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1) O documento discute o livro "A Discriminação Negativa: Cidadãos ou Autóctones" de Robert Castel, que analisa a discriminação contra jovens moradores de periferias urbanas na França multicultural.
2) Castel argumenta que esses jovens acumulam desvantagens sociais e são estigmatizados, apesar de terem cidadania formal.
3) O autor explica como mecanismos históricos de dominação colonial influenciam a estigmatização dessas populações na França contemporânea.
1) O documento discute o livro "A Discriminação Negativa: Cidadãos ou Autóctones" de Robert Castel, que analisa a discriminação contra jovens moradores de periferias urbanas na França multicultural.
2) Castel argumenta que esses jovens acumulam desvantagens sociais e são estigmatizados, apesar de terem cidadania formal.
3) O autor explica como mecanismos históricos de dominação colonial influenciam a estigmatização dessas populações na França contemporânea.
1) O documento discute o livro "A Discriminação Negativa: Cidadãos ou Autóctones" de Robert Castel, que analisa a discriminação contra jovens moradores de periferias urbanas na França multicultural.
2) Castel argumenta que esses jovens acumulam desvantagens sociais e são estigmatizados, apesar de terem cidadania formal.
3) O autor explica como mecanismos históricos de dominação colonial influenciam a estigmatização dessas populações na França contemporânea.
Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil Ana Lucia Gonalves Maiolino** Professora Visitante do Programa de Ps-Graduao em Psicologia Social e do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil A DISCRIMINAO NEGATIVA : CIDADOS OU AUTCTONES? CASTEL, Robert. (136 p) La discrimination ngative : citoyens ou indignes? Traduo Francisco Moras Petrpolis, RJ: Vozes, 2008.
A obra A discriminao negativa: cidados ou autctones, de Robert
Castel, editada na Frana em 2007 e traduzida para o portugus em 2008, discute a discriminao negativa, que atinge jovens moradores das periferias urbanas francesas. Um mecanismo que se explicita em tempos multiculturais e multitnicos, quando se evidencia que tais jovens, com origem popular e preponderantemente provenientes da imigrao africana, acumulam uma srie de contra-performances sociais (p. 10), vivenciando a precariedade, a economia informal e, por vezes, a delinqncia. Para Castel, ser discriminado negativamente representa estar associado a um estigma, que os transforma em smbolos da inutilidade social e da periculosidade. Como fio condutor, o autor se utiliza dos acontecimentos ocorridos na Frana, em 2005, que ficaram conhecidos como a revolta dos jovens franceses do subrbio (ou lbanlieu sexprime algo como a periferia se exprime), momento em que jovens moradores destas zonas perifricas iniciaram episdios de violncia em toda a cidade de Paris. Para Castel, tais episdios, desprovidos de reivindicaes e marcados por intervenes improvisadas e espordicas, constituram-se como uma forma de demonstrar seu descontentamento com o tratamento recebido 788 ISSN: 1808-4281 ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 9, N.3, P. 788-792, 2 SEMESTRE DE 2009 http://www.revispsi.uerj.br/v9n3/artigos/pdf/v9n3a16.pdf
pela sociedade francesa como um todo, em face de um profundo
sentimento de desesperana que perpassa suas expectativas em relao a conseguirem uma pertena plena sociedade e a suas perspectivas futuras. Neste sentido, apesar de o trabalho de Castel centrar sua anlises especificamente no caso francs, suas anlises detalhadas e hipteses explicativas podem ser utilizadas no estudo de outras tantas situaes discriminatrias vividas por habitantes das periferias mundo afora, inclusive no Brasil. O primeiro captulo do livro mapeia a evoluo desses espaos urbanos perifricos. Se atualmente so consideradas lugares de abandono, ou como nos eufemismos oficiais bairros sensveis, na dcada de 50, seus grandes conjuntos habitacionais constituam-se como soluo aos graves problemas habitacionais, sendo marcados pela revoluo na forma de habitar a cidade. Na dcada de 70, tambm se estabelecem como local de acolhida privilegiada a famlias de imigrantes. No entanto, na Frana contempornea, marcadas pelo duplo processo de etnizao e pauperizao, sua imagem se degrada. A pauperizao que atinge no apenas estas reas, mas o pas como um todo, decorre da escalada do desemprego, da ocorrncia dos empregos precrios e da pobreza desencadeadas pelo capitalismo atual. J a etnizao provm da imigrao, que, acompanhada deste quadro na esfera do trabalho, acaba por transformar tais locais em