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Republicanismo, cidadania e (novos?) direitos —_— Marcus ANoré Meto* questo dos direitos esta no centro das discussoes em varias areas da agenda publica e da agenda intelectual contemporanea. Mas nao foi sempre assim. Essa centralidade foi basicamente adquirida nesse whimo quarto de século, em um contexto marcado pela critica & logica utiitarista subjacente as discussoes sobre a a¢do e a moralidade publicas. Como se sabe, 0 utilitarismo é a concepeao moral que informa a avaliacao de politi- cas economicas ha mais de um século, Essa concepeao foi criticada funda- mentalmente por um discurso que esta fundado na nogao de direitos, Essa critica foi articulada por um amplo espectro de analistas de matizes ideolo- Bicos dispares, como Rawls e Nozick. O discurso dos direitos também infor- mma as construgdes teoricas de Sen e de Dworkin, e tem influenciado a agen- da internacional ¢ a propria concepeao do desenvolvimento. O conceito de desenvolvimento humano € um dos construtos conceituais produzidos nes- * Agradeco os comentarios de Philippe Faucher e Jose Marco Rego. se contexto. Em varios artigos, Bresser-Pereira tem demonstrado uma con- sistente identificagao com essa agenda tedtica antiutilitarista, Postulando ‘um modelo deliberativo de democracia e aderindo normativamente a uma agenda normativa republicana, ele tem contribuido de forma importante para a elaboracdo dessa agenda tedrica. Sua mais clara contribuicao nesse sentido talvez seja sua discussto dos chamados direitos republicanos. Bresser Pereira refere-se especificamente a esses direitos como um direito de nova ‘geragio. Eles se manifestariam de formas variadas: no direito ao patrimonio ambiental publico, ao patrimonio cultural publico e aos recursos do Esta- do. Este ultimo seria, segundo o autor, 0 mais importante, aquele que ainda nao se positivou de forma concreta. Para Bresser-Pereira, ele consiste no {que chama direito a res publica, “ou & coisa publica, entendida como 0 esto- que de ativos e principalmente o fluxo de recursos que 0 Estado e as entida- des publicas nao-estatais controlam” Neste texto, eu discuto essa contribuigao & luz de tres conceitos. Em primeiro lugar, o de republicanismo. O que ha de especificamente republi- cano nessa concepgao de direitos? Como se sabe, a tradicao republicana privilegiou menos a questao dos direitos € mais a questao dos deveres dos cidadios, Em segundo lugar, o conceito de direitos. Trata-se efetivamente de direitos? E mais: estamos efetivamente nos deparando com uma nova geracao de direitos? Em terceiro lugar, 0 conceito de representacao € seu correlato, 0 controle ow accountability. Qual o papel das instituig6es no mecanismo de representacao e controle social sobre os representantes espe- cificamente no sentido de garantir os direitos republicanos? A resposta que dou em relagao a essas quest6es, tais como discutidas por Bresser, € funda- ‘mentalmente de natureza critica. Independentemente de certa identificagao normativa com as idéias e questoes do autor, minha leitura de sua elabora- 0 analitica apresenta varios questionamentos. Republicanismo A nogao de republicanismo ou de virtudes republicanas ocupa hoje ‘um lugar central na teoria democratica, a ponto de muitos se referirem a um REPUBLICANISM, CIDADAKIA (WOVOS?) DIREITOS verdadeiro revival republicano, Bresser Pereira contribuiu de forma impor- {ante para essa discussio no Brasil, ao relaciona-ta diretamente as questdes da cidadania € dos direitos. O republicanismo consiste em uma tradi¢ao cujo ponto de partida € dado por uma concepgdo ativa de cidadania, Nessa ttadicao, 0 engajamento ativo com os negécios publicos ¢ entendido como uma manifestagao superior de cidadania e como remédio efetivo contra a degeneracao da vida democratica. Se no pasado ~ como nas republicas ita- lianas dos séculos XIII € XIV, onde o pensamento politico republicano mais se desenvolveu — essa degeneragao tomava a forma de tirania e dominagao extema, no contexto das democracias contemporaneas ela representa, s0- bretudo, a corrupcao, o neopatrimonialismo ¢ a dominagao burocratica Parte importante dos analistas contemporaneos enxerga na apatia civica uma das causas da degeneragao da vida politica no capitalismo avancado, onde a midia e as grandes corporagdes produziram uma burocratizacao da esfera publica. Nos Estados Unidos, o revival republicano contemporaneo foi muito marcado pelas discusses geradas em torno de Habits of the heart, de Robert Bellah. Nesse trabalho, o autor e seus colaboradores tracam um perfil do cidadao apatico americano ¢ identificam uma malaise civica naquele pais Na realidade, esse debate contrasta marcadamente com o tom da discussao ‘no pos-guerra, no qual a apatia civica foi, em larga medida, entendida como aquiescéncia. Como elemento da cultura civica, a apatia refletia o contenta- mento com a nova ordem caracterizada pelo fim das ideologias e declinio dos movimentos sociais. Na teoria democratica, essa visio foi associada ~ €m certo sentido, erroneamente ~ com as idéias de Schumpeter. Nessa vi- s4o, postula-se uma divisio de trabalho entre cidadaos e elites politicas, na qual 0 papel dos cidadaos restringir-se-ia a julgar o desempenho dos governantes, Esse julgamento, para Schumpeter, é fundamentalmente ex ante ~ 05 cidadaos qual eleitores respondem as promessas dos politicos du- Fante as eleigdes. Nesse processo, as elites ocupam um lugar central - sao elas que mobilizam os cidadaos. A insisténcia nesse ponto nesse autor deve ser