO ESTADO Diretas Indiretas Paleonsogia Pateetnolosa | Histria 7 inns | Trstuigdes pots E ic [estudo das sociedades animais estado das sociedades humanas primitives estudo das sobvevivencias v NACAO E ESTADO 1. Conceito de Nagao. 2. Populagao. 3. Povo. 4, Raca. 5. Homogeneidade do grupo nacional. 6 Conceito de Estado. 1. CONCEITO DE NACGAO Nagio ¢ Estado sto duas realidades distintas e inconfundiveis. E essa distingio tem absoluta importncia no estudo da nossa disciplina, ‘A Nagao € uma realidade sociol6gica; o Estado, uma realidade jurfdi- cea. O conceito de Nagao € essencialmente de ordem subjetiva, enquanto 0 conceito de Estado é necessariamente objetivo. Procuraremos fixar bem o conceito de Nagiio cotejando a definigio de Mancini: una societa naturali di womini, da unité di territorio, di origine, di costumi e di lingua, conformata di vita e di conscienza sociale. Segundo esse autor, sio os seguintes 0s fatores que entram na forma- a0 nacional: a) naturais (tertitérios, unidade étnica ¢ idioma comum); b) historicos (tradigdes, costumes, religiio ¢ leis); c) psicolégicos (aspiragies comuns, consciéneia nacional etc). Idéntico conceito encontramos em Pradier-Fodré: une nation est la réunion en société des habitants d'une méme contrée ayant le méme langage, régis par les mémes lois, unis par Videntité @origine, de conformation Physique et de dispositions morales par une longe communauté a intéréts et de sentiments et par une fusion d existence amenée par le laps des siécles. Renan, sempre citado pelos sociélogos, assim conceitua a Nagao, na sua linguagem colorida: une nation est une dme, un principe spirituel. Deux choses qui, a vrai dire, n’en font qu'une constituent cette dime... L'une est la possession en commun d'un riche legs de souvenirs; l'autre est le consentement actuel, le desir de vivre ensemble, la volonté de continuer a faire valoir héritage qu’on a regu indivis... avoir des gloires communes dans le passé, une volonté commune dans le présent, avoir fait de grandes choses ensemble, vouloir en faire encore, voild la condition essentielle pour lo TEORIA GERAL DO ESTADO étre un peuple, Une grande agrégation d’ hommes, saine d'esprit et chaude dle coeur, erée une conscience morale qui s'appelle une nation. Como se vé, sobre 0s fatores objetivos concorrentes preponderam, no to de Nagio, 0 fatores subjetivos, mais ou menos imponderdveis, ‘Com eleito, a humanidade compde-se de um conjunto de grupos distintos, tvs quis se localizam em certas e determinadas regides do globo terrestre, Hatores éiicos, étnicos, hist6ricos, geogréficos, politicos, econémicos et. dleferminaim esses agrupamentos e Ihes do continuidade. A sua permanén- cia demorada em determinada regio acaba por imprimir nos individuos pparticularidiades sométicas e psfquicas que os distinguem dos outros grupos huumnos. clima, a alimentacio, a gua, 0 préprio cendrio geografico no junto se encarregam de esculpir 2 alma e 0 corpo dos elementos numanos, imprimindo-thes esses caracteres psicofisicos comuns que iden lificam uma raga e configuram uma personalidade coletiva. A homo- {dade do grupo cria aquela solidariedade dos semethantes a que alude Spencer; estabelece um parentesco espiritual, na expressio de Hauriou, de- terminando uma s6tida comunhio de idéias, de sentimentos e de aspira {woes a par do apego ao torrao natal cone ‘Comentando © fendmeno sociolégico da formagdo das nacionalida- les, referiu Joseph de Maistre que, viajando pelo mundo, nao encontrou em, |xuma o homem, indistinto, incaracterfstico, universal, comum a to- as latitudes, mas em cada regido encontrou o homem nacional, isto €,0 chinés, © japongs, o inglés, o beduino, o elemento humano tipico de uma hacionalidade, ou seja, 0 individuo caracteristico de uma unidade étnico- social Assim, NagHio é uma entidade de direito naturale historico. Conceitua- se como um conjunto homogéneo de pessoas ligadas entre si por vinculos perinanentes de sangue, idioma, religizo, cultura e ideais ‘A Nagao & anterior a0 Estado. Als, pode ser definida como a subs- sducia humana do Estado, Como afirmou Clovis Beviliqua, o agrupamento social precedeu aos primeiros rudimentos do Estado, sendo resultante da aio combinada de certos instintos naturais. Pode-se dizer, como Miguel Reale, que a nagao “é um Estado em poténcia”. ‘A Nao pode perfeitamente existir sem duasr stado. A distingao entre as lidades mais se evidencia quando se tem em vista que varias nagoes pele reunir-se em um s6 Estado, assim como também uma s6 Nagao pode dividir-se em varios Estados. A Austria e a Hungria sempre foram nagées completamente distintas; nao obstante, durante muito tempo formaram um sé Histado sob a denominagdo de Austria-Hungria, Igualmente, a Esc6cia, a _NAGAO EESTADO 0 é a Gra-Bretanha. Por outro lado, a Nacio italiana che- ou dividir-se em cerca de uma dezena de Estados (Roma, Népoles, Venez, Piemonte ete.) até quando foi unificada em 1870. Também a Alemanha di- vvidiu-se em virios Estados, finalmente reincorporados pela acio unificadora ai o prine(pio dominante no direito internacional moderno: cada Nagio deve constituir um Estado préprio. ‘Antes de passarmos ao conceito de Estado, convém eselarecer 0s sen- tidos das palavras populago, povo e raca —o que favorece mais 0 entendi- mento da distingo conceitual entre Ni 2. POPULACAO E expresso que envolve um conceito aritmético, quantitativo, ddemogrifico, pois designa a massa total dos individuos que vivem dentro das fronteirase sob o impétio das leis de um determinado pas. E 0 conjunto heterogéneo dos habitantes de um pats, sem exclusio dos estrangeirs, dos apitrdas, dos stditos coloniais ete, Quando se diz.que a populagao do Bra- Sil € de cem milhdes, por exemplo, nesse nimero nio figuram apenas 0s brasileiros (nacionais) mas a massa total dos habitantes. Oselementos de outras origens (no nacionais) poderRo integra o grupo nacional pelo processo de naturalizagdo, isto é, de nacionalizagdo, na for- tna das les proprias. Sé entdo poder exercer os direitos politicos que sio ptivativos dos nacionais 3. POVO No sentido amplo, genérico, equivale & populagzo, Porém, no sentido estrito, qualificado, condiz.com o conceito de Naco: povo brasileiro, povo italiano etc. Com este entendimento foi que doutrinou Cicero em De Republica, 1.25: populus est non omnis hominum coetus, quoquo modo congreyatus sed cuetus moltiudinis iuris consensu et uilitatis comunione socials. 4, RAGA Difere também do conceito de Nagao. Nagio é uma unidade sécio psiquica, como j4 vimos, enquanto raga é uma unidade bio-antropoldgica ix VKORIA GERAL DO ESTADC Uma Nago pode ser formada de varias ragas. A Nagdo brasileira, por cxemplo, constituiu-se de tés grupos étnicos (lusitano, africano e amerindio). Por outro lado, de um 36 tronco racial podem surgir varias nagées, como é Frastante comum, prineipalmente no Continente Americano. Vortanto, nem sempre coineidem naga e aga. certo que no conceito se nagio entra um Fator natural que é 0 vinculo de sangue, mas, sobretudo, inccontinan os fatores histricos e psicoldgicos ) MOGENEIDADE DO GRUPO NACIONAL, Nao passaremos ainda a0 conceito de Estado sem antes consignar ou- {ny eselarecimento: A Nagio é um dos elementos formadores do Estado, mente, como escreveu Carré de Malberg, é a substncia hums na do Estado, So Ués os elementos constitutivos do Estado: populacdo, territdvig © governo. E 0 elemento populagio envolve o requisito de homogeneidade, isto €, deve corresponder ao conceito de Nagio. Queiroz Lima define razoavelmente: O Estado & a Nagao politica- nwnte organizada. Quer dizer: a populacdo, como elemento integrativo do Vstado, requer 0 atributo nacional. Nao resta diivida que este € um ponto vontrovertide & controvertivel. No mundo moderne formaram-se varios Histados sem o estégio prévio de um processo de cristalizagio nacional. Hncontramos virias e respeitaveis contestagdes ao principio de que a Na- ito, no seu exato sentido sociol6gico, seja elemento sine qua non do Esta- slo, cnire as quais se destaca a de Bigne de Villeneuve, Nos seus exemplos cit este autor o Estado belga, que se formou sem que existisse efetivamente tumna Nagao belga. Retine a Belgica realmente dois grupos nacionais: dos inengos (de Flandres) e dos valoes, que ocupavam a parte sul-oriental do is. Data definigdo desse autor: “O Estado € a unidade politica e juridica vel, constituida por uma aglomeracao humana, formando, sobre wm ‘erritdrin comum, um grupo independente”. Dispensa, como se ve, 0 requi sito da homogeneidade, Exemplos nao faltam em socorro dessa e de todas as doutrinas. Es- ‘aulo dla Calitérnia mesmo, nos Estados Unidos da América do Norte, ndo foi a ong politica de um grupo nacional homogéneo; resultou da lecisiio tomada por uma assembléia de garimpeiros de todas as origens, em 1849, Lintretanto, ¢ imprprio argumentar com as anomalias ou com as ex- ‘veges que sfinal, nao infirmam o principio geral consagrado pela ciéncia, se alentar para as causas deformadoras das regras dominantes, {ulmitiro Estado sem territ6rio, fato que se verificou na Abissinia NAGAO E ESTADO, - oe € em outros Estados que, invadidos pelas forgus agressoras, no decurso da Gltima guerra, seus governos se refugiaram em Londres, conservando prerrogativas de Estado na ordem internacional E certo, por outro lado, que podemos e devemos fixar a sociedade hhamana no momento preciso em que ela se agrupa numa determinada érea, atingindo, assim, lenta ou precipitadamente, um certo grau de diferenciaga0 politica. De qualquer forma, deve preexistir uma vontade coletiva organiza- da, qualificavel como Nagao pela convergéncia dos fatores hist6ricos e psi- colégicos que influem no agrapamento, O fator raciat, como ja observa- mos, é secundirio. O agrupamento humano que, num dado momento, apés atingir um certo grau de diferenciagao politica, se arvora em Estado hd de ser, em re- gra, mais ou menos homogéneo. Essa homogeneidade pode advir apenas de alguns dos fatores hist6ricos e psicolégicos, isto é, sem a presenga dos fato- res naturais. De qualquer modo, como bem observou Del Vecchio, um Esta- do que nao corresponda a uma Nacio € um Estado imperfeito. E- mais: um Estado que nao defenda e promova justamente o caréter nacional é um E: tado ilegitimo. Em remate de suas ponderagdes afirma o ilustre professor da Universidade de Roma que “de tudo isto resulta, enfim, que se nao pode ter ‘uma plena e verdadeira nogao de Estado se nao se tiver distinguido eritica- mente 0 diteito ideal do positivo, ¢ esta distingdo nao ¢ possivel sem um fundamento, igualmente critico, dos valores éticos em geral” Pela mesma esteira de raciocinio se desenvolvem 0s ensinamentos de Gropalli: a homogeneidade do elemento populacional reflete em um fort lecimento maior dos Estados assim chamados nacionais, em confronto com (0 ditos plurinacionais, destitaidos de coesio interna e freqientemente cor- rofdos pelas Intas de ragas ¢ tendéncias. Finalmente, o proprio direito piblico internacional, procurando uma formula para assegurar a paz no mundo de apés-guerra, tem prestigiado sobre todas as outras a dowrina das nacionalidades, que consiste em reco- nhecer, a cada grupo nacional homogéneo, o diteito de se constituir em. Estado soberano. A hist6ria politica da Europa, principalmente, tem com- provado que a constituiglo arbitraria de pequenos Estados, dividindo ou incorporando nagGes, tem sido a maior fonte de perturbagao da paz no Cor tinente e no mundo. 6. CONCEITO DE ESTADO Passemos ao conceito de Estado. Este conceito vem evoluindo desde a antigidade, a partir da Polis grega e da Civitas romana. A propria denomi- 20 THORIA GERALDO ESTADO. naciio de Estado, com a exata signifiexgalo que the atribui o direito moder- no, foi desconhecida até o limiar da Kdide Média, quando as expresses empregadas eram rich, imperium, land, terrae etc. Teria sido a Itélia 0 pri- meiro pais a empregar a palavra Stato, embora com uma signific vaga. A Inglaterra, no século XV, depois a Franga e a Alemanha, no século XVI, usaram o termo Estado com referéncia & ordem piblica constituida. Foi Maquiavel, criador do direito piblico moderno, quem introduziu a ex- pressio, definitivamente, na literatura cientifica. Um esclarecimento se impoe antes de tudo: Nao hi nem pode haver uma definigdo de Estado que seja geralmente aceita. As definigdes so pon- tos de vista de cada doutrina, de cada autor. Em cada definicio se espelha uma doutrina, Um dos mais profundos tratadistas do direito ptiblico, que foi Bluntschli, hé mais de cem anos, reconheceu ser impossivel deduzir um conceito de Estado sem distinguir o Estado-idéia (ou Estado-instituigao) do Estado como entidade hist6rica, real, empirica. O primeiro pertence a refle- io filos6fica, ¢ 0 segundo é 0 que se estuda no dominio dos fatos ¢ da retlidade. Essa concepedo dualfstiea foj retomada por Kelsen, embora em outros termos. Afirma o Ider da escola vienense que a ciéncia politica encara 0 Estado por dois angulos diversos: primeiro como objeto de valoracao, isto encara o Estado como deveria ou niio deveria se de social, ou seja, como efetivamente & tem e depois como realida- 6 na primeira hipdtese o estudo writer cientifico, Af observador se guia pela razao e pode formular os Jjuizos de valor, Na segunda hipétese o observador se guia pela realidade. No plano politico, onde se encara o Estado principalmente como fato social, 0s conceitos emitidos pelos autores decorrem das construgées dou- trindvias, Uns consideram o Estado como organisto natural ou produto da evolucdo hist6rica, outros como entidade artificial, resultante da vontade coletiva manifstada em um dado momento. Uns 0 conceituam como obje- {ode direito (doutrinas monsrquicas), outros como sujeito de direito, como pessoa juridica (doutrinas democréticas). Outros ainda o consideram como ‘expresso mesma do direito, incluindo em uma s6 realidade Estado e Di- reito ((eoria monista). Jellinek vé no Estado uma dupla personalidade, so e juridica, enquanto Kelsen e seus seguidores 0 negam como realidade al para afirmé-lo estritamente como realidade jurfdica. No mesmo sen- tido é a concepcdo de Duguit: 0 Estado ¢ criago exclusiva da ordem juridi- cae representa uma organizagio da forga a servico do direito. NAGAO E-ESTADO 21 Rudolf Smend demonstra que o Estado ¢ resultante natural de um lon- {20 processo de integragtio: “O Estado atual é uma incessante luta de integracdo. Reflete, na sta estrutura, forgas independentes que congrega e comanda. E um fingulo de convergéncia de todas as forgas sociais propulso- ras, sob sua disciplina, da felicidade e da ordem, no seio da comunhio. ‘Ausculta as tendéncias, as influéncias dos fendmenos da natureza, impri- mindo-Ihes rumo e ritmo dirigidos & sua finalidade”. (Os autores norte-americanos nos oferecem as seguintes definigbes: “O Estado é uma parte especial da humanidade considerada como unidade or ‘ganizada” (John W. Burgess); “O Estado é uma sociedade de homens uni- dos para o fim de promover o seu interesse e seguranga miitua, por meio da conjugagdo de todas as suas forgas” (Thomaz M. Cooley); “O Estado €uma que, atuando através da lei promulgada por um governo investi- do, para esse fim, de poder coercitivo, mantém, dentro de uma comunidad {erritorialmente delimitada, as condigdes universais da ordem social” (R. M. Mac Iver). Em todas se encerra a idéia democritica da origem nacional do poder piblico. Entre n6s destaca-se, no mesmo sentido da doutrina americana, a det nigdo de Clovis Beviléqua: “O Estado é um agrupamento humano, estabe- lecido em determinado territério e submetido a um poder soberano que Ihe «dé unidade orgdnica ‘Acescola técnica alemi considera o Estado como uma realidade jurfdi- cca, mas alguns autores dessa mesma escola admitem que 0 Bstado € tam- ‘bém uma realidade social, embora apenas no tocante & origem do poder que se corporifica definitivamente na organizacio estatal. Da doutrina de Von Ihering extraiu Cldvis este conceito: “O Estado é a sociedade que se coage:; para poder coagir é que ela se organiza tomando a forma pela qual o poder coativo social se exercita de um modo certo e regular; em uma palavra, é a ‘onganizago das forgas coativas sociais”. Em tltima andlise, tecnicismo juridico leva sempre & definigio simplista de Duguit —“O Estado € a for a servigo do Direito”. Em muitos pontos de nossos programas teremos que examinar 0 con- ceito do Estado em face de determinadas doutrinas. Assim teremos ocasiao de verificar 0 conceito hegeliano do Estado como suprema encarnagao da idéia; os conceitos totalitarios de todas as teorias que sorveram a seiva do Leviata de Hobbes; a concepgiio do Estado como “super ser coletivo” ete bem como a teoria fascista, segundo a qual a Nagio nao faz o Estado, mas este & que faz a Nagio. Esta teoria, por exemplo, servi aos objetivos de conquista do fascismo, que ao anexar a Abissinia considerou 0 povo etfope ADO 2 WORIA GERAL DOL ante da nacdo italiana Nema concepedo anarquista deixard de ser examinada no programa desta disciplina, No presente ponto 0 objetivo ¢ fixar a distingd entre Nacio e Estado, woo conceito da primeira e apenas abrindo o caminho para 0 concei- 4 polémico do fendmeno estatal niretanto consignar a nossa concordancia com a definigao «le Queiroz Lima, condizente com a escola classica francesa: O Estado é a Nagao encarada sob 0 ponto de vista de sua organizacao politica, ou simn- pplestmente, & a Nagio politicamente organizada As delinigdes que pretendem esclarecer a natureza do poder e a finali- «dade do Fstado tornam-se complexas e contradit6rias. E todas aquelas que alribuem ao Estado um fim em si so contrapostas 2 doutrina democriitica. (© Estado, democraticamente considerado, & apenas uma instituigio nacio- nal, um meio destinado a realizacao dos fins da comunidade nacional. De acordo com estes princfpios, considerando que s6 a Nagdo é de \ireito natural, enquanto 0 Estado ¢ criago da vontade humana, e levando ‘cm conta que o Estado nao tem autoridade nem finalidade préprias, mas é uma sintese dos ideais da comunhdo que ele representa, preferimos formu- aro seguinte conceito simples: O Estado é 0 érgdo executor da soberania nacional. VI ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO 1. Populacio. 2. Territério. 3. Governo. No tocante & sua estrutura 0 Estado se compe de trés elementos: a) populacao; b) territério; c) governo. A condigao de Estado perfeito pressupée a presenga concomitante e conjugada desses trés elementos, revestidos de caracteristicas essenciais: po- pulago homogénea, tetritirio certo ¢ inaliendvel e govemno independente. A auséncia ou desfiguragio de qualquer desses elementos retira da organizagao sécio-politica a plena qualidade de Estado. E 0 que ocorre, por exemplo, com 0 Canada, que deixa de ser um Estado perfeito porque 0 seu governo é subordinado ao governo britanico, como integrante da commonscealth. 