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Teatro Experimental Da Casa Do Povo De Corroios

A Ironia da Razão
De Tiago Durão

O Texto não é integralmente do autor Tiago Durão tendo sido baseado e contendo
passagens de textos de outros autores tais como Mário Sá Carneiro “ A loucura” ;
Paulo Coelho “Verónica Decide Morrer” ; Tragédias de William Shakespeare
Personagens
David

Leonor

Anjo

Benedita

Vos off (qualquer sexo)


ACTO I

David - (Em voz off) Leonor

Escrevo-te com saudade. Não sei por onde começar. Sabes que tenho sempre dificuldade
em começar um assunto. Gostava de poder dizer-te isto, agora, na tua presença, acho mais fácil,
mas ao mesmo tempo mais difícil. Bom, mas assim talvez seja melhor, é da maneira que não tenho
o azul mar e céu dos teus olhos pousados em mim como aves aturdidas, mas também é da
maneira que não leio neles as cores das emoções que te vão inundar a alma quando leres aquilo
que me vai na mente! É um facto que a distância nos tira uma parte significativa da comunicação.
Mas passando de vez ao fulcral da carta. Tenho tanta coisa a dizer-te, mas é tão difícil de começar.
Tenho medo sabes. Por tudo o que nos aconteceu tenho a vida presa por um fio, que depende de
tudo e de nada, deste acto e de ti. Para te escrever, estou a sugar as energias que me restam,
tanto as físicas como as outras, estou a queimar todos os neurônios até ao último. E por isto, por
isto é que é tão difícil, e peço que não desistas, que não desistas de cumprires a promessa que me
fizeste. Sabes que és tu que me alimentas o sonho, e o sonho comanda a vida, e se não for o
sonho a minha vida deixa de ter força, o meu ser deixa de ter energia, e só te vou poder ver para lá
da morte. Mas continuando porque as energias gastam-se, o tempo escasseia. Guardei a tua
imagem na memória, como se a lembrança do teu rosto estivesse gravada em solida pedra. Sinto
que o nosso amor existe, não existindo realmente, sinto que esta suspenso a vegetar, á espera que
qualquer um de nós o agarre e o reanime. Mas para que um agarre é preciso que o outro esteja
por baixo a servir de altura, para que o de cima o alcance. Faria de tudo para que nos
reencontrássemos, não em espírito só, como antes dizíamos, mas na plenitude da nossa matéria.
Por favor, leonor dá-me a oportunidade de voltar a viver, da-me a tua presença mais uma vês,
porque sem ela não vivo, apenas existo!

ACTO II

David - São tristes e breves as nossas vidas, mas a brevidade porque esta manchada de tristeza,
parece uma eternidade! E é durante esta eternidade efêmera, que suportamos as censuras, as
injustiças e os maus tratos de outros iguais a nós! Ai se soubéssemos o que esta para lá da vida, se
soubessemos o que esta para há para além da morte, mas é a dúvida, é a dúvida que faz de todos
nós cobardes! Qual era o homem que podendo criar a sua própria paz assassinado-se, quereria
viver neste emaranhado de pessoas, neste turbilhão de desiluções e miserias que é a vida? Mas é
a cobardia, é a cobardia de nada sabermos sobre o caminho que tomamos, que nos faz recuar o
pensameto e a razão! Mas então o que é mais nobre? Viver e suportar o suplício durante anos e
anos, até que alguém ou algo decida que a nossa hora chegou e nos corte a linha da vida, ou
Morrer, dormir, dormir e talvez sonhar! Isto obriga-nos a reflectir, mas é a reflexão que prolonga
por tão largo tempo a vida, e quando chegamos a uma conclusão a linha da vida é quase sempre
cortada e a morte é-nos servida nunca da maneira que desejamos que seja, ah, e quando
conseguimos tomar uma decisão, antes de sermos jantados pelos palidos germes da terra,
voltamos a refletir, porque ponderamos que talvez o erro nos tenha possuido a razão, e é assim
que a consciencia faz de nós cobardes, e as cores naturais que outrora pintaram a decisão agora
empalidecem perante o frouxo clarão do pensamento doentio e graças a isto tudo volta ao nada
da imaginação!

Benedita - Senhor, a dona leonor esta a porta e quer ve-lo

David - Mande entrar benedita, obrigado.

