Sei sulla pagina 1di 23
Revista Critica de Ciéncias Sociais Ne 52/53 Novembro 1998 / Fevereiro 1998 ANTONIO SOUSA RIBEIRO MARIA IRENE RAMALHO. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e Centro de Estu- dos Sociais Dos estudos literarios aos estudos culturais? Percorem-se_sucintamente alguns aspectes da crise dos estudos Iterérios @ da (auto)definicao dos estudos cultu- rais. Depois de algumas observagies ciiticas sobre @ telagdo entre os dos campos, rejeta-se uma absolutizacao simplista des estudos culturais, conclu- jindo-se que uma perspectiva genuina- ‘mente transdiciplinar ou pés-disciplinar deve antes basear-se num modelo cooperative, assente no repensar radi- cal das tradigdes discivinares ¢ na desestabilizacao das categorias que as informam, mas capaz, a0. mesmo tempo, de reflectir a especificidade das praticas que toma por objecto. firmar que os estudos literarios estao em crise dificil- mente podera surgir como novidade. Afinal, trata-se de um diagnéstico ha muito estabelecido, e as publicagdes sobre o tema nas mais diferentes linguas constituem hoje um corpus praticamente inabarcavel. Divergéncias have-las-4 quando muito a respeito da genealogia dessa «crise». Para alguns, ela é antiga e coincide, pelo menos em parte, com a propria institucionalizagéo disciplinar dos estudos literdrios'; para outros, ela 6 mais recente e esta associada a din&amica de deriva subsequente ao esgotamento dos paradigmas forma- listas, que tinham conferido uma aparente solidez a este campo disciplinar e de que a vaga estruturalista dos anos sessentta foi o canto de cisne2; para outros ainda, a «crise» no representa senao a outra face da consubstancial auto- -reflexividade dos estudos literdrios (Fohrmann, 1995), exprime a precariedade sempre instavel dos seus conceitos centrais e traz, assim, no fim de contas, uma marca funda- 1 Para 0 caso alomao, vaja-se, entre outros, Wegmann, 1991 ® Para uma analise deste problema nos Estados Unidos nos meados dos anos setenta, com referénoia explicita a falta de Com uma definigéo como esta, regressamos a delimita- 0 do objecto dos estudos literérios como um objecto de fronteira. E 6 justamente a metafora da fronteira que serve a Bakhtine para uma definicao de cultura que podera servir de transigao para a parte final da nossa reflexao: Nao deveria conceber-se 0 dominio da cultura como um todo espacial, que é delimitado por fronteiras, mas dispde também de um tertitorio proprio. No dominio da cultura, nao existe um territé- rio interior: ele situa-se inteiramente nas fronteiras, por toda a parte, por cada um dos seus elementos, ha fronteiras a passar [.... Todo © acto cultural vive, no essencial, nas fronteiras. (Bakhtine, 1979: 111) De uma outra perspectiva, que pde particularmente em relevo a ambiguidade inerente ao conceito de articulagao, é essa mesma instabilidade de uma definigdo ndo-territorial de cultura que ressalta da formulago de Stuart Hall: Ha sempre alguma coisa de descentrado no tocante ao medium da cultura, no tocante a linguagem, & textualidade e a significa- go, que foge ¢ escapa sempre as tentativas para o ligar, directa e imediatamente, a outras estruturas. E, contudo, ao mesmo tempo, a sombra, a marca, 0 rasto, dessas outras formagées, da intertoxtualidade dos textos nas suas posigdes institucionais, dos textos como fontes de poder, da textualidade como um lugar de representagao e de resisténcia, todas estas questées néo podem nunca ser apagadas dos estudos culturais. [...] A cultura ha-de sempre funcionar através das suas textualidades - e, ao mesmo tempo, [...] a textualidade ndo é suficiente. (Hall, 1992: 284) 31 Qutra coisa nao formula, no fundo, Adomo, num passo classico da Teo- ria estética sobre a relacao entre a arte € a sua teoria: «O seu objecto [da esté- tica] define-se como incetermindvel, negativo. Por isso a arte necessita da filo- sofia, que a interpreta para dizer o que nao é capaz de dizer, quando isso s6 pela arte pode ser dito, ao