contextualizada, levando-se em conta o seu objetivo maior: a critica a ues teoria cléssica da democracia ¢, principalmente, a nogao de interesse geral que ela pressupde. Nao esti claro, portanto, se, para Schumpeter, os cida- daos podem se contentar com 0 ndo-envolvimento nos negocios publicos em viriude do alto grau de institucionalizacao ja atingido pelas democracias das quais aquele autor se ocupa ~ Estados Unidos e, sobretudo, a Inglater ra, questo independente de poder essa participagao cidada ativa ser dese- Javel—e até mesmo fundamental —em contextos menos institucionalizados O fato € que aquele autor nao explora esse ponto e, em certo sentido, pode: se afirmar que ele pressupde, em sua discussao, que o ponto final ~ 0 ponto de “chegada” ~ dos processos de democratizagao € o estado de coisas preva- lecente naqueles paises quando escrevia. E mais: que esse ponto de chegada representa um ideal normativo. Essa conclusto pode ser tirada porque 0 autor afirma que 0 papel dos eleitores cessa ou se esgota logo que tenham feito a escolha de seus representantes, No entanto, ela ¢ discutivel se levar- ‘mos em conta que o objetivo geral de sua elaboracao critica nao ¢ discutir a participacao, e sim fazer a critica da concepgao que denomina “classica” de democracia. Schumpeter discute a democracia institucionalizada, e nao suas manifestagoes imperfeitas. O exercicio contrafatual de imaginar qual seria sua resposta ou terapia institucional para casos de democracias nao institucionalizadas poderia levar-nos a concluir que ela envolveria a mobilizagao social ¢ 0 ativismo civico. Estes uhimos cumpririam nao 0 pa- pel de restabelecer o interesse pubblico (sobre o qual esse autor € cético), mas o de restabelecer ow fortalecer as regras do jogo, ow impedir a apropria- cao privada da coisa publica. Mas o fato & que nao sabemos. As contribuigoes da ciéncia pol ica empfrica contemporiinea ~ pelo menos depois da difusio, por Arrow e Downs, da idéia de impossibilidade de uma regra de agregacao de interesses que possa representar uma fungao de utilidade coletiva ~ caminharam no sentido de deslegitimar quaisquer tentativas de restaurar a idéia de um interesse coletivo. Arrow mostrou que qualquer regra de votagao majoritaria gera resultados ciclicos ou contradi- A6rios, Uma formulacao inteiramente diversa € proposta pelo republicanismo contemporanco, em suas variadas acepcoes, Nao s6 se sustenta que o inte- 66 REPUBLICANISMO, CIDADANIA E (iovos?) DiREITOS resse coletivo existe objetivamente, mas também que pode ser alcancado." F mais: sustenta-se que o desenho institucional das modernas poliarquias ‘ao ¢ condicdo suficiente para garantir a nao-degeneracao da vida publica A resposta € que a cidadania ativa € precondicio para que isso ocorra. O republicanismo, no entanto, nao se esgota nessas suas manifestagdes con- temporaineas; pelo contrério, ele esta associado a uma longa tradig&o histé- rica, como ressaltado a seguir. Embora mantenha estreita conexdo com 0 republicanismo ¢ uma das suas variantes - o humanismo civico ~, a formu- lacao de Bresser-Pereira, como sera discutido, distingue-se delas em alguns Pontos essenciais, A tradi¢ao republicana e as virtudes civicas Historicamente, 0 republicanismo buscou valorizar as dimensoes da liberdade que foram desvalorizadas com a crescente identificacdo, a partir dos séculos XVIII XIX, da liberdade como liberdade negativa. Entendida essencialmente como imunidades vis-a-vis agentes externos ~ 0 Estado, 0 despota, ou terceiros -, a liberdade assim entendida € empobrecida e deixa de considerar outras dimensdes igualmente essenciais: o direito de partici Pacdo, de engajamento civico, de controle e de influencia direta nas deci des publicas. Para autores iberais e anti-republicanos, como Bobbio, a trans- formagao ocorrida representou um processo positivo de individualizacao das questoes de moralidade publica, onde individuo substitui a coletivi- dade ou 0 governo como o niicleo articulador. Uma manifestacao positiva é a centralidade que os direitos dos cidadaos passam a ter em relacdo a seus deveres.? Essa inversao foi produto sobretudo das concepedes de direito natural que se consolidam no inicio da era moderna. O republicanismo re- Presentou a dimensao historicamente perdedora em relagao a concepcao liberal da “liberdade como nao interferéncia’, que se torna hegemonica * Praeworski chama essa posiao de concepeto epistémica do processo democratic, * Para o anti-epublicanismo de Bobbio, ver Bobbio ¢ Voli (2002, especialmente p, 10-15). xr ‘Como se sabe, a concep¢ao republicana tem como idéia-forca central o con- ceito de virtd e resgaté-la implica responder positivamente a questio sobre se a qualidade de uma democracia depende da qualidade de seus cidadaos. E, mais que isso, postular um modelo normativo de agao politica. Se a de- mocracia depende da virtude, o que fazer? Advogar um modelo de cida- dao virtuoso? A idéia de uma ética das virtudes ocupa um lugar central na discussio do republicanismo. O cultivo das virtudes republicanas se consti- tui de fato, nessa tradigao, em uma das tarefas essenciais da formacto dos cidadaos. Expresso meu ceticismo, no entanto, quanto a se é legitimo esta- belecer como projeto de governo a “formacao das almas", ou a formacao de cidadaos ativos ~ uma atualizagao do ideal jacobino. Nao caberia ao Estado € 20s legisladores apenas a garantia de formas institucionais que assegurem ¢ permitam a participacao ativa dos cidadaos? Duas vertentes podem ser identificadas no republicanismo contempo- raneo. A