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|A E MODERNIDADE: DA MORTE DA” ARTE. A CONSTELAGAO. O POEMA POS-UTOPICO A expresso “madernidace” é ambigua, Ela tanto pode ser tomada de um ponto de vista diacronico, historiogréfico-evohutivo, como de uma perspectiva sinerOnica: aquela que corresponde a uma poética situada, necessariamente engajada no fazer de uma determinada Gpoca, ¢ que constitui o seu presente em fungao de uma certa “escolha” ou construcio do passado. Do primeiro ponto de vista, temos uma excelente versio no ensaio de Hans Robert Jauss, “Literarische Tradition und gegenwdrtiges Bewusstsein der Modernitat” ("Tradigio Literéria e Consciéncia Atual dla Modernidade”, 1965); da segunda perspectiva, dé-nos uma fasci- ante configuragao © livro de Octavio Paz Los hijos del timo, que compendia as conferencias “Charles Eliot Norton”, proferides pelo poeta em Cambridge, 1972, Iusdo de Modernidade e Consciéncia Historica Jauss, que ainda nao linha formulado a sua “Estética da Recepeao", mas caminhava para ela, alerta-nos contra uma possivel falécia: a “ilusio da modernidade”. Remonta a Curtius ¢ & historia filolégica do concetto de maderus, que proviria do baixo latim, enraizando-se, porém, numa tradi¢ao literdria ainda mais velha. “Com efeito”, adverte Jauss, “quase ao longo de toda a historia da literatura e da ANCOIAIS BRANCO cultura grega e romana [.,.] ve-se 0 debate entre os modernos, aqueles quee sustentam esta pretensdo, ¢ 0s defensores dos antigas reacendler- se a todo 0 momento, para ser de novo ultrapassado em «iltima instancia pela simples marcha da hist6ria. Pois, com 0 tempo, 0s ‘modertos, eles préprios, acabavam por tornar-se antigos (antiqui), & outros, recém-vindos, passavam a assumir o papel dos mocernos (ncoterici, fato que leva a constatar que essa evolucao se reproduzia com a regularidade de um ciclo natural [...|” Em contrapartida, Jauss faz a critica do que haveria de “metafisico”, de “substancialista”, nessa concept filolégica esposada por Curtius seus seguidores, para os quais a "Querela dos Antigos e Modermos” acabaria conver- tendo-se numa “constante litersria” atemporal. Prefere antes mostrar que o sentido da palavra modernus nao estava dado de uma vez por todas quando de sua cunhagem no latim tardio (no século v, deri- vando de mado, como hodiernus de hodie, ¢ significando nao apenas “novo” mas também “atual”), nem poderia ter sido historicamente pressentido em toda a sua amplitude. Assinala que, “sob a mascara dle uma aparente tradi¢ao", 0 conceito evolui e se deixa determinar, de modo efetivamente histérico e concreto, cada vez que reaparece, “através das mudancas de horizonte da experiencia estética’. 0 conceito adquire, assim, uma “funcao de delimitacao historica”. Esta “fungao” ou “potencia” (Potenz) se deixa reconhecer toda vez que a “oposicio dominante’, isto é, “a eliminacio (Abscheidung) de um pasado pela tomada de consciéncia histérica que um novo presente faz de si mesmo", se manifesta enquanto nova consciéncia da mo- demidade. Ao invés de um esquema situaclo fora do tempo, temos uma “oposi¢ao dominante” (antigo/modemo), que nao se substanc: liza numa entidade, mas representa uma “funcao variavel” e especi- ficavel segundo o contexto historico que Ihe dé pertinéncia, Humanismo Medieval e Renascimento Italiano Jauss passa em revista as varias instancias dessa “consciéncia que os ‘modernos tiveram de sua originalidade hist6rica", desde a aparigio - routine free e ae do neologismo moderus no latim eclesidstica do séeulo ¥ (no. trnsito da Antigiidade Romana para o mundo novo da Cristanda- de"); passando pela renovaciio caro ingia no século 1x e pela chamada “Renascenca do século Xi"; pela querela entre 0s antigos e os moder ‘nos (ou “aristotélicos") no século au; pela consciéncia de um novo nascimento, de um ritomo delle Muse, cle uma ressurreigio da poesta, que Boccaccio expressa em relacio a Dante e sera depois retomada a propésito de Petrarca, até assumir, no Renascimento, o aspecto de uma verdadeira “metdfora bioldgica". Os humanistas medievais tinham uma conseigneia “tipologica” de sua relac’o com o passado; viam a historia numa perspectiva c-ista de redengao do passado pelo presente, concebendo-a como uma revelacio progressiva da verdade © chegando mesmo a imaginar sua época como o ponto culminante dessa evolucio ("© tempo presente deve ter precedéncia sobre a Antigtiidade, assim como 0 ouro novo sobre 0 cobre antigo"). J4 08 hhumanistas da Renascenca sustentavam uma concepcio “ciclica”: os nnovas tempos representavam uma nova “dade de ouro", separada da Antigitidade (arquétipo ideal dessa “idade aurea”) pelas “trevas” de uma “idace de ferro" (aqui, segundo Jauss, tomam corpo tanto @ ~'metafora das trevas” como a da “fenix” que renasce das cinzas), 0 Renascimento italiano se distinguiria de seus predecessores medie- vais por essa disjungio: a uma cencepgdo linear da histéria, irre versivel, orientada para um felos ascendente (0 fim dos tempos enquanto revelacao plena do sentido, prevalecendo sobre 0 “obscu- rantismo” pagdo), oporia uma outra visao, “cidlica”, do “retorno ou renascenga peri6dicos”, retomande, agora numa outra articulagdo, @ imagem da “luz” renovada em contraste com as “trevas” intermediavias. O Classicismo Francés e 0 Século das Luzes A seguir, no apogeu do classicismo francés, ocome a Querelle des Anciens et des Modernes, contrapondo, aqueles que professavam a crenca no “valor intemporal dos modelos antigos”, o partido dos que se regiam pela “idéia de progresso desenvolvida desde Copér- 246 0-ANO IS BRAND, nico ¢ Descartes pela ciéncia ¢ pela filosofia dos novos tempos! posicdo dos modemos da época, que setiam os precursores dos Hluministas, Jauss detecta uma “consciencia dividida”. Insuurgiame se, em nome do progresso, contra a imagem que o classicismo. francés fazia de si proprio e que buscava na Antigiiidade a norma, do tempo presente; sentiam, nao obstante, que representavam uma “fase de velhice da humanidade” (antes do que a “idade da pertels 20"); por outro laclo, viam “a historia prosseguir irresistivelmente sua marcha para a frente em ditegdo ao progtesso, a luz da razdo critica”, Desse conilito, o resultado mais saliente, segundo Jauss, ¢ a relativizagio do conceito de “beleza”: © nascimento da idéia de um) “hela relative” (proprio de cada época) em contraposigio a0 “belo universal”, intemporal, © que significa dar historicidade a nogio de “belo”. No sécullo Avil (0 “Século das Luzes” ou “Tilos6fico”), © elemen- to novo da concepgio do que seja moderto esté, para Jauss, na Introdugio da dimensao do futuro, na perspectiva utépica. A "Mo- dernidade” iluminista quer ser julgada pelo olhar crescentemente critico de uma humanidade cada vez mais avangada, ao invés de atribuir ao passado 0 valor ideal de perfeigio. Chateaubriand: Romantismo e Passado Nacional No século xix, com a reflexdio de Chateaubriand sobre as revolugdes antigas e modernas (1826), conchui-se vitoriosamente o processo do chamado Historismus, Conforme indica Jauss, a “imagem da espiral”, enquanto “pluralidade de circulos concéntricos que se alongam até a0 infinito”, se substitui a idéia da repetigio cfelica, apontando para a diferenca radical, inrepetivel, entre sociedade antiga e sociedade moderna (“a modemidade se define ainda por oposi¢io a uma antighidade, mas num sentido novo, referindo-se agora expressa- mente a experiéncia de um pasado nacional ¢ cristo, por ela redescoberto”), © bindmio “cldssico/romantico” € a nova tradugdo da oposigao de base, Em contraposigio a tradiglo cldssica, remota, 0 POESIN-G MODLANIDADE 9247 Romantismo nascente reivindica uma tradigfio moderna, mals pros xima: a Idacle Média crista, cavalheiresca, que, para Cheteaubriand, suupera mesmo os tempos homéricos. © que ele agora propde “um retorno sentimental em direcdo a ingenuidade abolida”. O par “ings nuofsentimental” reporta-se & célebre dissertagio de Schiller, Ueber naive und sentimentalische Dichtung (1795), ¢, nos termos de P. Schlegel, exprime a concepgio de que a arte moderna se distingue da antiga por ter substitufdo a natureza, até entao o principio da cultura estética, por uma “origem artificial”, ou seja ditetivas”, “Retorno sentimental” — cabe observar — ni retorno puro e simples. fa tentativa de retomada do.“ (pasado nacional mais proximo) a partir da perspectiva “a “sentimental” vale aqui como um sindnimo} do homem mot tal como Chateaubriand o concebe, Trata-se da “sintese da s inocéncia” (Anatol Rosenfeld), que 0s Romanticos alemes de Lena, precursoramente, haviam formulado, Esse retorno ao ingénuo, ssi “busca da inféncia perdida”, envolve um paradoxo que Jauss carac- teriza da seguinte forma: “Nio mais uma oposi¢ao aos tempos antigos, mas a consciéncia do desacotdo com o tempo presente.” Baudelaire: 0 Transitdrio, 0 Fugitivo, o Contingente Depois de se ter fixado na Idade Média cristd (0 passado nacional) como ponto de origem, a consciéncia romantica desemboca numa nova ¢ mais aguda nocdo de “modernidade”. Na época em que, precisamente; esta palavra aparece (Jauss indica as Mémoires d’Ou- ire Tombe de Chateaubriand [1849] como a primeira obra em que o conceito chave de modernité ocorre, ainda que insuficientemente claborado, ¢ 0 ensaio “Le peintre et la vie modeme", de Baudelaire [1859] como o texto em que se transforma na “palavta de orclem" da nova estética), a idéia de modernidade jé nao € mais detinida “pela oposigao historica do presente a um dado pasado”. O que ‘a caracteriza ¢ a nocio de que “o romantismo de hoje, muito rapidamente toma-se 0 romantismo de ontem, fazendo entdo 240 : 0 ARCI inis BRANCO figura de classicismo”, Ou como resume Jauss, apoiando-se em Stendhal (1823): “toda obra classica, no seu tempo, foi romanti- a”, para concluir que, desde entdo, “a consciéncia da modernida- de nao se deixa definir sendo em relagio a si propria”. Baudelaire, na culminagio desse processo (uum processo que retoma a opasigao “pelo universal” /“belo relativo” para acentuar, nessa relativizacio do belo, um ideal de novidade em constante mutacdo), acaba por encontrar no “transitorio” (cujo paradigma € a moda) o eritério distintivo da modemnidade: “A modernidade € 0 transitério, 0 fugitivo, 0 contingente, a meiade da arte, cuja outra metade é 0 eterno co imutavel.” Este, segundo Jauss, ao longo da sua tentativa diactonica de reconstituir a “recepeao estética” do conceito de “moderno", 0 dltimo marco — der Endpunkt ~ da historia da Modernidade, Com ele fica assinalado o advento da nossa propria concepcio hodierna do que seja modemo, por oposi¢io a “metafisica intemporal do belo, do bom e do verdadeizo" Octavio Paz: Critica Parcial Versus Historiografia A visto da modemidade em Octavio Paz deriva de outro angulo de enfoque, embora nao resulte necessariamente oposta aquela que decomre de uma leitura historlografica das variantes funcionais do conceit, como é a de Jauss, Esta diferenca de angulagao fica desde logo evidente, quando Paz escreve (Las hijas det lima) A literatura modema, 6 cla moderna? Sua modernidade & ambigua: hé um conflito entre poesia e modernidade que tem inicio com os pré-romanticos e que se prolonga até nossos dias. Procurarel, no que segue, descrever esse conflito, nao através de seus episédios — nao sou historiador de literatura —, mas sim, detendo-me naqueles momentos © naquelas obras nos quais a oposicio se revela com maior clareza. Admito que meu método possa ser tachado de arbitrério; POESIA E mavenminaDe : 248 acrescento que esta arbitrariedade nao ¢ gratuita, Meus pontos de vista sdo as de um poeta hispano-americano; nao se trata de uma dissertagdo desinteressada, mas sim de uma explora- do das minbas origens e de uma tentativa de autodefinigao indireta. Estas reflexdes pertencem ao género que Baudelaire denominava critica parcial, a nica que Ihe parecia valida. Ponto de vista sincronico, portanto, nao diacrénico. Apropriagio seletiva e nao consecutiva da histéria, Reconstrugio do passado: porém nao segundo os sucessivos quadros epocais, que a recapitula- Gao das etapas da consciencia estética permitia, da maneira a mais “objetiva” possivel, perfilar no eixo diacronico; mas sim, enquanto tentativa de suscitar uma “imagem dialética” (W. Benjamin), capaz de recuperat, para utilidade imediata de um fazer pottico situado na “agoridade”, 0 momento de ruptura em que um determinado pre- sente (0 nosso) se reinventa ao se reconhecer na eleicio ce um determinado pasado. Descoberta (inven¢ao) de um participio pas- sado que se comensure ao nosso particfpio presente, Na “analogia” e na “ironia”, na introdugto da nogio de critica dentro da criagio poética, na canonizagao da estética da mudangs, ve Octavio Paz as caracteristicas e o paradoxo da modemidade. "A analogia € a metéfora na qual a alteridade se sonha unidade ¢ a diferenga se projeta ilusoriamente como identidade [...] A ironia € a fecida pela qual a analogia se dessangra [...] A ironia mostra que, se © universo ¢ uma escritura, cada tradugio dessa escritura € distinta, e que 0 concerto das correspondéncias é um galimatias babélico.” Nacionalismo Romdntico e Romantismo Critica Chateaubriand buscava renovar a opasicio antigo/moderno, através da substituicao do passado remoto (a Hélade homérica) por um passado proximo € diferente em sua especificidade nacional: 0 Medievo herdico dos ideais cavalheirescos, paradigma também de nosso Indianismo romantico, como o atesta a obra-prima de José de ——— Alencar, 6 romance-poema racera (1865). Jé 0 poeta latinovamerl- cano de hoje, diversamente, ¢ levado a pensar a modernidade por uma assungio de sua universalidade enquanto poeta (seu naciona- lismo, agora, ndo