1. POPULACAO, ‘A populagio é o primeiro elemento formador do Estado, 0 que independe de justificagio, Sem essa substancia humana nao hé que cogitar da formagao ou existéncia do Estado, Cabe examinar, porém, 0 requisito da homogeneidade, em torno do qual giram as divergéncias doutrinérias, como j4 foi visto no capitulo anterior Para alguns autores, 0 niicleo bisico formador do Estado caracte- risticamente nacional, isto é, corresponde a uma unidade étnica, Assim se constituiram os Estados antigos e tradicionais, como Istael, Roma, Grécia, China ete., os quais teriam surgido como unidades potiticas através dos diversos e sucessivos estgios da formaco nacional: familia, tribo, cida de e Estado. Outros, porém, sustentam que o elemento populacdo se entende, em sentido amplo ¢ puramente formal, como reunio de individuos de varias origens, os quais se estabelecem num determinado tertitério, com anime definitivo, af se organizam politicamente. Argumentam esses autores, 4 TEORIA GERAL DO ESTADO tre os quais se destaca Bigne de Villeneuve, que muitos Estados, como a Suiga, a Austria, a Bélgica, reuniram porgies de povos diferentes, sendo certo que a Bélgica se formou sem que existisse realmente uma naga bel- au. A pripria nacionalidade italiana teria resultado de uma fusio de grupos cinicos, como os umbros, os samnitas, os ligures, os etruscos ete. Citam ‘exemplos mais recentes, entre os quais os da Reptiblica Islandesa e do Esta- lo da Caliléria, este criado por resolugdo de uma assembléia heterogénea wimpeiros. Além disso, segundo Roger Bonnard, a nocao étnica € essen- Invente urna nogdo racista, endo existem grupos étnicos morfologicamente homogéneos que possam integrar uma determinada nagao. ntretanto, o requisito da homogeneidade do agrupamento humano constitutive do Estado niio envolve a idia de raga, pelo menos no sentido biolégico ou antropol6gico. Nao pretendemos levar em conta a ho- mogeneidade racial, como fizeram 0s te6ricos do nacional-socialismo ale- ino. S6 no sentido psicossociolégico é que falamos em raca na conceituagio clas nacionalidades, Insistimos, assim, no requisito da homogeneidade em relagdo ao fator pepulacdo. A base humana do Estado ha de ser, em regra, uma unidade tnico-social que, embora integrada por tipos raciais diversos, vai se for- tnzanddo como unidade politica através de um lento processo de estratificacao, dle fusdio dos elementos no cadinho da convivéncia social, (Os Estados eriados arbitrariamente, por deliberagio ocasional de aglo- Inerados heterogéneos, como aqueles criados por imposigao de tratados & conyengées internacionais, sempre tiveram existéncia precétria e tumultua- dla, Separando nagdes ou reunindo povos diversos, ao sabor da vontade das grands poténeias, como se vé pelos sucessivos mapas da Europa, tais Esta- los nunca lograram apresentar aquela firmeza duravel dos Estados tradici- ‘onais. Os que originariamente surgiram com base numa populacao nacio- nal, homogénea, vém atravessando os séculos € 08 milénios ostentando um ‘caniter majestoso de eternidade. (Os Estados plurinacionais ou no-nacionais so Estados imperfeitos, como acentua Del Vecchio, ¢ $6 sobrevivem, em regra, quando tendem a se Iegitimar defendendo e promovendo a unificagao nacional. Via de regea, portanto, o Estado sucede ao processo de formacio nacio- nal, ou tende a realizar essa formagdo como base de sobrevivéncia, im nenhum Estado seria I6gico confundir populagdo, em sentido amplo, com a unidade nacional, pois s6 esta detém legitimamente o poder le soberunia como direito subjetivo absoluto. Para a escola ckissica france- sa da soberania nacional, principalmente, a distingdo é de importancia FILAMENTS CONSTTTUTIVOS DO ESTADO. 25 primacial. Interpretando-a objetivamente, viu Rousseau, no individuo, uma dupla qualidade: a de cidladiio membro ativo do Estado ¢ elemento compo- nente da vontade gerul, e a de siidito, pessoa inteiramente subordinada a cessa vontade geral, soberana. A igualdade de todos perante a lei compreen- de-se na esfera dos direitos politicos (ou de cidadania); s6 0s exercem os elementos nacionais ou nacionalizados. Os estrangeiros, que integram a ‘massa total da populagiio, nao participam na formagio da vontade politica nacional, em regra. 2. TERRITORIO O tetritério é a base fisica, o Ambito geogrifico da nagao, onde ocorre a validade da sua ordem juridica — definiu Hans Kelsen. ‘A nago, como realidade sociol6gica, pode subsistir sem territ6rio pro- prio, sem se constituir em Estado, como ocorreu com a nactio judaica du- rante cerca de dois mil anos, desde a expulsio de Jerusalém até a recente partilha da Palestina, Porém, Estado sem terrtério ni é Estado, Para Duguit e Le Fur o territ6rio niio ¢ elemento necessétio & existén- cia de um Estado. Invocam eles 0 direito internacional modemo, que tem reconhecido a existéncia de Estados sem territério, como nos casos do Vaticano, depois da unificagao italiana; do Grio-Priorado de Malta; da Abissinia; e de todos os governos que se refugiaram em Londres em conse~ cia das invasdes do chamado “Eixo Roma-Berlim”. Nao passaram tais Estados, porém, de mera fiegao, Nao existiram se- nfo em catiter precério, em periodo de anormalidade internacional. Deve- ram eles a sta vida as conveniéncias momentaneas das poténcias que os reconheceram e ampararam sob os imperativos do momento hist6rieo. Fo- ram exceges que nio infirmam a regra. © Estado moderno ¢ rigorosamente territorial, afirma Queiroz Lima. Esse elemento fisico, tanto quanto os dois outros — populacao e € indispensavel & configuragio do Estado, segundo as concepgoes 1a atual do diteito piblico. As populagdes némades nao podem possuir individualidade politica na atual concepeo do Estado, Dentre os autores que sustentam nio ser 0 territ6rio elemento necessrio & existéncia do Estado merecem destaque Eduardo Meyer e D. Donati, os quais alinham, em abono de sua tese, varios, exemplos: os atenienses, quando tiveram as suas cidades ocupadas pelos persas, refugiaram-se nos navios de Milcfades, mantendo a sobrevivencia 2% THORIA RAL. BO ESTADO dos seus Estados; os holandeses, expulsos pelo exéreito de Luiz XIV, con: servaram integra a sua organizagao polit das suas fronteiras tradi- ais; 0s sérvi0s, vencidos pelas tropas austro-hiingaras, permaneceram icamente constituidos; 0 Estado belga do Havre, o Estado sérvio de Corfu e Salonica, o Estado tcheco-eslovaco so outros tantos exemplos in- vocados pelos citados autores, al Tais Estados némades, porém, nio se justificam, porque sao transité- rivs. Seria preciso distinguir, como observa Gropalli, a perda territorial de fato por ocupagdes tempordrias de guerra, da perda juridica e permanente. Nos exemplos citados no houve perda definitiva do territério, de sorte que sts onganizagdes politicas puderam subsistir e superar momento de crise. ‘Ademais, em verdade, subsistiram as nacdes ateniense, holandesa, sétvia ete. 0s Estados, que temporariamente desapareceram. O tersitério € patrimdnio sagrado e inaliendvel do povo, frisa Pedro ‘Calmon. Eo espaco certo e delimitado onde se exerce o poder do governo sobre 0s individuos. Patriménio do povo, nao do Estado como instituigao. ‘O poder diretivo se exerce sobre as pessoas, no sobre o tertt6rio. Tal poder de imperium, no de dominium, Nada tem em comum com o direito de propriedade. A autoridade governamental é de natureza eminencialmente politica, de ordem jurisdicional O territério, sobre o qual se estende esse poder de jurisdigdo, represen- la-se como uma grandeza a trés dimens6es, abrangendo 0 supra-solo, 0 subsolo e 0 mar territorial Alguns autores o dividem em terrestre, maritimo e fluvial. Tendo em vista 0 seu exato conceito de espaco de validade da ordem juridica, podemos destringi-lo aos elementos que o integram: a) 0 solo ‘continuo e delimitado, ocupado pela corporacao politica; b) 0 solo insular € is regides separadas do solo principal; c) 0s rios, lagos e mares inte- riores; d) 0s golfos, bafas, portos e ancoradouros; e) a parte que o direito infernacional atribui a cada Estado nos rios e lagos divis6rios; /) © mar territorial e respectiva plataforma maritima: g) 0 subsolo; h) 0 espago aéreo (supra-solo); #) os navios mercantes em alto mar; f) 0s navios de guerra conde quer que se encontrem:; f) 0s edificios das embaixadas e legagdes em paises estrangeitos. ‘Segundo a tendéncia moderma do dieito internacional, & vista das novas conquistas cientificas, o dominio do supra-solo se estende ilimita- damente, usque ad sidera, assim como o do subsolo se aprofunda usque ad inferos HLEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO_ a No tocante ao mar territorial determinagio da zona limitrofe & ques- ‘0 amplamente debatida, Antigamente prevalecia a formula preconizada pela escola do direito natural: terrae potestas finitur ubi finitur armorum vis ~cessa o poder territorial onde cessa a forga das armas. Adotava-se 0 limi- te de trés milhas maritimas, que era o alcance da artiharia costeira, posteri- ‘ormente ampliado para doze milhas. ‘Atualmente, invocando nao s6 os interesses da defesa externa mas tam- bém os de exploragtio econdmica, os Estados, como o Brasil, Argentina, Unuguai, Chile, Equador e outros, vém adotando o limite de duzentas mi- Ihas maritimas. 3. GOVERNO 0 govemno — terceiro elemento do Estado — & uma delegagdo de soberania nacional, no conceito metafisico da escola francesa. E a propria soberania posta em ago, no dizer de Esmein. ‘Segundo a escola alema, é um atributo indispen: abstrata do Estado. Positivamente, é o conjunto das fungdes necessérias & manuten ordem juridica e da administracao publica. el da personalidade da Ensina Duguit que a palavra governo tem dois sentidos: coletivo, como conjunto de 6rgios que presidem a vida politica do Estado, ¢ singular, como poder executivo, “érgio que exerve a funcdo mais ativa na dirego dos ne- _26cios piblicos” — o que, neste capitulo, ¢ irrelevant A conceituagio de governo depende dos pontos de vista doutrinatios, ‘mas exprime sempre o exercicio do poder soberano. Dai a confustio muito ‘comum entre governo e soberania. O professor Sampaio Déria, por exem- plo, menciona como elementos constitutivos do Estado: populagao, territs- rio e soberania, jé que, nesta tiltima, esté implicita a organizagdo governa- mental. ‘Outros autores incluem a soberania como quarto elemento. Nao nos parece aceitivel nem l6gica essa incluso, porquanto a soberania € exata- ‘mente a forca geradorae justficadora do elemento governo. Este pressupi a soberania. E seu requisito essencial a independéncia, tanto na ordem in- terna como na ordem externa. Se o governo niio € independent e soberano, como ocorre no Canada, na Australia, na Africa do Sul etc., no existe 0 Estado perfeito. Faltando uma caracteristica essencial de qualquer dos trés elementos — populagao, territério e governo — 0 que se tem € um semi- 28 ‘TRORIA GERAL DO ESTADO Estado, E assim, na nogio do Estado perfeito est implicita a idéia de sobe- rani Populagtio (homogtnea) ‘Terrtirio (certo, irestito, inaliendvel) Govemo (Soberano) Estado (perfeito) VII SOBERANIA 1. Conceito. 2. Fonte do poder soherano. 3. Te- oria da soberania absoluta do rei. 4. Teoria da sobe- rania popular. 5. Teoria da soberania nacional. 6. Teoria da soberania do Estado. 7. Escolas alema e austriaca. 8. Teoria negativista da soberania. 9. Te oria realista ou institucionalista, 10. Limitagoes: Acexata compreensiio do conceito de soberania é pressuposto necess- rio para o entendimento do fendmeno estatal, visto que no ha Estado per- feito sem soberania. Dai haver Sampaio Déria dado 20 Estado a deliniga0 simplista de organizagao da soberania ‘Como vimos no capitulo anterior, aos tés elementos consttutivos do Estado — populacao, territério e governo —alguns autores pretenderam a incluso da soberania como quarto elemento. Sem razio, porém, visto que a soberania se compreende no exato conceito de Estado. Estado ndo-sobera- no 01 semi-soberano nao € Estado. Até mesmo 0 Canad ea Australia, com amplo poder de autogoverno, se classificam como “Col6nias Auténomas”, por se subordinarem & Coroa Britanica. Soberania € uma autoridade superior que nao pode ser limitada por ‘enhum outro poder. Ressalta logo a evidéncia que nao so soberanos os Estados membros de uma Federacio. O proprio qualificativo de membro afasta a idéia de sobe- tania. O poder supremo € investido no éngiio federal. Conseguintemente, convencionou-se na propria Constituinte de Filadéifia, onde se instituiu o re ‘gime federalista, que as unidades estatais integrantes da Unido se denomina- riam Estados-Membros, com autonomia de direito pablico interno, sendo pri- vativo da Unio © poder de soberania interna e internacional. Alias, é mais apropriada a denominagio de Provincia, para as unidades federadas, Alguns te6ricos do federalismo norte-americano atribuem aos Esta- dos-Membros soberania de direito interno... 0 que € rematada incongruén- 0 THORIA GERALDO ESTADO. A soberania & uma $6, una, integeal ¢ universil, Nilo pode sofrer restri- scdes de qualquer tipo, vos de convivencia paeftica das nagdes sober nacional que decorrem dos imperati- nas no plano do direito inter- ‘Soberunia relativa ou condicionada por um poder normativo dominan- W € soberania, Deve ser posta em termos de autonomia, no contexto do Direito, Denominava-se © poder de soberania, entre os romanos, suprema potestas, Era o poder supremo do Estado na ordem politica e administrati- va, Posteriormente, passaram a denomind-lo poder de imperium, com am- plitude internacional, Litimologicamente, 0 termo soberania provém de superanus, supremitas, 08 super omnia, configurando-se definitivamente através da formagio francesa souveraineté, que expressava, no conceito de Bodin, “o poaler absoluto e perpétuo de uma Reptblic: Historicamente, € bastante variével a formulagio do conceito de sobe- rania, no tempo e no espaco. No Estado grego antigo, como se nota na obra dle Arist6teles, falava-se em autarguia, significando um poder moral e €co- nomnico, de auto-suficiéncia do Estado, Ji entre os romanos, o poder de imperium era um poder politico transcendente que se refletia na majestade imperial incontrastavel. Nas monarquias medievais era o poder de suserania «le fundamento carismiético e intocdvel. No absolutism monérquico, que teve 0 seu climax em Luiz XIV, a soberania passou a ser 0 poder pessoal cexelusivo dos monareas, sob @ crenga generalizada da origem divina do poder de Estado, Finalmente, no Estado modemo, a partir da Revolugio Francesa, firmou-se 0 conceito de poder politico € juridico, emanado da vontade geral da nagio, Segundo o magistério superior de Miguel Reale, a soberania ¢ “wma espécie de fendmeno genérico do poder. Uma forma hist6rica do poder que presenta configuragdes especialissimas que se ndo encontram senao em esbogos nos corpos politicos antigos e medievos” 0 Prof, Pinto Ferreira nos da um conceito normativo ético-juridica: é «a capacidade de impor a vontade prdpria, em iltima instancia, para a rea: licagdo do direito justo. No mesmo sentido € o conceito de Clovis Beviliqua: por sobera- hia nacional entendemos a autoridade superior, que sintetiza, politica ‘mente, e segundo os preceitos de direito, a energia coativa do agregado nacional. SOBERANIA 31 2. FONTE DO PODER SOBERANO Problema dominante, neste tema, é 0 que diz respeito & fonte do poder de soberania e, conseqiientemente, o problema da sua titularidade. Para as tworias carismiticas do direito divino (sobrenatural ou providencial) dos rei, o poder vem de Deus ¢ se concentra na pessoa sagrada do soberano. Para as correntes de fundo democrético, a soberania provém da vontade do ovo (teoria da soberania popular) ou da nagao propriamente dita (teoria da soberania nacional). Para as escolas alemi e vienense, a soberania provém do Estado, como entidade juridica dotada de vontade propria (teoria da so- berania estatal). Desdobram-se estes troncos doutrindrios em varias ramifi- cages, formando uma variedade imensa de escolas e doutrinas, de modo que nao seria possivel focalizar todas elas no ambito restrto do programa escolar a que nos cingimos. Daremos, a seguir, uma stimula de cada corrente principal, remetendo 05 estudiosos as obras dos grandes mestres brasileiros, que esgotam 0 as- sunto, como Miguel Reale ¢ Pinto Ferreira, especialmente & espléndida monografia de Machado Paupério — O conceito polémico de soberania. 3. TEORIA DA SOBERANIA ABSOLUTA DO REI A teoria da soberania absoluta do rei comecou a.ser sistemnatizada na Fran- 0 século XVI, tendo como um dos seus mais destacacos teéricos Jean Bodin, que sustentava: a soberania do rei éorigindria,ilimitada, absoluta, perpétua ¢ irresponsivel em face de qualquer outro poder temporal ou espiritual. Esta teotia é de fundamento hist6rico e langa suas rafzes nas monar- {quias antigas fundadas no direito divino dos reis. Fram os monarcas acredi- tados como representantes de Deus na orcem temporal, ¢ na sua pessoa se oncentravam todos os poderes. O poder de soberania era o poder pessoal do rei e nao admitia limitagGes. Firmou-se esta doutrina da soberania absoluta do rei nas monarquias medievais, consolidando-se nas monarquias absolutistas e alcangando a sua culmindncia na doutrina de Maquiavel. Os monarcas da Franga, apoiados nna doutrinago de Richelieu, Fénelon, Bossuet e outros, levaram 0 absolu- tismo as suas tiltimas consequiéncias, identificando na pessoa sagrada do rei ‘© proprio Estado, a soberania ca lei. Reunia-se na pessoa do rei o conceito de senhoriagem, razido do mundo feudal, que se desmoronava, ¢ a idéia de imperium, exumada das ruinas do cesarismo romano que tessurgia, exube- rante, na onipoténeia das monarquias absolutistas. 2 THORIA GERALDO ESTADO. Hodavia, 0 proprio Jean Bodin, tedrico eminente do absolutismo oniinquico, como observou Touchard, nao se livrou de contradigoes, quando :ulmitia a limitago do poder de soberania pelos prine‘pios inelutaveis do dlireito natural. 4. TEORIA DA SOBERANIA POPULAR, A eoria da soberania popular teve como precursores Altuzio, Marsilio de Padua, Francisco de Vitoria, Soto, Molina, Mariana, Suarez e outros te- logos e canonistas da chamada Escola Espanhola, Reformulando a dout tia do direito divino sobrenatural, criaram eles o que denominaram teoria do direito divino providencial: 0 poder piblico vem de Deus, sua causa iente, que infunde a incluso social do homem ea conseqiiente necessi luke de govemno na ordem temporal. Mas 0s reis nao recebem o poder por » de manifestagao sobrenatural da vontade de Deus, send por uma deter tinagao providencial da onipoténcia divina. O poder civil comresponde com a vontade de Deus, mas promana da vontade popular — omnis potestas a ev per populum libere consentientem —,conforme com a doutrinagao do Apsstolo Sao Paulo e de Sao Tomas de Aquino, Sustentou Suarez a limitagio da autoridade e 0 direito de resistencia lo povo, fandamentos do ideal democratico. E Molina, embora reconhece «lo-© poder real como soberania constituida, ressaltou a existéncia de um poder maior, exercido pelo povo, que denominou soberania constituinte 5. TEORIA DA SOBERANIA NACIONAL, A teoria da soberania nacional ganhou corpo com as idéias politico- Filos6ficas que fomentaram o liberalismo e inspiraram a Revolugao France sat: ao sfmbolo dat Coroa opuseram os revolucionérios liberais 0 simbolo da Nagio, Como frisou Renard, a Coroa nao pertence ao Rei; o Rei € que pertence & Coroa, Esta é um principio, é uma tradigdo, de que o Rei é depositdrio, nao proprietério. este entendimento, alids, se deveu a convivéncia entre a Coroa e 0 Parlamento, em alguns Estados liberais. Pertence a Teoria da Soberania Nacional & Escola Classica Francesa, «ia qual foi Rousseau 0 mais destacado expoente. Desenvolveram-na Esmeit Hauriou, Paul Duez, Villey, Berthélemy e outros, sustentando que a nagio é a fonte tinica do poder de soberania. O 6rgio governamental s6 0 exerce legitimamente mediante o consentimento nacional SOMERANIA _ 3 Esta teoria ¢ radicalmente nacionalista & soberania & origindria da haga, no sentido estrito de populao nacional (ou povo nacional), nfo do povo em sentido amplo, Exercem os direitos de soberania apenas os nacio- ‘ou nacionalizados, no goz0 dos direitos de cidadania, na forma da le. iio hii que confundir com a “teoria da soberania popular”, que amplia 0 io do poder soberano aos alienigenas residentes no pats. ‘A soberania, no conceito da Escola Clissica, é UNA, INDIVISIVEL, INALIENAVEL ¢ IMPRESCRITIVEI UNA porque nao pode existir mais de uma autoridade soberana em um mesmo territério, Se repartida, haveria mais de uma soberania, quando 6 inadmissivel a coexisténcia de poderes iguais na mesma dea de validez ws normas juridicas. INDIVISIVEL € a soberania, segundo a mesma linha de raciocinio que justifica a sua unidade. O poder soberano delega atribuigdes, reparte ‘competéncias, mas no divide a soberania. Nem mesmo a clissica divisto do poder em Executivo, Legislativo