primeira esta associada & visto de que 0 engajamento civico dos cidadaos representa uma manifestagao privilegiada da natureza humana, ‘que seria politica por exceléncia, De Aristoteles a Arendt, essa visto tem um. longo enraizamento na hist6ria do pensamento politico. Em contraste, ha tum segundo grupo de autores para os quais as virtudes republicanas sto Touvaveis e seus impactos sobre a vida politica, valiosos. No entanto, eles se recusam a endossar a visio de que elas significam uma forma de vida supe: rior, Nessa visio, 0 tepublicanismo entendido como humanismo civico € criticado como uma concepeao particular do mundo ~ ou, na terminologia rawlsiana, uma concep¢ao abrangente do bem. Liberais como Rawls ou Dworkin sustentam que o liberalismo se mantém neutro quanto a essas concepgbes. Nesse sentido, para o liberalismo que advogam, € indiferente se 0s cidadaos se mantém ativos ¢ engajados civicamente ou nao. A rigor, 0 liberalismo insiste em concepgdes do bem que sejam estritamente politicas — ou seja, que nao contenham elementos perfeccionistas, metafisicos, ou concepcdes morais mais amplas. E nesse sentido, advogam, o humanismo civico ndo passa no teste da neutralidade liberal. Ele € marcadamente perfeccionista, Ou seja, ele se baseia em uma concepcao de exceléncia hu- mana a que 0s individuos devem aspirar para a consecucdo de uma vida REPUBLICANISMO, CIOADANIA € ®ovOS?) DIREITOS mais plena de realizacoes. A excecao aberta nessa concepgao a concepgoes “politicas” tem a ver com aquele minimo institucional - ¢ as virtudes a ele associadas, tais como a tolerancia ~ necessério ao funcionamento de regi- ‘mes constitucionais baseados em liberdades basicas.? © argumento foi expresso, antes dos liberais contemporaneos, por Berlin, que assinalou o potencial opressor de uma sociedade excessivamen- te mobilizada, que pode facilmente levar a uma especie de tirania da virtude: ‘um homem pode afastar-se de um estado democritico vigoroso ¢ genui- namente “participativo", no qual as pressoes sociais ou politicas sejam excessivamente sufocantes para ele, em busca de um ambiente onde haja ‘menos participacao efviea, mas mais privacidade, uma vida comunal ‘menos dinamica e menos abrangente, menos gregarismo, mas também ‘menos restrigdes, Isto pode parecer indesejavel para aqueles que consi deram a aversio pela vida publica ou pela sociedade como um sintoma de malaise ¢ de profunda alienagao.* A segunda vertente do republicanismo nao encerra nenhum apelo a ideais perfeccionistas. Em autores como Taylor ou Habermas, a dimensto discursiva da participacao democratica ¢ pensada a partir do ideal normativo de comunidade politica e deliberacao publica. Ela também esté ancorada no que Taylor denomina uma ontologia social holista, na qual os individuos (elf) estao “situados” socialmente.® Nessa visio, o interesse coletivo existe © pode ser também identificado pragmaticamente, Bresser-Pereira esta muito mais proximo dessa tiltima concepeao do que de concepedes perfeccionistas. Ha igualmente um denominador comum com a visao liberal rawlsiana, que também tem como elemento essencial a nogao de forum publico. > Essa a visio preconizada em Dworkin e Rawls. Para uma andlise desses autores, ver Melo (2002). Ao insistirnesse ponto, Rawls afastase de seu esforgo de funda uma concepcto éticaracionalistae universalist, para se tornar marcadamente pragmatico, Esse minim ‘otuclonal¢simplesmente aquele presente nas ausis democracias cidentais. * Berlin, 1969:57, > Taylor, 000-215-217. EM Busch po Novo Na verdade, nas democracias social-liberais contemporaneas, marcadas pela representagdo politica dos mals variados grupos de interesses, por coalizdes de classe de todos 0s tipos, ninguém tem o monopélio da defi- igo do interesse publico. Cada grupo, cada classe pretende representar corporativamente o interesse piiblico, de forma que nos deparamos com ‘uma heterogeneidade de “interesses piiblicos” conflitantes. Isto, entre- tanto, nao significa que o interesse publico nao exista, que a defesa da res publica em nome do interesse puiblico nao possa ser realizada, Nao signi- fica também que o interesse pubblico s6 possa ser defendido indiretamen- te através da defesa do auto-interesse, dos interesses egoistas, coordena- dos pelo mercado, como pretende o liberalismo radical, neoliberal. Significa apenas que o interesse piiblico nao existe de forma absoluta € portanto autoritaria, Existe sim, de forma relativa, através do consenso que aos pouicos as sociedades civilizadas vao formando sobre 0 que 0 constitui, e, mais amplamente, sobre o que constitui uma moral comum.* Essa passagem revela uma nogao pragmatica deweyana de interesse publico. Ela revela forte compromisso com a idéia de interesse coletivo como construcao procedimental publica, e nao como um interesse geral. E, nesse sentido, constitu forte avanco em relagao as concepsdes juridicistas de ins- piracao clissica que permeiam a discussio sobre interesse publico em al- ‘guns meios. A nogao de consenso construido se aproxima da idéia de um ‘consenso justaposto rawlsiano, revelando afinidades com os autores cita- dos. No entanto, se a nogdo de interesse puiblico € pragmatica, vejo grandes dificuldades para a possibilidade de positivacao do direito a coisa publica, expressa no interesse coletivo! Existe naturalmente o conceito positivista de interesse publico (interesse resguiardado na lei aprovada pelos representantes do povo). Para ir além dele esse consenso social ¢ importante. A partir dele sera possivel identi- ficar a violagdo do interesse piblico toda vez que, exposta a matéria 2 © Besser Pereira, 1997:24, Publicidade, ela provoca escandalo ow reacao coletiva de desprezo ow revolta."A wansparéncia efetiva da coisa publica e de sua gestdo € a ga- rantia mais concreta da democracia participativa contra a violagao dos direitos republicans e a privatizagao da res publica.