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INTERDIT”
Jean Bartoli
Nesse trabalho, queremos destacar alguns aspectos da reflexão de Marie
Balmary sobre as analogias que existem entre a leitura psicanalítica e a leitura feitas
pelos textos bíblicos da realidade humana. Usaremos o livro “Le sacrifice interdit” 1
PONTO DE PARTIDA
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BALMARY, Marie, Le sacrifice interdit, Freud et la Bible, Paris, Grasset, 1986
1
aconteceu “no começo”, mais exatamente em três começos: o da humanidade, o do
povo de Israel, o da Igreja cristã.
Balmary conta que ela foi levada a questionar a obra teórica de Freud, que diz
respeito à infância de cada homem assim como à infância da humanidade, quando
foram publicadas algumas obras biográficas sobre ele. Alguns elementos novos, que
pareciam ignorados inclusive por Freud, foram revelados: por exemplo que o pai de
Freud teria sido casado três vezes e não duas como Freud acreditava e escrevia.
Por que esses segredos? O que escondiam? Quem eles protegiam? Pareciam
querer preservar a figura exemplar dos pais e principalmente a do pai. Pareceu
então estranho que a teoria psicanalítica que inocentava o pai de graves ofensas
contra a criança, foi inventada bem no momento que seu autor tinha que viver o luto
do seu velho pai, ele mesmo inocentado pelo segredo familiar. Freud então não
queria acreditar nas suas pacientes como antes, quando elas traziam narrativas de
agressão sexual por um pai ou um irmão. E foi no momento em que ele inocentou
seu pai morto, em que ele suspeitou fabulação nas narrativas de suas pacientes,
que ele descobriu o complexo de Édipo.
A coincidência chamou mais ainda a atenção quando nossa autora percebeu
que o uso que ele fazia do mito contradizia o próprio mito. A tradição assim como a
tragédia não situa a origem da infelicidade de Édipo nos desejos incestuosos e
parricidas de Édipo. Esses crimes são a conseqüência involuntária de uma sucessão
de graves erros simbólicos (as pessoas não estão mais no seu verdadeiro lugar nas
relações) e de um crime: um ato de sedução e de seqüestro homossexuais
cometidos pelo pai de Édipo sobre o filho de seu hóspede, levando o jovem ao
suicídio. Esse crime foi punido por uma maldição proibindo Laio de ter um filho,
senão esse o mataria. A cientificidade do complexo de Édipo, como Freud a
concebia, estava sendo questionada; não se podia ver em Édipo nem no indivíduo
humano o único responsável por seu destino ou sua neurose. A transmissão da
culpa escondida de geração em geração parecia bem bíblica!
Balmary começou a questionar também a transposição do complexo de Édipo
para o conjunto da humanidade. Essa barragem que Freud opunha às religiões
judaica ou cristã, fazendo delas as conseqüências do crime dos filhos contra o pai,
não oferecia mais a mesma solidez quando se constatava que Freud não tinha
levado em consideração, no plano familiar, clínico e mítico, o mesmo fato: os pais e
os educadores podem ter cometido atos repreensíveis contra a criança, esses atos
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que tinham relações com os que sofriam: o herói mítico, os pacientes de Freud e ele
próprio.
Quando Freud se tornou questionável, o obstáculo que ele representava para o
caminho bíblico foi descartado. Ele tinha escrito Totem e Tabu onde ele explicava
pelo assassinato do pai a origem da cultura. Esse livro queria substituir o Gênese,
propondo uma outra origem, uma outra culpa original. Assim como seu Moises e o
monoteísmo que contava o assassinato de Moisés pelo seu povo fechava o acesso
aos outros quatros livros do Pentateuco. Uma vez descartadas essas suposições, os
cinco livros da Tora podiam ser de novo visitados. Em conseqüência, o assassinato
do pai não sendo mais aceito como explicação universal da religião, a historia de
Jesus de Nazaré não precisava mais ser lida como a expiação pelo filho do crime
perpetrado contra o pai: a estrada dos evangelhos se abria também.
Só faltava um elemento para poder ler a Bíblia como psicanalista. Só que nada
é possível para uma psicanalista que tenta de interpretar um sonho se ele não o
entende na língua que fala o sonhador. Por isso, Balmary estudou hebraico e grego
bíblico. No livro, ela vai usar a tradução francesa mais próxima do hebraico: a de
André Chouraqui.
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UM HOMEM TINHA TRÊS FILHOS
Terah, pai de Abrão, é filho e pai de um Nahor. É o primeiro a dar a um de seus
filhos o nome do avó da criança. Nahor, o filho, desposará a própria sobrinha
Milka(“rainha”), filha do seu irmão mais novo. Até então, cada geração via chegar
nomes novos porque a duração da vida era maior. Terah é talvez o primeiro que teve
um filho após a morte do pai. Abrão (cujo nome significa “pai elevado”), o primeiro
dos filhos de Terah desposa uma mulher chamada Sarai (“minha princesa”), da qual
aprenderemos em Gen 20 que ela é quase uma irmã, filha também de Terah, mas
de uma mãe diferente da de Abrão. Semelhanças com Tebas: existe endogamia,
mas algumas distâncias temperam o processo.
