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AMÁLI e ABDUL

e o Muro da Vergonha
AMÁLI e ABDUL
e o Muro da Vergonha
A história que vos vou contar é uma história de verdade.
Uma bola saltitante saltou, saltou, saltou, tanto rebolou que foi
parar num quintal bem distante.
Amáli desesperada gritou:
– Ó bola saltitante, salta, salta, vem de novo para o meu lado.
Mas a bola não ouviu?! Não regressou!
Amáli não queria, mas o Sol insistiu em recolher-se, tinha sono,
estava cansado!
Contrariada e muito triste, mesmo muito triste, regressou a casa.
Nessa noite, dormiu menos bem. A bola não era só o seu brinquedo
preferido. Era uma verdadeira companhia, sobretudo à noitinha. Com ela
brincava com a sua irmã Laila e, quando esta não queria, brincava sozinha.
Laila era a sua irmã mais nova. A avó Madalena, a mãe da mãe Isabel,
dizia que esta chamava-se Laila como a sua mãe e, tal como esta, a sua
irmã tinha os olhos negros como a noite. Talvez por isso Laila gostava
de dormir na mais profunda escuridão, mas Amáli tinha medo do escuro.
E, sem a sua bola, mais ainda. Por isso a noite tinha sido terrível.
Ao primeiro raio do Sol nascente, acordara decidida a reencontrar
a sua bola. Como sempre, abriu a sua janela e verificou se o seu cipreste
se encontrava bem. A sua árvore tinha sido plantada pela sua avó Madalena
no dia em que nascera, há dez anos atrás, no seu modesto quintal no
lugar de Hebron, não muito longe do rio Jordão, em terras da Palestina.
Era um costume da sua família. A sua avó dizia que, quando crescesse
e casasse, o carpinteiro Isaías, habilidosamente, faria dos seus ramos
o seu dossel nupcial. Tal e qual como fizera à mãe Isabel. Amáli não sabia
o que era. Mas, pelo nome, parecia-lhe coisa importante. Por isso,
por agora, certificava-se que a sua árvore crescia de forma segura.
Fez a sua higiene rapidamente, não fosse a mãe ou a avó ralhar,
mas antes de sair do seu quarto olhou-se no espelho. O que viu não lhe
agradou. Estava verdadeiramente descomposta. Ao adormecer chorara,
por isso os seus grandes olhos de cor de amêndoa estavam tão vermelhos
como bagas de romã. Os seus cabelos dourados, mal apanhados, estavam
deveras desgrenhados. Amáli era mais alta que Laila, mas menos alta que
a sua irmã Salomé. Era verdadeiramente a irmã do meio.
Naquele dia, mais do que os outros, tinha pressa. Apressadamente
cumprimentou todos com um rápido shalom. Não teve ordem de saída
sem tomar o sempre tão delicioso aruchat boker da mãe Isabel
e da avó Madalena.
Toda a sua pressa se fez notar quando, abruptamente, fechou
a porta atrás de si. Tal foi a força que a aldrava, em forma de estrela
de David, tão estimada por todos, soou tão alto que quase fez estremecer
o chão. Quase a correr atirou um brevíssimo beijo à aldrava, pois desejava
regressar sã e salva a casa. Era mais um antigo costume da sua família.
Aquele dia de aulas pareceu-lhe o mais longo de sempre.
O Koen ainda lhe perguntou se estava bem, ao qual respondeu prontamente
que sim. Amáli não queria que ninguém soubesse que tinha perdido
a sua bola e mais ainda não queria que ninguém, mesmo ninguém,
soubesse que a tinha perdido junto do MURO proibido.
Naquele dia menos feliz estava mais distraída do que era normal.
Por isso, ao sabor dos saltos da sua bola, encaminhou-se para junto
do MURO proibido. Já tinha pedido desculpa a Jeová por ter sido
tão desobediente. Mas não se sentia melhor. E pior ainda. Tinha perdido
a sua bola.
Mais rápida que um peixe-voador no mar, Amáli pisou
a Terra Proibida. Cautelosamente aproximou-se do MURO.
Aquele MURO era mais alto que o seu tio Abdão, que a árvore
mais gigantesca do quintal da sua pequena prima Dalila e mais alto que
a porta da sinagoga do rabi Jabriel.
Amáli não sabia o que se passava do outro lado do MURO.
No início não ouvia nada. Parecia que até o vento por ali
não soprava. Mas, de repente, ouviu uma sonora gargalhada.
Apurou melhor o ouvido aproximando-se do MURO. E não restavam
dúvidas. Alguém estava do outro lado. Se não fosse a sua bola, logo teria
fugido. Encheu-se de coragem. No início a sua voz era sumida,
mas de seguida tornou-se mais forte e bradou:
– Alguém, alguém está aí?!
– Não me chamo Alguém. – respondeu a voz da gargalhada.
– Perdoa-me, não sei o teu nome. – respondeu Amáli.
– Chamo-me Abdul como o meu pai e o pai do meu pai. –
– esclareceu Abdul.
Amáli repartiu o seu karich com o seu novo amigo. Foi um
verdadeiro banquete. De seguida, partilhou com o seu novo amigo
o líquido mais precioso naquelas paragens, que se encontrava bem
resguardado no fundo da sua lancheira. Ofereceu-lhe, generosamente,
como prova de amizade sincera, um pouco da sua ÁGUA.
Foi o início de uma bela amizade. No final da escola os dois amigos
– às escondidas – encontravam-se para brincar. Era o segredo mais bem
guardado em terras da Palestina.
Amáli amava muito a sua família, mas tinha um carinho muito
especial pelo seu avô Moisés. O seu avô Moisés era um exímio contador
de histórias. Nas noites amenas de Primavera, o avô fazia a delícia
de todos: contava histórias sobre a rainha de Sabá, as minas de Salomão,
mas a sua preferida era a de Noé e da sua arca.
As histórias do avô Moisés eram as histórias que o seu avô e o pai
do seu avô lhe contara. Os seus olhos pareciam dois faróis iluminados
quando as contava.
Mas, por vezes o avô Moisés ficava diferente: silencioso e pensativo.
Amáli chegava a ficar assustada só de olhar de soslaio para a cara
do avô Moisés.
No início, Amáli não sabia a razão. Mas um dia ouviu uma terrível
conversa de adultos. Sobre a cabeça do avô Moisés morava uma nuvem
negríssima chamada Shoah. Era tão carregada que por vezes parecia
que o avô vivia em plena tempestade chuvosa, fria e muito ventosa.