® Por outro lado, ¢ interessante observar que, em seu artigo sobre os direitos republicanos, ele nao menciona virtudes uma unica vez. Estas 56 sao discutidas diretamente em outro trabatho, com referéncia a burocracia, publica, Aqui a complementaridade entre as virtudes dos cidadios e um desenho institucional adequado é ressaltada, [Nao podemos esperar que instituigbes estatais boas levaréo automatica- ‘mente a um bom governo. Os problemas enfrentados pelos governos hoje sio to complexos ¢ mudam to rapidamente que, mesmo quando as instituigdes sto bem pensadas e bem definidas, as nagoes ainda depende- rao de bons governs, i, e., de politicos ¢ técnicos competentes, dotados de virtudes republicanas, ou do virttt maquiavélico, E mais: bons gover- ros, bons politicos ¢técnicos depenclem nao apenas de boas instituicoes, ‘mas também de uma boa sociedade civil, em que esteja presente um es- aco publico, ¢ em que 0 debate publico seja real. Apenas através do funcionamento ative da sociedade civil da discussao ampla e razoavel- ‘mente objetiva das questdes sera possivel diminuir os erros nas politicas pablicas, reduzir seu grau de incompeténcia? Essa passagem exige uma discussao das bases motivacionais do com- portamento civicamente orientado. Na literatura sobre o republicanismo, duas respostas podem ser encontradas. A primeira, que esta subjacente ao Fepublicanismo classico, associa o comportamento civicamente orientado a racionalidade instrumental. A formulacao classica dessa visdo pode ser en- 7 A referencia ao desprezo coltvo emete a diseussio sabre o orguho eo pariotismo civil em Taylor. 8 BresserPereira, 1997:126, ° Bresser Pereira, 2003, m contrada em Maquiavel ~ os individuos se engajam na acao coletiva por auto-interesse. Ou seja, 0 envolvimento nos negécios publicos € entendido ‘como precondigio de sua liberdade em sentido amplo: em relacao a tiranos, aa dependéncia pessoal e a dominacao externa através da conquista militar. 1sso foi bem expresso por Maquiavel nos Discorsi sobre Tito Livio, ao falar da necessidade de “por as maos sobre a liberdade”. Ele est bem representa do na formula liberal “o preco da liberdade ¢ a eterna vigilancia’. No con- texto contemporaneo, como jé assinalado, os principais vicios publicos que resultam da apatia sto a dominacao burocritica do Estado € a corrupcao. Bresser-Pereira vé como grandes ameacas contemporaneas a privatizacio do Estado, a captura predatéria de recursos fiscais € 0 neopatrimonialismo, ‘Uma visio inteiramente distinta pode ser encontrada nas formulacdes de Arendt ou Taylor . Os autores nessa tradigao recusam a nogao de interes- se proprio como 0 mével da acao social, destacando suas bases normativas. Em geral, esses autores discutem 0 comportamento auto-interessado como uum traco geral da modernidade e recusam a nogao do auto-interesse como invariante comportamental. Bresser-Pereira insiste também nesse ponto, todavia sua discussao pressupde em grande medida uma nogao de racionalidade instrumental. Na realidade, é um apelo forte a necessidade de ‘uma burocracia profissionalizada e tecnicamente competente que também seja dotada de virtudes republicanas, sobretudo o compromisso com a coisa publica. Embora se relira a importancia de cidadaos ativos (e de um mo- delo deliberativo de tomada de decisbes publicas), a énfase € posta no papel da burocracia piiblica, Exigem-se virtudes, portanto, sobretudo dos governantes e dos cidadaos. A burocracia aparece nessa formulacdo como 0 baluarte contra o uso predatorio dos recursos publicos. Essa formulagao € bastante distinta da visdo schumpeteriana de burocracia, Para Schumpeter,” salvo as questdes que envolvem responsabilidade politica direta, “para todo o restante (...) © Governo e o Parlamento terdo de aceitar 0 conselho dos 1 BresserPereta, 2003. 10 Schumpeter, 1075:203. an REPUBLICANISMO, CIDADANIA € ‘OVOS?) DIREITOS especialistas, o que quer que pensem eles mesmos". Bresser-Pereira, pelo contrario, sugere o debate publico em tomo das decisoes de policy-makers contra o insulamento burocratico de especialistas, Seu vaticinio é, no en= tanto, otimista Esse tltimo raciocinio me leva a uma conclusio otimista, Os erros de politicas tenderao a ser menos danosos no futuro por duas razdes: por- que os formuladores de politicas sio cada vez mais bem instruidos e por: ‘que vivem em paises cada vez mais democraticos, nos quais formas de democracia deliberativa comecam a aparecer!