e Judicidrio importa em divisao da so- berania, Pelos trés 6rgiios formalmente distintos se manifesta o poder uno & indivisivel, sendo que cada um deles exerce a totalidade do poder soberano na esfera da sua competéncia, INALIENAVEL é a soberania, por sua propria natureza. A vontade é personalissima: nio se aliena, nfo se transfere a outrem. O corpo social & uma entidade coletiva dotada de vontade propria, constitufda pela soma das vontades individuais. Os delegados e representantes eleitos hao de exercer ‘ poder de soberania segundo a vontade do corpo social consubstanciada na Consttuigao e nas Leis IMPRESCRITIVEL ¢ ainda a soberania no sentido de que nfo pode sofrer limitagio no tempo. Uma nagao, a0 se organizar em Estado sobera- no, o faz em caréter definitivo e etemo, Nao se concebe soberania tempor ria, ou seja, por tempo determinado. ‘Acesta teoria daremos maior desenvoltura no capitulo do Contrato So- cial de Rousseau, 6, TEORIA DA SOBERANIA DO ESTADO. A teoria da soberania do Estado pertence &s escolas alema e austrfa- ca, as quais divergem fundamentalmente da Escola Classica Francesa, Seu expoente maximo, Jellinek, parte do principio de que a soberania Ea capacidade de autodeterminagdo do Estado por diteito préprio c exelusi- M THORIA GERALDO ESTADO. vo, Desenvolve esse autoro pensamento filostitice de Von thering, segundo ‘oqual a soberania é, em sintese, apenas uma qualidade do poder do Estado, ‘ou set, uma qualidade do Estado perfeito, O Estado & anterior ao direito & sua fonte tinica, O direito € feito pelo Estado e para o Estado; nao o Estado para 0 direito, A soberania € um poder juridico, um poder de direito, ¢ assim como todo e qualquer direito, ela tem a sua fonte e a sua justificativa nna vontade do prprio Estado. Dentro dessa linha de pensamento se desenvolvem as intimeras teo- tins estadtsticas, que serviram de fomento doutrinatio aos Estados totalité rios de apds guerra . ESCOLAS ALEMA E AUSTRIACA Para as escolas alemd e austriaca, lideradas, respectivamente, por Jellinek ¢ Kelsen, que sustentam a estatalidade integral do Direito, a sobe- ania € de natureza estritamente juridica, € um direito do Estado ¢ & de crater absoluto, isto €, sem limitagdo de qualquer espécie, nem mesmo do Aireito natural cuja existéncia é negada, Sustentam que s6 existe 0 direito estatal,elaborado e promulgado pelo Estado, jd que a vida do diteito esta na forga coativa que Ihe empresta Estado, © nio ha que falar em direito sem sangdo estatal, Negam a existén- cia do direito natural e de toda e qualquer normatividade juridica destituida da forga de coagio que 36 0 poder ptiblico pode dar. Dai a conelusio de Austin, com base na doutrina do mestre vienense, de que nio existe dircito internacional por falta de sano coercitiva, Portanto, sea soberania é um poder de direito e todo direito provém do Estado, 0 tecnicismo juridico alemdo co normativismo kelseniano levam & conclusao I6gica de que 0 poder de soberania ¢ ilimitado ¢ absoluto. Logo, toda forma de coacio estatal é legitima, porque tende a realizar 0 direito como expressdo da vontade soberana do Estado. Realmente, em face desse principio da estatalidade do dircito, prinet- pio pan-estadistico, ndo se concede limitacao alguma ao poder do Estado. E certo que Jellinek chegou a esbogar a doutrina da autolimitagao do poder estatal, porém, sem nenhuma significagio pritica. Com efeito, se todo di- reito emana do Estado e este se coloca acima do direito, ressalta&evidéncia ue a limitago do poder estatal por regras que dele proprio derivam nio passa de mera ficedo. O préprio Luiz XIV nio seria um monarca absolut ta, a levarse em conta a sua faculdade pessoal de autolimitagéo. Nem o proprio Deus seria absoluto, SOBLRANIA __ 3s im vertade, porsm, a primeira ¢ inarredkivel limitagdo ao poder sobe- rano dos governos decorre dos principios incontingentes ¢ imprescritiveis do direito natural. A ordem natural & anterior ¢ superior ao Estado, e sua ‘observincia constitu’ mesmo uma condicao de legitimidade do direito e de qualquer ato estatal, Outra limitagdo, também imperiosa, € a que decorre das regras de convivéncia social e internacional (O Estado no pode criararbitrariamente 0 direito; ele eria. ale, direi to escrito, que & apenas uma categoria do direito no seu sentido amplo. ‘Como acentua Pontes de Miranda, o Estado é apenas um meio perfectivel, do exclusivo, de revelacdo das normas juridicas. A lei que dele emana ha de corporificar o direito justo como condigdo de legitimidade, Sobretudo, 0 Estado nao é um fim em si mesmo, mas um meio pelo qual o homem tende «realizar o seu fim préprio, o seu destino transcendental, como o demons- tram as teorias liberais e humanistas As teorias da soberania absoluta do Estado, malgrado o seu ca absolutista¢ totalitario, tiveram ampla repercussdio no pensamento politico sal, inclusive na propria Franga com Carré de Malberg ¢ Louis Le Fur, Justificaram os Estados nazista, fascista e todos 0s totalitarismos, que conflagraram o mundo por duas vezes mas foram contidos pela forga supe- rior do humanismo liberal. 8. TEORIA NEGATIVISTA DA SOBERANIA A teoria negativista da soberania é da mesma natureza absolutista, For- ‘mulou-a Léon Duguit, desenvolvendo o pensamento de Ludwig Gumplowicz: ‘A soberania é uma idia abstrata, Nao existe concretamente. O que existe € apenas a crenca na soberania, Estado, nagao, direito e governo sa0 uma 86 e tinica realidade, Nao hé direito natural nem qualquer outra fonte de normatividade juridica que ndo seja 0 préprio Estado, E este conceitua- se como organizacio da forca a servico de direito, Ao conceito metafisico de soberania nacional opde Duguit o conceito simplista de regra de direito como norma de dirego social. Assim, a soberania resume-se em mera no- ¢ao de servico piblico. A teoria negativista de Duguit, considerando a soberania “um princi- pio ao mesmo tempo indemonstrado, indemonstrével e inti”, suscitou sem- pre as mais acirradas polémicas no mundo da ciéncia politica, destacando- se entre os seus mais fortes opositores Bigne de Villeneuve e Jean Dabin, A negagiio da soberania, acentuou Esmein, s6 pode levar a um resultado clato: afirmar o reino da forga. % PHORIA GERAL DO ESTADO. Com efeito, o conceito de sober a, tal conte preddomina entre os po- voy dkemoeriticas, lang raizes na filosolia aistotélico-tomista: soberana, com tiltima anise, & lei, ¢ esta encontra su legitintidade no direito natu- ral, que preside e limita o direito estatal. Vale lembrar aqui as palavras com ‘que os constituintes argentinos de 1853 encerraram seus trabalhos — os Junnens se dignificam prostrando-se perante a lei, porque assim se livram de ajvcthar-se perante tiranos. 9, TEORIA REALISTA OU INSTITUCIONALISTA A tworia realista ow institucionalista, modetnamente, vem ganhando terreno em face das novas realidades mundiais. 15 oreoso aumitir que a soberania é originsria da Nago, mas $6 adqui- te expresso conereta ¢ objetiva quando se insttucionaliza no érgio estatal, recebendo através deste o seu ordenamento jursdico-formal dindimico. Impae-se ufastar a confusdo oriunda do voluntarismo radical entre os Lluis momentos distintos da formago do poder soberano: 0 momento so- cial ou genético, ¢ 0 momento juridico ou funcional. A soberania € originariamente da Naco (quanto a fonte do poder), 1s, juridicamente, do Estado (quanto ao seu exercicio) Patentcia-se enti imelevante, em ltima andlise, a polémica entre os dois grandes grupos doutrindtios que disputam a primazia no tocante & ilaridade do poder e suas consequéncias: a escola francesa da soberania onal € a corrente germanica da soberania do Estado. Se 6 certo que Nagio e Estado sto realidades distintas, uma sociol6gi cite outra juridica, certo € também que ambas compoem uma s6 personali- clade: no campo do Diteito Pablico Internacional. E neste campo nfo se projeta a soberania como vontade do povo, seniio como vontade do Estado, que € Nagao politicamente organizada, segundo a definigio que nos vem dda propria escola classica francesa. ste entendimento, evidentemente, nao exclui a possibilidade de reto- tmar a Nagdo o seu poder origindrio, sempre que o rgiio estatal se desviar dos seus fins legitimos, conflitando abertamente com os fatores reais do poxler. (O eminente Prof. Machado Paupério, em sua magnifica monografia O conceito polémico de soberania, tira a concluséo de que “soberania ndo é propriamente um poder, mas, sim, a qualidade desse poder; a qualidade de suipremacia que, em determinada esfera, cabe a qualquer poder”. SOBLRANIA 7 pois, um airifuro de que se reveste 0 poster de auto-organizagiio naci- onal, ede autodeterminagao, uma vez institucionalizado no érgso estatal Caberia acrescentar, como inarredavel verdade, que todas as correntes doutringrias da soberania se resumem, afinal, numa afirmacao dogmitica dla onipoténcia do Estado. Fora da teoria anarquista, o Estado & sempre a racionalizagaio do poder supremo na ordem temporal, armado de forga coativa irredutivel, autorida- de, unidade e rapidez de ago, para fazer face, de imediato, aos impactos € arremetidas das forgas dissolventes que tentem subverter a paz ¢ a seguran- ga da vida social Portanto, embora seja poder essencialmente nacional, quanto & sua origem, sua expressiio concretae funcional resulta da sua institucionalizagao no 6rgaoestatal. Passado 0 momento genético de sua manifestago na orga- nizagao da ordem constitucional, concretiza-se a soberania no Estado, que passa a exercé-la em nome e no interesse da Nac Este entendimento nao se confunde com as teorias absolutisias do Es- tado nem com o radicalismo voluntarista da soberania nacional defendido pela escola cléssica francesa. Conduz 2 conceituagio da soberania como poder relativo, sujeito a limitagoes como a seguir se ressalta. 10. LIMITACOES A soberunia ¢limitada pelos prinepios de direito natura, pelo direito grupal, isto é pelos direitos dos grupos particulares que compiem o Estado (grupos bio- logicos, pedag6gicos, econdmicos, politicos, esprituais etc.), bem como pelos ‘imperativos da coexisténcia pacitica dos povos na 6rbita internacional. (O Estado — prockamou Jelferson — existe para servir ao povo e no 0 povo para servir ao Estado. O governo hi de ser um governo de lei expresso da soberania nacional, simplesmente. As leis definem ¢ limitam. ‘o poder. E aeste conceito, brilhantemente desenvolvido por Mathews, acres- centou Krabbe esta afirmagao elogiiente: « autoridade do direito é maior do que a autoridade do Estado. Limitam a soberania os principios de Direito Natural, porque 0 Esta do € apenas instrumento de coordenagdo do direito, ¢ porque 0 diteito posi- tivo, que do Estado emana, s6 encontra legitimidade quando se conforma ‘com as leis eternas ¢ imutaveis da natureza. Como afirmou Sio Toms de Aquino, una lei humana ndo é verdadeiramente lei sendio enquanto deriva da lei natural; se, em certo ponto, se afasta da lei natural, ndo é mais lei ¢ sim wa violagdo da lei. E acrescenta que nem mesmo Deus pode alterar a Tei natural sem alterar a matéria — Neque ipse Deus dispensare potest a aw PEORIA GERALDO ESTADO fexe naturali, nisi mutando materiam. Ergo lex iaturatis est immutabilis seu proprio mutari omnino non potest. Limita « soberania o direito grupat, porque sendo 0 tim do Estado a sequranga do bem comum, compete-tIhe coordenar a atividade e respeitar a ‘maturezat de cada um dos grupos menores que integram a sociedade civil, A ‘anil « escola, a corporagio econdmica ou sindicato profissional, o mu- nicipio ou a comuna e a igreja s4o grupos intermedi ios entre 0 individuo ‘ado, alguns anteriores ao Estado, como é a familia, todos eles com Ninalidade prépria e um direito natural existéncia e aos meios necessé- sins para a realizagéo dos seus fins Assim, 0 poder de soberania exercido pelo Estado encontra fronteiras tnio s6 nos direitos da pessoa humana como também nos direitos dos gru- pox e associagdes, tanto no dominio interno como na érbita internacional Notadamente no plano internacional, a soberania é limitada pelos im- pperativos da coexisténcia de Estados soberanos, no podendo invadir a es feru de ago das outras soberanias, Una vez nao contrariando as normas de diteito nem ultrapassando os limites naturais da competéncia estatal, a soberania é imperiosa, incontrastivel, Sem ser arbytrio nem onipoténcia, acentuou Mouskheli, ¢ ‘ler ubsoluto, encontrando, porém, sua limitagao natural na prépria fina- Tadude que the € essencial Assim, no plano internacional limita a soberania o principio da coe- \istéucia pacifica das soberanias. AAtwalmente, as nagdes integram uma ordem continental, e, dentro des- ‘1 ondem superior, o poder de autodeterminagio de cada uma limita-se pe- ‘os imperativos da preservagdo e da sobrevivéncia das demais soberanias J Conceito oS fois ain F bie Nau Estados) Vil SOBERANIA E GLOBALIZACAO 1. Conceito. 2. Blocos econdmicos. 3. Blocos intergovernamentais — Mercosul. 4. Outros blocos intergovernamentais. 5. Bloco supranacional — Unido Européia. 1. CONCEITO. No capitulo anterior tratamos da soberania na sua acepgao clissica como uma autoridade superior, que ndo pode ser limitada por nenhum outro poder. As limitagdes admissiveis sio as contidas nos conceitos do direito natural, no respeito da pessoa humana e nos direitos dos grupos e associ 0s, tanto no dominio interno quanto na érbita internacional, devendo res: peitar a coexisténcia de Estados soberanos. “Moderamente outros fatores tm sido acrescidos, o que tem motiva- do autores a afirmar que a soberania estaria em via de extingao. Neste contexto, a palavra que surge ¢ “globalizagdo”, utilizada generi- camente por juristas, politicos, economistas, socidlogos ¢ jomalistas como representativa do fendmeno da disseminagio de processos globais que extrapolam os limites das fronteiras nacionais ¢ influenciam as culturas, as economias, as liberdades e até as organizagdes politicas dos pafses, em es- cala mundial © coneeito de globalizagao nao é uniforme. Por alguns estudiosos considerado sob o aspecto da atribuigdo de um sentido integral ¢ uniforme a0 mundo contido no globo terrestre. Por outros, a globalizagao nao pode {er 0 sentido de uniformidade, pois cada pais € por ela atingido de forma diversa. Para este estudo, consideraremos que a globalizagio constitu um processo de intemnacionalizacio de regras de convivéncia ou interferénci politica entre pafses, impulsionado por fatores da producio e da circulagio do capital em Ambito internacional, movidos pela forga propulsora da revo- Iugao tecnolégica. A globalizagdo, assim considerada, produz reflexos no conceito de soberania, na medida em que acaba por atingir cada pats de forma desigual, 40 THORIA GERAL DO'S ADO nna proporgdo da riquezst, poder, ou desenvolvimento social, econdmieo twenoldgico de cada um, Esses reflexos assumem maior gravidade entre os paises chamados de “terceiro mundo” ou “em desenvolvimento”, os quais Ficam mais vulneraveis, diante da incapacidade de enfrentamento das impo- sigdes originadas da ordem internacional. Tal realidade no pode ser nega- dda, bastando lembrar que a primeira sanco imposta aos governos conside- rados “dissidentes” da ordem internacional € a imposigtio de embargo co mercial, um dos fatores que acaba por obrigar a adesio a exigéncia que determninou 6 embargo, sob pena de comprometimento da propria sobrevi- Véncia da populagao. Os efeitos da globalizagao sobre 0 conceito de soberania tém sido ob- jeto dos mais variados e polémicos posicionamentos dos doutrinadores, destacando-se por um lado os que enfatizam 0 aspecto econdmico e prevé- tem a extingo da soberania, e por outro lado os que enfatizam 0 aspecto politico, defendendo a sobrevivéncia da soberania de forma absoluta, como conceito inerente ao Estado, Sobre o tema, afirma Miguel Reale: “por mais que constitua um fen6- eno inevitavel, capaz de produzir os esperados, mas ainda nao comprova- «los resultados benéficos para a humanidade, (a globalizagao) se desenvolve antes como uma gradativa mundializacio, por meio de empresas ‘multinacionais, com sedes em distintos paises, ¢ empresas transnacionais, dle cardter universal, sendo respeitados, porém, os organismos regionais, ‘como a Unio Buropéia e Mercosul, bem como os estatais, que constitu- em entidades hist6rico-culturais dotadas de identidade propria, insusce dle uniquilamento, como pensam os anarquizantes e precipitados ‘cidadios ‘do mundo”. Pode-se mesmo dizer que 0s riscos da globalizacao aumentam 41 responsabilidade dos Estados, que no podem deixar de salvaguardar 0 ‘que € prOprio e peculiar de cada nagio” (Ainda o social-liberalismo, O tudo de 8, Paulo, 15 nov. 1997, p. A-2). 2. BLOCOS ECONOMICOS Na ordem internacional, a globalizagio se faz presente por meio da formagao de blocos integrados por Estados soberanos, unidos através de tratados e convengdes, os quais estabelecem as regras a serem respeitadas mutuamente. Essas regras, conforme a relevancia das restrigdes ou obriga ‘Ges de conduta impostas aos paises participantes, constituem o combusti- Vel que alimenta a elaboragio dos diversos posicionamentos dos doutrinadores a respeito de constituitem ou no restrigdes ao conceito de soberania, SOBLRANIA L GLOBALIZAGAO 41 Embora nao se possa negar que st mola propulsora da formagio desses hhlocos seja, no mundo eapitalista atual, o interesse econdmico, ¢ possivel identificxr importante presenga do elemento politico, jé que as regras apli- cis & unificagiio abrangertio, necessariamente, a concessio de prerroga- 9 inclufdas no conceito de soberania de cada pafs-membro. fivas que esti ‘Considerando 0s blocos internacionais atualmente existentes, & possi- vel elassificd-los, seeundo os processos de integrago que tenham adotado ‘naconstituigdo de suas estruturas organicas, em locos intergovernamentais ¢ blocos supranacionais: ‘Accaracteristica dos processos de integragao do tipo infergovernamental & a subordinagio das decisbes do bloco & vontade politica dos Bstados- membros. Sighifica afirmar que as decisGes tomadas pelos 6rgios adminis- trativos de cada bloco, para adquirirem forga de execugao, dependem da intemacionalizacdo dessas regras, mediante a aprovagio individual dos 6r- sri0s politicos de cada Estadlo-membro. io do tipo supranacional, cada pais cede ou \dmi- Nos processos de integra transfere parcelas de suas respectivas soberanias a um drgdo comum, a tindo que as decisdes tomadas por esse Grgdo se tomem de obediéneia int tna obrigatéria, independentemente de qualquer outra manifestacao pol ou legislativa interna, Em outras palavras, as decisdes desse drgto ‘supranacional passam a integrar automaticamente o ordenamento juridico de cada Estado-membro, Os blocos de integragio supranacionais constituem exemplo marcante da relativizagio do conceito classic da soberania absoluta, 3. BLOCOS INTERGOVERNAMENTAIS — MERCOSUL © Mereado Comum do Sul (Mercosul) é atualmente um exemplo de bloco econémico que adota o processo de integragio intergovernamental. Situado na regio denominada Cone Sul do Continente Americano, 0 Mercosul foi criado através do Tratado de Assuneio, assinado em 26 de ‘margo de 1991, complementado pelo Protocolo de Ouro Preto, de 17 de dezembro de 1994, ¢ é formado por quatro paises-membros — Argentina, Brasil, Paraguai ¢ Uruguai — e seis associados: Bolivia, Chile, Colémbia, Equador, Peru ¢ Venezuela, Por meio do Protocolo de Brasilia, firmado em 17 de dezembro de 1991, complementado pelo Protocolo de Olivos, firmado em 18 de feve- reiro de 2002, os Estados-membros trataram do estabelecimento de nor: 42 TEORIA GERAL DO ESTADO nay para a Solugio de Controvérsias no Mercosul, constituindo hunal Permanente de Revisio, para consolidar a seguranca juridica na © objetivo principal é criar um mercado comum com livre circulaga0, dle bens, servigos e fatores produtivos, complementado pela busca de ado- ‘io de tuma politica externa comum, pela coordenagdo de posi¢des conjun- las em foros internacionais, pela formulagao conjunta de polfticas macroecondmicas setoriais e, por fim, pela harmonizagao das legislagdes nacionais, com vistas a maior integrago, segundo consta de seus atos constitutivos, A estrutura organica do Mercosul conta com uma presidéncia exercida pro tempore, ou seja, por sistema de rodizio semestral. As decisdes do Mercosul so sempre tomadas por consenso. Compoem a sua organizagio um érgio superior, denominado Conse- tho do Mercado Comum, responsavel pela conduc: le integra politica do proceso e composto pelos Ministros das Relagdes Exteriores e da Fco- ‘nomtia dos quatro Estados- membros, ao qual esto subordinados varios Gru- pos de Trabalho, além do Parlamento do Mercosut,, do Foro Consultivo Eco- ‘u6mico-Social (FCES), do Tribunal Permanente de Revisao e outros. Em fencdo a caracteristica da intergovernabilidade, © Mercosul nao possui Gros supranacionais. Conseqlentemente as decisdes emanadas dos Grgtios diretivos ficam subordinadas & obediéncia das formalidades legislativas préprias de cada Estado-membro para que tenham forga executria, Em razio dessa necessidade, chamada de internacionalizagao dla norma, pode-se afirmar que 0 conceito de soberania sofre menor restri- (Go, jd que fica mantida a prerrogativa interna de eventualmente no apro- var « disposicao emanada do 6rgo internacional. 