(sai benedita, entra leonor, tempo de silencio)

Leonor - Pediste-me para me veres de novo, cá estou eu, e comigo tudo aquilo que me deste!

David - Não, eu não, eu não quero nada do que te dei, se te dei, é teu, não queres é contigo, mas
não me devolvas!

Leonor - Já não faz sentido que fiquem comigo, porque quando mas deste, vieram com elas
Palavras compostas por tão doce alento, que as coisas se tornaram mais valiosas, agora perdido o
perfume e o sentimento retoma as coisas que outrora me deste.

David - Já te disse que não quero nada, só te queria ver mais uma vês, queria dizer-te cara a cara,
ai mas é tão difícil para mim, queria dizer-te que me sinto um cego, a quem fosse concedida a
graça de poder ver quando estás presente, mas para que ver-te, para cristalizar a memoria de ti e
quando me abandonares de novo regressar á solidão. Quis ver-te de novo para te fazer saber que
só tenho tido esta angústia de viver no desejo da tua presença. Presença essa que é uma imagem
que me atordoa a paz. Existo assim porque a aprendizagem da morte é um acto solitário e
demorado!

Leonor - Que horror. Não sejas tão sisudo com a vida!

David - Exagero? Não, Loucura? Talvez! Vivo em silêncio, porque a voz já não me acompanha. Que
maldição é esta? Amo-te para lá do infinito!

Leonor - David, já falamos sobre nós, e o nós não mais existe!

David - Não sei se aguento mais, estou no limite do sofrimento, quase a desprender-me do que me
liga á dimensão do ser!

Leonor - Adeus!

David - vai, vai, mas ao menos leva as coisas!

Leonor - Já te disse que não as quero, fica com elas, queima-as, ou olha para elas e lembra-te dos
nossos tempos!
David - é de memórias, é de memórias que falas? Ai essas danadas perseguem-me. Lembro-me da
luz dos teus olhos, quando me falavas de literatura! Dizias-me " os livros são uma coisa sagrada, e
ninguém pode elevar-se sem os seus ensinamentos", mas espera, já se quebrou o tempo dessa
memorias porque tenho outra que me inquieta o espírito. Lembro-me agora, quando partiste a
primeira vez, travaste nos meus olhos a tua despedida, testemunhei um gesto corpóreo de ti. Um
sorriso. E sabes porque é que recupero e vou recuperando o passado, porque preciso de ti em
mim. O meu presente não existe, não existe Leonor!

Leonor - Desculpa! Sei que estás triste, mas não posso ajudar-te mais a construir um presente, fica
com o passado, e constrói um futuro, mas vive o presente por favor!

David - Como?

Leonor -.

David - Não espera um pouco, não me digas ainda, dá-me mais uns segundos, para gozar do prazer
de saber o que me vais dizer a seguir.

Leonor - Vive, um dia de cada vez, sei que é difícil, mas tal como te habituas-te a mim, hás-de
habituar-te a viver.

David - sem ti?

Leonor - Não David, contigo mesmo! Adeus!

David - Espera, não te vás ainda! (agarra-a no braço, antes de sair, ela olha e ele larga) deixa-me ao
menos ficar com a luz do teu sorriso na memória!

Leonor - A desilusão tirou a luz ao meu sorriso e a graça aos meus olhos por isso, não te posso
deixar essa memória!

(David toca na campainha)

Benedita - chamou senhor?

David - Sim, acompanhe a dona Leonor a porta, ela está de saída!

Leonor - Não era preciso, bem sei que a casa é grande, mas os seus caminhos ainda não se
apagaram da minha lembrança! Adeus!

David - É pena serem só os caminhos da casa a ficarem na tua lembrança, porque os caminhos do
nosso afecto já se apagaram a muito! Mas enfim, estas coisas não se falam em frente de pessoas
alheias ao que tivemos!

Leonor - Não há mal que a Benedita oiça, ambos a conhecemos há muito, e ela é como um
túmulo. Mas enfim, Adeus!
David - Adeus! Benedita acompanhe a dona Leonor á porta e de seguida venha-me buscar a
chávena!

Benedita - Sim senhor, é para já!

Leonor - Vamos, vamos, o ar aqui morde e corta! (saem)

(David levanta-se e vai por música, senta-se no seu cadeirão e acende o cachimbo, fuma até
Benedita aparecer)

Benedita - Com licença!