* Essa passagem revela profunda ambivaléncia entre a necessidade de expertise e de mais deliberagao. E se houver conflito entre a deliberacdo publica ea decisto dos especialistas? Ora, a deliberacao é apresentada como alternativa ao dominio dos que detém 0 conhecimento especializado, A expertise € um requisito num quadro em que as questdes publicas se tornam cada vez mais especializadas, 0 que requer em contrapartida cada vez mais especializacao técnica por parte dos agentes de accountability horizontal, particularmente do Judiciério, O ideal normativo da deliberagao tambem conflita com a celeridade requerida para a decisto administrativa e com o fato de que muitas decisoes (por exemplo, de politica economica) exigem discrigto por parte dos agentes publicos, ou nao podem ser reveladas ex ante, sob pena de perda de eficacia. Direitos e deveres republicanos? Bresser-Pereira refere-se ao direito a res publica, ou a coisa publica, como um direito de novo tipo. Entendo que, na realidade, nao se trata de lum direito de novo tipo. Para além da questio se de fato representa direito, como argumentarei a seguir, ele € apenas um desdobramento ou atualizacio dos direitos civis ¢ politicos, ao mesmo tempo em que expressa maior 22 BresserPereira, 2003, a conscientizagao dos chamados problemas de acao coletiva e mudanga na cultura politica, no sentido de menor tolerancia a corrupgao, A nogao mo- derna de que os individuos tem direitos foi construida pelos te6ricos Jusnaturalistas nos séculos XVII e XVIIL Tais direitos foram vistos como “naturais”, inerentes aos cidadaos, e sua existéncia podia ser comprovada com 0 uso apropriado da fé ou da razao. Tal concepgdo de direitos fot pro- fundamente abalada pelos tedricos utilitaristas no século XIX, que rejeltam o direito baseado nos costumes e enxergam nas leis a unica fonte do direito. A boa legislagao, encarnando um ideal normativo utilitarista e um caleulo conseqaencialista de ganhos e perdas para a comunidade como um todo, deve ser a tinica fonte do direito. A idéia de que os direitos naturais poderi am ser a base para a construcio de uma moralidade politica foi descartada por Bentham como um descalabro: “o diteito € filho da lei (...) 0 direito natural éum filho que nao tem um pai". Para eles, s6 ha direitos se houver ‘a mio do Estado para garanti-los. Os direitos sdo também, na perspectiva utilitarista, pensados em relagao ao conceito de dever ou obrigagao: um individuo P 56 tem o direito de fazer X se uma outra pessoa Q (ou o Estado) tem o dever de agir de uma determinada forma que seja no interesse de PE essa visio que esta na base do positivismo juridico ¢ da separagao entre moral e direito. A despeito do ataque dos utilitaristas no século XD acon: cepcao de direitos naturais informou grande parte do ideario dos movimen- tos sociais na transigdo para a idade moderna. Ela também foi fundamental para os direitos de primeira geracao — civis, predominantemente nos sécu- los XVII e XVII, e politicos, no século XIX. Na sua formulacéo hegemonica contemporanea, que deriva da con- cepedo negativa de liberdade, os direitos passaram a ser pensados, sobretu- do, como imunidades. Nesse sentido, o direito de um individuo estava defi- rnido pela sua prerrogativa de nao fazer algo ou como nao-interferéncia externa em suas agdes. Ou seja, afirmar que um individuo P tem direito aX equivale a dizer que ele nao tem o dever de deixar de fazer X. O direito de P 15 Apud Waldron, 19844. om aqui € entendido como o privilégio de nao ter de deixar de fazer X. Outra forma inteiramente distinta de se afirmar que P tem diteito a X € entender que 0s outros individuos tem o dever de deixar P fazer X. Nesse sentido, P tem o direito de exigir que os outros individuos (ou um individuo) o dei- xem fazer X."* Isso significa nao apenas o dever negativo de nao se impedir que P faca X, como também a demanda positiva no sentido de que outras pessoas (ou outa pessoa) ou o Estado tem o dever de intervir para que P faca X, Este ultimo sentido implica 0 direito a uma assisténcia ativa para que faca algo ¢ nao apenas a imunidade, e portanto representa uma dimen- sto adicional. Uma terceira dimensio do direito que, a0 contririo desta liltima, também envolve a nocdo de imunidade, se refere ao direito entendi do como poder sobre X. Se P tem imunidade em relagao a X (como no caso do direito de propriedade de P sobre X), isso significa que as outras pessoas hao tém poder sobre P em relacdo a X. Essas trés dimensoes (direito como Privilégio, direito como capacidade de exigir um comportamento de outras pessoas € direito como poder) sto essenciais para a compreensio dos direi- tos, mas certamente sao ainda muito insuficientes para dar conta das com- plexidades dos direitos. Pela sua importancia como justificativa moral para 0s chamados direitos de segunda geracao (diteitos sociais), a nogao de ca- pacidade de exigir um comportamento ativo por parte das outras pessoas ou do Estado € um dos aspectos que gerou mais controvérsia na evolucdo do conceito de cidadania. Vale salientar, no entanto, que essa propria distin- 60 entre direitos passivos ¢ ativos nao resiste a uma analise mais detalhada. Como amplamente discutido em Sunstein," essa distingao pressupae erro- neamente que os direitos civis, associados a imunidade e nao-interferencia, nao requerem um comportamento ativo do Estado. Essa digressao com relagdo as trés dimensoes dos direitos é utilizada aqui apenas para discutir a sugestio de que os direitos republicanos 40 efetivamente direitos ¢ adicionalmente se eles sao exatamente difusos ow coletivos, Em sua discussao, Bresser-Pereira sustenta que eles consistem em. 1 Bm inglés, claims-right, Conforme a rca discussto em Waldron (1984). 25 Sunstein, 1999, as eM BuscA D0 NOVO direitos de terceira geragao, que emergem aps os direitos civis, politicos ¢ sociais. Enquanto 0s dois primeiros seriam direitos individuais, estes wlti- ‘mos direitos seriam coletivos. Para Bresser-Pereira, essas questdes sio simi- ares aos chamados direitos difusos — tais como 0 direito ao meio ambiente impo: “No plano da hist6ria, entretanto, estes sao direitos que s6 recente- ‘mente comecaram a ganhar contorno definido entre os interesses difusos”."