praticamente a nica opo de alojamento, estabelecendo-se como uma espcie de priso domiciliar (p. 23) Tendo este cenrio territorial como pano de fundo, Castel, no segundo captulo, aborda a vivncia nas margens destes jovens, destacando que, se no esto confinados a guetos (como os negros norteamericanos nas grandes cidades dos EUA), no vivenciam uma situao de apartheid e tambm no conhecem a misria, por outro lado, no ocupam nenhum lugar reconhecido, tendo um cotidiano marcado por promessas no cumpridas em relao a oportunidades e valores encarnados pela sociedade francesa. Assim, apesar de se beneficiarem de prerrogativas essenciais de pertena nao francesa, dispondo de cidadania poltica e social, recebem um tratamento que os desqualifica. O que difere na gesto nacional dessas minorias tnicas justamente o mote do terceiro captulo. Castel evidencia sua insero precria em diferentes aspectos da vida social: no campo do trabalho, na relao com a polcia e a justia, na escola, que, somados crescente ojeriza pelo Islamismo no pas, evidenciam um quadro de desvantagens concretas. Desta forma, o autor conclui que, apesar de no estarem excludos, 789 ISSN: 1808-4281 ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 9, N.3, P. 788-792, 2 SEMESTRE DE 2009 http://www.revispsi.uerj.br/v9n3/artigos/pdf/v9n3a16.pdf
tambm no podem ser considerados includos:
(...) o problema com o qual se defrontam estes jovens no estar fora da sociedade, nem quanto ao espao que ocupam [...], nem quanto ao estatuto deles (muitos so cidados e no estrangeiros). Contudo, eles tambm no esto dentro, visto que no ocupam nenhum lugar reconhecido e muitos dentre eles parecem pouco suscetveis de encontrar este espao. (p.40)
Castel destaca que esse dficit de cidadania, e o respectivo sentimento
de injustia vivenciado pelos jovens, ainda mais grave se considerarmos que estamos em presena de uma sociedade que clama pela igualdade de direitos e chances. No quarto captulo, Castel analisa o fato de estes jovens, a partir da desqualificao da qual so objeto, transformarem-se em receptculos privilegiados na cristalizao dos temores que atravessam o conjunto da sociedade. Uma tendncia que cristaliza nas margens as rachaduras do centro e responsabiliza pelas disfunes aqueles que so justamente suas maiores vtimas (p. 59-60). Utilizando-se da insegurana como exemplo deste quadro, Castel questiona o fato de as minorias serem tomadas, praticamente, como as nicas responsveis por todo o problema, de sorte que a erradicao da periculosidade que elas trazem estaria, em ltima instncia, impondo uma vitria insegurana generalizada (p. 65). Dentro deste contexto, o autor observa que os acontecimentos de 2005 podem evidenciar o lugar que ainda ocupa, na sociedade francesa, a discriminao etnorracial, apesar dos avanos da Constituio em relao ao passado colonialista da nao. Na busca de uma construo explicativa a esta discriminao etnorracial, Castel defende que se encontra em curso uma atualizao da noo de classes perigosas. Resgatando aspectos histricos, como a criminalizao dos vagabundos na sociedade pr-industrial e os sentimentos de repugnncia e medo que o proletariado (miservel e submetido a condies de vida horrorosa) do incio do sculo XIX deflagrava sobre o conjunto da sociedade, Castel destaca que justamente neste deslocamento dos conflitos sociais para as margens que se configura a utilidade da noo de classe perigosa (p. 68). Neste caso, conclui o autor, a represso dessas massas perigosas tem como efeito restaurar a paz da sociedade, sem que os desequilbrios estruturais sejam evocados. No que tange insegurana, esta fica reduzida a um problema de delinqncia, a um caso de polcia, esvaziando-se os aspectos estruturantes relacionados degradao do trabalho e habitao, ao desemprego em massa e dificuldade de 790 ISSN: 1808-4281 ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 9, N.3, P. 788-792, 2 SEMESTRE DE 2009 http://www.revispsi.uerj.br/v9n3/artigos/pdf/v9n3a16.pdf
convivncia entre diferentes grupos tnicos que compartilham o declnio