é mais ontolégico, “substancialista’, mas modal, vale dizer, simultaneamente diferencial e dialogico — ubicado, de- subicado € ubsquo). © ponto de origem que Ihe serve de referencia hereditiria para a constituigio do seu presente é como propde Octavio Paz, 0 momento em que “a criagdo poética se alia a reflexio sobre a poesia". "Origem” entendida aqui (acrescento por meu turno) como “vortice”: abismar-se na automeditagao, na auto-retle: xap, Iste Momento se produz, também no Romantismo, mas sobre- tudo naquele Romantismo essencial, que eu costumo chamar “intrinseco”, 0 alemao de lena (de Novalis, dos irmaos Schlegel, como também de Holderlin, até 0 ponto em que este possa ser considerado um romantico) € o inglés de Coleridge, Blake € mesmo Wordsworth. Da tradigao desse Romantismo, vem Poe, Nerval, Baus delaite, Rimbaud, Mallarmé ¢ a nossa “Modernidade” (que na Hise pano-América, conforme 0 momento, chamou-se “Modernism” € “Vanguarda” ¢ no Brasil, mais ou menos contemporaneamente, “Simbolismo” e “Modernismo"). A evolucao, par estagios sucessivos ¢ funcionalmente diversos, do conceito de “moderno”, proposta por Jauss, Octavio Paz prefere um modo de ver o problema que desvele, antes do que as suas nuanigadas gradacOes semanticas, o Seu paradoxo central, para nos imediatamente relevante, Datanco a “modermida- de” a partir do Romantismo (independentemente de outras possiveis ‘querelas entre “antigos” ¢ “novos”, eventualmente recuperiveis a0 Tongo de um arco do passado mais dilataclo e mais neutro, mais esfuumado), Paz aponta para a sua indecidivel ambigitidade: “Ironia € analogia sao lrreconeciliaveis. A primeira é filha do tempo linear, sucessivo € Lirepettvel; a segunda ¢a manifestagao do templo ciclico: © futuro esté no passado e ambos estdo no presente. A analogia se insere no tempo do mito, e mais: éseu fundamento; a ironia pertence a0 tempo historico, € a conseqiiéncia (ea consciéncia) da historia.” Desse paradoxo se alimenta 0 Romantismo. Por um lado, na alianga que promove entre poesia ¢ reflexio critica, ele se define como terminus a quo de nossa Modernidade (a qual, segundo Paz, “@ \onimo de critica e se identifica com a mudanga", ou seja, Com a constante auto-interrogacao da “raziio critica”); por outro, “reagdo: contra a Hlustragdo” € “um de seus produtos contraditérios", 0 Romantismo se insurge contra essa mesma “razao critica” ¢, assim, “6 a outra face da modernidade: seus remorsos, seus delirios, sua nostalgia de uma palavra encaracla”, Do mesmo modo, a literatura modema, prolongamento dessa tradi¢ao romantica, seria, segundo) Paz, “uma apaixonada negacio da era moderna”, manifestando Invariavelmente, ainda que por atitudes ostensivamente diversifica- das de cada um de seus poetas, “uma comum repugnancia diante do mundo edificado pela burguesia”. A Invengao da Tradicao A diferenca de visada (que nao implica, necessariamente, uma po sigio de resultados, mas, antes uma diferenga de énfase na leitura esses resultacios ¢ no privilégio de certas relacoes configuradoras do cesenho final) entre o ponto de vista historiografico-recepeional de Jauss © a perspectiva de Paz, “critico parcial”, pode ser esclarecida com ajuda de algumas consideragées de Paul de Man (“Literary History and Literary Modernity", erm Blindness and Insight, 1971): Moderniidade e historia relacionam-se uma coma outra de um modo contradit6rlo, que ¥ Sea histéria nao se quiser tomar mera regressaio ou paralisia, ela dependers da modernidade para a sua duragio e renova. ‘co; mas a modernidade nao pode afirmar-se sem ser de pronto engolida e reintegrada num processo historico regressivo em da antitese ou da oposicio. — escreve de Man, resumindo, nesta passagem, 0 modo nietzscheano de lidar com 0 paradoxo da modernidade. E. conclu: O historiador, em sua fungio de historlador, pode permans bem distante dos atos coletivos que ele registra; sua linguagel © os eventos que essa linguagem denota sto claramente di tintos como entidades. Masa linguagem do escritor éaté certo Ponto 0 produto de sua acdo; ele € ao mesmo tempo o historiador e agente de sua propria linguagem. A urgencia em se outorgar uma “tradicao vidvel” (em identificar “aquela parte da tradigio literatia que permanece vital ou fol revivie da” para uma determinada época, como diz Roman Jakobson a propésito do ponto de vista sincrdnico nos estudos literdrios) solicita antes 0 escritor que o historiador da literatura. O primeiro pensa, primacialmente, numa presentificacdo produtiva do passado; 0 se- gundo, ainda que profundamente sensivel a perspectiva sincrénica © As novas questdes propostas pelo presente (como ¢ 0 caso de auss), do pode deixar de atribuir, aos varios passados sucessivos, pacien- temente reconsiderados, 0 indice especifico de cada um no céu s6 aparentemente simultanco da sincronia: deste modo ¢ que faz tatefa de historiadar. Para 0 escritor, que é também critico, vige a maxima baudelai reana le Walter Benjamin: “Quem nio é capaz.de tomar partido, deve calar" (“A Técnica do Critico em 13 Teses”, em Rua de Méo Unica). Nenhuma consciéncia mais aguda dessa urgéncia, enquanto forma de “tomar partido”, que a do escritor latino-americano, para quem a busca de uma “tradicao viva” esta implicada na sua prépria busca dilacerada e dilemética de identidade: “Desarraigada e cosmopolita, a literatura hispano-americana é regresso e busca de uma tradigio. Ao buscé-la, inventa-a”(O. Paz, “Literatura de Fundacién", 1961), Poesia Universal Progressiva E assim que, colocando-me num Angulo de visada préximo ao de Octavio Paz, tentarei definir as relagdes entre poesia e moderidade através de um corte sincronico ainda mais delimitado enquanto lapso Prlvilegiando © Romantismo alemao como marco refer enclal da "modernidade”, Paz privilegiou sobretudo uma postica: a la alianga da reflexio critica com a pratica do poema. Outro modo «le enfocar a mesma questo poderia oferecer-se através do privilégio de um poema: um poema onde se corporificasse essa postica (que eu. gostaria de definir, com palavras de F, Schlegel, nos fragmentos 116 © 238 do Athenaeum, como a postica da “poesia universal progresst- va", ou seja, da poesia “critico-transcendental”, aquela que 6, a0 mesmo tempo, “poesia” e “poesia da poesia”). O poema onde isto ‘corre, onde essa poética encontra o seu ponto radioso de atualiza~ ‘Gio, todos o conhecemos: Un Coup de Dés, de Mallarmé, estampado em 1897 na revista Cosmopoli Roman Jakobson, para efeitos meramente descritivos, sublinha uma “oposicio diametral” entre “funcao metalingdistica” e “funcio poética” da linguagem (“Linguistics and Poetics”). Na primeira, em sua mals simples acepgio, de “fungio decodificadora’, a seqiiéncla sinonimica € usada para construir uma sentenga equacional, tipo verbete de dicionério ou glosa; na segunda, a equacio por similari- dade ¢ contraste dos constituintes formais do cédigo verbal é empre- _gada para a construgio da seqiéncia (0 sintagma postico), que poe em relevo a sua propria “palpabilidade” signica. E a diferenga entre a definigio lexical de bibelot (no Dicionétio Petit Robert): “pequeno objeto curiosa, decorativo”, e a atualizagao icnica do mesmo lexe- ma no célebre verso mallarmeano: “aboli bibelot dinanité sonore" Esta disjuncao diametral de aptiddes, no plano descritivo-funcional, niio colide com o fato (tambem ressaltado por Jakobson) de que a “fancio postica” no é exclusiva nem exchudente, mas sim “domi- nante” na arte verbal, coexistindo necessariamente no poema com outras funcdes da linguagem, No momento em que @ oposigio funcional se converte em convivencia de opostos, temos um oximoro poetoldgico: o paema critica, £ assim que também se pode definir, ‘com auxilio de operadores extraiclos da teoria lingtistica, o conceito de “modemidade”, A instancia poemética que, por exceléncia, a tipitica ¢ 0 poema constelar de Mallarmé, 254 5 0 AROO-NIS nan Em meu ensaio de 1968, “Comunicagao na Poesia de Vanguarda” (A Arte no Hosizonte do Provével), intentei fazer a leitura desse momen- to decisivo: Spice evolutivo e transformacional da poesia. Escrevi entiio: No século xix houve um proceso de emancipagio da lingua- gem postica, que foi cada vez mais se separando da linguagem, do discusso de idétas (referencial) e se voltando cada vez mais, para a considerago do seu proprio ser intransitive. Este proceso € descrito por Michel Foucault, que o caracteriza como 0 aparecimento da literatura, figura de compensacao face @ utopia de uma linguagem totalmente transparente, tal como vigorava na episteme classica, Mallarmé, respondendo Degas: “\ poesia se faz com palavras € ndo com idéias", dev ser visto na culminancia dese processo, Hé nessa evolucio. uma tomada de consciéncia da crise da linguagem e da propria crise da poesia ou da arte, Hegel ja dizia que, para a moderni ser mais importante do dade, a reflexio sobre a arte pass que a propria arte. Marx, nesse prolongamento, vaticinava 0 desaparecimento da arte, como manifestacao da superestrutu ra ideologica alienada, no momento em que sua realizagao numa praxis total a fizesse supérflua como instancia inde- pendente. Para ambos a emergencia da grande imprensa foi objeto de meditacdo: Hegel referia que a leitura do jornal passava a ser, pata nossa época, uma espécie de oracdo filos6- fica matinal; Mars, refletindo sobre a impossibilidade da épica ‘em nosso tempo, usa de uma bela paronomédsia para exprimir que, diante da imprensa, a fala ea fabula, 0 conto ¢ o canto (das Singen und Sagen), a Musa dos gregos enfim, cessam de se fazer ouvir. Lamartine, por sinal um poeta representativo do Romantismo ortodoxo na sua vertente da poesia-ligrima, escrevia em 1831: “O pensamento se difundiré no mundo com a velocidade da Iuz, instantaneamente escrito © com: preendido até as extremidades do globo [...] Nao tera tempo OgSIA E MODERNIDADE ; 284 para amadurecer — para se acumular num livro; 0 livro chegaré muito tarde, O tinico livro possivel a partir de hoje & © jornal.” E Mallarmé, para o seu Un Coup de Dés (1897), inspirase nas técnicas de espacializacio visual da imprensa quotidiana, tal como cerca de vinte anos antes um brasileira genial, 6 poeta Sousandrade, se voltara para os recursos de montagem de fragmentos do jornal (noticias, eventos, pes- soas) na ctiagio do seu fnferno de Well Street, localizado no cenario da Bolsa de Nova York. Mallarmé via na imprensa 0 “moderno poema popular”, uma forma rudimentar do Livro enciclopeédico ¢ ultimo de seus sonhos. A crise da linguagem coincide com 0 surgimento da civilizasao tecnolégica, com a crise do pensamento discursivo-linear em arte, com a super- veniéneia daquilo que Marshall MeLutan chama a civilizagao do mosaico eletrOnico, uma civilizagio marcada nao pela idéia de principio-meio-fim, mas pela de simultaneidade e Interpenetrago, de compressio da informacio, tal como fol anunciada pela conjugagao da grande imprensa com o noti= Giario telegratico. Dois so os fendmenos, portanto: a) de um lado, 0 poema comeca a tomar come seu objeto a propria poesia; 0 ato de poetar, a crise ou a possibilidade mesma do oema, tal como se 0 poeta estivesse assumindo em seu offelo odilema hegeliano e marxiano, perguntando-se sobre a morte ou © devir da poesia; trata-se de uma poesia que tematiza a poiesis até no seu sentido etimologico (poizo, em grego, “fazer, fabricar”); b) de outro lado, a linguagem da poesia vai ganhan- do cada vez mais em especificidade, vai'se emancipando cada val eliminando os nexos, vai cortando os elzmentos redundantes, vai-se concentrando € reduzindo ao extremo; 0 Coup de Dés de Mallarmé, que esté para a civilizagio industrial como-a Commedia de Dante para o Medievo, compée-se de apenas 1 paginas (duplas), nas quais 0 poeta medita, em linguagem extremamente ratefelta, sobre a propria possibilidade da erlas vez mais da estrutura discursiva da linguagem referencl aia 258 + 0 ARGD-AIS BRANCO do, 0 poema que, como breve ¢ fugaz constelacdo, surge da uta contra © acaso, a desordem, 0 caos, a entropia dos processas fisicos. Tome-se, entao, 0 poema-constelacio de Mallarmé como o pon- to arquimédico, a grande sintese (ainda que clausulada por um) peut-etre) daquela poética “universal progressiva” do Romantismo: como 0 poema que teria conseguido enfrentar o problema da crise ‘ou da impossibilidade da epopéia na Era “Quimica", vale dizer, “cindida", da Modernidade (j4 assim concebida por F. Schlegel), & resolver o impasse em favor da poesia, pelo antincio de uma nova forma de arte poética, e no, como supostamente se faria necessdrio, através de uma nova épica de base prosistica, 0 romance, “a moderna epopéia burguesa”, 0 genero por excelencia do mundo irreconciliado € abandonado pelos deuses, tal como, ao invés, prefere pensar 0 jovem Lukécs na esteira de Hegel. Se adotarmos esta dtica, toda uma histéria da poesia — uma “Pequena Hist6ria (Radical) da Poesia Moderna e Contemporsnea” — pode ser delineada, avaliando-se apenas as respostas que poetas de varias nacionalidades e linguas (¢ 0s latino-americanos entre eles) teriam dado ao poema-desafio de Mallarmé, a pergunta insinuada na breve introdugao que o precede: “sans presumer de Vaventr qui sortira ici, rien ou presque un art.” Arevolucao baudelaireana, em grande medida (a excecao dos paennes cx prose que, juntamente com o vers livre, constituem para Mallarmé 0 pontos de referéncia a partir dos quais alca voo 0 seu poema prismético © partitural), ocorreu dentro do marco da estrofagao regular e, em particular, da forma fixa do soneto, cuja beauté pytha- gorique fascinava 0 poeta. Ee sonetos como A Une Passante, L’Alba~ tros, Correspondances, Le Vin du Solitaire, ou nos quartetos de composig&es como