° Embora intuitivamente parecam persuasivas, em uma anlise mais acurada essas formulagdes sie pouco convincentes. Acredito que parte dos proble- 1mas resulta do dialogo que o autor estabelece com a literatura juridica bra- sileira, que é, salvo importantes excegdes, descritiva ¢ formalista, e pré- conceitual. Sua observacao de que os direitos do consumidor sto direitos civis porque tratados no Cédigo Penal € um exemplo desses problemas. ‘Um exame mais cuidadoso revela que, ao contrario dos direitos so- ciais, os direitos republicanos sao direitos no sentido forte e positivista dis cutido anteriormente. Isso porque o direito dos cidadaos em relacao a ndo- apropriacdo privada do estoque de recursos publicos encontra guarida no direito administrativo. Eles nao seriam, como os primeiros, apenas declara- goes de intengdo."” Eles distinguem-se tambem em relacdo ao direito ao ‘meio ambiente limpo ou qualidade de vida ~ ou ainda patrimonio genéti- co porque nesse caso se trata de um objeto inteiramente novo: o meto ambiente, No caso da corrupgao ou trifico de influéncia, o objeto do direito relere-se a distingao entre o publico ¢ o privado, entre governantes e gover- nnados ¢ ja esta na base da definicdo do direito publico moderno desde seus primordios, Sao 0s direitos republicanos direitos coletivos difusos? Que avango conceitual esta qualificagdo permite? Na discussio precedente, distingui trés dimensOes dos direitos e assinalei que a exigencia que se pode ter em rela- 10 Bresser-Pereira, 197:108. 17 Bobbio, 199258. Mas podemos dizer, seguindo Dworkin (1978), que a unica fonte do Gireto nao s30 as les, Mas também no sio conceps8es abrangentes do bem, vinculadas @ ‘isoes de natureza metaisica ou telighosa, Alguns prinpios fundamentais podem consti Seem fontes de direito. Elesrepresentam “trunfos” contra concepcbes wilitarstas que vio- lam dicetos individuais em beneficio de ganhos coletivos. ae REPUBLICANISMO, CIDADANIA E lOVOS) OIREITOS Go ao dever de terceiros € uma delas. Ela desenvolveu-se a partir de um certo reducionismo jurfdico no tratamento da questao dos direitos. Quando ‘um individuo Q (ou o Estado) tem o dever de fazer algo, assume-se que ha outro individuo que controla esse dever, como titular do direito, e que tem © poder de desobrigar Q (ou o Estado) desse dever. A analogia mais imedia- ta é que 0s direitos s40 como promessas: se Q prometeu algo a P este tiltimo pode desobrigé-lo de cumpri-la. Essa idéia tornou-se central na moderna concepsao legal de direitos. De acordo com a discussao anterior, pode-se afirmar que P tem o direito de exigir e 0 poder de desobrigar terceitos de efetuar determinadas acdes que Ihe sto devidas. Dai as exigéncias variadas quanto a titularidade e iniciativa das agoes etc. Em ultima instancia, o titu- lar do direito ¢ a peca central da cidadania. No entanto, essa concepcto entrou em xeque no caso dos direitos difusos ~ dat o tratamento especial que essa quesiao passou a ter nas ultimas décadas, No caso dos interesses difusos, a iniciativa pela punigdo ou desobrigacao sofre dos chamados pro- blemas de acao coletiva Os problemas ou dilemas da agao coletiva, como se sabe, constituem- se, desde a formulacao original de Olson, em uma das questoes centrais da agenda da ciencia politica contemporanea, Muitas das questdes que envol- ver a moralidade da res publica sao problemas de agao coletiva. A questo central para Olson"* € explicar quem se organiza ou mobiliza em uma socie~ dade; em outras palavras, como surge a acao coletiva. O ponto de partida para a sua discussao ¢ a racionalidade individual, que impele, tendencial- mente, & inagdo, mesmo quando existe comunalidade ou convergencia de interesses entre os individuos. Quanto maior 0 tamanho do grupo, tanto maior o desincentivo a agao coletiva, porque 0 monitoramento daqueles que sao free riders ~ que usufruem os beneficios da agao coletiva, sem con- Uribuir para ela~se torna crescentemente dificil. A ago coletiva tem custos individuais concentrados beneficios difusos porque muitos bens que es- {do na agenda politica tem caracteristicas de bens publicos, ou seja, seu 8 Olson, 1971 a consumo € nao-rival ¢ nao-exclusivo. Ou seja, o consumo do bem por um individuo nao diminui o consumo do bem por outros e, uma vez que o bem tenha sido ofertado, ¢ impossivel excluir alguem de consumi-los. Individu- ‘5 racionais comportam-se estrategicamente para obter os bens que valori- zam. Se podem obté-los sem incorrer em custo algum, eles tenderao a espe- rar que outros se mobilizem para isso. A agao coletiva s6 ocorre, portanto, como subproduto da busca de bens privados, ou seja, através da oferta do que Olson denomina incentivos seletivos, ou pela agao de political entrepreneurs, Estes tltimos sto empreendedores politicos ~ organizacoes ndo-governamentais etc. ~ para os quais existem outros bens privados a serem desfrutados para além do bem piiblico (no exemplo em pauta, um emprego na propria instituicao). A semelhanga do meio ambiente preservado, a auséncia de corrupcao pode ser entendida como bem publico. E aqui emerge o problema da agao coletiva, porque os individuos, embora indignados, deparam-se com custos para iniciar uma mobilizagao contra a corrupcao. E os beneficios resultan- tes de sua agdo serao desfrutados por toda a comunidade, Uma solugao institucional desse problema ¢ a criagdo de instituigdes especializadas na defesa de interesses difusos, como os ministérios publicos ou o patrocinio publico a political entrepreneurs que defendem o interesse publico. Essa so- lugao pode, na realidade, implicar uma regressao ao infinito relacionada a0 controle sobre