nao dizé-lo.» (Adomo, 1981: 113). Dos estudos literarios aos estudos culturais? O conceito de descentramento, testemunho do caracter «fugidio» — ou, por outras palavras, da dimensao ndo-comu- nicativa de uma cultura entendida numa dimensao nao-afir- mativa —, evidencia uma 6bvia ligacéo com uma concepgao. dos estudos literarios como a que atras defendemos*. Desta perspectiva, os riscos de institucionalizagao de uns estudos culturais presos & postulada positividade do seu objecto sao evitados pela atengao a dinamica inerente & linguagem, a textualidade e a significagao — uma atengao cujo lugar por exceléncia sao os estudos literdérios. Longe de se diluirem ou de se limitarem ao papel de simples alinea condenada ao desaparecimento no mare magnum da cultura, eles recupe- ram, assim, uma fungao essencial, como «ma consciéncia» ou como correctivo critico de uma logica de indiferenciagao. Na resposta a interrogagao de Herbert Schnédelbach sobre se uma cultura alheia & ideia de critica nao seria justamente «a barbarie da qual busca constantemente demarcar-se» (1996: 311), os estudbs literdrios tém, assim, uma palavra importante a dizer. E a partir da relac&o de porosidade entre os diferentes campos — a condigao necessaria para o multiperspectivismo de um «conhecimento fractal» (Hassauer, 1992: 63) — que poderao criar-se as condigdes para a aquisipao da «cidada- nia culta» reclamada como o mais elementar objectivo estra- tégico dos cultural studies (Nelson/Gaonkar, 1996: 18). De facto, como tem o cuidado de especificar Stuart Hall, «a tex- tualidade néo é suficiente». Mas daqui até a afirmagao da superioridade de um paradigma anti-textualista como 0 que, a fazermos f6 em L. Grossberg (1997), 6 hoje dominante nos estudos culturais, vai uma diferenga muito substancial. E jus- tamente com a tradigao textualista (associada a nomes incon- torndveis como o de Raymond Williams) que essa versio dominante condena hoje a um estatuto residual que os estu- dos literarios mais directamente estao em condigdes de dialo- gar. Mas a condigaéo desse didlogo, por parte dos estudos 82 Tenha-se presente, a propésito, 0 aforismo de Adorno: «Qualquer escri- tor facilmente comprovard que quanto mais precisa, conscienciosa e apropria- damente nos exprimimos, mais 0 resultadb literario € considerado dificilmente compreensivel, a0 passo que basta comecarmos a formular de modo negli- gente @ iesponsdvel para sermos premiados com uma cera compreensao. ] AS pessoas 36 consideram compreensivel aquilo que nao chega a xigi-ines compreensao.» (Adorno, 1997: 179-180), Na sua formulagao mais radical, o problema é expresso por K. H. Bohrer do seguinte modo: «[Os estudos literérios] teréo de declarar a dimensao ‘ngo-comunicativa como principio perante a banalidade do que Ihes é exigido ou entéo serd de toda a justica que desaparecam.» (Bohrer, 1997: 184). 79 80 Anténio Sousa Ribeiro Maria Irene Ramalho culturais, 6 a recusa de pretensdes universalistas ©, pelo con- trario, a afirmagao de um multiperspectivismo capaz de reflectir em cada momento a especificidade das praticas que toma por objecto. Uma das consequéncias directas desse multiperspectivismo 6 a aquisigéo de uma tolerancia discur- siva que, sem deixar de manter vivo 0 espago do diferendo, tejeita, do mesmo passo, légicas de demarcagao ou de exclu- so ditadas apenas pelo posicionamento tactico na frente de umas quaisquer «culture wars» (Graff, 1992). Nao tem sido muito viva entre nés a reflexao sobre a situa- cdo epistemolégica das Ciéncias Sociais e das Humanidades e, concomitantemente, ndo tém sido muitos os ecos da dis- cussdo de que acima esbogdmos os contornos fundamentais. So, de facto, por norma bastante escassas no nosso con- texto as tentativas relevantes de trazer a discussao — a dis- cusséo académica, mas, do mesmo passo, a ponderacao pUblica - 0 sentido, potencialidades e limites dos contextos paradigmaticos em cada momento vigentes. Daqui resulta um dos aspectos sem diivida mais