4.0U' ROS BLOCOS INTERGOVERNAMENTAIS: Com caracteristicas semelhantes as do Mercosul, divergindo especial- mente quanto ao grau de integragao entre os Estados-memibros, esti cons- titufdos, segundo dados relativos ao ano de 2007, os seguintes blocos eco- némicos internacionais: NAFTA —North América Free Trade Agreement: teve inicio em 1988, com 0 relacionamento comercial entre os Estados Unidos e 0 Canad. Con- tou com a adesio do México em 1992, eentrou em vigorem I#de janeiro de 1994, Tem por objetivo a fixacdo de um prazo de quinze anos para a total SOBERANIA I GLOWALIZAGAO ccliminagio das barreiras alfandegsirias entre ox ts pases, estando aberto a todlos ox Estados da Amé ALADI — Associagiio Latino-Americana de Integragio, Criada em 12 de agosto de 1980 pelo Tratado de Montevidéu, substituiu a ALALC, a antiga Associagao Latino-Americana de Livre Comércio, que foi criada em 1960. Tem por objetivo criar um mercado comum latino-americano, a lon- go prazo. E integrada pela Argentina, Bolivia, Brasil, Chile, Colombia, Cuba, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela CAN —Comunidade Andina, ou Pacto Andino (Comunidad Andina). jada em 26 de maio de 1969, inicialmente como uma Unido Aduaneira e -onémica, integrada pela Bolivia, Colombia, Equador e Peru, Sdo paises associados 0 Chile, a Argentina, o Brasil, o Paraguai e 0 Uruguai, e obser- vadores 0 México e o Panama, Tem por objetivo a integragao andina, sul~ americana e latino-americana, para a formagio de uma Unido das Nagdes Sul-Americanas (UNASUL). CARICOM— Mercado Comum e Comunidade do Caribe (Caribbean Community). Criado em 1973, 6 integrado por quinze paises e territrios da regitlo caribenba: Antiguae Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Dominica, Granada, Guiana, Haiti, Jamaica, Montserrat, Santa Licia, Sao Crist6vdo e Névis, Sfo Vicente e Granadinas, Suriname ¢ Trinidad e Tobago. EFTA — Associagio Européia de Livre Comércio (European Free Trade Association). Criada em 1960, como oposigio & Comunidade Econd- ‘mica Européia (CEB), tinha como primeiros parceiros Austria, Dinamarca, Noruega, Portugal, Suécia, Suica e Reino Unido (Inglaterra, Escécia, Pats de Gales c Irlanda do Norte). Com o fortalecimento da Comunidade Eur péia, perdeu a maioria dos seus integrantes, restringindo-se atualmente & associagio de apenas quatro pafses: Islindia, Liechtenstein, Noruega e fga, Em 1992 a EPTA assinou acordo com a Unio Européia, criando 0 Espaco Econdmico Europeu (EEE), objetivando aumentar 0 volume rércio com a Unio Européia e a participagio dos seus quatro Estados- Membros, em outros programas. SADC — Comunidade para 0 desenvolvimento da Africa Austral (Southern Africa Development Community). Criada em 1992, € integrada por catorze pafses: Africa do Sul, Angola, Botsuana, Repiblica Democ ado Congo, Lesoto, Madagascar, Malavi, Mauricio, Mogambique, Namibia, Suazildndia, Tanzania, Zambia e Zimbébue. Objetiva incentivar as relago comerciais entre seus membros, por meio da criagdo de um mercado c ‘mum a médio prazo, seguindo o modelo basico da Unido Européiae alguns a4 THORIA GERALDO Is ADO. aypectos do Mercosul, alm de des mata ANACERTA — Acotdo Comercial Sobre Relagies EeonOmicas e tre Ausirilia e Nova Zelindia (Australia New Zealand Closer Economic Relations Trade Agreement). Criado em 1983, integrado por esses dois pa- ines, objetivaacriagdo de uma érea de livre eomércio e planeja a integracio com o ASEAN até 2010, Destaca-se pelo seu protocolo sobre livre comer cco na tea de servigos, o primeiro do mundo globalizado, ASEAN — Associagdo de Nagbes do Sudeste Asistico (Association of Southeast Asian Nations). Surgiu.em 1967, liderada pela Tailandia, Os paises que a integram so: Brunei, Camboja, Indonésia, Laos, Malis Mianmar, Filipinas, Cingapura, Tailindia e Vietnd. Tem por objetivo asse- shurar a establidade politica e acelerar o processo de desenvolvimento da 9. promovendo o desenvolvimento econémico, social ¢ cultural, medi- s, incluindo em seus objetivos também o livre wwolver esfoygus para promovera paz.e meridional alvicans. APEC — Férum Econémico da Asia ¢ do Pacifico (Asia-Pacific Hconomie Cooperation), Trata-se de um Organismo intergovernamental para ‘consulta e eooperagao econdmica, oficializado em 1993. Constitui um po- «leroso bloco econdmico que objetiva promover a abertura de mercados en- tre os paises-membros: Austrélia, Brunei Darussalam, Canadé, Chile, Re- publica da China, Hong Kong, Indonésia, Japio, Coréia do Sul, Makisia, México, Nova Zeléndia, Papua Nova Guing, Peru, Filipinas, Russia, ‘Cingapura, Taiwan, Taildndia, Estados Unidos e Vietna. A meta é0 estabe- lecimento do livre comércio entre os patses participantes, até o ano 2010 para as economias dos paises desenvolvidos e até 2020 para as economias dos paises em desenvolvimento, 5. BLOCO SI UPRANACIONAL — UNIAO EUROPEIA 3 blocos internacionais que adotam o processo de integrago do tipo supranacional tgm como caracteristica principal a existéncia de um érgio comum, do qual emanam regras que, uma vez promulgadas, Sio automat ‘camente inseridas no ordenamento juridico de cada pafs-membro, sem ne- ccessidade de obediéneia a qualquer outro processo ou formalidade legislativa, Na atualidade a Unido Buropéia consttui a meta almejada, pelo me tnos em teoria, pelos demais blocos econdmicos, por representar, de forma mais expressiva, o resultado do processo de globalizag concepgdes ¢ formas de atuagio. em suas diversas SOBERANIA 1, GLOBALIZAGAO 45 A Unigio Européia & originada da Comunidade Eeondmica Européia (CEE), fundauda em 1957. "Teve & eliminayao das tiltimas barreiras alfande- ‘sirias entre os paises-membros consolidada em 1992, ¢ entrou em funcio- namento em Ide novembro de 1993, através do Tratado de Maastricht. E integrada por: Alemanha, Austria, Bélgica, Espanha, Finlandia, Franca, Grécia, Irlanda, Itélia, Luxemburgo, Holanda (Paises Baixos), Portugal, Reino Unido, Suécia, Dinamarca, Chipre, Eslovaquia, Eslovénia, Estonia, Hungria, Letonia, Litunia, Malta, Polonia e Repiblica Tcheca, Bulgaria e Romei 0 6rgio maximo da Unido Europeéia ¢ o Parlamento Europeu, eleito pelo voto direto dos cidadios europeus, a cada cinco anos. Juntamente com © Conselho da Unido Européia, constituido pelos ministros dos governos, dos Estados-membros, € 0 responsdvel pela elaboraco da legislacio euro- péia, mediante propostas oriundas da Comissdo Européia. Outros érgaos atuam também com poderes supranacionais: Tribunal de Justiga, Tribunal de Contas, Comité Econdmico e Social, Comité das Regides, Banco Cen- tral Europeu e Banco Europeu de Investimento. A Unifio Européia caracteriza uma forma de cessio, mesmo que parci- al, da soberania, Na observagiio de Ives Gandra Martins, “o direito comuni- tério prevalece sobre 0 Direito local, ¢ 0s poderes comunitarios (Tribunal de Luxemburgo, Parlamento Europeu) tém mais forga que 0s poderes locais. Embora no exercicio da soberania, as nagdes aderiram a tal espago plurinacional mas, ao fazé-lo, abriram mio de sua soberania ampla para submeterem-se a regras ¢ comandos normativos da comunidade. Perderam, de rigor, sua soberania para manter uma autonomia maior do que nas Fede- racdes clissicas, criando uma auténtica Federacao de paises” (O Estado do ‘futuro, So Paulo, Thomson Pioneira, 1998, p. 15). Ix NASCIMENTO E EXTINCAO DOS ESTADOS — I 1. Nascimento, 2. Modo origindrio. 3. Modos secundarios. 4. Confederacao. 5. Federacao. 6 Unido pessoal. 7. Unido real. 8. Divisdo nacional. 9. Divisdo sucessoral. 10, Modos derivados. 11. Co- lonizacdo. 12. Concessdo dos direitos de soberania. 13. Ato de governo. 14. Desenvolvimento e declinio. 15. Extingdo. 16. Conquista. 17. Emigragao. 18. Expuisdo. 19. Rentincia dos direitos de soberania 1. NASCIMENTO Concorrendo os trés elementos necessérios — populagio, territério e governo — nasce um Estado. Resta saber, porém, como esses elementos se revinem ou de que forma nasce 0 Estado. Neste ponto nao indagamos das causas gentticas da formagao social, mas, sim, do ato formal do nascimento ou de criagdo de um Estado, confor- ‘me com o depoimento da histéria, o consenso dos povos e os principios de direito internacional. O conhecimento dos fatores determinantes do surgimento e do pereci: mento dos Estados mais antigos perdeu-se na poeira dos tempos. Mesmo em relacio aos que chegaram aos tempos atuais, como a India, a China ¢ 0 Egito, « histéria da sua origem permanece embugada nas brumas de um passado muito remoto. Os primeiros Estados, ao que se tem apurado por indugdo dos sabios, teriam surgido, originariamente, como decorréncia natural da evolucao das sociedades humanas. Emergiram do seio das primitivas comunidades ¢ ca minharam, paulatinamente, para a instauragao de forma politica espe E, se mais nos adentramos procurando desvendar na nebulosidade das priscas eras a génese da ordem civil, veremos que se nos impoe, ainda pelo critétio indutivo, a conclusdo de que, antes do aparecimento do fendmeno ‘que hoje chamamos Estado, jé existiam regras de comportamento social aX THORIA GERALDO ESTADO. ditadas pelo direito natural, € que este gerou o Estado erigindo-o em éngio tha su positivagio. xtinguiram-se os Estados primitivos oriundos dessa ordem natural printitiva, © sobre os seus escombros ergueram-se os Estados do mundo alma. Na suit maioria, representam estes 0 renascimento ou a reformagi ios extintos, conservando, muitas vezes, o nome eas tradi- ‘ues, porém ostenlando nova configuragio geogrifica e politica, ‘Como o desaparecimento da organizagiio estatal no implica, geral- mente, © desaparecimento dos agrupamentos étnicos, conservam-se estes mantendo a sua continuidade hist6rica. A comunidade romana, por exem- plo, sobreviveu ao aniquilamento do Império ocasionado pelas invases dos Inirharos, assim como a comunidade judaica, depois da destruigdo de Jeru- walle, se conservou coesa até restabelecer, nu Palestina, as vetustas tradi- goes do velho Estado de Israel, Eoportuno ressaltar aqui, mais uma vez, a nftida diferenga que existe contre Nagiio ¢ Estado. A Nagao é uma entidade de direito natural. O Estado, aw reycs, & um fendmeno juridico; é obra do homem, portanto, contingente lalivel. Sua estrutura pode desintegrar-se num dado momento, desapare- eer e reaparecer, {il como um ser vivo — disse Montaigne —, 0 Estado nasce, floresce © morte, Lissa interpretagdo mistica do fendmeno estatal, desenvolvida por Hegel, Schelling, Krause ¢ outros coriteus da chamada escola organica, Thutida, alids, na filosofia platonica, no convém 2 objetividade com que war 0s fatos do nascimento e da extingilo dos Estados. Se o Estado em si, na sua estrutura morfolégica € na sua ide se compara ao ritmo da vida organica, tal nfo ocorre em relagiio & comunidade nacional, pois esta, independentemente daquele, se eterniza na sucessividade das geragdes. levemos-en (© Estado no morte por completar um determinado ciclo organico. A perpetuidacle, alids, é um dos pressupostos juridicos da sua condigio, e, contrariamente as leis naturais que regem a vida dos seres, a sua velhice é unt penhor de vigorosa durabilidade. Um dos fatores que levam 0 Estado invorte esti em que a sua estrutura, de certo modo, se apbia na forga, € esta ert a resis\Gneia, Sujeita-se a sua estrutura as mutagdes do poder que so imperativos necessérios da evolugo humana, cilos estes esclarecimentos preliminares, vamos analisar aqui os fa- tos que assinalam 0 nascimento, o crescimento ou declinio e 0 desapareci- niente dos Est _ NASCIMENTO Et ZXINGAO DOS ESTADOS_ ” A condigio de Estado, como jé vimos, requer a presenca simultanea dos sous trés elementos constitutives — populacio, terttério e governo —, sendo, entretanto, diversos os modos como se realiza a combinago desses elementos e como se explica o surgimento da entidade estatal. ‘Trés sdo os modos de nascimento dos Estados: origindrio, secundérios © derivados, Desdobram-se, cada um deles, em varios casos especiticos. Para bem estudi-los faremos primeiro 0 seguinte enquadramento sin6tico: [Origingsio i ‘Contederacio Federagio | Unit pessoal | Unis reat | Unio Modos de nascimento _| Secunditios rk 1 dos Estados wisao{ Necion | PRIS = Stcessoral , 2, MODO ORIGINARIO Pode surgir 0 Estado, originariamente, do proprio meio nacional, sem dependéncia de qualquer fator externo. Um agrupamento humano mais ou menos homogéneo, estabelecendo-se num determinado territ6rio, organiza seu governo e passa a apresentar as condicdes universais da ordem politi cae juridica, Roma e Atenas so exemplos tipicos da formagio origina, Esse micleo inicial, via de regra, é homogéneo, isto &, uma comunida- de identificada por vinculos de raga, lingua, religiio, usos, costumes, senti- ‘mentos ¢ aspiragdes comuns, ¢ que, atingindo lentamente certas © determi- nadas condigdes, adota um sistema de organizacZo social ¢ administrativa tendente a facilitar a concretizacao dos anseios comuns. Os Estados primitivos, sem divida, foram precedidos de uma lenta preparaciio nacional, mas nos tempos atuais tivemos exemplos de criagio de Estados originariamente, sem o estigio preparatério a que nos referimos, ‘ot seja, sem que © niicleo humano inicial apresentasse esse aspecto de homogeneidade préprio dos chamados Estados Nacionais. Assim ocorreu, por exemplo, no caso jé citado do Estado da California, na América do Norte, onde legides de individuos de todas as origens formaram uma po- so THEORIA¢ AL DO ESTADO. pulagio numerosa ¢ reuniram-se, em 1849, numa assembléia constituinte, organizando o seu govern proprio e prockamando ao mundo a fundagao do seu Estado, posteriormente incorporado a Federagiio dos Estados U Amica do Norte Deixando de lado maior indagagdo sobre a formagiio dos Estados anti- ‘208 para fixarmos a sociedade humana no momento exato em que cla, por forgat de variadas cireunstancias, se organiza em Estado, constatamos que ‘no mundo moderno intimeras sao as circunstincias que cercam e determi- weimento de novas unidades politicas. Queiroz Lima assim enume- Fa esas circunstncias: “Inedutibilidade de interesses; necessidade de au- tonomia econémica e politica; divergéncias de ragas, indoles e aspiragées, ‘ou coligagao de povos unidos pela identidade de raga ou por um forte lago dle interesse comum: influéncia dissolvente de uma guerra infeliz ou impo- sigio de um inimigo vencedor; e, finalmente, combinagées politicas das seranules potGncias em congresso intemacional’’ Diante desse panorama realmente veridico, perde muito do seu valora val da formacio origindria e se avultam em importiincia 0s modos rios e derivados, regra 3. MODOS SECUNDARIOS ‘Uma nova unidade politica pode nascer da unitio ou da divisto de Es- {aulos. Sa0 casos de unio: a) confederagdo; b) federagao: c) unitio pessoal; ¢ dD uniao real. 4, CONFEDERACAO E uma unio convencional de paises independentes, objetivando a rea lizagio de grandes empreendimentos de interesse comum ou o fortaleci- mento da defesa de todos contra a eventualidade de uma agressio externa. So exemplos dessa forma de unio, nos tempos antigos, as confede- ayes gregas dos Bedcios, dos Arcidios, dos Acheus ¢ dos Estélios, Os antigos cant6es da Suiga uniram-se formando a Confederagio Helvética, que ainda subsiste, agora com feigdo prépria de uma unio federal. Mais Fecentemente, tivemos a Confederago dos Estados Unidos da América do Norte (1776-1787) ¢ a Confederacio Germanica (1815). A atual Comunidade dos Estados Independentes (CED) é um exemplo da unido sob a forma confederativa. A partir de um manifesto langado pela NASCIMENTO E.EXTINGAO DOS ESTADOS SE Rassia, Uerinia e Bielorrisia, outras nove repkiblicas também ex-integran- la extinta URSS formralizaram sua aulesdo, dando inicio a um processo «le unificago politica e econdmica eujas bases definitivas ainda hoje esto endo processadas. 5. FEDERACAO. uma unio nacioasl mais fntima, perpétna e indissolivel, de provin- cias que passam a consttuir uma s6 pessoa de direito pUblico internacional Exemplo classico de unio federal é a América do Norte. Temos, ainda, no continente americano, México, Brasil, Argentina e Venezuela. 6. UNIAO PESSOAL Eo governo de dois ou mais pafses por um s6 monatca. de natureza precéria, transit6ria, porque decorre exclusivamente de even- tuais direitos sucess6rios ou convencionais de um determinado principe. Registra a hist6ria, entre outros, os seguintes exemplos de unio pessoal: a) ‘Alemanha e Espanha sob o poder de Carlos V; b) Inglaterra e Hanover sob © governo de George IV; c) Polinia e Sarre, sob o reinado de Augusto etc. 7, UNIAO REAL Ha unifo efetiva, com carter permanente, de dois ou mais patses formando uma s6 pessoa de direito piblico intemacional. Exemplos: a) Suécia e Noruega; 5) Austria e Hungria; c) Inglaterra, Escécia ¢ Irlanda, ue se juntaram para a formagdo da Gra-Bretanha, So casos de divisdo: a) divisio nacional, ¢ b) divisdo sucessoral 8. DIVISAO NACIONAL ‘Ba que se dé quando uma determinada regido ou provincia integrante de um Estado obtém a sua independéncia e forma uma nova unidade politi- ca, Hos exemplos da divisdo da monarquia de Alexandre, do retalhamento do primeiro império napolednico e da separacio dos chamados Paises Bai ‘xos em 1830. Na reorganizagao da Europa, depois da primeira guerra mun- dial, varios casos de divisio nacional se verificaram por conveniéncia ¢ mposicdo dos vencedores. 52 THORIA GERAL DO ESTADO. 11 forma tipiea das monaryuias medievais: o Estado, considerado ‘com propriedade do monarca, era dividido entre os seus parentes e stcesso- tes, desdobrando-se, assim, em reinos menores aut6nomos. O direito piiblico moderno niio dé agasalho a essa antiquada forma de criago de Estado, 10. MODOS DERIVADOS Segundo estas hipdteses, o Estado surge em conseqiiéncia de movi- nentos exteriores, quais sejam: a) colonizagio; b) concessdo dos dircitos «le soberania; ¢ €) ato de governo. 11. COLONIZACAO, Foi a forma primeiramente utilizada pelos gregos que povoaram as tcrray e criaram Estados ao longo do Mediterraneo. Modernamente, temos os exemplos do Brasil e das demais antigas col6nias americanas povoadas pelos ingleses, espanhéis e portugueses, as quais se transformaram poste- riormente em Estados livres, 12. CONCESSAO DOS DIREITOS DE SOBERANIA Ocorria freqiientemente na Idade Média, quando os monareas, por sua livre vontade pessoal, outorgavam os direitos de autodeterminacio aos seus principados, dueados, condados ete, Nos tempos atuais, a Irlanda, o Canada © outras “col6nias aut6nomas” da British Commonwealth of Nations cami- nnham progressivamente para a sua completa independéncia, através de con- ‘cessdes feitas pelo governo ing 13. ATO DE GOVERNO Ea forma pela qual o nascimento de um novo Estado decorre da sim- ples vontade de um eventual conquistador ou de um governante absoluto, Napoledo I criou assim diversos Estados, tio-somente pela manifestagio da sua vontade incontestivel, 14, DESENVOLVIMENTO E DECLINIO 0 Estado se desenvolve, em sentido progressivo, quando fortalece ¢ sublima a sua ordem social, juridica ¢ econémica, em consoniincia com a civilizagao nacional NAS “IMENTO 1 EXTINGAO DOS ESTADOS. 