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A TRANSCENDENCIA DO EGO Esboco de uma descricao fenomenolégica a maior parte dos filésofos, o Ego é um “habitante” da iéacia, Alguns afirmam a sua presenga formal no seio lebnisse» como um principio vazio de unificagko. Outros ~ wi” psicélogos na maior parte — pensam descobrir a sua preseng: material, como centro dos desejos ¢ dos actos, em cada momento, da nossa vida psiquiea, NOs queremos mostrar aqui que 0 Fg0 nl consciéncia nem formal nem materialmente: cle esté fora, ino mundo; 6 um set do mundo, tal como o Ego de outrem. Fe IMO EUEMM A) TEORIA DA PRESENGA FORMAL DO EU, Devemos concordar com Kant que «0 Eu Penso deve poder acompanhar todas as nossas representagdes». Mas devemos con df que um Eu habita, de facto, todos os nossos estadus de conscigncia ¢ executa realmente a sintesc suprema da nos expe: 44 A Transcendéncia do Exo rigncia? Parece que isso seria forgar o pensamente Kantian, Sendo © problema da critica un problema de direito, Kant nada afirma sobre a existincia de facto do Eu Penso. Parece, ao conteaio, que ele viu perleitamente que havin momentos de conseidiieia sem ", pois cle diz: edeve poder acompanhar». Trata-se, com efeito, dle determinar as condighes de possibilidade da experincia. Una dessas condigées 6 que eu possa sempre considerar a minha percep= ‘so ou omeu pensamento como men: cis tude. Mas hi uma tendéa- cia perigosa da filosofia conlemporinea ~ da qual encontearemos asmarcas no neo-kantismo, no empirio-criticismo e num intelectus Jismo como o de Brochard ~ que consiste em realizar as condigéies de possibilidade determinadas pela critica. & uma tendéncia que Jeva cerlos autores, por exemplo, a perguntarem-se que pode ser a et inscenilental". Se pomos ‘consciénei constitui a nossa consci¢ncia empirica ~ como um inconsciente Mas Boutroux, nas suas ligées sobre a filosofia de Kant, mostrava 4 a verdadle destas interprotagées, Kant nfo, se preocupou aunca com o modo como se consttui de facto 4 conseiéncia cmpiriea, ele pao a déduziu, ao mod cum _provesso neo-platénico, de uma consciGncia_superior, de_uma_ hipor-conscigncia constituinte. A Gonsciéncia transcendental é para cle somente 0 conjunta das Condli= Ges necessirias para a cxisténcia de uma consciéncia empiric: Por conseguinte, realizar o Eu transcenclental, fazer dele o compa heizo insepardvel de cada uma das nossas "conscigneias", é julgar a respeite do facto © nio a respeity do direito, & colocar-se num ponto de vista radicalmente diferente do de Kant. Ese, todavia, alguém pretende apo bre a uni dade necosicia a 2 odo gu. fazem dl» consciéncia transcendental um inconsciente pré-empirieo. Se concedemos a Kant a questo de dircito, a questo de fi nao esté igualmente decidida. £, portanto, conveniente formulé- aqui nitidamente: © Eu Penso deve poder acompanhar todas smo :mpregarel aqui o terme “eonsciéncia® para tod "Bewusstscin", que sigaificr a0 mesmo temp 2 consciénela tal, a mina, & cada momento dessa consciéncis. A exjressio "esta de conseitucia® Ppacoce-me inexacta, por causa dt passive que ela itera na conse 2 palavea lems Esboco de uma Descrigao Fenomenolégica as hossas representayies, mas acompanha-as de facto? Suponhiamos, além disso, que uma certa representagio A passa de um certo estado onde 9 Eu Penso no a acompanha para um estado onde o Ew Penso a acompanha ~ resultaré para ela uma modificagio de estrutura ou antes pormanccerd cla inaltcrada no sou fundo? Esta segunda pergunts leva-nos a fazer uma terceira: Eu Penso deve poder acompanhar todas as nossas representagées; mas deve entender-se com isso que a unidade das nossas representagics 6, directa ou indirectamente, reatizada pelo Eu Peso ~ ou deve entender-se antes que as representagiis de uma consciéacia devem estar unidas e articuladas de tal modo que um "Eu Perso" verifiea- tivo seja sempre, a scu propésito, possivel? Esta terceira pergunta parece fazer-se sobre o terreno do dircito ¢ abandonar, nesse ter eno, a orlodoxia kantiana, Mas trata-se, na realidade, de uma questio de facto, que so pode formular assim: 0 Eu que nés Shcontramos na nossa consciéncia é tornado possivel pela unidace SSiniGtica das nossas representagoes ou é antes ele que unifica de facto as representagdes entre si? Se nés abandonarmos todas as interprotagéies mais ou menos forgadas que os neo-kantianos fizeram do "Eu Penso” ¢ se, no entanto, quiscrmos resolver o problema da existéneia de facto do Eu na conscincia, encontramos no nosso caminho a fenomenolo~ gia de Husserl. A fenomenologia é um estudo cientifica ¢ nia Sxitico da conscisncia. O sou procedimento essencial é a intuicio, A intuigio, segundo Husserl, pie-nos na presenga da coisa. Deve Sttendorse que a fenomenologia é, portanto, wma sidncia de-facto que 0S problenias que ela pq” sio problemas de facro,2 como i usser] a denomina alias 38 pode ainda uma eiéncla descritiva, Os problemas das relagies do Eu com a ‘onsciéncia io, portanio, problemas oxistenciais. Husscrl recn- contra & aprecnde a consciéncia transcandental de Kant através da Exoys]. Mas esta conscigncia ja niio é um conjunto de condigées: J6gicas, 6 um facto absoluto, Nao 6 ja também uma hipdstase do direito, um inconsciente flutuando entre 0 real ¢ 0 ideal. E uma consciéncia real, acessivel a cada um de ngs a partir do momento 2 Mussel dria: uma cigneia de essénclas. Mas, para 0 ponto de vista em que ‘Ros colocamos, isso vem dar af me 46 A Transcend cia do Kio fom que exccuta a “redugio”. Mantém-se que & mesmo cla que constitui a nossa conscigncia empirica, essa_consciéncia mundo", essa consciénei cu" psiquico ¢ psicofisico. és eremos de bom grado, pela nossa parte, na exist@ncia de uma cons” nia constituinte. Seguimos Husserl em cada uma das suas aclmi= ravois descrigées, em que ele mostra a consciéneia transcendental com um Constituinds 0 mundo ¢ aprisionmulo-se na conseiéneia empirieas estamos persuacidos tal comma cle que o nosso eu psfquico © psicott- sico & umn objecto transcendente que deve ficar ao aleance ds exon 6s fazemo-nos a seguinte persunta: nio ¢ suficiente sic ou psiquico c psicofisicn? Sera preciso duplict-lo_porvmEu (Gi Gonscigneia absoluta? Véem-se as con- 18, que oe prefere, "pré-pessoal”, cle nda fem Iu; 29, que 0 Bu nio aparece seno a0 nivel da humanidade ¢ mio & seniio uma face do eu, @ face activa; 38, que o Eu Penso pode acompanhar todas as nossns repren senlagies porque surge sobre um fundo de unidade que cle contribui para criar ¢ que é esta unidadle prévia que, ao contrario, © torna possivel; 49, que seria licite perguntar se @ personalidade (mesmo a petsonalidade abstracta de um Eu) & um acompanhante neces: de uma conseiéncia ou se so nao pode, conecber conscién absolutamente impessoais. ‘Oca Husserl respondet A pergunta. Depois do ter considerado que 0 Eu [Moi]$ ofa uma produgto sintétien © transcendente cconscitncia (nas Logische Untersuchungen), retornon, nas Iden. tese ehissica de um Eu transeendental que estaria como que por detras de cula conseisneia, que seri uma estrutura necess: Sartee distingue entre 0 Je, com plo das seins, © 0 Mei, coma pila dos tela, Porque essa distingin no pate ser dada em portupués pelo recurso a Aiuas palavas diferentes, uma ver i tanto ma conno wero cas, se MHC 8 tradugdo por Eu, adopkdnnas o seBiate procedimenta: sempre que, no texto Sriginal, aparece Je, teahizinios simplesmente pox Eu, sem dar qualquer outa aficngie suplementar; sempre que 6 Mof que ocorre. inserimos entze parén~ Aeses recles, @ seguir tradugho, a expresso original, coma € aqui 0 cas (dor) Leen Esboco de uma Descrigdo Fenomenoldgica 47 dlossas conscigncias cujos rains (fehsirah!) cairiam sobre cla fenémeno que sc apresentasse no campo da atengio. Assim, ‘conscigneia transcendental torna-se rigorosamente pessoal. Esta cconcepcio & necessiria? E ela compalivel com a definigio que Husserl di da consciéncia? . Cré-se ordinariamente que a existéncia de um Eu transcen- dental se justifica pela necessidade de unidade e de individuaticade dla consciéncia. B porque todas as minhas percepgbes © todos os meus pensamentos sc referem a este foco permanente que ncia esta unificada; é porque posso dizer a minha consciénc porque Pedro Paulo podem também falar da sua consciéncin que estas consciéncias se distinguem entre si, © Bu é produtor de int rioridadc. Ora 6 certo que a fenomenologia no tem necessidadle de recorrer a este Eu unificador ¢ individualigante. Com efeito, a ‘congciéncia define-se pela intencionalidade, Pela intencionalicade, ‘la transconde-se a si mesma, cla unificarse escapando-se, A ‘unidade da miriade de consciéncias activas pelas quais juntei, junto ¢ juntarci dois com dois para fazer quatro 6 0 objecto trans- ccendente “dois mais dois sio quatro". Sem a permanéneia desta verdade eterna, seria impossivel conceber uma unidade real © haveria tanlas operaghes irredutiveis quantas as_conscidncias operatérias. £ possivel que os que eréem sor "2 mais 2 sio 4" o comteiido da minka representagio sejam obrigados recorrer a um principio transcenlental © subjective de unificagio, o qual seria tentio o Eu. Mas, justamente, Husserl nfo tem necessidadle disso. O ‘objecto € transcendente As consciéncias que o apreendem ¢ & nele aque se encontra a sua unidade. Dirio que, todavia, 6 necessario win io de unidade na duragdo para que 0 fluxo continundo das as seja susceptivel de por objectos transcencdeniss fort Mele, E ncocssirio que as conseiéncias sejam sintexes porpotuan thie consciéncias passadas e da consciéneia presente, oxncto, Man coracteristico que Husserl, que estudow em A Conserdneta dnterna do Tempo osta unificagio subjectiva das conseiénelms, ne teulta nunca recorrido a.um poder sintético do Bu. 2 a conselénetn que se unifica a si mesma o, concretamente, por um jogo de Int jionalidades "transversais", que sfio refengOes concrotus ¢ routs dns consciéncias passadas. Assim, a conseiéncia remote perpotunmente para si mesma, quem diz "uma consciéncin" diz toda a conselénelt ? 