Mas sempre que via a Amáli, a Salomé e a Laila a tempestade quase
que amainava. O avô Moisés há muito que sabia que um milhão e meio
de estrelas brilhantes, o que era uma boa parte da abóbada celeste
conhecida por Amáli, eram crianças do seu povo.
Amáli ficou profundamente perturbada. Durante duas noites
e dois dias não dormiu, nem se alimentou. A mãe Isabel e a avó Madalena
ficaram alarmadas, quase que chamaram o rabi Jabriel.
Numa ninguém soube o que se passara com a pequena Amáli.
Para Amáli a tristeza do avô Moisés estava mais que justificada.
Passadas sete luas e sete sóis, para celebrar a amizade que os unia
Amáli trouxe um ugâ, feito pela avó Madalena, fofinho, ainda quente,
com sabor a chocolate.
– Ah! Que delicioso! – disse Abdul satisfeito – Amanhã vou trazer
um bolinho de balah feito pela minha querida mãe Aziza. É uma delícia!
Vais gostar. – sentenciou Abdul.
Em muitas coisas as suas vidas eram parecidas. Ambos tinham
uma família e um Deus que os amava.
Tudo correu às mil maravilhas. Até que um dia os dois amigos
esqueceram-se verdadeiramente das horas, parecia que o tempo tinha
sido engolido pelo próprio tempo. O Sol há muito que se tinha posto.
Amáli corria como uma flecha, mas o tempo não recuava e chegou mais
tarde do que nunca. Estavam todos muito preocupados. Até o rabi Jabriel
tinha sido chamado para acudir a tamanha desgraça. Para alívio de todos,
Amáli aparecera. Quando questionada, Amáli disse a verdade.
A partir desse dia, Amáli foi proibida de se aproximar do MURO
e de brincar com o seu amigo Abdul.
Longe um do outro, Amáli e Abdul sentiam um desconforto
no peito, como se estivessem prisioneiros num Mundo estranho e distante,
privados de tudo o que mais gostavam.
Amáli arrastava-se pela escola e, isolada, passava muito tempo
entristecida na biblioteca. Não que a biblioteca fosse um lugar triste,
mas porque podia estar sozinha e em silêncio. Não queria brincar.
Um dia, encontrou o livro “Declaração Universal dos Direitos da
Criança”, numa pequena arca, junto ao livro sagrado Tora, bem escondido
na última estante a contar da primeira janela verde da biblioteca.
Para ela logo se tornou mágico.
Amáli leu-o inúmeras de vezes, quase sem conta.
Algum tempo depois, no último dia da semana – shabat – para
dar sorte, antes de anoitecer e quando todos se preparavam para comer
a deliciosa matzá da avó Madalena, Amáli comunicou à sua família,
dirigindo um olhar especial à mãe Isabel, que não podia mais estar afastada
do seu amigo Abdul.
– “Tens direito a brincar.” – leu na perfeição o artigo nº 31.
E, antes que alguém se manifestasse, continuou…
– “Quando os adultos tomam qualquer decisão que possa afectar
a tua vida, tens direito a dar a tua opinião e os adultos devem ouvir
seriamente o que tens a dizer.” – recitou Amáli, quase como uma oração,
o artigo nº 12.
No início ninguém disse nada. Quando a mãe Isabel se preparava
para falar, Amáli muito segura de si, a pensar mais do que nunca no seu
amigo Abdul, verbalizou o artigo nº 30:
– “Se pertenceres a uma minoria, tens direito de viver de acordo
com a tua cultura, praticar a tua religião e falar a tua própria língua.”
Do outro lado, o silêncio foi, finalmente, quebrado pelo avô Moisés:
– O quanto são sábias as tuas palavras. – disse com toda
a sua doçura.
Com a ajuda da sua bola, a “Declaração Universal dos Direitos
da Criança” também se fez ouvir na casa de Abdul.
Só vos digo que, depois de tão valiosos argumentos, a família de
Amáli logo permitiu a amizade de Amáli e de Abdul. E a mesma atitude
teve a família de Abdul.
Os dois amigos estavam felizes e, como gelatina pegajosa, as suas
famílias também.
Em algumas ocasiões, a avô Madalena foi buscar a Amáli para
além do MURO, em Terra Proibida, porque esta, com a brincadeira,
não se lembrava do jantar, e vice-versa, a mãe Aziza foi buscar o Abdul
pela mesma razão. E nestas andanças, primeiro foi uma troca de receitas
entre a avó Madalena e a mãe Aziza. Depois o avô Moisés trocou três
preciosas sementes de trigo amarelinhas e estaladiças por três pés
de hortelã com sabor intenso a menta com o pai Abdul.
No início, as famílias estranharam-se, mas por vezes acontecem
verdadeiros milagres.
Às vezes, aconteciam pequenos arrufes de vizinhos. Como estes:
Certo dia, o pai Abdul plantou um pé de figueira muito frágil
na terra da Terra Proibida. A terra era tão fértil que o fraco pé de figueira
hipercresceu tanto, tanto, tanto que os seus fortes ramos quase que
se entrelaçaram nos ramos do cipreste da Amáli. A avó Madalena quase
ralhou com o pai Abdul. Não fossem os deliciosos figos amadurecidos
pelo Sol e temperados pelas nuvens, os mais doces e suculentos daquelas
paragens, adoçarem a boca à avó Madalena.
A mãe Isabel era muito zelosa pelo conforto da sua família e,
diga-se, um pouco friorenta. Quando quase todas as folhas das árvores
caíam e o Sol como quem também tem frio mal se via, logo pela manhã,
a mãe Isabel acendia uma generosa lareira. A mãe Aziza ficava aborrecida
com o cheiro a fumo que de assalto entrava por debaixo da porta.
O fumo da lareira da mãe Isabel quase que foi motivo de conflito.
Mas, quase como um segundo e mais forte assalto, a mãe Aziza cheirava
deliciada o cheiro em ponto de açúcar dos limoeiros, das laranjeiras,
das romãzeiras e das tamareiras do quintal da mãe Isabel.
E, com isto, a mãe Aziza sempre que se deparava com a mãe Isabel
cumprimentava-a com um caloroso salaam.
Com o tempo todos se esqueceram do MURO.
Há quem diga que o próprio MURO se esqueceu de si próprio
e que o esquecimento esqueceu o MURO. A tal ponto que o MURO
ruiu, lentaaaaaaaaaamenteee quase em silêncio.
Em verdade vos digo, dizem que Ninguém sentiu a falta
do MURO.
Glossário

