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O documento resume o livro "Tinha uma coisa aqui", de Ieda Magri. O livro é constituído por três contos ligados pelo tema da perda, narrados de uma perspectiva feminina e subjetiva. A narrativa explora temas como solidão, espera, separação e busca por identidade através da escrita. A linguagem poética e as metáforas usadas convidam o leitor a refletir sobre questões universais como dor e mortalidade.
O documento resume o livro "Tinha uma coisa aqui", de Ieda Magri. O livro é constituído por três contos ligados pelo tema da perda, narrados de uma perspectiva feminina e subjetiva. A narrativa explora temas como solidão, espera, separação e busca por identidade através da escrita. A linguagem poética e as metáforas usadas convidam o leitor a refletir sobre questões universais como dor e mortalidade.
O documento resume o livro "Tinha uma coisa aqui", de Ieda Magri. O livro é constituído por três contos ligados pelo tema da perda, narrados de uma perspectiva feminina e subjetiva. A narrativa explora temas como solidão, espera, separação e busca por identidade através da escrita. A linguagem poética e as metáforas usadas convidam o leitor a refletir sobre questões universais como dor e mortalidade.
O Tinha uma coisa aqui chegou em hora de dor, solido pesada. Mas o negrume da primeira pgina, seguido da dedicatria aos que sangram, era convite irrefutvel quilo que restava: olhar profundamente para meu buraco. Decerto a leitura no seria um blsamo, talvez fizesse sangrar ainda mais (e fez); contudo, optei por esse algo crocante de que a personagem Pema est sempre em busca. Desisti de segurar a onda, preferi me aproveitar dela para chegar at a areia, com a percepo mais clara de que, apesar das inmeras tentativas que empregamos para nos distrair da vida e esquecer a morte, somos essencialmente tristes, como diz o narrador do segundo conto, o menino demasiado frgil, sobrinho de Pema. E nesse long way em busca de apaziguar o bicho que de vez em quando manda na gente: no engole, no respira, no se mexe, o livro da Ieda mais um aprendizado, uma prece ao Deus da Pema, que cada vez mais me encanta: o da criao. O livro constitudo por trs contos cuja interseo a dor da perda. A narrativa em prosa, que se aproxima da poesia, lembra o que o italiano Alfonso Berardinelli, em Da prosa poesia (2007), apresenta como carter tpico da lrica moderna: a fuso de gneros. Essa prosa musical construda por uma porosidade que permite as mltiplas leituras e onde as palavras esto prenhes de gravidade (a laranjeira mais antiga um Aleph) pode muito bem ser lida como uma rapsdia, como props Heloisa Buarque de Holanda no texto de apresentao que compe a orelha do livro. No primeiro conto, Abrao e eu, narrado por Pema, personagem vrtice nesse caleidoscpio narrativo, podemos ler uma metfora da ascenso, o decolar em busca da construo da linguagem. medida que Pema sobe o p de laranjeira e descasca suas frutas, o leitor vai sendo convidado a visitar esse lugar a que somente a literatura d visibilidade, onde dialogam Hilda Hilst, Bukowski, Borges, Flaubert, Tolstoi, Kafka e Drummond: o alto o lugar onde se pode ver tudo. E se me fosse, estando eu aqui, ofertada a mquina do mundo? O trecho soa quase como um pedido de licena s musas, como o Cames dos ltimos versos da segunda estrofe de Os Lusadas: Cantando espalharei por toda parte,/Se a tanto me ajudar o engenho e a arte. O que lemos so como microepopeias da separao que, narradas de um ponto de vista individual, em primeira pessoa, tratam, contudo, de algo que se amplia coletividade. Afinal, a dor da perda algo que, se ainda no sentimos, seguramente um dia iremos experimentar. Essa falta, que parece ser realmente a protagonista em Tinha uma coisa aqui, surge no somente como tema a falta do pai, da tia querida, do filho, do grande amor ou como o lugar mesmo de onde fala a autora (a falta intrnseca constitutiva do feminino).