2 @ » a a » a 2 2 2 2 2 8 A Transcendéncia do Ego © esta propricdade singular portence & propria conseigncia, sejam quais forem, para além disso, as suas relagécs com o Eu. Parece que Hussert, nas Meditacdes Cartesianas, conservou intcicamente esta concepgio da conscigncia unificando-se no tempo. Por outro do, a individualidade da consciénci: i natureza di consciéncia. A consci¢ncia nio pore ser (como a substincia de Espinosa) seng Trmcsma, Gia consti- tui, portanto, uma totalidaue sintéticn ¢. iad ieieamente isolada das outras tolalidades do mesmo tipo co Eu nao pode ser, cvidentemente, senfio uma expressdo (e_nia_umacondicia) desta incomunicabilidade ¢ intcrioridarle das consciducias. Podemos Portanto responder sem hesitar: a concepcio fenomenoldgica da consciéneia toma totalmente indtil o papel unificante e individua~ lizante do Eu. E10 contrario, a cons ja gue torna possivel a unidade © a personalidade do meu Ey, O Eu iranscendimal nko tem, poitiite,razio-de ser. Mas, além disso, este Eu supérfluo ¢ nocivo. Se cle cxistisse, atrancaria a conscicncia de si mesuiaailividi-hia, insinuaeen em cata censciéneia como uma(amels paca. Bis tameonteneat a morte da conscigneia. Com feito, a existéncia da consciéneia & um absoluto porque a conscigncis estd consciente deta mesma. Isto quer dizer que 0 tipo de existéncia da consciéncia 6 0 de ser cons ciéncia {de)si. E ela toma consciéncialde|si enquanto ela é cons- Giéncia de um objecto transcendente. Tudo ¢ pocianto clato e licido na conscigncia: 9 objecto es a cla com a sua.o dade cargcteristica, mas cla, ci € pura e simplesmente conseitneia seidncla.desso ohjecto, ¢.a Joi da sua oxistincia, E pro- ‘Ciso acrescentar que esta consciéncia de consciéncia — fora os casos de consciéneia reflectida, sobre os quais falaremos daqui a pouco ~ nao € posicional, o que quer dizer que a consciéncia nio para si mesma o sou objecto. O seu objecto est, por naturezn, fora dela © é por isso que, por win mesmo acto, ela 6 pe e 0 apreende Ela mesma nio se conhece seniio com interioridadle absolute Designaremos tal consciéncia como conscigncia div primeiro grau ou irreflectida. Nés perguntamos: ha lugar para um Eu numa (al consciéncia? A resposta ¢ clara: evidentemente que nie, Com efeito, este Eu nio € nem 0 objecto (pois que cle é interior por hipstese) nem também algo da consciéncia, pois que cle & qual- Esbogo de uma Descrigéo Fenomenolégica 9 quer coisa para a consciéneia; néo uma qualidade transhicida da consciéncia, mas, cle algum modo, um habitante. Com efeito, o Eu, com a sua personalidade, por mais formal © abstracto que 0 suponhamos, & como que um centro de opacidade, Ele & rclatiyy- mente av ou coneroto ¢ psicofisico.» que o ponto & relativamente 2s i165 dimensies: 6 um Bu [Moi] infinitamente contrafdo, Se, por conseguinte, s¢ introduz esta opacidade na consciéncia, destruimos com isso a tio fecunda definigio que It pouco dévamos, ct lizamo-la, obscurecemo-la, cla ja no 6 uma espontancidade, ela {raz nela mesma como que um gérmen de opacidade, Mas, alc disso, somos coagidos a abandonar esse ponto de vista original © profundo que faz da consciéncia um absoluto néo substancial, Uma consciéncia pura é um absoluto muito simplesmente porque & consciéncia dela mesma. Ela permancce, portanto, um "fenémeno" no sentido muito particular em que "set" e "aparvcer” so apenas uum. ‘Toda cla 6 ligeiceza, toda cla 6 translucidez. E nisso que 0 nO. Mas se 0 Eu 6 esse Eu apace 6, de um Cogito le Huser! difere tanto do Cogito cartesia uma estrutura necessiria da consci mesmo lance, elevado a0 nivel de um absoluto. Bis-ngs, portanto, a presenca dle uma ménada, E é preci ss, infelizmente, A.grientagao do novo pensamento. de. Husserl (ver as Medifacars “Cartesianas). A cousciéncia tomou-se pésada, ela perdou esse ‘cardcter.quc fazia dela p cxistonte absoluio a fara de inexisiéncia, Ela 6 pesada e ponderdvel. Todas os resultados da fenomenologia ameagam entrar em ruina se 0 EX nio 6, do mesmo modo que 0 mundo, um cxistente relativo, quer dizer, um objecto para a cons cidneia. B) 0 coGiro COMO CONSCIENCIA REFLEXIVA «Eu penso» kantiano ¢ uma condigio de possibilidade. Cogito de Descactes ede Husserl 6 a verificagio de um facto. Falou-se da "necessidade de facto" do Cogito ¢ essa expression patece-me muito apropriada. Ora é inegavel que o Cogito é pos- soal, No "Ew penso" ha um Eu que pensa. Atingimos aqui o Eu na su pureza ¢ 6 precisamente dé Cogito que uma "Egologia™ deve _patlir. O facto que pode servir de ponto de partida é, portanto, este: 50 A Transcendéncia do Ego dle cada vez. que nis apreencdemas © nosso pensamento, seja por uma intuigio imediata seja por uma intuigio apoiada na meméria, rads apreendemos um Fi do pensamento apeeendiin, ¢ que se dé, além disso, como transcenddendo esse pensamento © todos 08 outros pensamentos possiveis. Se, por exemplo, quer Jembrar-me de tal paisagem vista ontem no comboio, éme pos sivel fazer voltar a recordagio dessa paisagem enguanto tal, mas pposso tambénr recordar que ew via essa paisagem. Fo que Husserl chama, em A Consciéncia Interna do Tempo, a possibilidade de reflectir na recordagao. Dito de outro modo, eu posso sempre operar uma qualquer rememoragio sob 0 modo pessoal € Lat aparece no mesmo instante, Tal é a garantia de facto da afiemagio Kantiana de direito. Assim se tora compreenstvel que 20 hit sequer uma dis minhas consciéncias que cu ni apreenda como provida de um Bu. Mas & necessirio recordarmos que todos 0s autores que descreveram 0 Cogito © apresentaram como uma operagio refle- a, quer dizer, como uma operagio de segundo grat, Fste Cogito Gexecutado por uma conscigncia dirigida sobre a consciéncia, que toma a consciéncia como objecto. Entendamo-nos: a certeza clo Cogito 6 absoluta pois, como 9 diz Musser, hé uma unidade indisso- Havel da consciéncia feftetiinte © da consciéncia reflectida (a tal onto que a conscincia reflectinte nao poderia existir sem a cons- Ciéncia reflectida). Nao é menos verdade que estamos na presenga dle uma sintese de duas consciéncins, das quais uma é conscincia da outta, Assim, 0 principio essencial da festomenologia, «toda consciéncia & conscitnci Ora a minha consciéncia reflectinte nfo se toma cla mesma como objecta quando cu executo o Cogito. O gue ela afirma diz respeito A conseincia reflectida, Tanto quanto a minha consciéncia reflectin- te & conscigncia dela mesma, cla 6 consciéncia ndo-pesicional. Ela nao se torna posicional seni ao visar a conseiéneia reflectida, a qual, ela mesma, nfo era consciéncia posicional de si antes de ser reflectida, Assim, a consciéncia que diz. "Eu penso” nio é procisa~ mente aquela que pensa. Ou antes, nfo 6 0 sew pensimento que cla pide através deste acto tético. Temos, portanto, razdes para pergun- tar se 0 Eu que pensa 6 comum as duas consciéncias sobrepostas de qualquer coisa», estd salvaguardado, Esbogo de uma Descrigao Fenomenolégica a ‘ou se cle nfo é antes o da consciéncia refloctida, Toda consciéncin reflectinte 6, com efcito, neta mesma, irreflectida © & preciso um acto novo do terceiro grav para a por. Nao hé aqui, por outro lado, regressfio a0 infinito, j4 que uma consciéneia no tem, de mole nonhum, necessidade de uma consciéneia refleatinte para ser cons: ciéncia dela mesma, Simplesmente, ela nio se pie a cla mesma ‘coma seu abjecto. Mas nio seria precisamente o acto reflexive que Faria naseer 0 Eu [Moi] na conseigncia reflectida? Assim se explicaria que todo © qualquer pensamento apreendido pela intuigto possui um Ex, sem cairmos nas dificuldades que 0 nosso capitulo precedente ass nalava, Husserl é 0 primeiro a reconhecer que um pensamento irte~ fIcctido sofre uma mutagio radical ao se tomar reflectido. Mas dover-se-4 limitar esta modifieagio a uma perda de “ingenuidade"? © cssencial «ka mudanga nio seria a aparigio do Eu? E preciso, evidentemente, recorrer A experiéncia concreta ¢ esta pode parccer impossivel porque, por definicao, uma experiéneia deste género reflexiva, quer dizer, provida de um Eu. Mas toda consciéncia jnreflcctida, sendo consciéncia nfo-tética dela mesma, deixa uma lembranga niio-tética que se pode consultar, Basta para isso proce rar reconstituiro momento completoem queapareceu esta conscién= tia irreflcctida (0 que &, por definicio, sempre possivel), Por exes plo, cuesiava, mesmo agora, absorvido na minha leitura. Procurarei ncias da minha Jeitura, a minha atitude, 2 linhas quo lia. Vou assim ressuscitar nfo s6 estes detalhes exte~ riores, mas uma certa espessura de consciéncia irreflectida, j4 que ‘05 abjectos nio puderam ser percepcionados seniio por esta cons- cigncia e the permanccem relatives. Quanto a esta consciéncia, nio sedeve pérla como objecto da minha reflexiio; ao contrario, & preci so que cu dirija a minha atengio para os objectos ressurgidos, mas sem a perder de vista, mantendo com ela uma espécie de eumplic dale © inventariando 0 scu conteddo de modo nio-posicional O resultado_nio oferece dividas:_enquanta tia,_hay i do Tivro, dos herdis do romance, mas.o. Eu nlo. ‘con ciéncia, ela cra somente consciéncia de objecto,¢ consciéneia nau- mal dela mesma, Uma ver. apreendidos atetieamente estes resullados, posso agora fazé-los objecto de uma tese © deciarar: POSS DESESE SLES EEE EEKEZE 2 A Transcendéncia do Ego nio havia Eu na conscitneia irreflectida. Nao se deve considerar esta operagio como artificial ¢ inventada de propésito para este caso: 6 evidentemente gragas a ela que Titchener podia dizer, no sou Texbook of Psychology, que muitas vezes 0 Eu [Moi] cstava Je mio ia, cle resto, mais lor tentava classificar os estados de conseiéncia sem Eu [Moi Alguém estari, sem divida, tentado a objectar-me que esta operagio, esta apreensio nao-teflexiva de uma consciéncia por uma outra consciéncia, nfo pode, evidentemente, operarse a nfo ser pela meméria © que ela nio beneficia, portanto, «tt certeza absoluta inerente ao acto reflexivo, Encontrar-nos-famos, portante, na presenga, por wm lado, de umn acto certo que me permite afirmar a presengt do Bu na conscigncia reflectida e, por outro lado, de uma recordagio duvidosa que tenderia a fazer crer que o Eu esta ausente da consciéncia irreflectida. Parece que nao temos o direito dle opor uma coisa A outra. Mas pego que se considere que a recordagio da consciéncia isreflectida nio se opie aos dados «a reflexiva. Ninguém somba negar que o Eu aparega numa consciéncia reflectida. Trata-se simplesmente de opor a recordigio reflexiva da minha leitura («eu i »), que é ela tam= io nio-reflectida. O dircito da reflexdo presente nio se estende, com efeito, para li da conscitneia presentemente apreendida, E a recondagio reflexiva, qual estamos obrigados a recorrer para restituir as. conseiénci passadas, aléin do caricter duvidoso que ela deve & sua natureza cle recordigio, permancce suspeita 4 que, segundo o que 0 proprio Husserl confessa, a reflexto modifica a conscigncia espontinea, Visio que, portanto, todas as recordagées nio-reflexivas da cons- cigneia irreficctida me mostram uma conscigneia sem ex, visto que, por otto lado, consideragies teéricas, baseadas na intuigio de esséncia da conscitncia, nos levaram a reconhecer que © Eu no podia fazer parte da estrutura interna das wirlebnisse», temos, Portanto, que concluir: néo hi Ew no plano irreflectide, Quanto corto atras de um carro eléctrico, quando vejo as horas, quando me, absorvo na contemplagio de um retrato, nao hi do-carro-eléctrico-que-deve-ser-apanhado, etc.,c conscicneia -posicional da consciéncia. De facto, estou entio merguthado no mundo dos objectos, sio eles que constituem a unidade das minhas bém, de natureza duvidosa, a uma recordagi Eu. Ha consciéneia t k fk Esboco de uma Descricao Fenomenolégica 53. consciéneias, que se apresentam com valores, qualidacles atractivas ow repulsivas, mas eu, eu desapareci, eu anulci-me. Nao hé lugae ‘para mim a este nivel ¢ isto.ndo provém de um acaso, de uma falta de atcngio momentanca, mas da.nuipsia esac sa consciGncia. E 0 que uma deserigio do Cogito nos tornaré mais palpivel ainda. Poder-so-d dizer, com efeito, que o acto reflexivo aproenda ho mesmo grau eda mesma mancira 0 Eu ¢ a consciéncia pen- santo? Husserl insiste no facto de que a certeza do acto reflexive provém de que nds af apreendemos a conscitncia sem ser por face~ por perfis, mas por inteiro (sem "Abschattungen"). Isso & evidente. Polo contrétio, 0 objecto espacio-temporal dé-se sempre através de uma infinidade de aspectos € nio 6, no fundo, sono a tunidade ideal dessa infinidade, Quanto as significagdes, as ver- dndes clomas, clas afirmam a sua transcendéncia por se darem, desde que aparecem, como igdependentes do tempo, enquanto que a conscigneia que as apreende esti, ao contririo, rigorosamente individualizada na duragio. Ora nés perguntamos: quando