Aldrava – batente da porta


Arca – encontra-se na sinagoga na parede Oriental direccionada para Jerusalém, dentro da arca estão
guardados os rolos da Tora
Aruchat boker – pequeno-almoço
Balah – doce árabe
Jeová – Deus
Karich – lanche da manhã
Koen – professor
Matzá – pão azedo sem fermento presente na Páscoa Judaica
Rabi – “meu mestre”, guia espiritual judeu
Salaam – cumprimento árabe
Shabat – festa semanal da renovação do lar e da família; realiza-se desde o pôr-do-sol de sexta até
ao pôr-do-sol de sábado; dia de repouso, oração, meditação e também de alegria
Shalom – cumprimento hebraico
Shoah – Catástrofe, vulgarmente conhecido como Holocausto, designa o genocídio levado a cabo pelos
Nazis durante a II Guerra Mundial.
Sinagoga – templo judaico sem imagens nem objectos no altar
Tora – Lei judaica que foi dada a Moisés por Deus. Está contida no Pentateuco, os cinco primeiros
livros da Bíblia
Ugâ – bolo

Ficha técnica

História escrita por Isabel Rodrigues Bravo


Ilustrações de Adam Kershaw
Paginação e design de Nuno Coelho

Trabalho resultante do workshop realizado por Isabel Rodrigues e Nuno Coelho na Biblioteca
Escolar / Centro de Recursos da Escola Básica 2, 3 – São João de Deus, em Montemor-o-Novo,
em Março de 2010, tendo como ponto de partida a exposição e livro sobre a Palestina “Uma Terra
Sem Gente Para Gente Sem Terra” (ISBN 978-989-96355-0-0) de Nuno Coelho e Adam Kershaw.
A apresentação deste projecto em Montemor-o-Novo teve a produção de O Espaço do Tempo.

http://avmn.drealentejo.pt http://www.oespacodotempo.pt http://www.nunocoelho.net

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