53 O seu eventual dee io, a0 revés, provém da corrupgio dos costumes, do amortecimento da conscigneia efviea, do abastardamento da raga, do relaxamento do sistema educacional, da perversio da justiga etc. Em tais, contingéncias entra © Estado num processo de depauperamento orgdnico ‘como dizem os te6ricos da escola organicista —, tomnando-se presa fil «tos conquistadores estrangeiros. Quando nio consegue o Estado reagir no sentido de restabelecer em haves seguras a normalidade da sua vida, poderd sofrer 0 colapso geral ¢ @ ‘morte. Assim desapareceram: Cartago pelas dissengGes internas; Roma pela incapacidade de organizar a resisténcia contra as hordas bérbaras; o Impé- rio de Carlos Magno pelo esfacelamento feudal; o Império Grego do Orien- te pela sua desastrosa indoléncia bizantina; ¢ a Poldnia (trés vezes) pela debilidade das suas forgas internas e pela inconstancia da sua nobreza, 15. EXTINCAO Causas gerais ou especificas ocasionam a extingao (morte) dos Esta- dos, como resumimos no seguinte quadro: Causas gerais ; [eonquista Exingdo dos Eades emgage Coss expecteas | Emig ‘Renincia dos direitos de soberania Em geral, ocorre o desaparecimento do Estado como unidade de ditei- to piiblico sempre que, por qualquer motivo, faltar um dos seus elementos, morfolégicos (populacao, territério ¢ governo). As unides e divisdes de Estados, que ensejam a formagio de novas entidades estatais, determinam, ipso facto, 0 desaparecimento dos Estados ‘que se uniram ou daquele que se dividi. 16. CONQUISTA Quando o Estado, desorganizado, enfraquecido, sem amparo de um 6rgao internacional de justica e seguranga, ¢ invadido por forgas estrangei- ras, ou dividido violentamente por um movimento separatista insuflado por interesses extemnos, 54 TSORIA GERALDO ESTADO. Por essa forma ocorreu ts veres 0 velipse ka Poldnia na érbita inter- nacional, em 1772, em 1793 e no decurso da primeira guerra mundial, 17. EMIGRACAO Quando, sob a pressio de qualquer acontecimento imprevisto, toda a populacZo nacional abandona 0 pafs, como se dew com os helvéticos a0 tempo de César 18. EXPULSAO_ Quando as forgas conquistadoras, ocupando plenamente o teritério ado invadido, obrigam a populagao vencida a se deslocar para outra regio, Foi 0 que ocorteu em diversos paises da Europa por ocasiao Wasdes barbaras. 19. RENUNCIA DOS DIREITOS DE SOBERANIA E forma de desaparecimento espontineo. Uma comunidade nacional pode renunciar aos seus direitos de autodeterminacao, em beneficio de ou- {ro Estado mais préspero, ao qual se incorpora, formando um novo e maior ado. Vérias unidades feudais com prerrogativas de Estado, na Idade Média, desapareceram por este modo, pasando a integrar a poderosa monarquia francesa de Luiz XI. Mais recentemente tivemos o exemplo do Estado mexicano do Texas, © qual, tendo proclamado a sua independéncia em 1837, deliberou poste riormente, em 1845, abrir mio da sua soberania para ingressar na federagio norte-americana, A Baviera, o Wurtenberg ¢ o Griio-Ducado de Bade também desapare- Geram po renin dos direitos de soberania, passandoaintepraroInptio lemio. x NASCIMENTO E EXTINCAO DOS ESTADOS — IL 1. Justificagéo. 2. Principio das nacionalida- des. 3. Teoria das fronteiras naturais. 4. Teoria do cequiltbrio internacional. 5. Teoria do livre-arbitrio dos povos. 1, JUSTIFICACAO nascimento e a extinga0 de Estados, como fatos que alteram sensi- velmente a situagio geogréfica e politica de uma determinada regio ou mesmo de um Continente, revestem-se de importincia transcendental, pois cenvolvem, direta ou indiretamente, os interesses comuns de todos 0s poves. Na antiglidade esses fatos eram inteiramente arbitratios, sujeitos apenas 2 imposigdes da forga. Com 0 advento do jus gentium, porém, passaram a subordinar-se aos prinefpios estabelecidos com o consenso geral das na- -a de uma comunidade nacional exclui a interferén- cia estrangeira no campo do direito piblico interno, porém, no mbito maior do direito piblico intemacional, hé o limite imposto naturalmente pelo in- teresse de convivéncia das soberanias. Nao hé mesmo como repelir, no pla~ no ético, o primado do direito internacional, que preside, no mundo mode no, a existéncia de uma sociedade de Estados. Impde o direito internacio- nal, conseqiientemente, que a ctiag20 ou a supressdo de um Estado seja aprovada prévia ou posteriormente pelas outras poténcias, particularmente por aquelas que se situam no mesmo Continente, para que a integragio de um fato politico de interesse da sociedade de Estados se harmonize com 0 Principio da coexisténcia pacifica de soberanias internas sobre uma base normal de paridade juridica Procurando dar a esses fatos a juridicidade de que carecem para que se imponham ao respeito ¢ ao acatamento de todos 0s povos, no jogo de inte~ resses legitimos ou ilegitimos das maiores poténcias, a politica internacio- nal tem adotado, desde o século passado, as seguintes teorias: 5 THORIA GERAL DO KSTADO +) teoria das tronteiras naturais; ©) teoria do equilfbrio intemacional; & 1d) twotia de livre-arbitrio dos povos. 2. PRINCIPIO DAS NACIONALIDADES Com a vit6ria da revolugio francesa veri poder de governo do rei para a naga. Mas, acima da nagio como realidade politica — observa Pedro Calmon —, surgiu com a reago contra a Santa Alianga (1815-1830) um novo prine{pio de direito natural ¢ histérico, cal- eado no conceito de nacionalidade, sou-se a transposigio do A divisio arbitrétia dos povos, como vinha sendo feta pela diploma- cia de Viena, $, Petersburgo ¢ Paris, estabelecera um clima de inquietacao ho panorama europeu, prejudicando os esforcos tendentes & consolidagio «da pa O conceito de nacionalidade veio impor uma nova férmula baseada na liberdade que deve ter cada nag de organizar-se segundo suas tradi- ses: consistindo 0 Estado na organizagéo politica de uma nagdo, a cada ucionalidade diferenciada deveré corresponder uma composiedo politica satonoma. n outros termos: os grupos humanos, diferenciados por vinculos de raga, lingua, usos e costumes, tradicOes etc., constituem grupos nacionais e devem formar, cada um, o seu proprio Estado, Foi essa teoria formulada por Mancini em 1851 ¢ defendida com entusi no por muitos autores e estadistas. Era praticamente a doutrina da ndo- intervened e nela se apoiaram, sobretudo, as pequenas nagdes subjugadas & lransformadas em moedas de troco nos negécios das grandes poténcias. principio das nacionalidades, nos termos em que foi formulado — observou Queiroz Lima —, tanto se presta para 0 bem como para 0 ma lanto serve as reivindicagdes legitimas como as mais injustas espoliag: ‘Sob a égide dessa teoria realizaram-se movimentos benéficos, como ainde- pendéneia da Grécia (1829), a separacdo entre a Holanda e a Belgica (1830), «1 unificagio da Itilia (1859), a unificagao da Alemanha (1867-1871) e a independéncia dos paises balcanicos (Rumania, Sérvia, Bulgéria e Montenegro), que se desligaram do jugo otomano, Por outro lado, realizaram-se violentas usurpagdes, como as anexa- ‘Ses de Alsicia, Lorena e Hanover 3 Alemanha, e bem assim as de outros pequenos Estados reivindicados pelo racismo germinico, Também a Russia NASCIMENTO [/EXTINGAO DOs sIADOS 87 procurou estender ats cont a eriago da Uni tint em 1991 hogemonia sobre as pequenas nagdes de raga: » day Repalicas Socialistas Soviéticas (URSS), ex- 3. TEORIA DAS FRONTEIRAS NATURAIS Est tcoria é um desvirtuamento, uma exe 'a do principio das nacionalidades, sengio mesmo uma caricatura da salutar doutrina formulada pelo Professor Mancini, da Universidade de Turim, Surgiu a teoria das fronteiras naturais como instrumento a ser utili «lo pelos paises militarmente fortes, os quais alegaram que a nag deveria ler 0 seu territ6rio (complemento natural) delimitado pelos grandes aciden- les geogrificos naturais. A geografia indica em relevos naturais 0s justos contornos das nagdes. Nao é razoavel que sejam tragados limites arbitrti quando ha um rio navegavel, uma cordilheira, um mar, como fronteira na- tural... ¢ a tendéncia dos Estados 6 procurar esses limites e adoté-los, Muito mais do que o principio das nacionalidades tomou-se a teoria «las fronteiras naturais uma espada de dois gumes: a Franga procurou divi- sarse com a Espanha pelos Pirineus e com a Alemanha pelo Reno. A Ale- ‘manha, por sua vez, reivindicou contra a Franca a sua divisa pelo Vosgues. Dissidéncias dessa natureza contribuiram para a conflagrago do mun- do, levando os estadistas & procura de outros principios capazes de assegu- rar uma harmonia efetiva e duradoura no campo éspero das relagoes inter- nacionais. 4. TEORIA DO EQUILIBRIO INTERNACIONAL, Esta teoria foi formulada visando particularmente 0 equilibrio euro. peu. Parte do principio de que a paz decorre do equilibrio que se possa estabelecer entre as forgas das varias poténcias, (Chamaram-na também feoria da paz armada, Correspondia ela, como Iembra 0 Professor Machado Paupério, com 0 rifio popular — lobo no come lobo. Entre as principais poténcias deveria haver uma igualdade de dominios territoriais, porque o fortalecimento desproporcional de uma re~ dundaria em ameaga & seguranca das outras. Esbogada por Richelieu, essa teoria teve aceitagdo entre os estadistas europeus. Nao obstante, a mistica desse equilfbrio ideal ndo evitou fosse a Europa mergullada na imensa catéstrofe de 1914, 58 PEORIA GERALDO ESTADO © Brasil mesmo chegou a sustentar essa feora, invocando a eonvenién- cia de um equilfbrio sul-americano, quando defendeu a soberania do Uru ua, reconheceu a do Paraguai e impediu que, sob o governo despético de Rosas, fosse reorganizado 0 vice-reinado do Prats. Parttha da Poldnia, nos tratados de Viena e sempre que se procu- rou reformar a configuragdo do mapa europeu, essa doutrina foi objeto de consideragies e debates. Ponderdvel corrente de doutrinadores e estadistas, continua a entender que a forca deve ser contida pela forga, por isso que 0 desenvolvimento do poderio bélico é um dos mais respeitaveis fatores da par jo condiz esta teoria com os ideais democrdticos nem com os natu- rais anseios de justica da maioria das nagdes. EORIA DO LIVRE-ARBITRIO DOS POVOS Semelhante, na sua esséncia, ao prine‘pio das nacionalidades, esta teo- ria defende a vontade nacional como razio de Estado, Preceitua que s6 0 livre consentimento de cada povo justifica e preside a vida do Estado. Langando as suas rafzes na filosofia liberal do século XVI, inspiran- do-se principalmente nas pregagdes de Rousseau € nos postullados da revo- lugaio francesa, defendeu esta teoria a plena liberdade de autodeterminago dos povos. Como afirmou Condorcet, em 1792, cada nacio tem o direito de lispor sobre o seu destino e de se dar as pr6prias leis. Em tais condigoes diz texturalmente esta doutrina: “nenhuma poténcia tem o direito de submeter tun Estado contra a vontade soberana da respectiva populagao’ jo obstante, como frisa Queiroz Lima, a repiblica implantada pela revolugdo francesa e o primeiro império foram a negagao pritica dessa teo- ria, E 0 proprio Congresso de Viena, em 1815, a0 refundir o mapa da Euro- Pt, negou reconhecimento a teoria do livre-arbitrio dos povos. Em 1919 voltou o Presidente Wilson a proclamar que “cada povo deve formar a sua nacionalidade, nao se admitindo a intervencao de outros E: «dos nos negécios internos de cada um”. Mas a propria América do Norte negou a aplicagdo dos principios de Wilson em favor dos Estados do Sul quando quiseram estes formar a sua prépria federacao. A esta acusacao, alids, retrucaram 05 teéricos do sistema federativo ‘que 0s prinefpios basicos da doutrina do livre-arbiftrio niio autorizam a de- sunido nacional. Sao validos os prinefpios para a Unio Federal; nunca para as unidades federadas. NASCIMENTO E.EXTINGAO DOS ES TADOS 9 Ean nome da teoria do fivre-arbitrio dos povos foram feitas a restaura- ‘yuo da Poldinia, a independGneia da Lugostivia, a eriagio da Checostovaquia, 2 inlegragio da Grécia, a unificagio da Itilia ea devolugao da Als ‘1 Franga, Solucionaram-se as questdes da Bacia do Sarte, Alta Silésia, Prissia Oriental, Nice, Bélgica, e de outros pequenos Estados ¢ territérios contesta- dos, nos quais foram realizados plebiscitos para a apurago da vontade de ea povo. Nem todas as pequenas nagdes, porém, tiveram respeitados os seus direitos de autodeterminago, notadamente depois da segunda guerra mun- «lial, Continuaram as grandes poténcias, no jogo dos seus interesses, a fazer ibula rasa da teoria do livre-arbitrio dos povos, a qual, sem diivida, teori camente, € uma alta expressao dos ideais democriticos. ‘Todavia, a negagio do “livre-arbtrio” dos povos, sem divida uma alta cxpressio dos ideais democrticos, dificilmente prevalece; quando negado, rnyesmo a médio ou longo prazo, «lo, Exemplo disso € a recente extingdo da URSS, provocada pelas de bes de independéncia dos Estados que a ela eram submetidos, ¢ a ctingio a CEL que, embora signifique uma unio de Estados, conserva e mantém sua independéncia sob a forma confederativa, respeitando o “livre-arbitrio” los povos que a compdem, Principio das nacionalidades ‘Teorias que justifcam as ransformagies __| Teoria das fronteiras naturais (criagao ou extingdo de Estados) Teoria do equilforio internacional ‘Teoria do livre-arbitrio dos povos. XI ORIGEM DOS ESTADOS 1. Generalidades. 2. Teoria da origem fami- liar: 3. Teoria patriarcal. 4. Teoria matriarcal. 5. Teo- ria da origem patrimonial. 6. Teoria da forca. 1. GENERALIDADES Numerosas ¢ variadas teorias tentam explicar a origem do Es ado, € todas elas se contradizem nas suas premissas € nas suas conclusdes. O pro- blema € dos mais dificeis, porquanto a ciéncia nao dispde de elementos seguros para reconstituir a histéria e os meios de vida das primeiras associa- «Ges humanas. Basta ter em vista que o homem apareceu na face da terra hd cem mil anos, pelo menos, enquanto os mais antigos elementos hist6ricos, de que dispomos remontam apenas a seis mil anos. Assim € que todas as teorias so baseadas em meras hipsteses. A ver- dade, sem embargo dos subsidios que nos fornecem as ciéncias particula- res, permanece envolta nas brumas da era pré-histérica. Escassos so os informes que temos, por exemplo, da formagio do Estado egfpeio, que um dos mais antigos. Nem mesmo o bramanismo nos esclarece com dados ob- {etivos os prédromos do Estado hindu. Com esta nota preliminar fica a adverténcis de que as teorias sobre a origem do Estado, que vamos resumir, so meramente conjecturais, isto €, resultantes de raciocinios hipotéticos. Mencionaremos, resumidamente, as principais, que assim se agrupam: 4a) teorias da origem familiar; ) teorias da origem patrimonial; € ©) teorias da forga, Nestas teorias 0 problema da origem do Estado é equacionado sob 0 pono de vista hist6rico-sociolégico. Mais adiante, ao tratarmos da justifi- caciio do Estado, o problema seré examinado objetivamente, sob o ponto de vista racional oy THORIA GERAL DO Is STADO 2. TEORIA DA ORIGEM FAMILIAR Esta teoria, de todas a mais antiga, apsia-se na derivagdo da humani- dade de um casal originario, Portanto, é de tundo biblico. Compreende duas correntes principais: 4) teoria patriarcal (ou patriarcalistica); e +) teoria matriarcal (ou matriarcalistica). 3. TEORIA PATRIARCAL Sustenta esta teoria que 0 Estado deriva de um niicleo familiar, cuja wtoridade suprema pertencetia ao ascendente vardio mais velho (patriarea), ado seria, assim, uma ampliacdo da familia patriarcal. Grécia e Roma tiveram essa origem, segundo a tradigao, O Estado de Israel (exemplo tipi- 0) originou-se da familia de Jacob, conforme o telato biblico, Conta esta teoria com a triplice autoridade da Biblia, de Aristoteles e do Direito Romano, ‘Seus principais divulgadores foram Summer Maine, Westermack ¢ Starke. Na Inglaterra deu-Ihe notavel vulgarizagao Robert Filmer, que defen: dou o absolutismo de Carlos I perante o Parlamento. s pregoeiros da teoria patriarcal encontram na organizagio do Esta- do 0s elementos bisicos da familia antiga: unidade do poder, direito de primogenitura, inalienabilidade do dominio territorial etc. Seus argumen tos, porém, se ajustam mais ’s monarquias, especialmente as antigas mo- narquias centralizadas, nas quais 0 monarca representava, efetivamente, a autoridade do pater familias ponto quase pacifico, em sociologia, a origem familiar dos prime ros agrupamentos humanos. Entretanto, se esta teoria explica de maneira aceitavel a génese da sociedade, certo € que mio encontra a mesma aceita- 0 quando procura explicar a origem do Estado como organizagio politi- ca, Como observa La Bigne de Villeneuve, uma familia fecunda pode ser 0 onto de partida de um Estado —e disso ha muitos exemplos historicos. Mas, em regra, o Estado se forma pela reunio de varias familias. Os primi. fivos Estados gregos foram grupos de clas. Estes grupos formavam as gens: lum grupo de gens formava a fratria; um grupo de fratrias formava a rribu; se constitufa em Estado-Cidade (polis). O Estado-Cidade evoluiu para © Estado nacional ou plurinacional 8 LSTADOS. 63 Bem afirmou Rousseau, em harmonia com a doutrina de Aristételes, que a familia ¢ 0 primeiro modelo da sociedade politica. Mas € preciso ndo perder de vista que a familia é mais unidade social do que propriamente politica, E 0 Estado € mais um desenvolvimento da sribu, unidade mais ampla, composta de uma reunido de diversas familias. 4, TEORIA MATRIARCAL Dente as diversas comrentes tedricas da origem familiar do Estado e em oposigao formal 2o patriarcalismo, destaca-se a teoria matriareal ou matriarcalistica, Bachofen foi o principal defensor desta teor Grosse, Kohler € Durkheim. A primeira organizacio familiar teria sido baseada na autoridade da ‘mie, De uma primitiva convivéncia em estado de completa promiscuidade, teria surgido a famiia matrlinea, naturalmente, por razdes de natureza fisio- logica — mater semper certa. Assim, como era geralmente incerta a pater- nidade, teria sido a mie a dirigente e autoridade suprema das primitivas familias, de maneira que 0 cli matronfmico, sendo a mais antiga forma de organizaco familiar, seria 0 fiundamento da sociedade civil. matriarcado, que nio deve ser confundido com a ginecocracia ou hegemonia politica da mulher, precedeu realmente ao patriarcado, na evo- lugao social. Entretanto, foi a familia patriarcal a que exerceu crescente influéncia, em todas as fases da evolucio histérica dos povos. lo por Morgan, segu TEORIA DA ORIGEM PATRIMONIAL A teoria patrimonial tem as raizes, segundo alguns autores, na filoso- fia de Platio, que admitiu, no Livro II de sua Repiblica, originar-se o Esta- do da uniio das profissoes econémicas ‘Também Cicero explicava o Estado como uma organizagio destinada 4 proteger a propriedade e tegulamentar as relagoes de ordem patrimonial Decorre desta teoria, de certo modo, a afirmagao de que 0 direito de propriedade ¢ um direito natural, anterior ao Estado. O Estado feudal, da Idade Média, ajustava-se perfeitamente a esta con- ccepgdio: era uma organizagio essencialmente de ordem patrimonial. Entre tanto, como instituicdo anmala, no pode fornecer elementos seguros & determinagio das leis sociolégicas. 