esses agentes ou “guardides”, A regressao ao infinito se deve a0 fato de que o controle sobre os guardies constitui-se ele proprio em um problema de agao coletiva. Parte consideravel do direito administrative ‘moderno representa um esforco de defender os interesses do cidadao em relagdo ao Estado. E nao s6 0 contrario, como sugere Bresser-Percira. As leis orcamentarias, a exigéncia de concursos publicos para ingresso nas carrei- ras do Estado ete. surgiram, nos paises capitalistas avancados, ainda no sé- culo XIX, no marco da expansio da cidadania politica. Eles nao represen- tam fendmenos recentes, O argumento da expansio do Estado no século XX — expresso na elevagio vertiginosa da carga tributaria ~ € oportuno para cchamar a atengo para o fato de que 5 recursos do Estado merecem cada am vez mais protecao por se tornar objeto crescente de cobica privada. A afir- magao por Bresser-Pereira de que o direito administrative que afirmava a supremacia do interesse publico acabou descurando dos direitos republica- nnos também nao suscita questoes. Mas ele assume como essencialmente correta a formulacao por juristas de que os direitos difusos sao direitos no- vos e articula essa problematizacao com a discussao classica da cidadania em Marshall. Esses dois niveis sao distintos e incomensurdveis, A questo se 0 direito € difuso ow nao diz respeito apenas a quesides procedimentais da pratica do direito Nesse sentido, nfo ha nada especificamente inovador nos chamados direitos republicanos. Nao se trata de uma nova categoria de direitos. Eles refletem maior atencao para os problemas de agao coletiva e menos toleran- cia em relagao a corrupgio. Mas, em certo sentido, iso ja estava prenuncia- do em escritores republicanos, como Maquiavel. $40 08 direitos republica- nos coletivos? Essa questao ¢ de dificil resposta. Num sentido convencional, sim, porque afligem grupos de pessoas, embora sua incidéncia também as- suma um formato individualizado, na forma de uma perda individual. Mas @ auséncia de direitos politicos ou civis também pode afligir diretamente grupos. Embora digam respeito diretamente as pessoas, eles também po- dem ter um tratamento coletivo. Esse € 0 caso, por exemplo, dos direitos politicos negados a certas etnias ou coletividades. Na realidade, a categori zagdo de direitos individuais e direitos coletivos ainda ¢ puramente formal e ré-conceitual, e vem da tradigao da pratica do direito como disciplina, carecendo de fundamentos conceituais. Essa critica nao deve ser confundida com a nocao de direitos de grupo que esta no centro do debate contemporaneo em torno do liberalismo versus comunitarismo, Nesse debate, os multiculturalistas sustentam a existéncia de direitos de grupo que poderiam ter precedéncia sobre interesses indivi- duais. Esse argumento pode ser também criticado, mas em outro nivel. Al- guns autores sustentam que 0s direitos s6 podem ser designados como di- reitos de grupo se as bases pata o reconhecimento de um intetesse forem coletivas, ¢ nao individuais — esse seria 0 caso do direito a autodetermina- eM Busca 90 Novo ao de uma etnia ou grupo linguistico."” © problema de fundo, no entanto, diz respeito a, nos casos de conflito, qual direito tem a precedencia. Para os liberais, a precedéncia € dos direitos individuais. Por exemplo, nos casos, aptamente discutidos por Vita,” de praticas degradantes, mas essenciais & ‘cultura e identidade do grupo, em relagdo a mulheres por parte de comuni- dades tradicionais — paises mugulmanos, por exemplo -, 0 direito do grupo poderia legitimamente sobrepor-se aos direitos individuais? Representagio e accountability ideal participative e da cidadania ativa representa uma alternativa as formas tradicionais de representagio politica. No entanto, essa alternativa presenta problemas nao-triviais que sugerem que a discusso contempora- nea pode estar apresentando uma visto idealizada. Ha pelo menos trés ques toes envolvidas na implementagao de formas de democracia direta. A pri- meira é que cla possa ser implementada em sociedades complexas, ¢ sobretudo em contextos supralocais. A segunda é que a democracia direta pode apresentar um viés em favor dos individuos que tenham fortes prefe- réncias pela participacao politica, em contraste com outras atividades pri- vadas. A terceira é que a democracia direta também pode reproduzit meca- nismos espuirios de manipulacao politica Sea democracia direta nao apresenta muitas possibilidades em termos de sua implementagao em larga escala e sea democtacia representativa apre- senta patologias amplamente conhecidas, cabe discutir em que medida a representagao pode ser efetivamente aperfeicoada. Bresser-Pereira aposta nesse aperfeigoamento através de mecanismos patticipativos e reforgo da accountability. Nao tenho objecdes a essa formulagao, mas gostaria de des- tacar alguns problemas criticos da accountability democratica. primeiro é que entendo que esse mecanismo necessariamente tem de passar por mecanismos ex post, ou seja, mecanismos de accountability 19 Raz, 1984, 20 Vita, 2002, REFUBLICANISMO, CIDADANIA € (WoVOS?) OIREITOS retrospectiva baseada no desempenho de representantes. As visdes da accountability associadas ao que Pitkin* chamou de representacao descriti- va ¢ formal tem dois supostos problematicos. O primeiro € que a boa repre- sentacao seria tanto melhor quanto mais similitude ocorrer entre represen- lantes € representados. Assim, a assembléia de representantes seria um microcosmo da sociedade. Nesse caso, pode-se afirmar que nao seriam ne- cessirias eleigdes, mas