perturbadores da vida intelec- tual portuguesa: a forma como as transigdes de paradigma ou, simplesmente, a adopgdo deste ou daquele modelo ted- rico ou metodoldégico se vao fazendo de acordo com uma lgica indiscutida frequentemente proxima da légica da moda. Entre a rigidez das tradigées disciplinares e das rotinas aca- démicas e a revolta inconsequente do senso comum como por vezes aflora em polémicas jornalisticas hd, contudo, um espago que, apesar de tudo, de modo nenhum tem estado por ocupar. Mas isso seria pretexto para um inventario critico que terd de ficar reservado para um estudo posterior. Referéncias Bibliograficas Adomo, Theodor W. 1981 Adomo, Theodor W. 1997 Adomo, Theodor W.; 1981 Horkheimer, Max Alvares, Maria 1997 Cristina; Diogo, Américo Anténio Lindeza Bachmann-Medick, 1996 Doris (org.) Baht, Timothy 1997 Bakhtine, M. M. 1979 Barner, Wilfried 1997 Béhme, Hartmut 1998 Bohrer, Kari Heinz 1994 Bohrer, Kari Heinz 1997 Burger, Rudolf 1996 Chicago Cultural 1992 Studies Group Compagnon, Antoine 1998 Denning, Michael 1994 Dominguez, 1996 Virginia R. Easthope, Antony 1991 Fohmann, Jargen 1995 Frow, John 1995 Frahwald, Wolfgang 1991 etal. Graff, Gerald 1992 Dos estudos literarios aos estudos culturais? Asthetische Theorie. Frankfurt am Main: Suhrkamp. «Dois fragmentos de Minima Moralia», Revista Critica de Ciéncias Sociais, 47, 179-182. Dialektik der Aufklarung. Philosophische Fragmente. Frank- furt am Main: Fischer. Que saudades que eu ja tinha da minha alegre casinha... Das humanidades na nova universidade. Braga: APPACDM. Kultur als Text. Die anthropologische Wende in der Litera- turwissenschaft. Frankfurt am Main: Fischer. «Anacoluthon: On Cultural Studies», Modem Language Notes, 112(3), 366-384. «Das Problem von Inhalt, Material und Form im Wortkunst- schaffen», in M. M. Bakhtine, Die Asthetik des Wortes (org Rainer Gribel). Frankfurt am Main: Suhrkamp, 95-153. «Kommt der Literaturwissenschatt ihr Gegenstand abhan- den? Voriiberlegungen zu einer Diskussion», Jahrbuch der Deutschen Schiller-Geselischatt, 41, 1-8. «Zur Gegenstandsfrage der Germanistik und Kulturwissen- schatt», Jahrbuch der Deutschen Schiller-Geselischatt, 42 (citado a partir de htip//vww.culture.hu-berlin.de/HB/texte/ ossay. html) Das absolute Prasens. Die Semantik asthetischer Zeit. Frankfurt am Main: Suhrkamp. «P.S, (\Il)», Merkur, 575, 183-184. Kultur ist keine Kunst. Wien: Hochschule fir Angewandte Kunst. «Critical Multiculturalism», Critical Inquiry, 18(3), 830-555. Le démon de la théorie. Littérature et sens commun, Paris: Seuil «Cultural Studies and the Thought Police», in Isabel Cal- deira (org), O canone nos Estudos Anglo-Americanos. Coimbra: Minerva, 45-63. «Disciplining Anthropology», in Nelson/ Gaonkar (1996). Literary into Cultural Studies. London/New York: Routledge. «Selbstreflexion der Literaturwissenschaft», in Jargen Fohr- mann / Harro Miller (orgs.), Literaturwissenschaft. Munchen: Fink, 157-177. Cultural Studies and Cultural Value. Oxtord: Oxford UP. Geisteswissenschaften Heute. Eine Denkschrift. Frankfurt am Main: Suhrkamp Beyond the Culture Wars: How Teaching the Conflicts Can 81 82 Antonio Sousa Ribeiro Maria |rene Ramalho Greenblatt, Stephen Grossberg, Lawrence Grossberg, Lawrence et al. Gumbrecht, Hans-Ulrich Hall, Stuart Hartmann, Geoffrey Hassauer, Friederike Hunter, lan Kellner, Douglas Konersmann, Ralf Kushner, Eva Lash, Scott Lepenies, Wolf Lepenies, Wolf Long, Elisabeth Lopes, Silvina Rodrigues McRobbie, Angela Meyer, Thomas Nelson, Cary; Gaonkar, Dilip Parameshwar Rasch, William 1990 1997 1992 1995 1992 1979 1992 1992 1999 1996 1996 1985 1992 1997 1994 1992 1997 1996 Revitalize American Education. New York/London: W. W. Norton. «Culture», in Frank Lentricchia / Thomas McLaughlin, Crit- ical Terms for Literary Study. Chicago: The University of Chicago Press, 225-232. «Cultural Studies, Globalization and the Logic of Negat- ivity, comunicagao ao coléquio “The Contemporary Study of Culture», Viena, 