uma consciGncia reflexiva aproende o Eu penso, entregarse cla A apreen- so de uma consciéncia pleita e conereta aglutinada num momento real da duragio concrota? A resposta ¢ clara: 0 Eu nfo se dé como um momento conereto, como uma estrutura perecivel da minha ‘consciéncia actual; ele afirma, ao contrécio, a sua pormanéncia para Ii desta consciéneia e de todas as conscigncias ¢ ~ se bem que, certamente, ele niio se parega com uma verdade matemiitica ~ © scu tipo de existéncia aproxima-se muito mais do das verdades otornas do que do da conscitnci ter acreditado que Eu ¢ penso estio 1 passou do Cogito a ideia de que Hussert, se bem que mais subtilmente, cai no fundo na mesma falta, Bem sei que ele reconhece ao Eu uma transcendéncia espe~ cial, quendo éado objecto, e que poderfamos chamar uma transcen- déncia "pelo lado de cima". Mas com que diteito? E como explicar este tratamento privilegiado do Eu a nio scr por proocupagées mictafisicas ou criticas que nfo tém nada a ver com a fenomenolo- gia? Sojamos mais radicais e afiememos sem temor que foda trans~ cendéncia deve ficar ao alcance da tnoxr; isso cvitar-nos-A, lalvez, eserever eapitulos tio embaragados como o parégsafo 61 4 A Transcendéncia do Exo das Ideen. Dado que o Eu se afirma ele mesmo como transeendente no «Eu pense, 6 porque ele nao é da mesma natureza que a cons- transcendental Observemos, aclemais, que ele nfo aparcee & reflexio como a reflectida: ele di-se através da consciéncia reflect. Certamente, ele & apreendido pela intvigio © & objecto de uma evidéncia, Mas sabe-se 0 servigo que Musser! prostou a filosofia a0 istinguir diversas espécies de evidéncia. Pois bem, & por dlemais certo que o Bu do Eu penso nao ¢ objecto nem de uma evid apodictica nem de uma cvidéncia adequada, Ela nao € apodietica visto que, ao dizer Eu, afirmamos bem mais do que sabemos. Ela nfo é adequata, pois o Bu apresenta-se como wma realidade opa de que scria preciso desdobrar 0 contesido. Cortamente que ele se Fonte dn eonscignein, mas js event consci¢nci disso, se @ Bu faz parte da conscién ia, portanto, dois Es 0 Eu da consciéncia reflexiva ¢ 0 Eu da conscitneia reflect. Fink, 9 discipulo de Huser, conlvece mesmo wy teri, o Bu da tinclantan’ Pa ia, ows probleme. 6. wit simplemente, insoldvel, pois nio é admissivel que se estabelege uma conuni- cagio entre 0 Eu reflexivo ¢ » Eu reflectido, se eles sto elementos mente se idlenti- fiquem num Eu tnico. ‘Como conclusio desta anitise, parcee-me que se pode fazer as goes: ffificagées ou dos seres espicio-tempor Rae propio cme. 2, Bic di-se a uma intuigio de um género especial, que 0 apreonde por detris da conscitncia reflectida, de um moda sempre inndequado. Le Exboco de wma Deserigéo Fenomenolégica 55 aparece nunca senio por oeasifo de um acto ref _xivo, Neste caso, a estrutura comploxa da consciéncia é a seguinte ‘hé um acto itreflectido de reflexio som Eu que se dicige para uma conscincia reflectida. Fsta torna-sc.o objecto dla consciéncia reflec tinte, sem deixar, todavia, de atirmar 0 seu objecto proprio (uma cadcira, uma verdade matemitica, ete.). Ao mesmo tempo, um objecto novo aparece, o qual 6 a ocasiao do uma afirmagio da cons Ao est4, por conseguinte, nem no mesmo plano 4a conseincia irreflectida (porque esta 6 um absoluto que nfo pre: «da consciéncia reflexiva para existir) nem no mesmo plano do objecto da consciéncia irreflectida (cadeira, etc.). Este objecto tran cenvdentc do acto reflexivo 6 0 Eu. 4°, O Eu transcendental deve ficar ao alcance da redugan fenomenoligica. O Cogito afirma de mais. O contetido certo do pscudo-Cogita niio ¢ “ew fenho conseiéncia desta cadeira", mas "ha conscitnciz desta cadeira”, Este conteddo 6 suficiente para consti- luir um campo infinito ¢ absoluto para as investigagées da Fenone- nologia, €) TEORIA DA PRI ENGA MATERIAL DO EU [MO}] Para Kant ¢ para Husserl, 0 Bu é uma estrutura formal da cons: Cigneia, ‘Tentimos mostrar que um Eu puraments formal, que cle & sempre, mesmo abstractamente concebido, uma contracgio infinita do En [Moi] materi de irmos 8 Mas precisamo: Tonge, de nos desembaragar de un mente psicolégica que afirma, por razies dle ardem pico presenga material do Eu [Moi] em todas as nossas consei a (eoria dos moralistas do "amor-préprio". Segundo eles, o amor de si mesma ~ ¢, por conseguinte, 0 Eu [Moi] ~ estaria dissinu- Jado em todos os sentimentos sob uma mirfade de formas diversas. De um mode muito geral, ¢ Eu [Moi], em fungio dese amor que cle se tom, desojaria para si mesmo todos os sbjectos que descjn A estrutura essencial de cada um dos meus actos seria uma chamada @ mim. © «cctoro a mim» seria constitutive de toda consciéncia. Objectar a esta (ese que esse retorno a mim nfo est de modo nenbum presente para a conseiéncia ~ por exemplo, quando tenho @ @ . 2 o s a a a 2 2 2 food 2 2 = 56 A Transcendéncia do Exo sede, que vejo um copo de égua e que cle me aparece como deso~ jvel ~ nfo € ainda embaragé-la: cla concedté-loria de boa vontide ‘La Rochefoucauld foi um dos primeiros a fazer uso, sem o nomear, do inconsciente: para ele, o amor-préprio dissimula-se sob as mais diversas formas. E preciso seguir-Ihe a pista antes de o aprender. De um modo mais geral, admitiu-se de seguida que o Bu [Moi], se nao est presente para a consciéncia, esté escnnlide por detrés dels ¢ que ele é o polo de atracgdo de todas as nossas representagies € de todos 08 nossos desejos. O Eu [Moi] procura, portanto, alcangar 0 objecto para saisfazer 0 seu desejo. Dito de outro mado, ¢ 0 dlesejo (ou, se se profere, 0 Eu [Moi] descjante) que ¢ dado como fim e 6 0 objecto desejado que meio. ; Ora o interesse desta tose parece-nos ser o de por em relevo ‘um ert muilo frequente das psicélogos: consiste ele em confundir a esirutura essencial dos actos reflexivos com a dos actos irrellee tidos. Ignora-se que hi sempre duas formas de existéncia possivel ‘una consciéncia; ¢, de cada vez que as consciéncias obser~ ' dio como iereflecti¢as, sobrepSe-se-thes wna esteutura Feflexiva que se pretende atabalhioadamente que permancee in- consciente. ; “Tenho piedade de Pedro e socorto-o, Paraa minha consciéncia, sooxiste uma coisa nesse momento: Pedro-que-deve-ser-socorrito. Festa qualidade de "deve-ser-socorride” encontra-se em Pesto, la age sobre mim como uma forga. Aristteles dssevo: & 0 deschivel Gque move 0 desejantc. A este nivel, o desejo & dado A conscigne Gomo centrifugo (cle transcende-se a si mesmo, ole € conseiéneta félica do "dever-ser" e consciéncia nfio-tética dele mesmo) ¢ impes- soal (nfo hi Eu [Moil: cu estou face @ dor de Pedro como face & tor deste tinteiro, Ha um mundo objectivo de coisas © de accies, fellas ou a fazer, e as acces apSem-se como qualidades sobre as feolans que as reclamam), Ora este primeiro momento do descjo = Tupondo que ele nfo tenha escapado completamente aos tesricas tio amor-prdprio ~ nio € por cles considerado como um momen'o completo ¢ auténomo. Imaginaram por detras dele um outro estado {que permancce na penumbra: por exemplo, eu socorto Pedra pars fazer cossar o estado desagradiivel em que me pis a visdo dos seus ofrimontos. Mas este estado desagradvel nfo potte ser conhecido feamo tal ¢ nfo se pode tentar suprimi-lo senao no seguimento de Esbogo de uma Descrigéo Fenomenoldgica 7 um acto de reflexio. Com efeito, um desagrado sob o plano irreflec- tido transconde-se da mesma maneira que a consciGncia irreflectida de piedade, Ea apreensio intuitiva de uma qualidade desagradivel dlc um objecto. E, na justa medida em que ele pode ser acompanha~ do por um desejo, cle deseja ndo suprimir-se a si mesmo, mas suprimir © objecto desagradavel. Nao serve, portanto, para nada pir, por detris da conscitneta irreflectida de piedade, um estado desagradavel de que se faria a causa profunda do acto piedoso: so esta consciéncia de desagrado no retoma a si mesma para se pér porsi como estado desagradavel, permaneceremos indefinidamente no impessoal ¢ no irreflectido. Assim, portanto, sem so darcm conta disso, 08 te6ricos do amor-préprio supsem que o reflectido & primeiro, original e dissimulado no inconsciente. Quase que nio 6 preciso fazer notar a absurdidade de uma tal hip6tese. Mesmo se 0 inconsciente existe, a quem se poderia fazer crer que ele encerta ‘espontaneidades de forma reflectida? A definigio do reflectido nio 0 ser cle posto por uma consciéncia? Mas, além disso, como ulimitir que 0 reflectido € primeiro em relagio ao irveflectido? Se davida, pode conceber-se, em certos casos, que uma consciéncia aparcga imediatamente como reflectida. Mas mesmo entio 0 irre flectido tem prioridade ontolégiea sobre o reflectido, porque ele nnio tom dle nenhum modo necessidade de ser reflectido para existir © porque a reflexio supde a intervengio de uma consciéncia de sogunlo grau. Chegamos, portanto, A seguinte conclusdo: a conscitneia iere~ Mectida deve ser considerada auténoma. E uma totalidade que no tom necessidade nenhuma de ser completada e devemos reconhe~ cer sem mais que a qualidade propria do desejo irreflectido 6 a de se transcender, aprecndendlo no abjecto a qualidade de desejével. Tudo se passa como se nés vivéssemos num mundo em que os ‘objectos, além das suas qualidades de calor, odor, forma, etc, tives sem as dle repulsivo, atractivo, encantador, dtl, ete, ete., ¢ como se essas qualidades fossem forgas que exercessem sobre nés cortas acgées. No caso da reflexio, ¢ apenas nesse caso, a afoctividade 6 posta por cla mesma como descjo, temor, etc., somente no caso da roflexio posso pensir "Eu odeio Pedro", "Eu tenho picdade de Paulo", etc. E, portanto, contrariamente ao que se defendou, sobre ste plano que se situa a vida egofsta e sobre o plano irreflectido 58 A Transcendéncia do Ego {que se situa a vida impessoal (0 que nao quer dizer, naturalmente, gnc toca a vida roflexiva & forgosamente egofsia nem que toda a vida irreflectida 6 forgosamente altruista). A reflexia “envenena” 0 desgjo. No plano irreflectido, ou socorro Pedro porque Pedro & "deve-ser-socorride”. Masse, de sibito, o meu estado se transforma com estado reflectido, cis-me entio em vias cle me observar a agit, no sentido em que se diz de alguém que ele se ouve a si mesmo ie falar. J4 nio 6 Pedro que me atrai, & a minha conscitncia socorrista ‘que me aparece como devendo ser perpetuada, Mesmo se eu apenas penso que devo prosseguir a minha acglo porque “isso € bom", ¢ bem qualifica a minha conduta, a minha picdade, ete. A psicologia de La Rochefoucauld encontra-se no seu lugar. E, contudo, ela nae 6 verdadeira: no é culpa minha se a minha vida reflexiva envenena «por esséncia» a minha vida espontinea e, akim do mais, a vida reflexiva supe em geral a vida espontinea. Antes de terem Yenvenenadlos", os meus desejos foram puros; & 0 ponto de que tome sobre cles que os envenenou. A psicologia de La Roche= foucauld nio é verdadcira sendo para os sentimentos particulares que tém a sua origem na vida reflexiva, quer dizer, que se dio desde logo como meus sentimentos em vez de se transcenderem pti- meiramente para um abjecto, Assim, 0 estudo puramente psicokigico da conseigneia «intra- rmundana» leva-nos as mesmas conchisdes que 0 nosso estucdo feno~ menoldgico: 0 cu nto deve ser procurado nem nos estados inreflecti~ dos de consciéncia nem por deirds deles. O Eu [Moi] aparece apenas com o acto reflexive © como correkite noemitico de uma intengio reflexiva. Comegamos a entrever que