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Gen 11,30
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O DIVINO FALA
“vai em direção de ti (ou para ti), de tua terra, de tua geração na casa do teu
pai, para a terra que te mostrarei”.
Esse “para ti” não aparece nas traduções habituais. Ora, segundo nossa
autora, toda cura começa um pouco com esse tipo de diálogo:
“- vai para ti
- quem eu?
- não sei, eu te escuto
- quem eu?
- você que fala comigo.”
Não é um “para ti” introspectivo mas a procura de um sujeito que fala. Javé é
quem chama o homem para a terra, em direção do homem. Isso aparece como um
acontecimento de grande alcance para o devir consciente da humanidade.
Abrão deixa seus envelopes: a terra-país, o corpo materno e a casa paterna.
São dele, mas Abrão foi deles porque eles o envelopam. Esse chamado divino que
convida Abrão a ir em direção de si mesmo não tem nada de arbitrário: é uma
questão de vida ou de morte.
Essa voz, reconhecida por Freud e Lacan como a do desejo, a do sujeito, não
traz um saber: ela revela aos poucos ao analisando os envelopes que ele acredita
ser dele e que, de fato, o cercam e o precedem. Quanto mais o sujeito for em
direção de si mesmo, menos estará doente. Num primeiro momento, estar doente é
o meio que para o movimento que o faz ir na direção do ídolo e não ao encontro de
si mesmo. Essa doença, medicalmente considerada como um mal, é espiritualmente
um progresso.
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outro que esteja presente. Quando uma pessoa vai em direção de si mesma, todas
as relações são modificadas.
3
Gen 17
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UM FILHO LIVRE (CAPÍTULO 8)
PROBLEMA DE MÉTODO
A grande pergunta é: existe um fundamento religioso a todo tipo de sacrifícios?
Abraão podia oferecer alguma trilha para encontrar algumas respostas 4 . Numa
primeira leitura, a intervenção divina parecia o único motor. Numa segunda leitura,
alguns dados transversais atraiam a atenção. Aos poucos aparecia uma trama
condutora. Os passos do método usado por nossa autora são:
Tomar conhecimento do texto na língua original detalhando cada palavra
no seu sentido mais concreto possível
Deixar as novas palavras quebrar o que eles contradizem do sentido que
permaneceu no nosso imaginário, o sentido preestabelecido antes da
leitura.
Achar, uma vez desconstruido o texto outrora memorizado, os pontos de
sentidos suscetíveis de ser ligados entre eles por similitude, oposição,
recorrência, sem a preocupação ainda de interpretar.
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Gen 22
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Tentar ler juntos todos os elementos que fazem sentido até que isso fale
da vida tal qual ela fala para todo ouvinte de palavra viva.
Não se trata, nesse último ponto, de forçar o texto para fazê-lo entrar nas
categorias da psicanálise, mas ouvir com a mesma distância usada para ouvir seus
pacientes, até que o sentido venha, não da teoria que tem na cabeça, mas do
interior da palavra que foi trazida. A exegese se parece muito com o método
psicanalítico: pedir que a palavra se explique, ela mesma, e não deixar ela até que
ela tenha dado um fruto, quer dizer algo de bom que alimenta. Existe um ponto de
alegria atingido a um certo momento de todo trabalho de interpretação. Essa
experiência, desencadeada pela palavra que toca justo, revela uma articulação
exata ou a posição efetiva de um sujeito em relação a um outro em algum momento,
e alcança o ser no lugar de onde brotam suas emoções. A ira, também, pode ser um
bom guia quando se trata de encontrar quais são os envelopes que envelopam
ainda um ser, uma vez sua função matricial cumprida, e por qual caminho, com qual
força sair delas. Essa ira pode ser um bom guia desde que não se obedeça a ela,
mas se interrogue ela!
O sacrifício de Isaac constitui um ponto muito importante na nossa memória:
narrativa de uma crise e de uma decisão, ele provoca em nós uma escolha: o divino
é divino? Perverso? Terapeuta? A única postura diante da narrativa de uma
intervenção divina é de submissão e de fé que não interroga? Ou o próprio texto
convida para outra coisa? A autora escolhe obviamente a segunda hipótese.
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Gen 22, 11-12
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Abraão não precisa retornar contra ele a violência: ele sacrifica um animal –
pai, o bode, lá onde um animal criança devia ser sacrificado. Para ir em direção de si
mesmo, ele tinha que sacrificar o que ele não ia mais ser, abandonar o pai que ele
foi. Ele sacrificou o sacrificador.
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