4-6 de Dezembro de 1997 (tiposcripto). Cultural Studies. New York/London: Routledge. «The Future of Literary Studies?», New Literary History, 26(3), 499-518 «Cultural Studies and its Theoretical Legacies», in Gross- berg et al. (1992), 277-294. «A Short History of Practical Criticism», New Literary His- tory, 10(3), 495-509 Textverluste. Eine Streitschrift. Manchen: Fink. «Aesthetics and Cultural Studies», in Grossberg et al. (1992), 347-372. «The Frankfurt School and British Cultural Studies: The Mis- sed Articulation», Illuminations (nttp://www.uta.edulhuma filuminationsikell16.htm). «Kultur als Metapher», in R. Konersmann (org.), Kulturphilo- sophie. Leipzig: Reclam, 327-354. «Etudes littéraires, études culturelles: soeurs jumelles ou fretes ennemis?», in Margarida L. Losa et al. (orgs.), Litera- tura comparada: os novos paradigmas. Porto: Associagao Portuguesa de Literatura Comparada, 393-401. «Reflexivity and Its Doubles: Structure, Aesthetics, Commu- nity», in Ulrich Beck et al,, Reflexive Modernization. Politics, Tradition and Aesthetics in the Modem Social Order. Lon- don: Polity Press, 110-173. Die drei Kulturen. Soziologie zwischen Literatur und Wis- senschaft. Minchen: Hanser. Aufstieg und Fall der Intellektuellen in Europa. Frankfurt am Main: Campus. From Sociology to Cultural Stuaies. London: Blackwells. A legitimagao em literatura. Lisboa: Edigses Cosmos. «Post-Marxism and Cultural Studies: A Post-script», in Grossberg ot al. (1992), 719-730. Identitats-Wahn. Die Politisierung des kulturellen Unter- schieds. Berlin: Aufbau. Disciplinarity and Dissent in Cultural Studies. New York/London: Routledge. «The Latest Contest of the Faculties: On the Necessary Antagonism between Theory and Culture Studies», The German Quarterly, 69(4), 367-380. Ribeiro, 1996 Antonio Sousa Santos, 1995 Boaventura de Sousa Santos, Maria Irene 1983 Ramaiho de Sousa et al. Schnéidelbach, 1996 Herbert Sprinker, Michael 1997 Steiner, Peter 1984 Voloshinov,V.N. 1981 Wallerstein, 1991 Immanuel Wegmann, Nikolaus 1991 Wiggershaus, Rolf 1986 Williams, Raymond 1976 Witte, Bernd 1994 Wright, HandelK. 1998 Zima, Peter V. 1992 Dos estudos literarios aos estudos culturais? «Germanistik im Fin de Siécle: einige Randglossen», Runa. Revista Portuguesa de Estudos Germanisticos, 26, 919-927. Toward a New Common Sense. Law, Science and Politics in the Paradigmatic Transition. New York/London: Rout- ledge. «A ‘vocacao’ das Faculdades de Letras e a ‘Yformacao psi- copedagégica’ de professores», Biblos, 59, 41-48 «Pladoyer fur eine kritische Kulturphilosophie», in R. Konersmann (org.), Kulturphilosophie. Leipzig: Reclam, 307-326. «We Lost it at the Movies», Modem Language Notes, 112(3), 385-399. Russian Formalism. A Metapoetics. ithaca/London: Cornell uP. «Le discours dans la vie et le discours dans la poésie. Con- tribution a une poétique sociologique», in Tzvetan Todorov, Mikhail Bakhtine. Le principe dialogique suivi de Ecrits du cercle de Bakhtine, Paris: Seuil, 181-215 Unthinking Social Science. The Limits of Nineteenth Cen- tury Paraaigms. London: Polity Press. «Philologische Selbstreflexion. Die Frage nach der diszipli- naren Einheit», in Jurgen Fohrmann / Wilhelm VoBkamp (orgs.), Wissenschaft und Nation. Zur Entstehungsge- schichte der deutschen Literaturwissenschaft. Minchen: Fink. Die Frankfurter Schule. Geschichte, theoretische Entwik- kiung, politische Bedeutung. Munchen: Hanser. Keywords. A Vocabulary of Culture and Society. London: Fontana. «[...] daB gepfleat werde / Der feste Buchstab, und Beste- hendes gut / gedeutet. Uber die Aufgaben der Literaturwis- senschatt», in Ludwig Jager / Bernd Switalla (orgs.), Ger- manistik in der Mediengesellschaft. Munchen: Fink, 111- “131. «Dare We De-Centre Birmingham?: Troubling the ‘Origin’ and Trajectories of Cultural Studies», European Journal of Cultural Studies, 1(1). Komparatistik. Eintiihrung in die Vergleichende Literatunwis- senschait. Tubingen: Francke. 83

Potrebbero piacerti anche