4 THORIA GERAL BO ESTADO. aller, que foi o principal corifeu da teoria patrimonial, afirmava que «posse da terra gerou o poder piblico e dew origen 2 organizago estatal, Modernamente esta teoria foi acolhida pelo socialismo, doutrina poll- tiea que considera o fator econdmico como determinante dos fendmenos soviais, 6. TEORIA DA FORGA A teoria da forca, também chamada da origem violenta do Estado, aafirma que a organizacio politica resultou do poder de dominaco dos mais Fortes sobre os mais fracos. Dizia Bodin que 0 que dé origem ao Estado é a violencia dos mais fortes. Glumplowiez © Oppenheimer desenvolveram amplos estudos a res- peito das primitivas organizagdes sociais, coneluindo que foram elas resul- {antes das lutas travadas entre os individuos, sendo 0 poder piblico uma inslituigdo que surgiu com a finalidade de regulamentar a dominagio dos vencedores ¢ a submissd0 dos vencidos. Franz Oppenheimer, médico, filé sofoe professor de ciéncia politica em Frankfurt, escreveu textualmente: “o Estudo é inteiramente, quanto a sua origem, quase inteiramente, quanto & sui natureza, durante os primeiros tempos da sua exist@ncia, uma organiza- ‘Glo social imposta por um grupo vencedor a um grupo vencido, destinada a Imanter esse dominio internamente e a proteger-se contra ataques exterio- ‘Thomas Hobbes, disefpulo de Bacon, foi o principal sistematizador «lesa doutrina no comego dos tempos modemnos. Afirma este autor que 0s homens, no estado de natureza, eram inimigos uns dos outros e viviam em ‘guerra permanente — bellum omniun conira omnes. E. como toda guerra termina coma vit6ria dos mais fortes, o Estado surgiu como resultado dessa Vit6ria, sendo uma organizagao do grupo dominante para manter 0 poder de dominio sobre os vencidos. Note-se que Hobbes distinguiu duas categorias de Estados: real e ra- ional, O Estado que se forma por imposigio da forga é 0 Estado real, enquanto 0 Estado racional provém da razio, segundo a férmula ccontratualista Essa teoria da forga, disse Jellinek, “apsia-se aparentemente nos fatos historicos: no processo da formacao origingria dos Estados quase sempre houve uta; a guerra foi, em geral, o principio criador dos povos. Ademais, essa doutrina parece encontrar confirma no fato incontestavel de que todo Es- tado representa, por sua natureza, una organizagao de forga e dominagao. ORIGHM DOS ESTADOS 65, Entretanto, como afirma Queiroz Lima, 0 conceito de forga como ori- pom da autoridade ¢ insuliciente para dar a justificagdo, a base de legitimi: thule © a explicagao juridica dos fendmenos que constituem 0 Estado, Reswalta 2 evidencia que, sem forga protetora e atuante, muitas socie~ «lases nao teriam podido organizar-se em Estado. Todos os poderes, inicial- niente, foram protetores. Para refrear a tirania das inclinagoes individuais ¢ cconter as pretenses opostas recorreu-se, a principio, & criago de um poder ‘coercitivo, religioso, patriarcal ou guerreiro, E tal poder teria sido o primei- tw exbogo do Estado. Segundo um entendimento mais racional, porém, a forga que di ori- gem ao Estado ndo poderia ser a forca bruta, por si s6, sem outra finaidade {jue no fosse a de dominagae, mas, sim, a forga gue promove a unidade, csstabelece o direito e realiza a justiga. Neste sentido é magnifica a Tigao de ustel de Coulanges: as geragdes modemnas, em suas idéias sobre a forma- «Gio dos governos, sio levadas a crer ora que eles sto resultantes exclusiva- nente da forea e da violéneia, ora que so uma criagdo da razio. E wm 1 deve ser procurada tao alto duplo erro: a origem das institui nem tdo baixo. A forga bruta ndo poderia estabelecé-las; as regras da razio sao impotentes para crid-las. Entre a violencia © as vas utopias, na regio média em que 0 homem se move e vive, encontram-se os interesses. S30 cles que fazem as instituigées e que decidem sobre a maneira pela qual uma comunidade se organiza politicamente. satiaecal ‘Teotias da origem familiar patriareal Origem do Estado ‘Teoria patrimonial ‘Teoria da forga Passaremos, a seguir, a0 estudo das teorias que justificam 0 Estado, as ‘quais envolvem c englobam mesmo, necessariamente, © problema da origem. XII JUSTIFICAGAO DO ESTADO — I 1. Justificagoes teolégico-religiosas. 2. Teoria do direito divino sobrenatural. 3. Teoria do direito divino providencial. 1. JUSTIFICACOES TEOLOGICO-RELIGIOSAS O poder de governo, sob o ponto de vista social, politico ou juridico, precisou sempre de crencas ou doutrinas que o justificassem, tanto para legitimar 0 comando quanto para legitimar a obediéncia, A principio, o poder de govemo era exercido em nome e sob a influén- cia dos deuses, contando, assim, pacificamente com uma justificagao natu- ral, de ordem carismética, aceitavel de pronto pela simples crenga religiosa. Mas, desde os primeiros esbocos do governo como organizacao da sobera- nia popular, a necessidade de uma firme justificagao doutrinaria do poder foi se tornando cada vez mais imperiosa, até apresentar-se, na atualidade, como problema crucial da ciéncia politica Todas as doutrinas que se propdem justificar a organizago, social ou politica, remontam a origem da sociedade, aos primeiros agrapamentos hu- manos, e, assim, invariavelmente, envolvem 0 problema da origem do Es do, razao por que, como jé foi acentuado, no imprimimos maior desenvoltu- ra a0 ponto anterior. Como observou o Prof. Pedro Calmon, as teorias que procuram justificar o Estado tém o mesmo valor especulativo daquelas que explicam 0 direito na sua génese, Refletem elas o pensamento politico domi- nante nas diversas fases da evolugio da humanidade e procuram explicar a derivagao do Estado: a) do sobrenatural (Estado divino); 6) da lei ou da raza0 (Estado humanoy; ¢ c) da hist6ria ou da evolugio (Estado social) Essas divers \S assinalam, precisa- mente, a marcha da evolugao estatal no tempo, da antigiidade remota & atualidade, ou seja, a partir do Estado fundado no direito divino, entendido como expressiio sobrenatural da vontade de Deus, ao Estado moderno, en- tendido como expresso concreta da vontade popular. s doutrinas ou correntes filoséti on THORIA GERALDO ESTADO Repetimos, pois, que € problema dos mais difieeis na teoria politica 0 «la justificagto doutrindria do poder. E dos mais elicados, porque conduz 440s conilltos ideol6gicos que acabam sempre por solapat os alicerces da par univers Noss programa no comporta sendo um resumo dessas erengas e dou- como passaremos a demonstrr, partindo do seguinte quadrosinético: Toorastolopicoelgiosas _[ Teoria do diseito divin sobrenamal Teoria do disitodvino provincial Tusnaturatismo — Grotius e outeos jeorias racionalistas | Contratuaismo — Hobbes e outros Contratualismo de J.J. Rousseau Justitia do Fst Pantefsmo Teorias idealistas | Organicisino icopanteismo Teorias socialistas (ttaltirias) Teotias sociais democrsticas As mais antigas teorias, aquelas que atribuem ao Estado uma contextura imisfica, isto €, uma origem sagrada, tém maior importincia hist6rica por- {que predominaram no mundo inteiro, durante alguns milénios, até a0 limiar «la Idade Moderna, Sao as chamadas teorias teoldgico-religiosas, as quais se dividem em varias correntes, dentro de dois grupos prineipais: do direito ivino sobrenatural e do direito divino providencial 2. TEORIA DO DIREITO DIVINO SOBRENATURAL Segundo esta teoria, o Estado foi fundado por Deus, através de um ato cconcreto de manifestacdo da sua vontade, O Rei é a0 mesmo tempo sumo: sacerdote, representante de Deus na ordem temporal e governador civil Nas remotas eivilizagies da India e da Pérsia, os soberanos coroados cram delegados de Deus, porquanto se acreditava que eles haviam recebido © poder diretamente de Deus, por uma manifestagao sobrenatural da sua vontade. Os Faraés do Egito eram descendentes das divindades que reina- ram no Vale do Nilo. O Imperador da China era possuidor de Mandado do Céu O Imperador do Japao era parente préximo dos deuses. Os eis assitios diziam-se vigdrios dos deuses. Cada povo possufa (e muitos deles conser JUSTIFICAGAO DO ESTADO 6 ‘yam ainda) a sua concepetio tradicional sobre a origem do poder, na qual repousa o principio de legitimidade da autoridade soberana, ‘Vamos explicar aqui apenas um exemplo dessas concepedes: no Tibete © soberano é considerado como o préprio deus, isto é, uma reencamagao de Buda. Cada vez que morre um soberano, cabe a um conselho de sacerdotes descobririmediatamente, entre os meninos recém-nascidos, a nova encamacao de Buda. Esses sacerdotes percorrem o pais, examinam todas as eriangas, e, logo que descobrem 0 menino em que reencarnou 0 espirito de Buda, se apo- deram dele e 0 preparam para o exercicio da missao soberana, Em todas as monarquias orientais, fundadas na crenga do direito divi- ‘no sobrenatural, cada uma a seu titulo € a seu modo, o Estado nao é apenas de fundamento teolégico; & 0 Estado reocrdtico, governado pelo Rel-Deus. Essa concepeao tevcrética do poder, que dominou todo © panorama politico da antigiidade, nao continuou no mundo medieval submetido & {nfluéneia do cristianismo, mas ressurgiu no fim da Idade Média, com 0 absolutismo monérquico, que foi uma teagdo do poder temporal contra o Papado. Sua personificagao realizou-se integralmente na majestade de Luiz XIV, 0 Rei-Sol, que declarou textualmente: “a autoridade em que os reis S30 investidos ¢ uma delegagao de Deus. Esté em Deus e ndo no povo a fonte de todo poder, e somente a Deus é que os reis tém de dar contas do poder que Ihes foi confiado”. O soberano era a fonte tinica ¢ exclusiva do direito. Sua pessoa confundia-se com o Estado. Dai a afirmagio que constantemente fazia Luiz XIV: L’ Etat c'est moi. Foi Jacques Bossuet, Bispo de Condom, 1627-1704, o mais extrema. do defensor dessa teoria absolutista. Preceptor do Delfim, de 1670 a 1679, escreveu A politica, obra em dez volumes, dos quais os seis primeiros, ins- pirados em Aristételes ¢ Hobbes, so dedicados & instrugao do herdeiro real, e, 0s demais, ao estudo da origem e do fundamento divino do poder. A autoridade real, disse Bossuet, é invenefvel, sendo-Ihe tnico contrapeso 0 temor de Deus. £ devida a obediéncia ao Rei ainda quando seja este injusto. € infiel. $6 no caso de agir o Rei contra Deus € que pode cessar o dever de obediéncia, mas, ainda assim, “nenhum pretexto, nenhuma causa, qualquer que seja”, deve diminuir o respeito integral. A pessoa do Rei é sagrada, ¢em face das suas violéncias devem os stditos opor apenas adverténcias respei- tosas, orando pela sua conversio. Essa doutrina teve ampla divulgagao na Europa, inclusive na Inglater- ra, onde Carlos I (1600-1649) pretendeu implantar o absolutismo mondrquico. O Parlamento inglés, porém, fez valer o principio da monar- quia de direito legal. O Rei foi preso na revolugo popular de Cromwell, ty THORIA GERAL DO ESTADO stcttvido de traigd0 e condenado a morte, Carlos I subiu 20 mando 0 ear divine right. ‘A doutrina da divindade do poder temporal foi também o fundamento slo 'stado imperial romano, César no se apresentava apenas como um io de Deus, mas como a personificacao mesma de Deus. Essa con- cpeio foi combatida pelos eristios até quando se deu a queda do Império Romano, no século V. \dafalso reafir- divino e absoluto da sua autoridade — kingship exist by svn Na ldade Média, a teria do direito divino sobrenatural teve o beneplici- to dle muitos cristios proeminentes e poderosos, mas nio do Cristianismo, tanto que a Igreja Romana a rejitou formalmente, havendo-a por herética 3. TEORIA DO DIREITO DIVINO PROVIDENCIAL sta (eoria, dominante na dade Média e nos tempos modemnos, é mais racional. Admite que o Estado & de origem divina, porém por manifestagao providencial da vontade de Deus. Deus dirige providencialmente o mundo, guiando a vida dos povos e «leterminando os acontecimentos hist6ricos. Dessa dirego suprema resulta «1 formagdo do Estado; 0 poder vem de Deus, mas nao por manifest visivel e concreta da sua vontade. O poder vem de Deus através do povo — per popidlum —, como doutrinou Santo Toms de Aquino. Em outras pala vras: todo poder vem de Deus, in abstracto, no in concreto. Os homens, conformando-se com a vontade divina, devem reconhecer e acatar a vonta- de do Estado. Dotados de livre-arbitrio no seu procedimento, como ensina Queiroz Lima, os homens organizam os governos, estabelecem as leis € confirmam as autoridades nos cargos e oficios, sob a diregio invisivel da providéncia divina sempre presente. A doutrina do direito divino providencial fez-se doutrina da Igreja, por estar conforme com os ensinamentos de Cristo e dos Apéstolos. Atir- mou Cristo que 0 seu reino no era deste mundo e, a0 ser tentado pelos fariseus que Ihe perguntavam se deviam pagar tributos ao Imperador roma- no, respondeu: Dai a César 0 que é de César ea Deus 0 que & de Deus. Nessas palavras 0 Divino Mestre tragou a linha divis6ria entre os dois pode~ res: ao poder temporal, © governo do corpo e dos bens terrenos; ao poder espiritual, o govemo da alma. O poder temporal, doutrinou Sao Paulo, é ‘uma criagdo da lei divina — omnis potestas a Deo. Tinham esta significa do as palavras de Cristo quando retrucou a Pilatos que este exercia um poder que Ihe era dado 1d de cima. JUSTIBICAGAO DO ESTADO 4 Remonta a teoria do direito divino providencial aos te6ricos da justifi- cagio teoldgica do poder civil, Sao Joao Crisostomo, Santo Agostinho € Santo Tomas de Aquino, sendo defendida e sistematizada por Suarez, Soto, Molina, Mariana e outros integrantes da Escola Espanhola. Na mesma es- teira doutrindria destacaram-se posteriormente Joseph de Maistre e De Bonald. Foi uma doutrina de franca reagio ao absolutismo monérquico. Santo Agostinho (354-430), cujas pregagdes doutrinérias foram conti- nuadas por Santo Tomas de Aquino (1225-1274), sustentou que 0 poder ‘temporal é uma decorréncia do poder divino. O poder temporal, na sua obra, 6 figurado como a Civitas Terrena, subordinada & Civitas Dei, assim como os destinos humanos estio subordinados & ordem divina, Nestes termos, a teotia do diteito divino providencial pregou a separa- ‘do dos dois poderes — temporal ¢ espiritual — sob 0 dogma de que 0 poder divino € origindrio e superior, devendo o Bstado respeitar as leis eter- ras ¢ imutaveis do Criador na ordem temporal. Comentando esta doutrina observou Loysseau que 0 Rei € senhor e servo ao mesmo tempo, tanto aos olhos de Deus como aos othios do povo. De conformidacle com esta teoria, somente as instituigdes que repou- sam sobre uma base hist6rica legitima e respeitam as leis incontingentes do direito natural so harmoniosas com a ordem estabelecida por Deus ¢ de- ‘vem ser acatadas pelos homens. O principio de que todo poder provém de Deus niio conduz a uma determinada forma de governo, porque, como ar- gumentou Santo Tomas, Deus quis que houvesse governo na ordem civil, ‘mas deixou aos homens a forma e 0 modo de sua realizacao. E foi este 0 entendimento que levou 0 Papa Leo XIII, na Enefelica Libertas (1888) a afirmar: das diversas formas de governo, contanto que sejam aptas a segu ranca do bem-estar dos cidadaos, a Igreja ndo rejeita nenhuma, mas quer, € a natureza esté de acordo com ela em o exigir, que sua instituigao nao viole o direito de ninguém, e, principalmente, guarde respeito absolute aos direitos da Igreja. E-na Encfelica Immortale Dei, que trata da “constituigao crista dos Estados”, reafirmou a mesma prescri¢a0, definindo a distingao enire os poderes espititual e temporal, bem como a soberania de cada tm deles, no seu género e na sua finalidade, Encareceu Ledo XIIT a necessidade de se estabelecer unm meio, um processo, para fazer desaparecer a5 causas de contestagdes ¢ firmar um acordo, na pritica, para a convivéncia harménica das duas soberanias distintas, cada uma no seu género e na sta finalidade, XI JUSTIFICACAO DO ESTADO — IT 1. Teorias racionalistas (jusnaturalismo). 2. Hugo Grotius. 3. Kant. 4. Hobbes. 5. Spinoza. 6. Locke, 1. TEORIAS RACIONALISTAS (JUSNATURALISMO) Sob a denominagao de teorias racionalistas, agrupam-se todas aquelas «que justificam o Estado como de origem convencional, isto &, como produ: to da razio humana. Sdo as chamadas teorias contratualistas ou pactistas. Pariem de um estudo das primitivas comunidades, em estado de natureza, &, através de uma concepeo metafisica do direito natural, chegam & conclu sio de que a sociedade civil (0 Estado organizado) nasceu de um acordo utilitario e consciente entre os individuos. Essas teorias foram corporificadas e ganharam maior evidéncia com a Reforma religiosa, a qual foi uma auténtica rebeliio racionalista contra a Igreja Romana, que culminou com a revisio das Sagradas Escrituras. F: zendo coro com a filosofia de Descartes, delineada em Discursos sobre 0 ‘método, filosofia esta que © emético que condu & diivida completa, sustentou Lutero a supremacia da inteligéncia individual © ptegou a liberdade de interpretacao da lei religiosa revelada, Depois de ter influfdo nas eiéneias econdmicas, tragando-thes novos rrumos, o racionalismo religioso passou a orientar as ciéncias do Direito ¢ do Estado, © homem, como Erasmo, Rabelais e Montaigne, deveria duvidar de tudo, para reconstruir a verdade, liberada dos dogmas, valendo-se, para isso, da razao, da liberdade de consciéncia ¢ da sua inteligéncia livre. E foi assim que as teorias tradicionais sustentadas pelas escolas teol6gicas foram argtli- das de falsidade. O direito divino dos reis cedeu lugar ao direito humano, As teorias racionalistas de justificago do Estado, partindo, como par- tem, de um pressuposto a respeito do homem primitivo em estado de natu- reza, entrosam-se com os principios de direito natural. Langam essas teorias as suas ratzes na filosofia grega, tanto que é freqiientemente citado Luctécio (95-52 a.C.), que assim se expressou no De ” THORIA ERAL, DO ESTADO. Natura Rerun: Com cada qual quisesse mandar ¢ erigir-se em soberano, escolhicu-se entre eles um certo ntimero de magistrados, instituiram-se as leis, ds quats 0s homens se submeteram voluntariamente. E essa, als, uma das Fontes da Filosofia contratualista. 2. HUGO GROTIUS Holindés (1583-1647), foi precursor da doutrina do direito natural e, «de certo modo, do racionalismo na ciéneia do Estado, Em sua famosa obra De Jure Belli et Pacis, esbogou a divisio dicotémica do Direito em positivo nutural: acima do direito positivo, contingente, varidvel, estabelecido pela vontadle dos homens, existe um direito natural, imutével, absoluto, indepen- dente do tempo e do espago, decorrente da prépria natureza humana, alheio superior & vontade do soberano. Hugo Grotius conceituou 0 Estado como uma sociedade perfeita de omens livres que tem por finalidade a regulamentagao do direito e a con- secucdo do bem-estar coletivo. 3. EMMANUEL KANT Kant, Hobbes, Puffendorf, ‘Thomazius, Leibnitz, Wolf, Rousseau, Blackstone e outros génios luminosos do século XVIT desenvolveram essa outrina dando-Ihe magno esplendor. Emmanuel Kant, o grande filésofo de Koenigsberg (1724-1804), dou- trinou o seguinte: O homem reconhece que é a causa necesséria¢ livre das suas agdes (razdo pura) ¢ que deve obedecer a uma regra de comportamen- to preexistente, ditada pela razio pratica (imperativo categorico). O direito om por fim garantir a liberdade, e por fundamento, um conceito geral, ina to, insepardvel do homem, fornecido a priori pela razao prética, sob a for- ‘ma de um preceito absoluto: conduze-te de modo tal que a tua liberdade possa coexistir com a liberdade de todos e de cada um. Conclui Kant que, ao safrem do estado de natureza para o de associa- «do, submeteram-se os homens a uma limitagao externa, livre & publica- mente acordada, surgindo, assim, a autoridade civil, o Estado. 4, THOMAS HOBBES Fil6sofo inglés (1588-1679), o mais reputado dentre os escritores do século XVI, foi o primeiro sistematizador do contratualismo como teoria \ JUSTIFICAGAO DO ES DADO. 18 justificativa do Estado. 