David - Entre, entre, (Benedita pega na chávena e quando esta quase a sair David fala-lhe)
Benedita, também acha que o ar por aqui está rude e picante!

Benedita - sente-se uma aragem estranha, uma presença mórbida, desculpe meu senhor mas é o
que sinto!

David - Esta bem Benedita, vá lá a sua vida, obrigado, e nenhuma palavra do que viu e ouviu hoje
entre estás quatro paredes!

Benedita- O senhor sabe que sou como o povo quer o diabo, Cega, surda e muda!

David - bom vá lá, leve lá isso, que não quero de modo algum ver, alguém a morrer com uma
chávena na mão!

Benedita - Descanse senhor que a morte a mim não me assusta. (quase fora de palco diz em
aparte) como é que alguém se pode assustar a si mesmo? (sai)

(passado um pouco de tempo, depois de mais umas cachimbadas, David toca de novo na
campainha)

Benedita - Chamou senhor?

David - Sim Benedita, certifique-se que as janelas estão todas fechadas, o ar realmente é gélido e
cortante!

Benedita - permita-me algumas palavras senhor!

David - Todas Benedita, todas as que quiser!

Benedita - venho de um sítio, onde os antigos diziam, que quem sente esta aragem, sente a morte
a soprar sobre si!

David - Se soubesse que ia dizer isso, não a tinha deixado falar, vamos feche tudo e agasalhe-se,
não quero de modo algum que adoeça!

Benedita - Sim senhor, com a vossa licença!


David - Benedita espere, parece-me ouvir alguém a chama por mim! não ouve nada?

Benedita - Nada oiço a não ser as nossas vozes!

David - Bom, então vá lá e faça o que lhe pedi!

Benedita - Com certeza senhor!

David - Espere Benedita, que também vou já se faz tarde, e as vozes deviam ser sem duvida o doce
canto do sono a soar nos meus ouvidos!

Benedita - Faça favor senhor!

David - Obrigado Benedita! (saem)

ACTO III

Leonor - (tem uma foto de david a arder a sua frente) Arde, arde, arde como ardiam os
pensamentos na tua mente no tempo em que te amava! Será possivel, eu, uma pessoa como eu,
arrepender-se, espero que não seja arrependimento, não pode, não posso, mas dou comigo a
pensar em ti e em tudo o que vivemos, mas chega, basta, não posso continuar a amar uma pessoa
que diz que me ama e me substitui no momento seguinte pelas filosóficas questões da existência
humana! Basta, basta, basta! nunca pensei dize-lo, mas tudo contigo foi uma perda de tempo, de
ti restam apenas as memorias, que vou apagar, que vou queimar, como queimo agora as
fotografias que tiramos! Não mereces ser dono nem da minha carne nem da minha alma, mereces
apenas ficar ai, a apodrecer sentado na tua cadeira, em frente da tua secretaria, a fumar o teu
tabaco e a por em causa as razões da tua existência! Basta, basta, basta! Acho que nunca me
amaste, acho que só te habituaste a mim e a minha presença e agora queres-me de volta porque
sentes que te falta algo, mas não, não vou voltar, não te vou dar essa alegria, portanto vais passar
o resto dos teus dias ai sentado, perdido na tua razão, que agora está em delírio, e nos teus
pensamentos que outrora me roubaram o lugar! Ai como te amava, ai como te amei! Eu que bebi
o mel das tuas palavras, agora vejo-me substituída pelas tuas duvidas e questões filosóficas, que
hão de ser mais tarde a tua perdição!

ACTO IV

(Estão Benedita e David em cena. Benedita esta a limpar o espelho e a ajeitar os livros da pequena
estante, e David está sentado na sua cadeira recostado e relaxado mas com um ar pensativo)
David - Benedita, hoje acordei inspirado!

Benedita - Então senhor, a que se deve a inspiração?

David - Não sei Benedita, mas vou escrever um livro! umas páginas!

Benedita - Um livro senhor, e já tem um titulo?

David - O Porquê da vida!

Benedita - (aparte) indicado para quem vive com a morte ao lado!

David - Disse alguma coisa benedita?

Benedita - Não senhor, não disse nada, fiquei a pensar no titulo!

David - É no que penso todos os dias benedita, o porque da vida!

Benedita - Vou passar o pano por água, que já esta encardido.

David - Vá, vá benedita, que eu vou mergulhar no mar das palavras!