Eu ¢ Mim [le Je et senvio um. Vamos tenlar mostrar que este Feo, de que Eu ¢ Mim nio sio senio duas faces, constitu’ a unidade ideal (nocmatica) e indirecta da série infinita das nossas consciéncias reflectidas. "Eu" & 0 Exo como unidade das acgées, "Mim" & 0 Figo como unidade dos estados ¢ dis qualidades. A dlistingto que se esta~ belece entre estes dois aspectos de uma mesma realidade parece- ser simplesmente funcional, para no dizer gramatical boco de uma Descrigao Fenonienolégica 59 ul CONSTITUIGIO DO EGO © igo nitio 6, dit le das conscincias reflecti- das. Existe uma unidade imanente destas conseiéacias: 60 fux0 da conseiéneia que se constitu’ cle mesmo como unidade dele me: mot — ¢ uma unidade rranscendente: os estados © as acgies. O Ego iui thos esiados ¢ das acgécs ~ facultativamente, das quaidi~ dos, Ele ¢ unidade de unidades transcendentes e ¢ ele mesmo trans cendente, E um péto transcendente de unidade sintética, tal como 0 polo-ohjecto da atitude ireflectida, S6 que este palo aparece apenas no mundo da reflexiv. Vamos examinar sucossivamente a constitui- Gio dos estadas, das acgées, das qualidades ¢ a aparigio do Eu © estado aparece & conscitncia reflexiva. Ele di-sethe © constitul o objecto de uma intuigio conereta, Se odleio Pedro, « meu Gdio dle Pedro é um estado que posso aprender pela reflexio. Este estado esti presente diante do olhar da conseiéncia reflex cle & reat, Deve concluit-se daf que ele ¢ imanente e certo? Cer famente que nfo, Nos nfo devemos fazer da teflexio um poder misterioso ¢ infalivel, nem acreditar que tudo 0 que a reflexio atinge é indubitivel porque 6 atingido pela reflexdo. A reflexio tem limites de diteito © de facto. E uma conseiéncia que pie uma consciéneia, Tudo o que cla afirma sobre esta consciencia addequado, Mas se outros objectos the aparceem através desta conscigneia, esses abjectos nfo t8m nenhuma razdo para participar nas caracteristicas da consciéneia, Consideremos uma experigncia reflexiva de édio, Eu vejo Pedro, sinto uma profunda perturbagio de repulsio ¢ de edlera ao vé-lo (estou j4 no plano reflexive): a perturbagio & conseigneia. Nao posso enganar-me quando digo: coxperimento neste momento uma violenta repulsio por Pedro. Mas © ditio 6 esta experidncia de repulsio? Evidentemente que nfo: Ble nfo se di, para além disso, como tal. Com efvito, olcio Pedro hi 4 Cf Fettbensusatsein passim, 2 > s 2 a a s a a 2 a» a 2 2s » > a a a a 2 a 2 > a a= a = a 2 = a a a 60 A Transcendéncia do Ego muito © penso que odiarei sempre. Uma consciéncia instantinca de repulsio nfo poderia ser, portanto, 0 meu édio, Se ew a fim fasse ao que ela é, a uma instantancisade, no poderia mesmo falar mais de ddio. Eu diria: «tenho repulsio por Pedro neste momento» e, dessa maneira, eu ndo comprometeria o futuro. Mas, preci mente por essa recusa de comprometer 0 futuro, ou cessaria de odiar, Ora o meu 6dio aparece-me ao mesmo tempo que @ minha cexperiéncia de repulsto. Mas ele aparece através dessa experién- cia. Ele di-se, precisamente, como nio estando limitalo a essa experiéncia. Ele dé-se em e por cada movimento de descontenta- mento, de repulsio e de cdlera, mas, a0 mesmo tempo, ele ndo é nenhum deles, ele escapa a cada um «eles afirmando a sua per manéneia. Ele afirma que aparecia jé quando, ontem, pensei em Pedro com tanta firia © que aparecerd amanha. Adlemais, ele opera por cle mesmo uma distingio entre ser © aparecer, visto que cle se d& como continuando a ser mesmo quando estou absorvide por outras ocupagées e nenhuma consciéncia 0 revela, Eis 0 suficiente, parces, para poder afirmar que o ddio nav & da consciéncia, El extravasa a instantancidade da conscitncia e nfo se submete a Ici absoluta da consciéncia, para a qual nao hi distinglo possivel entre a apartncia ¢ © ser. O ddio 6, portanto, unt objecto transcendente. Cada cLrlebnis» revela-o por inteiro, mas a0 mesmo tempo isso no 6 mais que um perfil, que uma projeccio (uma sAbschat- tung). O ddio € um titulo de crédito para uma infinidade de consciéncias coléricas ou repugnadas, no pasado ¢ no futuro, Ele 6 a unidade transcendente desta infinidade de conseitncias. Di “eu odcio" ou “cu amo” por ocasiio de uma consciéncia singular de atracgio ou de repulsio 6, também, operar uma verdadeira pas- sagem ao infinito, bastante andloga A que operamos quando per cepeionamos unt tintciro ou o azul do mata-bortao. Nao € preciso mais para que os direitos da reflexio sejam singularmente limitados: é certo que Pedro me repugna, mas & ¢ ficard para sempre duvidoso que cu o odcie. Com efeito, esta afir= maglo extravasa infinitamente o poder da reflexio, Nao se deve, turalmonte, concluir que o ddio seja uma simples hipétese, um coneeito vazio: & deveras um objecto real, que cu aprecnclo através, hi «Frlebniss, mas este objecto esté fora da conscitncia © Esboco de uma Descrigéo Fenomenolégica 61 prépria natureza da sua existéncia implica a sua "dubitabilidade” Deste modo, a reflexio tem um dominio certo © um dominio duyidoso, uma esfera de evidGncias adequadas ¢ uma esfera de ovidéncias inadequadas. A reflexio pura (que nfo é, no entanto, forgosamente a reflexio fenomenolégica) atém-se ao dado sem manifestar pretenses quanto ao futuro. B 0 que se pode ver quando alguém, depois de ter dito em célera: "cu detesto-te", cai om sie diz: "no é verdade, nio te detesto, disse isso debaixo da célera". Vemos aqui duas reflexes: uma, impura e cémplice, que opera de imediato uma passagem a0 infinite © que constitui brus- mente 0 dio, através da «Erlebnis», como seu objecto trans~ cendente; a outra, pura, simplesmente deseritiva, que serena a consciGncia irceflectida restituindo-the a sua instantaneidade. Es Guas reflexes apreenderam os mesmos dados certos, mas uma afirmou mais do que sabia ¢ dirigiu-se, através da conscién reflectica, para um objecto sitwado fora da consciéncia, A partir do momento em que se deixa o dominio da reflexio pura ou impura ¢ que se medita sobre os scus resultados, é-se ten- tado a confundir o sentido transcendente da «Erlebnis» com o seu matiz imanente, Esta confusdo conduz 0 psicélogo a dois tipos de erros: ou do facto de que me engino muitas vezes nos meus senti- mentos, de que, por exemplo, me acontece erer que amo quando de facto odeio, concluo que a introspeegio 6 enganadora; nesse caso, separo definitivamente 0 meu estado das suas aparigoes; considera {que € preciso uma interpretagio simbélica de todas as aparighes (omadas como sfmbolos) para determinar o sentimento e suponho ‘uma relagio de causaidade entre o sentimento ¢ as suas aparigdes: cis 0 inconsciente que reaparece, ~ ou do facto de que sei, pelo coniririo, que a minha introspeegio ¢ recta, que no posso duvidar da minha consciéneia de repulsio enquanto a tenho, ereio-me autorizado a transportar esta evidéncia para o sentimento, concluo ‘que 0 meu Gdio pode encerrar-se na imanéncia ¢ na adequagao de uma consciéneia instantinea O Gdio € um estado. E por esse termo tented exprimir o cardcter ividade que the & constitutive. Sem divida que se dirt que o & uma forca, um impulso irresistivel, etc. Mas a corrente eléctrica ou a queda de Agua sio também forgas temiveis: tira isso alguma coisa 2 passividade e inércia da sua natureza? Receber 62 A Transcendéncia do Exo menos, por isso, a sia enorgia de fora? A passividlade dle um isa espacio-temporal constitui-se a partir da sua relatividade al. Uma existéncia relativa s6 pride ser passiva, visto que a minima actividade fiberté-la-ia do rclativo ¢ constitui-ta-ia num absolute, Do mesmo modo, 0 Gdio, existéncia relativa A cons iéncia, 6 inerte. E, naturalmente, a0 falar da inércia do édin, 56 queremos dizer que ele aparece como tal 2 con diz, com efeito: "o meu Gio foi desportado ...", "o seu didi era contrariado pelo violento desojo de ...", etc.? As lutas do édlio con fra a moral, a censura, ote., nfo sio figuradas como conflitos de forcas fisicas, ao ponto de Balzac ¢ a maior parte dos romancistas, (por vezes, 0 pripri Proust) aplicarem aos estados 0 principio da independéncia das Forgas? Toxla a psicologia dos estados (¢ a psi cologia nfo-fenomenoligica em geral) & uma psicologia da ine cia Ocstado é dado, de algum modo, como o intermedifrio entre 0 corpo (a "coisa" imediata) © a «frlebnis». $6 que ele nio & dade como agindo do mesmo modo do lado do corpo e do lado da cons iéncia, Do Indo do corpo, a sua acgio é francamente causal. Ble & causa da minha mimica, causa dos meus gestos: "por que razio foste tio desagradivel para 0 Pedeo?", "porque cu detesto-o". Mas nio poderé ser do mesmo modo (salvo mas teorias construidas a priori ¢ com conceitos vazios, como o freudismo) do lado da cons cincia. Em caso nenhum, com efeito, pode a reflexdo ser enganada ‘A respeito da espontancilade da consciéneia roflectida: & 6 dominio da certeza reflexiva. Deste modo, a relagio cnire 0 Gulio © a cons citneia instantinea de desagrado 6 construida de modo a gerir ao jesmo tempo as cxigéncias do dio (ser primeiro, ser origem) © os dados eortos da reflexto (espontancidade): a conseiénesa de dese grado aparece 4 reflexio como uma cmanagio espontinea de din. Vemos aqui, pela primeira vez, esta nogio de emanagdo, que & tie importante de cada vez, que se trata de ligar os estackos psiquicos inertes as espontancidades da consciéncia. A repulstio di algum modo, como prexuzindo-se ela mesma por ocaside do dio cd custa do div. O Scio aparece através deta como aquilo de ‘onde ola muna, Reconhecemos de hom grado que a relagio do Gio efirletinisy purticular'de repulsio nio é igica, E wm Ingo —$—$—$——— Esbogo de wna Deseri (0 Fenomenoldgica 63 ©, comtamente. Mas nds quisemos apenas dl resto, veremos brevemente que & em (ermos exclusis eos que se deve rel ssctever 0, B) CONSTITUICAO DAS ACGOF, dlistingao entre activa © a conscigncia simplesmente espontinca. Parece-nos, além disso, que se trata de um dos mais difiesis problemas da fenome- nologia. Querfamos simplesmente ohservar que a acgio concertat €, antes de tudo (¢ de qualquer natureza que scja a conseidnci: activa), um transcendent. Isso & evidente para acgées como "tocar piano”, "conduzir um attomavel", “escrever", porque essas aches sto “tomadhis" no mundo das coisas. Mas as aegies puramente psiquicas, como duvidar, raciocinar, meditar, por uma hipstese, devem, clas também, ser concebidas como transeendéncias. O que engina aqui 6 que a acgio nao é simplesmente a unidade nocmitien de uma corrente de conseigncia: & também uma rea lizagio concreta, Mas nfo se deve esquecer que a acgio pede lempo para se consumar. Ela tem articulagées, momentos. A esses momentos correspondem consciéneias ‘concretas activas ea reflexiio que se dirige sobre as consciéncias apreende a accio tot ima intuigio que a da como unidade transcendente das cons- Cncias activas, Neste sentido, pode dizer-se que a divida espon- tinea que me invade quando entrevejo um objects na penumbra & uma conseiéncia, mas a divida metddica de Descartes & uma accion, quer dizer, um objecto transcendente da consciéncia reflexiva, Vé-se aqui o perigo: quando Descartes diz «tuvido, logo sou», trata-se da ¢hivida espontinea que a consciéncia reflexiva apreende na sua instantaneidade - ou trata-se antes justamente «do empreendinento de duvidar? Esta ambiguidade, vimo-lo, pode ser a Tonte de graves erros. tabelecer tentaremos ¢ €) AS QUALIDADES COMO UNIDADES. FACULTATIVAS DOS ESTADOS. © Ego € dievetamente, vamos vo-lo, a unidule transcendente dos estidos @ dae aegis, No entanto, pocle exisir um inter- medlifelo eniro une @ ouiroxs 6 n quutlelads. A oxporlmentarmoe VooSodo DT ooo dd KEooREDESEDEY 64 A Transcendéncia do Fj virins vezes édio a diferentes pessons, rancores tenazes ot longs céloras, és unificamos essas diversas manifestagdes intentando numa disposicio ps{quica para as produzir. Esta disposigio psiquica (cu sow muito rancoroso, sow capaz de odiar violenta mente, sou colérico) 6 naturalmente, mais e outta coisa que um simples termo médio. E um objecto transcendente. Ela representa 0 substrato dos estados, tal como os estados representam 0 substrate das «Brlebnisse». Mas a sua relagio com os sentimentos nio é uma relagio de emanacio. A emanagio nio religa senfo as cons citncias as passividades psiquicas. A relagio da qualidade a0 estado (ou & acefo) 6 uma relacdo de actualizagdo. A qualidade é dada como uma potencialidade, uma virtualidade que, sob a influéncia de factores diversos, pode passar & actualidade, A sua actualidade € precisamente o estado (ou a acgio). Vé-se a dife- renga essencial entre a qualidade ¢ o estado, O estado é unidade noematica de espontancidades, a qualidade ¢ unidade de passivi dades objectivas. Na auséncia de toda e qualquer consciéncia de ‘dio, 0 ¢ como existindo em acto. Ao contri auséncia de todo sentimento de rancor, a qualidade correspondente permanece uma potencialidade. A potencialidade nao é a simples possibilidade: cla apresenta-se como qualquer coisa que cxiste realmente, mas cujo modo de existéncia é o de estar em laléncia Deste tipo sio, naturalmente, os defcitos, as virtudes, talentos, as tendincias, os instintos, ete, Estas uni sempre possiveis. A influéncia de ideias pré-concebida ores soviais & aqui preponderante, Pelo contrdri, elas nao sie nunca indispensiveis, porque os estadlos © as acgtes podem ‘encontrar directamente no £go a unidade que reclamam. D) CONSTITUIGAO DO EGO COMO POLO DAS ACGOES, DOS ESTADOS E DAS QUALIDADES. Acabémos de aprender a distinguir 0 "psiquico" da conscién- cin. © psfquico 6 0 objecto transcendente da consciéncia refle- xivag & também o objecto da ciéncia denominada psicologia. © Max ele pode ser também vissdo © atingido auravés da percepeio dos ‘comiporlamentos, Nés texclanamos explicar-nos nour lugar acerca da Iden Hidde de fuido de todas os métoxos psicelégices. Esbogo de uma Descrigdo Fenomenolégica 65 Ego aparece & reflexfio como um objecto transcendente que realiza a sintesc permanente do psiquico. O Ego esté do lado do psiquico, “fo que separamos estes dois aspec: tos do Ego. © Eu [Moi] psicofisico € um enriquecimento sintético 460 Ego psiquico, 0 qual pode muito bem (¢ sem reducio de espécie alguma) existir em estado livre. E evidente que, por exemplo, ‘quando se diz: "eu sou um indeciso", nio se visa directamente 0 Eu [Moi] psicofisico. Scria tentador constituir o Ego em "pélo-sujeito”, como esse “pélo-objecto" que Husserl coloca no centro do micleo nocmitico. Esse pélo-objecto é um X que suporta as determinagbes. «Os predicados so predicados de "qualquer coisa”, este “qualquer coisa” pertence também ao niicleo em questio © & patente que ndo pode separar-se dele; ele é 0 ponto de unidade central de que falmos mais acima. Ele € 0 ponto de fixagio dos predicados, 0 sou suporte; mas cle nao ¢ de modo algum unidade dos predicados, no sentido de um qualquer complexo, de uma qualquer ligagéo de predicados. Ele deve ser necessariamente dis finguido deles, se bem que nao se possa pO-lo ao lado deles nom separi-lo deles, Do mesino modo, eles sio seus predicados: imponsaveis sem ele ¢, no entanto, a distinguir deles».6 Com isto pretende Huser! frisar que considera as coisas como sinteses pelo menos idealmente analisiveis. Som dévida, esta drvore, esta mesa so complexos sintéticos ¢ cada qualidade esti ligada a cada uma das outras. Mas cla esté-Ihes ligada enquanto ertence ao mesmo objecto X. O que é logicamente primeiro sio as relagies unilaterais segundo as quais cada qualidade pertence (irceta ou indirectamente) a este X, como um predicado a um, sujeito, Resulta dat que uma anélise & sempre possivel. Esta con- el. Mas nfio & este 0 lugar para a examinar. ssa & que uma totalidade sintética indissolivel c © que nos inter ‘que se suportasse a ela mesma nfo teria nenhuma precisio de um X suporte, com a condigéo, naturalmente, que cla soja real c ‘concrctamente inanalisivel. E indtil, por exemplo, se se considera uma melodia, supor um X que serviria de suporte as diferentes 6 deen, §131, pg. 270, 66 A Transcendéncia do Exo notas. A unidade vem aqui da indissolubilidade absohuta dos ele- mentos, que nao podem ser concebidos como separados, salvo por bstracgiio. O sujeito do predicado seria aqui a totalidade concrota © 0 predicade seria uma qualidade abstractamente separada da totalidade, que s6 toma todo o seu sentido se a ligarmos & totali~ dade? Por estas mesmas razées, recusaremos ver no Ego uma expécic de pélo X que seria o suporte dos fensmenos psiquicos. Um tal X soria, por definicio, indiferente as qualidades psiquicas de que soria 0 suporte. Mas 0 Ego, como veremos, niio & nunca indiferente aps scus estados, ele est “comprometida” com eles. Ora, precisa ‘mente, um suporte nao pode estar assim comprometide com 0 que suporta seno no caso de ele ser uma totalidade conereta que suporta © contém as suas priiprias qualidades, O Ego nada & fora ila dade conercta dos estados € das acghes que cle suporta, Sem da que ele é transcendente a todos os estadlos que unifica, mas nao como um X abstracto cuja missio & apenas unificar: 6 antes a {olalidade infinita dos estados ¢ das acgdes que se nao deixa jamais reduzir a uma accio ou a um estado. Se procurissemos um anilogo para a conscitncin inreflectida do que © Ego & para a consciéncia de segundo gray, pensamos que se deveria antes considerar o Mundo, concebido como a totalidade sintética infinita de todas as coisas. Acontece também, com efeito, que apreendemos o Munclo, para 14 da nossa cercania imediata, como uma vasta exist ‘eoncreta. Neste caso, aS coisas que nos ceream aparecem somente ‘como a ponta extrema desse Mundo que as ultrapassa e as enghiba, 0 Ego & para os objectos psiquicos 0 que 0 Mundo & para as coisas. Sé que a aparicgo do Mundo como pano de fundo das coisas 6 bastante rara; sio precisas citcunstincias especiais (muito bom descritas por Heidegger em Sein und Zeit) para que cle sc «dlesvelo». O Ego, a0 conttério, aparece sempre no horizonte dos estados. Cada estado, cada acgio di-se como nfo podenda ser separada, sem abstraccio, do Figo. E se 0 juizo separa 0 Eu do seu estaclo (como na frase: Eu estou apaixonada), no é talver. seni para logo os ligar; 0 movimento de separagio conduziria a uma 7 Musser! eoniece, ais, muito hem este tipo de totaidade sin Aleatcrn wm extudo anttvel: LU, TH, Untersuchung II 2 qual ele Eshoco de uma Descricao Fenomenolégica 67 signifivagto vazia e falsa se nfo se desse ele proprio come incom pleto e se no se completasse com um movimento de sintese. Esta totalidnde transcendente participa no caricter duvidosw de toxla transcendéneia; quer dizer que tudo 0 que nos dio as nossas intuigdes do Figo pode sempre ser contradito por intuigoes ulterio~ ros ¢ dit-se como tal. Por exemplo, posso ver com evidéacia que sou eolérico, invejnso, cte., ¢ no entanto posso enganar-me. Dito de outro modo, posso enganar-me ao pensar que tenho um fal Lu [Moi]. 0 erro nfo se comete, alids, ao nivel do jufzo, mas antes jd a0 nivel da evidéncia pré-judicativa, Este carécter duvidoso do meu Ego ~ ou mesmo o erro intuitivo que cometo ~ no signifi que tenho um Eu [Moi] verdadeiro que ignoro, mas somente que 0 Fgo visado traz em si mesmo o cardcter da: dubitabilidade. (em ccortos casos, 0 da falsidade). Nao € exclusda a hipstese metafisica segundo a qual 0 meu Ego nao se comporia de elementos que livessem existido na realidade (ha dez anos ou hé um segundo), mas seria apenas constituido por falsas rocordagbes. Este poder co ‘Génio Maigno” estende-se até af, Mas se faz parte da natureza do Ego ser um objecto duvidasa, ro se segue que ele seja hiporético. Com efeito, 0 Ego 6 a uni cago transeenilente espontinca dos nossos estados e das: nossas acgbes. A este titulo, ele no é uma hipétesc. Eu nio digo: “talvez tenha um Ego", como posso dizer: "alvez odeie Pedro". Eu nio procuro aqui um sentido unificador dos meus estados. Quando unifico as minhas conscigncias sob a rubrica "6dio", junto-lhes um certo sentido, qualificoras, Mas quando ineorporo os meus estado na totalidade concreta Eu [Moi], nao Ihes junto nada. E que, com efeito, a relagio do Ego com as qualidades, estados e aegis niio 6 fiom uma relagio de emanagio (como a relagio da conseiéneia com o sentimento) nem uma rclagio de actualizagio (como a relagio da qualidade com 0 estado). E uma relagio de produgio paética (no sentido de xourty) ou, se se quiser, de eringio. Cada um, romotencio-se aos resultados da sua intuigho, pode verifiear que’ 0 go & dado como produzindy os seus estado. Empreondemos aqui uma descrigio deste igo transeendente tal como ele se revela & intuigie. Partimos, por conseguinte, deste facto inegiivel: cada novo estado 6 religado directamente (ou indi rectamente, pela qualidade) a go como sva origem. Este moxlo 68 A Transcendéncia do Beo de criagiio 6 bem uma ct ex nihilo, no sentido de que © estado nao & dado como tendo sido jé antes no Eu [Moi]. Mesmo se 0 Gdio se dé como actualizagao de uma certa poténcia de rancor ou ide Gio, ole permanece como qualquer coisa de novo em relagio & potGncia que actualiza. Assim, 0 acto unificador da reflexio religa, de um modo muito especial, cada novo estado & totalidade con creta do Bu [Moi]. Ele nao se limita a aprecndé-lo como juntando~ =s¢ a essa totalidade, como fundando-se ‘ncla: ele intui uma relagio que atravessa 0 tempo em sentido inverso © que dé 0 Eu [Moi] ‘como a fonte do estado. E do mesmo modo, naturalmente, para as acgGes om relagio ao Eu. Quanto as quatidades, se bem que clas. qualifiquem 0 Eu [Moi], clas nfo se dio como sendo qualquer coisa pela qual ele existiria (como € 0 caso, por exemplo, para um agregado: cada pedra, cada tijolo existe por cle mesmo ¢ 0 sev agregado existe por cada um deles). Mas, 20 contririo, 0 Ego tnantém as suas qualidades por uma verdatleira criagio continuada No entanto, nis nao apreendemos 0 Ego como sendo, finalmente, uma fonte criadora pura para aquém das suas qualidades. nos, parece que pudéssemios encontrar, em esqueleto, um pdlo, se ssemios, uma apés outra, todas as quatidades. Se 0 Fro aparece como para Ia de cada qualidade ou mesmo de todas, & porque ele & opaco como um objecto: precisariamos de proceder a fhm despojamento infinite para cctirar talos os seus poderes. E, no termo deste despojamento, nio ficaria nada mais, 0 Ego terse-ia dosvanecido. O Ego é criador dos seus cestados ¢ conserva as suas (qualidades na existéncia por uma espécie dle espontancidade cria~ dora. Nio se deveré confundir esta espontancidade criadora ou teonservadora com a Responsabilidade, que 6 um caso especial de produgho criadora a partir do Ego. Seria interessante estudar os Uivorsos tipas de processio do Ego relativamente aos seus estacos. ‘Trata-se, na maior parte dos casos, de uma processio m ‘Outras vezes, cla pode ser racional (na caso da vontade reflectida, por exemplo). Mas sempre