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O texto discute a evolução da língua portuguesa ao longo do tempo, com o enriquecimento do vocabulário e a criação de novos significados para palavras. Também reflete sobre como a comunicação moderna, como redes sociais e mensagens instantâneas, contribuem para a dinâmica da língua e a necessidade de dominar diferentes registros linguísticos.
O texto discute a evolução da língua portuguesa ao longo do tempo, com o enriquecimento do vocabulário e a criação de novos significados para palavras. Também reflete sobre como a comunicação moderna, como redes sociais e mensagens instantâneas, contribuem para a dinâmica da língua e a necessidade de dominar diferentes registros linguísticos.
O texto discute a evolução da língua portuguesa ao longo do tempo, com o enriquecimento do vocabulário e a criação de novos significados para palavras. Também reflete sobre como a comunicação moderna, como redes sociais e mensagens instantâneas, contribuem para a dinâmica da língua e a necessidade de dominar diferentes registros linguísticos.
O texto diante dos seus olhos foi escrito a bordo de um avio. A
agenda no solo me obriga a produzir no cu. Se algum me acusar de ser um nefelibata, indivduo com cabea nas nuvens, ter razo. Nefelibata pertence categoria de palavras que indicam idade. Quem a usa, provavelmente, lia a seo enriquea seu vocabulrio da revista Selees. Monteiro Lobato, no livro Emlia no Pas da Gramtica, conferiu um imenso prazer descoberta da lngua. O autor de Taubat tornou inesquecvel o dilogo atrevido de Emlia com os arcasmos como a palavra bof (sinnimo de francamente). As definies que o rinoceronte Quindim sofisticava a boneca aplainava. Nefelibata e bof poderiam andar ao lado de energmeno no campo indicativo de antiguidade do usurio. Energmeno tem sonoridade dupla: polisslaba e proparoxtona. A professora Juraci assegurava-me que as proparoxtonas podiam ser chamadas de esdrxulas. Eu era criana e fiquei assombrado! H coisa mais saborosa do que apontar para algo e dizer que esdrxulo? A palavra sai
sonora,
ressuscitada
como
um
Lzaro
em
mortalha,
reencontrando, atnita, a luz do dia.
Visualizem a seguinte cena: numa rusga de trfego, um motorista grita - sacripanta! - a um infrator que lhe atravesse a rota. Imaginem se o atingido pela pedrada vocal redarguisse que o insulto estapafrdio? Aps um sagrado silncio, talvez, poderiam se entreolhar com certo afeto parnasiano. Talvez abandonassem a animosidade e reconhecessem um elo. Convenhamos: palavres que invocam a moralidade da genitora ou especulem sobre orientao
sexual do condutor so de uma banalidade constrangedora. Mas
sacripanta? Estapafrdio? Raros, meus dominicais leitores, raros. So insultos preciosos, quase elogios. A inteligncia atual no menor do que aquela que brilhava nos discursos de Rui Barbosa. Antes, a riqueza vocabular era um indicativo de slidas leituras e formao preciosa. Sinonmia era um termmetro de bacharis respeitveis e de boa famlia. Hoje, o tom direto a virtude cardeal. O homem de letras esmerava-se para engastar uma rima. A frase era lapidada. A forma era to fundamental quanto o contedo. Suspeito que havia mais tempo livre. Num mundo de nomes curtos como o nosso, como explicar uma mulher chamada Capitolina, imortalizada por Machado como Capitu? Hoje, a esposa de Dom Casmurro atenderia pelo apelido C... De oblqua e dissimulada, ela passaria a vesga e falsa. A modernidade asfaltou a estrada vocabular. Nada mais engastado. Foram assassinadas as nuanas. Os mosaicos receberam cal. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Um admirvel mundo novo implica vocabulrio distinto. Expresses tradicionais que indicavam a convivncia peninsular com a tradio rabe, hoje, provocam equvocos. J desejei Oxal consigas e recebi como resposta: e Iemanj me ajude tambm! A lngua viva e dinmica. A gramtica normativa antes necrotrio do que berrio. O uso transforma e recria. Parte da beleza da ltima flor do Lcio perceber o movimento histrico das palavras e dos sentidos. Exemplo hipottico: Padre Vieira seria reprovado na redao do Enem. O imperador da lngua (como o descreveu Pessoa) acharia insuficiente o espao para expressar coeso e coerncia de qualquer ideia. Usaria regncias que ficaram ultrapassadas. Com suas oraes
subordinadas, seria considerado confuso pelo corretor. Isso no
trgico, histrico. No reclamo das formas contemporneas de comunicao. Um bom usurio da lngua deve saber utilizar diversos cdigos para distintos objetivos e pblicos. Passar do sermo da Sexagsima para uma frase de WhatsApp importante. Um haicai no inferior a um poema pico. Por vezes, um p ou nem podem ser to expressivos e comunicativos quanto as dezenas de pginas que Proust utilizava para descrever o som da colher na xcara. A leitura de Alexandre Herculano ou Euclides da Cunha no me torna melhor como pessoa. Porm, se consigo entender um texto com expresses aliceradas em outro cdigo de comunicao, minha capacidade de transitar entre mundos aumenta. Ler apenas aquilo que j conheo com termos usuais como levantar pesos de cem gramas na academia: o resultado a monotonia. Mrio de Andrade ironizou, na carta s icamiabas (Macunama), que nosso pas tinha tal opulncia, que tnhamos duas lnguas: a sua riqueza de expresso intelectual to prodigiosa, que falam numa lngua e escrevem noutra. Nossa opulncia lingustica aumentou. A lngua
da
cidade
de
Portuglia
(segundo
Lobato)
tem
novos
loteamentos: o portugus das escolas, o da internet, o dos jornais, o
oral, o dos rostinhos com emoes (um dos bairros com maior potencial de expanso). Uma boa educao deveria trabalhar a beleza do pretrito maisque-perfeito e a compreenso do quase fssil modo subjuntivo. Ao mesmo tempo, nada impediria agradecer uma mensagem com o semtico (sem vogais) anglicismo: tks! Emlia adoraria, Rui Barbosa no. Todo nefelibata deveria conhecer Taubat. preciso visitar os muitos bairros da nossa lngua portuguesa. Um bom domingo a todos vocs!
O Estado de So Paulo Cultura. Disponvel em:
<http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,palavras-da-terra-e-doar,10000083697>. Acessado em 26/10/2016.