Le Cygne, Les Sept Vieillards, Les Petites Vieilles POESIA-E MODEAWIDADE : 257 (as tr@s, por sinal, dedicadas a Victor Hugo), Le jeu, Femmes Damnées, ‘ou ainda nas oitavas emparelhiadas de Le Soleil (0s mesmos poemas, ‘em grande parte, que empreendeu traduzir para o alemio entre 1915-1924), que Walter Benjamin encontra os elementos para a sua célebre leitura de Baudelaire como “um lirico na era do capitalismo avancado”. Af estio os temas do flaneur, do esgrimista, do poeta na multidao, da degradacao da grande cidade, do poeta-Caim, “apache” € trapeiro; os motivos da caducidade, da ruina e da “mimese da morte”, rastreaclos em poemas onde “a modernidade herdica revela: se como tragédia em que o papel do her6i esté dispontvel”. O trago estilistico revoluciondrio desses poemas estaria no dispositive de choque engendrado pelo uso da palavra prosaica e urbana, pela “discrepancia entrea imagem ea coisa” (Gide), pelo poeano “célculo de efeitos”, enfim, pelo desmascaramento critico, que indigita a “sensago da modernidade” como perda da “auréola” do poeta, “disyolugdo da aura na vivencia do choque”. Assim, 0 vocabulario Iirico usual se confronta com inusitadas citagdes “alegéricas”, que irrompem no texto a maneita de um “ato de violéncia’. Nesse sentido, pode-se dizer que Baudelaire ultimou a revolucao hugoana (Victor Hugo queria colocar um bonnet rouge no velho dicionério...). A ‘estrofacio regular era a cimara de ressonancia dessa implosio “emol- durada”, convertida em tableau (e por isso mesmo, deum certo ponto de vista, tanto mais “chocante”). A visio benjaminiana de Baudelaire cenfatiza sobretudo essa funcao negativa nas relagdes entre poesia € modemidade. Benjamin e Mallarmé: a Poesia na Era Industrial Aesse enfoque, Jauss ope um reparo. Benjamin, segundo Jauss, “no quer interpretar Les Heurs du Mal sendo como um testemunho da existéncia desnaturada das massas urbanas, e desconhece, assim, 0 reverso dialético da alienagdo: a forga produtiva nova que o homem, adquite ao se apropriar da natureza, da qual a poesia urbana ea teorla da modernidade em Baudelaire fornecem um testemunho nio 298 + 0 ARGU-AIS eRANCE menos importante”. Prova desta assergdo seria a pouca relevancia conferida por Benjamin a “teoria da arte moderna” do proprio Baudelaire, considerada pelo saturnino erftico judeu-alemao “o pon. to mais fragil da concepcao baudelaireana da modernidade”. Para Jauss, essa théorie rationelle et historique du Beau (desenvolvida pelo poeta em Le peintre et ia vie moderne), assim comoasua poesia, “levam igualmente a marca da forga produtiva da vie moderne na era indus- trial: do novo impulso criador que conduz 0 homem, na economia como na arte, a sobrepujar o estado de natureza para ter acesso, pelo trabalho, a um mundo do qual ele é 0 criador exclusivo’. A leitura benjaminiana, pelo Angulo do materialismo dialético, nao teria sido suficientemente dialética, a0 enfatizar apenas a “negatividade” na visio baudelaireana do novo mundo urbano, j4 que a “recusa da natureza” pelo poeta das Fleurs du Mal nao se explicaria apenas na ‘vor passiva, como “testemunho do processo hist6rico movido pelo proletariado a burguesia”, mas, ainda, na ativa, “como um aspecto dessa forca produtiva que permite a0 homem apropriar-se da natu- reza, € a0 mesmo tempo, liberar-se do seu império”. Esse paracdoxo baudelaireano, segundo Jauss, aponta para outro, de que a explana ‘lo apenas no nivel negativo-retrospectivo fornecida pelo determi- nismo socio-econémico nao daria conta: “A arte nao é apenas o indice de uma constelagio social existente, mas possui também o poder de antecipar uma constelagio futura.” Seja ou ndo procedente a critica de Jauss a um suposto reducio- nismo benjaminiano na interpretacéo da modernidade em Baudelaire (discussao que no vou alongar aqui), a verdade € que Benjamin, pioneiramente, detectou essa “fungao antecipadora” da poesia na era industrial, num texto pouco lembrado sobre Mallarmé (“Vereidigter Biicherrevisor”} “Revisor de Livros Juramentado”, de 1926, em Rua de Mao Unica), nao referido pelo propugnador da “Estética da Recepcio”. Falando em especial do Coup de Dés, Benjamin proclama: “Mallarmé reelaborou pela primeira vez as tensdes grificas do reclame na figura- co da escrita.” E acrescenta: POESIA € MoDERMIDADE : 268 Posteriormente 0s Dadafstas empreenderam a pesquisa da escrita, mas 0 sew ponto de partida nao era a construtividade € sim, antes, o acurado reagir dos nervos dos literatos. Por isso a pesquisa dadaista € muito menos consistente que a de Mallarmé (..] Fica, assim, patente a atualidade da descoberta, daquilo que Mallarmé, monadicamente, no mais intimo re- cesso de seu esttidio, porém em preestabelecida harmonia com todos os eventos decisivos do seu tempo na economia ¢ na técnica, deu a publico, Aescrita, que tinha encontrado asilo no livro impresso, para onde carreara o seu destino auténomo, viu-se inexoravelmente lancada & rua, arrastada pelos recla- mes, submetida a brutal heteronomia do caos econdmico. Benjamin vaticina, ainda, que “o desenvolvimento da escrita ndo vai ficar ad infinitum vinculado as pretensdes poderosas de um movimento cadtico na ciéncia ¢ na economia”, mas que, antes, por uma transformagio da quantidade em qualidade, “a escrita avancara cada vez mais fundo no dominio grafico de sua nova e excentrica figuralidade”. No desenvolvimento dessa “escrita iconica” (Bilders- chrifi), os poetas, “como nos primérdios, antes de mais nada e sobretudo, serio expertos em grafia”. E conclui, em perspectiva utopica: “Com a fundagao de uma escrita de transito universal, os poetas renovario sua autotidade na vida dos povos e assumirio um, Papel em comparacio com qual todas as aspiragdes de rejuvenes- Cimento da retérica parecerdo dessuetos devaneios géticos.” O Lance de Dados: Poema P6s-Moderno © Coup de Dés, que Valéry chamou “spetacle idéographique d’une crise owaventureintellectuele”, poema onde o Maitre teria intentado "elevat uma pagina & poténcia do céu estrelado”, é j4, num certo sentido, ‘essa ecumenica suma poética, visualizvel e iconizada. Documento de uma crise levada ao seu zénite e prospecto de uma aventura em devir. Em relagao as Fleurs du Mal, a poesia baudelaireana (Indice que red © 0 ARCO mac nos permite avaliar, na pratica, até onde chega a noglo de moderni- dade interpretada pelo poeta-fléneur), 0 Coup de Dés ja € pés-moder- no: sua revolucio nao € apenas lexical e seméntica, mas, além dlisto, sintética e epistemolégica, Mallarmé é um sprtaxier, um arrojado sub- versor da sintaxe. © poema constelar, na disseminacdo da forma, rompe a clausura da estrutura fixa € estr6fica, dispersa a medida tradicional do verso (€ nisto indica, para 0 Dettida da Gramatolosia, a muptura da clausura metafisica do Ocidente, regida pelo modelo Epico-aristotélico e pela linearidade da concepcao