Benedita - Com licença! (sai)

David - (voz off) Escrevo àqueles que tal como eu sofrem todos os dias! aqueles a quem o fardo da
vida tem curvado! Aqueles que tal como eu se andam a arrastar entre o céu e a terra e todos os
dias perguntam porque! escrevo também para aqueles que por curiosidade gostam de ler as
reflexões e pensamentos alheios, na esperança de encontrarem um pouco mais de luz para
iluminar o seu caminho!

Mas agora passando a essência do problema, e começando pelo inicio, que as vezes não é
fácil, pois o inicio só depende de nós e por vezes não sabemos como começar um assunto! Todo o
homem tem necessidade de saber, de uma segurança que o conforte, de uma luz que o guie na
noite escura, de uma esperança que o console, e por tudo isto, a maior parte de nós, homens e
mulheres, nas horas mortas dos nosso dias, nos tempos de solidão das nossas vidas, olhamos para
dentro de nós e perguntamos a nós mesmos, o porque das coisas, o porque de existirmos, o
porque de morrermos! e arrisco a dizer que não há um só homem que não tenha vontade e
curiosidade de levantar o negro véu da morte para poder desvendar os seus mistérios sem perder
a própria vida! Mas facto é que há milhares de respostas para a mesma questão, e nenhuma delas
lhe responde realmente, porque cada um de nós tem de encontrar a sua resposta, tem de
encontrar a solução pessoal para estes problemas colectivos, e eu já encontrei a minha! A Morte!
Ao longo destas páginas, vou explicar o porque, não é uma razão digna para tão tenebrosa
solução, mas eu decidi morrer!

Benedita - (em crescendo, mas nunca gritando) Senhor......Senhor.....Senhor!

David - ai desculpe Benedita! Estava ai á muito tempo?


Benedita - Não senhor, queria só dizer-lhe que vou á praça, precisa de alguma coisa da rua?

David - Não Benedita, acho que não, obrigado!

Benedita - Bom então até mais ver!

David - Até logo Benedita! (Benedita sai, e David continua a escrever na maquina, até que começa
a sentir coisas e a sacudir-se e a ver coisas) Mortos…mortos. Cheira a mortos! (depois de se coçar
e sacudir, como se tivesse larvas no corpo, para e fica a olhar imóvel e vidrado para o ar, como se
visse alguém ou algo, passado um pouco começa um zumbido e batuques a soar na sala, o actor
deve explodir com a sua emoção da maneira que lhe aprouver, pode ser da forma de um grito,
pode ser a correr, ou simplesmente a levar as mãos a cabeça no sentido de não querer ouvir mais,
depois de soltar a emoção fica a olhar para o vazio, mas a frente dele esta um espelho que reflecte
a sua imagem) Vê, Vê, Vê ali! o seu aspecto acorda em mim tantas perguntas, Vê como olha para
nós, parece que nos quer falar! Vou ter com ele! Que medo pode haver…Larga-me…Deixa-me
ir…parece ser bom…não me fará mal! Já te disse que não sou louco! Sou tão são como tu, sente o
meu pulso, sente, encosta-o ao teu e sente a sua melodia!

Anjo – Loucura? O que é um louco afinal?

David – Um louco? Eu não sou louco!

Anjo – Um louco vive numa realidade á parte, é isso que é um louco!

David – E a realidade, o que é a realidade?

Anjo – É o que a maioria das pessoas achou que tem de ser! Foi o que ao longo dos tempos se
adaptou ao desejo colectivo!

David – Então a normalidade é uma loucura colectiva!

Anjo – E quem foge a essa loucura, a esses padrões é considerado anormal! É assim a nossa
sociedade!

David – Mas eu não sou um louco! Eu sou normal, mas a normalidade é uma loucura, então eu sou
um louco, mas eu não posso ser louco, porque sou normal, faço o que as pessoas fazem, mas
então o que é uma….

Anjo - Shhh! vais repousar e acalmar a agitação do mundo que és! Porque é isso que as pessoas
são, um mundo, vais calar todas as vozes e pensamentos da tua cabeça e vais dormir David,
dormir e sonhar!