com um fundo de ininteligibi dade de que daremos a razio cm breve, Com as diferentes consciéncin (pré-l6gieas, infantis, esquizofrénicas, Yigicas, ete), o matiz de ‘varia, mas permancee sempre uma produgio postica. Um ‘caso muito particular ¢ de interesse consideravel é 0 da psicase de Influéncia, Que quer dizer o doente com estas palaveas: “Jazenrme ee aiaé#é#.beé.....owgeeeeeeeeeeee Esbogo de uma Descri¢do Fenomenolégica 69 ter maus pensamentos"? Tentaremos estudi-lo numa outra obra. Obscrvemos no entanto, aqui, que a espontancidade do Ego nio & nogada: ela esti como que enfeiticada, mas permanec ‘Mas esta espontaneidade no deve ser confundida com a da consciéncia. Com efcito, o Ego, sendo objecto, 6 passive. Trala-se, portanto, de uma pscudo-espontaneidade que encontraria os sim- oles apropriados no brotar de uma fonte, dle um géiser, ete. Isto & 6 mesmo que dizer que ndo se trata senfio de uma aparéncia. A verdadeira ospontancidade deve ser perfcitamente clara: cla é 0 gue produz e ni pode ser nenhuma outra coisa. Ligada sintetica- mente a ovlra coisa que ela mesma, cla envolveria, com efeito, alguma obscuridade © mesmo uma certa passividade na transfor~ magdo. Seria preciso, com efeito, admitir uma passagem de si ‘mesmo a outra coisa, 0 que suporia que a espontancidade se escapa ‘a cla mesma. A espontancidade do Ego scapa-se a cla mesma visto que 0 ddio do Ego, se bem que néo podendo existir por si s6, possui apesar de tudo uma certa independéncia cm relagio ao Ego. De modo que o Ego é sempre ultrapassado polo que produz, bem que, de um outro ponto de vista, ele seja o que produz. Daf cessas perplexidades clissicas: "como pude Ex fazer isto!”, "como pude Eu odiar meu pail", elc., etc. Aqui, evidentemente, 0 todo concrete do ev até hoje intuido sobrecarrega este Eu produtor ¢ * mantém-no um pouco em recuo relativamente ao que ele acaba de produzir. © lago entre o go c os scus estados permanece, por~ tanto, uma espontancidade ininteligivel, Foi esta espontancidade que Bergson deseroveu em Les données immédiates, & ola que cle toma pola liberdade, sem se aperceber que descreve win objecto, nfo uma conseincia, © que a Tigagio que estabolece 6 perfoita~ mente irracional, porque © produtor & passivo om relagdo 2 coi criada. Por mais ireacional que seja, esta relagio de ser a que veri tide deixa menos ‘iw do Ego. E vemos 0 su son 0 Ego & um objecto apreendido, mas tambSm constituldo pelo saber reflexive. E um foco virtual de unidade ¢ a consciéncia cons- Aitui-o no sentido inverso ao que a produgio real segue: 0 que € primeiso realmente sio as conscitncias, através das quais se cconstituem 08 estados, depois, através destes, o go. Mas como a orden & invertida por uma conscigncia que se aprisiona no mundo para fugir de si, as consciéncias s20 dadas como emanando dos 70 A Transcendéncia do Ego estados © 08 estarlos como produzidos pelo Figo. Segue-se que consciéncia projecta a sua propria espontaneidade sobre 0 objecto go para Ihe conferir o poder crindor que The é absolulamente necessirio, $6 que esta espontancidade, representada ¢ hipasta- siada num objecto, torna-sc uma espontancidade bastarda ¢ dogradada, que conserva magicamente © seu poder crindor tor- nando-se a0 mesmo tempo passiva. Daf a irracionalidade profanda da nogio de Ego. Conhecemos outros aspectos degradados da espontaneidade consciente, Citarei apenas um: uma mini expressiva © apurada pode dar-nos a sErlebnis» do nosso inter locutor com todo o sou sentido, todos os seus matizes, toda a suit frescura, Mas cla di-no-la degradada, quer dizer, passiva, Esta- mos, assim, cercados de objectos magicos, que conservam come que una lembranga da espontancidacle dt conseiénein senelo 0 mesmo tempo objectos do mundo. Bis por que o homem & sempre um {citiceiro para © homem. Com efeito, esta ligagio poctiea de duas passividades, das quais uma cria a outra espontancamente, 6 a prépria base da feitigaria, € 0 sentido profundo da "participagio" Eis por que, também, somos nis para néis mesmos feiticeiros de cada vez que consideramos 0 nosso Eu [Moi]. Em virtude desta passividade, o Fo € susceplivel dle ser afec= tade, Nata pode agir sobre a consciéncia, porque cla é causa de si. Mas, ao contrério, o Ego que produz sofre o choque do retorno daquilo que produz. Ele esté "comprometide” cons 0 que produz. Tl aqui uma inversio de relagio: a aegio ow o estado voltam-se para o Ego para o qualificarem. Isto texz-nos de volta ainda A 0 de participagio, Todo ¢ qualquer novo estada produzido pelo Fgo tinge © matiza 0 #go no momento em que 0 Ego 0 pro~ dluz, O Fgo esti, de algum modo, enfeitigado por esta acgiin, par ticipa nela, Nao € 0 crime cometido por Raskolnikoff que se incorpora no scu Ego. Ou antes, para ser exacto, & 0 crime, mas sob uma forma condensada, sob a forma de uma contusio, Assim, tudo que 6 Fgo produz impressiona-o; 6 preciso acrescentar: ¢ somente 0 que ele produz, Poder-se-ia objectar que 0 Eu [Moi] pode ser transformado por acontccimentos exteriores (euina, lute, decepgbes, mucanga dle meio social, ete.). Mas s6 enquanto cles sto para cle a ocasiio de estados ou de aegis. Tudo se passa come se 0 Fxo estivesse protegido, pola su espontancidaike PO OUASESSS S SSS SIS ee Bshoco de wna Descrigéo Fenomenolégica 7 tasmitica, de qualquer contacto directo com o exterior, tomo 8 cele nio pudesse comunicar com 0 Munclo a niio sor por intermédlio dos estadas © das acgies. F visivel a razto deste isotamento: 6 muito simplesmente, porque 0 go € um objecto que niio aparece seni 4 reflexiio © que, por esse facto, ests radicalmente cortado do mundo. Ele nao vive no mesmo plano. Do mesmo madlo que o Ego & uma sinteso irracional de actividad © de passividade, cle é também sintese de interioridade ede transcendéncia. Ele 6 num certo sontido, mais “interior” 3 consciéneia que os estados. E, precisamente, a interioridade da consciéneia reflectida contemplada pela consciéncia reflexiva. Mas 6 fécil de compreender que a reflexo, contemplando a interiori- dade, faz dela um objecto posto diante dela, Que entendemos nés, com efeito, por interioridade? Simplesmente que, para a conscign~ cia, sere conhecer-se so uma s6 e mesma coisa. Coisa que se pode exprimir de varias manciras: posso dizer, por exemplo, que, faa consciéncia, a aparéncia & o absoluto enguanto elt é aparéneia ou ainda que a consciéncia & um ser cuja esséncia implica a existéncia, Estas diferentes fGrmulas permitem-nos con Cluir que se vive a interioridade (que se “existe interiormente"), mas que nio se a contempla, visto que cla estaria ela mesma para 1 da contemplagio, como sua condigio. Nao serviria para nada objectar que a reflexio pOe a consciéncia reflectida ©, com isso, a sua interioridade. © caso é especffico: reflexio ¢ reflecticlo niio fazem senio um, como o mostrou muito bem Husser), ¢ a interio~ ridacle de uma funcle-se na do outro. Mas por diante de si a interio= ridadle ¢, forgosamente, toma-Ja pesada ao modo de um objecto, & como se ela se fechasse sobre si e nao nos oferecesse seniio 0s seus exteriores; como so fosse preciso "andar A sua volta” para a compreender, E é mesmo assiin que 0 Figo se da A reflexto: como uma interioridade fechada sobre ela mesma. Ele € interior para ele, io para a conscitncia, Naluralmente, trataese ainda de um complexe contraditério: com efeito, uma interioridade no tom nunca exterior, Ela ni pode ser coneebida senio por ela mesann & & por isso que nfo polemos aprender as consciéneins de outrem por isso ¢ nie porque as corpos nos soparam). Na reali inorioridasle degradada e irracional deixa-se analisar em dus estruturas muito particulares: a intimidade ©» indistingda, Sobdo do dod dodo dD De doEDeddEUS 72 A Transcendéncia do Ego Em relagi como se o Figo fosse da consciéncia, apenas com esta diferenca essencial de ele ser opaco para a consciéncia. E esta opacidade & apreendida como indistingdo. A indistingio, de que se faz, sob diversas formas, um uso frequente na filosofia, & a interioridade vista do exterior ou, so se prefere, a projecgio degradada da inte~ rioridade. E esta indistingio que se encontraria, por exemplo, na famosa «multiplicidade de interpenctragio» de Bergson. E ainda esta indistingi, anterior as especificagies da natureza naturacla, que se encontra no Deus de numerosos misticos. Pode-se com- proondé-la ora como uma indiferenciagio primitiva de todas as qualidades ora como uma forma pura do ser, anterior a tocla qualli- ficacio. Estas duas formas de indistingio pertencem ao Ego, segundo © modo como ele & considerado, Na espera, por exemplo = (ov quando Marcel Atland explica que ¢ preciso um aconteci- mento extraordinstio para revelar o Eu [Moi] verdadciro) ~, 0 Ego ‘dé-se como uma poténcia nua, que se precisard ¢ se cristalizara no contacto com os acontecimentos.* Ao contratio, depois da accio, parece que o Figo reabsorve 0 acto praticade numa multiplicidade de interpenetragdo. Nos dois casos, trata-se de totalidade conercta, mas a sintese totalitéria 6 operada com intengées diferentes. Talvez ‘que se pudesse chegar a dizer que 0 Ego, em relagio ao passado, & ‘multiplicidade de interpenciragio e, em relagio ao futuro, poténcia nua, Mas devemos desconfiar aqui de uma excessiva esquemati- zagho. ‘Tal qual 6, 0 Eu [Moi] permanece-nos desconhecido, E isso pode compreender-se facilmente: cle di-se como um objecto. Portanto, 0 tnico método para o conhecer & a observagio, a aproximagiio, a espera, a experitncia, Mas estes procedimentos, que se adequam perfeitamente a todo transcendente ndo-futimo, ito se adequam aqui devido ao facto da pripria intimidade do Ex [Moi]. Ele esta demasiado presente para que nos possamos pir, a seu respeito, de um ponto de vista verdadeiramente exterior, Se recuamos para ganhar distfincia, ele acompanh: Rie est infinitamente préximo e ndo posso contorn-lo. Serei eu Com no caso em que alguém com um comportamento passional, querendo tier n entender que mo sabe al€ onde a paixio 0 levard, diz: «tenho medo de afin. Esboco de wma Descricdo Fenomenolégica 73 preguigoso ow trabalhador? Decidirei, sem divida, se me dirigit Aqueles que me conhecem ¢ Ihes perguntar a sua opiniao. Ow posso ainda coleccionar os factos que me dizem respeito e tentar inter- preti-los tao objectivamente como se se tratasse de um outro. Mas barra o caminho. Assim, "eonhecer-se bem” é, fatalmente, tomar sobre si o ponto de vista de outrem, quer dizer, um ponto de vista forgosamente falso. E, todos 0s que tentaram conhecer-se con- cordaréo, esta (entativa de introspecgao apresenta-se, desde a forigom, como o esforgo para reconstituir, com pecas desligadas, com fragmentos isolados, o que se deu originariamente de uma vez, de um s6 lance. Assim, a intuigio do Ego & uma miragem perpetuamente falaz, pois ela ao mesmo tempo dé tudo e nao da nada. Como poderia ser de outro modo, alifs, visto que o Ego mio € a tolalidade real das consciéncias (esta totatidade seria contra~ ditéria, como todo infinito em acto), mas a unidade ideal de todos os estados ¢ acgies. Sendo ideal, esta unidade pode, naturalmente, abarcar uma infinidade de estados. Mas percebe-se bem que 0 que 6 dado A intuigio concreta e plena & somente esta unidade enquanto se incorpora no estado presente. A partir deste nicleo concreto, uma quantidade maior ou menor de intengfes vazias (em ircito, uma infinidade) dirigem-se para o passado e para o futuro c visam os