cléssico-ontolégica da historia) (0 que se seguiu ¢ revelador. Desde projetos em algum respeito coincidentes de “revolucao da lirica” (0 Phantasus de Amo Holz, poema ritmico-visual, cujos dots primeiros fasciculos datam de 1898 © 1899, mas que depois se expandiu num experimento pré-expres- sionista, gigantoméquico, arborescente, de exploracdo dos limites da lingua alemé, para atingir 335 pdginas na monumental edigdo de 1916... [ver cap. 6]), passando por movimentos come o futurismo & ‘0 dadafsmo (sem esquecer o cubismo poético de Apollinaire e seus “caligramas” sintético-ideograficos ou, ainda, a pratica surrealista do poema-assemblage e do poeme-objet), até a poesia concreta brasileira ¢ internacional dos anos $0 € 60; do fragmentarismo de Ungaretti (que se reclama expressamente do Coup de Dés, de Cezanne ¢ do cubismo, como também se beneficia de uma sabia interiorizagao do futurismo, e que reconsidera, em perspectiva mallarmeana, a voca- cio de Leopardi para o fragmentério e o inconcluso), até o silencio fraturado de Paull Celan, beneficiario do expressionismo, herdeiro da linguagem estilhacada do tiltimo Holderlin, como também coetaneo da poesia visual de Gomringer e Heissenbitttel e duma “crise” ‘mallarmeana da poesia que dois documentos te6ricos, separados por uum arco de melo século, denunciam agugadamente no cenério alemio: a Carta a Lord Chandos, de Hofmannsthal (1901-1902), ¢ a conferéncia Probleme der Lyrik, de Gottfried Benn (1951). E podere- ‘mos prosseguir: do imagismo paratitico de Ezra Pound até a épica “worticista” dos seus Cantos, uma plotiess epic organizada segundo 0 principio ideogrAmico da justaposigo e a prismatica do fragmento, ‘eda citagdo (nao esquecer que Hugh Kenner, j4em 1951, no ploneiro ‘The Poetry of Ezra Pound, salientava: “a fragmentacdo da idéia estética em imagens alotropicas, pela primeira vez teorlzada por Mallarmé, foi uma descoberta cuja importancia para o artista correspond a da fissdo nuclear para o fisico”; — aqui, naturalmente, caberia também, mencionar as pulverizagées grafemiticas de e. e. cummings). Num, outro plano, o da poesia politica, Maiak6vski, vindo do cubofuturis: ‘mo, desemboca no verso escalonado, espacializado na pagina, uma técnica que Lila Guerrero filiou ao legado de Mallarmé e para a qual By Lissitski, em 1923, imaginou os fascinantes tipogramas construti- vas da coletinea Dlid Gélossa (Para Ser Lido Em Voz Alta); a respeito do poeta russo, escrevi, em 1961, referindo-me a traducio que entdo ‘empreendia de alguns poemas seus, e visando, provocativamente, a resgaté-lo dos esterestipos de certa critica burocrdtico-jdanovista, empenhada em converté-lo, pés-suicidio, em pocta oficial e apostada em neutralizar-Ihe as invengdes formais: “Maiak6vski fez com a dialética espacial de Mallarmé, instrumento para a pura especulagio abstrata, 0 que Marx fizera com a dialética hegeliana: colocou-a de pés sobre a terra, reverteu-a em técnica de marcacio elocutéria, apta a Jinguagem do comicio e da agitagao. Sua poesia tem mais a ver com 0 mundo dos cartazes de propaganda do que com a idéia tradicional de lirica.” Mas 0 levantamento do réseau do Coup de Dés poderia ir mais longe ainda: basta lembrar que, pasando do plano da poesia para o do romance (até onde um oximoresco “poema critico” € um “monstruoso" palimpsesto “riocorrente”, que abole as fronteiras entre poesia e prosa, possam ser submetidos a essa pobre dicotomia classificatéria), tanto Robert Greer Cohn, que sugeri a comparacio, como David Haytnan, que a procurou demonstrat estilisticamente, vem uma grande afinidade de projeto entre 0 conciso esboco do Livro mallarmeano e a monsterpiece do ultimo Joyce, 0 Firnegans Wake. 202 : @ ARGUS BRANCO O Legado de Mallarmé na América Espanhola Prefiro fazer aqui uma pausa € tracar a correlacao com © contexto poético latino-americano, Também em nossa América opoema-cons- telagio de Mallarmé encontrou um congenial ambito de ressonan- cias. Traduzido pioneiramente para o espanhol por Rafael Cansinos-Asséns ¢ publicado em 1919 na revista madrilena Cervantes, em plea atrnosfera do “Ultrafsmo”, ndlo se pode negarasua presenca instigadora no horizonte tanto do creacionismo imagético-espacial de Huidobro (amigo do fabuloso erudito sevilhano), como — € 0 que tevela a exegese devotada de Xavier Abril — na insdlita sintaxe de rupturas de Trilce (1922) de Vallejo. f uma linhagem radical que se instaura, atestada ainda, no caso de Huidobro, pelo Triptico a Stépha- ne Mallarmé (inspirado nos temas-chave do Coup de Dé), sobretudo, por Altazor (1931), aero-épica “desconstrufda” em cadencias de ver tigem, Nao cteio que erraria em conjeturar (com apoio na sugestiva leitura de Jorge Schwartz, “Girondo e a Poesia Concreta”, em Van ‘Suarda e Cosmopolitismo, 1983) que En la Masmédula (1954-1956), do argentino Oliverio Girondo, no seu transtealismo medular e questio: nador dos arcanos da linguagem, se insere, direta ou indiretamente, nessa tradigao: uma tradicdo alegorizada especularmente, na prosa de Lezama Lima, pela “suma délfica” (Stimula, nunca infusa, de excepciones morfoldgicas) de Oppiano Licarlo, e, na de Julio Cortazar, pelo Liber Figuralis de Morelli, Mas é em Octavio Pai, no poema Blanco (1967), que ela encontra, por assim dizer, a sua harmoniosa figura de conclusio. Nesse poema de leitura multipla, desdobravel como um livro oriental, a neotradigéo mallarmeane da sintaxe estrutural se enfrenta com outra tradigfo, fortemente ibérica, a da metéfora, de aurea heranca barroca, que a revalorizacao de Géngora pela geracio de Garcfa Lorca represtigiou; por uma dialética tantrica do sit € do NAO, em convivio nao-exciuidente, esse poema visual é ‘metafora ¢ critica da metafora, matriz combinatoria que se fazerefaz, segundo uma eidética do texto e uma erética da imagem (“A imagem do corpo como peregrinacao nos devolve a imagem do corpo como POESIA £ MODERWIDADE : 269 escritura” [O. Paz, "BI Pensamiento en Blanco”). Este, em trago esque- matico, o curso hispano-americano do processo. A Linhagem Mallarmaica no Brasil No Brasil, implfcita ou explicitamente, um correspondente itinerério evolutivo pode ser resumido, "reconstrutdo”. A poesia instantanea, em cépsuilas, quase-haicais, em montagens relampagueantes, de Os- wald de Andrade, nos anos 20, os poemas tantas vezes auto-reflexivos de Drummond, na geragio de 30; a imagem em liberdade ¢ a posterior dicgao substantiva, meditada, de Murilo Mendes, também, dessa geragio; 0 Jodo Cabral “engenheiro" e “psicologo da composi io" nos anos 40 e no desenvolvimento subsequente da linha meta- lingitistica de sua poesia. Mas € em Drummond, em Isso ¢ Aquilo, do livto Lieto de Coisas, de 1962, poema lidico e visual, ja sob a influéncia nftida da poesia concreta, langada publicamente em 56, que o debito para com a linhagem-Mallarmé se deixa