David – (deita-se no chão em posição fetal, o anjo senta-se ao pé da sua cabeça e afaga-lhe os
cabelos) Sabes, as vezes ainda oiço ainda uma canção, lá ao fundo! E é Benedita, é a Benedita que
canta, é sempre ela, que canta, lá no fundo! É assim que ela canta, ouve, ouve, ouve! Dorme meu
menino a estrela-d’alva/Já a procurei e não a vi /Se ela não vier de madrugada/Outra que eu
souber será pra ti/Outra que eu souber na noite escura/Sobre o teu sorriso de encantar/Ouvirás
cantando nas alturas/Trovas e cantigas de embalar….

Benedita – (entra a meio da canção e fica a ver, quando este acaba de cantar, corre para ele e
assustada diz) Ai senhor que se passa consigo?

David – Era assim a canção, mas agora é tempo de dormir, dormir e talvez sonhar, para amanha
acordar e talvez morrer, porque a morte é o doce canto e a vida é a criança, e quando a criança
adormece, a única coisa que lhe resta fazer é sonhar!

Benedita – (pegando na cabeça de David e virando- a para ela mesma) Ai senhor, o seu espírito
aflora louco nos seus olhos! E da sua boca saem apenas palavras loucas e sem sentido! (aparte) A
dona Leonor há-de saber isto! (sai de cena)

David – Leva-me daqui, leva-me e deixa-me ser como tu, deixa-me ouvir aquilo que as pessoas
falam consigo mesmas na sua própria solidão!

Anjo – descansa, descansa, fecha os olhos e na escuridão da tua própria alma fixa o ponto de luz
mais brilhante e adormece! E adormecendo ouvirás as vozes da tua própria solidão!

David - Trovas e cantigas muito belas/Afina a garganta meu cantor/Quando a luz se apaga nas
janelas/Perde a estrela d'alva o seu fulgor/Perde a estrela d'alva pequenina/Se outra não vier para
a render/Dorme qu’inda a noite é uma menina/Deixa-a vir também adormecer… (adormece, o
anjo continua a afagar-lhe os cabelos)

(a luz vai apagando gradualmente)

ACTO V

(vai entrando uma música de valsa frenética, e fica muito alto, até que as luzes acendem sobre o
centro de palco, esta o anjo sentado na cadeira da secretaria, e está David a dançar no centro de
palco sozinho)

David – (a gargalhar e o anjo a rir-se) dançai, dançai todo o dia, dançai de alegria!

Leonor – Posso entrar?

David – Se conseguires por um pé afrente do outro, não vejo qual é o problema! E se entrares
chamar-te-ei Bela virgem, rosa de Maio, meu amor! (agarra-se a ela e começam a fazer valsas)
Dançai, dançai todo o dia, dançai de alegria! (ela empurra-o mas ele continua a rodar, e a
gargalhar, até a música parar, e depois, vai ter com ela mostrando quatro dedos) Quantos vês?

Leonor – (baixando-lhe os dedos) Quatro!

David – (gritando indignado) Quatro?

Leonor – (confusa) Sim quatro David!


David – (mostrando os dedos) Estás a concentrar-te no problema, e assim nunca verás a solução!
Esquece o problema! Olha, Olha, Olha para mim! E agora quantos vês?

Leonor – Qua….

David – Não olhes para os dedos, para mim, é para mim que tens de olhar, quantos vês?

Leonor – Cinco!

David – Cinco, cinco, cinco sim é uma boa resposta! Este cinco é aquilo que ninguém vê, ou que
ninguém quer ver! Ver estes cinco, é ver um mundo novo, um mundo novo, um mundo novo! (ele
sai de ao pé dela e vai á secretaria, onde tem um copo de tipo papel e esta a entornar) Leonor,
tens um penso?

Leonor – Um penso?

David – Sim para o meu copo!

Leonor – (muito espantada, com o grau de loucura) Não David, não tenho!

David – (tocando na campainha descontroladamente) Criada, criada, criada! (Leonor olha para ele
com um ar cada vez mais espantado) chamo-lhe criada, porque a morte é serviçal da vida! Mas
como todos os criados, também ela se vai rebelar contra o seu patrão, ou seja trabalha para ele
durante anos e anos, e no fim revolta-se e poe-lhe um fim!

Benedita – Chamou?

David – Quero um penso, traga-me um penso! (sai benedita, e ele volta a olhar para Leonor que
olha para tudo aquilo cada vez mais espantada) e se se vai revoltar então podemos trata-la da
maneira que quisermos, o tempo de lhe dar atenção e de a tratar bem já passou, agora gosto é de
lhe dar desprezo e de a tratar mal! Há-de rebelar-se sempre e sobre nós triunfará, não importa
como a tratemos!