estados e as acgtes que nao esto dados presentemente. Os que tém algum conhecimento da Fenomenologia compreen- derio sem dificuldade que 0 Fgo seja ao mesmo tempo uma uniclade ideal de estados, cuja maioria esté ausente, © uma totali- dade conereta que se di por inteiro & intuigio: isso significa sim- ~ plesmente que o f'go é uma unidade noematica e nio nostica. Uma Arvore ou uma cadeira nfo existem de outro modo. Naturalmeate, as intengoes vazias podem sempre ser preenchidas e um qualquer estado, uma qualquer acgio pode sempre reaparecer & consciéneia como sendo ou tendo sido produzida pelo Ego. Enfim, o que impede radicalmente que se adquira reais co- nhecimentos sobre o Ego € 0 modo muito especial como cle se da 4 conscincia reflexiva. Com efeito, o Figo sé aparece quando mio ‘© olhamos. E preciso que o olhar reflexivo se fixe na «Erlebnis», enquanio ela emana do estado. Entio, por detrés do estado, no 4 A Transcendéncia do Ego horizonte, aparece o Ego. Ele nfo é nunca vista senio pelo canto do olho. Assim que volte o meu olhar para ele © que quero atin “Jo sem passar pela «firlebniss eo estado, ele dissipa-se. E que, com efeito, a0 procurar apreender © Fgo por ele mesmo ¢ como ‘objecto directo da minha conseiéncia, recaio no plano irreflectido © 0 Bgo desaparece com 0 acto reflexive, Daf essa impressio de incerteza irritante que muitos filésofos traduzem ao por o Eu para aquém do estado de consciéneia e ao afirmarem gue a consciéncia deve voltar-se sobre cla mesma para aperceber 6 Eu que est por dotras dela. Nao é nada disso, mas por natureza 0 Ego 6 fugidlio, £ certo, no entanto, que 0 Eu aparece no plana itreflectido. Se me perguntam: «que fazes tu?» © respondo, atarefado, «tonto pendurar este quadro» ou «conserto o pneu de irés, estas frases no nos transportam para o plano da reflexéo, pronunciovas sem parar de traballiar, sem parar de considerar unicamente as acgics, ‘enquanto clas estio feitas ou sio a fazer, nio enguanto cu as fago, Mas este "Eu" de que ¢ aqui questio nao é, contudo, uma simples forma sintéctica. Ele tem um sentido; & muito simplesmente um conceito vazio ¢ destinado a permanceer vazio, Do mesmo modo que posso pensar numa cadeira na auséncia ce qualquer cadcira © pelo simples conceito, posso pensar © Eu na auséncia do Bu. B isso {que toma evidente a consideracho de frases tais como: «que fazes esta tarde?», «vou ao escritérioy ou «encontrci 0 meu amigo Pedro» ow «tenho de Ihe escrevern, etc., etc, Mas 0 Eu, a0 cair do plano reflectido no plano irreflectido, nio se esvazia simples- mente. Ele degrada-se: perle a sua intimidade. © vonceito poderia nunca ser preenchido pelos dados da intuicio, pois ele visa, agora, outra coisa que eles. O Eu que enconteamos aqui &, de algum modo, 0 suparte das acgées que (cu) fago ou devo fazer no ‘mundo, enquanto elas so qualidades dor mundo € nfo tnidades cle conscincias. Por exemplo: a madeira deve see partida em pequenos pedacos para que o lume acenda. Dever & uma qualidade da madeira ¢ uma relagio objectiva da madeira com 0 fogo que deve ser acesa. Neste momento, ett parto a madeira, 0 que quer se realiza no mundo © que o suporte objective & in desta acgio 6 0 eu-conceito. Eis por que razio 9 corpo € as imagens do corpo podem consumar a degeadagio total do Eu con- cxeto da reflexio no Eu-conecito, ao servirem a este de preenchi Exboco de uma Descri¢to Fenomenolégica 75 mento ilusdrio. Digo "Eu" parto a madeira ¢ vejo e sinto 0 objecto "enrpo" em vins de partir a madeira, © corpo serve ent dle xini- bolo visivel e tangivel para o Eu. Vé-se, portato, a série de refracgtes © de degradagics de que uma "egologia” se deverin ocupar. i, Conscincia reflectida - imantneia ~ interioridade Plano reflectide | Ego intuitivo ~ (ranscendéncia ~ intimidade. (dominio do psfquico) En-conceito (facultativo) ~ vazio transcendente ~ = sem “intimidade". Plano irreflectido ) Corpo como preenchimento ilusGrio do Eu-conceito {(ominio do psicofisico) E) O EU E A CONSCIENCIA NO COGI Poder-se-ia perguntar por que razio 0 Eu aparece por ocasiio do Cogito, visto que © cogito, se & correctamente executatlo, apreensio de uma consciéneia pura, sem constituigio de estado nem de acgio. Para dizer a verdade, 0 Eu no é necessério aqui, ji que ele nao é nunca unidade directa clas consciéncias. Pode mesmo supor-se uma consciéncia executando um acto reflexivo puro que a daria a cla mesma como uma espontancidade nio-pessoal. Sé que & preciso considerar que a redugio fenomenolégica nio é nunca perfeita. Intervém aqui um grande nGmero de motivagées psi- coligicas. Quando Descartes executa 0 Cogito, ele efectua-o em igacio com a divida metédica, com a ambigdo de «fazer avangar as ciGnciasy, cle., coisas que sio acgdes ¢ estados. Assim, 0 métadlo cartesian, a divida, ete., dio-se por natureza como empre- cndimentos de um Eu. E totalmente natural que o Cogito, que apare- ‘ee no termo destes empreendlimentos ¢ que se dé como logicamente ligado & divide metédica, veja aparecer um Eu no seu horizonte Este Cu € uma forma de ligagio ideal, uma mancira de afiemar que © Cogito & verdadeiramente tomado na mesma forma que a divida Numa palavra, o Cogito € impuro; & uma consciéncia espontinea, sem divica, mas que permanece sinteticamente ligada a consci 0. renner wooed eee EEESESEOS 76 A Transcendéncia do Exo cias de estados e dle acgies. A prova disso & que 0 Cogito se da a0 ‘mesmo tempo como 0 resultado lgico da davida ¢ como o que Ihe poe fim. Uma apreensio reflexiva da consciéncia esponténca como espontancidade nfo-pessoal exigiria ser consumada sem nenhuma motivagdo anterior. Ela é sempre possivel de direito, mas perm nece deveras improvavel ou, pelo menos, extremamente rart na nossa condigho de homens. De tode modo, como dissemos mais, acima, 0 Eu que aparece no horizonte do «Eu penso» nto se di ‘como produtor da espontancidade consciente. A consciéncia pro~ duz-se om face dele e vai para cle, vai juntar-se-Ihe. E tudo o que se pode dizer, CONCLUSAO Queremos, em conclusio, apresentar apenas as {12s observagiies seguintes: 18. A concepgio do Fgo que propomos parece-nos realizar a ertago do Campo transcendental e, ao mesmo tempo, a sua puri- ficagio. © Campo transcendental, purificado de qualquer estrutura cegoligica, readquire a sua limpidez primeira. Num sentido, € um nada, visto que todos os objectos fisicos, psicofisicos e psiquicos, todas as verdades, todos os valores estio fora dele, visto que o meu Eu [Moi] deixou, cle mesmo, de fazer parte dele. Mas este na ido, visto que ele 6 consciéncia de todos esses objectos. Ji nie & questo de «vida interior», no sentido em gue Brunschvieg opoe «vida interior» ¢ «vida espiritualy, porque jf mio ha nada que objecto @ que possa 20 mesmo tempo pertencer a intimidade consciéncia. As dividas, os remorsos, as pretensas "crises de cons- ciéncia", etc. ~ numa palavra, toda a matéria dos disrios fatimos ~ tornam-se simples representagdes. E talvez que se pudesse tirar dat alguns sios preceitos de discrigio moral, Mas, além disso, & preciso notar que, deste ponto de vista, os meus sentimentos ¢ os meus ostados, 0 meu priprio Fgo, deixam de scr minha pro- pricdade exclusiva. Mais precisamente: até aqui fazia-se uma dis- tingio radical entre a objectividade de uma coisa espécio-temporal Fishogo de uma Descricdo Fenomenolégica ” ow de uma verilade eterna a subjectividade dos "estados” psiqui- Parccia que 0 sujeito detinha uma posigao privilegiada cm relagio aos seus proprios estados. Segundo esta concepeso, quando dois homens falom de uma mesma cadeira, eles falam certamente de uma mesma coisa, esta cadeira que pegamos ¢ levantamos 6 a mesma que a que 0 outro vé, nao hé simples correspondéncia de imagens, hi um s6 objecio. Mas parecia que, quando Paulo tenta comprcender um estado psiquico de Pedro, cle nao podia atingir este estado, cuja aprecnsio intuitiva pertencia apenas a Pedro. Ele nfo podia send tomar em vista um equivalente, criar concei vazios que tentavam em vio atingir uma realidade por esséncia subtrafda a intuigio. A compreensio psicolégica fazia-se por analo- gia. A fenomenologia veio ensinar-nos que os estados sio objectos, que um sentimento enquanto tal (um amor ou um édio) 6 um objec to transcendente que nio poderia contrair-se na unidade de interio- ridade de uma "conscitncia". Por conseguinte, se Pedro ¢ Paulo falam ambos do amor de Pedro, por exemplo, nfo 6 mais verdade ‘que um fale cogamente ¢ por analogia do que o outro apreende em plono. Eles falam da mesma coisa; eles apreendem-na, sem divida, alravés de provessos diferentes, mas estes podem ser ambos igual- mente intuitivos. E 0 sentimento de Pedro no & mais certo paca Pedro do que para Paulo. Ele portence, tanto para um como para outro, & categoria dos objectos que se podem pér em divida, Mas toda esta concepgio profunda e nova fica comprometida se 0 Eu [Moi] de Pedro, esse Eu [Moi] que odeia ou ama, permanece uma estrutura essencial da consciéneia, © sentimento, com efeito, per manece-Ihe ligado, Esse sentimento “cola-se" ao Eu [Moi]. Se se puxa o Eu [Moi] para a consciéne ‘Tomou-se visivel para nés, pelo contrétio, que o Eu [Moi] era um ‘objecto transcendente, como estado, € que, por esse facto, era acessivel a dois tipos de Jo; uma apreensio intuitiva pela conseineia de que ele é 0 Fu [Moil, uma apreensio, menos Pedra e, nos dois casos, ele 6 objecto de uma evidéncia inadequada. Se é assim, em Pedio nada mais resta de "impenctrivel” a nio ser a sua conscigacia mesma. Mas esta 6-0 radicalmente. Queremos dizer que cla refractiria a intuigo, mas também a0 78 A Transcendéncia do Ego pensamento. Eu nao posse conceber a eonseigneia de Pedro sem fazer dela um objecto (j4 que eu nio a coneebo como senda minha consciéncia). Nao posso coneebé-la porque seria preciso pensé-a como interioridade pura e, ao mesmo tempo, como transcendéncin, © que & impossivel. Uma consciéncia nfo pode eonceber outra consciéneia que ela mesma. Assim, podemos distinguir, gragas & nossa concepgio do Eu [Moi], uma esfora acessivel & psicologia, xa qual o método de observagio externa e 0 méteda introspective ém os mesmos direitos € podem ajudar-se mutuamente, ¢ uma esfera transcendental pura, acessivel apenas a fenomenologia. Esta esfera transcendental 6 uma esfera dle cxisténcia absotura ‘quer dizer, de espontaneidades puras, que nfo sto nunca objectos © ‘que se determinam por elas mesmas a existir. Sendo o Eu [Moi] objecto, 6 evidente que nunca poderia dizer: a minha conseiéncin, quer dizer, a consciéncia do meu £u [Moi] (salvo num sentida puramente designative, como por exemplo se diz: 0 dia do meu baptizado). © go nio € proprictério da conscincia, cle 6 0 objecto. Cortamente que nés constitulmos espontancamente os nnossos estados ¢ as nossas acgies como produgies do igo. Mas os nossos estados e as nossas aegis so também objectos. Nao temos da espontancidade de uma consciéncia como produto do igo. Tal seria impossivel. E apenas no plano das significagies e das hipsteses psicoligicas que povle- mos conceber semelhante producio, ~ ¢ este erro niio 6 possivel seniio porque, neste plano, o Ego ca conscigncia estio no vazi. Neste sentido, se se compreende 0 «/u penso» de modo a fazer lo pensamento uma produgio do Eu, entao o pensamento foi j& cons tituido como passividade © estado, quer dizer, como objecto; abandonou-se 0 plano da reflexao pura, na qual 0 go aparcee sem divida, mas