explicitar até emblematicamente, no jogo ironico em torno da palavra ptyx. Isto para nfo falar em Manuel Bandeira, precursor € mestre de nosso Modernismo, cuja intimidade com 0 Coup de Dés esta documentada na bela conferéncia proferida em 42, no centendrio do nascimento do poeta; Bandeira, que chegou a praticar a poesia concreta em. alguns poemas de sua ditima fase e a saudou, no instante polemico de seu langamento, com receptividade e juventude de espirito, A pocsia concreta brasileira foi o momento de totalizacio desse proceso, Em certo sentido, fo: também o tiltimo movimento pottico de vanguarda, coletivo e intemacional (com ramificagées inclusive nd Japao, através do Grupo vou, de Kitasono Katue). Perfez, nlo $6 no plano do poema, mas ainda no da poética, a confluencia Oren» te/Ocidente: da ideografia poematica intentada em linguas alfabétl> co-digitais, & reexportagio das técnicas tipograficas do’ poema concreto para uma lingua escrita em caracteres ideograficos (0 Japo= nés), numa espécie de tropismro por reversio complementar, Esgota ‘mento do campo do possivel, radicalizagao "verbi-vococvisual até a 264: 0 ARCOARIS BRANEO sensacdo do limite, a poesia concreta, num gesto grupal, andnimo € plirimo, empenhou-se em levar até as tltimas conseqiiéncias o projeto mallarmeano. Rompeu com os elos residuais do discurso (falo dos poemas da fase minimalista, de estrutura geometricamente controlada, que correspondem ao Plano Piloto de 1958), converten- do-se, monadologicamente, numa “tensdo de palavras-colsas no espaco-tempo”. Com isto também produziu (sem mesmo o preten- der) um modelo intensificado € provocativo, instantaneizado, do exercicio da “fungdo poética” (projecdo do paradigma no sintagma), tal como 0 teoriza Jakobson, Sua estrutura era seu contetido ¢ também sua metéfora, “metéfora epistemol6gica” (para usar uma expresstio de Umberto Eco) do mundo “produzido", autonomo e auto-reflexivo do poema, que se substituia a natureza ¢ ao état de naiveté jé destronados na poesia urbana de Baudelaire, e que, por outro lado, na tentativa de abolir provisoriamente 0 acaso, integra- ‘vao & fugacldade do constructo poético no instante util do seu equilibrio dinamico, assim como, em Mallarmé, “todo pensamento emite um Lance de Dados...” Fungio critico-negativa em Baudelaire, fungio critico-ut6pica em Mallarmé: conclusao da historia da Mo- demidade no primeiro, abertura do espago pds-moderno no segun- do... Se Walter Benjamin vé em Baudelaire o poeta por exceléncia da Modemidade, Octavio Paz acrescenta (num diapasdo que nao desa- gradaria ao Benjamin que reconheceu no Coup de Dés a imagem da poesia do futuro): Baudelaire fez da analogia o centro de sua pottica. Um centro em perpétua oscilagao, sacudido sempre pela ironia [...] No centro da analogia ha um oco: a plutalidade de textos implica que ndo ha um texto original. Por esse aco se precipitam desaparecem, simultaneamente, a realidade do mundo € 0 sentido da Linguagem, Porém nao € Baudelaire, e sim Mallar- ‘mé aquele que se atreveré a contemplar esse oco e a converter essa contemplacao do vazio na matéria de sua poesia. POESIA © MODERNIDADE : 265 P6s-Moderno e 0 Pés-Ut6pico Entendo que 0 momento que atualmente vivemos — momento que estamos vivendo desde, pelo menos, o fim dos anos 60, quando se concluiu, segundo penso, o processo da poesia concreta enquanto movimento coletivo ¢ experimento em progresso — no ¢ propria- mente um momento pés-moderno, mas, antes, pés-ut6pico, Mallarmé acalentou 0 projeto de um livro permutatério (Bloc), que seria verdadeiramente a Obra, da qual 0 Coup de Dés representaria, apenas, ‘uma primeira versio aproximativa, Imaginou uma espécie de livro- espetéculo, que participaria do teatro, do oficio littirgico ¢ do con- certo, livro de inkio “reservado”, mas, a longo termo, pensado ‘também como uma festa comunitatia, j4 que esse multilivro, segun- do 0 poeta, deveria ser “modernizado”, isto é, colocado ao alcance de todos. Para tanto, Mallarmé deteve-se nos detalhes praticos da recepcao dessa Biblia moderna, desde a organizacio das séances de leitura até minticias de financiamento ¢ de tiragem (prevista para nada menos de 480 mil exemplares...), segundo hoje o sabemos ‘gragas aos rascunhos do projeto, publicados em 1957 por Jacques ‘Scherer. # eviclente que, por tras de um tal sonho (onde a economia “restrita” do livro se articula com a historia e a economia politica, a intervencao singular do poeta com a ago geral, como salienta Maurice Blanchot), esté 0 “princfpio-esperanga" (tomo a expressao de Ernst Bloch). £ essa esperanca programatica que permite entrever ‘no futuro a realizacio adiada do presente, que anima a suposicio de que, no limite, a “poesia universal progressiva” possa ocupar o lugar socializaclo do jornal, essa féerie populaire, qual poema enciclopédico de massa, “indispensavel como 0 pao ou o sal’. Maiakovski, no horizonte utopico de sua “comuna ideal’, livre de burocratas, refute tando as censuras quanto a dificuldade e a incomunicabilidade de sua poesia, ecoara esse anelo por um livro cuja clareza decorra ce suit necessidade, cuja condigdo de possibilidade nasca da elevagiio da cultura do povo, no do rebatxamento do nivel de inovagao postica (tudo isso esté no poema Incompreenstvel para as Massas; de 1927), 265 0 ARCOAAIS BRANCO Vanguarda e “Princtpio-Esperanca” Sem esse “principio-esperanga’ , ndo como vaga abstragao, mas como expectativa efetivamente alimentada por uma pritica prospectiva, do pode haver vanguarda entendida como movimento. 0 trabalho em equipe, a rentincia as particularidades em prol do esforcocoletivo © do resultado andnimo, ¢ algo que s6 pode ser movido por esse motor “elpidico", do grego elpis (expectativa, esperanca). Em seu ensaio de totalizagao, a vanguarda rasuta provisoriamente a diferen- 6a, 4 busca da identidade ut6pica, Aliena a singularidade de cada poeta a0 mesinio de uma postica perseguida em comum, para, nuria etapa final, desalienar-se num ponto de otimizagao da historia queo futuro Ihe estard reservando como culminagao ou resgate de seu empenho desdiferenciador e progressivo, Vanguarda, enquanto movimento, ¢ busca de uma nova linguagem comum, de uma nova koiné, da linguagem reconciliada, portant, no horizonte de um mundo trans- formado. Nos anos 50, a poesia concreta brasileira pode entreter esse projeto de uma linguagem ecuménica: 08 novos barbaros de um pais periférico, repensando o legado da poesia universal ¢ usursando-o sob a bandeira “descentrada” (porque “ex-céntrica”) da “razdo an- tropafagica” (a anal6gica do “terceiro excluido”), desconstrutora & transconstrutora desse legado, agora assumido sob a espécie da devoracio. Avocar a totalidade do c6digo @ reoperé-lo pela 6ptica expropriadora da circunstancia evolutiva da poesia brasileira, que passaria, por sua vez, a formular os