Benedita – aqui tem meu senhor!

David – (tira-lhe o penso da mão) e agora saia! (Benedita sai, ele vai em direcção ao copo poe-lhe
o remendo e diz contra Leonor) estás a ver, agora já posso utiliza-lo de novo! (vai a beber para o
centro da sala de novo, e Leonor vai a secretaria, vê a folha na maquina de escrever e começa a
ler, ele despeja o copo de água por cima de si mas ela tão chocada que está não ouve nem vê)
Acabou-se, acabou-se o fogo, acabou-se a água! Apaguei o fogo, e agora não voltará nunca mais!

Leonor – (ela caminha até ele com a folha na mão) ele está entretido com a água em cima de si e
não lhe liga muito) O que é isto David?

David - (ele está entretido com a água em cima de si e não lhe liga muito, mas olha e responde) É
uma folha!

Leonor – O que está escrito!

David – São palavras, palavras e somente palavras!

Leonor – (pega-lhe na mão, limpa-lhe a água da cara, já com as lágrimas nos olhos) David!

David – (encostando o indicador aos seus lábios, em gesto de ordenar silencio) Shhh. Pode ser que
na curva do rio o mundo volte a mudar outra vês!

Leonor – O que e que queres dizer com isso David?

David – Lembras-te quando os teus seios cresciam a flor dos meus dedos, e tu prolongavas-te no
afago do meu corpo. Em deleite sereno do teu ser! Lembraste da volúpia tamanha dos nossos
actos e a humidade tanta dos nossos corpos, e da cama a ranger ou da cadeira a bater no chão de
taco do teu quarto. Lembras-te era como fogo que subia por nós acima!

Leonor – Basta! Não fales mais, enterras nos meus ouvidos essas palavras como se me enterrasses
punhais na carne!

David – (em crescendo) Lembras-te de termos feito amor na mesa da cozinha?... Lembras-te
daquelas férias que tivemos nos Alpes e lembras-te de certeza de termos feito amor deitados
naquele chão branco de neve... Lembras-te como nos rimos às gargalhadas?... E daquele dia que
fizemos amor no carro?... A meio deste um grito porque aleijaste a perna no travão de mão? Sim,
porque não te haverias de lembrar, se eu me lembro tão bem... E daquela outra vez na praia,
escondidos numa duna, quando ficaste cheia de areia…Lembras-te dos meus beijos quentes e
húmidos…era sempre bom, doce, quente, por vezes abrasador... Disseste-me tantas vezes que
acendia em ti o fogo da lareira sempre acesa... eu sei que fui sempre “louco” por ti mas tu sempre
gostaste de mim assim... eu sei que sim... eu sentia que tu gostavas de mim... tu também eras
louca, sabias?... Sim, a tua loucura incendiava-me e quando nos rebolávamos na cama parecia que
tudo se partia e a cama chiava...

Leonor – Basta….

David – (no ultimo tom do crescendo) Lembras-te quando mergulhava no mar dos teus cabelos,
quando te beijava o corpo e te mordia os seios, quando te beijava as pernas e te dizia que a tua
carne parecia querer estoirar, quando tu me pegavas nos dedos e te prostituías para mim!

Leonor – (dá-lhe um estalo) Basta! (sai de cena num pranto sem igual)

David – Sabes gostava que morresse toda a gente…todos os animais e só eu ficasse vivo!

Anjo – Para que David ?

David – Para experimentar o medo de me ver sozinho no mundo rodeado de cadáveres...(O Anjo
ri-se as gargalhadas e logo diz David) Do que te ris? Falo asserio!
Anjo – Da loucura David, da loucura!

David – (Diz com indignação) Loucura?! Mas o que é afinal a loucura? Um enigma…Por isso mesmo
é que ás pessoas enigmáticas, incompreensíveis, se dá o nome de loucos! A loucura no fundo é
como tantas outras, uma questão de maioria….A vida é uma merda….é uma convenção: isto é uma
mão, isto uma camisa, unicamente porque se determinou chamar a isto uma mão e a isto uma
camisa….A maior parte dos homens adoptou um sistema determinado de convenções…É a gente
de juízo da nossa sociedade…Mas depois, há outros que por verem o mundo de forma diferente,
por verem os objectos mais vulgares com outros olhos, por lhes chamarem outros nomes e dar-
lhes novas utilidades, por encararem a vida de forma diversa, e por estarem em minoria é certo,
são loucos e doidos….(pausa longa e depois volta ao pensamento) Mas se um dia…se um dia a
sorte estivesse com os loucos….se o seu numero fosse superior, aos ajuizados, então estes
ajuizados é que passariam a ser os loucos…..Em terra de doidos, quem tem juízo é doido!