6 havido também como teérico do absolutismo, embora no o tenha pregado & maneira de Filmer e Bossuet, com funda- mento no direito divino, Seu absolutismo € racional e sua concepgio do Estado tende a conformar-se com a natureza humana. ara justificar 0 poder absoluto, Hobbes parte da descrigo do estado de natureza: 0 homem niio € naturalmente sociavel como pretende a doutri- na aristotélica, No estado de natureza o homem era inimigo feroz dos seus, semelhantes. Cada um devia se defender contra a violéncia dos outros. Cada, homem era um lobo para os outros homens — homo homini lupus. Por todos os lados havia a guerra métua, a luta de cada um contra todos ~ bellum omnium contra omnes. E continua: Cada homem alimenta em si a ambigAo do poder, a tendéneia para o dominio sobre os outros homens, que $6 cessa com a morte. $6 triunfam a forga e a asticia, B, para safrem desse estado castico, todos os individuos teriam cedido os seus direitos a um homem ou a uma assembléia de ho- mens, que personifica a coletividade e que assume o encargo de conter 0 estado de guerra mitua. A frmula se resumiria no seguinte: — Autorizo e transfiro a este homem ou assembléia de homens o meu direito de gover- nar-me a min mesmo, com a condi¢do de que vds outros transfirais tam- bem a ele 0 vosso direito,e autorizeis todos os seus atos nas mesmas condi- es como 0 face. Ao se associarem, portanto, segundo Hobbes, procederam os homens. por interesse e necessidade, reconhecendo a conveniéncia de se armar um. poder forte, capaz. de conter a ftiria natural dos individuos. Esse poder, em vista da missdo que the cabe, hd de ser inresistivel e ilimitado, Assim, a sociedade civil € um produto artificial de um pacto volunté- rio, que se explica pelo célculo egofsta Embora tedrico do absolutismo e partidério do regime monarquico, Hobbes, admitindo a alienacao dos direitos individuais em favor de uma assembiéia de homens, ndo afastou das suas cogitagdes a forma republi- cana, Hobbes admitia a existéncia de Deus, mas atribuia ao Estado a regula mentacio dos cultos: 0 dominio do poder coativo hé de estender-se ao espi- rito, para que nenhuma agao do homem escape ao poder de dominagio li- vremente instituido e destinado a reprimir os maus instintos naturais de cada um. E, para isso, 0 Estado deve governar também a Igreja. O reino de Deus, na terra, € um reino civil, Cada Bstado é um imediato de Deus, sendo que Deus fala aos homens pela boca do Estado. 16 TEORIA GERAL DO ESTADO. Lim sua obra Klements of natural and political law (1640) escreveu Hobhes: “considerando que a vontade de atacar é inata no homem; conside- rando que cada homem, atacando, esta no seu direito, ¢ 0 outro, resistindo, também est no seu direito; considerando que daf a desconfianga muitua esta justiticada e cada um medita sobre os meios de se defender, porque o stado natural do homem é 0 estado de guerra...” im 1642 publicou 0 De cive em latim, em defesa do absolutismo de Carlos Na sua velhice, publicou Hist6ria da guerra civil inglesa, ‘Sua maior obra, porém, obra monumental que empolgou o mundo, foi O Leviaia (1651), eserita em inglés — Leviathan, or the Matter, Form and Power of the Commonwealth, Eelesiastical and Civil, Foi publicada essa bri na época e ao tempo dos triunfos de Cromwell Distinguiu Hobbes, em O Leviatd, duas categorias de Estados: o Esta- «lo real, formado historicamente e baseado sobre as relagdes da forga, € 0 stado racional (Civitas institutiva), deduzido da razao. © titulo do livro foi escolhido para mostrar a onipoténcia que o gover- aBfblia, no devia possuir, O Leviatd 6 aquele peixe monstruoso de que ‘qual, sendo o maior de todos os peixes, impedia os mais fortes de ‘us menores. O Leviatd esté assentado no trono de Deus. Por isso mesmo, no fruntispicio do livro esto as palavras de Job, XLI super terram quae comparetur ei. O Estado (Leviata) mortal (The mortal God). non est potestas deus onipotente e 5. BENEDITO SPINOZA Fildsofo holand8s (1632-1677), em sua obra principal, Tractatus ‘heologicus potiticus, defendeu as mesmas idéias de Hobbes, embora com conclusdes diferentes: a razsio ensina ao homem que a sociedade € util, que a paz € preferivel a guerra e que o amor deve prevalecer sobre 0 dio. Os individuos cedem os seus direitos ao Estado para que este Ihes assegu- rea paz ea justica, Falhando nestes objetivos, o Estado deve ser dissolvi- do, formando-se outro. O individuo nao transfere ao Estado a sua liberda- de de pensar, por isso que o governo hi de harmonizar-se com os ideais, que ditaram a sua formagao. Conclui, pois, por colocar a Nagao acima do Estado. Desenvolveu ele o seu pensamento nas obras Etica e De Deus ¢ do homer. lust FICAGAO BO ESTADO. n JOHN LOCKE, Fil6sofo inglés (1632-1704), desenvolveu o contratualismo em bases liberais, opondo-se ao absolutismo de Hobbes. Foi Locke o vanguardeiro do liberatismo na Inglaterra. Em sua obra Ensaio sobre o governo civil (1690), em que faz a justificacdo doutrinaria da revolugao inglesa de 1688, desenvolve os seguintes principios: o homem nao delegou ao Estado senao 6s poderes de regulamentagao das relagdes externas na vida social, pois reservou para si uma parte de direitos que sao indelegaveis. As liberdades: fundamentais, 0 direito a vida, como todos os direitos inerentes & persona- lidade humana, sao anteriores e superiores a0 Estado. Locke encara 0 governo como troca de servigos: 0s stiditos obedecem e sio protegidos; a autoridade dirige e promove justica; 0 contrato € utiité- rio e sua moral & 0 bem comum. No tocante & propriedade privada, afirma Locke que ela tem sua base no direito natural: 0 Estado no cria a propriedade, mas a reconhece pro- tege. Pregou Locke a liberdade religiosa, sem dependéncia do Estado, em- bora tivesse recusado tolerancia para com os ateus € combatido os catélicos, porque estes nfo toleravam as outras religives. Locke foi ainda 0 precursor da teoria dos trés poderes fundamentais, desenvolvida posteriormente por Montesquieu. Dentre as obras de John Locke, destacam-se, pela sua importincia & Jarga influéncia no pensamento filosGfico modemo, Cartas de tolerancia, Ensaios sobre o entendimento humano, A racionabilidade do Cristianismo, Tratado sobre governo ¢ Algumas reflexdes sobre a educacao. Prosseguiremos, no capitulo seguinte, analisando a teoria contratualista, nos termos em que a colocou 0 génio fulgurante de Rousseau, que foi 0 ‘dinamo propulsor da Revolugdo Francesa. XIV JUSTIFICACAO DO ESTADO — IIT 1. Teoria do contrato social. 2. Jean Jacques Rousseau. 1, TEORIA DO CONTRATO SOC A teoria contratualista, da origem convencional da sociedade humana teve sua génese mais remota nas especulagdes filos6ficas dos sofistas, de- senvolvendo-se na Tdade Média através da Escola Espanhola, [dentificou- se com o jusnaturalismo a partir de Hugo Grotius, que deu as bases doutri- nérias desenvolvidas pelos fildsofos do século XVIJ. Em Emmanuel Kant atingiu o contratualismo uma solida preciso cientifica. No mundo modemo foi Hobbes 0 mais destacado expositor da idéia do pacto social. Mas, como ja vimos no capitulo anterior, partia Hobbes do pressuposto de que o homem, em estado de natureza, era de uma ferocidade instintiva impeditiva da convivéncia pacifica. Vivia em estado de lta per- manente, O homem € 0 lobo do homem — foi sua maxima. Conseqtiente- ‘mente, os homens realizaram © pacto voluntério constitutive do Estado, delegando cada um, ao governo organizado, a totalidade dos seus direitos, naturais de liberdade e autodeterminagao. Convencionaram todos a sua sub- missio fisica ¢ espiritual ao poder diretivo, em beneficio da paz social e da seguranga de todos. Daf a sujeicao total do homem ao Estado e o absolutis- mo necessiirio do poder soberano. Essa concepedo voluntarista do Estado foi desenvolvida de maneira ‘mais humana € mais racional por Locke, precursor do liberalismo na Ingla- terra, o qual limitava o poder de governo ao controle das relagdes externas, do homem no meio social. Os homens nao delegaram ao Grgio diretivo da sociedade todos os seus direitos, mas somente aqueles necessérios & manu- tengo da paz e da seguranca de todos. O poder piiblico ¢ instituido por um pacto voluntério, artificial, porém de fundo utilitério, com 0 objetivo precipuo do bem comum. Ao Estado cabe regulamentar as condigdes externas da vida em sociedade ¢, ao mesmo tempo, respeitar e garantir aqueles direitos, fundamentais da pessoa humana, que Ihe so anteriores e superiores. Nestes, xo TEORIA GERAL DO ESTADO termos, deu Locke o necessério respaldo de humanismo e liberalismo & dou- {rin contratualista, Dada a conservacio, pelos pactuantes, dos seus direitos naturais ¢, conseqiientemente, do Seu poder originario de deliberagao, assis- hes a qualquer momento 0 direito de insurreieéo. isto €, de mudar a forma ‘ou a composigio do governo que se houver desviado da sua finalidade, que & aide promover a paz, a seguranga e 0 bem-estar da sociedade. 2 J N JACQU S ROUSSEAU c genial filésofo coube a tarefa de dar teoria contratualista a sua tnsixima expresso, Natural de Genebra (1712-1778), destacou-se, dentre toxlos os twéricos do voluntarismo, pela profundidade da sua construgao filoséifica e pela amplitude da sua influéncia em todo o panorama do mundo moderno. Seus livros a tespeito da formagao e da fundamentagio dos Esta- «los — Discurso sobre as eausas da desigualdade entre os homens & Con- ‘snuto social — tiveram a mais ampla divulgagdo em todos os tempos, sendo recebidos como evangelhos revolucionétios da Europa e da América, no scculo XVII No seu Discurso desenvolve Rousseau a parte eritica e, no Contrato social, a parte dogmética. Este timo, que representa, na expressio de Bergson, a mais poderosa das influéncias que jamais se exerceram sobre 0 cespirito hwnano, continua sendo objeto de discussdes entre os mais altos representantes do pensamento politico universal, quer pelos seus erros que a evolugio do mundo trouxe tona, quer pelo seu contetido respeitavel de verdades impereciveis. 0 Estado é convencional, afirmou Rousseau, Resulta da vontade ge- ral, que é uma soma da vontade manifestada pela maioria dos individuos. A hago (Povo organizado) é superior ao rei, Nao ha direito divino da Coroa, ‘mas, sim, diteito legal decorrente da soberania nacional. A soberania na nal ¢ ilimitada, ilimitével, total e inconstrangivel. O governo é instituido para promover o bem comum, e s6 & suportével enquanto justo. Nao correspondendo ele com os anseios populares que determinaram a sua oF- ganizacdo, 0 povo tem o diteito de substitui-lo, refazendo o contrato... (sus tenta, pois, o direito de revolucao). Sob o martelar constante dessas maximas que empolgaram a alma da humanidade sofredora, ruiram-se os alicerces da construgao milendria do Estado teol6gico ¢ deseneadeou-se a revolugio francesa contra a ordem precéiria do absolutismo monarquico, i } i j __ _WSTIKICAGAO DO ESTADO 8 No seu ponto de partida, a filosofia de Rousseau € diametralmente ‘posta a de Hobbes e Spinoza, Segundo a concepgao destes, o estado natu- ral primitivo era de guerra métua: status hominum naturalis bellum fuerit, Para Rousseau o estado de natureza era de felicidade perfeita: © homem, em estado de natureza, é sadio, dgil e robusto, Encontra facilmente o pouco de ue precisa. Os tinicos bens que conhece s20 05 alimentos, a mulher e 0 repouso. Os tinicos males que teme so a dor ea fome (Discours sur forigine de Pinegalité parmi les hommes). Entretanto, para sua felicidade, a principio, ¢ para sua desgraga, mais, tarde, o homem adquiriu duas virtudes que o extremam dos outros animais € que, pouco a pouco, modificaram o seu estado primitivo: a primeira, a faculdade de aquiescer ou resistir; e a segunda, a faculdade de aperfeigoar se. Essas duas capacidades, auxiliadas por miiltiplas circunstancias fortu: tas, sem as quais a humanidade teria ficado eternamente na sua condigao rimitiva, desenvolveram a inteligéncia, a linguagem, e todas as outras fa- culdades que os homens haviam recebido em potencial. Por outro lado, 0 surgimento da metalurgia e da agricultura veio engendrar a desigualdade. (Os que acumulavam maiores posses passaram a dominar e submeter 0s mais pobres. A propriedade individual do solo, a riqueza, a miséria, as rivalida- des, os sentimentos violentos, as usurpagées dos ricos, 0s roubos dos po- bres, desencadearam as paixdes, abafaram a piedade e a justiga, tornando os homens avaros, licenciosos e perversos. Nesse periodo, que foi de transicio do estado de natureza para a sociedade civil, os homens trataram de reunir suas forgas, armando um poder supremo que a todos defenderia, mantendo © estado de coisas existente. Ao se associarem, porém, tinham necessidade de salvaguardar a liberdade, que € prépria do homem e que, segundo 0 direito natural, ¢ inaliensvel. O problema social consistia, assim, em encon- trar uma forma de associagao capaz de proporcionar os meios de defesa & protecio, com toda a forga comum, as pessoas € aos seus bens, ¢ pela qual cada um, unindo-se a todos, néo tivesse de obedecer senao a si proprio, ficando tio livre como antes do pacto. Esse convénio determinante da sociedade civil, isto é, esse contrato social, teria resultado, assim, das seguintes proposigdes essenciais: cada ‘um poe em comum sua pessoa e todo 0 seu poder sob a suprema diregao da vontade geral; ¢ cada um, obedecendo a essa vontade geral, nao obedec o asi mesmo. A liberdade consiste, em iltima andlise, em trocar cada ‘um a sua vontade particular pela sua vontade geral. Ser livre é obedecer a0 corpo social, 0 que equivale a obedecer a si proprio. O homem transfere 0 seu ew para a unidade comum, passando a ser parte do todo coletivo, do 82 TEORIA GERAL DO ESTADO. corpo social, que & a soma de vontades dai maioria dos homens. O povo, ‘organizadlo em corpo social, passa a ser 0 soberano tinico, enquanto a lei &, realidad, uma manifestagao positiva da vontade geral Com essa volonté générale, eixo de toda a construcio filoséfica de Rousseau, confunde-se a soberania, que € inaliendvel, indivistvel, infaltvel abso Inatiencivel porque, se 0 corpo social cedesse a sua vontade, deixaria soherano, A nago nao aliena, nao transfere a sua vontade; apenas ‘nomcia representantes, deputados, que devem ser denominados, mais exa- tamente, comissdrios, e devem executar a vontade nacional com mandato imperativo, isto & mandato vélido enquanto 0 mandatério bem servir. Iudivistvel, porque a vontade é geral ou nao 0 €. Nao sendo geral, a vontade € particular, e como vontade particular ndio pode obrigar a todos. Infalivel, porque a vontade geral, por ser geral, encerra a verdade em si mesma, Absoluta, no sentido de que 0 corpo social nao pode sujeitar-se a vontade particular no que tange as relagdes externas dos individuos em sociedade, ‘nem 2 vontade de outras nagdes, embora deva respeitar e garantir os direi- {os naturais, petsonalissimos, de cada um, Finalmente, por ser inalienavel, ule s indivisivel, infalivel ¢ absoluta, a vontade geral & também sagrada € © Comirato sociat de Rousseau, embora inspirado em idéias democr’- Aicay, tem muito do absolutismo de Hobbes, diz Jacques Maritain, acrescen {ado que essa teoria “infundiu nas novas democracias uma nocd antitétic: de soberania que veio abrir caminho para 0 Estado totalitério” © Prof. Ataliba Nogueira entende que a teoria de Rousseau reduziu o hhomem a condigdo de escravo da coletividade, justificando toda espécie de opressiio Contestando essa teoria nos seus fundamentos, observa o Prof. Ma- chado Paupério que, “ensinando Rousseau que o estado natural do homem, cra de isolamento, imaginou-se, dai por diante, que a sociedade e o Estado cram artficiais, o que ndo é absolutamente verdadeira”” Mantendo-se rigorosamente dentro do terreno das abstragdes racionalistas — escreveu Queiroz Lima —, a teoria de Rousseau mostrou them cedo a inanidade do seu teorismo transcendente, servindo de alvo ficil As arremetidas do ecletismo oportunista e inconseqiiente. © Prof, Duguit afirma que o pensamento de Rousseau inspirou a f sofia pantefsta de Hegel, em que os juristas germanicos se abeberaram para ‘a pregagio da sua doutrina de absoiutismo e violénci Ww STIFICAGAO DO ESTADO. 83 sor brilhante da concepgiio aristotélico-tomista do Estado, acen- tua Alceu Amoroso Lima que a teoria do Contrato social é precursora da teoria do distrato social com que a revolugao russa procura destruir violen- tamente a ordem burguesa ¢ liberal, arrastando nas suas ondas os direitos da lei natural e da tei divina Essas e muitas outras criticas formuladas pelos pensadores modernos e pelos escritores positivistas, baseados em observagGes indutivas, ressal- vam, entretanto, a importineia transcendente da teoria contratualista como primeiro alicerce do Estado liberal. Foi ela a base filoséfica da revolucio francesa, que proclamou: 0s homens nascem e permanecem livres e igus em direitos. O fim de toda associagao politica € a conservagdo dos direitos naturais do homem, ‘A maior vulnerabilidade do contratualismo esté no seu profundo con- tetido metafisico e deontolégico. Sem dtivida, a faléncia do Estado liberal e individualista, que nio péde dar solucdo aos problemas desconcertantes, manifestados pela evolugao social a partir da segunda metade do século XIX, trouxe & tona muitos erros dessa teoria. A estrutura mistica revelou-se inadequada & solugio dos problemas reais criados pela civilizagio indus- {tial e muito bem retratados na famosa Enciclica Rerum Novarum, de Ledio XIU. Entretanto, encerra a teoria do Contrato social um contetido respeité- vel de verdades impereciveis, que continuara dominando superiormente 0 pensamento democratico da atualidade e do futuro, XV JUSTIFICACAO DO ESTADO — IV 1. Escola histérica, 2. Edmundo Burke. 1, ESCOLA HISTORICA Opondo-se ao antificialismo da teoria contratualista, surgiu no cenério politico a escola historica, afirmando que o Estado nao é uma organizacio convencional, nao é uma instituigao juridica artificial, mas é o produto de tum desenvolvimento natural de uma determinada comunidade estabelecida em determinado territ6rio, Quando uma comunidade social alcanga um certo grau de desenvolvi- ‘mento, a organizacdo estatal surge por um imperativo indeclinével da natu- reza humana, e se desenvolve demandando o seu aperfeigoamento em con- sondincia com os fatores teltiricos e sociais que determinam fatalmente as leis da evolugdo. Os usos e costumes do agrupamento humano influem pre- ponderantemente nesse desenvolvimento, Logo, o Estado € um fato social ‘uma realidade hist6rica; nao uma manifestagao formal de vontades apura- das num dado momento. 