no horizonte da espontancidade. A atitude reflexiva & correctamente expressa nesta famosa frase de Rimbaud (na carta do vidente) «Eu 6 um outro». O contexto prova que ele quis dizer simplesmente que a espontancidade das consciéncias nao poderia cemanar do Eu, cla vai para o Eu, alcanga-o, deixa-o entrever-se sob a sua limpida espessura, mas ela di-se antes de tudo como cespontancidadle individuada e impessoat. A tese, comummente ae {e, segurito a qual os nossos pensamentos brotariam cle um incons~ lente impessoal ese “personalizariam” ao se tomnarem eonseientes, _ ee Esbogo de uma Descrigéo Fenomenolégica 9 parcce-nos ser uma interpretagio grosseira e materialista de uma intuigto correcta, Ela foi sustentada por psicéloges que compreen- deram muito bem que a conseiéneia nao "safa* do Bu, mas que no podiam accitar a idcia de uma espontaneidade que se produzisse a si mesma, Estes psicilogos imaginaram ingenuamente, por conse- guinte, que as consciéncias espontineas "saiam" do inconscientc ‘onde existiam j4, sem se aperceberem que eles apenas tinham feito recuar © problema da existéncia, que & preciso acabar mesmo por formular, e que o tinham obscurecido, ja que a existéncia anterior das espontancidadles nos limites pré-conscientes seria necessaria- mente uma existéncia passiva, Podemos, portanto, formular a nossa tese: a con trans- concental & uma espontancidade impessoal. A cada instante, cla determiva-se 2 existéncia sem que se passa conceber qualquer coisa antes dela. Assim, cada instante da nossa vida conscionte revela-nos uma criagio ex nihilo. Nao um arranjo novo, mas uma nova existéncia. Hi qualquer coisa angustiante para cada um de nnés no apreender ao vivo esta eriagdo incansivel de existéncia de que nds nao somos criaores. Neste plano, 0 homem tem a impressio de se escapar incessantemonte, de se extravasar, de se sutpreender com uma riqueza sempre inesperada c é novamente a0 inconsciente que cle incumbe de dar raziio desta ultrapassgem do Eu [Moi] pela consciéncia. O Eu [Moi] nio tem nenhum domfnio sobre esta espontaneidade, pois a vontade € um objecto que se constinti para e por esta espontaneidade. A vontade ditige-se para os estados, para os sentimentos ou para as coisas, mas cli no se volta nunea para a consciéncia. Damos conta disso naqueles easos em que se fenta querer uma consciéacia (quero adormecer, mio quero pensar mais nisso, otc.). Nostes diferentes casos, & necessirio por esséncia que a vontade soja conscrvada © mantida pela consciéncia radicalmente oposta a0 que ela quereria ver nascer (s¢ quero adormecer, permanego acordado, ~ se nio quero Pensar cm tal ou tal coisa, penso prectsamente por isso). Parcee- “nos que esta espontaneidade monstruosa est na origem de humerosas psicastenias. A conscigncia assusta-se com a sua prpria espontancidade, porque cla sente-a como para id da liberate. E 0 que se pode ver claramente num exemplo de Janet, Uma jovem casada tinha medo de, quando o seu marido a delxava i Pee o ode ,O HESS So ddS odd ddd ddd ddd OEY a 80 A Transcendéncia do Ego 86, se pOr a jancla ¢ interpelar os transcuntes & maneira das prosti tulas, Nada na sua educagéo, no seu passado nem no seu cardcter pode servir de explicacdo para semelhante temor. O que nos parece € que, muito simplesmente, uma circunstincia sem importincia (leitura, conversagio, ete.) tinha determinado nela o que se podria chamar uma vertigem da possibilidade. Ela descobria-se como monstruosamente livre ¢ esta liberdade vertiginosa aparecia-the por ocasido desse gesto que tinha medo de fazer. Mas esta ver~ tigem $6 ¢ compreensivel se a consciéncia aparece de sabito a cla mesma como extravasando infinitamente nas suas possibilidades 0 Eu que lhe serve ordinariamente de unidade. Talvez, com efeito, que a fungio essencial do Ego nfo sej tanto te6rica como pratica. Nés sublinhémos, com efeito, que ele nfo encerra a unidade dos fenémenos, que ele se limita a reflectir uma unidade ideal, ao paso que a unidade conereta ¢ real esté executada desde hé muito, Mas talvez que 0 sew papel essencial seja encobrir 4 consciéncia a sua prépria espontaneidade. Uma descrigio fenomenolégica da espontaneidade mostraria, com efeito, que esta torna impossivel toda ¢ qualquer distingio entre acgio e paixio ¢ toda e qualquer concepgio a respeito de uma autonomia da vontade. Estas nogSes 6 t8m significagio sobre um plano em que toda actividade se d4 como emanando de uma pas- sividade que ela transcend, numa palavra, sobre um plano em que (© homem se considera a0 mesmo tempo como sujeito © como objecto. E uma necessidade eidética, porém, que se nfo poss: ‘inguir entre espontancidade voluntéria e espontaneidad involun~ tari Tudo se passa como se a consciéncia constituisse 0 Ego como uma falsa representacdo dela mesma, como se ela se hipnotizasse com este Ego que ela constituiu, se absorvesse nele, como se cla dele fizesse a sua salvaguarda ea sua Ici: & gragas ao Ego, com efeito, que se poderd efectuar uma distingéo entre o possivel ¢ 0 real, entre a aparéncia e 0 ser, entre o querido e 0 sofrid. Mas pode acontecer que a consciéneia, subitamente, se apre~ sente no plano reflexive puro. Nao (alvez sem Ego, mas como escapanda por todos os Indos a0 Ego, como deminando-o sus ontando-o fora dela por uma criagio continuada. Neste plano, j4 hé distingdo entre o possfvel ¢ o real, visto que a aparénc Eshago de uma Descrigéo Fenomenol6gica 81 absoluto, J4 no hi barreiras, limites, nada mais que dissimule a consciéneia de si mesma. Entio a conscigneia, apercebendo-se do que poderfamos designar como a fatalidade da sua espontancidade, angustia-se repentinamiente: é esta angéstia absoluta ¢ irtemediavel, este medo de si, que nos parece constitutive da consciéncia pura ¢ 6 cle que dé a chave da perturbacho psicasténica de que fal4mos. Se o Eu do Eu penso ¢ a estrutura primeira da conscifncia, es angdstia ¢ impossivel. Se, pelo contraria, se adopta 0 nosso ponto de vista, nfo sé temos uma explicagdo cocrente desta perturbagio como temos ainda um motive permanente para efectuar a redugio fenomenoligica. E sabido que Fink confessa nfo sem melancolia, no seu artigo dos Kantstudien, que, tanto quanto se permanega na tude “natural”, ndo Ad raze, nio hé "motivo" para praticar a Exony}. Com efeito, esta atitude natural é perfeitamente coorente ¢ nao se poderia encontrar nela esas contradigées que, segundo Platio, conduzem o filésofo a efectuar uma conversio filosifica Assim, na fenomenologia de Husserl, a Exoyy} aparece como um milagre. © priprio Husserl, nas Meditagées Cartesianas, alude de modo muito vago a certos motives psicolégicos que levariam a efectuar a redugiio, Mas esses motivos ni parecem em nada sufi cientes e, sobretudo, a redugio no parcce poder efectuar-se senio no termo de um longo estudo; cla aparece, portanto, como uma ope- Tagio dowta, oque the confere uma espécie de gratuitidade. Ao con- trério, se a eatitude natural» aparcce por inteiro como um esforco que a consciéncia faz para eseapar a ela mesma, projectando-se no Eu [Moi] ¢ absorvendo-se nele, c se este esforco nao & nunca com- pletamente recompensada, sc ¢ suficiente um acto de simples reflo- xii para que a espontaneidade conseionte se arranque bruscamente do Eu ¢ se dé como independente, a éxoxs} ja nfo & um milagre, ja ‘70 6 um método intelectual, um procedimento douto: 6 uma ang tia que se nos impde © que nio podemos evitar, é ao mesmo tempo um acontecimento puro de origem transcendental ¢ um acidente sempre possivet da nossa vida quotidiana, 2. Esta concepgio do Ego parece-nos ser a Gnica refutagio possivel do solipsismo, A refutagio que Husserl apresenta em Formale und Transcendentale Logik e nas Meditacées Cartesianas no nos parece poder atingir um solipsista detcrminado ¢ inteligen- OO —_ ( Y 'FSY” 1 _ €zzZzZzz-r|-|-|:|:|-|-|T-Trrrllll 82 A Transcendéncia do Epo te, Enquanto © Eu pormanecer uma estrutura da conscincia, seré Sempre possivel opor a consciéncia com seu Eu a todos as outros existentes. No fundo, sc mesmo Zt [Moi] que produzo o mundo, Pouco importa que certos estratos desse mundo necessitem, device A. sua prépria natureza, de uma rclagio a oulrem, Esta relagio pode ser uma simples qualidade do mundo que cu crio ¢ nio me obriga de modo nenhum a aceitar a existéncia real de outros Eus. Mas se 0 Eu se torna um transcendente, entio cle participa em (odas as vicissitudes do mundo. Ele io 6 um absoluto, ele nio criou 0 universo, ele fica, como todas as outras existéncias, a0 alcance da éxoy{; ¢ 0 solipsismo torna-se impensavel desde o ‘momento em que o Eu jé ndo tem uma posicéo privilegiada, Com efcito, em vez de se formular: "S6 eu existo como absoluto", deve~ i se: "SS a conscigncia absotuia existe como absobuta’, coisa que é, evidentemente, um trufsmo. © meu Eu, com efeito, ndo € mais certo para a consciéncia que 0 Bu dos outros homens. Ele 6 apenas mais fntimo, 3°. Os te6ricos de extrema-esquerda acusaram algumas vezos a fenomenologia de ser um idealism ¢ de afogar a realidhade na tor- rente das idcias, Mas sc 0 idealismo ¢ a filosofia som mal de Brunschvicg, se cle é uma filosofia em que 0 esforgo de assimi- lagho espiritual nfio encontra nunca resisténcins exteriores, once © sofrimento, a fome, a guerra se dilucm num lento proceso de uunificagio das ideias, nada & mais injusto que chamar idealistas, 08 fonomendlogos. Pelo contrario, hi séculos que ni sentir na filosofia uma corrente tio realista. Eles voltaram a mer gulhar 0 homem no mundo, deram todo o seu peso as suas angiis~ ias © a0s seus sofrimentos, as suas revollas também. Infelizmente, enquanto o Eu permanecer uma estrutura da consciéncia absoluta, poder-se-4 acusar ainda a fenomenologia de ser uma "doutrina- ~refigio", de atirar ainda uma parcela do homem para fora do mundo e de afastar com isso a atengio dos verdadeiros problemas, Nilo nos parece que essa acusagio tenha razio de ser se se faz do Eu [Moi] um existente rigorosamente contempordnco do mundo ¢ cuja existtncia tem as mesmas caracteristicas essenciais que 0 mundo. Sempre me pareceu que uma hipiitese de trabalho fio fecunda como o materialismo histirico nfo exigia de moto no- Eshogo de wma Desericiio Fenomenolégica 43 nhum como fundamento essa absurdidade que & 0 materialism metafisico. Nao 6 com efeito, necessirio que 0 objecto precerht 1 ssujeito para que os pscudo-valores espicituais se dissipem ¢ pra que a moral reencontre as suas bases na realidade, Basta que @ [1 [Moi] seja contemporineo do mundo e que a dualidade sujeito- objecto, que & puramente Igica, desaparega definitivamente das preocupagies filoséficas. © Mundo nio criow 0 Eu [Moi], Eu [Moi] nfo criow © Mundo, cles so dois objectos para a conseién- cia absoluta, impessoal, ¢ & por cla que cles estio ligados, Esta consciéncia absoluta, quando é purificada do Eu, nada mais tem que sejn earacteristicn de um sujeito, nem & também uma colegio dle_representagées: ela 6 muito simplesmente uma condigio primeira ¢ uma fonte absoluta de existéncia. E a relagio de inter- dependéncia que ela estabetece entre o Eu [Moi] eo Mund basta para que o Eu (Moi) apareca como "em perigo" diate do Mundo, para que o Eu [Moi] (indircetamente e por intermédio dos estados) retire do Mundo todo 0 sou conteddo. Nada mais é preciso para fundamentar filosoficamente uma moral ¢ uma politica absoluta ‘mente positivas ee

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