Anjo – E ainda dizem que os loucos não pensam!

David – Nas obras de Shakespeare, meu caro, são os loucos e os bêbados quem pensa melhor!

Anjo – E já dizia o Wilde, que o Teatro é mais real do que a vida!

David – Sabes eu acredito na raça!

Anjo – Fascina-me mais a decadência!

David – Então e a arte?

Anjo – É uma doença!

David – O amor?

Anjo – Uma ilusão!

David – A religião?

Anjo – Uma invenção da moda para substituir a fé!

David – És um céptico?

Anjo – Nunca o cepticismo é o principio da fé!

David – És o que então?

Anjo – Definir é limitar!

David – Hein?

Anjo – Sou um ser louco, tudo em mim é loucura, visto que a loucura é um enigma e eu acredito
que a névoa torna qualquer coisa, por mais hedionda que seja, encantadora!
David – Sabes, acho que procriar é uma malvadez! É um acto de sofrimento, ao nascer, o filho,
tortura, martiriza a mãe, com as dores que lhe dá, e algumas das vezes até a mata! E ao chegar ao
mundo, Não ri! Chora, chora e grita! Procriar é um acto de malvadez, é trazer ao mundo
desgraçados…O filho deveria amaldiçoar os pais, Porque foram eles que o condenaram á
existência! Enfim!

Anjo – Mas é para isso mesmo que serve a morte, para aliviar a dor da existência!

David – Se a humanidade fosse inteligente, então acabaria com todos os homens! Para mostrar a
sua suprema superioridade! demonstraria com tal acto que tinha mais força que o seu próprio
criador! Destruiria a sua obra infame!

Anjo – Loucura David, loucura.....

David –queres um café?

Anjo – Quero David quero!

David – Benedita...Benedita (chega benedita e diz ele contra ela) Não ouviu a primeira? São dois
cafés e traga rápido, os dois fortes, e um deles em caneca!

Benedita – Sim senhor com certeza! (faz menção de sair)

David – (extremamente irritado) Já a mandei sair por acaso! Traga-me tabaco também!

Benedita – Sim meu senhor....Com licença...

Leonor - Não Benedita, não traga nem café, nem tabaco!

David – Como?

Leonor – Não posso permitir que continues a envenenar-te com cafés e tabaco!(Sai benedita) O
teu Cérbero anda doente David! Temos de o tratar! Precisamos de o curar!

David – Chamo a essa doença, sofrimento. Já não sei quem sou, mas isso também não interessa!
Nem sequer sei a quantos estamos, mas terá isso importância?... Que valor terá o dia em que me
encontro se não te encontro num só momento?... Desespero neste tormento de sentir a tua falta
e não te sentir a presença... Como poderia sentir, se tudo o que sinto é dor?

Leonor – Mas Eu estou aqui David!

David - Dizem que recordar é viver... oh meu amor como pode ser viver se cada vez que me
lembro, sinto que estou a morrer…. (pausa longa)…só tu me faltas e nada mais desejo que não seja
o que um dia fomos….Senta-te Leonor senta-te aqui comigo e deixa-me pousar a minha cabeça
nas tuas pernas…. E adormecer, mais uma vês ao teu lado, deixa-me sentir mais uma vês a
felicidade de te abraçar, de te sentir nestes braços que não te sentindo te lembram, te tocam, te
apertam... Lembras-te de quando adormecíamos assim? Como era bom acordar a meio da noite
com os braços dormentes e sentir o calor do teu corpo abrasar este meu ser que de tanto te
querer te perdeu... oh meu amor, como te amo... (ela pega-lhe na cara, como se o quisesse fazer
parar e ele diz contra ela) E agora pegaste-me na cara, deverei eu beijar-te, ou foi apenas o teu
desejo de sentires minha face com os teus dedos? Sinto que as nossas cara se aproximam e de
novo se fundem numa só! (beijam-se, quando acaba o beijo e se separam as caras, e ele diz contra
ela) Leonor!