social contemporneo e a ausncia de perspectivas para o futuro. Assim, vagabundos, proletrios e jovens de periferia, amplamente estigmatizados, so discriminados e empurrados para os confins de uma ordem social na qual no se sentem integrados, carregando, ao mesmo tempo em que ocultam, um mau-funcionamento da sociedade, (seja ela pr-industrial, industrial ou ps-industrial) (p. 71). Uma vez desvelada a questo do mito e utilidade da noo de classe perigosa, Castel, no captulo seguinte, nos apresenta um aspecto peculiar desta construo na Frana, qual seja, o fato de que todo esse processo de estigmatizao est atrelado a formas de dominao que provm de um passado colonialista. Esse instrumentalizou uma concepo do autctone, que o colocava em uma posio diferente dos demais membros da sociedade, a racializao significando a desvalorizao das culturas, qualificadas de autctones no quadro da relao colonial de dominao (p. 102). Castel finaliza, fazendo consideraes sobre a ausncia de um quadro radical de excluso social na Frana, deixando claro, contudo, a existncia de grandes desigualdades sociais. Cabe lembrar que essa contextualizao histrica das formas excludentes e estigmatizantes desenvolvidas no seio de uma determinada sociedade vem sendo objeto de ateno em seus trabalhos, desde a formulao do conceito de desfiliao como um substituto noo de excluso (Castel, 1998). Naquele momento, o autor defendia o uso do termo desfiliao por dizer respeito trajetria do sujeito, que, na verdade, no havia sido cortado do social, evitando tanto radicalizar sua situao social, quanto focalizar nas margens um problema originado em outros espaos. Levando em conta o grande interesse do trabalho de Castel ao entendimento de determinados mecanismos estigmatizantes da sociedade brasileira, preciso observar as disparidades do caso francs para o brasileiro. No primeiro, apesar dos estigmas, fato que as populaes das periferias contam com protees contra riscos sociais como no caso de acidentes, doenas, ausncia total de recursos , j no Brasil, h um dficit histrico do que conceitua como cidadania social. Castel destaca como aspecto positivo da sociedade francesa esta obteno da cidadania social, assinalando que essa levou mais tempo do que a cidadania poltica para ser implantada, no sendo ainda uma conquista na maior parte dos pases. Apesar das diferenas histricas, a convergncia das situaes desenvolvidas nas periferias francesa e brasileira pode ser notada na ausncia de condies de igualdade do tratamento dos cidados, verificando-se, em ambas as sociedades, a ocorrncia da discriminao 791 ISSN: 1808-4281 ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 9, N.3, P. 788-792, 2 SEMESTRE DE 2009 http://www.revispsi.uerj.br/v9n3/artigos/pdf/v9n3a16.pdf
negativa, operando em contextos onde o acesso ao trabalho e, em
conseqncia, aos bens produzidos extremamente desigual. Uma desigualdade que por si s compromete a cidadania, pois como Milton Santos (2002) afirma cada um de ns mais ou menos consumidor (e, neste caso, tambm mais ou menos cidado) em funo da acessibilidade concreta aos bens e servios de uso freqente e necessrio (p.28). Por fim, cabe destacar a concluso de Castel de que, diferentemente dos anos 70, nos dias atuais, na Frana, os mecanismos de negao, ocultao e discriminao seriam responsveis, por uma populao que, mesmo coberta pela assistncia social, no vive mais a esperana de ser reabsorvida pela continuao do progresso econmico e social, e que, portanto, necessrio enfrentar as novas formas de precariedade e desfiliao, sem trat-las como fenmenos residuais. Antes que um gueto, a periferia um canteiro no qual muita coisa deve ser feita, mas igualmente uma realidade que muito nos deve ensinar ainda (p.114) Referncias Bibliogrficas CASTEL, Robert. As metamorfoses da questo social. Petrpolis: Vozes, 1998. CASTEL, Robert. A discriminao negativa: cidados ou autctones? Petrpolis, RJ: Vozes, 2008. SANTOS, Milton. O pas distorcido: o Brasil, a globalizao e a cidadania. So Paulo: Publifolha, 2002. Endereo para correspondncia Simone da Silva Ribeiro Gomes Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ, Rua So Francisco Xavier, 524, 10 andar Bloco B, Sala 10.002, Maracan, CEP 20550-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil Endereo eletrnico: s.ribeirogomes@gmail.com Ana Lucia Gonalves Maiolino Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, Rua So Francisco Xavier, 524, 10 andar Bloco B, Sala 10.002, Maracan, CEP 20550-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil Endereo eletrnico: anamaiolino@superig.com.br Recebido em: 17/02/2008 Aceito para publicao em: 06/03/2009 Acompanhamento do processo editorial: Ana Maria Lopez Calvo Feijoo Notas *Psicloga formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ ** Doutora em Psicologia Social pelo Programa de Ps-Graduao em Psicologia Social PPGPS/UERJ; Coordenadora da pesquisa "Espao Urbano e Subjetividade: um foco sobre as favelas cariocas".
792 ISSN: 1808-4281 ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 9, N.3, P. 788-792, 2 SEMESTRE DE 2009 http://www.revispsi.uerj.br/v9n3/artigos/pdf/v9n3a16.pdf