apenas um sorteio, pois as possibilidades de escolha de um representante com representatividade seriam maximizadas, Outro problema dessa visao é que o desempenho do representante seria irrelevante. uma vez que apenas a similitude garantiria o alinhamento de preferéncias entre cidadios e seus representantes. Nao bastaria também ao representante prestar contas aos eleitores porque ele s6 poderia prestar contas pelo que faz € nao pelo que é. Um terceiro problema resulta do fato de o representan- te ser visto como um mandatério® — como implicito na idéia de que este deve ser o portador da vontade de seus eleitores e deve prestar-lhes contas. Essa visto também ignora que a representacao é uma atividade. Essenciais ara essa atividade de representagao sao: a deliberagao, a interacao, a atua- 40 no melhor interesse dos eleitores. E mais: a agao criativa eo exercicio da lideranca, Por outro lado, ela se baseia no suposto de que os cidadaos tém opinido formada sobre todas as questoes da agenda publica, e seriam capa- 2es de dar instrucdo aos representantes sobre o que decidir. A boa representagao, portanto, implica uma atividade de delegacao de autonomia deciséria e de capacidade de discricéo. Essa autonomia € precondicio para o exercicio da deliberacdo. O controle politico de repre- sentantes $6 € possivel ex post, ¢ esti fundado na capacidade de o represen- tante justificar seu desempenho, uma vez que a assimettia de informagao entre representante e representado tenha diminuido. 2 Pitkin, 1967 2 E curioso que Pitkin, escrevendo na década de 1960, expressa uma visto extremamente critica arespeito da abordagem da representagdo como relacio de accountability em franco contraste com a visio contemporanea, na qual este conceito tem conolagdo extremamente positiva de relagdo democratica, A discussao precedente refere-se aos mecanismos de accountability democratica e, portanto, apenas se relaciona aos mecanismos de delibera- ¢ao discutidos por Bresser-Pereira, Eles ndo incluem o problema do con- trole da corrupgao e do uso privado da res publica. Essas duas questdes S40 inteiramente distintas. O reconhecimento dessa distingao pode levar a confusdes conceituais, como expressas no debate entre Przeworski € Donnell em contribuicao recente. Em uma democracia, crimes ¢ falta de responsividade de um governante em relacao a um grupo que o elegew, ‘ou ainda decisoes de governante que discrepam das preferencias do elei- torado de seus programas, sto coisas bastante distintas. Nestes dois alti- mos casos, existe um deficit de accountability, embora nao envolvam vio~ lacao da ordem legal. Enquanto Przeworski® focaliza em seu artigo esse Ultimo aspecto — central para a discussao da accountability democratica -, O'Donnell esta preocupado com a regra da lei e sua violacdo. Embora ‘em uma democracia esses fendmenos estejam relacionados ~ afinal, um crime representa um caso extremo de desvio de preferéncia -, € funda- ‘mental reter essa distingao. 0 duplo esforgo de fortalecimento dos mecanismos de accountability vertical e horizontal no contexto brasileiro € produto da formacao histérica do nosso arranjo democratico. Marcado pela inclusao de setores populares ‘em um quadro de débil institucionalizagdo das regras do jogo institucio- nal ~ ocorrido na era Vargas ~, 0 processo de democratizacao do sistema politico brasileiro resultou em um Estado autoritario e sem controles. Po- der-se-ia ir mais longe e argumentar que o processo de inclusio social se deu em um processo simultaneamente marcado pelo desprezo coletivo pe- las regras do jogo, que foram vistas como veleidades liberais. A agenda de- rmocritica atual exige necessariamente a rejeigao e desconstrugao desse le- gado tliberal. 29 Preeworski, 2001 24 ODonnell, 2001, 2 Cf. Santos (1988), para um tratamento pioneiro dessa questio, a Se direitos republicanos representam direitos ou nao, se sao de terceira geracdo ~ como inadequadamente denominam alguns juristas os chamados direlios difusos -, ou ainda se caracterizam um fendmeno novo, so, como vimos, questdes controversas, Neste texto, argumentei que os direitos repu- blicanos, no sentido que Bresser-Pereira Ihes empresta de direito a res publi- a, nao representam um direito novo, porque o seu objeto é “velho”. Eles 'ampouco representam uma mera declaragao de intencaes de que fala Bobbio, Porque nao padecem de problemas estruturais de implementacao ou Positivacdo. Isso nao significa subestimar 0 problema da accountability nas sociedades contemporaneas. Bresser-Pereira parece postular uma dificil ar- ticulacdo entre uma adesdo normativa a democracia deliberativa — sem ade- tira algum ideal republicano de corte perfeccionista (0 que € muito positi- Yo) ~€ uma enfase em burocracias competentes e neutras a la Schumpeter: Também sugeri que a questo do carater difuso dos direitos republicanos ¢ mais bem compreendida a partir da discussio dos problemas da acao coleti- va. Essas discuissbes estdo ancoradas em um campo conceitual que — esse, sim € novo: trata-se do campo dos direitos e da cidadania, Ele se alargou imensamente nos ultimos anos ¢ acompanhou o retorno das discussoes ormativas para o centro das reflexdes da economia, da filosofia e das ques- toes do desenvolvimento, Bresser-Pereira, no Brasil, ocupa um lugar privi- legiado nesse campo. Referéncias bibliogréficas BERLIN, Isaiah. Four essays on liberty. Oxford: Oxford University Press, 1969. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. ——3 VIROL, Maurizio. 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