David – Sim David…Encontrei a maneira de mostrar que te amo, a maneira que nos vai permitir
continuar juntos além-mundos, seguros pela imortalidade do momento!

Leonor – Como David?

David – (Levanta-se, pega numa arma, e diz-lhe) Sabes o que é isto?

Leonor – David Pelo amor da graça, guarda a arma…Não me vais matar…..

David – (interpelando-a) Shhh, Não vai doer, não chores! Vou-te matar o corpo para te dar mais
vida á alma, vou-te dar a eternidade, fazer parar o tempo! (agarra-a) Um homem ama uma mulher
porque ela é bonita, ama-a por causa dos seus cabelos, por causa da sua boca, dos seus olhos, o
homem não ama a mulher, ama-lhe o corpo! Nenhum homem ama um corpo sem fogo, um corpo
de carne mole, ninguém beija um rosto sem nariz, uns lábios contraídos na crispação de uma
ferida mal cicatrizada…Pois bem fosses tu cega, fosse o teu corpo inteiro uma chaga, eu amar-te-ia
com o mesmo amor que te amo…com o maior amor…Sim. Eu amo-te acima de tudo…Eu amo os
teus beijos…a tua carne…..o enlaçar das tuas pernas nas minhas…mas que isso vale? Se o que amo
é a tua alma…vou-te provar que não minto….Beija-me…Dá-me a tua boca pois preciso de
coragem…(ele beija-a e enquanto a beija atira sobre ela, ele tem uma mão na arma e a outra a
apoiar-lhe a cabeça, e num acto com ternura pousa-lhe a cabeça no chão e diz para si mesmo) Vês,
não custou nada meu amor! Senti um sabor amargo nos teus lábios…Seria o sabor do sangue? Mas
talvez seja o sabor do amor! Dizem que o amor tem um sabor amargo…Mas que importa isto?
Morreste com a tua boca em comunhão com a minha! Perdoa-me por te ter amado tanto…
perdoa-me por não conseguir deixar de te amar… perdoa-me por te levar comigo no meu
coração… adeus, meu amor…E eu, eu vou também desprender-me pelo meu sopro, levar-me na
delicadeza de mim, ascender suavemente pela distancia da minha imagem, vou ser pureza de
mim, vou deslizar pelo tempo, entre milhares e milhares de rebentos de luz salpicada pelo espaço
negro, vou percorrer constelações inteiras pelas nuvens de gás e poeiras onde nasceram as
estrelas. Enfim vou ao teu encontro, para poder levitar na leveza de ti….(dispara sobre si e cai
sobre ela a luz apaga-se)

Vos off – Meditem um pouco em tudo o que viram…Por mim digo-o apenas…David Horrorizava-se
com as próprias duvidas, as duvidas sobre o mundo, sobre os homens, sobre ele próprio, e tornou
esse horror numa obsessão, mas na realidade como é desolador pensar-se que nascemos, que
vivemos, que aprendemos e construímos uma vida, que sofremos para mais tarde morrer, vimos
ao mundo para desaparecer e mesmo assim não podemos desaparecer como queremos, tomando
em conta a ordem natural da vida claramente! David era um pobre louco, um desvairado…mas
quis provar o seu amor, e para isso decidiu praticar um crime. Todos o condenam, decerto. No
entanto a sua prova, embora de um egoísmo atroz, não fosse a mais concludente, a maior prova
de amor como lhe chamava. Ele possuía a criatura ideal, pois bem, e por isso, destruiria toda a sua
beleza, e o seu amor não diminuiria, muito pelo contrario, morto o corpo, amaria a alma somente
com a sua alma.

São tudo loucuras eu sei. Apenas num crânio desvairado e em delírio, podem nascer estes
pensamentos. Nós os homens de juízo, não pensamos nessas coisas, na verdade nós não
pensamos, aceitamos as coisas como nos dão, fazemos da vida uma rotina, isto porque nos
habituamos. David nunca se habituou, Foi um desgraçado. Concordam todos que é um assassino,
mas peço que não guardem da sua memória uma náusea, não lhe chamem assassino, ele afinal de
contas era um louco, tenham piedade, muita piedade deste pobre desventurado. Diz a
humanidade que os loucos são irresponsáveis!

A Loucura…A Loucura!

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