termos da nova lingua franca, de transito universal Brasilia e a Poesia Concreta A circunstancia era favoravel, No Brasil edificava-se Brasilia, a capital futurolégica, barroquizante e construtivista a um tempo, de Liicio Costa © Niemeyer. O “engenheito” Joao Cabral era nosso mais Imedliato antecedente (a conservadora Geragao de 45, com seus jogos POESIA € woDeANIDADE : 267 florais, nossa adversaria natural). Juscelino Kubitschek arbitrava, com envergadura de estadista, 0 momento politico-administrativo brasileiro, conseguindo, com seu “Plano de Metas", equilibrat forcas em conflito e propiciar um dos raros inter:egnos de plenitude democratica que foram dados viver A minha geragio, Celso Later, em sua analise fundamental do processo de planejamento e do sistema politico no governo Kubitschek (The Planning Process and the Political System in Brazil/ A Study of Kubleschek’s Target-Plan ~ 1956-1961), nos ajuda a compreender como, através da percepsio do acréscimo da participagio politica em nivel popular, ¢ legitimado pelo voto, Juscelino “seconheceu a dinamica do sistema e visualizou a necessi- dade de considerar 0 futuro, no 0 pasado, como quadro de referén- cia para guiar a a¢do governamental’. A arte da Era Jusceliniana foi a arquitetura e seu attista por exceléncia fol o marxista Niemeyer (nisto o liberal-progressista Jus- ccelino demonstrava o apuro do seu senso estético e a amplitude de sua capacidade de convivio ideolégico). Mas a entao jovem poesia concreta, conquanto independente em relagao ao centro politico de decisdes, e marginal em sua evolugio circunseri:a preferencialmente a0 plano literario € attistico, néo poderia deixar de refletir esse momento generoso de otimismo projetual. Como o Plano Diretor de Brasflia, nosso manifesto de 1958 intitulou-se Plano Piloto e propu- nha “uma responsabilidade integral perante a linguagem, realismo total; contra uma poesia de expresso, subjetiva e hedonista, criar problemas exatos ¢ resolvé-los em termos de linguagem sensivel; uma arte geral da palavta, 0 poema:produto: objeto titil” Crise cla Utopia, Crise das Ideologias Depois, nos anos 60, houve a sedugo dos infcios da Revolugto Cubana, o agucamento do debate politico, a repristinacio de uma perspectiva historica fascinante: a renovagio postica entrevia, outta vez, a possibilidade de (como Octavio Paz. gosta cle dizer) “encarnats se” na transformagio social, como no comeco da Revoltugtlo Russa 288 + 0 ARCO-AIS GRANGE nos anos febris do cubofuturismo, do construtivismo, da revista LFF, das “Janelas rasta”, do poema-cartaz e da tipografia experimental de combate, Traduzimos Maiak6vski, recriando-lhe os poemas em toda a sua complexidade técnica; repusemos em circulacio o seu lema “Sem forma revoluciondria, nao hd arte revoluctondria”; interviemos: no debate da cultura nacional, que se acendeu a época, opondo-nos as teses estreitas dos sequazes brasileiros do realismo jdanovista € propondo a alternativa de um “nacionalismo eritico", aberto ao) universal: uma poesia-para, capaz de utilizar, na perspectiva do enga- gement, as conquistas técnicas da poesia pura. Veio o golpe de 64, 0 recrudescimento ditatorial de 68, 0s longos anos de autoritarismo e frustragiio de expectativas no plano nacional: poesia em tempo de sufoco. No plano internacional, acelerou-se a crise das ideologias. O capitalismo imperial, selvagem e predatério, por um lado; por outro, o Estado burocratico, repressivo e uniformi- zador, convertendo 0s revolucionarios de ontem nos appardtchki de hoje, fazendo da arte um espaco de vassalagem para a dogmética partidaria. A poesia esvaziava-se de sua fungio ut6pica (apesar de, paradoxalmente, 0s novos media criados pela tecnologia eletronica Ihe acenarem com possibilidades inusitadas, que pareciam dar con- tetido de realidade a profecia benjaminiano-mallarmaica da escrita icOnica universal), P6s-Utopia: A Poesia da Presentidade Sem perspectiva utépica, o movimento de vanguarda perde o seu sentido, Nessa acepedo, a poesia viavel do presente é uma poesia de pos-vanguarda, nao porque seja pos-moderna ou antimoderna, mas porque ¢ pos-utépica, Ao projeto totalizador da vanguard, que, no limite, 6 a utopia redentora pode sustentar, sucede a pluralizagio das poéticas possiveis. Ao principio-esperanca, voltado para o futuro, sucede o principio-realidade, fundamento ancorada no presente. Con- cordo com Octavio Paz quando expe, nas paginas finais de Los Hijos del Limo, que a poesia de hoje ¢ uma poesia do “agora” (prefiro a POESIA E MODERWIOADE : 269 expresso “agoridade” /Jetztzet, termo caro a Walter Benjamin): uma poesia “do outro presente” e da “hist6ria plural”, que implica uma “critica do futuro” e de seus paraisos sistematicos. Frente a pretensao monoldgica da palavra tinica e da tiltima palavra, frente a0 absolu- tismo de um “interpretante final” que estanque a “semiose infinita” dos processos signicos e se hipostasie no porvir messianico, o pre- sente nao conhece sendo sinteses provisorias ¢ 0 Unico residuo utopico que nele pode ¢ deve permanecer ¢ a dimensdo critica € dialogica que inere 8 utopia. Esta poesia da presentidade, no meu modo de ver, ndo deve todavia ensejar uma pottica da abdicagao, no deve servir de Alibi ao ecletismo regressivo ou a facilidade. Ao invés, a admissio de uma “hist6ria plural” nos incita 4 apropriagdo critica de uma “pluralidade de passados”, sem uma prévia determi- nacao exchusivista do futuro, Tenho dito, em mais de uma oportuni- dade, que a “poesia concreta” dos anos 50 e 60, como “experiencia de limites”, nao clausurou nem me enclausurou. Ao contrario, ensi- nou-me a ver 0 concreto na poesia; a transcender o “ismo” particu- larizante, para encarar a poesia, ttanstemporalmente, como um processo global e aberto de concregio s{gnica, atualizado de modo sempre diferente nas varias épocas da historia literdria e nas varias ocasides materializaveis da linguagem (das linguagens), Safo e Basho, Dante ¢ Cam@es, $4 de Miranda e Fernando Pessoa, Hélderlin e Celan, Géngora e Mallarmé sao, para mim, nessa acepgio fundamen- tal, poetas concretos (0 “ismo” aqui ndo faz sentido). Por isso, a poesia “pos-utdpica” do presente (que ndo necessita mais, para definirse, de recorrer a uma “oposigdo dominante”, seja a um dado pasado, seja a si mesma, conforme o requeria o esquema caracteris- tico do conceito de modernidade em seu processo hist6rico-evoluti- vo de auto-afirmagdo) tem, como poesia da agoridade, um dispositivo critico indispensdvel na operacdo tradutéria. O traduton, como diz. Novalis, “é 0 poeta do poeta’, o poeta da poesia. A tradugo sta como prética de leitura reflexiva da tradigiio — permite recombinar a pluralidade dos passados possfvels ¢ presentificd-Ia, como diferenga, na unieidade hic ¢¢ nunc do poema pos-utopico,

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