0 Estado reflete a alma popular, o espitito da raga. A sua atuagio, como poder politico organizado, deve traduzira vontade coletiva segundo a sua revelacgdo no correr dos tempos. Segundo esta concepgio, as instituigdes sociais, politicas e juridicas somente sao legitimas quando condizentes com as tradigGes hist6ricas, Apéia-se esta escola nos ensinamentos de Arist6teles: © homem é um, ser eminentemente politico; sua tendéncia natural é para a vida em socieda- de, para a realizagio das superiores formas associativas. No espirito associativo esti a génese da Polis (Estado-cidade da Grécia antiga). A fami- liq € a célula priméria do Estado; a associagdo da familia constitui o grupo politico menor; a associacao destes grupos constitui o grupo maior, que é 0 Estado. fo Estado uma unido de familias e de comunas, unio bastante em si mesma, no apenas para viver, mas, ainda, para viver bem e feliz. O fim do Estado, em suma, é a prosperidade da vida. ko TEORIA GERAI. DO ESTADO Savigny ¢ Gustavo Hugo, na Alemanha, adotaram e desenvolveram lamiente esta concepeao realista do Estado como fato social, especial- mente no campo do direito privado, mesmo porque, segundo observa Pedro a doutrina hist6rica servia a duas idéias profundamente germinicas: to da raga e a tendéncia a um progresso ilimitado, ‘Adam Muller, thering e Bluntschli foram outros corifeus desta mesma doutvina, 2. KDMUNDO BURKE principal expoente da escola hist6rica, no vasto campo do direito WNiblico, foi Edmundo Burke, notével orador e parlamentar inglés, membro da Camara dos Comuns a partir de 1766 pelo partido Whig, e autor da mo- mumental obra Reflexdes sobre a Revolugdo Francesa. Burke condenou corajosamente certos prinefpios da revoluglo france- sat, notadamente a nogdo dos direitos do homem na sua abstracdo e seu ubsoluto e a impessoatidade das instrugdes. Na teoria deste eminente pensador britinico, somente € natural justo ‘o que provém do desenvolvimento histérico, do longo habito: a naturezaea histria se identificam como determinantes e justificaivas dos fenémenos sociais. B acrescenta: “deixadas a si mesmas, as coisas encontram geral- rente a ordem que thes convém”. Admite Queiroz Lima que a escola hist6rica éprofiundamente racionalista Ao afirmar que o Estado € a forma por que se manifesta a nagao, parte da cconvepeiio de que existe, para cada povo, uma consciéncia psicolégica, ou seja, tum senso fntimo coletivo, dstinto da consciéneia de cada individuo. Estado inglés metropolitano, com 0 seu direito constitucional con- suctudindrio, é bem uma expressao real desta coutrina. Os usos e costums seculares, formando prinefpios de direito piblico de natureza dogmt illeios a todas as mutagdes da légica abstrata, explicam a formagao ¢ © clexenvolvimento daquele Estado. ‘A doutrina de Burke teve grande repercussio mundial, Sua obra aleangou ‘one edigdes em um ano. Como expressou-se Chevalier, as Reflexes foram recebidas na Europa como 0 catecismo da reagdo contra-revoluciondiria. As diversas correntes de exaltacio nacionalista, que encheram 0 con- (urbado panorama politico mundial no século XX, derivam da doutrina his- (rica, notadamente o fascismo, que trazia no seu bojo 0 ideal de restaur ‘so das gl6rias do antigo império romano. XVI JUSTIFICACAO DO ESTADO — V 1. Pantetsmo. 2. teismo. Escola orgdnica. 3. Neopan: 1. PANTEISMO Aescola orginica um ramo politico da filosofia pantefsta. ‘Vejamos primeiramente em que consiste 0 pantefsmo. A palavra panteismo vem do grego: pan, todo, tudo; théos, Deus; mais, 0 sufixo ismo. 0 panteismo é um sistema filos6fico monista que integra em wma s6 realidade Deus e o mundo. Identifica 0 sujeito com 0 objeto no absoluto. O absoluto manifesta-se na natureza, pelos reinos animal, vegetal e mineral; ¢ 1a hist6ria, através da familia, da sociedade, do Estado. O Estado é uma das expressdes do absoluto, Nega este sistema 0 livre-arbitrio e todas as formas, de convencionalismo jurfdic, para admitirem tudo um fatalismo cego, um determinismo invenef te em todas as manifestagoes da natureza; assim, no Direito e no Estado, Como resumiu Krause, Deus € infini- to € contém em si todos os seres finitos; ¢ 0 todo que contém em si todas as partes. O Direito ¢ imanente a Deus, irradiando-se por todos 05 seres finitos © para manifesté-lo & que existe o Estado, © poder do Estado & um poder absoluto, ja que essa entidade é a suprema encamagao da idéia. Emesto Haeckel (1834-1919), sustentando a unidade de Deus e do mundo, afirma que “cada étomo é provido de alma, ¢ assim 0 éter eésmico, Pode-se, portanto, definir Deus como a soma infinita de todas as forgas, naturais, ou a soma de todas as forgas at6micas e de todas as vibragdes do Ger", Com efeito, Haeckel define Deus como a lei suprema do mundo, ¢ 0 representa como a obra do espaco geral. O espitito de Deus encontra-se em. todas as coisas. Nao existe corpo, por mais pequeno que seja, que nao con- tenha em si uma parcela da substincia divina que 0 anima. Todos os fend- ‘menos, por mais insignificantes que sejam, como a folla que cai da arvore, iio manifestagbes de Deus. kw THORIA GERAL DO ESTADO. ‘Sao ainda afirmagdes de Haeckel: “Quer admiremos o esplendor das altas montanhas ou o mundo maravillioso do mar, quer observemos com o {elese6pio as maravilhas infinitamente grandes do mundo estrelado, ou com © miicrose6pio as maravilhas ainda mais estonteantes dos infinitamente pe- nos, 0 Deus-Natureza oferece-nos por toda parte uma fonte inesgotivel 08 est6ticos”, 0 objetivo do pantefsmo & 0 conhecimento do verdadeiro; a sua moral, a do bem; ¢ a sua estética, 0 culto do belo. Pela unio natural € ‘complement reciproco desses trés pontos é que obtém o monismo pantefsta ‘ conceito natural de Deus. Como filosofia contemplativa, muito sedutora, © pantefsmo serve A 1spiragiio dos poetas, como inspirou Goethe na elaboragao do seu Fausto e do seu maravilhoso poema Deus e o mundo; entretanto, nao resiste as ané- lives da ciéncia, menos ainda da légica. Sobretudo, o pantefsmo é contraditério em si, porque encerra num todo integro, numa 86 idéia, os prineipios opostos — 0 absoluto ¢ 0 relativo, © rito € a matéria, 0 infinito € o finito, o eterno e 0 efémero, a perfeigao ¢ a imperteigio. 2. ESCOLA ORGANICA A Escola orgdnica, na ciéncia do Estado, é eminentemente pantefsta. Moresceu na Alemanha, durante 0 século XIX, sob a lideranga de Hegel Schelling, seguidos por Herbhart, Krause, Roeder, Ahrens e muitos outros. Estado, segundo esta doutrina, é um organismo natural, semelhante ‘ios organismos dos seres vivos, sujeito as mesmas leis biol6gicas. E um ser coletivo, um superser, dotado de membros, 610s, unidade biol6gica e fisi- ologia propria, tal como os seres do reino animal, Elucidando 0 contesdo dessa teoria organicista, o Prof, Pedro Calmon registrou o seguinte: “os individuos so os membros do Estado; sua alma, a religio ¢ a cultura; seu 6rgao de discernimento, o governo: seus bragos, 0 funcionalismo; seus pés, © comércio ¢ 0 trabalho; seu aparelho digestivo, a economia; seu sistema circulatério, a producdo e o consumo; a patria & a sua entidade moral; 0 territ6rio, a sua estrutura fisica. A paz € a satide do Estado; as crises e con- ‘vulsdes politicas correspondem aos processos mérbidos que podem levi-lo {i perda da unidade vital ¢ & morte”, Tal como os seres vivos, disse Montaigne, o Estado nasce, floresce & morre JUSTIFICAGAO DO ESTADO. 89 0s fundamentos dessa escola remontariam as obras de Platio, que con- siderava 0 Estado como um homem em grande: e ainda, segundo Jellinek, 1405 ensinamentos de Sio Paulo: todos somos membros de um mesmo corpo. Discordam os autores da escola organicista quanto & justficagio do Estado ou da sociedade pelo sistema comparativo. Spencer sustenta que 0 organismo €4 sociedade, nfo o Estado, sendo este um Grgio de discemimento da entidade organica coletiva, 3, NEOPANTEISMO Bluntschli (1808-1881), jurisconsulto suigo (Teoria do Estado Mo- demo), seguido por Schaffle, Lilienfeld e outros, deu nova orientagio a0 ‘organicismo, abandonando o paralelismo do Estado com os organismos bi- olégicos para compari-lo com os organismos psicol6gicos ou éticos, por the parecer mais defensével esta segunda atitude. [A corrente neopantefsta, entretanto, continuou no mesmo campo da fi ‘A comparagiio do organismo estatal com os organismos fisicos ou ps! quicos, como observa Gropalli, no tem outro valor que nio seja o de met fora. Serve para tornar mais inteligivel a complexa estrutura juridica do Estado, mas nfio a define na sua esséncia ¢ na sua realidade, XVII JUSTIFICACAO DO ESTADO — VI 1. Teoria da supremacia de classes. 2. Gumplowicz e Oppenheimer. 3. Fundamento doutri- nario do Estado bolchevista, 1. TEORIA DA SUPREMACIA DE CLASSES A escola sociolégica alema, coordenada por Gumplowicz ‘Oppenheimer, reunindo os prinefpios da forga e do interesse patrimonial, formulou uma teoria justificativa do Estado baseada na supremacia de classes. 2. GUMPLOWICZ E OPPENHEIMER Ludwig Gumplowicz (1838-1909), professor de ciéncia politica em Graz, Alemanha, estabeleceu uma dupla nogio de propriedade: a proprie- dade individual sobre bens méveis, resultante do trabalho do individuo, € umn direito natural; mas a propriedade sobre a terra ¢ ilegitima e inadmissf- vel. O solo, por sua natureza, no comporta apropriagdo individual; perten- ce A coletividade. Afirma esse autor que a propriedade da terra comegou quando uma horda se assenhioreou de outra ¢ obrigou os homens vencidos a cultivarem a terra em scu proveito. Em seguida, a horda vencedora armou o poder para manter a defesa das stias conquistas. 0 Estado, como o definem ambos os autores citados, é a organizagio da supremacia da classe dominante. Textualmente: é um conjunto de insti- tuigdes que tem por finalidade assegurar o dominio de uma minoria vence- dora sobre uma maioria vencida, Completa essa concep¢io doutrinétia 0 principio do fato consumado; ‘© emprego da violéncia nao é permanente e toda guerra chega a um fim, quando os mais fracos renunciam a continuar uma initil resisténcia. Por- tanto, a natureza se encarrega de estabilizar uma situacdo criada pela forga predominante. A ordem estabelecida produz o hébito, 0 costume eo direito. 2 Léon Duguit, professor de direito em Bordéus, cuja doutrina expore mos no capitulo seguinte, aderiu a esta escola, afirmando que 0 Estado é uma superposicdo de classes, sendo que a classe dos governantes, dispondo «de uma maior forga, impde a sua vontade aos governados, Procurou Duguit racionalizar a teoria da forga pelo prinefpio da preeminéncia do direito. Estado, segundo a sua concepgio, & 2 forga a servigo do direito Duguit relegou a um plano secundério o problema de ordem sociol6- tzica da origem do Estado, para se preocupar com a justificagao objetiva do poder estatal. Afirma que nio hi elementos de certeza para se determinar se «useparagio da sociedade em classes de governantes ¢ governados apareceu na horda ou no ela ou nos agrupamentos segmentérios & base do cla. Sua tcoria limita-se a explicar o Estado como fato consumado: 0s fracos subme- teram-se & autoridade dos fortes, para poderem contar com seguranga e pro- tego. O poder politico & 0 poder dos mais fortes, e, assim, o Estado consis- te numa organizago em que vontades individuais dominantes dirigem a massa dos governados. Franz Oppenheimer, professor de ciéncia politica da Universidade de Frankfurt, deu a essa teoria um sentido diretamente marxista: todo Estado é uma organizagio de classe; toda teoria politica & uma teoria de classe. So- mente por meio de uma pesquisa histGrico-sociolégica se pode chegar & compreensiio do Estado como fato historicamente universal. O poder politi- co € sempre a organizagao de uma classe vencedora, destinada a manter seu dlominio no interior ¢ a proteger-se contra ataques exteriores. 3. FUNDAMENTO DOUTRINARIO DO ES BOLCHEVISTA [ADO Marx ¢ Engels deram ampla desenvoltura a esse pensamento, conceituando o Estado como instrumento de dominagao da classe operiria «, nessa base, construindo 0 arcabougo doutrinério do Estado comunista. Lenin e Stalin conceituaram o Estado, precisamente, como instrumen- to de dominagao da classe operat, XVIII JUSTIFICACAO DO ESTADO — VIL 1. 0 Estado como diferenciagio entre gover- nantes e governados. 2, Teoria de Léon Duguit. 7 rADO COMO DIFERENCIACAO ENTRE GOVERNANTES E GOVERNADOS Dentre as doutrinas que tendem a explicar e justificar 0 fendmeno es taal, destaca-se a de Léon Duguit, famoso mestre do direito social em Franca (1859-1928), ssa doutrina, pela sua simplicidade, pela sua légica aparente e pela sta consonéincia com os relevos superficiais da ordem constituida, empol- {g0U a opiniio pablica universal e os meios culturais de todos os pafses, tommando-se objeto de comentarios e polémicas entre os mais categorizados, expoentes da cigncia politica. Em razio dessa importincia € que the dedicamos aqui um capitulo ‘especial, E 0 fazemos com a finalidade de refuté-la, porquanto nao encon~ tramos nessa teoria qualquer consisténcia cientifi 2. TEORIA DE LEON DUGUIT Duguit reduz.o Estado a uma expresso simplissima, tanto que o det ne como “uma sociedade onde vontades individuais mais fortes se impdem. as outras vontades”. Perfilha, como se vé, a teoria da forga, em sua esséncia, desenvolvendo o pensamento de Gumplowicz. ‘Sua doutrina acolhe um conceito encontrado na filosofia de Aristételes, referindo-se a que o Estado € formado de governantes e governados. Partin do desse fato facilmente aceitével, chega Duguit a construir a sua teoria eminentemente subjetiva e profundamente impressionante, que pode ser condensadla no seguinte resumo: A organizagdo politica do Estado repousa na diferenciagao entre governantes e governados; a classe dos governantes, dispondo de wma maior forga, impoe a sua vontade aos governados. Nao obstante haver certa aparéncia de verdade, nao é juridicamente on TEORIA GERAL DO ESTADO. certo nem democraticamente admissivel que o classes ata Trunbém ndo & exato que o fendmeno governo possa ser reduzido a ‘wn simples manifestago de vontades pessoais. O poder de governo, em ‘venlade baseia-se na lei que € expresso da vontade geral istado seja formado por duas nicas, uma dirigente e outra ditigida, (© que distingue o regime democritico — diz Queiroz Lima — é a sistematizagio do equilfbrio das duas correntes de forgas: a do governo, power de mando, e a do povo, poder de resisténcia. Nao hd vontade indivi- «hal nem grupal armada de maior forga, mas um crescente automatismo de fungdex de disciptina tendendo idealmente para a completa supressio do arbitvio da autoridade, O direito superintende a organizagao administrativa, regula as fungdes de governo e define as normas de conduta dos agentes do poder piiblico, A maior forga € 0 poder de soberania, proveniente da nagio. Ora, a nnagio no delega inteiramente essa suprema poresta aos seus representan- tes. Nao delega, nfo aliena, ndo transfere a sua vontade. A soberania (von- tale nacional), sendo inalienavel segundo o judicioso conceito da escola issica francesa, éindelegivel eintransferivel. A populagiio nacional teans- Fere aos seus representantes 0 exercicio do poder de soberania, mas 0 con servatna sua substancia. O poder de soberania (maior forga) é da naga e se tisribui pelas diversas fungdes criadas e definidas por leis. Os Gros (pes- sits) incumbidos do desempenho dessas fungdes s20 instrumentos de execu- «i da vontade da lei. Nao t@m eles nenhuma autoridade, pelo menos no siste- ma demoeratico, para substtuirem a vontade da lei pela Sua vontade propria E natural que os individuos ou colegiados que exercem fungdes de mando tenham destacada preeminéncia no meio social. Sao eles envolvidos por uma evidente auréola de prestigio piblico. Mas essa preeminéncia, esse prestigio dos governantes, é mais um reflexo das fungdes piblicas que eles exercem. O respeito, o acatamento ¢ a reveréncia sao devides ditetamente & funcdo e s6 indiretamente & pessoa que a exerce. Os que assim nio enten- dem igualam-se ao asno da fabula de La Fontaine, que se empertigava ante a reveréncias pliblicas sem se aperceber de que eram elas dirigidas & ima. gem do santo que The vinha nos costados. No Estado democratico, acresce notar, as fungdes de mando sao siste- ‘matizadas, hierarquizadas e subordinadas a umn sistema de freios e contra pesos. Um ato discriciondirio e ilegal pode ser anulado pela autoridade su- perior. O governado no esta obrigado a obedecer a ordens ilegais. No pi prio Cédigo Penal se the reconhece 0 direito de resistir. O funcionério nao JUSTIFICAGAO DO 95 age validamente sendo em nome € nos termos da lei. Quando ele pretender substituir a vontade da lei pela sua vontade individual, jé nao terd a couraga da fungao publica. De acordo com este entendimento, o conceito de uma classe dotada de poder de mando, que age em fungdo do seu arbitrio, ¢ absurdo. Ademais, é contra a natureza do Estado democratico a existéncia de classes superpostas, © poder de governo, repetimos, € puramente funcional. A autoridade nilo se delega ao governante — diz Queiroz. Lima —, porque nao é presro- gativa de ninguém que a possa delegar. A autoridade ¢ inseparavel da pré- pria fungio, que representa um aspecto particular, varidvel na medida das forgas que se combinam e conforme se apresenta, no meio nacional, osiste- ‘ma de equilfbrio necessério & preservagao da ordem jurfdica, Para a boa ordem do Estado, inegavelmente, € necessétio que haja uma forga material 2 disposigao dos agentes da autoridade piblica — a forga de coagio. Essa forca, porém, s6 ¢ legitima, 56 ¢ justa, quando satisfaz a estas duas condigdes: a) exato enquadramento nos preceitos do direito objetivo; e b) aceitagao voluntatia e pacffica por parte da massa dos gover- nados. ra, 0 povo (massa de governados) nao aceita voluntiria e pacifica- ‘mente aquilo que nao condiz com o direito. As imposigdes da forca, da tirania, podem submeter o povo num dado momento, mas receberdo, cedo ou tarde, os efeitos de uma reacao prépria da contingéncia humana. 0 Prof. Sampaio Déria, comentando a teoria subjetivista de Duguit, chega a admitir a existéncia de uma classe de predestinados para 0 governo: “Também ha os mais aptos para o governo dos homens. As qualidades primaciais de estadista nao se encontram a granel: discernimento répido em ‘ver, com acerto, no emaranhado das ambigdes; certa perspicécia em prever os acontecimentos; o senso realista de transigéncia e de firmeza; cultura social; uma intuigo segura da psicologia do individuo e das multidges; até resisténcia fisica para os esforgos prolongados. Pois nem todos nascem, senfio bem poucos, com tendéncias aprimoraveis para © governo dos ho- ‘mens. Ninguém duvida da predestinagao de homens para o exercfcio do governo, ou pelo menos, de grandes aptiddes para dirigir os destinos coleti- ‘Niio negamos a conveniéncia ou necessidade mesmo de uma elite coor- denadora das forgas opinativas no Estado democritico. Essa elite € até im- prescindivel para a vitalidade da democracia. Porém, dai a aceitar a exis- tncia de uma classe de governantes armada de maior forga por direito 9% THORIA GERALDO ADO, prdprio, submetendo a sua vontade a massa de governados, vai longa dis- A existéncia de uma classe dotada de poder de mando por direito pr6- prio s6 se coaduna com o sistema mondrquico, talvez.com a reptiblica aris- tocritica, nunca com a replica democritica. Nesta, convém repetir: 0 po- der de governo é puramente funcional. A atividade dos governantes niio se prende, absolutamente, 3s vontades individuais, mas, sim, a um sistema de fungdes tracado objetivamente pelas leis. No ato de governo ou de adminis- lragio, © poder se exercita precisamente em funco dos prine(pios univer- sats de equilfbrio e harmonia entre o Estado e 0 povo. Como sintese do arbitrio e da prepoténcia dos homens, o Estado seria izada, Como primado do direito, é um instrumento de rea- dos ideais de liberdade e justiga, Completando esta nogio da famosa teoria de Duguit, cumpre observar $e autor, por considerar 0 governo como um simples fato social e na0 como um fato jurdico, desenvolve a teoria do direito independentemente da teoria do Bstado: “uma regra econOmica ou moral torna-se norma juridi- a quando, na consciéncia da massa dos individuos que integram um certo grupo social, penetra a idéia de que os detentores da maior forga podem intervir para reprimir a violago dessa regra. Antes, portanto, de receber a sangao do Estado, a lei existe na consciéneia do povo. Forma-se 0 direito ‘espontaneamente, da propria natureza das coisas”. Essa teoria do eminente professor de Bordéus, particularmente no que concerne & formagao mecfinica do direito, tem sido refutada com veemén- cia pelos mais autorizados expoentes do pensamento juridico universal. O Prof. Miguel Reale, na sua monumental obra Teoria do Direito e do Estado, ‘demonstra com firmeza a inconsisténcia de tal doutrina, fulminando-a com esta imperiosa conclusdo: “Em verdade, a teoria de Duguit, por ser a nega- «do da soberania como principio juridico, é também uma teoria essencial- mente antiestatal uma vez que ele confunde o Estado com o governo, usan- do estas expresses como sindnimos”, Bfetivamente, para Duguit a soberania € apenas um fato do poder. Ele a reduz a uma simples nogdo de servigo puiblico. Tanto assim que, a0 ser acusado por Hauriou como “anarquista de cétedra’’,respondeu: “eu somen- te nego que o poder governamental seja de direito; afirmo que aqueles que

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