O universo feminino revelado por lente macro, voltada para a
mincia ntima, como num dirio, expresso principalmente nas linhas sobre a espera, como a histria do pudim feito para o homem amado e ausente: no consigo comer porque se voc chegar e eu estiver comendo no vai acreditar na minha espera. Vai achar que nem do. Mas dizer que a falta de que trata o livro limita-se a esse lugar seria reduzi-lo a mera literatura de dor de cotovelo, do tipo os homens esto em Jpiter e pra l que eu vou. E seguramente no se trata disso. A ausncia que importa est na linguagem que a apresenta. A palavra aqui outra, faz sangrar, como adverti no incio, e o recado j est dado na epgrafe do livro, com Hilda Hilst: Penso que tu mesmo cresces Quando te penso. E digo sem cerimnias Que vives porque te penso O atrito acontece porque a falta matria da escrita, do pensamento, o que sustenta a tenso necessria para que o livro no se torne dirio de mulherzinha. Quando nos confortamos com essa conhecida mulher que espera, o que vemos o estilhaar em outras cujos espinhos impedem nossa acomodao. Como mostram os trechos: amor iluso boa quando voc sabe como acender a luz, colocar a roupa e ir embora, ou saiba que nada faz mais bem a uma mulher do que, no caso de tdio, virar puta. E, para os que insistirem em considerar uma escrita menor a que fala desse lugar, trago o que Hilda Hilst escreveu em Estar sendo ter sido: O que voc pensa que so as mulheres? buracos, isso o que elas so. buracos macios. s vezes no, speros, quase espinhudos (Hilst, 1997, 14). H espinhos em Tinha uma coisa aqui, seja nas provocaes diretas ao leitor, como: por que voc est aqui fingindo interesse se no me conhece? Se no tem nada comigo? Se sou s um nome escrito?, ou mesmo nas indiretas, como a dvida que desperta a narrativa final: as cartas de Tina e o dirio da filha de Pema: Se forem pedaos da mesma mulher? Ou relato de algum na montanha-russa de uma separao? As emoes a galopes, os vrios discursos a se entrelaarem no caminho que fazemos de volta a ns mesmos, na hora em que a dor de existir esbarra tantas vezes no insuportvel. No terceiro e ltimo conto, Tinha uma coisa aqui. 8x Tina, encontramos a saga da separao de um grande amor narrada pelo ponto de vista feminino. Nele, a tenso se acentua; onde h os espinhos mais renitentes. Justamente por isso a narrativa interessa, nessas reas brancas que se processa a interao com o leitor, atravs da dialtica movida e regulada pelo que se mostra e se cala (Iser, 1979, 90). O discurso epistolar por excelncia fragmentrio, propcio apresentao de uma subjetividade mltipla, inconstante. O conhecimento de si realizado pelo prprio movimento da escrita, e
nisso as oito cartas de Tina se inserem como elemento a mais na
construo de uma linguagem prismtica desse sujeito mltiplo que escreve e l em busca do aprendizado: saio da casa de Tina sabendo mais da mulher que sou. Nesse conto surge mais intenso o fluxo da metalinguagem e da interao com o leitor. a conscincia do escritor moderno, de que o mundo matria de escrita. Os dois trechos que encerram o livro mostram a epopeia em busca de si, em O encontro, e o caminho em direo prpria literatura e ao outro que a l, em A fuga: quando se anda por essas estradas de terra no h urgncia em chegar. O que fica pra trs s p. Por fim, chamo a ateno para a citao-eplogo e a referncia ao dilogo seminal com Manoel Ricardo de Lima, autor do poema Esperando Lo. Ao trazer a espera e a falta para dentro do discurso, escrever investindo na leitura e conjugar memria e imaginao cultura audiovisual, to cara aos da gerao da autora, como lemos no segundo conto, Pema onde as personagens Emma Bovary, Ana Karenina, Olga e a barata de Kafka invadem a parede que serve de tela de projeo para os filmes imaginrios e de memria de Pema e seu sobrinho , a autora apresenta seu territrio: o da literatura. So esses motivos que imprimem distino ao Tinha uma coisa aqui, em que a falta, porque pensada, lida e escrita, constitutiva da prpria linguagem. E, medida que nos permitimos o movimento nesse caleidoscpio, nos ofertado o adensamento da narrativa, personifiquei-me na ausncia. Sou o que me falta. E a dor? Certamente no h remdio, mas h sobretudo as veredas proporcionadas pela leitura de um bom livro: Se sofro? J resolvi: no. Por qu? As dores a gente esquece, ficam perdidas enquanto a gente se acha, se ocupa no tempo. (...) No sofro. Experimento. Referncias bibliogrficas BERARDINELLI, Alfonso. Da poesia prosa. Org. Maria Betnia Amoroso. Trad. Maurcio Santana Dias. So Paulo: Cosacnaify, 2007. CAMES, Lus de. Os Lusadas. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1963. ISER, Wolfgang. A interao do texto com o leitor. In: COSTA LIMA, L. (org.). A literatura e o leitor. Textos de esttica da recepo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. HILST, Hilda. Estar sendo. Ter sido. So Paulo: Nankin, 1997. MAGRI, Ieda. Tinha uma coisa aqui. Coleo Rocinante.